A Idade Média Narrada por um Vampiro

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Copyright Fernando Moraes, 2017 ProduçãoCopyright Editorial© 2017 by Márcia Medeiros Editor Luva Editora

Vítor Uchôa

Capa e Diagramação

Capa e Projeto Gráfico

Vitor Uchôa Vítor Uchôa Revisão

Revisão

Mendes João PauloSuellen Balbino Impressão e acabamento: PSI 7 - Soluções Gráficas Crédito Ilustrações p.10, 27, 37, 51, 64, 75, 84, 98, 107, 116, 134 (Gustave Doré) p.06, 07 (Honorius Augustodunensis)

[2017]

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Sumário Prefácio

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capítulo i - O início dos meus passos

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Capítulo II - A viagem para Tours

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Capítulo III - Novamente na estrada

37

Capítulo IV - Meus Estudos sobre Agostinho

51

Capítulo V - Discussões sobre o Ariantrismo

64

Capítulo VI- A procura da chave de Bardanus

75

CAPÍTULO VII - o estranho Bento de Pelúcia

84

CAPÍTULO VIII - Um novo aliado

98

Capítulo IX - Conversando com Tarim

107

Capítulo X - O reencontro com Tarim

116

Capítulo XI - Como é doce a vingança

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MARCIA MEDEIROS

Prefácio Desde que me entendo como escritor, sempre tive a necessidade de buscar a mensagem por trás dos enredos, afinal, qual a razão de escrever para o simples entretenimento? Embora respeite a importância do ócio, ainda mais em tempos tão caóticos, acredito que o porquê do escritor está um pouco além, e passa pela importância de construir uma mensagem, por vezes, através de um passeio em que o leitor não apenas leia, mas que vivencie tal experiência. Logo nas primeiras páginas de A Idade Média Narrada por um Vampiro, somos levados a uma interessantíssima viagem no tempo por meio da qual, valendo-se de todo o conhecimento medievalista adquirido durante a sua formação, Márcia Medeiros esmiúça os detalhes de várias épocas, passeando entre cidades, personagens e fatos históricos. Digno do esperado na literatura de Horror, comumente ligada aos elementos folclóricos, com referência a demônios, bruxas, lobisomens e outras criaturas mais, a obra traz como diferencial uma veia cômica íntima à subdivisão das raças de vampiros baseada no famoso Vampire, sistema de Storyteller, criado pela White Wolf. Dessa forma, engana-se aquele que espera por um roteiro típico de terrores vampirescos repletos de sangue, virgens e caçadores. Não, o protagonista é quase o oposto ao vampiro “clichê” do qual estamos falando. Seja pelo conflito entre a ingenuidade e o furor pertinente aos jovens, seja pelo padecer da doença de sua espécie, Demétrius é uma grata surpresa para quem busca uma literatura fora do padrão. Demétrius é orgânico, interativo. 8


A IDADE MÉDIA NARRADA POR UM VAMPIRO

A referida obra é uma lembrança do quão somos efêmeros diante o tempo, assim como uma crítica contundente às instituições, além da valorização de um dos principais prazeres de nossos antepassados: o estudo. Grata surpresa, diante de uma sociedade pautada em dinheiro, dinâmica e repleta de atrativos, de tal modo que parece até loucura lembrar-se de que o estudo não existe apenas em função da estabilidade e/ou independência financeira, segmentado ou tecnocrata, mas pelo prazer de apreender conhecimento. Para os fãs de ficção-histórica, horror, humor e aventura, A Idade Média Narrada por um Vampiro é a pedida certa. Vitto Graziano, escritor de Bella Máfia

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capítulo i - O início dos meus passos

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Boa noite caros senhores, boa noite caras senhoras. Permitam-me que eu me apresente. Chamo-me Demétrius e sou tão velho quanto me lembro de ser. Demétrius somente. Esqueci o resto do meu nome nas areias de um tempo muito antigo. Eu vi o Império Romano arrojar-se em sua queda e vi a sua destruição. Vi o grande imperador Carlos Magno tornar-se um senhor coroado por um manto de estrelas. Vi as embarcações cruzadas partindo em direção a Terra Santa para libertar o Sepulcro daqueles que se diziam seguidores do verdadeiro profeta. Curioso isso, não? Os seguidores do verdadeiro profeta lutando contra os seguidores da verdadeira fé, e vice-versa. Apenas acho que talvez um desses lados esteja mentindo. Ou talvez os dois. Ou talvez os homens que se dizem defender um ou outro. Alguns de vocês podem agora me questionar como eu vi tudo isso… Mas aposto que vocês já sabem a resposta, não é? Ou pelo menos dela suspeitam. O pai que me abraçou era um velho louco, que habitava as ruínas de um antigo teatro abandonado próximo de Roma. Eu sempre ouvia contar sobre as histórias daquele lugar sinistro, mas nelas nunca acreditei. Eu costumava explorar aquelas ruínas próximo da hora do pôr do sol, na esperança de verificar se tudo aquilo que diziam sobre o velho louco era verdade. Hoje, penso que eu queria acreditar que tudo era verdade. Lastimável pensamento de um tolo. O que o tornou louco é algo que me pergunto até as noites de hoje. Talvez o fato de ter visto tanto, de ter vivido por toda uma eternidade o tenha deixado assim. Mal sabem vocês, mortais, da sorte que tem. Morrer é uma bênção... Digo isso porque hoje eu sinto a mesma loucura que se apossou daquele corpo, apossar-se do meu. Um dia, ao cair da tarde, quando o crepúsculo pintava o céu de púrpura, estava eu caminhando entre as ruínas, absorto em meus pensamentos, quando ouvi uma voz que cantava uma velha canção sem sentido algum: — Olêrei, Olárai/ Olhe quem chega, olhe quem sai/ Olêrei, Olárai/ Quem não tem medo fica, quem tem medo logo vai!

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A voz entoava este cântico em alto e bom tom, mesmo que desafinadamente. E parecia feliz em estar ali naquele fim de tarde quando o sol já estava escondido no horizonte, mas a lua ainda não havia nascido totalmente no céu. Apenas a primeira estrela brilhava no firmamento que se pintava em tons de púrpura sombrio. Pensei que sem dúvida aquela voz só podia pertencer ao velho. Era minha chance de investigar se de fato aquele ser, tido na cidade por um demônio que se alimentava de sangue, existia em toda a sua ferocidade ou se tudo não passava de uma história que as matronas contavam para assustar as crianças. Aproximei-me lentamente e em silêncio (ou pelo menos assim pensei estar fazendo). Quando descortinei a visão das arquibancadas onde, em algum dia muito tempo atrás, a plateia assistia as comédias e tragédias sobre nobres e filósofos, me deparei com uma figura cuja presença queimou uma marca perene em minha memória. Talvez a única coisa de que ainda me lembre com alguma lucidez, além do meu nome. O velho vestia uma espécie de calça bufante de duas cores, amarelo e verde. Ele também usava uma túnica vermelha e um chapéu com guizos que soavam cada vez que ele mexia a cabeça ou se movia. Ele estava parado em uma perna só, equilibrando-se sobre a borda da arquibancada enquanto cantava a sua canção. Sem que eu anunciasse a minha presença, ele girou sobre a perna na qual se equilibrava e projetou praticamente um palmo de uma língua vermelha e bifurcada para fora da sua boca. Seus olhos eram de um tom de ocre queimado e eles pareciam não ter pupilas. E aqueles olhos de ouro velho miravam diretamente a mim. Sua pele tinha o tom amarelado e a textura de um pergaminho. — Boa noite curioso visitante! A que devemos o prazer desta visita? — Boa noite — gaguejei mesmo sem querer. — Eu estava apenas dando um passeio quando… — Passeio, passeio, passeio! — gritou ele. — MENTIROSO! Você é como todos os outros tolos que querem saber se é verdade. Se aqui vive um velho louco. Lálálálá, passeio! Aqui nós vivemos! 12


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— Peço desculpas senhor, eu não quis ofendê-lo, eu vou me retirar. Mal havia terminado de proferir estas palavras, quando aquele velho que se equilibrava em uma perna só, deu um salto em minha direção. Ele pareceu flutuar no ar! Em um mínimo espaço de tempo me alcançou e eu descobri que, para alguém tão velho, sua força era sobre-humana, quando seus dedos seguraram meus braços e penetraram na minha carne. — Não há retirada, apenas depósito. Não permitimos saques, somente depósito. Não há débito e nem crédito, se você veio nos procurar devemos dizer que já nos encontrou. Confesso que me aturdia a maneira como o velho falava, sempre se referindo a si mesmo no plural. Pareceu-me que havia mais alguém ali, devido à forma como ele falava. Mas quem mais poderia habitar aquele lugar sórdido e abandonado? Alguém tão louco quanto ele… essa era a única resposta. Com um arrepio percorrendo minha espinha, senti que meu destino estava selado. Eu iria morrer ali, no auge da minha juventude, levado pela minha maldita curiosidade. Senti-me hipnotizado por aqueles olhos cor de ouro (mais tarde pensei que eram da cor do ouro de tolo…) e nem sequer percebi que seus lábios se arreganhavam em um sorriso que deixava a mostra um par de caninos alvos e pontudos. Devagar senti aquela língua vermelha e bifurcada roçar meu pescoço, me fazendo cócegas as quais despertavam um sentimento estranho, misto de prazer e náusea. E assim, enquanto me deixava a um só tempo embevecido e atormentado, o velho cravou seus dentes em minha garganta e eu senti meu sangue deixar o corpo. Naquele momento me tornei o seu cálice e todo o meu fluído vital tornou-se a bebida que daquele cálice ele sorvia com gosto. Quando ele se fartou atirou-me longe, como se eu fosse um trapo velho. Eu senti que a vida se esvaia de mim como o sangue que me fora tomado por aquele demônio. — Maldito seja! — ainda encontrei forças para gritar. — Maldito seja, mil vezes maldito! Que foi que fez comigo, seu monstro? Não pode me deixar aqui! Eu vou morrer!

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— Vai sim menino curioso! Vai sim! Mais que morrer… nunca mais verá a luz do dia! Guardou na sua memória como é linda a luz do sol? Não, não guardou não é mesmo? Nós também não guardamos essa lembrança… dança… criança… dança e balança a pança… E rodopiando loucamente o velho me deixou jogado a um canto. Eu ainda tentei me erguer. Ainda tentei caminhar em direção à cidade. Mas depois de pensar um pouco, vi que aquele monstro me havia amaldiçoado com o mesmo feitiço que lhe havia marcado para sempre. Não havia agora, lugar para mim na cidade. E assim, me recolhi a uma ruína escura daquele lugar desgraçado. Encolhi-me naquele espaço fétido e úmido, tremendo e sentindo as dores atrozes da vida que deixava meu corpo. Quando a lua alcançou seu auge no céu meu corpo parecia estar febril. Eu tremia e suava. Havia evacuado e vomitado nas minhas roupas. Mas curiosamente, meus sentidos pareciam estar mais aguçados, pois eu percebi os passos de alguém se aproximando na escuridão. — Onde está você menino curioso? — disse aquela voz detestável. — nós queremos ajudar! Apareça! Nós temos um remédio para você! — Ele não vai aparecer — disse outra voz, parecendo mais dócil. — Nós assustamos o pobrezinho. Agora ele vai morrer! — Calemos a boca! Vamos esperar! Ele vai aparecer sim, o menino curioso vai aparecer! Interessaram-me profundamente as palavras “ajudar” e “remédio”. Não sei que razão me levou a acreditar que ainda havia salvação para minha pobre alma. Foi isso que me impeliu a sair do meu esconderijo. Pensei que o dono daquela voz mais dócil poderia controlar o velho louco e ela se tornou a minha esperança. Quando saí da ruína onde busquei abrigo, vi apenas o velho parado tendo a lua por moldura da sua malignidade doentia. Seus olhos brilhavam e me olhavam atentamente. — O menino curioso! Nós achamos o menino curioso! Todo cagado! Todo fedido! 14


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Cambaleando na direção dele, perguntei: — Nós? Que “nós”, seu tolo? Estamos somente eu e você aqui! Não aguentei mais manter-me em pé e caí, sendo amparado por aqueles braços espantosamente magros e ao mesmo tempo, espantosamente fortes. O amparo que recebi me pareceu cálido e amistoso, carinhoso até. A voz que falou ao meu ouvido era a voz dócil e desconhecida que eu tinha ouvido antes. Não eram duas pessoas… era só o velho louco e sabem-se lá quantos outros demônios que habitavam naquele corpo. — Pobrezinho… ele não sabe que nós não temos ninguém para conversar faz muito tempo. É isso. Ele não sabe nada de nós. Mas nós vamos ajudá-lo. Vamos sim. Vamos ajudá-lo e ensiná-lo, coisa que nunca foi feita por nós. E depois disso poderemos partir. Fui carregado para uma cripta nos subterrâneos do teatro. O velho me deitou em uma cama coberta por tecidos macios e iniciou novamente uma arenga de si para si mesmo: — Ele vai morrer se nós não ajudarmos! Ele precisa de ajuda, doutor! Ele precisa de ajuda! Ele precisa de remédio! — Como vamos saber se ele vai aguentar? Sabemos que o remédio que ele precisa pode matá-lo! — Sabemos sim, mas precisamos tentar! — É a sua vez de tentar! O velho aproximou-se de mim e com uma adaga muito afiada abriu seu pulso, me oferecendo o seu sangue. Recuei minha cabeça, com asco, pensando que tipo de ajuda e remédio seria aquela. Mas que outra coisa poderia esperar de uma pessoa que falava consigo mesma que pensava ser pelo menos mais duas outras pessoas além de si? Lentamente ele aproximou minha boca daquele sangue que escorria vermelho pelo seu braço. Quando minhas narinas sentiram o cheiro acre do sangue, fiquei extasiado e enojado ao mesmo tempo, desesperado para saborear aquele vermelho fluído e com medo do que aquilo me poderia causar. 15


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— Beba, beba menino! Beba e salve-se! E eu bebi. Bebi sofregamente, bebi desvairadamente. Bebi até que o velho me empurrou com violência suficiente para que eu fosse jogado na cama em meio à maciez dos tecidos que a cobriam. — Já chega! Você nos matará se continuar sôfrego assim! — E agora? O que vai acontecer comigo? O rosto do velho assumiu a expressão de um demônio ardiloso e aquela voz detestável apareceu: — Agora você está salvo menino curioso! Mas agora você é nosso! Agora teremos companhia! Agora vamos fazer o teatro brilhar novamente! Durma, durma, o dia já vai nascer! Quando a lua novamente se levantar no céu você já será outra coisa! Quando a lua novamente nascer no céu… E ele me deixou ali, naquela cripta fechando uma pesada porta. Eu fiquei mergulhado em escuridão. Não sei precisar quanto tempo permaneci ali, deitado naquele universo obscuro. Porém, em algum momento, todos os meus sentidos se alvoroçaram e eu percebi que havia um ruído próximo a mim. Alguma coisa caminhava nas sombras e estava vindo em minha direção. Era algo pequeno, pois seus passos eram leves e suaves, mas indubitavelmente aquela criatura se dirigia até onde eu me encontrava. Comecei a sentir seu cheiro. Minhas narinas se abriram saboreando aquele aroma que espalhou em mim um cheiro de fome. Foi quando percebi o quanto desejava comer alguma coisa. E beber. Porque minha língua estava colada ao céu da minha boca seca. Minha sede era algo atroz e avassalador. Fiquei imóvel, deitado sobre a cama, esperando que o que quer que fosse que estivesse caminhando naquela cripta, viesse até mim. De repente, senti que minha mão direita era tocada de leve por pequenas patinhas e, girando minha cabeça para aquele lado vi um rato tateando às cegas e decidindo se eu era ou não alimento para ele. 16


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Olhando para aquele animalzinho eu percebi que havia algo diferente em mim. Primeiro a facilidade com que sentira o seu cheiro. Segundo, eu parecia estar vendo seu corpo em detalhes que anteriormente não teria percebido. Eu via suas pequenas veias e artérias, brilhando e transportando o sangue quente e cálido por todo o seu corpo. Antes que eu percebesse, já tinha agarrado o pequeno roedor e estava mordendo o seu pescoço, bebendo a parca quantia de sangue que o seu corpo continha, e me deliciando com o calor que se espalhava por dentro mim. Nessa hora a porta de cripta se abriu de supetão, e o velho apareceu. — Não, não, não! — disse ele, batendo em minha mão e me tomando o rato que eu estava saboreando. — Não se come ratos! Ratos são animais sujos e desprezíveis! Quem come ratos são os Miseráveis malditos que vivem nos subterrâneos dos aquedutos. Nós não comemos ratos! Não, não, não! — Mas eu sentia muita fome e muita sede e então o rato… — Fique quieto, menino curioso! Nós vamos ensinar você a ser um menino educado e não comer porcarias! Agora levante-se e vista-se! A noite já saiu e nós vamos visitar os mortais… O velho jogou encima da cama uma muda de roupas muito semelhante as suas. Calças bufantes e coloridas e uma túnica. Vesti-me às pressas, entre curioso para compreender o que significava “visitar os mortais” e irritado porque eu não tolerava a presença horrível e enfarruscada daquele velho nojento. E ainda pior: ele me impedira de saborear o meu rato! Naquele momento, nem percebi o quanto aquele pensamento me pareceu estranho: na verdade, me pareceu que eu saboreara ratos por toda uma vida. Quando saí para o ar da noite, notei que minha pele não ficava arrepiada. Na verdade, parecia que eu não sentia mais nada. Nem calor, nem frio. Mas parecia que ouvia muito mais acuradamente do que antes. Os menores ruídos advindos da estrada próxima às ruínas eram altos e claros para mim. Os pios das corujas, o barulho dos insetos, tudo parecia uma sinfonia ao meu redor e despertava em mim a vontade de dançar e dançar e dançar… 17


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— Não vai dançar! — disse o velho me dando um tapa na cabeça. — Preste atenção em nós, menino curioso! Nós vamos ensinar você a sobreviver, depois nós vamos ensinar você à arte do teatro, depois… depois não importa! Vamos, vamos… vamos para a cidade! — Você está louco? Como assim “vamos para a cidade”? Quem é você? O que é você? O que você fez comigo? Por que não deixou que eu saboreasse aquele rato? — choraminguei. — Ah, tristeza! — disse aquela voz dócil que, eu já tinha percebido, era uma espécie de outra personalidade daquele estranho ancião. — Ele já está manifestando nossa loucura! Tão jovem! Recém — abraçado e já quer dançar e comer ratos! — Cale a boca choramingas! — novamente o velho assumia o controle daquele corpo e olhava para mim com seus olhos amarelados .— Vocês dois choramingam demais! “Por que não me deixou saborear o rato”? “Já está manifestando loucura”! Calem-se os dois, vocês são dois moleirões! E você, menino curioso, trate de me seguir se não quiser passar a eternidade se alimentando de ratos neste teatro velho e imundo! O velho pôs-se a caminhar com uma força inaudita e com uma pressa única! Seus pés mal pareciam tocar o chão e ele andava muito rápido. Mas não senti dificuldade em acompanhar seus passos. Na verdade, percebi que o fazia rapidamente. — Agora preste atenção menino curioso! Não temos muito tempo para completar seu aprendizado. Nós já estamos cansados e queremos descansar. Nós somos muito velhos, tão velhos que nem lembramos direito quando foi que nós fomos abraçados. Quanto mais velhos nós ficamos, mais a loucura fica pior. Nós precisamos acabar com isso. Agora nós vamos contar sobre nossa história tudo o que lembramos para que você entenda…

“Nosso nome é Silvanus, ou Pratinius, ou Ascarius… Nós não sabemos direito. Pode chamar por qualquer um dos nomes se quiser, ou por nenhum. Tanto faz. Agora nós vamos falar e você somente irá ouvir. Nós éramos um menino curioso como você. Nós queríamos ir ao teatro e queríamos ver a arena com os leões e os gladiadores. Nós 18


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gostávamos do espetáculo! Estávamos lá quando os grandes imperadores traziam a felicidade para Roma. Roma, a grandiosa! Roma, a conquistadora! Muitos eram jogados nas arenas aos leões e serviam de repasto para matar a fome das feras. Todos os inimigos de Roma serviam de refeição aos felinos e garantiam a felicidade do povo! Era uma grande alegria para todos os habitantes da Cidade Eterna ver aquelas pessoas sendo devoradas e dilaceradas na arena. O espetáculo da sua morte deleitava nossos corações e nos fazia pensar que nós éramos superiores ao resto do mundo. Mas então, houve a chegada de uma coisa nova. Uma coisa nova veio do Oriente. Da região da Galileia. Um homem trouxe uma nova palavra. A palavra de um deus. Nós ouvimos que algumas pessoas acreditavam que ele era filho de um deus. Nós ficamos curiosos por saber o que era aquilo. Ficamos curiosos por saber que truques esse filho de um deus era capaz de fazer. Nós éramos como você, menino curioso. Então, um dia, muitos daqueles que seguiam o filho de um deus foram presos e levados para o Coliseu. Aqueles que se escondiam nas catacumbas e pintavam peixes nas suas paredes. Ao invés dos gladiadores, foram eles a atração principal daquele dia, sendo devorados pelos leões. Nós fomos rápido para a arena, não queríamos perder nada daquela festa! Naquele dia, muitos seguidores do filho de um deus foram mortos pelos leões, tendo seus corpos despedaçados e seu sangue espalhado pelo chão. Quando nós saímos do Coliseu já era noite, já era tarde da noite. Nós tínhamos bebido muito vinho. Sentíamos a alma leve, o corpo leve. O grande Baco, Deus do Vinho, cantava em nossa cabeça e nos deixava feliz! Nós ouvimos então um sussurro, uma voz dizendo: “Por aqui, venha por aqui! Tenho algo para você, meu querido!” Nós fomos atrás da voz e entramos em uma ruela escura. Sentimos braços fortes nos agarrando e então aquela voz disse: ‘Eu já venho observando você! Venho observando você faz muito tempo!’ Então, fomos arrebatados. Pareceu que voávamos. E quando acordamos já era noite novamente. E nós nunca mais vimos a luz do dia.” Neste momento, o velho parou de falar. Olhei para o seu rosto e vi uma lágrima vermelha escorrendo pela sua face. Aquela lágri19


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ma parecia guardar o sofrimento e a alegria de toda uma vida. Mas não de uma única vida. De muitas vidas. Aquela pérola vermelha de sangue que deixava um rastro naquele rosto era uma lágrima de eternidade. Tentei tocar o seu braço, mas ele me repeliu e continuou a sua história. — Nós não temos tempo a perder com gestos amistosos, menino curioso. Ouça e aprenda. Em breve nós não estaremos mais com você e você deverá seguir seu caminho sozinho. Ouça a aprenda.

“A partir de agora nós concedemos a você todos os nossos dons: mais força, mais velocidade. Você sentirá cheiros que nunca sentiu e ouvirá as coisas como nunca antes ouviu. Você permanecerá sempre jovem, a menos que fique comendo ratos como fazem os malditos Miseráveis nojentos que moram nos subterrâneos dos aquedutos, aqueles fedidos! Mas, nós também concedemos a você nosso mal… nossa loucura… Nós não sabemos de onde ela veio menino curioso. Nós sabemos que não éramos loucos antes de tudo isso acontecer. A partir de agora, o sol será sua fraqueza e sua morte. Você dormirá quando ele nascer e se levantará quando ele dormir. Nunca mais poderá ver sua luz, a não ser que resolva um dia dar fim a sua vida miserável. Você sentirá fome, menino curioso, e sede… e a única coisa que aplacará sua fome e sua sede, será sangue! Agora, menino curioso, nós chegamos aos arredores da cidade! Preste atenção em nós, nós faremos por você mais do que foi feito por nós! Aquele que a nós abraçou abandonou-nos quando nascemos, e então nos obrigou a aprender sozinhos como sobreviver. Mas nós não faremos isso com você! Somos melhores do que ele um dia foi! Olhe menino curioso, e aprenda a caçar!” Vi à distância, no caminho que estávamos percorrendo, uma jovem carregando um cesto e cantando uma canção. Com a rapidez de um raio, a qual ninguém poderia supor para alguém com o seu porte físico, Silvanus, ou Pratinius, ou Ascarius; correu até ela e agarrou-a pelo pescoço. Não foi possível ouvir sequer, um único ruído. O velho arrastou-a para a floresta que circundava o caminho e eu o segui célere. Já sentia o cheiro do sangue e ele me parecia mais agradável e apetitoso que o do rato que eu devorei. A jovem estava como que hipnotizada com os olhos arregalados pelo medo. Via-se 20


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em seu semblante uma expressão de puro terror. Aquela moça foi minha primeira refeição, dividida com aquele velho. Com os olhos brilhando, e a boca suja de sangue ele me disse: — Amanhã, amigo curioso, será a sua vez! O caçador será você!

Dias e noites se passaram. Aprendi a caçar com a mesma graça e agilidade daquele (ou daqueles) que me havia abraçado. Apenas uma vez retornei a minha casa, mas a assustadora proximidade de meus familiares e o cheiro de seu sangue atiçando minha sede me fez perceber que eu não era mais um deles. Que chorassem a minha ausência e pensassem que estava morto, ou que fora vendido como escravo. Era melhor assim do que correr o risco de me embriagar com aquele sangue a que outrora pertenci. Minha família agora era outra e permeava a noite e todos os demônios que caminham por ela. Silvanus, ou Pratinius ou Ascarius me falou sobre outros seres noturnos como nós. E sobre outros seres da noite em relação aos quais deveríamos nos precaver, pois nem todos eram nossos amigos, ou nem todos compreendiam a nossa loucura. Loucura que, acredito hoje, nem mesmo nós compreendemos. Nos arredores das ruínas do teatro que nos servia de casa, nos subterrâneos dos aquedutos viviam àqueles que ele chamava de malditos Miseráveis. Os fedorentos. Era fácil reconhecê-los. Eles são horrivelmente feios. Muito feios. Horrorosos. Terríveis. Horrendos. Abomináveis. Assustad…. Acho que vocês já me entenderam! A sua degeneração era visível. Estes seres são uma mistura miasmática dos demônios infernais com as gárgulas, os demônios da terra. Do cruzamento desta abominação nasceram os Miseráveis. Assim como nós, eles também se alimentam de mortais. Mas eles não somente bebem o seu sangue como comem a sua carne. Esses terrores noturnos costumam sair principalmente quando a lua está praticamente escondida no céu, e sobrevoam os campos, levados pelas suas asas membranosas. Quando eles encontram algo que os satisfaça, costumam agarrá-lo com seus braços monstruosos 21


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e levá-lo para o seu covil, onde se deleitam da sua vítima. Sua degeneração é tão grande que eles não ousam andar em meio aos mortais, porque os mortais os caçam e exterminam pensando que eles são pragas advindas do mais profundo inferno. Silvanus, ou Pratinius, ou Ascarius costumava dizer que eles eram os comedores de ratos e que nós não deveríamos arriscar a saborear do mesmo petisco que eles. O que não me impedia de me deliciar com um ou outro camundongo quando ele não estava olhando! Outros vampiros como nós, estavam presentes entre os membros da mais alta aristocracia e do clero. Segundo meu criador, eles eram capazes de manipular as mentes de todos aqueles que os cercavam fossem eles mortais ou não. Mas Silvanus, ou Pratinius, ou Ascarius dizia que a nossa loucura era algo que os perturbava porque a nossa mente era como um novelo com fios entrecruzados em uma trama indecifrável. Eles não se interessavam por nós, nem nós por eles. As florestas que se estendiam ao longo dos caminhos que levavam a Roma (e nessa época todos os caminhos ainda levavam a Roma) eram o reino daqueles seres lupinos, meio homem meio lobo. Aparentemente eles tinham uma grande empatia com a natureza, e preferiam viver isolados e solitários. Meu criador dizia que deveria me manter afastado deles, pois eles poderiam me despedaçar de um só golpe. Particularmente, acredito que tenho algum tipo de ligação com os ditos lobisomens, pois além de apreciar o sabor de um camundongo de vez em quando, o que comprova a minha ligação com a natureza, adoro me sentar nos prados e cheirar as flores. Sou capaz de permanecer estático por horas e horas com o nariz cheio de margaridas! Silvanus, ou Pratinius, ou Ascarius me disse que, do seu conhecimento eram estes os seres noturnos que se encontravam mais próximos de nós: os Miseráveis que habitavam os esgotos, mistura de gárgulas e demônios; outros vampiros que viviam cercando a nobreza romana; e os lupinos, seres bestiais que nos detestavam devido a nossa superioridade e brilhantismo. 22


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E também pelo fato de que não temos pulgas. Quanto a nós, meu criador nunca soube explicar o motivo da nossa loucura. Do que ele se lembrava, não era louco antes de ser abraçado. Esse pequeno “desvio de conduta” deve ter sido deixado como herança pela sombra que o abraçou. Uma sombra que conhecia todos os mistérios do mundo. Daí sermos, ele e eu, assim loucos, insanos, malucos, desmiolad…vocês já entenderam! No tempo em que fui abraçado, Roma estava em decadência. Aquele a quem diziam filho de algum deus havia angariado muitos seguidores na Cidade Eterna e sua maneira de ver o mundo e de ser no mundo havia maculado o jeito romano de ser. Não havia mais romanos que seguissem a velha máxima: “comamos e bebamos porque amanhã morreremos”. Agora ouvíamos por todos os lados sobre pecado e um lugar chamado inferno. E começamos a ouvir rumores de que os homens que se diziam seguidores daquele filho de algum deus haviam começado a nos caçar, porque éramos a presença carnal do pecado maior. Nós representávamos uma ameaça que precisava ser exterminada. Silvanus, ou Pratinius, ou Ascarius me disse que a nossa existência ali estava ameaçada. Precisaríamos abandonar as ruínas do antigo teatro em breve, pois aqueles homens já sabiam onde ficava nosso ninho e viriam para nos liquidar. E ele preferia morrer a ser morto por eles! Era o ano de 371 segundo descobri depois. Silvanus, ou Pratinius, ou Ascarius tinha um plano. Ele queria me mandar para a cidade de Tours. Ele decidiu esse destino depois de escrever o nome de vários lugares em pedaços de papel os quais jogou para cima. Enquanto ficava de ponta-cabeça, recolheu um desses pedaços com os pés e lá estava escrito o local onde faria minha nova morada: Tours! Não entendi muito bem o método através do qual meu mentor decidiu meu destino, mas já havia aprendido que era melhor não questionar as suas decisões. Cada vez que fazia isso levava um tapa na cabeça e comecei a temer a possibilidade de que meus olhos 23


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saltassem da cara em uma dessas ocasiões! Até esse momento, também acreditava que meu criador seguiria a viagem para Tours comigo. Mais tarde, eu soube que não seria assim. Uma noite, ao sair da cripta onde eu costumava repousar, encontrei Silvanus, ou Pratinius, ou Ascarius parado em um pé só, como gostava de ficar, equilibrado nas arquibancadas. Aproximei-me, pulando amarelinha (outra mania que havia adquirido além de saborear um camundongo ou outro e cheirar margaridas), e vi que meu mestre estava chorando. Seu rosto estava avermelhado pelas lágrimas que caiam copiosamente de suas faces. — Senhor, por que está chorando? — perguntei. Pela primeira vez desde que me havia abraçado, Silvanus, ou Pratinius, ou Ascarius, sorriu para mim. Um sorriso triste é verdade, mas ainda assim um sorriso. — É chegada a sua hora de partir, menino curioso! — É chegada nossa hora de partir, não é mesmo, mestre? — Não menino curioso. É chegada a sua hora de partir. Nós não vamos com você. Nossa loucura já está se tornando perigosa para você e para nós mesmos. É hora de, finalmente descansar. Nós já ensinamos para você tudo o que precisava saber: quem somos, como caçar, como se esconder, como viajar, como pentear o cabelo e como escovar as sobrancelhas. Agora você deve seguir sozinho. Seu destino já está escolhido, pois nós decidimos que você irá para Tours. — Mas mestre… — Cale-se! — recebi um tapa na cabeça para a minha coleção e esse foi realmente tão forte que meus olhos quase saltaram da cara. — Já está tudo acertado. Você parte ainda nessa noite. Um velho amigo irá transportar você na segurança da escuridão até seu novo lar. Já é hora, ele se aproxima… Uma velha carroça, conduzida por um homem que usava uma imensa capa escura, e que tinha o rosto encoberto por um capuz, se aproximava pela estrada. Suas velhas rodas rangiam e toda a carroça 24


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parecia que iria desmontar em questão de segundos. — Salve meu bom mestre e senhor Silvanus, ou Pratinius, ou Ascarius! — saudou o estranho. — Este é a quem devo guardar? — Sim! Vocês devem partir agora, enquanto ainda estão protegidos pelas sombras. Lembre-se, Aquitanius, de que Demétrius tem um apetite muito grande por ratos! Ele adora comer essas porcarias fedidas! Não permita que ele faça isso! Se por acaso passarem por um campo com margaridas, deixe que ele enfie duas no nariz porque ele fica muito bonito com flores saindo pelas orelhas! — Mais alguma coisa que eu deva observar meu senhor? — Não! Só isso! Agora partam… já é hora. Silvanus, ou Pratinius, ou Ascarius se despediu de mim me dando mais um tapa na cabeça e eu subi na carroça dirigida por aquele estranho ao qual deveria confiar a minha vida, ou a minha morte, ou seja lá o que for, e que atendia pelo nome de Aquitanius. Mais tarde vim a saber que ele era um fiel serviçal de meu mestre e ele se tornaria também meu serviçal, pelo menos enquanto durasse a sua vida mortal. Quando seguimos lentamente pelo caminho, olhei para trás e vi meu mentor equilibrado sobre uma perna só nas arquibancadas daquele que havia sido nosso lar por tanto tempo. Ele olhava firmemente em direção ao leste, onde o sol deveria nascer dentro de algumas horas. — Aquitanius, por que Silvanus, ou Pratinius, ou Ascarius não veio conosco? — Demétrius, meu jovem mestre… nosso bom e divertido senhor Silvanus, ou Pratinius, ou Ascarius já viveu demais. Sua loucura tem se tornado perigosa demais, beirando uma demência que ele não pode mais dominar. Assim ele resolveu que deveria terminar com seu sofrimento… — Terminar seu sofrimento, como assim? Eu não entendo!!! — Tolo menino… ele vai esperar ali, pelo nascer do sol… E quando o sol nascer, nosso mestre verá sua luz pela última vez. 25


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A imagem de meu criador equilibrado em uma perna só sobre a arquibancada é a imagem que guardo em minha mente. A imagem do dia da nossa despedida. A partir daquele momento eu estava sozinho no mundo, a não ser pela companhia de Aquitanius.

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Capítulo II - A viagem para Tours

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Houve um tempo em que todos os caminhos levavam a Roma. Isso foi um fato. Quando a altaneira águia romana e as fantásticas centúrias conquistaram todo mundo conhecido até então, chegando ao Oriente. Quando os romanos podiam chamar o Mar Mediterrâneo de mare nostrum, um pequeno lago no qual costumavam lavar seus pés quando acordavam pela manhã. Mas agora outros tempos marcavam a história de Roma e do mundo. E tudo começou quando o Imperador Constantino, no ano de 313 se converteu e passou a seguir a religião daquele que diziam que era filho de um deus, o chamado Cristianismo. No ano de 371, enquanto meu fiel escudeiro Aquitanius me transportava pelos perigosos caminhos até a cidade de Tours, o destino escolhido para mim por meu criador; Roma era apenas uma sombra frágil do que um dia havia sido. As estradas eram lugares perigosos e cheios de surpresas. Por elas não mais circulavam as centúrias romanas, garantindo segurança a tudo e a todos, mas sim hordas de povos que na época eram conhecidos como bárbaros. Os romanos os chamavam assim, porque em geral, moravam fora dos limites fronteiriços do Império e não falavam latim, a língua do então mundo civilizado (por Roma é claro!). Os bárbaros não pertenciam a um único povo, mas sim a várias tribos das mais diferentes desinências: ostrogodos, visigodos, vândalos, suevos, magiares, lombardos… eram tantas que minha memória falha ao tentar lembrar-se de todos os nomes! Para mim, esses grupos não passavam de crianças que tinham que colocar a mão em tudo que viam, mesmo correndo o risco de perdê-la… No nosso caminho para Tours, seguíamos um dia tranquilamente. Era quase pôr do sol e eu sentia que o entorpecimento que me fazia estático por todo o dia estava passando. Meus sentidos já estavam alerta e eu sentia fome. Muita fome… Percebi que, aos poucos, a nossa carroça parecia estar perdendo velocidade. Meus instintos me diziam que algo de interessante estava prestes a acontecer e que possivelmente viveríamos uma aventura! De repente, com um solavanco a carroça parou de todo e eu ouvi Aquitanius tentando acalmar os cavalos, mas sem sucesso. O medo 28


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dos animais repercutia em mim, na forma de uma incontida raiva misturada com a minha tradicional curiosidade. Quem ousava cruzar o meu caminho e impedir que eu seguisse o destino que meu mentor havia preconizado para mim? Ouvi gritos e o tropel de muitos cavalos. Aquitanius tentava inutilmente se comunicar com aqueles que promoviam uma espécie de cerco a nossa carroça. No entanto, sua voz era abafada por gritos e ruídos ininteligíveis e eu ouvi quando ele foi jogado ao chão. Ouvi ruídos que me indicavam que meu companheiro de viagem e único amigo no mundo, estava sendo espancado brutalmente. Quando viajávamos a noite, eu seguia feliz na condução da carroça ao lado de Aquitanius. Ele me falava sobre as estradas e os caminhos, sobre qual caminho levava a qual lugar. Falava-me sobre as rotas mais seguras e sobre as pessoas que conhecera em suas viagens, as quais realizava sempre para cumprir os propósitos de Silvanus, ou Pratinius, ou Ascarius. Mas durante o dia, eu viajava em um compartimento oculto no piso de madeira da carroça, protegido da luz do sol e muito confortavelmente instalado exceto quando a carroça passava por algum trecho de estrada mal conservado! Foi esse compartimento que aqueles que estavam ameaçando a vida de meu amigo abriram, no exato momento em que o sol se pôs no horizonte e em que a primeira estrela nasceu no céu. Meus olhos encararam o salteador. Para a infelicidade dele, eu levantei-me de um salto, usando de toda a agilidade que a minha condição me proporcionava. Agarrei-o pela garganta e arranquei a sua traqueia. O jorro de sangue me fez sentir uma profunda alegria e sorri feliz anunciando a minha chegada: — Boa noite, cavaleiros! Sejam bem vindos! Obrigado por me garantirem a oportunidade de tão belo despertar! Obrigado por virem até mim, para me servir de alimento! Acho que minha súbita aparição causou um grande susto aos salteadores, pois eles ficaram parados por um átimo de segundo, tempo suficiente para que eu pulasse sobre eles e arrancasse a jugular daquele que estava mais próximo a dentadas. Aquele rio de sangue 29


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me fez entrar no frenesi do caçador diante de uma presa impotente. Um dos homens do bando que nos atacava lançou ao ar um grito aterrador. Ele disse upír. Mais tarde, descobri que era assim que aquele povo designava os da minha espécie: upír ou vampiro. Não sei ao certo quantos homens o bando que nos cercou tinha, pois não parei para contar. Apenas mordi e estraçalhei tudo que vi pela frente. Mas sei que no chão, depois que me alimentei e matei a farta, Aquitanius contou quatro corpos inteiros; cinco dedos arrancados daquilo que um dia foi uma mão; um braço que outrora fazia parte de um corpo; uma perna que pertencera ao corpo daquele braço; e uma mão que perdera o dono. Eu não disse que, para mim, esses bárbaros não passavam de crianças que metiam a mão onde não deviam? Pois bem... O fato é que assaltos como esses passaram a ser costumeiros pelos caminhos que levavam a Roma. As estradas que antes serviam para rapidamente mobilizar as tropas e facilitar a comunicação administrativa entre a capital do Império e suas províncias, agora carregavam com a mesma rapidez os seus inimigos para aquilo que um dia fora o centro do poder de todo o mundo. Por causa disso, observávamos que as cidades pelas quais passávamos pareciam estar vazias de gente. E isso era realmente um fato. Ameaçadas pelos bárbaros que pareciam invadir o mundo romano vindos de todos os lados, as pessoas que moravam nas cidades passaram a buscar segurança nas regiões rurais, onde se instalavam sob a proteção de um grande senhor de terras. Em meio a esses grandes senhores, também existiam seres noturnos... Obscuros seres conhecidos como Bruxos. Eles são muito apegados as suas regiões natais e costumam apreciar a companhia de uma legião de servos e escravos, dos quais se aproveitam para realizar as mais nefastas experiências. Mais tarde, fiquei sabendo que este grupo tinha castelos por todo mundo conhecido, mas sua presença era mais forte no Oriente, mais precisamente na região da Valáquia. Além dos bárbaros que traziam uma insegurança generalizada 30


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que permeava todos os caminhos que cruzávamos Aquitanius e eu, havia mais um problema grassando pelo mundo que um dia Roma dominou. Era uma doença que dizimava a todos, homens, mulheres e crianças com uma rapidez maior do que a minha quando conseguia ludibriar Aquitanius e comer um camundongo! Essa doença era chamada de Peste Negra. Ela recebia esta alcunha porque aquele que se tornava seu portador acabava assumindo uma coloração escura no rosto, e desenvolvia enormes bubões no pescoço, nas axilas e nas virilhas. Em alguns dias, dois a três, estes bubões começavam a gerar uma substância purulenta e vazavam. Caso isso acontecesse havia uma chance de salvação. Do contrário a morte era certa, e a pessoa apodrecia diante dos olhos de todos. Outro desdobramento da doença fazia parecer que seu portador não conseguia respirar por mais que puxasse ar para seus pulmões. Parecia que aqueles acometidos deste tipo de praga, se afogavam sem nadar. Neste caso, não havia salvação conhecida. Aquitanius e eu vimos muitas cidades cheias de cadáveres insepultos por conta dessa doença. Um dia, meu amigo me mostrou o motivo pelo qual as pessoas ficavam doentes. Os ratos (meus queridos e saborosos ratinhos!!!), que habitavam em quantidade as cidades, devido a imundície que transbordava por todos os cantos, carregavam em seus corpos as mesmas pulgas dos lobisomens. As pulgas sugavam o sangue dos ratos e transmitiam então, a doença aos humanos, acabando com meu estoque de alimentos! Quando soube disso, achei que era melhor não comer mais ratos. Não sei até hoje como Aquitanius sabia de tanta coisa, ou se tudo não passou de uma história que ele inventou para que o desejo de Silvanus, ou Pratinius, ou Ascarius fosse satisfeito e eu não comesse mais ratos. O fato é que a partir daí deixei de comer ratos e camundongos e passei a saborear um suculento esquilo de vez em quando. Aquitanius não gostava muito de me ver com um esquilo na boca. Ele dizia que a cauda do esquilo lembrava o bigode que eu nunca teria. Finalmente, chegamos à cidade de Tours. Instalamo-nos nas suas cercanias e procuramos não despertar suspeitas em relação a nossa presença, pois todo o estrangeiro era visto como um inimigo nesta 31


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época. Assim, Aquitanius passou a prestar serviços à população da cidade como ferreiro, habilidade que ele possuía. E um homem que dominava a arte do trabalho com o ferro era sempre muito bem vindo. Eu, durante o dia ficava no meu estado de torpor, característico da minha condição. À noite, procurava discretamente por minhas presas executando tudo aquilo que meu mentor me havia ensinado e procurando acima de tudo seguir o conselho de Aquitanius: ser discreto. Por isso, só saía para minhas caçadas com duas margaridas enfiadas no nariz, portanto disfarçado de jardim; ou então usando meu par de pernas de pau, portanto disfarçado de gigante. Como se pode perceber, era praticamente invisível. Em uma das noites onde saí dessa vez usando um novo disfarce, um par de chifres de cervo como chapéu, aproximei-me de uma cabana simplória de camponeses. Seu cheiro me havia atraído e me pareceu que lá havia mais de uma vítima com a qual eu poderia me banquetear. Dentro da casa havia um homem muito magro, vestindo uma roupa muito simples de cor escura, conversando com os moradores da cabana, os quais ouviam atentamente o que ele dizia. Depois eu soube que aquela roupa era um hábito e que aquele homem era os cristãos chamavam de bispo. Eu fiquei curioso com a sua figura porque fiquei pensando que tipo de roupa ele usava embaixo daquele hábito. Seriam calças ou calções? Então, para satisfazer a minha curiosidade e sem que Aquitanius soubesse, resolvi segui-lo até descobrir a chave do mistério que envolvia aquela figura exótica. Mas antes eu de fazer isso, precisava me alimentar… então, quando aquele homem saiu da casa, jantei todos os camponeses.

Sempre que a primeira estrela aparecia no firmamento, eu saia discretamente com a minha roupa colorida e meu chapéu com chifres de cervo, ou então com minhas adoradas margaridas enfiadas no nariz e seguia aquele homem curioso. Eu tinha ficado mortificado pela dúvida. O que ele usaria por baixo daquela roupa: calças ou calções? 32


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Era muito difícil seguir aquele homem, pois sempre havia outro homem que o acompanhava, o qual eu descobri mais tarde, chamava-se Sulpício Severo. Esse tal Severo costumava tomar notas de tudo que aquele homem fazia e depois guardava as anotações em um bolso da sua roupa. Eles viviam andando pelos bosques, visitando as cabanas dos camponeses. Eu descobri que aquele homem era um seguidor daquele que diziam ser filho de um deus, Jesus. Ouvi também que ele havia servido o exército romano, mas que não queria fazer isso. Parece que ele foi obrigado pelo seu pai a entrar para as centúrias. Quando estava no exército ele adquiriu um hábito estranho: dava esmolas para as pessoas pobres. Os rumores diziam que em uma dessas vezes em que estava dando esmolas, encontrou um mendigo que passava frio e dividiu seu casaco com ele. Confesso que para mim isso não importava. Eu não sentia mais frio ou calor. Sulpício Severo, que vivia anotando as coisas que aquele homem fazia, um dia contou a alguns camponeses que esperavam do lado de fora da cabana onde ele estava que ele teve um sonho com Jesus. Parece que o mendigo com o qual ele dividiu o casaco era aquele que diziam ser filho de um deus. Severo também disse aos camponeses que ele se batizou depois desse sonho e saiu do exército. Foi quando recebeu o nome de Martinho. Depois do seu batismo ele batizou também sua mãe… Fiquei pensando depois de saber disso que eu poderia ter voltado e “batizado” minha família… Se Martinho podia fazer isso, eu também podia! Quando comecei a segui-los, Martinho e Sulpício viviam fora da cidade, como eu e Aquitanius. Eles moravam em uma caverna e embora eu tenha tentado, alguma coisa me impedia de entrar lá. Nunca comentei sobre isso com Aquitanius, pois tive medo de que ele não me deixasse mais seguir aqueles homens e eu não pudesse saber se Martinho usava calças ou calções por baixo da roupa. Depois eu teria tempo de pensar o motivo de não conseguir entrar naquele lugar. Uma noite, cheguei próximo à caverna e descobri que haviam partido. As pessoas de Tours foram buscar Martinho e ele se tornou 33


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aquilo que chamavam de bispo. A partida dele para a cidade me obrigou a mudar minha estratégia. Eu precisava entrar nos muros de Tours para poder vigiá-lo. Aquitanius nunca me deixava entrar na cidade, ele dizia que era perigoso para mim. Mas que tolo!!! O que poderia ser perigoso para mim lá? Aquitanius costumava tomar vinho todas as noites, e uma noite eu coloquei algumas ervas especiais na sua bebida. Elas lhe causaram certo desconforto estomacal por conta do qual ele tinha que correr para as moitas da floresta próxima a nossa casa, de tempos em tempos, a intervalos cada vez mais curtos. Disse a ele que sairia para me alimentar e ele disse que sim, que eu devia ir… meu pobre amigo estava gemendo muito e um ruído estranho saía de suas entranhas. Mas eu achava que não tinha exagerado na dose de purgante que lhe ministrei. Vesti minha roupa especial e subi em minhas pernas de pau. Achei que seria um bom disfarce, pois entraria na cidade vestido como um artista de circo! Pensei que Silvanus, ou Pratinius, ou Ascarius ficaria orgulhoso de mim. Andei por toda a cidade até chegar próximo ao templo onde eles adoravam Jesus. Outro lugar onde não consegui entrar, para minha tristeza! Mas a minha sorte mudou, pois eu vi Sulpício Severo saindo por uma porta lateral. Discretamente comecei a segui-lo, andando sem fazer ruído com minhas pernas de pau. Eu até sentia o cheiro do seu sangue e pensei em me alimentar dele, mas novamente a curiosidade foi maior… calças ou calções? Meu mestre me ensinou a usar de algumas habilidades quando queria extrair informações de alguma pessoa… utilizei uma dessas habilidades em Severo. Aproximei-me dele e o derrubei, passandolhe a minha perna de pau entremeio as suas pernas. Quando ele caiu, toquei seu rosto e fiz com que ele me olhasse no fundo dos olhos, os quais tinham adquirido a mesma cor amarelada dos olhos do meu criador. — Olhe dentro dos meus olhos, mortal. Eu vou revelar seus sonhos. — Mas o quê é você???? — Cale-se! Apenas olhe nos meus olhos, ouça-me e obedeça... 34


A IDADE MÉDIA NARRADA POR UM VAMPIRO

“Vejo você anotando coisas sobre aquele homem que se chama Martinho, mas ele não anota coisa nenhuma sobre ti, então você não deve ser importante. Já que você não é importante, então ele deve ser importante. Logo, faça algo de útil e escreva a história dele! Também acho que vocês ficavam melhor morando na caverna fora da cidade, porque ali eu podia vigiá-los mais a vontade, mas já que mudaram para o interior dos muros então precisa satisfazer meu desejo.” — Qual seu desejo? — ele me perguntou. — Cale a boca, seu inútil, que eu ainda não terminei de revelar seu futuro, seu imbecil! Escute-me!

“Acho que vocês deveriam chamar-se monges. Eu gosto do som desse nome… então sugira a seu mestre que vocês se chamem monges. Eu pensei em bonges, mas isso não vai dar certo. E não diga que a ideia de criar esse nome foi sua, porque você não é importante, a ideia é dele, porque ele é importante, você não! O seu Martinho deverá ser o criador de algo que será chamado monaquismo. Eu queria que fosse macaquismo, mas acho que os seguidores daquele que dizem ser filho de um deus, não levariam a sério os conselhos de um monge macaquista. Uma pena! Isso fará história, Serpilcio Suvero…” — Meu nome é Sulpício Severo… — Cale a boca, imbecil, que eu ainda não terminei. Você não é importante, você é só um escriba e eu ainda tenho que falar algo mais sobre o futuro. Vocês deverão estabelecer uma regra para que os monges possam viver bem, mas eu não sei o que são regras porque Aquitanius usou meu dicionário para limpar a bunda… ele está com problemas estomacais, mas isso não importa…

“Então vocês imaginem essas tais regras as quais os outros monges deverão seguir. Martinho deverá ser o seu inventor e passará a receber o nome de Martinho de Tours, criador do monaquismo! Agora antes de você partir, uma pergunta: seu mestre usa calças ou calções embaixo daquela roupa?” — Como? — me perguntou ele aturdido. — Calças ou calções? — Seu idiota! É por isso que você toma nota das coisas que Martinho faz, enquanto ele é o centro das atenções e detentor de toda a importância! Não sabe nem responder uma pergunta! Aquitanius usa calças, mas ele não usa um vestido igual ao do seu mestre, 35


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eu uso calças, e vocês, vestem o que embaixo desses vestidos? Calças ou calções? — Calças ou calções? Como ele ainda estava aturdido não me respondia. E a dúvida me corroia por dentro. Não tinha como entrar naquela maldita igreja de onde Martinho não saía mais. Eu não tinha como sanar o meu dilema…Então uma ideia brilhante me surgiu! Arranquei o vestido de Selpúcio Severo, ou Sulpício Severo, ou seja lá como ele se chamava!!! E eu vi que o escriba estava nu. Sem calções... Uma lástima. Deixei-o ali no meio da rua, e parti, pois a noite avançava e em breve o sol nasceria. Quando voltei à minha casa, Aquitanius não estava de bom humor e brigou comigo. Disse que eu era pior que meu mentor e mais irresponsável que ele. Não sei o que é irresponsável. Mas achei que era um elogio. Alguns dias depois, meu bom amigo me comunicou que Tours não era mais um refúgio seguro para nós. Minha ação na cidade havia causado certa celeuma, pois Severo ficou um pouco aturdido devido ao que eu tinha feito em sua mente e entrou na igreja, no meio da adoração que Martinho dirigia ao tal Jesus, totalmente pelado. A igreja estava cheia e ele balançou o seu “brioche” para as mulheres o que as pessoas não acharam muito bom… não sei exatamente qual o motivo disso. Então, tivemos que partir…

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Capítulo III - Novamente na estrada

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