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Surge uma Arte...................................................................... 4 Brasil em contexto.................................................................. 6 O ‘Cinema Novo’.................................................................... 10 Filmes.................................................................................. 12 Pós ‘Cinema Novo’................................................................. 13
O presente trabalho tem como intenção fazer uma breve análise do surgimento do cinema e do seu caráter de impositor cultural da burguesia. Neste contexto, pretendemos localizar o nascimento do ‘Cinema Novo’ e do seu propósito de movimento contra a cultura que era imposta até então.
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No dia 28 de dezembro de 1895 acontecia em Paris a primeira exibição cinematográfica. O espetáculo fora criado pelos irmãos Lumière. Uma apresentação de pequenos filmes, que foram filmados com uma câmera parada e em preto e branco. Muitos causaram a emoção no público, e um especial agradou a todos. A imagem de uma locomotiva chegando a uma estação impressionou e assustou a platéia em geral. Não por acharem que aquela era uma locomotiva de verdade, mas sim, por aquela realmente parecer com uma locomotiva de verdade. Era justamente neste ponto que residia a grande novidade do cinema, a ilusão que ele causara teve grande aceitação do público. Apesar de todos saberem que era tudo de mentira, dava pra fingir, no decorrer do filme, que tudo era de verdade. Isso que fora chamado de Impressão da Realidade foi a base do sucesso inicial do cinema. Após esta primeira exibição, um mágico chamado George Méliès, se interessou pelo aparelho que exibia as imagens na tela, o cinematógrafo, e teve vontade de adquiri-lo, porém fora desencorajado pelos Lumière, que não acreditavam no real sucesso do cinema. Méliès já havia percebido que o fantástico,
nas telas, poderia se apresentar como a realidade. O cinema surge na época da em que a burguesia está crescendo e se instalando como classe dominante, ela começa a transformar a sociedade e a criar seu próprio sistema de produção. Para ampliar seus mercados ela passa a querer exercer forte dominação sobre os países que viriam a ser chamados de Terceiro Mundo, e para isso cria inúmeros artifícios de imposição cultural, inclusive o próprio cinema. ‘No bojo de sua euforia dominadora, a burguesia desenvolve mil e uma máquinas e técnicas que não só facilitarão seu processo de dominação, a acumulação de capital, como criarão um universo cultural à sua imagem. Um universo cultural que expressará o seu triunfo e que ela imporá às sociedades, num processo de dominação cultural, ideológico e estético.’ Apesar de a burguesia já apreciar e estar em contato com inúmeros outros movimentos artísticos, o cinema é a sua criação. A junção perfeita de arte e técnica, que faz uso da máquina, o maior símbolo desta classe social, para reproduzi-la a seu público. O cinema por ser apoiado em processos mecânicos e químicos para estar apto a exposição, era visto como uma arte neutra, que não continha a interferência do homem. Era como acreditar que aquilo que estava sendo exibido era sim a própria realidade e ela não sofria da subjetividade de quem a criou, pois a realidade é uma só e está sendo exibida a partir de imagens, e essas, por sua vez, não têm como mentir.
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Toda essa dominação não fora percebida à medida que os fatos se desenrolavam, o cinema crescia como arte e a população não tinha consciência do seu caráter de imposição cultural. Para muitos ele era a arte do real. Essa crítica só começa a tomar corpo a partir dos anos 60, em que começa a haver uma crise contra a linguagem burguesa que o cinema exprime. O fato de o cinema permitir cópias foi de grande relevância para a sua ascensão. Outros tipos de espetáculos como o teatro e shows, necessitavam da presença dos atores e músicos para acontecer. Na apresentação dos filmes, isso se dá de maneira diferente, há a necessidade da presença apenas no momento das gravações, depois essas podem ser copiadas, vendida e apresentadas inúmeras vezes. Passando a obter o status de mercadoria. Isso possibilitou um imenso lucro tanto para o produtor do filme, quanto para seus distribuidores, fator importantíssimo para que este tipo de arte fosse levado a diante. A quantidade de espectadores que podem assistir a um filme é praticamente ilimitada (salvo pelas condições físicas da casa), isso acarreta em um breve ressarcimento dos custos e um rápido lucro. Essa lógica de mercado faz com que os custos de produção sejam cobertos no mercado interno, ou seja, no país de origem do filme. E, quando este sai, para ser comercializado com os países do terceiro mundo, chegam com um preço muito mais barato que as produções internas, fazendo com que nos circuitos de exibição estejam mais presentes do que os filmes importados. No caso do Brasil, além de os filmes importados contarem com esse recurso financeiro, contavam também com a baixa resistência cultural que o país oferecia. Essa cultura fora formada a partir de certas imposições dos países de primeiro mundo, sofrendo sempre forte influência norte americana. Ao longo do tempo, pela necessidade de contar histórias, o cinema começa a evoluir e a criar a sua própria linguagem. Aparecem varias inovações,
em todos os fatores, desde a produção até ao aumento da influência da indústria na produção dos filmes. O cinema passa a imprimir mais a cara de seu ‘proprietário comercial’ do que do seu ‘proprietário intelectual’.¹ O cinematógrafo aporta no Brasil com Affonso Segretto. Imigrante italiano que filmou cenas do porto do Rio de Janeiro, tornando-se nosso primeiro cineasta em 1898. Um imenso mercado de entretenimento é montado em torno da capital federal no início do século XX, quando centenas de pequenos filmes são produzidos e exibidos para platéias urbanas que, em franco crescimento, demandam lazer e diversão. Nos anos 30, inicia-se a era do cinema falado. Já então, o pioneiro cinema nacional concorre com o forte esquema de distribuição norte-americano, numa disputa que se estende até os nossos dias. Dessa época, destacam-se o mineiro Humberto Mauro, autor de Ganga Bruta (1933) - filme que mostra uma crescente sofisticação da linguagem cinematográfica – e as ‘chanchadas’ (comédias musicais com populares cantores do rádio e atrizes do teatro de revista) do estúdio Cinédia. Filmes como Alô, Alô Brasil (1935) e Alô, Alô Carnaval (1936) caem no gosto popular e revelam mitos do cinema brasileiro, como a cantora Carmen Miranda (símbolo da brejeirice brasileira que, curiosamente, nasceu em Portugal). A criação do estúdio Vera Cruz, no final da década de 40, representa o desejo de diretores que, influenciados pelo requinte das produções estrangeiras, procuravam realizar um tipo de cinema mais sofisticado. Mesmo que o estúdio tenha falido já em 1954, conhece momentos de glória, quando o filme O Cangaceiro (1953), de Lima Barreto, ganha o prêmio de ‘melhor filme de aventura’ no Festival de Cannes. Mas isso não era o bastante, o cinema brasileiro ainda passaria por diversas mudanças.
___ 1 BERNADET, Jean- Claude. O que é cinema, p.15
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Durante as décadas de 50 e 60, o Brasil sofreu um intenso processo de industrialização com resultados sociais muito contraditórios. O perfil da sociedade brasileira passava rapidamente de agrário-exportador a industrial, com uma forte urbanização causada pela migração de milhões de pessoas do campo para as cidades, principalmente para o Rio e São Paulo. O mercado de trabalho e o mercado consumidor cresceram junto com as camadas médias urbanas, de onde saíram os intelectuais e simpatizantes dos setores populistas e de esquerda. Dentro desse contexto, os intelectuais aderiram a uma mesma leitura da realidade brasileira, que, a grosso modo, caracterizava o país como subdesenvolvido, culturalmente colonizado, onde as ‘classes fundamentais’ - a burguesia e o proletariado - eram incipientes, pouco desenvolvidas.¹ Assim, para que o Brasil se desenvolvesse, uma ‘revolução burguesa’ seria necessária, ou seja, o desenvolvimento das forças produtivas proporcionaria à burguesia e ao proletariado as condições históricomateriais para que se tornassem classes sociais para si, conscientes do seu papel histórico. Só havendo classes sociais conscientes, definidas e antagônicas, as contradições se acirrariam e as condições para a sua solução estariam colocadas. De acordo com esse esquema, a acumulação capitalista e as conquistas operárias fariam parte de um mesmo e único processo. Outro ponto forte nesse processo de afirmação nacional era o papel que a produção cultural teria que desempenhar. A burguesia e as camadas urbanas
guiavam seu comportamento por aquilo que era ditado pela produção cultural estrangeira, principalmente pelo cinema de Hollywood. Diante disso, a necessidade de se criarem condições para que o artista brasileiro pudesse enfrentar as produções estrangeiras era uma das frentes de atuação dos nacionalistas. A luta pela afirmação de uma cultura nacional tinha como um dos seus principais objetivos buscar fazer com que o cinema brasileiro, por ser uma arte e um veículo de comunicação de massa, ocupasse os espaços do cinema estrangeiro ou que, ao menos, conseguisse com ele tomar uma fatia do mercado brasileiro. Nos anos 50, encontramos um grupo de jovens que começavam a discutir a ideia de se criar um cinema nacional, que
Outros acontecimentos relevantes 1942
1944
1945
A Coca-Cola, outros produtos americanos e notícias de Hollywood chegam ao país.
No Brasil, era o tempo dos cassinos, dos shows e das vedetes.
Representantes de 50 países, Livros de destaque: ‘Seara incluindo o Brasil, assinam a Vermelha’, de Jorge Amado, e ‘O Carta das Nações Unidas. Lustre’, de Clarice Lispector.
1946
1960
1961
1962
1963
Jânio Quadros vence as eleições para presidente da república.
Renúncia de Jânio Quadros. Crise política no Brasil. Posse de João Goulart.
O Brasil ganha a Palma de Ouro pelo filme ‘O Pagador de Promessas’, de Anselmo Duarte.
Criada a personagem Mônica por Maurício de Sousa e a Campanha da Fraternidade
1968
1969
Lançamento da primeira edição da Revista Veja. O Presidente Costa e Silva decreta o AI-5, dando início ao período mais fechado e violento da ditadura militar no Brasil.
Criada a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos. É inaugurada a TV Cultura e estréia o Jornal Nacional, da Rede Globo.
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construísse uma identidade político-cultural para o povo brasileiro. Essa crítica questionava a dependência do mercado brasileiro aos filmes importados, a submissão do cineasta no Brasil à linguagem do cinema produzido em Hollywood e outros centros mais desenvolvidos e começou a lutar para que o cinema nacional se tornasse uma das expressões da cultura brasileira. Faltava, entretanto, definir as características e especificidades daquele povo, tarefa a que se propuseram os criadores do Cinema Novo. O ponto de partida deveria ser um mergulho na ‘realidade’ sóciopolítico-cultural brasileira, da mesma forma que o fizera o movimento modernista cerca de trinta anos antes. ‘lutar pela cultura nacional significa, antes de tudo, lutar pela libertação nacional, por aquela base material essencial, que torne possível a construção de uma cultura’7. Em nome do desenvolvimento brasileiro, era preciso mudar uma atitude resignada para com a realidade do país. Esta conjuntura não poderia ser transformada enquanto não se alterasse a atitude das pessoas frente ao american way of life, que moldaria o imaginário da burguesia e das camadas médias da população brasileira e tinha no cinema americano um de seus mais importantes instrumentos de difusão. O fator básico que explica a ‘situação colonial’ do cinema brasileiro é o fato de que o ‘produto importado’ ocupa o seu lugar. Trata-se, portanto, de uma definição de ordem econômica que será metaforicamente transposta para o campo da cultura. Importamos não apenas objetos manufaturados, mas ideias prontas - e formas, modelos, estruturas de pensamento - forjadas em função de realidades diversas que correspondem mal a nossa própria realidade. Estas ideias ocupam um tal espaço em nossas mentes que pouco sobra para que nelas se
desenvolvam ideias próprias. Além de produtos industriais, os filmes são também produtos culturais. Juntamente com os filmes, importamos uma concepção de cultura e uma concepção de cinema que identifica com o próprio cinema, o cinema estrangeiro. Nisto reside o cerne da “colonização” cultural: a ‘situação colonial’ - cuja marca cruel e inescapável é a mediocridade - se configura quando se adota um modelo importado que não se tem condições de igualar. (Galvão e Bernardet, 1983:166-7) Em um texto de 1960, escrito logo após o término da Primeira Convenção Nacional da Crítica Cinematográfica, Paulo Emílio Salles Gomes analisa a situação colonial do cinema brasileiro tendo como ponto de partida a relação público/produtor. Ele diz, referindo-se mais especificamente aos ‘chanchadeiros’ (aqueles que produzem filmes em que predomina um humor ingênuo, burlesco, de caráter popular), que os produtores produzem determinados gêneros de filmes que eles próprios desprezam, alegando ser o único tipo de cinema brasileiro que o público
1947
1950
1953
1955
O Masp (Museu de Arte Moderna de São Paulo) é inaugurado no centro de São Paulo.
A primeira emissora de TV do Brasil, a TV Tupi, inicia suas transmissões.
Vargas sanciona lei de monopólio do petróleo brasileiro, criando a Petrobrás
Juscelino Kubitschek é eleito presidente do Brasil.
1964
1965
1968
1968
Golpe militar de 1964 no Brasil derruba o presidente João Goulart. Posse de Castello Branco.
É fundada a Rede Globo pelo jornalista Roberto Marinho.
Falece o jornalista e empresário Chateaubriand, dono da TV Tupi e dos Diários Associados.
Ocorre a Passeata dos Cem Mil (contra a Ditadura Militar no Brasil).
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aceita. No fundo, esses homens (...) estão convencidos de que o público brasileiro é infenso ao cinema nacional (...). Para ambos, cinema mesmo é o de fora, e outra coisa é aquilo que os (produtores) fazem e o (público) aprecia. (Salles Gomes, 1981:287). A luta do Cinema Novo em prol de um cinema nacional ganhou força a partir do começo dos anos 60 quando o grupo, apesar de espalhado (uns, estudando cinema no exterior, outros, vivendo e trabalhando no Brasil), percebeu que só conseguiria mudar alguma coisa se se unisse. Em uma carta a Paulo César Saraceni, Glauber Rocha (ambos cineastas) deixa transparecer toda a sua vontade e angústia em lançar o movimento.
‘Escrevi um artigo negando o cinema. Não acredito no cinema, mas não posso viver sem o cinema. Acho que devemos fazer revolução. Cuba é um acontecimento que me levou às ruas, me deixou sem dormir. Precisamos fazer a nossa aqui. Cuba é o máximo (...). Estão fazendo um novo cinema (...),
vários filmes longos e curtos. Estou articulando com eles um congresso latino-americano de cinema independente. Vamos agir em bloco, fazendo política. Agora, neste momento, não credito nada à palavra arte neste país subdesenvolvido. Precisamos quebrar tudo. Do contrário eu me suicido.’ (Saraceni, op.cit.:101). Dois dados importantes surgem nessa carta. O primeiro, é a associação de um cinema nacional com as lutas nacionais anti-imperialistas. O segundo, é que quando ele diz que não acredita mais no cinema, referia-se a um determinado tipo de cinema que partia de um modelo esgotado e falido, cuja estrutura era formada por estúdios, grandes orçamentos, star system. O Cinema Novo conseguiu uma grande vitória ao fazer com que o cinema brasileiro passasse a ter sua existência reconhecida pelos principais críticos de cinema do Brasil e passasse a freqüentar suas colunas com maior assiduidade.
___ 1 Jean-Paul Sartre, citado por Daniel Pécaut (Pécaut, 1990:5). 7 Frantz Fanon, citado por Ismail Xavier (Xavier, 1983:154).
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Como dito anteriormente, o cinema brasileiro ainda viveria grandes aventuras, uma delas, a mais importante, foi o ‘Cinema Novo’, um movimento de renovação que se dá no âmbito da linguagem, da temática, das preocupações sociais e da relação com o público, que surgiu em 1952 no I Congresso Paulista de Cinema Brasileiro. Nesse encontro, além de pensarem sobre alternativas para a incipiência da arte cinematográfica, seus integrantes se mostraram preocupados em se distanciar do prestigiado modelo ficcional do cinema norte-americano. Dessa forma, tiveram grande interesse em dialogar com os elementos realistas oferecidos pelo neorealismo italiano e a ‘nouvelle vague’ francesa. O que esses jovens queriam era deixar os obstáculos causados pela falta de recursos técnicos e financeiros em segundo plano. A partir de então, seus interesses centrais eram realizar um cinema de apelo popular, capaz de discutir os problemas e questões ligadas à ‘realidade nacional’ e o uso de uma linguagem inspirada em traços da nossa própria cultura. Porém ele não pode ser visto como uma escola estética, pois uma de suas maiores marcas está na pluralidade, como se um filme fosse sempre a negação do seu anterior. O radicalismo típico dos anos 60 também imprime forte marca no cinema. ‘Uma visão menos catastrófica perceberia na eclosão do ‘Cinema Novo’ um amadurecimento e varias confluências: as experiências neorealistas de Nelson Pereira dos Santos e Roberto Santos; a influência da crítica francesa com sua ‘Política de autores’; a formação de um significativo número de profissionais nas escolas de cinema da Europa; o auge da cultura
cinematográfica, com o movimento de cineclubes disputado e polarizado por comunistas e católicos; o surgimento de novas tecnologias com sua contribuição à renovação do documentário e à transformação da linguagem da ficção (câmeras leves, gravador Nagra e película sensível condicionam o slogan ‘uma ideia na cabeça e uma câmera na mão’). A tudo isso é preciso agregar o peso decisivo de fatores extracinematográficos: o movimento estudantil e o Centro Popular de cultura imprimem ao ‘Cinema Novo’ uma sintonia perfeita com a efervescência intelectual do momento, com destaque para a música, as artes plásticas, a arquitetura.’¹ Em 1955, o diretor Nelson Pereira dos Santos exibiu o primeiro filme responsável pela inauguração do Cinema Novo. ‘Rio 40 graus’ oferecia uma narrativa simples, preocupada em ambientar sua narrativa com personagens e cenários que pudessem fazer um panorama da cidade que, na época, era a capital do país. Depois disso, outros cineastas baianos e cariocas simpatizaram com essa nova proposta estético-temática para o cinema brasileiro. Os filmes tocavam na problemática do subdesenvolvimento nacional e, por isso, inseriam trabalhadores rurais e sertanejos nordestinos em suas histórias. Além disso, comprovando seu tom realista, esses filmes também preferiam o uso de cenários simples ou naturais, imagens sem muito movimento e a presença de diálogos extensos entre as personagens. Geralmente, seriam essas
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as vias seguidas pelo cinema novo para criticar o artificialismo e a alienação atribuídos ao cinema norte-americano. O núcleo mais popular do cinema novo na época era composto por: Glauber Rocha, Nelson Pereira dos Santos, Joaquim Pedro de Andrade, Carlos Diegues, Paulo César Saraceni, Leon Hirszman, David Neves, Ruy Guerra e Luiz Carlos Barreto. Ao redor dessas personalidades, o cinema novo foi composto por três importantes fases. A primeira delas, vai de 1960 à 1964. Algumas das produções que melhor expressa essa fase são os filmes Vidas Secas (1963), de Nelson Pereira dos Santos; Os Fuzis (1963), de Ruy Guerra; Deus e o Diabo na Terra do Sol (1964), de Glauber Rocha. Vidas Secas exibe a melhor performance da direção de Nelson Pereira do Santos. A obra, uma adaptação do livro de Graciliano Ramos, representou o Brasil no Festival de Cannes de 1964, onde dominou a temática do campo. Também exibido em Cannes, embora sem ter alguma premiação, o filme de Glauber Rocha, Deus e Diabo na Terra do Sol, foi considerado o auge do Cinema Novo e conseguiu, além de um bom público, vários elogios, inclusive da crítica francesa. A segunda fase ‘Cinema Novo’, que vai de 1964 à 1968, dialoga com o agitado contexto de instalação da ditadura militar no Brasil. Os projetos
desenvolvimentistas e o discurso em favor da ordem social passaram a figurar outro tipo de temática dentro do movimento. Entre outros filmes dessa época, se destacam: O Desafio (1965), de Paulo Cezar Saraceni; O Bravo Guerreiro (1968), de Gustavo Dahl; Terra em Transe (1967), de Glauber Rocha. Terra em Transe conquistou dois prêmios no Festival de Cannes. De acordo com depoimentos do próprio Glauber Rocha, o cinema que ele faz é contra ‘a ditadura estética e comercial do cinema americano, contra a mentalidade conservadora dos críticos e a favor do público, não paternalizando, ou seja, pensando que uma mensagem mastigada vai mudar a consciência e acabar com a alienação.’ Após esse período, a predominância do discurso político engajado perde sua força na produção do ‘Cinema Novo’. Essa nova mudança refletia a eficácia dos instrumentos de censura e repressão estabelecidos pela ditadura militar. Com isso, a crítica ácida e direta encontrada nas produções anteriores vai perder lugar para a representação de um Brasil marcado por sua exuberância e outras figuras típicas. A Terceira e última fase do ‘Cinema Novo’, que vai de 1968 à 1972 é influenciada pelo Tropicalismo. O movimento levava suas atitudes às últimas conseqüências e extravasou por meio do exotismo brasileiro, com palmeiras, periquitos, colibris, samambaias, índios, araras, bananas. Um marco dessa fase é o filme Macunaíma (1969), de Joaquim Pedro de Andrade. A obra se utilizava de uma das grandes figuras da chanchada,
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Grande Otelo, que estrelava como um herói sem nenhum caráter. De um modo geral, o cinema novo não se preocupa em agradar a qualquer público indiferentemente, tem na sua intenção chamar a atenção aqueles que se interessam pelas informações contidas no filme e pelo seu comportamento lingüístico. Afirma-se em total oposição ao
cinema indústria e ao filme de produtor. Neste modelo, o autor é o próprio produtor de seus filmes, o que tem como resultado um filme fiel à sua ideia. Ele pensa, procura os meios e realiza todas as etapas da sua produção. O autor não faz obras por encomenda, seus filmes correspondem a sua vontade de expressão e comunicação.
___ ¹RAMOS,Fernão. MIRANDA,Luis Felipe Enciclopédia do cinema p.144, 145
A Cinemateca Brasileira, dentro de seu espírito de preservar e divulgar o cinema nacional, promoveu, em 1988, uma série de atividades para celebrar os 90 anos do cinema brasileiro. Uma delas consistiu na escolha dos 30 filmes brasileiros mais significativos, realizada através de consulta a críticos de jornais, revistas e emissoras de televisão, além de pesquisadores ligados a universidades e órgãos culturais, visando a estabelecer uma videoteca básica, para divulgação internacional. Diferentes fases e estilos encontramse aqui representados – o filme mudo, o ‘Cinema Novo’, as produções da Vera Cruz, o cinema intimista e o ‘marginal’ –, dando prova da vitalidade de um cinema que superou os obstáculos à sua própria existência, surgidos ao longo dos anos. Eis a lista (em ordem alfabética): O assalto ao trem pagador, Roberto Farias O bandido da luz vermelha, Rogérío Sganzerla Bang bang, Andrea Tonacci Brasa dormida, Humberto Mauro Bye bye, Brasil, Carlos Diegues Cabra marcado para morrer, Eduardo Coutinho Os cafajestes, Ruy Guerra O cangaceiro, Lima Barreto Deus e o diabo na terra do sol e
O dragão da maldade contra o santo guerreiro, Glauber Rocha Eles não usam black-tie, Leon Hirszman Os fuzis, Ruy Guerra Ganga bruta, Humberto Mauro O grande momento e A hora e a vez de Augusto Matraga, Roberto Santos Limite, Mário Peixoto Macunaíma, Joaquim Pedro de Andrade A margem, Ozualdo Candeias Matou a família e foi ao cinema, Júlio Bressane Memórias do Cárcere, Nelson Pereira dos Santos Noite vazia, Walter Hugo Khouri O pagador de promessas, Anselmo Duarte Pixote - a lei do mais fraco, Hector Babenco Rio quarenta graus, Nelson Pereira dos Santos São Bernardo, Leon Hirszman São Paulo Sociedade Anônima, Luiz Sergio Person Terra em transe, Glauber Rocha Toda nudez será castigada e Tudo bem, Arnaldo Jabor Vidas secas, Nelson Pereira dos Santos
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No final da década de 60, a repressão política dá fim ao ‘Cinema Novo’ e até alguns dos seus cineastas têm de se exilar. Aqueles que ainda se inspiravam em suas propostas, a partir da década de 1970, vão passar a encabeçar uma outra fase do cinema brasileiro. O chamado ‘Cinema Marginal’ vai dar continuidade à postura contestatória e o privilégio das questões político-sociais anteriormente defendidas pelo ‘Cinema Novo’. O bandido da luz vermelha, de Rogério Sganzerla, e Matou a família e foi ao cinema, de Júlio Bressane, são os filmes-chave dessa corrente underground alinhada, também, com o movimento mundial de contracultura. Mas existem algumas grandes diferenças entre essas duas vertentes, os ‘Marginais’ partiram para um confronto (fazendo filmes que ignoraram a censura e o mercado) e seus personagens aparecem um pouco mais individualizados, e não representando a classe social a que pertencem, como acontecia no ‘Cinema Novo’. Na década de 80, a abertura política favorece a discussão de temas antes proibidos, como em Eles não usam black-tie, de Leon Hirszman, e Pra frente, Brasil, de Roberto Farias, que é o primeiro a discutir a questão da tortura. No final da década, a retração do público interno e a atribuição de prêmios estrangeiros a filmes brasileiros fazem surgir uma produção voltada para a exibição no exterior: O beijo da mulher aranha, de Hector Babenco, e Memórias do cárcere, de Nelson Pereira dos Santos. As funções
da Embrafilme, já sem verbas, começam a esvaziar-se, em 1988, com a criação da Fundação do Cinema Brasileiro. E na década de 90, a extinção da Lei Sarney (lei de incentivo à cultura), da Embrafilme e o fim da reserva de mercado para o filme brasileiro fazem a produção cair quase a zero. A tentativa de privatização da produção esbarra na inexistência de público num quadro onde é forte a concorrência do filme estrangeiro, da televisão e do vídeo. Uma das saídas é a internacionalização, como em A grande arte, de Walter Salles Jr., co-produzida com os EUA. A parceria entre televisão e cinema se realiza em Veja esta canção, dirigida por Carlos Diegues e produzida pela TV Cultura e pelo Banco Nacional. Em 1994, novas produções, em preparação ou mesmo finalizadas, apontam: Era uma vez, de Arturo Uranga, Perfume de gardênia, de Guilherme de Almeida Prado, O corpo, de José Antonio Garcia, Mil e uma, de Susana Moraes, Sábado, de Ugo Giorgetti, As feras, de Walter Hugo Khouri, Foolish heart, de Hector Babenco, Um grito de amor, de Tizuka Yamasaki, e O cangaceiro, de Carlos Coimbra, um remake do filme de Lima Barreto. Já nos dias atuais, a primeira característica que nos salta aos olhos se analisarmos as maiores bilheterias brasileiras de 2000 para cá é uma predominância do que se chamará aqui de ‘filme-verismo’, ou seja, aquele que busca sua legitimação na representação de um determinado aspecto da nossa realidade (seja uma vida, um período, um evento). Poderiam
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ser enquadrados nessa categoria 5 das 10 maiores bilheterias do período: Dois Filhos de Francisco (2005, 5.3 milhões de espectadores), Carandiru (2003, 4.7 milhões), Cidade de Deus (2002, 3.4 milhões), Cazuza: O Tempo Não Pára (2004, 3.1 milhões) e Olga (2004, 3.1 milhões). Esse interesse pela ‘realidade’ não se dá, entretanto, sem um certo verniz (estético e/ou narrativo) que preserve o espectador de um contato ‘excessivamente direto’ com essa realidade. Além do filme-verismo, vemos na lista das maiores bilheterias dos anos 2000 outro exemplar bastante presente entre as grandes bilheterias dos últimos 40 anos: o filme-franquia. Trata-se de
obras cujo maior apelo junto ao público se baseia na presença de personalidades prévias, na maioria das vezes oriundas de programas televisivos, e que normalmente acabam por gerar outros filmes da mesma franquia, numa espécie de versão das continuações dos blockbusters norte-americanos. Nas 10 maiores bilheterias do século 21, eles são representados por dois filmes da Xuxa e Os Normais (2003, 3 milhões). Se estendermos a pesquisa às 20 maiores bilheterias do período, teremos mais 5 exemplares: A Grande Família (2007, 2 milhões), Didi – O Cupido Trapalhão (2003, 1.8 milhão) e mais três filmes da Xuxa. Apesar de a grande dificuldade em ultrapassar a influencia norte americana no circuito cinematográfico, e se desvencilhar da produção comercial, percebe-se que o cinema brasileiro esta em ascensão. Contando sempre com a criatividade, pode-se esperar muita coisa boa da produção nacional.
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LIVROS SOBRE CINEMA: BERNARDET, Jean-Claude. Brasil em tempo de cinema: ensaio sobre o cinema brasileiro. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1967a. BERNARDET, Jean-Claude. O que é cinema. São Paulo: Brasiliense, 1980. SIMONARD, Pedro. A Geração do Cinema Novo: Para uma antropologia do cinema. Rio de Janeiro: Mauad, 2006. NAGIB, Lúcia. O cinema da retomada: Depoimentos de 90 cineastas dos anos 90. São Paulo: Editora 34, 2002. SITES: WWW.cinemabrasileiro.net WWW.usp.br/jorusp/arquivo/2003/jusp657/pag1213 WWW.cineplayers.com
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