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De guerrilheira a parlamentar pela redemocratização do país
Além do fazer artístico que florescia da personalidade inventiva de Bete, também se manifestou o seu engajamento político, que se deu a partir de sua forma de olhar o mundo e de entender as relações, como lembra ela: “Antes de ser atriz, eu já tinha começado na política ainda estudante, então eu tive essa consciência, que chamo de cidadania, de poder participar desde o colégio”. A partir dessa premissa que guiou seus feitos ao longo da vida, a atriz e militante acredita na política em todo o sentido amplo desta palavra, que vai muito além apenas do significado partidário e está ligada à valorização da consciência cidadã, ao bem-estar social, ao diálogo e ao afeto nas interações sociais. Assim, ela carrega consigo o que chama de “compreensão cultural da política”, que ela traduz da seguinte forma: “É a gente sair e dar bom dia para quem a gente encontra, por exemplo, o porteiro do prédio, o vendedor de quem você compra o seu pão, o seu leite, a pessoa que te atende todos os dias. As pessoas perderam esse hábito que eu acho cultural da maior importância. Você dizer ‘bom dia’, você falar com gentileza com as pessoas. Eu tenho tido muitos exemplos dessa gentileza, porque nós temos essa gentileza dentro da gente. Mas nós temos, lamentavelmente, fortalecido ainda o discurso da violência, e o discurso da violência não é só comprar armas e matar, o que já é terrível, mas também é as pessoas se agredirem, é as pessoas não terem um olhar afetivo sobre o outro”. Ao mesmo tempo que sempre se relacionou com afeto, doçura e cuidado com todos à sua volta, Bete também sempre fez questão de saber dos ‘porquês’, de debater e argumentar diante de diversas injustiças que cruzavam seu caminho. Antes de se tornar ativista pelos direitos sociais, sua vontade de reivindicar a verdade e a igualdade foi expressa em diversas circunstâncias. Sua infância e adolescência foram marcadas por discussões que anunciavam a futura militante, lutando por justiça e igualdade.
Num desses episódios, ela entrou em defesa de uma amiga que lhe pediu cola em uma prova escolar. Apesar de não ter passado as respostas, sua amiga foi acusada por outra colega para o professor, que ameaçou punir a amiga dela e também a turma inteira pela confusão causada. Bete, então, iniciou uma discussão cheia de argumentos contra a delação estimulada pelo professor. “O senhor não pode estimular uma acusação, uma delação, como o senhor está fazendo”, dizia a jovem, furiosa. A resistência de Bete à atitude do professor foi escutada e surtiu efeito: na sala da diretoria, a diretora compreendeu a situação e apontou o exagero que fora causado pelo docente, advertindo-o para que aquilo não se repetisse. Apesar disso, a turma de Bete se voltou contra ela, pelo constrangimento que causara à colega que acusou sua amiga. “Tenho um pouco de medo disso, dessa minha necessidade de ir fundo na verdade, de ir fundo na verdade com uma dureza muito grande. Acho que, naquele dia que apavorei a garota que dedurou a colega, talvez tenha sido muito violenta na defesa de minha posição”2, lembra ela. Outro episódio semelhante, no período em que Bete estudava no Colégio Mendes de Morais, no Rio de Janeiro, foi quando a jovem presenciou uma grave situação de preconceito racial, que a fez se posicionar fortemente contra a discriminação e em defesa da amiga que fora vítima de racismo. Sua amiga Josilda, uma menina negra e pobre, foi proibida de entrar pela porta da frente na casa de outras colegas de turma, simplesmente pelo fato de ser negra. Revoltada com a situação, Bete esbravejou: “Aquela pessoa que não pode entrar pela porta da frente é a pessoa que mais amo no mundo. Vou tomar banho com ela, vou dormir com ela na minha cama, vou lhe dar de comer na boca. Essa pessoa que está ultrajando a minha amiga não merece nem olhar pra minha cara, nem olhar pra cara da minha amiga, e que a gente nunca mais vai voltar nessa casa, nem quero ver a cara dessa pessoa, e que essa pessoa não merece respeito porque está destratando um ser humano”. Em seguida, a atriz rompeu com a colega responsável pela discriminação.
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2 Ibidem, p. 48
De volta a Santos, cursando o Ginásio no Colégio Canadá, a jovem Elisabete já chamava a atenção de colegas de classe por sua disposição e desenvoltura para as lutas políticas no movimento estudantil: um desses colegas admirados com a militância precoce dela era Ney Latorraca, também santista. “O Ney, querido amigo com quem eu fiz Introdução à Música do Sangue, do maravilhoso Luís Carlos Lacerda, falava assim em forma de piada: ‘Bete era uma ditadora desde novinha, enquanto eu tava querendo brilhar, usar plumas e paetês, ela tava fazendo o grêmio do colégio’”. Assim, suas incursões políticas se iniciaram desde cedo e tornaram-se mais intensas na adolescência no Colégio de Aplicação, numa época em que o Golpe Militar já havia ocorrido em 1964. Diversos setores da sociedade já se mobilizavam contra o militarismo e a repressão, inclusive educadores progressistas que inspiravam Bete e que também já sofriam com a perseguição política dos militares. Diante da crescente repressão policial que restringia diversos direitos sociais e políticos, Bete Mendes, já com uma formação e vivência intelectual, política e cultural voltada para a luta por igualdade social, dedicava-se cada vez mais à guerrilha e à resistência contra a violência e a censura militar que se alastravam pelo país. Ao entrar para a peça A Cozinha, Bete também enfrentou a precarização de sua profissão, e o jeito questionador novamente se fez presente quando a jovem se deparou com um salário baixo pago pelo espetáculo. “Eu já era muito estudiosa, conseguia conciliar o trabalho teatral com a preparação para a USP. E daí a dona Bete já era briguenta, porque pedi aumento e o Antunes [diretor da peça] não queria me dar aumento. Acabei tendo uma briga severa com ele e ganhei o primeiro aumento, que era de 10%, mas foram fundamentais porque eu pagava pensão, condução, refeições etc.” Com o desejo de cursar Sociologia, em meio à rotina árdua e às dificuldades financeiras, Bete estudou incansavelmente para conquistar uma bolsa integral em um curso de pré-vestibular para tentar uma vaga na Universidade de São Paulo (USP). Assim, a vida múltipla se tornou ainda mais intensa, anunciando a variedade de papéis com os quais ela se envolveria cada vez mais: passou a ser a estudante pré-vestibulanda, a atriz iniciante e a ativista política – tudo isso atravessando as dificuldades
financeiras e de moradia no centro da capital paulista. Com o sucesso da peça A Cozinha, foi convidada para fazer uma temporada teatral no Rio de Janeiro, mas precisou sair da peça para prestar vestibular na USP, sua única opção, já que não poderia arcar com faculdades pagas. Com apenas 18 anos, Bete se desdobrava entre muitos turnos e funções, com os propósitos de conquistar seus próprios sonhos e de alcançar o sonho coletivo de um Brasil democrático. Ao ingressar no curso de Ciências Sociais da USP em1969, Bete já atuava em novelas e sua rotina tornou-se ainda mais intensa. Era uma “maratona absurda”, como lembra ela. A rotina diária se resumia em expedientes de gravação na TV durante o dia todo; depois, corria para pegar duas conduções de ônibus para chegar às aulas do curso noturno na USP; e ainda conciliava tudo isso com as reuniões e mobilizações da militância política. “As gravações eram intensas e os horários não existiam. Eu perdia muitas aulas e continuava fazendo a novela. Então era uma barafunda muito doida. Como se não bastasse, eu, que já estava em todos os protestos contra a ditadura, contra a censura, contra os militares, me aliei a uma organização revolucionária, a VAR-Palmares, e era estudante, atriz e guerrilheira, tudo junto – era uma confusão geral.” Assim, ao mesmo tempo em que levava a vida de atriz de televisão, Bete enfrentava dias e noites não dormidas, em manifestações contra a ditadura, fugindo da polícia e driblando a perseguição militar. Seu ingresso na Vanguarda Armada Revolucionária Palmares (VARPalmares), organização de esquerda dedicada à guerrilha armada no combate à ditadura militar, deu-se no mesmo ano de 1969. Com isso, a atriz passou a levar um comportamento extremamente discreto e cuidadoso para que não chamasse a atenção dos militares, correndo o risco ainda maior por já ser relativamente conhecida na televisão, o que aumentava as chances de denúncia contra ela e arriscava a segurança de todos os integrantes da organização. Na medida em que a fama foi chegando, inesperadamente, ela já não podia mais fazer parte do movimento estudantil nem participar de manifestações na faculdade. A estratégia para não ser pega a fez adotar o codinome Rosa, em homenagem à filósofa e economista marxista Rosa Luxemburgo.
A luta armada de enfrentamento contra a ditadura se intensificou com o Ato Institucional nº 5 (AI-5), que ordenou o fechamento do Congresso Nacional, das instituições e dos aparelhos democráticos do país, consolidando a censura e a tortura como práticas recorrentes da repressão militar. Esse momento histórico em que Bete lutou ativamente por resistência ficou marcado na sua memória como um momento de dor e violência sem precedentes: “Naquela época em que eu estava vivendo, havia sido decretado o AI-5, que era um ato institucional que proibia tudo, tudo! Ninguém podia conversar na rua nem nada, a gente tinha que conversar meio escondido, fazer as coisas meio escondido. Hoje a gente tem a liberdade graças às lutas que foram feitas e à Constituição cidadã de 1988”. Os colegas de televisão de Bete não imaginavam seu lado guerrilheiro, já que a atriz fazia questão de não expor essa parte de sua vida para que não colocasse ninguém em risco. Como lembra, ela jamais tentou atrair qualquer colega para a organização guerrilheira, nem mesmo partilhar qualquer detalhe sobre sua atuação na militância. Assim, foi de forma inesperada que chegou nos bastidores da TV a notícia de que ela havia sido presa, em 1970, em meio à gravação da novela Super Plá, da Rede Tupi. Como lembra a atriz, as reações diante de sua prisão foram de surpresa, por não imaginarem que a Bete ‘gracinha’ era também associada a uma ‘terrorista’ – alcunha dada a diversas pessoas tidas como opositoras do governo militar na época, ainda que não necessariamente praticassem atos violentos. Essa foi sua primeira prisão pela repressão militar, em que foi detida como suspeita após ter encontrado um conhecido que era infiltrado da repressão militar no movimento estudantil da USP. A atriz passou por quatro dias de tortura psicológica em uma solitária, com interrogatórios repletos de diversas ameaças, sem poder comer e quase sem beber água, dentro do Departamento de Operações Internas — Centro de Operações para a Defesa Interna (DOI-CODI) de São Paulo. “Eu fui presa como suspeita e fiquei quatro dias no DOI-CODI, que na época era operação Bandeirantes, e que era ligado ao Segundo Exército em São Paulo. Não me torturaram fisicamente, mas me deixaram quatro dias na solitária.”
Após a prisão, o retorno de Bete para a TV levou a pressões dos chefes, temendo que a atriz estivesse envolvida em qualquer movimentação que pudesse colocar em risco a empresa. Ameaçada, a atriz não tinha qualquer pessoa íntima com quem pudesse compartilhar o que estava passando e continuou disciplinada para que sua vida dupla não fosse descoberta. Posteriormente, após ter presenciado de longe a prisão de um companheiro de sua organização em São Paulo, ela sentiu que seria presa novamente. Sabendo desse risco, a atriz passou a se preparar rapidamente, e de todas as maneiras que podia, para fugir do país. Compartilhou o que estava acontecendo com seus pais, irmão e alguns colegas. Entre eles, o diretor de novelas Walter Avancini, que havia dirigido a novela Super Plá e já era grande amigo. Ele lhe deu um grande apoio financeiro, a partir da coleta de ajudas de diversos amigos da televisão, para que ela pudesse fugir por terra, diante do risco do controle militar nos aeroportos. No entanto, antes que Bete pudesse fugir, foi detida e passou um mês intensamente doloroso, em que foi vítima de tortura brutal pelos militares. “Eu estava me preparando pra fugir, mas lamentavelmente um companheiro – e não culpo ninguém, porque a tortura é a pior coisa que há na vida humana – foi torturado e acabou dizendo onde eu estava escondida, e eles me pegaram. Aí foi uma barra muito pesada, passei um mês sob tortura violentíssima. Como éramos muito jovens, queriam que nós fôssemos à televisão pra denunciar os professores da USP e a intelectualidade de esquerda. A guerra era nesse patamar, e eu me recusei, foi muito difícil, mas acabei não indo.” Após sair da prisão, foi imposto a Bete o cumprimento de liberdade condicional antes do julgamento. Um ano após o ocorrido, o julgamento levou a diversas formas de censura e repressão, inclusive proibindo que ela concluísse seus estudos na USP: “No Superior Tribunal Militar, eu fui julgada um ano após, e fui considerada inocente, porém fui inscrita no Conselho de Segurança Nacional e tinha a seguinte determinação: eu não podia voltar a nenhuma faculdade pública, não podia me manifestar de nenhuma maneira sobre o que tinha acontecido, não podia denunciar nada, não podia dar entrevista sobre o que ocorreu”.
A saída da prisão também é lembrada como um momento muito dolorido de sua vida. Ela se deparou com todo seu dinheiro e diversos objetos pessoais roubados – entre eles, peças que escreveu e discos aos quais tinha apego especial. Assim, Bete foi aos poucos se reconstruindo com atendimento médico, diversas formas de terapia e o apoio e a empatia de amigos – tais como o ator Carlos Zara, que brigou na televisão para que ela fosse aceita de volta na TV Tupi, para atuar em O Meu Pé de Laranja Lima. Ainda assim, a perseguição militar continuou a fazer parte do cotidiano da atriz por um bom tempo. Inclusive, era recorrente que Bete se deparasse com censores militares assistindo aos ensaios de peças teatrais das quais ela participava, tendo que lidar com a intensa censura em diversos momentos de sua carreira nessa época. O trauma das diversas formas de tortura deixou em Bete marcas profundas, que ela sente como “indestrutíveis” e “inesquecíveis”. Os anos posteriores, que sucederam os momentos traumáticos de Bete com a repressão militar, foram também marcados por uma intensa produção artística e cultural da atriz, em busca de se reconstruir e se ocupar para que o trauma não a levasse à loucura. A partir daí, ao longo dos anos 70, a veia política de Bete Mendes passou a ser dedicada às lutas sindicais, em especial no Sindicato dos Artistas.A atriz, acostumada a reivindicar melhores condições de trabalho na televisão e no teatro desde seus primeiros papéis, agora se envolvia mais fortemente em lutas pela regulamentação da sua própria profissão, por direitos de imagem e com diversos movimentos sociais, tais como movimentos feministas e por igualdade racial. Sua luta política foi incansável e incessante, e se intensificou com seu envolvimento nos movimentos sindicais ligados à greve dos metalúrgicos do ABC, em São Paulo, por volta de 1978 a 1980. “Na política é interessante, porque eu tinha sido guerrilheira e sempre estava trabalhando como atriz, fazendo minhas aulas de dança, de voz, de canto, tudo, mas eu não ficava quieta. Então me metia em tudo que acontecia, todos os movimentos. E quando aconteceu a greve do ABC em São Paulo, a Dona Bete foi correndo pra lá, pra ser solidária
com a greve… Aliás, muitos artistas foram solidários. E aconteceu uma coisa extraordinária, porque eu participei da formação do PT com vários companheiros e companheiras.” O encontro com os companheiros e companheiras do movimento sindical levaria a uma grande virada na vida de Bete: em direção ao papel fundamental da atriz na fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) e, mais tarde, a sua eleição como deputada federal pelo PT de São Paulo, em 1982. A ideia para sua primeira candidatura surgiu naquele mesmo ano, proposta pelo próprio expresidente Lula, como relembra ela: “A gente estava no enterro do nosso querido Travassos.3 Ele morreu num acidente de carro, era uma quarta-feira de cinzas. Estávamos todos lá pra reverenciar nosso amigo que se foi. A gente estava na lanchonete do cemitério, no ano eleitoral de 1982, e o querido companheiro Lula falou assim ‘companheira, você vai ser candidata a deputada federal’, e eu falei ‘você tá maluco, companheiro?’, e ele falou ‘não, pensa nisso, tô falando sério’. E nesse ‘pensa nisso’ eu acabei achando que era uma função necessária, porque eu era uma pessoa conhecida, totalmente entrosada no movimento, e eu me candidatei a deputada federal e ganhei a primeira eleição”. Nesse seu primeiro mandato como deputada federal, de 1983 a 1987, a atriz experimentou uma rotina árdua de lidar com os jogos de poder do Congresso Nacional e, ao mesmo tempo, ainda exercer sua profissão artística. Seu mandato foi dividido entre um momento em que esteve afastada das atividades como atriz e em outro período em que, atuando na novela Tieta, teve mais uma vez uma vida múltipla, e conciliava a rotina em Brasília com uma árdua rotina de gravações de TV no Rio de Janeiro. Nesse período, Bete foi ativa enquanto parlamentar, tendo sido titular das comissões de Educação e Cultura e de Transportes da Câmara dos Deputados. Nesse mesmo período, sua atuação também foi intensa durante o movimento político das Diretas Já, lutando pelo retorno das eleições diretas no país.
3 O ativista Luís Gonzaga Travassos, que lutou contra a ditadura militar e foi integrante do Partido dos Trabalhadores.
Após esse mandato, Bete voltou a ocupar o cargo de deputada federal em 1987, dessa vez pelo PMDB. Nesse período, dedicou-se à integração na Assembleia Nacional Constituinte de 1987, que gerou a Constituição de 1988, consolidando a redemocratização do país após o fim do regime militar. “Nós tivemos um avanço maravilhoso no país, que foi a luta pela Constituinte, a luta pelas Diretas Já, a luta contra a censura, a luta pela Anistia. E nós tivemos em todas essas lutas uma evolução que esperávamos que continuasse. Além de ter participado da Constituinte com muito orgulho, eu, anos seguidos, comprava exemplares da Constituição e levava pra todos os lugares onde eu tinha palestra, para ensinar às pessoas. Eu dizia assim ‘vocês são religiosos? Leem a Bíblia? E essa bíblia aqui ninguém lê?’. Tem que ler, esse livro também tem que fazer parte do cotidiano de vocês. É essa consciência que a gente precisa dar para a população. Não quero que ninguém decore a Constituição, mas quero que as pessoas tenham essa ‘bíblia’ como defesa, porque é importantíssimo esse conhecimento.” De 1987 a 1988, Bete atuou no Poder Executivo como Secretária Estadual de Cultura de São Paulo. Sobre essa experiência, somandose aos demais feitos no poder público, a atriz foi marcada pelos desafios enfrentados para implantar políticas públicas que deixassem legados contínuos na sociedade. Como descreve ela: “E quando fui para o Executivo foi uma experiência absolutamente forte, como eu digo que foi a do Congresso. Foram duas escolas muito ricas e muito duras. Porque ali nós tínhamos e temos duas sínteses da sociedade brasileira. Então foi uma lição muito dura para ver e fazer as propostas que não eram nada contra eles [os parlamentares], mas eram para favorecer a classe trabalhadora, favorecer o Estado brasileiro e as condições de instituições públicas – eram muito difíceis e hoje são piores ainda, nós estamos vendo isso. No Executivo, digamos que essa ‘síntese’ é mais pesada, porque é direto, e a experiência da Secretaria de Cultura de São Paulo foi muito rica e muito difícil. Porque você tem um trabalho imenso a ser realizado, e existe muito o ‘posar e não trabalhar’, mas eu sempre fui do trabalho. Estava com a minha equipe trabalhando, mas não agradava, porque a gente estava criando condições que eu achava que deveriam ser condições
perenes, projetos que ficassem no Estado quando eu saísse, porque existe uma coisa muito séria: alguém está numa instituição pública e cria um projeto, aí esse projeto anda maravilhosamente. A pessoa sai, vem outra e derruba e faz outro. Então a nossa preocupação não era projeto ‘da Bete’, e sim com um projeto que fizesse acontecer aquela instituição para benefício da sociedade”. Em 1999, a atriz voltou à gestão pública cultural quando presidiu a Fundação de Artes do Estado do Rio de Janeiro (Funarj), na qual Bete atuou pela implementação de políticas culturais. “Na Funarj, teve um dia que tinha uma reunião de secretários, eu, como presidente, tinha que estar presente. A gente estava discutindo alguma coisa e eu estava precisando de mais recursos para diversos setores da Funarj, os teatros, as escolas, os museus. A Funarj administra muitos museus e muitas escolas no Rio de Janeiro, muita coisa é concentrada na capital embora haja fora da capital. Então estava pedindo mais um aumento orçamentário, e eles estavam rindo, brincando e teve uma hora que eu comecei a chorar e todo mundo se assustou, e falei ‘não estou aguentando, estou com um déficit por falta de dinheiro público que existe’. Por acaso, o meu nervoso e meu choro deram certo e aumentaram, mas foi uma situação terrível para mim. Porque é isso que é a dificuldade, é você ter os interlocutores, não só as pessoas sob a sua direção, mas os interlocutores, nas secretarias, no estado, no governo, pra poder fazer as coisas. A história da minha participação política foi sempre por minha conta, eu fui convidada para ser candidata, mas eu já estava dentro da história. Quando fui secretária, fui convidada, mas já estava dentro da história, que era uma pessoa da cultura e tal. E aqui no Rio a mesma coisa, então me sinto muito feliz e muito bem comigo mesma, porque não devo nada. Fui fazendo a minha história do jeito que foi dando, e ela tá dando certo. Eu quero agir, eu quero participar, seja como artista, seja como cidadã politicamente.” Ao longo do tempo até os dias de hoje, Bete fortaleceu ainda mais o seu legado enquanto artista dedicada à transformação política e social. Neste ano de 2022, a atriz realizou campanhas pela derrubada, pelo Congresso Nacional, do veto do atual presidente às leis Paulo Gustavo e Aldir Blanc 2, de incentivo às atividades culturais por meio
de estados e municípios. “São leis de socorro para uma emergência que nós estamos vivendo como toda a sociedade brasileira. Acho que é aí que a gente deveria se juntar com todos os setores para trabalhar em função de democracia, de liberdade.” Assim, a Elisabete dos dias de hoje, uma mulher que traz em sua própria trajetória uma boa parte da história do teatro, da televisão, da arte e da luta política por direitos sociais no país, reafirma sua militância diária ao defender o envolvimento de artistas nessas lutas sociais. “A gente tem que lutar para criar mais espaços culturais, lutar por uma educação pública cada vez mais ampliada. E eu não estou falando por causa de partido, porque partidária eu sou, sim, mas eu estou falando por uma questão de civilização, uma questão de democracia e de viver em paz. Nós, artistas, trabalhamos em conjunto com milhares de outros artistas e de outros profissionais, as figurinistas, as costureiras, as cenografistas, os técnicos, o pessoal da manutenção, todo mundo está trabalhando artisticamente, e a gente não pode ser tolhido de dar a opinião política.”