Caderno do Festival de Cinema de Vitória - Homenageada Nacional Marcélia Cartaxo

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Marcélia Cartaxo

HOMENAGEADA NACIONAL

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Ministério do Turismo apresenta

Marcélia Cartaxo

Homenageada Nacional Vitória - ES, novembro de 2021



Para falar de Marcélia Cartaxo é impossível não se lançar no clichê que diz que são nos pequenos frascos onde se guardam os melhores perfumes. Sob seu corpo franzino e sua voz mansa, há uma atriz gigante e monumental. Dona de um sorriso largo e de um talento esculpido com delicadeza e esmero, Marcélia Cartaxo é uma artista cujo comedido e caprichoso trabalho de interpretação arrebata o nosso olhar e atiça os nossos afetos. Essas qualidades de intérprete foram notadas desde a sua estreia como a protagonista de A Hora da Estrela, longa-metragem de Suzana Amaral com roteiro adaptado do romance homônimo de Clarice Lispector, e que rendeu o Urso de Prata no Festival Internacional de Cinema de Berlim, em 1986. Sem dúvida, essa mulher paraibana figura como uma das grandes damas do cinema brasileiro das últimas décadas. Com mais de 40 anos de carreira e um currículo com mais 40 filmes, ela já interpretou os mais diversos tipos: de freira a prostituta, de mãe a avó, ela imprime o sonho, a força, a luta e a realidade da mulher brasileira em suas atuações. Entre suas atuações para o cinema, ganharam destaque a prostituta Laurita, de Madame Satã (2002), de Karim Aïnouz; a sonhadora Pacarrete (2019), do filme homônimo de Allan Deberton; que lhe rendeu o Prêmio de Melhor Atriz no Festival de Cinema de Gramado e no Festival de Cinema de Vitória; a mãe do protagonista Francisco, no longa-metragem Big Jato (2016), de Cláudio Assis, em que recebeu o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante no Festival de Cinema de Brasília. Pessoa sensível e criativa, Marcélia também se aventurou na direção cinematográfica e já lançou quatro curtas-metragens ficcionais nos quais imprime seu olhar sobre o mundo e nos presenteia com imagens carregadas de lirismo e reflexão. São eles: Tempo de Ira (2003), De Lua (2013), Redemunho (2016) e Casa de Louvor (2020). Em seu percurso artístico, ela ainda passou pelo teatro, arte inicialmente vivenciada como uma brincadeira infantil – através da qual foi ‘descoberta’ para o cinema –, e também pela televisão, com participação em cerca de 20 obras teledramatúrgicas de algumas emissoras brasileiras. Porém, foi sobretudo interpretando para a telona que ela firmou a sua carreira e compôs personagens emblemáticas para a história do audiovisual brasileiro. Viva Marcélia! Lucia Caus Diretora do 28º Festival de Cinema de Vitória



Sumário De Macabéa a Pacarrete · 07 Uma infância Inventada · 11 A hora da estrela brilhar · 21 Uma atriz de cinema · 33 Uma dose de televisão · 53 Nasce uma diretora de cinema · 57 Trabalhos · 61 Prêmios · 71 Depoimentos · 73 Legendas e Créditos · 79



Apresentação

De Macabéa a Pacarrete A imagem de Marcélia mais vaga que me vem à mente é a da garota franzina, branquinha e de olhar curioso, à janela da sua casa, na parte mais elevada da rua Higino Rolim, próxima do açude, o nosso mar, em Cajazeiras, Sertão da Paraíba. Além dos banhos dominicais, era o Açude Grande a nossa escola de natação. A menina Marcélia com olhos prenhes de desejos sonhava com a relativa liberdade que nos era concedida por nossos pais. Sua carta de alforria veio a conta-gotas, quando começou a brincar de “drama” no quintal do vizinho Eliezer. Fazia parte da trupe infantil, além do próprio Eliezer Rolim, mentor da artimanha, Soia, Nanego e Paula Lira (meus irmãos), Suedi, Lincoln, as irmãs Wilma e Wildenir, os irmãos Lucilda, Luciene, e Leidson Feitosa, entre outras crianças das ruas próximas. O grupo de teatro, que foi de início batizado de Mickey, fazia pequenas apresentações no formato de esquetes, primeiro na rua Higino Rolim, depois em escolas e noutros espaços da cidade. Com o “amadurecimento” dos seus integrantes (da infância à adolescência), passou a se chamar Grupo Terra de Teatro, criando textos com temas mais adultos. A hora da estrela de Marcélia aconteceu com Beiço de Estrada, a segunda montagem do grupo nessa nova fase – a primeira fora Os Pirralhos – traz a atriz como Véu de Noiva, a menina tímida e ingênua, reservada para o casamento pela mãe, que era dona de uma cabaré, na fuga do destino de se tornar prostituta como as demais irmãs. Com Os pirralhos, o grupo participou de circuitos estaduais de teatro na Paraíba a partir de uma visita à Cajazeiras, do ator, também paraibano, Luiz Carlos Vasconcelos, que se encantou com a maturidade artística dos “meninos”. Foi em 1984, pelas mãos de Luiz Carlos, que o grupo chegou ao Circuito Mambembão de Teatro, encantando e comovendo o Sudeste e o Sul do país. Numa das apresentações, a então aspirante à diretora Susana Amaral estava na plateia e ficou fascinada com a atuação de Marcélia. A personagem Véu de Noiva tinha muito da desafortunada Macabéa de A Hora da Estrela, do romance de Clarice Lispector. Ficou o convite para um teste que aconteceria

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um ano depois. Lá vai a menina tímida e assustada para o estrelato. O orçamento para o longa era tão pequeno que Marcélia penou dois dias de viagem de ônibus de Cajazeiras a São Paulo, quase uma travessia pelo país. Os testes antecederam imediatamente as filmagens e Marcélia não retornou à Paraíba. Marcélia Cartaxo virou Macabéa, Macabéa virou Marcélia. Impossível não ver o rosto de Marcélia ao ler as desventuras da protagonista na obra-prima de Clarice Lispector. Vieram as aclamações nos festivais de cinema de Brasília (1985) e Berlim (1986). Marcélia se torna a primeira brasileira a trazer o troféu de Melhor Atriz (aqui, o Urso de Prata) de um grande festival estrangeiro. Acompanhei toda essa trajetória de Marcélia até os dias atuais, vibrando com suas conquistas e solidário aos seus infortúnios. Foram anos no Rio de Janeiro, sozinha e muitas vezes esquecida, com grandes dificuldades para sobreviver, aceitando papeis ínfimos em novelas, muito abaixo do seu grande talento. Uma exceção foi a telenovela Porto dos Milagres (2000), na Globo, onde sua personagem teve um certo destaque, coincidentemente ao lado do paraibano José Dumont, seu namorado em A Hora da Estrela.

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Vivíamos numa época em que para a atriz e o ator era uma condição essencial viver no Sudeste do país, se quisessem um lugar ao sol. Nas últimas duas décadas, os atores e atrizes paraibanos mais requisitados para a televisão e o cinema não precisam mais deixar sua terra. E Marcélia se beneficiou dessa mudança: se estabeleceu na cidade que ama ao lado da família e amigos. Os irmãos Marcelo e Marcel, a irmã Márcia e os sobrinhos continuam vivendo em Cajazeiras. Nos últimos cinco anos, Marcélia amargou a perda dos pais, Dona Elza e Seu Zé Cartaxo, além da irmã Mércia, com quem dividia sua casa, na capital paraibana. Marcélia é uma amiga-irmã, integra há décadas a família “Lirolândia”, como os amigos costumam chamar o nosso núcleo familiar, que habita o Altiplano, um bucólico bairro a uns dois quilômetros do mar do Cabo Branco. Presença obrigatória nos almoços dos domingos e nas comemorações festivas da família, Marcélia tem em


Soia Lira uma fiel parceria; são “unha e carne” como costumamos dizer aqui na Paraíba. O filme Pacarrete (2019), de Allan Deberton, traz Marcélia no papel da protagonista que dá nome ao filme e tem Soia Lira como Maria, sua empregada doméstica. Coincidentemente, Deberton terminou por “documentar” um retrato da relação das duas atrizes na vida real. Entre tapas e beijos, Soia e Marcélia são amigas de infância e chegam à maturidade, também artística, juntas, com amor e respeito, numa relação sempre conflituosa que amiúde nos provoca risos, não só no filme Pacarrete, mas também na vida. Marcélia recebeu o prêmio de Melhor atriz por encarnar Pacarrete e Soia o de Melhor Atriz Coadjuvante pela personagem Maria no 49º Festival de Cinema de Gramado, de 2019. Para quem acreditava que Marcélia Cartaxo estaria colada eternamente à ingênua Macabéa, sua maior performance como atriz até então, percebeu que o talento da cajazeirense é muito maior do que interpretar uma personagem com um physique de rôle semelhante ao seu e com uma história que tem muita coisa em comum com a sofrida jornada de Macabéa. A Pacarrete de Deberton veio provar que Marcélia é uma gigante ao encarnar uma bailarina idosa lutando pelo direito de levar a sua arte ao público de sua cidade natal. Marcélia agora não é apenas Macabéa, é também Pacarrete, eternizadas pelo poder mágico do cinema. Bertrand Lira

Cineasta e professor de cinema

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Uma infância Inventada Marcélia de Souza Cartaxo nasceu em 27 de outubro de 1962, em Cajazeiras, cidade localizada no Sertão Paraibano. Escorpiana, regida pelo elemento água, a artista desaguou pelas ruas do município e inundou o mundo com seu talento e jeito particular de interpretar. Caçula de cinco filhos, seu nome e o dos seus irmãos, Marcel, Marcelo, Márcia e Mércia, cumpre uma ‘tradição’ comum em muitas famílias nordestinas e também Brasil afora quanto a nomeação filial. “Na escola brincavam muito com a gente: Márcia, Mércia, Missa, Morça, Mussa. Aqui no nordeste tem essa coisa de colocar tudo na mesma letra. Sempre parecido com os pais. No nosso caso, minha mãe fez tudo com M”, relata, bem humorada. Seu pai, José Joaquim Cartaxo, era agricultor e uma figura pouco presente na infância da artista, enquanto sua mãe, Elza de Souza Cartaxo, era costureira e uma presença forte e constante na educação de Marcélia. “Tudo era com minha mãe”, pontua. “Ela gostava bastante de mexer nessas coisas de costura. Ela fazia as roupas da gente com restos de tecidos que ela arranjava e assim pagava o aluguel. Como eu era a mais nova, eu ficava muito em casa. Ela ali na mesa, costurando, e eu estudando”. Desse período de convivência contínua, ela traz uma lembrança particular que ela conta aos risos: “Tinha que entregar as roupas. Eu não gostava muito porque tinha que cobrar e eu não gostava. Eu odiava essa cena. Ela terminava uma roupa e dizia: ‘entrega essa roupa lá, pra fulano de tal’. E tinha que cobrar. E eu odiava cobrar. Eu ficava rodando na cidade, com a roupa na mão”. Uma vez responsável pela educação dos filhos, Elza era muito rígida com as cinco crianças. “Eu fui criada muito presa, muito presa. Só tinha uma janelinha aberta e ela ficava costurando e era pra não passar. Ela doutrinou a gente assim. A gente fugia, às vezes, pela janela, pra ensaiar com os meninos, porque ela ficava desconfiada, ficava questionando os ensaios da gente. Tinha as apresentações e a gente roubava as coisas de casa para as apresentações. Às vezes ela falava, ‘acabei de comprar a toalha da mesa!’, e a gente botava no cená-

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rio”. Apesar da rigidez de sua criação e das proibições de sua mãe, as primeiras memórias de Marcélia tem como cenário não só a sua casa, mas também os lugares por onde ela passou pela infância: “Até os cinco anos, eu tenho um pouco de lembrança. Da casa, do açude grande, da cidade, do céu, que são as coisas mais linda que têm: o céu e o açude grande. O Cristo Rei... os lugares que a gente passeava. Além do quintal e da escola”, relembra a atriz. Os ensaios a que Marcélia se refere em seu depoimento são a transição das brincadeiras de criança para o universo das artes cênicas, que foi descoberto com os amigos da rua, no início da adolescência. “Comecei no teatro com 12 anos de idade, e era assim, brincando mesmo, na rua, na escola, ali com a turminha mesmo. Eram mais de 20 crianças; eu estudava junto com Soia Lira, e era todo mundo do mesmo grupo de teatro. A gente começou a brincar de fazer teatro no quintal da casa de Eliezer Rolim, que era o diretor do grupo na época”.

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É nesta época que ela e seus amigos criaram o Clube do Mickey, primeiro grupo teatral amador da artista, cujo nome é inspirado nos desenhos televisivos a que ela e sua trupe assistiam na infância. “A televisão tinha um movimento do Mickey. Existia ‘A Turma do Mickey’, e a gente tinha uma referência de quando a televisão era em preto e branco. Tinha muito essa referência no movimento artístico da gente. A gente fazia a Chapeuzinho Vermelho, a Branca de Neve, essas histórias de conto de fadas. E depois sentimos a necessidade de escrever os próprios textos. Foi quando a gente começou o movimento de criação dentro do grupo”. No início dos anos de 1970, as brincadeiras do Clube do Mickey ganharam outras nuances. Embora ainda fosse um grupo amador, a trupe começou a deixar as histórias infantis de lado para investir em uma dramaturgia autoral, estimulando a criatividade em diversos campos da arte. “O grupo começou a criar uma dramaturgia própria por volta de 1973, 1974. Porque a gente começou com 12 anos de idade e estudava. Toda noite a gente fazia esse movimento, que se estendia para além das brincadeiras artísticas. Brincávamos quase o dia inteiro de coisas que aprendemos no parque.


“A princípio, não sabíamos o que estávamos fazendo, a gente fazia teatro como uma brincadeira”



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Nosso dinheiro eram as notas de cigarro. Tinha muito uma referência com o negócio do parque e uma coisa criativa do teatro. A gente fazia muita máscara, o próprio cenário, nossa própria iluminação e viajava com esses espetáculos pelo interior”. As apresentações do grupo aconteciam em espaços alternativos como auditórios, clubes, e nas ruas da cidade, espaço em que precisavam usar técnicas de improvisação para realizá-las. Nesse período, eles produziram espetáculos como O Bando de Ciganos, A Seca e À Procura da Flor Verde. “Nos primeiros anos, a gente passou de Chapeuzinho Vermelho para depois entrar nessa fase de pesquisa quando abordamos essa questão do paternalismo político, a questão da seca e da miséria... a gente começou a abordar esses temas nos nossos trabalhos. A gente também escreveu e montou uma peça chamada A Seca. Todos os integrantes do nosso grupo eram bastante criativos. Era uma época em que, em Cajazeiras, a arte estava muito ligada à educação”.

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A propósito, no que tange à educação, uma rápida curiosidade: no período escolar, Marcélia foi super envolvida nos esportes e chegou a jogar como levantadora de um time de vôlei. “Eu era uma pessoa muito ativa na escola com a questão, por exemplo, da bola, adorava jogar voleibol, futebol. Basquete não, mas futebol e outras modalidades de atletismo eu praticava. Gostei muito dessa época”, ela comenta. Em 1976, o ator e diretor Luiz Carlos Vasconcelos era um dos convidados da Semana Universitária – um grande evento artístico que acontecia na cidade de Cajazeiras –, para ministrar um curso em que um dos alunos era Eliezer Rolim, o diretor do Clube do Mickey. “Luiz Carlos conheceu o nosso grupo e propôs que fôssemos estudar e passar uma semana na Escola Piollin, em João Pessoa, onde íamos ter mais acesso ao teatro e outras atividades artísticas. Porque, a princípio, não sabíamos o que estávamos fazendo, a gente fazia teatro como uma brincadeira. Ele adorou o grupo da gente. Ele sentia responsabilidade, pois todos os anos a gente montava uma peça de teatro. Nessa época estávamos fazendo a peça A Seca, que era com


a música Asa Branca, do Luiz Gonzaga. Através dela fizemos uma peça de teatro. Daí a gente foi para esse primeiro encontro na Escola Piollin, em João Pessoa”. Com o crescimento pessoal e profissional, a trupe deixou a influência de Walt Disney para trás e ganhou um novo nome: Grupo Terra. Dessa nova fase, surgiu a peça teatral Beiço de Estrada que aborda questões relacionadas às condições precárias de sobrevivência em uma estrada sertaneja, a partir da história de uma avó e seus dois netos. Com esse espetáculo, o grupo circulou pelo Sul e pelo Sudeste do Brasil, em um circuito conhecido como Projeto Mambembão, que viabilizava a realização de montagens de fora do eixo Rio-São Paulo. Esse trabalho se tornou um divisor de águas na carreira de Marcélia Cartaxo. Depois da experiência com o Grupo Terra, antigo Clube do Mickey, Marcélia viveu um turbilhão de emoções como protagonista do filme A Hora da Estrela, só retornando aos palcos em 1987, na cidade do Rio de Janeiro, com o espetáculo A Nossa Voz. “Foi com João das Neves, que dirigia. Era uma peça muito linda, com Emiliano Queiroz. Essa peça estava lá pras tantas e era Elizabeth Savalla quem fazia, e aí ela desistiu e eles me convidaram, e por 20 dias fui lá, vivenciar essa história”. Depois deste trabalho, ela só retornou aos palcos 15 anos depois, em 2002, a convite de Matheus Nachtergaele, para encenar a peça Woyzeck: O Brasileiro, dirigida por Cibele Forjaz, que circulou por diversas capitais brasileiras. “Woyzeck foi muito interessante, um trabalho enorme. Foi Matheus quem produziu e convidou mais quatro atores e eu estava no meio desses contatos. A gente aprendeu muita coisa junto”. A obra, um dos mais importantes textos teatrais do mundo, teve dramaturgia feita por Fernando Bonassi. Além de Matheus, fizeram parte do elenco Leandro Firmino da Hora, Michel Melamed, Rui Polanah, Fabiano Costa, Nilton Bicudo, Victor Perales e os atores do Grupo Piolim, da Paraíba – Soia Lira, Nanego Lira, Servílio de Holanda e Everaldo Pontes. A trilha sonora do espetáculo foi feita

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pelo cantor e compositor pernambucano Otto. Marcélia interpretou Maria. “A história de Woyzeck é muito rica, de um escritor alemão, que era lá da época da guerra. Eu fazia a Maria, que era mulher do soldado, e aí Maria traía ele. Com os desdobramentos da história, com essas coisas todas, ele acaba assassinando Maria. O espetáculo era lindo. Era muito ‘teatro’, porque a primeira montagem resolveu fazer um cenário enorme, olaria, tijolos. Era uma fábrica de tijolos e lá acontecia a história. Era muito criativo. Achei lindo esse trabalho”.

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Hoje, cerca de 40 anos após essas primeiras experiências no fazer teatral e já consagrada como uma atriz de cinema, Marcélia percebe que seu processo criativo está enraizado naquele teatro inaugural vivenciado durante a adolescência e início da juventude. “Eu acho que esse processo de composição de meus personagens, da minha forma de ver e pensar é lá desse teatro mesmo, é de lá de trás que eu vou e busco, penso, imagino... Claro que eu vou procurar aperfeiçoar cada vez mais esses movimentos com a ajuda de muitos preparadores; cada filme que fiz havia um que me ensinava o trabalho de corpo, que me ensinava um pouco de exercícios de voz e de exercícios pertinentes, de como buscar a memória da emoção, que cada um vai procurar o que melhor se adapta a esse processo… Eu busco muito dentro da história de cada personagem, procuro me aprofundar, fazer uma pesquisa bem profunda dos altos e baixos dessa personagem, pra eu fazer e ficar natural e verdadeiro. Procuro lá fora, porque é lá fora que está o exercício de dentro: como é que essas personagens são? Como é que elas falam? Como é que elas andam? Se é uma personagem que é uma secretária, se é uma empregada… Vou procurando e observando como são essas pessoas ou depois trago pra dentro e vou, aos poucos, incorporando esses movimentos dessa personagem”.


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A hora da estrela brilhar Depois de percorrer algumas capitais brasileiras, a montagem teatral Beiço de Estrada aportou na capital paulista, em 1984. Bem recebida pelo público e sucesso de crítica, o espetáculo contou com uma espectadora atenta: a diretora Suzana Amaral. Até então realizadora de documentários, ela estava em busca da protagonista para sua estreia em um longa-metragem de ficção. “Suzana Amaral foi assistir à peça e ficou encantada: ‘Quem é essa menina? Tão linda no palco. Ela não tem gestos largos, ela é toda econômica, no jeito de falar, no jeito de ser. Ela está parecendo uma personagem que eu tô procurando’”, relembra a atriz. A diretora queria encontrar a intérprete perfeita para dar vida à versão cinematográfica de Macabéa, protagonista de A Hora da Estrela, um dos romances mais populares de Clarice Lispector e um dos maiores clássicos da literatura brasileira. Mas, a princípio, Marcélia não estava muito ligada a isso. A jovem estava interessada em descobrir as novidades da grande metrópole. “Quando cheguei em São Paulo, Suzana Amaral estava nessa época procurando uma atriz para poder fazer a Macabéa. Ela assistia a todos os espetáculos que vinham do Nordeste. Quando ela viu nosso espetáculo, ela ficou louca. E eu assim completamente em outra onda. Para eu ter chegado em São Paulo já foi o máximo! A gente com dinheiro (tinha o cachezinho), estava muito feliz querendo conhecer e ver a cidade. No outro dia, ela foi assistir à peça de novo. Foi aí que a gente foi entender que ela estava fazendo um filme. Ela me presenteou com o livro A Hora da Estrela, pegou meus contatos, falou um pouco da Macabéa, que era uma menina de interior, que ela ia para São Paulo com a tia dela. E o grupo ficou encantado achando que ela ia levar todo mundo”. De São Paulo, a companhia ainda foi para a cidade do Rio de Janeiro e finalizou a turnê no Festival de Teatro de São José do Rio Preto, que era um importante encontro da cena teatral da época. “Era um Festival grandioso, que reunia artistas do Brasil e do exterior, com extensa programação de cursos e palestras com importantes diretores do teatro. Era um teatro com muita criatividade, foi um ponto

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alto da cultura no Brasil, principalmente no teatro. E depois o grupo voltou muitas vezes a esse festival”. Com o término das apresentações, o grupo retornou para a cidade de Cajazeiras. Quando as conversas sobre o filme eram quase uma lembrança longínqua, Suzana Amaral reapareceu. Em um tempo que não existia direct, inbox e nem What’s App, as palavras chegaram pelos Correios. “Isso no início de 1984. A gente já estava há uns três anos com a peça. Havíamos voltado para Cajazeiras, todo mundo já tinha esquecido do convite e chegou uma carta lá em casa. Era ela falando que tinha gostado da peça, que gostava de mim, do meu trabalho. Disse que não ia poder levar o grupo todo, porque era uma história pequena. E que ia levar só eu. Aí eu não tive coragem de contar para o grupo. Contei apenas para um dos meus amigos, que era o Lincoln, que me ajuda a escrever essas cartas. Porque eu ficava tão ansiosa que eu não sabia o que fazer”.

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Quando finalmente precisou contar ao grupo sobre a decisão da diretora do filme, de que seria apenas a própria Marcélia a participar da produção, a recepção não foi das melhores. “Fui me correspondendo com ela em silêncio até o dia que contei ao grupo e deu a maior confusão. Falaram que eu estava escondendo e passaram cinco anos sem falar comigo. Foi um racha total. Foi uma confusão muito grande e eu saí fora do grupo. Eu dizia que eu ia embora e que eu não ia voltar nunca mais. Só quando eu fosse bem rica, como Tieta do Agreste!” conta a atriz, aos risos. “Eles achavam que eu não falava dessa importância do meu passado, de onde eu vim, que eu não falava do grupo e que não queria levar eles para fazer o filme. E eles queriam se tornar presentes, claro, através do reconhecimento do meu trabalho que estava se iniciando. Mas não era má vontade minha”. Para acalmar essa animosidade, foi preciso que o diretor Luiz Carlos Vasconcelos interviesse e argumentasse com o grupo que tal investida de Marcélia se assemelhava a uma prova de vestibular, na qual uns passam e outros não. Durante as trocas de correspondências, que aconteceram antes da partida de Marcélia para São Paulo, Suzana Amaral já iniciou o processo de direção para a transformação de Marcélia em Macabéa.


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“Ela me escreveu umas oito cartas. Me falando do projeto, da personagem, me dirigindo nas cartas, falando como eu tinha que fazer, que tinha que costurar uma camisola, vestir todos os dias essa camisola. Pedia que eu fosse a lugares nos quais eu pudesse ver as Macabéas, para que eu observasse as Macabéas do bairro, as Macabéas das feiras, as Macabéas que circulavam na minha cidade. Eu só fui pegar o roteiro uma semana antes de filmar porque ele dizia que o meu roteiro era o livro. Eu tinha que ler mil vezes esse livro para ficar com esse subtexto na cabeça”.

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Antes mesmo de ir para São Paulo, Marcélia precisou convencer os familiares de que essa viagem e, consequentemente, esse trabalho, poderiam ser divisores na sua carreira e na sua vida. “Minha mãe também não queria me deixar ir. Eu tinha problemas respiratórios e ela não queria deixar eu fazer essa viagem de jeito nenhum. Além disso, eu estava fazendo vestibular para educação artística e não sabia o que fazer. Se ficasse em Cajazeiras, estava perdida. Se eu não passasse no vestibular também, então apostei todas as minhas fichas nessa viagem. E teve muita confusão em casa: chamei o diretor do colégio, os professores, as mães dos meus amigos e até o prefeito da cidade. Chamei todo mundo para dizer que seria bom e importante para minha carreira e para o meu trabalho. Foi muito difícil pra minha mãe, ela ficou muito resistente nisso. Mas, enfim, chegou o dia da viagem. Suzana falou com minha mãe pelo telefone, entrei naquele ônibus e segui. Me despedi da minha família. Parecia o fim do mundo [risos]. E fui”. Depois de quase três dias de estrada, a personagem Macabéa ainda não era propriedade da atriz. “Fiquei hospedada na casa de Suzana Amaral até fazer um teste, porque eu achava que ia fazer o filme. Não estava contando com teste e muito menos voltar tão cedo pra casa. Fiz o teste. Tinham mais cinco meninas para fazer o teste. Ninguém encontrava com ninguém. Era tudo separado. Tudo em segredo. Depois que eu fiz esse teste, o povo ficou louco, parecia que tinham ganhado a Copa do Mundo! Todo mundo muito feliz: o fotógrafo, a diretora, a assistente de direção, a produtora. Suzana ficou tão impressionada com o teste, que incluiu a cena no filme. É a cena no escritório comendo a salsicha. E assim eu já fui ficando pra fazer o filme”.


As filmagens de A Hora da Estrela podem ser classificadas como ‘cinema de guerrilha’. Feito com baixo orçamento, todo o processo de gravação do longa-metragem foi orquestrado para acontecer sem nenhum imprevisto e com um enorme grau de excelência. “O filme foi gravado 15 dias depois do teste. Teve um mês de preparação. E a gravação em 28 dias. As filmagens foram em 35 milímetros, que era muito caro, e tínhamos que ser muito econômicos porque o orçamento era apertado. Por isso, eu precisava fazer aquela cena que ia valer, ela tinha que dar certo. A Suzana Amaral fez uma aposta muito grande em mim”, relembra a atriz. Marcélia descreve o set e o período de filmagem criados pela diretora como um ambiente cercado de cuidados para que todo o processo fosse realizado com precisão. “Suzana se cercou de muitos aparatos técnicos, que ela tinha como diretora. O roteiro dela era todo muito desenhado, era como se fosse uma maquete. Ela sabia exatamente o que ela queria. Ela me levou pra todas as locações. No dia que a gente ia filmar, ela me levava de madrugada, éramos as primeiras a chegar e ninguém falava comigo. Só ela. Ela não me deixava ir pra restaurante, não me deixava ir pra shopping, não tinha esse negócio de sair de jeito nenhum. E eu passava a filmagem todinha virada para a parede, para ninguém me desconcentrar, para não macular a personagem. Ela tinha todo um cuidado para manter essa delicadeza da Macabéa, pra não perder essa essência interior”. O processo de criação de Macabéa é algo que Marcélia leva para toda vida. “Foi muito legal. Uma experiência muito, muito incrível. No meio do processo era muita concentração. Uma coisa depois da outra. A personagem tinha toda delicadeza, aquela simplicidade. Aqueles movimentos muito leves, gestos muito pequenos. Com o tempo, com a personagem evoluindo, Suzana ia me ensinando a observar a Macabéa: como ela anda, como ela senta, como é que ela come, como é que ela vai se expressar, como é que ela vai falar. Depois é a memória da emoção. Como eu vou emprestar minha alma pra essa personagem. Depois, ela começou a falar como a personagem ia se vestir. Porque além de se vestir, o ator tem que se vestir com alma, com amor, se vestir com todas as características da personagem.

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Depois disso, pra bom entendedor, você já tem um caminho pra montar a personagem. Toda vez que você for entrar em uma história, em um roteiro, em uma situação, tem essa base que lhe dá sustentação para criar um movimento e já ir caminhando com essa personagem e conseguir desenvolvê-la de todas as formas: emocionalmente, psicologicamente, fisicamente. É muito incrível. Eu ganhei esse presente muito lindo”.

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A Hora da Estrela, que, em novembro de 2015, entrou na lista feita pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine) como um dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos, fez uma carreira consagrada em diversos festivais mundo afora, ganhando, entre outros prêmios, o Urso de Prata de Melhor Atriz para Marcélia Cartaxo, no Festival Internacional de Cinema de Berlim. “A gente foi pro Festival de Brasília e recebemos todos os prêmios. A gente foi ovacionado com A Hora da Estrela e depois a gente foi também lá em Berlim, a gente foi ovacionado, super aplaudido. Depois a Suzana disse que A Hora da Estrela ganhou três prêmios, entre eles o OCIC Award, que dá direito de passar no Cinema de Artes, e o prêmio de melhor atriz. Aí bem que eu fiquei feliz, porque eu achei que Suzana estava esperando que ganhasse alguma coisa, porque o filme repercutiu bastante no festival”. Entre as memórias da passagem por Berlim, Marcélia lembra da reação da mãe quando foi comunicada que a filha havia sido escolhida a Melhor Atriz do festival. “Lá da Alemanha, eu pedi a Suzana para ligar pra minha mãe e dizer que eu tinha ganhado o prêmio. Aí liguei, ela atendeu o telefone, e eu disse ‘ei, mãe, eu ganhei um urso’. Aí ela: ‘traga esse bicho pra cá não, porque não tem comida pra ele, não…’”, conta ela aos risos. A interpretação de Marcélia rendeu elogios também da mídia brasileira. Em artigo intitulado “Berlim aplaude filme do Brasil”, publicado originalmente em 1986, no jornal O Estado de São Paulo, e assinado por José Carlos Avellar, o crítico afirma que: “vestida de modo deselegante, gestos contraídos, sorriso que mostra mais uma cara torta e triste que um ar de contentamento, a atriz [Marcélia Cartaxo]


“A personagem tinha toda delicadeza, aquela simplicidade. Aqueles movimentos muito leves, gestos muito pequenos. Com o tempo, com a personagem evoluindo, Suzana ia me ensinando a observar a Macabéa: como ela anda, como ela senta, como é que ela come, como é que ela vai se expressar, como é que ela vai falar”



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consegue passar para o espectador não apenas o que Macabéa é na sua aparência, mas também o que ela sente e não consegue expressar... São informações e sentimentos que a atriz passa sem diálogos (...) com os olhos, com um tremor leve no canto da boca, com um movimento inseguro das mãos”1.

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Em mais de quatro décadas de trabalho, Marcélia Cartaxo materializou a pluralidade da mulher nordestina em seus inúmeros trabalhos. Mas a sua estrada também é um reflexo da história do povo nordestino no mundo. A opção de romper com a minha vida tranquila no interior e correr atrás dos sonhos, especialmente quando essa maratona teve início no começo dos anos 1980, quando a percepção de mundo não era das mais favoráveis, foi uma construção feita com muito esforço. “Logo no início da vida, que eu fiz A Hora da Estrela, eu achei que eu ia fazer uma coisa extremamente difícil, porque uma coisa é você estar lá no topo e, depois, você ter consciência de como você chegou ali… mas depois eu fui observando as questões da vida mesmo, a gente é quem ministra a vida da gente, a gente que acorda, que vai lutar na vida, e tem que ficar sempre pensando: e agora como é que vai ser? Como é que eu ia viver? Como é que eu ia pagar minhas contas? Como é que eu ia conviver com esse sonho? Ou eu ia abortar e ir embora pra casa? Porque eu só tinha uma coisa: lutar. Aí fui fazendo aos poucos, ficando de casa em casa, muitas vezes peguei roupas, sapatos, maquiagem e livros emprestados, e pedi favores para me manter nesse sonho de ser atriz. Eu ia lá me apresentava, buscava ter uma boa aparência e ficar por dentro dessas questões, principalmente naquela época que não tinha essa presença forte de nordestinos na cena teatral e televisiva no Sudeste, tinha só José Dumont e alguns mais velhos. Fui fazendo cursos avulsos e vivendo esse aprendizado que a Suzana me ensinou e que carreguei para a vida pessoal, que é a capacidade de observação e de auto entendimento, que é o exercício da concentração, até chegar o dia que eu pudesse me sustentar, nesse processo de busca do sonho”. 1 AVELLAR, José Carlos. Berlim aplaude filme do Brasil. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 18 fev. 1986. Citado em A Hora da Estrela. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2021. Disponível em: http:// enciclopedia.itaucultural.org.br/obra67303/a-hora-da-estrela. Acesso em: 01 de novembro de 2021. Verbete da Enciclopédia. ISBN: 978-85-7979-060-7


Sua estreia no cinema foi uma metáfora para os seus primeiros anos morando nas duas maiores cidades do Sudeste brasileiro: São Paulo e Rio de Janeiro. “Tive que aprender tudo do zero, porque depois eu fui fazendo as coisas que a Suzana falava, mas eu sacava a história da Macabéa, eu sacava como eram tratados os nordestinos em São Paulo, a gente também vivia as diferenças. Principalmente no Rio de Janeiro, quando a gente passa ali na Barra da Tijuca, é algo muito chocante essa diferença de classe gritante. Mas eu fiz a personagem e aos poucos fui me adaptando a isso daí, porque eu sabia que eram altos e baixos. Quando eu comecei a perceber que estava pesado, eu rezava muito, passava o dia inteiro rezando, eu até mudei de católica pra budista, pra meditar mais e ter uma certa compreensão do que que estava me esperando… Pai Nosso, Salve Rainha, sabe? É a espiritualidade que me movia para poder sair de casa… Era eu e Deus, qualquer coisa difícil que se passava, eu dizia ‘tô aqui segurando a mão do Senhor’, e converso com Ele como se estivesse presente verdadeiramente na minha vida, e por isso superei não só isso, mas muitas outras coisas na vida, porque há coisas na minha vida que só acontecem uma vez, vivenciei aquilo ali, tirei a moral da história, e sigo em frente… e é assim, não fico pensando muito lá atrás, fico pensando no agora, no hoje, no amanhã e no depois…”. Para Marcélia, atuar é a oportunidade de dar voz e ampliar a luta e os anseios femininos, em especial das mulheres nordestinas. “Me sinto extremamente especial pelo fato de eu ser atriz, por ter conquistado esse espaço. Conheci muitos lugares que se não fosse o trabalho eu jamais conheceria. Pude estudar, ter acesso. Eu tenho uma voz e por isso eu vou até o fim da minha vida lutando pelas questões sociais e representando essas mulheres. Seja Maria, seja Josefa, seja a história que for”.

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Uma atriz de cinema Mesmo com passagens representativas no teatro e na televisão, foi na sétima arte que Marcélia Cartaxo encontrou o espaço para mostrar sua versatilidade e talento como atriz, e também como diretora. Em mais de 40 produções, ela alternou protagonistas exuberantes com as coadjuvantes intensas, além de participações afetivas, que sublinham a qualidade das suas atuações que reúnem uma marca pessoal ao mesmo tempo que se deslocam da sua personalidade para dar forma a inúmeras possibilidades de existências. Mas o primeiro contato de Marcélia com o cinema foi na infância como espectadora. “O primeiro filme a que eu assisti foi Rua Descalça [longa-metragem de J.B. Tanko baseado no romance de José Mauro de Vasconcellos], eu não esqueço nunca a história desses garotos”. A produção cinematográfica que chegava em Cajazeiras era distribuída em três salas distintas. “A gente tinha três cinemas em nossa cidade, O Cine Pax, o Cine Éden e o Cine Apolo. Os Cine Apolo e Pax pertenciam à Arquidiocese e eu frequentava muito pouco. O Cine Éden tinha sessões de filmes de matinês, sessão da tarde. Era também época da Pornochanchada e do bang-bang. Esse Cine Éden passava muito bang-bang e mais tarde passava uns filmes de sexo. Sempre a sessão de sete, oito até nove horas era leve, depois eles pegavam pesado [risos]”. A Hora da Estrela é o trabalho que tira Marcélia do lugar de espectadora e marca sua estreia no cinema. Um processo de imersão e aprendizagem para quase tudo o que viria depois. “Observar. A questão da observação. Essa é uma fórmula que vai pra vida toda. É infinita a questão de você observar e ver que tem muitas possibilidades na mão, de interpretação, dessa profundidade da personagem. Da questão emocional muito profunda. Porque, emocionalmente, a gente gasta muita energia. E a gente ainda vai ser dirigida. Tem que dar certo na câmera, com o fotógrafo e com os outros atores também. Tem que ter esse tripé de sustentabilidade, tem que ter toda essa estrutura. Tem uma estrutura enorme por trás disso. É uma responsabilidade muito grande. Aí, às vezes, eu fico tremendo na base”.

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O próximo projeto de Marcélia foi o longa-metragem Brasa Adormecida, segundo filme do diretor Djalma Limongi Batista, em que interpretou Angélica. O filme faz uma homenagem a Humberto Mauro (diretor de Braza Dormida, filme de 1928), em uma comédia inventiva e autoral, pontuada por doses de nonsense e erotismo. “Era um trabalho de época assim lindíssimo. Convivi com muita gente que não imaginava que iria encontrar. Eu contracenei com a Miriam Pires. O filme era uma comédia, alguém colocava algo escondido na comida servida à mesa e todo mundo tinha alucinações. Tinha muita cena de efeito, eram muito jovens, que tinham lá seus 22 anos, e foi assim bem incrível de fazer, completamente diferente. Outra pegada, porque era uma comédia. Minha participação foi até pequena, mas conheci pessoas de outras idades e um diretor completamente diferente. Foi realmente como se fosse um conto de fadas”.

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O longa-metragem seguinte foi Fronteira das Almas, de Hermano Penna, que trata do sistema agrário do país e lhe rendeu o prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante no Festival de Brasília. “Esse trabalho foi feito em Rondônia. Aborda a questão agrária, da luta pela posse da terra. Foi uma criação mais social e rural. A gente ia pra mata. Fiz poucas cenas, acho que eu fiquei só uma semana fazendo esse trabalho”. Depois, Cartaxo participou do musical Sonhei com Você, dirigido por Ney Sant’Anna, ao lado da dupla Milionário e José Rico. Ela interpretava a caminhoneira Marcela. “Eles me perguntaram se eu sabia dirigir. Eu já estava toda me aventurando como atriz e eu disse que sabia. Quando foi no outro dia, eu entrei na autoescola [risos]”. Depois de algumas aulas de direção, a atriz foi para Sertãozinho (SP), onde estava montado o set de filmagem, e descobriu que precisaria dirigir um caminhão baú. “Eu nem sabia ligar o caminhão e precisava dirigir por toda uma avenida na cena. Aí fui para uma estrada de terra onde dirigi por umas horas. Chegou o dia de filmar, todo mundo lá: Walter Carvalho, diretor de fotografia, o primeiro do Brasil. Olha só a responsa? [risos]. Depois, chegaram Milionário e Zé Rico, cantando tudo e contando as aventuras. Era


uma avenida com uma ladeira, e eu tinha que dirigir levando dois homens cheios de malas e a câmera ia fechando o plano enquanto o caminhão descia a ladeira. E lá estava a câmera montada e voltada pra gente e o caminhão descendo… descendo… Aí, o Walter Carvalho arrancou a câmera e falou: ‘eu não vou ficar aqui não, essa doida não sabe dirigir não’ [risos]. Quase puxei o freio de mão, fui descendo a ladeira e pedindo pra todo mundo sair da frente. Mas foi uma experiência incrível, uma convivência muito família. A gente ficou muito amigo. A gente ri muito quando se encontra por conta desse trabalho”. Césio 137 - O Pesadelo de Goiânia, de Roberto Pires, foi o trabalho seguinte. “Eu fazia a esposa do Paulo Betti, que andava com essa peça radioativa pra cima e pra baixo contendo o Césio 137, sem se dar conta do perigo. Para compor as personagens, tivemos um processo de pesquisa para conhecermos mais de perto a história real que inspirou o roteiro, daí conversamos um pouco com as pessoas que foram afetadas por esse acidente radioativo”. Na sequência, Marcélia realizou dois curtas-metragens, formato até então inédito na sua filmografia. A Última Canção da Terra, de Luiz Carlos Persegani, foi o primeiro, depois foi a vez de Dente por Dente, de Alice de Andrade. “Ela [a diretora] era bem novinha e estava fazendo o primeiro roteiro dela. Na verdade, acho que até era um média, não sei se virou curta. E era bem engraçado. Ela queria fazer uma coisa bem louca, bem diferente”. Depois ela retomou os longas com um projeto bem particular, A Árvore de Marcação, da diretora potiguar Jussara Queiroz, em que ela interpreta uma personagem diferente de tudo que ela havia feito até então: “Era uma aprendiz de freira. Ela trabalhava junto a uma comunidade do Rio Grande do Norte e, junto com outras freiras, ajudava socialmente essa comunidade, porque lá faltava água. Batalhava junto às prefeituras para as pessoas terem acesso a água. Ela fazia um trabalho também com as crianças para educar, contar história, e tinha essa caminhada com as crianças”.

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De acordo com Marcélia, as filmagens deste trabalho foram uma experiência quase documental, ao acompanhar o cotidiano dos moradores da região para além do set de filmagem. “O filme é legal porque ele retratou tudo, foi lá e registrou. Depois a gente voltou e mostrou o material. O cenário e as locações foram reais, nas casas das famílias da comunidade. O roteiro era uma história imaginada e também a realidade das pessoas. Foi um aprendizado e foi bom ter conhecido as crianças que conviveram com a freira, por meio da Jussara. Essa comunidade era perto da praia, havia muito peixe, as coisas que eles pescavam, as coisas que eles plantavam, a macaxeira, a batata doce… essa convivência muito rural mesmo”.

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Outro filme foi 16060, de Vinicius Mainardi. “É um filme com a Maitê Proença e o Antônio Calloni, e eu faço uma participação. Eu interpretava uma mãe muito fria, muito perversa”. Esse trabalho tem uma curiosidade: um dos filhos do casal de protagonistas foi interpretado por Pedro Brandi, filho de Rosi Campos, atriz que Marcélia conheceu desde os tempos do filme A Hora da Estrela e que chegou a hospedá-la em São Paulo. “No filme, os protagonistas moravam em uma mansão e tinham um filho, que era o Pedro Brandi, um menino que conheci quando ele estava com três anos de idade, que eu criei e com quem passeei, levei pra todo canto, pra escolinha e tudo. No filme, ele já estava com 11 anos de idade”. No trabalho seguinte, For all - O Trampolim da Vitória, Marcélia experimenta um lugar que ainda não tinha entrado no campo da atuação: a comédia. “For all é o primeiro personagem engraçado que eu faço. Era uma das fofoqueiras que ficava deslumbrada com a tecnologia, com liquidificador, congelador, batedeira... É uma comédia, mas é uma história muito séria do nosso país que recepcionava os mortos de uma guerra. Isso fez da cidade de Natal um lugar extremamente especial”. O filme também marcou seu encontro com Luiz Carlos Lacerda, o diretor de For All. “Aprendi muito com o Bigode. Ele foi um grande professor, um grande mestre. Ficou uma amizade muito especial e através dele conheci outros amigos, como o Paulo César Grande. Foi uma experiência de trabalho incrível”.


“É difícil você fazer uma personagem que já existiu né? É como se fosse um espelho. Você precisa ter muito cuidado para não deixar a personagem irritante e pra não faltar o que é essencial para o filme”



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Marcélia encerra a década de 1990, com mais um trabalho inspirado na literatura brasileira: Policarpo Quaresma, Herói do Brasil, adaptação de Paulo Thiago para o romance Triste Fim de Policarpo Quaresma, de Lima Barreto. “Também foi uma participação muito rápida, acho que eu fiz só umas três ou quatro cenas, uma passagem bem rápida, mas foi muito legal conhecer esse trabalho do Paulo José, que se dedicou muito. Na época, ele estava até no início do Parkinson, mas estava lá com a gente. E era lindo, porque foi muito trabalhoso. Você via o trabalho, a dedicação, era uma coisa importante essa representatividade dos personagens, que de certa forma são personagens inspirados na vida real mesmo”. Os anos 2000 começaram com Amélia, de Ana Carolina. O filme foi inspirado na visita da atriz francesa Sarah Bernhardt ao Brasil, em 1905. “Foi outra participação muito rápida. Acho que foram dois dias de filmagem. Meu personagem era Dona Abadia, era uma rezadeira, uma benzedeira. Para compor a personagem, fui procurar uma benzedeira, pra ver como é que fazia, como é que ela se comportava “. 40

O ano de 2002 marcou o encontro de Marcélia Cartaxo com Madame Satã. No filme, que marca a estreia de Karim Aïnouz na direção (com quem ela volta a trabalhar em O Céu de Suely, numa participação afetiva), a atriz interpretou a prostituta Laurita, personagem que representou uma nova virada em sua carreira. “Foi um filme que foi um segundo momento especial da minha carreira, do meu trabalho. Madame Satã era um pouco musical. Ele tem essa musicalidade. Acho bonita a fotografia, a identidade dos atores, aquela abertura com a Renata Sorrah. É bem intenso. Eu acho que é um dos melhores trabalhos do Karim, falando de uma coisa assim bem atual, falando da sexualidade, da resistência em todos os sentidos, social e tudo mais. Foi muito importante fazer esse trabalho. Foi uma grande oportunidade atuar com Lázaro Ramos e Flávio Bauraqui. Eles são dois grandes atores”.


Para Cartaxo, Laurita é uma personagem alegre, que retrata aquelas pessoas que mesmo em situações adversas conseguem encarar o mundo com positividade. Uma figura que, de certa maneira, representa um traço comum do povo brasileiro. E foi dessa maneira que ela foi buscar a identidade da personagem. “Eu observava outras mulheres que nem sempre são prostitutas, mas mulheres que tem uma fortaleza, uma resistência naquilo que elas se propõem a viver. Laurita luta para ser assistida, por melhores condições de vida. É uma luta pela sobrevivência social, né?”. Laurita formava uma família não convencional com Madame Satã e Tabu, personagens, respectivamente, de Lázaro Ramos e Flávio Bauraqui, que formavam o núcleo principal do longa. “A gente se preparou para ser uma família, morávamos na mesma casa, e tivemos uma pequena convivência durante o processo, que seguiu desde o trabalho com o corpo, voz. Íamos para a rua para ver a noite e observar as pessoas”. Em 2005, ele fez participações efetivas em duas produções. Em Quanto Vale ou É por Quilo?, de Sérgio Bianchi, ela interpreta Adélia. “O Sérgio é um diretor que trata de questões sociais. Eu fiz uma participação especial, na verdade ele me pediu pra eu fazer quatro cenas, fiz, mas na hora da edição por algum motivo acabou virando uma participação”. Já em Crime Delicado, de Beto Brant, a atriz encenou o trecho da peça Woyzeck, O Brasileiro em que contracena com o ator Matheus Nachtergaele. “Fizemos essa participação, foi legal, foi um trabalho de uma noite inteira. Walter Carvalho na fotografia. Foi uma noite na qual experimentamos várias soluções para resolver a cena”. O Amigo Invisível marca um reencontro da atriz com a diretora do longa-metragem. “Maria Letícia foi uma pessoa extremamente importante pra mim. Foi fundamental em um momento bem difícil que eu estava passando. O filme conta a história de uma menina que conversa com um garotinho invisível, mas depois não o vê mais”.

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Outro destaque da vasta e plural filmografia de Marcélia é Batismo de Sangue. “Foi um convite de Helvécio Ratton. Ele disse que já queria trabalhar comigo, falou da personagem e já comecei a me envolver com o filme, com a personagem do Caio Blat que era Frei Tito, e contar toda aquela história da época lá de sua militância durante a Ditadura. É um filme muito pesado, foi doloroso fazer, mas tenho orgulho de ter ajudado a contar essa história triste de nosso país”. Na sequência, ela encontrou Cláudio Assis no polêmico Baixio das Bestas. “Minha personagem era uma prostituta que morava lá naquele lugar junto com outras prostitutas e trabalhava na noite”. Mas antes, ela entrou na equipe do filme para exercer outra função. “O primeiro convite de Cláudio Assis foi para preparar o elenco. E foi incrível, porque a gente se encontrou, fizemos exercícios, curso de voz e tomei gosto de me envolver com a preparação de elenco. Quando a gente foi pra locação do filme, já botava na prática e era bem gostoso de trabalhar na construção dos personagens. Aí ele me chamou pra fazer uma participação, lá no meio do filme, quando a gente já estava filmando. Me chamou pra preencher ali aquele cabaré”. Depois deste primeiro trabalho juntos, sempre que a atriz encontrava o diretor, ela brincava com ele pedindo um papel: “‘Ah, Claudio, me dá um personagem, me dá uma personagem’ [risos]”. O reencontro aconteceu em 2016, no longa-metragem Big Jato, em que Marcélia interpretou a mulher do protagonista. “Foi legal. A segunda vez que contracenei com Matheus [Nachtergaele]. A gente se dedicava bastante. A gente se esforçou muito, a gente passou quase um mês juntos, ensaiando. O filme fala de questões trabalhistas e de classe”. Antes disso, em 2009, ela retornou a Cajazeiras para participar do filme O Sonho de Inacim. Neste trabalho, ela volta a ser dirigida por Eliezer Rolim, com quem a atriz trabalhou no começo da carreira no Grupo Terra. O filme acompanha os preparativos para a comemoração do bicentenário de nascimento do Padre

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Inácio Rolim, fundador do município de Cajazeiras. “Eu fiz uma participação. Era uma história divertida, contava um pouco da história da cidade. Cajazeiras é um espaço muito bom para as artes, muitos artistas crescem lá, muita gente que sonha com teatro e com a cultura”. Em 2010, ela fez três curtas. O primeiro foi Feliz Desaniversário, de Fábio Batista. “Fiz uma mãe que tem um filho, o pai é ausente, e ela que sustenta o garoto”. Depois foi Doce de Coco, o curta-metragem de Allan Deberton, com quem a atriz viria a trabalhar anos depois em outro projeto arrebatador. “Foi um encontro maravilhoso, fiquei duas semanas: uma para preparação e na outra a gente filmou. E foi ali que Allan me ligava e falava: ‘Ah, Marcélia, você vai fazer a Pacarrete. Tenho um projeto do primeiro longa que vai ser a Pacarrete, a protagonista’”. Mas esse trabalho só aconteceu em 2019. Fechando essa tríade de curtas, houve Antoninha, de Laércio Filho. “Conta a história do roubo da escultura de Santo Antônio. Uma lenda lá do povo do Nordeste”.

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Em 2013, é a vez do longa-metragem Trampolim do Forte, de João Rodrigues Matos, que conta a história de Felizardo e Déo, dois garotos que moram em Salvador e ganham a vida vendendo picolé nas ruas para ajudar na renda familiar. “O João fez um trabalho bem bonito. Ele já vinha trabalhando para poder vivenciar essa história na tela. É filmado na Bahia, mostra vários pontos turísticos muito legais. Eu faço essa mãe que vive de costura, e que acaba vivendo uma situação difícil com o filho dela. Trata de uma questão social assim muito atual”. Marcélia também é uma das atrizes que protagonizaram o longa de estreia de Camilo Cavalcante, História da Eternidade, de 2014. Esse filme conta três histórias de amor, que acontecem no Sertão, que alteram a vida dos moradores do pequeno vilarejo. “Eu fiz uma participação de luxo. São três histórias, assim, bastante fortes e intensas. Eles moram em um lugar meio ermo, de difícil acesso, sem estrada pavimentada. Eu acho lindo esse filme”. Quatro anos depois, Marcélia figura em Nova Amsterdã, de Edson


Soares do Nascimento, com uma participação, em que contracena com um dos maiores ícones do cinema brasileiro. “Nesse filme, eu contracenei com o Paulo César Pereio em uma cena de guerra”, relembra. “O longa foi feito no Rio Grande do Norte e retrata a época da presença dos Holandeses no estado, em 1633. Eu fiz uma senhora nativa do lugar”. Em 2019, a atriz participa da produção que marca a estreia do paraibano Rodolpho De Barros na direção, A Ética das Hienas, um curta-metragem que aborda a corrupção na Justiça. “Esse é um curta muito inteligente. É uma história de causa trabalhista. Um homem, Servílio Holanda, tem um problema no braço por esforço repetitivo, e diversos advogados, juízes se envolvem na causa para tirar proveito. É um retrato cru do Brasil que vivemos”. Na sequência, Marcélia participa da estreia de outro diretor, Torquato Joel, no longa-metragem Ambiente Familiar. “O filme conta essa história de três rapazes que vivem numa república; fala sobre questões de família, da homoafetividade deles. Faço a mãe de um deles, uma dona de casa que não tem uma relação boa com o marido. Ela desenvolve um câncer e, em um determinado momento, morre e deixa um menino pequeno”. Quase uma década depois, a personagem que o diretor Allan Deberton havia prometido para Marcélia ganhou vida. “Quando Allan me disse que eu ia fazer, eu não acreditei. Eu não acreditava que eu ia fazer esse filme. Fiquei contente, saltitante, né?”. Após o convite, a atriz partiu para Fortaleza para encontrar o diretor e dar início ao intenso processo de imersão – que durou cerca de um mês – para a construção da personagem. “O Allan fez um trabalho de pesquisa muito grande lá, ouvindo pessoas falando de Pacarrete, como ela era, como ela se vestia, como ela andava, como ela brigava, como ela falava”, relembra. “Quando cheguei lá, Allan começou a me falar dela, do jeito dela… A gente começou a abrir esse leque, a imaginar, aquela questão de ver, observar, o que parece, o que é, e como vai ser o caminho. Aí pronto: comecei a ter aulas de piano, de balé e de francês, tudo nesse tempo”.

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Após esse primeiro mergulho na personalidade de Pacarrete, se deu a preparação física para a construção da personagem. “Passei uma semana me preparando pra conhecer os espaços, o roteiro, fiz uma semana de balé lá em Fortaleza, e voltei pra João Pessoa. Um mês depois, o Allan fez uma reunião com a produção geral. Foi o momento pra gente fazer essa preparação antes das filmagens. Os bailarinos ficaram duas semanas naquele pique mesmo de fazer o trabalho, mais de oito horas de ensaio, porque a Pacarrete era bailarina, eu precisava estudar quais eram as outras situações dessa bailarina, o jeito de andar, o jeito de falar. Era muita coisa que tinha que descobrir pra essa personagem. Allan foi montando a personagem, chegou o figurino, chegou a maquiagem. Aí a gente foi fazendo esses testes de maquiagem da personagem, pra ver como ia ficar”.

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Depois de todo trabalho de construção da personagem, a gravação também exigia disciplina da atriz. “Era um trabalho danado. Fui fazer toda aquela maquiagem no rosto, pescoço, nas mãos. Essa maquiagem durava de duas a quatro horas por aí. Eu acordava às quatro horas da manhã, eu e a maquiadora, e depois a equipe chegava e começava a filmar. Mas o interessante foi descobrir como era Pacarrete, como era seu cabelo, sua forma de se pentear, seu jeito de olhar... E eu precisava usar lentes para ter a cor dos olhos dela. Essas coisas todas foram vindo com a roupa e com a maquiagem. Eu já imitava umas coisas que ela falava, como ela bebia… A gente começou a sentir que tinha uma liga, uma coisa bem gostosa da Pacarrete, do jeitinho dela ser”. Para a atriz, interpretar a história de outra pessoa exige dedicação e muita atenção para imprimir a complexidade e as várias nuances que a existência humana têm. “É difícil você fazer uma personagem que já existiu né? É como se fosse um espelho. Você precisa ter muito cuidado para não deixar a personagem irritante e pra não faltar o que é essencial para o filme. É preciso perceber a personagem em seus diversos ângulos pra você poder entender aquela história”.


Mas todo o esforço foi recompensado: em 19 de junho de 2019, Pacarrete estreou no Shangai International Film Festival, na China. “Era um festival, assim, grandioso, era como se fosse o Oscar [risos]. E la fomos nós a Shangai”, conta a atriz. Depois da estreia e das boas críticas em Shangai, o filme foi selecionado para o Festival de Cinema de Gramado e saiu de lá com oito Kikitos, entre eles o de Melhor Atriz para Marcélia. “A recepção em Gramado foi uma coisa inesquecível. Porque nunca imaginei que fosse viver isso com A Hora da Estrela e depois de tantos anos repetir isso com a história da Pacarrete, em Gramado. E quando o filme estreou no Festival de Gramado foi ovacionado. Foi uma coisa assim totalmente diferente pra gente e para o público. É uma história de apelo universal porque fala de uma artista de uma cidade do interior, de um lugar que desconhece sua artista. Gramado é um festival que é quase um outro país pra gente que é nordestino e vivendo dessa arte. E chegando lá em Gramado, a gente se deparou com as pessoas se emocionando com o filme. As pessoas presentes na sessão nos acompanhavam aplaudindo até o hall do cinema, onde mais gente esperava sem parar de aplaudir. Nos falaram que isso nunca tinha acontecido em Gramado. Fiquei me sentindo muito honrada, muito feliz e muito agradecida. Foi gratificante esse momento. É constatar que estou no caminho certo, que é continuar fazendo, me aperfeiçoando, e seguir aprendendo até chegar ao fim da vida. É importante mesmo ter um filme tão significativo assim para minha carreira”. Pacarrete também concedeu a Marcélia os prêmios de Melhor Atriz no Los Angeles Brazilian Film Festival, no Festival SESC Melhores Filmes e no Festival de Cinema de Vitória. Como a vida não para, depois do êxito do longa, Marcélia protagonizou o curta-metragem Ela que Mora no Andar de Cima, de Amarildo Martins. Na trama, sua personagem é uma mulher madura, uma vendedora de bolos e doceira, que se descobre apaixonada platonicamente por outra mulher. Depois, Marcélia teve uma participação em Acqua Movie, longa-metragem de Lírio Ferreira. “Um personagem simples, que trabalha numa fazenda como doméstica.

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Foi uma participação diferente, é uma personagem bem engraçadinha e assanhada”. O trabalho mais recente de Marcélia, lançado em 2021, foi Helen, de André Meirelles. O filme conta a história de uma menina que mora com a avó no Bixiga, bairro de São Paulo que abriga cortiços, além das famosas cantinas, e que foi um dos primeiros quilombos da capital paulista. “O roteiro é baseado na história verídica de Dona Maria, uma senhora trabalhadora do Ceará que tinha um sonho de ir pra São Paulo desde muito nova. O filme é contado a partir da perspectiva da neta dessa senhora, que é uma menina que tem nove anos e sonha em comprar um presente de aniversário para a avó. Dona Maria trabalha para os ricos que moram ali na região do Centro de São Paulo. Ela faz esses trabalhos, faz uns bicos. O filme conta essa história dessas pessoas que estão na margem da sociedade, têm essas questões sociais. Tem muita gente que está ali tentando sobreviver”.

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É muito gostoso criar através da imagem, conseguir falar sem ter que dizer uma palavra. Então você começa a ver as coisas com mais delicadeza, com mais detalhes… Essa coisa da observação ela se estende para muitas outras áreas, me vejo fazendo coisas que eu não imaginava. Aprendi muito experimentando através da direção”



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Uma dose de televisão A televisão brasileira talvez nunca tenha explorado o talento de Marcélia Cartaxo da maneira que o cinema e o teatro absorveram. “É, meus trabalhos de televisão… são participações, né? Participações muito parecidas. Eu fiz sete empregadas domésticas. Acho que exagerei um pouco, mas eu fiz umas cinco ou seis empregadas, por aí. Eu me desencantei de ficar nessa coisa de ficar pensando só em dinheiro e pouca criação. Porque, de certa forma, a televisão pagava bem, ficava nesse conforto”. Mas as trocas em alguns trabalhos foram enriquecedoras, como na novela Mico Preto, na Rede Globo “Algumas experiências foram muito legais, porque passei por Eva Wilma… foi umas das experiências mais legais que eu tive. Foi logo na minha estreia, tudo era muito novo, e era muito ansiosa pra poder conviver artisticamente com esses artistas e me aproximar deles, pois foi justamente pra isso que eu saí de casa: para poder expandir o meu trabalho e vivenciar experiências com outros diretores, outros atores, outros técnicos, observar outras coisas. Então a questão da televisão foi muito legal porque você consegue assistir tudo isso ao vivo. Era muito bom em todos os sentidos. Fiz a Divina, que era a empregada da Eva Wilma, essa personagem era muito xereta, andava sempre com a patroa, sabia da vida de todo mundo… Era uma personagem um pouco engraçada. E depois ela tinha um namorado, esse namorado também trabalhava lá, vivia andando ali pela casa”. Na sequência, a atriz foi para a extinta Rede Manchete, que passava por um momento de ascensão para fazer a novela A História de Ana Raio e Zé Trovão. Eu fazia uma participação na Chapada dos Guimarães, com José Dumont, ele era meu marido e ele tinha um pé coxo, justamente porque tinha caído numa montaria. Era aquele negócio de rodeio, aí meu marido cai, quebra uma perna e bota um pé de boi... é quando chegam uns artistas na cidade. Minha participação é essa de não querer deixar o marido montar, porque sabe que ele vai morrer. Aí tem toda aquela cena e foi linda essa participação. Foi um dos melhores episódios, eu acho. Depois de A Hora da Estrela essa foi a segunda vez que contracenei com José Dumont”.

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Depois ela faz uma breve participação na novela Amazônia, alguns episódios do programa Você Decide e a novela Guerra Sem Fim. “Eu fazia uma moradora do vilarejo que era atacado. Era realmente uma história meio bang-bang”. Na sequência, ela ainda atuou em duas novelas na TV Manchete, que atravessava um período de extrema dificuldade: Tocaia Grande e Mandacaru, além de ter feito algumas pequenas participações nas novelas Suave Veneno, Vila Madalena e na minissérie Aquarela do Brasil, essas três últimas na TV Globo. Outro trabalho que Marcélia guarda com imenso carinho é Porto dos Milagres, em que ela interpretou Quirina e contracenou com outra grande atriz: Arlette Salles. “Era uma personagem legal, um pouco fofoqueira, sabia das coisas que aconteciam dentro de casa, arranjava problema para os patrões, fazia guerrinhas com as pessoas para poder defender a patroa. Esta novela, de todas que fiz, foi a que eu mais gostei e tinha também a Eva Wilma no elenco”. Outro trabalho de destaque foi Desejo Proibido, novela das 18 horas, na Rede Globo, em que Marcélia Cartaxo interpretava Tonha, uma empregada da fazenda de Chico Fernandes, personagem interpretado por José de Abreu, casada com Valdenor, vivido por Paulo César Grande.

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Em três momentos distintos, mas relativamente próximos, Cartaxo participou de três trabalhos com um dos diretores mais respeitados da televisão brasileira: Luiz Fernando Carvalho. O primeiro foi A Pedra do Reino, inspirado na obra de Ariano Suassuna. “Foi uma experiência bem legal, rodada aqui na Paraíba. Era uma série e foi linda. Era muito alegórico, a gente teve uma preparação muito profunda de quase dois meses só pra preparar o elenco, mais de 40 pessoas. Era um universo monstruoso, a câmera, a fotografia. Era tudo muito precioso, minha personagem usava muitas joias. Era tudo muito bem construído, foi um trabalho muito incrível, de ver, de participar, poder falar dele”. A parceria seguinte foi inspirada na obra de Graciliano Ramos, era o telefilme Alexandre e Outros Heróis. “Foi outro trabalho incrível que eu fiz com o Luiz Fernando Carvalho. E era um núcleo pequeno, com Ney Latorraca, Marcelo Serrado, Flavio Bauraqui. E foi gostoso de fazer. Essa foi uma experiência muito boa. Foi quando pude


experimentar uma outra voz, uma personagem mais cômica”. Sua última participação em telenovelas foi em Velho Chico, que marcou o reencontro da atriz com um de seus parceiros de cena mais constantes. “O legal foi que eu contracenei também com José Dumont. Fiz quatro trabalhos na vida com ele. Tinha José Dumont como marido, um marido experiente. Minha personagem era essa mulher que morava ali naquela comunidade ribeirinha, nesses lugarejos carentes, e aí ia acontecendo muita coisa na vida dela… Ela fazia inimizade com os fazendeiros. O personagem do Domingos [Montagner, ator] era meio pro lado da gente e defendia nossas questões sociais”. Marcélia também está no elenco de O Canto da Sereia, minissérie inspirada no livro de Nelson Motta, que conta a história de uma cantora de axé music que é assassinada em cima de um trio elétrico. “Foi uma participação muito pequena, mas com muita produção. Foi uma experiência muito boa poder participar de um projeto tão grande, tão expressivo, ainda mais de uma emissora que todo mundo vê muito. Apesar de ter sido uma participação tão pequena, parece que a gente atua na novela toda. Foi bem incrível”. Para o Canal Brasil, a atriz atuou na minissérie Fim do Mundo, de Hilton Lacerda e Lírio Ferreira. “É uma série que eu fiz com o pessoal de Pernambuco, eu contracenava com Hermila Guedes. Eu morava muito tempo nesse lugar, era uma fazenda muito grande, e a personagem de Hermila estava vindo pra reivindicar o quarto dela junto com o ex-marido dela. Ela caiu numa cilada junto com o filho dela, o marido passa a segurar eles lá, aprontar algumas coisas e aconteciam muitos mistérios nessa história. Minha personagem é uma mulher bem má, que também contribui um pouco para esses acontecimentos. Tudo para pegar uma herança. Essa briga clássica”. Um dos trabalhos mais recentes de Marcélia na televisão foi a minissérie Os Ovos da Raposa, de Valdir Oliveira, veiculada na TV Brasil. “É uma história meio fictícia dentro de nossa história política do Brasil. Eles fazem uma sátira falando um pouco dessa convivência política na cidade do interior… é meio Sucupira de O Bem Amado”.

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Nasce uma diretora de cinema Já reconhecida pelo seu trabalho como atriz de filmes nacionais, além da trajetória no teatro e na televisão, Marcélia Cartaxo também se aventurou atrás das câmeras e dirigiu seus próprios filmes: quatro curtas-metragens ficcionais que expressam uma artesania estética semelhante a de sua atuação como intérprete de personagens. São obras fecundas de sutileza e lirismo, matérias sensíveis do olhar que a artista lança sobre o mundo e, em especial, sobre o nordeste sertanejo. Nessas produções, Marcélia quase sempre empreendeu uma metodologia de trabalho na qual o elenco de atores locais e a construção dramatúrgica foram resultados de oficinas ministradas por ela. Sua ida para os bastidores foi uma forma de se aprofundar ainda mais na linguagem cinematográfica. “A direção veio mais quando eu comecei a dar minhas oficinas. Quando eu fiz meu primeiro curta, Tempo de Ira. Foi a partir dali que eu comecei a despertar para outras coisas. Eu já tinha muita vontade de dizer, de falar como foi a minha convivência, os desejos que eu tinha de saber e as curiosidades que eu tinha em relação à câmera, ao comportamento no set de filmagem, o comportamento de quem está vivenciando a cena. Então, todas as coisas que eu tinha dúvidas em relação ao cinema, eu acho que outras pessoas não tinham. Quando eu fiz A Hora da Estrela foi muito na intuição e eu achava que era assim e fazia. Depois eu queria, com o passar do tempo, saber mais a magia das coisas, para ter segurança, fazer aquilo com mais consciência e se aprofundar mais, foi um aprendizado”. Tempo de Ira tem o roteiro adaptado pelo pernambucano Marcelo Caetano, a partir do conto Cícera Candoia de autoria do escritor cearense Ronaldo Correia de Brito e publicado no seu livro A Faca. Esse curta foi lançado em 2003, conta com a co-direção de Gisella de Mello e tem a própria Marcélia como intérprete da personagem principal, que nomeia o conto. A protagonista vive um dilema entre permanecer no vilarejo sertanejo em plena seca ou fugir da fome com seu amado Quinzim – interpretado pelo ator paraibano Nanego Lira –, deixando para trás a mãe adoentada, vivida por Antonieta Noronha – considerada a dama do teatro cearense. Parte do elenco

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desse curta são os atores da cidade paraibana de Cabaceiras que participaram de oficinas conduzidas por Marcélia. “Eu li esse conto e fiquei apaixonada. Na época eu estava fazendo Madame Satã e aí eu mostrei à Gisella de Mello, que é uma produtora e roteirista do Rio de Janeiro, fazia documentários e assistência de direção, tem um histórico de uns trinta anos trabalhando no cinema. Adaptamos o conto e, juntas, a gente dirigiu, produziu e fez, assim, tudo pela produtora dela, a Fita Gomada. Depois a gente botou nos festivais e ele foi logo premiado. Ele circulou bem pelos festivais como o de Gramado e a 27ª Mostra Internacional de São Paulo”.

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Uma década depois, Marcélia faz sua primeira direção solo em De Lua, obra que narra o ciclo repetitivo de um homem recém-casado vagando em noites de lua cheia em busca do amor de uma mulher numa circunstância em que sonho e realidade se confundem. Gravado na zona rural do município paraibano de Bananeiras, essa ficção conta com raros diálogos e faz uso de uma encenação gestual para contar a história. Marcélia também atua no filme interpretando a personagem Madalena, que contracena com o personagem do ator paulista Odécio Antonio. “O De Lua foi resultado de um curso que fiz com o Torquato Joel. O personagem principal do filme era filho de lavadeira e a sua mãe deixava ele muito no relento à noite quando ainda era bebê, e ele via umas coisas, umas alucinações. O filme trabalha muito com o elemento água. E foi muito gostoso de fazer, foi uma experiência muito bonita”. O terceiro trabalho que Marcélia assina como diretora é Redemunho, cujo roteiro também é baseado no conto homônimo do escritor Ronaldo Correia de Brito. Dessa vez, ela deixou a atriz descansar e atuou apenas por trás das câmeras, confirmando-se como uma diretora cuidadosa e mais confiante. O enredo desse curta conta somente com dois personagens que vivem uma querela familiar: uma matriarca severa e desgostosa, interpretada pela atriz paraibana Eleonora Montenegro, que acompanha a decadência do patrimônio familiar e de seus afetos, inclusive a perda do seu filho predileto, o qual tinha uma vida dedicada às artes, resta-lhe a casa decadente, o livro com a árvore genealógica da família, um velho piano, e seu outro filho, vivido pelo ator paraibano Daniel Porpino.


A produção mais recente dirigida por Marcélia foi a ficção Casa de Louvor, filmada este ano e ainda inédita. Diferente dos seus três primeiros filmes, esse não teve origem em uma proposta de roteiro individual pensada por ela, mas sim em um convite da Companhia Bagana de Teatro, de Mossoró, no Rio Grande do Norte, para conduzir a adaptação para o cinema do espetáculo Casa de Recursos, que essa companhia levou para os palcos entre 2016 e 2019. Inspirado em algumas histórias reais, Casa de Louvor fala sobre como a lógica patriarcal e masculinista é imposta para subjugar as mulheres no interior nordestino. A obra expõe a discriminação e o abandono que as profissionais do sexo no bairro Alto do Louvor, em Mossoró, vivenciam em seu cotidiano. Quem assina o roteiro do curta são as atrizes Ana Carla Azevedo e Joriana Pontes que também atuaram no filme, interpretando, respectivamente, as personagens Ofélia da Lama e Lucrécia. Para realização do filme, Marcélia convidou o cineasta e professor de cinema Bertrand Lira, que atuou como consultor de roteiro, e a diretora Cristiane Fragoso, que fez a assistência de direção. Com projetos para a direção de novos filmes, Marcélia percebeu que as suas experiências como diretora repercutem diretamente em seu trabalho enquanto atriz e lhe trouxeram uma compreensão mais ampla do fazer cinematográfico: “A gente passa a ver o cinema com mais técnica, né? Começa a ter outras observações que a gente não tinha, passa a dar importância ao som, ao efeito sonoro, à montagem, como é que você liga uma cena a outra, como faz essa relação, porque tem que vir de uma coisa pra outra, não é simplesmente pegar uma cena e jogar com ela isoladamente. A questão da luz, da fotografia. E depois que o material está pronto, a edição, os efeitos sonoros, uma música que tem a ver com aquele processo. Daí você começa a perceber que é muito gostoso criar através da imagem, conseguir falar sem ter que dizer uma palavra. Então você começa a ver as coisas com mais delicadeza, com mais detalhes. Essa coisa da observação se estende para muitas outras áreas, me vejo fazendo coisas que eu não imaginava, falando com um ator como ele melhor fotografa, como ele melhor se posiciona na cena. Aprendi muito experimentando através da direção”.

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Teatro

ATRIZ 1975 Beiço de Estrada Texto de Eliezer Rolim e Grupo Terra Personagem: Véu de Noiva Direção de Eliezer Rolim 1977 Os Pirralhos Texto do Grupo Terra Direção de Luiz Carlos Vasconcelos 1987 A Nossa Voz Personagem: Marta Texto de Luis Maria Lima Direção de João das Neves 1991 Woyzeck: O Brasileiro Personagem: Maria Texto de Georg Büchner Direção de Cibele Forjaz

Cinema

ATRIZ - LONGA-METRAGEM 1985 A Hora da Estrela Personagem: Macabéa Direção de Suzana Amaral

1986 Brasa Adormecida Personagem: Angélica Direção de Djalma Limongi Batista 1987 Fronteira das Almas Personagem: Luciana Direção de Hermano Pena 1988 Sonhei com você Personagem: Marcela Direção de Ney Santanna

1990 Césio 137, o pesadelo de Goiânia Personagem: Mulher de Vavá Direção de Roberto Pires

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1995 16060 Personagem: Viúva Direção de Vinicius Mainardi

A Árvore de Marcação Personagem: Freira Direção de Jussara Queiroz

1997 For All – O Trampolim da Vitória Personagem: Miloca Direção de Luís Carlos Lacerda

1998 Policarpo Quaresma, Herói do Brasil Personagem: Sinhá Chica Direção de Paulo Thiago 2000 Amélia Personagem: Dona Abadia Direção de Ana Carolina 2002 Madame Satã Personagem: Laurita Direção de Karim Aïnouz 62

2004 O Amigo Invisível Personagem: Conceição Direção de Maria Letícia

2005 Quanto Vale ou é por Quilo? Personagem: Adélia Direção de Sergio Bianchi

Crime Delicado Part. especial como personagem do espetáculo Woyzeck Direção de Beto Brant

2006 O Céu de Suely Personagem: Mãe de Mateus Direção de Karim Aïnouz

Batismo de Sangue Personagem: Irmã de Frei Tito ou Beto Direção de Helvécio Ratton


2007 Baixio das Bestas Personagem: Ceiça ou prostituta Direção de Cláudio Assis 2009 O Sonho de Inacim Personagem: Bia Direção: Eliézer Rolim

2013 Trampolim do Forte Personagem: Dona do Céu Direção: João Rodrigo Mattos 2014 A História da Eternidade Personagem: Querência Direção de Camilo Cavalcanti

2016 Big Jato Personagem: Mãe de Franscisco Direção de Cláudio Assis

Nova Amsterdã Personagem: Mulher de Francisco Coelho Direção de Edson Soares do Nascimento

2019 Pacarrete Personagem: Pacarrete Direção de Allan Deberton

Ambiente Familiar Personagem: Mãe de Alex Direção de Torquato Joe

2021 Acqua Movie Personagem: a Tia Direção de Lírio Ferreira

Helen Personagem: Dona Graça Direção de André Meirelles Collazzo


ATRIZ - CURTA-METRAGEM 1987 Salvar o Brasil Direção de José Mariani

1992 A Última Canção da Terra Direção de Luiz Carlos Persegani 1994 Dente por Dente Personagem: D. Lizete, assitente Direção de Alice de Andrade

1995 O Caso Morel Personagem: Creuza Direção de Suzana Amara e Ricardo Favilla 2002 Um Trailer Americano Personagem: Nádia Direção de José Eduardo Belmonte

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Aeroporto em O Embarque Personagem: protagonista Direção de Nicole Algranti

2010 Doce de Coco Personagem: Maria Direção de Allan Deberton

2019 A Ética das Hienas Personagem: mulher Direção de Rodolfo de Barros

2020 Ela Que Chora no Andar de Cima Personagem: Luiza Direção de Amarildo Martins DIRETORA - CURTA-METRAGEM

2003 Tempo de Ira Co-direção com Gisella de Mello 2013 De Lua

2016 Redemunho

2020 Casa de Louvor


Televisão

ATRIZ CANAL BRASIL 2016 Fim do Mundo Personagem: Mazé Minissérie de Hilton Lacerda Direção de Hilton Lacerda e Lírio Ferreira

2018 Lama dos Dias Personagem: Madalena Série de Hilton Lacerda e Hélder Aragão Direção de Hilton Lacerda e Hélder Aragão TV BRASIL

2020 Os Ovos da Raposa Personagem: Lila Série de Valdir de Oliveira Direção de Valdir de Oliveira TV GLOBO

1990 Mico Preto Personagem: Divina Novela de Marcílio Moraes, Leonor Bassères e Euclydes Marinho Direção de Dennis Carvalho e Denise Saraceni 1992 Você Decide Episódio: Mamãe Coragem

1999 Suave Veneno Personagem: Enfermeira Joana Novela de Aguinaldo Silva Direção de geral de Daniel Filho e Ricardo Waddington 2000 Aquarela do Brasil Personagem: Dora Minissérie de Lauro César Muniz Direção geral de Jayme Monjardim e Carlos Magalhães

Você Decide Episódios: O Poderoso e A Poderosa

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2001 Porto dos Milagres Personagem: Quirina Novela de Aguinaldo Silva e Ricardo Linhares Direção de geral de Marcos Paulo e Roberto Naar

2007 A Pedra do Reino Personagem: Tia Filipa Novela de Luiz Fernando Carvalho, Luís Alberto de Abreu e Braulio Tavares Direção de geral de Luiz Fernando Carvalho

Desejo Proibido Personagem: Tonha Novela de Walter Negrão Direção de geral de Luiz Henrique Rios

2013 Alexandre e Outros Heróis Personagem: Das Dores Telefilme que faz adaptação de obras de Graciliano Ramos Direção de Luiz Fernando Carvalho

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O Canto da Sereia Personagem: Salete Silva Minissérie escrita por George Moura e Patrícia Andrade, com base na obra O Canto da Sereia – Um Noir Baiano, de Nelson Motta Direção geral de José Luiz Villamarim

2016 Velho Chico Personagem: Josefa Novela de Benedito Ruy Barbosa Direção geral de Luiz Fernando Carvalho e Carlos Araujo TV MANCHETE 1990 A História de Ana Raio e Zé Trovão Personagem: Antônia Novela de Marcos Caruso e Rita Buzzar Direção de Jayme Monjardim


1991 Amazônia Personagem: Das Dores Novela de Jorge Duran e Denise Bandeira Direção de Tizuka Yamasaki e Marcos Schechtman

1993 Guerra sem Fim Personagem: Suely Novela de José Loureiro e Alexandre Lydia Direção de Marcos Schechtmann, Luiz Armando Queiróz, Marcos Vinícius César e Wálter Campos 1995 Tocaia Grande Personagem: Vangé Novela baseada no romance homônimo de Jorge Amado escrita por Duca Rachid, Mário Teixeira e Marcos Lazarini Direção geral de Wálter Avancini 1997 Mandacaru Personagem: Amália Novela de Carlos Alberto Ratton Direção geral de Wálter Avancini

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Premiações

1985/ A Hora da Estrela 1986 Melhor Atriz / Festival de Cinema de Brasília Melhor Atriz (Urso de Prata) /Festival Internacional de Cinema de Berlim

1987 Fronteira das Almas Melhor Atriz Coadjuvante / Festival de Cinema de Brasília 1995 16060 Melhor Atriz Coadjuvante / Festival de Cinema de Brasília 2003 Madame Satã Melhor Atriz / Grande Prêmio do Cinema Brasileiro Melhor Atriz Coadjuvante / Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro

Tempo de Ira Melhor Atriz em Curta-Metragem / Cine PE - Festival do Audiovisual Melhor Curta-metragem / Festival de Cinema, Vídeo e Dcine de Curitiba

2014 A História da Eternidade Melhor Atriz / Festival de Cinema de Paulínia

Homenageada pelo Curta Taquary

2015 Big Jato Melhor Atriz / Festival de Cinema de Brasília

Homenageada pela Prefeitura de João Pessoa-PB Homenageada pelo Festicine Amazônia

2016 A História da Eternidade Melhor Atriz Coadjuvante / Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro 2016 Homenageada pelo 3° Cine Jardim - Festival Internacional de Cinema de Belo Jardim

2019/ Pacarrete 2021 Melhor Atriz / Festival de Cinema de Gramado Melhor Atriz / Los Angeles Brazilian Film Festival Melhor Atriz / Festival de Cinema de Vitória Melhor Atriz Nacional / Festival SESC Melhores Filmes Homenageada pelo 12º Los Angeles Brazilian Film Festival

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Depoimentos

Eu conheci a Marcélia nos anos de 1980, quando ela veio de Cajazeiras com o espetáculo Beiço de Estrada, com seu grupo de teatro. Depois houve um intercâmbio e esse espetáculo foi até São Paulo, Rio e outras cidades e Marcélia foi descoberta por Suzana Amaral e pra gente foi um prazer muito grande e com este filme ela ganhou o Urso de Prata. Então, tudo isso fez com que o Brasil se voltasse para nossa querida amiga. Eu tive o prazer de estar em alguns momentos e em alguns filmes com Marcélia. Nós fizemos a preparação dos atores de Baixio das Bestas, de Claudio Assis, nós tanto trabalhamos no filme como fizemos a preparação dos atores. Foi uma experiência muito instigante e eu estive ao lado dela. Depois participamos do mesmo filme, embora não tenhamos contracenado, O Céu de Suely. Outro trabalho que fizemos foi A História da Eternidade. Foi muito interessante a preparação de atores que nós tivemos juntas, como também no Festival de Paulínia, em que dividimos o Prêmio de Melhor Atriz. Estivemos juntas também em Ambiente Familiar, do Torquato Joel. O mesmo aconteceu com Seu Amor de Volta (Mesmo que ele não Queira), de Bertrand Lira. São filmes recentes, paraibanos, e que nós estivemos juntas. Também, na televisão, Marcélia participou de Velho Chico. Não contracenamos, mas estivemos juntas. E estivemos juntas em Pacarrete! Marcélia está muito boa, maravilhosa. Nós recebemos oito Kikitos. Inclusive Soia tirou Melhor Atriz Coadjuvante e Marcélia foi premiada, ovacionada, e o filme foi muito, muito muito lindo lá em Gramado. Eu tenho esses momentos significativos. E agora vendo que ela vai ser homenageada, eu estou muito feliz em dizer essas palavras, em relação a minha convivência com Marcélia, que sempre foi uma convivência amigável de atrizes, nas preparações, isso aproxima muito a gente. Agora estamos indicadas ao Grande Prêmio do Cinema Brasileiro. Vamos ver. Então é isso que tenho a dizer, admiro muito Marcélia, acompanho a carreira dela e tivemos esses momentos juntas. Parabéns ao Festival de Vitória, em que ela já foi premiada. Muito obrigada e até breve. Zezita Matos, atriz

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Se ‘a pessoa é para o que nasce’, Marcélia nasceu para ser a maior estrela de um Brasil que procura se representar de forma corajosa e fiel: a paleta de cores (interiores e exteriores) de Marcélia dá cor perturbadoramente sincera a tudo aquilo que somos de verdade. Nós somos a resistência fragilizada por tanto sofrer, a saúde de ferro dos subnutridos da seca. Nós, os brasis, somos a alegria à beira do abismo, o sorriso que prenuncia o choro, a euforia do desespero. Nós, os brasis, temos a sabedoria profunda sempre frágil à curra de qualquer capital, a beleza de tudo que está fadado à morte e um desejo verdadeiro de ser a esperança do mundo. Somos aquilo que poderia ter sido, e isso é divinamente representado por nossa atriz mais sertaneja, nossa ‘Diva aos Pedaços’, minha grande amiga e genial parceira de aventura, Marcélia Cartaxo! Matheus Nachtergaele, ator

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Sempre admirei Marcélia Cartaxo pelo seu trabalho artístico, pelas suas interpretações inquietantes e magnetizantes. Enfim, uma extraordinária atriz. Tive a imensa honra e satisfação de trabalhar junto a ela no filme A História da Eternidade que, antes mesmo de ter o roteiro confeccionado, antes até do argumento, ou seja, lá atrás, na ideia seminal, já pensava em Marcélia para interpretar o papel de Querência. Durante o processo de preparação e filmagens pude conhecê-la melhor como pessoa. Então, entendi tudo: ela é uma atriz extraordinária porque é uma pessoa extraordinária, gigante, elegante, encantadora e sincera. Carrega em si uma luz, um brilho de generosidade, paz e vida. Marcélia é poesia a cada gesto. Em cada olhar traz um afeto. No pensamento, desafios. No coração, acalanto. Camilo Cavalcante, cineasta

Fico muito feliz de poder mandar essa mensagem para Marcélia. Ela é uma atriz que eu sigo e admiro há muitos anos. Desde que ela fez o papel de Macabéa. Eu fiquei fascinado por ela. Acho que ela foi a pri-


meira atriz que de fato representou o Nordeste no cinema pra mim. Porque eu via as novelas e via todos os atores e todas as atrizes do sul, e quando eu a vi pela primeira vez, eu vi o nordeste na tela. Isso me emocionou muito e eu fiquei muitos anos com isso grudado na minha memória. Quando eu fui fazer o meu primeiro longa-metragem, tinha uma atriz que eu queria que estivesse no filme, antes de qualquer ator que eu escolhi. Essa atriz era Marcélia. Porque tinha o papel de uma personagem, alguém que migrou do Nordeste para o Rio, mas além disso eu tinha uma paixão tão grande pelo trabalho dela, pelo talento dela, pela aura que ela exala, e foi a primeira pessoa que eu pensei quando fui fazer Madame Satã mesmo antes de pensar em quem faria Madame Satã. E foi uma alegria tão grande ter podido filmar com ela. E talvez uma das cenas mais bonitas que eu já tenha feito na minha vida, depois de 30 anos de cinema, foi uma das cenas em que ela está no Madame Satã – quase todas – mas tem uma, em especial, que eu adoro. Depois a gente pode se encontrar de novo, ela fez O Céu de Suely. E ela é uma daquelas atrizes que todo filme que eu faço eu queria ter a Marcélia. Às vezes não dá certo por questões logísticas, mas eu fico muito honrado, muito feliz que ela continua trabalhando, de que ela continua mais linda do que nunca, e que ela esteja sempre perto da gente. Então, eu queria dar os parabéns pra Marcélia, dizer o quanto eu sou apaixonado por ela, pelo trabalho dela, pelo exemplo dela e pela força dela. Marcélia, um beijo gigante e muita saudade. Karim Aïnouz, cineasta

Falar de Marcélia é falar de generosidade, de alegria, de força de vontade e de gana, de dar o melhor de si no seu trabalho. Marcélia é essa figura que conheço desde criança. Nós nascemos e nos criamos na mesma rua, em Cajazeiras, interior da Paraíba. Crescemos juntas, nos vendo todos os dias, brincando juntas, sonhando juntas o que seríamos quando crescêssemos. A gente tinha o sonho de ser atriz, mas não imaginávamos como seria essa trajetória que, diga-se de passagem, chegou mais cedo do que poderíamos vislumbrar.

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Ainda meninas, começamos a nos envolver com o teatro, com apresentações para crianças de nossa idade, da nossa vizinhança, uma brincadeira de quintal de casa. Na adolescência, nosso teatro passou a ter público e temas adultos. Mais do que de repente, estávamos em turnê pelo Sudeste e Sul do país, sendo destaque em cadernos de cultura de jornais renomados. A turnê foi fruto de uma seleção para o Projeto Mambembão, de 1985, a partir da inscrição da peça Beiço de Estrada, feita pelo ator Luiz Carlos Vasconcelos, que viajou pela Paraíba buscando grupos desconhecidos e novos talentos. Nas nossas brincadeiras de fazer teatro, inventávamos tudo: dublagens, performances, esquetes etc., até começarmos a escrever “dramas” junto com os outros integrantes do grupo criado por Eliezer Rolim até surgir a peça Beiço de Estrada que levou Marcélia ao cinema com A hora da estrela, de Suzana Amaral, em 1986. Nossa infância era brincar na rua, se banhar no açude no final da rua e brincar de fazer teatro, sem levar a sério aquilo como uma futura carreira. Ser atriz de teatro, cinema e televisão era uma coisa muito distante da nossa realidade no início dos anos 1970.

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A nossa amizade vem dessa época, compartilhávamos tudo cotidianamente, inclusive o teatro. Depois veio o cinema. Com a ida para o Rio depois de A hora da estrela, nos separamos fisicamente. No Rio, Marcélia passou a fazer televisão e cinema. Mas nunca paramos de nos comunicar através de cartas e cartões postais. A gente sempre foi esse arrimo uma da outra, mesmo à distância. Parei de fazer teatro por um tempo porque o grupo se desfez e eu continuei em Cajazeiras, onde me casei e tive um filho. Ao me mudar para João Pessoa, entrei para o grupo Piollin de Luiz Carlos Vasconcelos. O estrondoso sucesso da peça Vau da Sarapalha que Luiz dirigiu me levou ao cinema. Terminamos nos encontrando em Woyzeck, o Brasileiro, uma montagem proposta por Matheus Naschtergaele, em 2002, no Rio de Janeiro, dirigida por Cibele Forjaz, que reuniu integrantes do Grupo Piollin, como meu irmão Nanego Lira e os atores Everaldo Pontes e Servílio Holanda. Marcélia volta a morar na Paraíba, desta vez em João Pessoa, onde eu já estava vivendo, o que foi muito bom para nós duas. No cinema, tivemos nosso primeiro encontro no curta-metragem Doce de Coco, de Allan Deberton, em 2010. E foi Deberton que


nos presenteou com essa nova e significativa parceria em Pacarrete (2019). Com ela, Marcélia recebeu o Kikito de Melhor Atriz e eu o de Melhor Atriz Coadjuvante do 49º Festival de Cinema de Gramado. Marcélia é para mim uma amiga-irmã. Temos ainda projetos juntas, sonhamos juntas. Nos reunimos todos os domingos na minha casa para beber uma cervejinha, jogar conversa fora, falar de sonhos e discutir projetos futuros. Nos últimos seis anos, Marcélia sofreu reveses em sua vida. Morreram os pais no mesmo ano, depois a irmã Mércia, e este ano o seu irmão Marcelo. Marcélia é muito forte, apesar da aparência frágil. Ela tem seguido firme. O que desejo para ela é que continue nos presenteando com seus personagens maravilhosos e tão verdadeiros. E que a nossa amizade continue assim. Soia Lira, atriz

Marcélia Cartaxo é minha amiga e eu tenho sorte. E além de ser minha amiga, ela é uma grande atriz. Dessas que arrebatam o espectador, com suas extraordinárias interpretações. Dessas que ganham “Urso” em Berlim, Candangos, Kikito e diversos outros prêmios. Ela tem um dom que é o olhar. Ela olha para os lados e vê tudo. Inteligente, sensível e sensitiva. Vive. Corre, anda, arrasta-se. Respira as esperanças, transpira a dor. Arregala os olhos para o medo, mas deleita-se nas alegrias. O seu corpo pequeno se torna gigante, dançante. Ela calcula, milimetricamente. Datilografa. Lambuza-se. Ela tem medo, mas também tem confiança. Sabe o poder que tem. Um passo de cada vez, respira fundo. Força. Entrega tudo, a vida. Não fica mais com nada. É um sopro. Ela olha para a parede branca, inerte, e se vê perdida. Até que se encontra. Até que vê a luz. Está no palco, dançando, lindamente. Seus pés doem, sangram. Mas o cisne brilha. Ela olha para as cartas. Seu destino vem e é bom. Laurita sonha, Marcélia também. Muitos aplausos, muitos vivas! Marcélia tem um porquê. Nenhuma entrega é gratuita. Ela faz de um jeito, e de outro. E o jeito encanta. Allan Deberton, cineasta

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Eu queria falar muitas coisas sobre Marcélia Cartaxo, mas eu vou rememorar a infância dela, quando, na Escola Piollin, nós realizávamos os encontros estaduais de grupos jovens de teatro, do estado da Paraíba. Nessa época conhecemos o Grupo Mickey, lá de Cajazeiras, e que depois se transformaria no Grupo Terra. Eles eram crianças: Marcélia, Soia Lira.. e eles vieram pra esse encontro que nós fazíamos anualmente nas férias, aqui na Piollin, em João Pessoa. Dávamos aulas de teatro para eles e montamos um espetáculo que eu considero um dos mais importantes que eu já fiz na minha vida, eu só tinha 23 anos na época, que foi Os Pirralhos. Com um elenco na faixa de idade entre 9 e 16 anos. E era incrível. Todos eles, era evidente a qualidade dos atores e atrizes. Mas me detendo em Marcélia, ela passa a fazer a personagem da Ritinha, a menina que era filha do dono da fábrica, representando as elites econômicas e sociais. E Marcélia fazia essa menina, que tinha uma cena incrível dela com Nanego Lira, os dois pequenininhos, meio que em um processo de namorico, em uma pilha de caixotes, que era um lixão que tinha, e o nível psicológico. Quando ela empurra o menino da pilha de caixotes lá embaixo e salta em cima batendo, era de uma carga psicológica incrível. E feito por crianças. Era um espetáculo feito por crianças, mas um espetáculo adulto. Que transitava em um nível psicológico não comum a espetáculos infantis. Eu conto esse episódio pra falar da genialidade de Marcélia. Ou seja, quando criança, já revelavam o potencial. Que atores e atrizes aquelas crianças viriam a ser! E não foi diferente. Em seguida, nessa fase, com a montagem de Beiço de Estrada, ela foi descoberta e vai fazer a Macabea, e começa uma história nacional e internacional lindíssima. Taí Pacarrete, tantos trabalhos geniais. Marcélia é daquelas sementes preciosas que a Paraíba produziu e colocou no mundo e que ainda vai encher os nossos corações de coisas boas, vai nos trazer muitas emoções. Vida longa à Marcélia Cartaxo e obrigado querida por fazer parte também da minha história enquanto homem de teatro e diretor”. Luiz Carlos Vasconcelos, diretor de teatro e ator


Legendas e créditos das imagens Capa - Foto de Rodrigo Barbosa / Acervo IBCA-Galpão Produções (2021). Página 2 - Foto de Rodrigo Barbosa / Acervo IBCA-Galpão Produções (2021). Página 4 - No filme A Hora da Estrela (1985) / Acervo pessoal de Marcélia Cartaxo. Página 6 - No filme Pacarrete (2019) / Foto de Mauro Angeli. Página 10 - Com Soia Lira em A Paixão de Cristo, Cajazeiras-PB (1999) / Foto de Bertrand Lira. Página 15 - Na Escola Piollin, João Pessoa-PB (1976) / Acervo da Escola Piollin. Página 19 - No filme A Hora da Estrela (1985) / Acervo pessoal de Marcélia Cartaxo. Página 20 - No filme A Hora da Estrela (1985). No alto, com a atriz Fernanda Motenegro. Abaixo, com a atriz Tamara Taxman / Acervo pessoal de Marcélia Cartaxo. Página 23 - Recepção de Marcélia em Cajazeiras com o troféu Urso de Prata de Melhor Atriz por sua atuação no filme A Hora da Estrela (1986) / Acervo pessoal de Marcélia Cartaxo. Página 29 - Com o ator José Dumont no filme A Hora da Estrela (1985) / Acervo pessoal de Marcélia Cartaxo. Página 32 - No curta-metragem Ela que Mora no Andar de Cima (2020) / Foto de Isabella Lanave. Página 39 - No filme A História da Eternidade (2014) / Foto de Leonardo França. Página 42 - No filme Madame Satã (2002) / Acervo pessoal de Marcélia Cartaxo. Página 51 - Com o ator Leonardo França no filme A História da Eternidade (2014) / Foto de Leonardo França. Página 52 - Com os atores Ney Latorraca e Luci Pereira no telefilme Alexandre e Outros Heróis (2013) / Frames disponíveis no site luizfernandocarvalho.com acessado em 08 de novembro de 2021. Página 56 - Na direção do filme Redemunho (2016) / Foto de Bertrand Lira. Página 60 - No filme Pacarrete (2019) / Foto de Luiz Alves. Páginas 68 e 69 - Foto de Bertrand Lira (2015) Página 70 - Com os diretores Allan Deberton e Bertrand Lira / Foto Levi Mori / Acervo IBCA-Galpão Produções (2019). Página 72 - Com a diretora Gisela de Mello e com a atriz Antonieta Noronha no filme Tempo de Ira (2003) / Foto de Betrand Lira. Página 80 - Foto de Rodrigo Barbosa / Acervo IBCA-Galpão Produções (2021).

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CADERNO DO FESTIVAL DE CINEMA DE VITÓRIA HOMENAGEADA NACIONAL / 20ª Edição Projeto Editorial - Lucia Caus e Paulo Gois Bastos Edição - Paulo Gois Bastos Reportagem - Leonardo Vais e Paulo Gois Bastos Redação - Leonardo Vais Projeto Gráfico - Paulo Prot Diagramação - Gustavo Binda Revisão de Texto - Guilherme Medeiros Especificações Gráficas Tipografia - Gandhi Serif (opensource) Papéis - Offset 180 g/m² para miolo e Supreme 250g/m² para a capa Impresso em Vitória|ES O Caderno do Festival de Cinema de Vitória - Homenageado Nacional é uma publicação do 28º Festival de Cinema de Vitória, evento realizado de 23 a 28 de novembro de 2021 em Vitória-ES. O Festival é uma realização da Galpão Produções e do Instituto Brasil de Cultura e Arte. Nosso endereço e contatos: Rua Professora Maria Candida da Silva, nº 115-A - Bairro República - Vitória/ES, CEP 29.070-210 Tel: +55 27 3327 2751 / producaofcv@ibcavix.org.br www.festivaldecinemadevitoria.com.br Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Caderno do festival de cinema de Vitória : Marcélia Cartaxo / texto Paulo Gois. -20. ed. -- Vitória, ES : Galpão Produções Artísticas e Culturais, 2021. -(Caderno do Festival de Cinema de Vitória - Homenageada Nacional ; 20) “Marcélia Cartaxo Homenageada Nacional: Vitória - ES, novembro de 2021”. ISBN 978-65-xxxxxxxx 1. Cinema - Festivais 2. Documentário (Cinema) 3. Festivais de cinema - Brasil 4. Festivais de cinema - Vitória (ES) 5. Festival Nacional de Cinema 6. Cartaxo, Marcélia , 1963- I. Gois, Paulo. II. Série. 20-46932 CDD-791.4309 Índices para catálogo sistemático: 1. Festivais de cinema : História 791.4309 Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964

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