Voz da Leste 3ª edição - Janeiro de 2014

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MANDELA VIDA, LUTAS E CONTRADIÇÕES DO LÍDER QUE SE TORNOU O SÍMBOLO DA LUTA CONTRA O APARTHEID

São Paulo, SP/ Zona Leste, Janeiro de 2014

MOINHO EM CHAMAS

COMO ALCKMIN, HADDAD E A ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA TENTAM LIMPAR A FAVELA DO MOINDO NO MAPA RAIZES DA LESTE NA FRANÇA POETA ALCALDE LEVA SUA POESIA COMBATIVA À TERRA DE SARTRE


EDITORIAL

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Ano novo, lutas velhas e novas

2014 já começou com terremotos. Os rolezinhos, que começaram no final do ano passado, vem pra escancarar a divisão social e o racismo que impera na cidade, é a luta de classes ficando cada vez mais evidente. O aniversário de São Paulo veio com manifestos destruidores de bancos, prisões em massa e a censura de festas a noite como a Calefação Tropicaos e Os Venga, que não puderam acontecer porque a policia se recusou a trabalhar, e se recusou, quem manda na policia, eles são independentes dos governos municipal e estadual? O mundo perdeu Mandela, o líder que foi símbolo da luta contra o apartheid, publicamos uma matéria sobre a vida as lutas e as contradições do sul africano que viveu aqueles tempos sombrios. Nessa edição denunciamos o descaso com o moradores da Favela do Moinho com uma matéria especial mostrando como operam governo Haddad, Alckmim e avEspeculação Imobiliárias para tentar “limpar” aquela área e a resistência dos moradores que enfrentam há anos essa luta. Também o abandono do patrimônio na zona leste com o caso do Sitio Mirim, pedaço da história colonial de nosso pais que está em ruínas às moscas. Mas não é apenas de choramingos. Publicamos um pequeno Ensaio sobre Carapicuíba feito por alunas da Etec da Carapicuíba, e uma entrevista com Emerson Alcaide que irá levar o sabor do Slam da Guilhermina lá na França, muita poesia pra ti!!! Gostaria de agradecer a Moises que nos cedeu várias imagens sobre o Brás, o que renderá um futuro ensaio sobre esse mítico bairro zonalesteano. Poesia, crônicas e agenda cultural dão o tempero final, boa degustação. Marcel C. Couto - Editor São Paulo, Janeiro de 2014.

Ilustração: Ruana Negri

EXPEDIENTE

• Editores: Elaine Mineiro e Marcel Cabral Couto • Arte e Diagramação: Lese Pierre, Paloma Valéria dos Santos, Patrícia Portugal e Patrícia Mayumi Ishirara • Ilustrações: : Ruana Negri, Ebbios, Will Oliveira • Jornalistas: Aurélia Cavalcante, Lívia Lima e Maurício de Moraes Noronha (Muro) • Colaboradores: Dimitry Uziel, Bruno Puccinelli, Escobar Franelas, Daniel Marques da Silva, Danilo Morcelli, Gabriel di Pierro, Helena Silvestre, Luciara Ribeiro, Punk Coutinho, Raul Dória, Ruana Negri, Vandei Oliveira Zé • Poesias: Alexandre Santo, Heber Humberto Teixeira, Homens da Caverna (Bruno Morelatto/Luciano Luthier), Hugo Paz, Maurício de Moraes Noronha (Muro), Pomba Valente, Romulo Osthues e Samara Silva Olveira • Parceiros: ANEL-SP, Casa de Cultura do Itaim Paulista, Centro de Formação Cultural Cidade Tiradentes, Sacolão da Artes, GRCS Escola de Samba Unidos de Santa Bárbara e Sarau o Que Dizem os Umbigos • Administração: Adriano Borges, Elaine Mineiro, Marcel Cabral Couto e Simone Estrela • Contatos: e-mail: vozdaleste@gmail.com; facebook: https:// www.facebook.com/VozDaLeste; Blog: vozdaleste.blogspot.com; • Anúncios: anunciosvozdaleste@gmail.com; Cel: 963811073 (Marcel) • Gráfica: Taiga Gráfica e Editora Ltda. Tiragem: 3.000 exemplares.

Realização:


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Mandela e a derrota do apartheid Tal como Agostinho Neto, Amílcar Cabral e Samora Machel, Nelson Mandela nunca aceitou renegar a luta de libertação de seu país em troca da liberdade Por Achille Lollo, De Roma (Itália) - Publicado no website do jornal Brasil de Fato em 10/12/2013.

Em novembro de 1976, Joe Slovo se encontrou com os primeiros militantes sul-africanos do Congresso Nacional Africano (CNA) que estavam treinando no campo de Funda, a 30 Km de Luanda, capital da República Popular de Angola. Um encontro que, evidentemente, por motivos de segurança não foi veiculado, inclusive porque Slovo estava na lista dos “comunistas que deveriam ser eliminados” – tal como aconteceu em Maputo com sua mulher Ruth First. Assim, no campo de treinamento de Funda ficou fortalecida a decisão política do Estado Maior do Umkhonto we Sizwe (braço armado do CNA) em aproveitar a recémlibertação de Angola para começar a treinar, nos moldes de guerrilha organizada, os militantes que fugiriam da África do Sul. Naquela reunião, Joe Slovo lembrou aos jovens aspirantes a guerrilheiros – alguns com apenas 16 anos – que eles “estavam em Angola para trilhar o caminho que o camarada Nelson Mandela havia iniciado logo após o massacre de Sharperville em 1960” e que “a palavra de ordem era lutar, lutar, e nunca parar de lutar até acabar com o regime doapartheid”. Hoje, somente três quinquagenários daquele batalhão de 115 aspirantes guerrilheiros podem lembrar que cumpriram com a palavra de ordem do Umkhontowe Sizwe (MK)[Lança da Nação, em português] e que assumiram o compromisso político com Nelson Mandela para derrotar o apartheid e criar a nação sul africana. Na realidade, esse compromisso sofreu dois desdobramentos. Um de âmbito internacional e outro em nível nacional que condicionou o processo contra o apartheid, delimitando, assim, a construção da nação sul-africana tal como Mandela havia teorizado. Sem dúvida, a sabotagem à central do Sasol, realizada por um grupo especial do MK, onde o regime do apartheid estava testando a tecnologia para poder sobreviverão embargo petrolífero e, a seguir,à grande batalha em Kuito Canavale, no sul de Angola, onde os batalhões das FAPLA (Exército angolano) e as unidades do corpo

expedicionário cubano derrotaram o exército sul-africano, configuraram- se como o grande golpe inicial que o apartheid sofreu. Outro golpe foram as inúmeras manifestações que aconteceram em todo o território da África do Sul, com o objetivo de derrubar o regime, mesmo que naquele momento não houvesse armas e munições para o fazer. De fato, o MK e o PAC haviam organizado muito bem a rebelião em termos políticos nos subúrbios das grandes cidades, mas não conseguiram criar os “territórios libertados”, a partir dos quais promoveriam o cerco militar às cidades. Este era o velho projeto político- militar que o Estado Maior do MK, formado por Nelson Mandela, Joe Slovo e Walter Sisulu, não conseguiu materializar, porque a força dos batalhões de contra- insurgência do exército sul-africano, as unidades de rastreamento do serviço secreto e os grupos especiais da polícia territorial conseguiram criar uma cortina ao redor das fronteiras nacionais e regionais. Poucos, muitos poucos conseguiram furar essas linhas de defesa que, porém, se tornaram obsoletas quando a rebelião popular explodiu em todos os perímetros urbanos de uma forma

incontrolável, apesar dos mortos, dos feridos e das prisões. Lutas e as negociações O presidente sul-africano Frederik Willen de Klerk, aos 11 de fevereiro de1990, determinou a libertação de todos os presos políticos começando a negociar o futuro do país com Nelson Mandela. Uma negociação que se iniciou porque a evolução da conjuntura sul-africana e a determinação política dos 9 países da África Austral (Angola, Moçambique, Zimbábue, Tanzânia, Zâmbia, Botsuana, Lesotho, Suazilândia e Malaui) obrigou os estrategistas do capitalismo mundial a sacrificarem o regime do apartheid para garantir a manutenção na África do Sul de um sistema de industrialização mineira, que é um dos mais ricos do mundo e que, em termos econômicos, tinha a potencialidade de controlar as economias de todos os países da África Subsaariana. Uma constatação que Nelson Mandela entendeu e utilizou para construir a nova nação sul-africana, dando à população negra a oportunidade de ser cidadão de verdade dessa nação, além de criar vários instrumentos institucionais capazes de fazer respeitar o conceito de democracia, de liberdade e de igualdade.

Muitos se perguntam hoje porque o CNA e seu braço armado, o MK, não atacaram o que restava do regime de apartheid. Muitos acham que Mandela e Oliver Tambo desabrocharam quando deviam endurecer no lugar de aceitar as condições fixadas pelo império. O problema é que Mandela, bem como Oliver Tambo, sabiam que no seio da população negra havia uma pequena burguesia criada pelo próprio apartheid que queria ser e fazer apenas o que a burguesia branca fazia. Eles sabiam também que no CNA e, sobretudo, no seu braço armado o MK(Umkhonto we Sizwe), não havia quadros para substituir os brancos no exército, na polícia, nos serviços secretos, na aviação e na marinha militar. Além disso, Nelson Mandela sabia, muito bem que em 1991, apesar do fim da Guerra Fria, o mundo capitalista não permitiria que a África do Sul seguisse a mesmo conturbado caminho do Zimbábue ou de Angola ou de Moçambique, vivendo uma interminável guerra civil. Nelson Mandela tentou obter o melhor que pôde para o povo negro da África do Sul. Talvez um dos erros cometidos na negociação foi de ter deixado aos herdeiros doapartheid demasiada liberdade no controle do poder

econômico. Talvez fora concedida demasiada abertura para influenciar as normas e as leis do novo Estado. Talvez.... Mas será que todo o povo negro sulafricano, com suas etnias, com a eterna divisão entre Xhosas, Sothos, Zulus, Shangans e Pondo, estava disposto a construir uma nação sul-africana como o CNA apontou em 1965, quando optou pela luta armada, enquanto os regentes dessas etnias continuaram a querer sobreviver com as migalhas que o sistema do apartheid lhes oferecia? Acredito, como muitos também afirmam, que a situação histórica e política da Palestina e o comportamento da ONU e de todos os países do Ocidente que sempre estiveram a favor de Israel, foi um exemplo que Nelson Mandela não deixou escapar. Pois, apesar de ter recebido todos os prêmios, as medalhas e as condecorações por parte dos antigos inimigos e detratores, ele nunca rejeitou seu passado de comandante do Umkhonto we Sizwe.


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Haddad e Alckmin juntos para riscar do mapa Favela do Moinho

Apesar de o prefeito paulistano ter prometido durante a campanha eleitoral que a comunidade seria regularizada, administrações municipal e estadual trabalham juntas para eliminá-la. O Arquitetura da Gentrificação mostra quais os interesses sobre a área ocupada 22/10/2013 Por Sabrina Duran e Fabrício Muriana, Da Repórter Brasil Fotos: Marcelo Camargo/ABr

A Favela do Moinho está sob disputa acirrada desde que Gilberto Kassab (PSD) assumiu a prefeitura de São Paulo, em 2006. Naquele ano, o então prefeito José Serra (PSDB) abandonou a administração municipal para disputar as eleições ao governo do Estado. Kassab, seu vice e afilhado político, assumiu a cadeira e, em 2007, como primeira medida de disputa pela área onde está a Favela do Moinho, entrou com uma ação para comprar o terreno pertencente a dois particulares. Essa ação de compra geraria, automaticamente, a desapropriação da comunidade, que teria de sair dali. Desde então, os moradores viram a disputa judicial tornar ainda mais difícil sua permanência na área. Uma permanência marcada por esgoto a céu aberto, por falta de água encanada, de energia elétrica e de pavimentação, por violência policial e pela total omissão do poder público. Em 2011 e 2012, últimos dois anos do segundo mandato de Kassab, a Favela do Moinho sofreu dois grandes incêndios, que eliminaram mais de um terço dos barracos da comunidade e deixaram mortos, feridos e milhares de desabrigados. No ano passado, quando ainda era candidato ao governo municipal, o atual prefeito Fernando Haddad (PT) visitou o Moinho e fez uma promessa aos seus moradores: se eleito, resolveria a questão fundiária da comunidade e reurbanizaria a favela, concretizando o desejo da maioria de permanecer ali. A promessa foi gravada em vídeo e veiculada em TV aberta como propaganda de campanha. No cargo, porém, Haddad deu continuidade aos planos de seu antecessor de erradicar a Favela do Moinho. Nos últimos meses, tanto o governo municipal quanto o governo estadual de Geraldo Alckmin (PSDB) vêm tornando a vida dos moradores especialmente difícil, seja com incursões ostensivas da PM e da Guarda Civil na comunidade, seja com o descumprimento do compromisso de realizar saneamento básico na área ou com o oferecimento, pela prefeitura, de bolsa-aluguel para

Incêndio ocorrido na manhã de 17 de setembro de 2012 na Favela do Moinho, região central de São Paulo, causou a morte de uma pessoa e deixou cerca de 50 famílias desabrigadas. Era a segunda vez em menos de um ano que a comunidade, erguida sob o Viaduto Orlando Murgel, era atingida por um incêndio.

quem está na favela se mudar de lá, numa tentativa, segundo moradores e movimentos de moradia, de esvaziar a comunidade e minguar a resistência local. Em reportagem de maio de 2013 feita pela “Agência Pública” sobre o Moinho, a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Habitação afirmou: a administração Haddad pretende erradicar a favela. A questão é: por que Haddad está empenhado em eliminar a favela que prometeu regularizar e reurbanizar? Por que ele está disposto a assumir o ônus político e moral do descumprimento de uma promessa tão estratégica? Quais os interesses por trás da sua decisão? Quais os planos para a área da favela que não incluem as pessoas que vivem ali? Após mais de dois meses de apuração, o Arquitetura da Gentrificação chegou a algumas respostas. Acompanhe agora esta “reportagem-linha do tempo” contando a história da Favela do Moinho, os desafios que a comunidade vem enfrentando e quem está interessado naquele pedaço de terra que, de acordo com pesquisas, é o terceiro bairro, de uma lista com 140, com maior índice de valorização dos preços dos imóveis entre 2008 e 2011: 182%.

Há quase três décadas Cravada entre duas linhas de trem da Companhia Paulista de Trens Paulistanos (CPTM) e no coração da cidade, o Moinho é a última favela do centro da capital paulista. Sua história começou há cerca de 25 anos, com a ocupação do terreno sob o viaduto Engenheiro Orlando Murgel, onde ficava o antigo Moinho Matarazzo, que lhe rendeu o nome. Antes dos dois grandes incêndios de 2011 e 2012, a comunidade chegou a abrigar 1.200 famílias – cerca de 5 mil pessoas. O número hoje, após a destruição dos barracos pelas chamas, é de 480 famílias. Alessandra Moja, de 29 anos, é uma das lideranças da favela e integrante do Movimento Moinho Vivo, organização política local composta por moradores e parceiros da comunidade. Há 18 anos ali, é uma das moradoras mais antigas entre os atuais 1.900 habitantes da favela. É ela quem guia nossa reportagem pela história passada e recente do Moinho, além de Caio Castor, também morador e integrante do movimento e realizador do Projeto Comboio, juntamente com Flávia Lobo. Desde 2012, Caio e Flávia desenvolvem um projeto independente de pesquisa, urbanismo e comunicação na comunidade.

Em 2007, a tentativa de compra do terreno pela gestão municipal de Kassab, com depósito de indenização em dinheiro e pedido de posse provisória da terra, acrescentou mais um elemento à disputa pela área. Originalmente, a área do Moinho pertencia à Rede Ferroviária Federal S/A. Mas, em 1999, por conta de uma dívida de IPTU, o terreno da empresa foi a leilão. Nessa época, a comunidade já ocupava o local há pelo menos uma década. No leilão, o empresário Ademir Donizetti Monteiro e a empresa Mottarone Serviços de Supervisão, Montagens e Comércio Ltda arremataram o terreno, mas não o registraram. Dessa forma, as terras continuaram em nome da Rede Ferroviária, que foi à falência um tempo depois, tendo seus bens e dívidas repassados ao domínio da União. A União, por sua vez, pediu judicialmente a anulação do leilão. A ação ainda corre na Justiça, após ter sido julgada improcedente em primeira instância e a Rede Ferroviária Federal ter entrado com recurso. Assim, prefeitura, Monteiro e Mottarone, Rede Ferroviária Federal e a União estão na disputa pelo terreno do Moinho. Diante de cenário tão frágil, os moradores da favela resolveram se proteger juridi-

camente também. Em 2008, com a assessoria jurídica popular do Escritório Modelo da Pontifícia Universidade Católica (PUC), a Associação de Moradores da Favela do Moinho entrou com uma ação coletiva de usucapião. A ação, de acordo com o escritório, garante o direito à propriedade às pessoas que utilizam um imóvel particular como sua moradia por mais de cinco anos, desde que não tenham outro imóvel e as famílias sejam de baixa renda. Em abril de 2008, o juiz federal José Marcos Lunardelli deu decisão provisória assegurando a posse para os moradores até o julgamento final da ação, que não tem data para acontecer. Com isso, os moradores talvez estivessem seguros de que permaneceriam na Favela do Moinho sem serem ameaçados de despejo. Ou talvez não. Os incêndios Em 2011, a Favela do Moinho foi atingida por uma tragédia. Na manhã de 22 de dezembro, um fogo de grandes proporções tomou o antigo edifício do Moinho Matarazzo, dentro e em torno do qual viviam 450 famílias da favela – cerca de 1.800 pessoas. Todas elas ficaram desabrigadas. Um terço das moradias da comunidade foi eliminado. Na época, a imprensa noticiou a morte de duas pessoas no incêndio. Os moradores, porém, acreditam que foram pelo menos 30. Embora o edifício fosse de alvenaria, ao contrário dos barracos de madeira que ocupam a maior parte da comunidade, o fogo se espalhou rapidamente pelo prédio. Essa é uma das principais estranhezas que Alessandra Moja aponta sobre o caso: “desde quando tijolo pega fogo?”, pergunta, reafirmando que a velocidade e intensidade com que as chamas se espalharam não são explicadas por nenhuma causa espontânea ou natural. Alegando que o fogo abalou a estrutura do prédio e que havia risco de desabamento, o prefeito Gilberto Kassab decidiu pela implosão do que havia sobrado dele. Imediatamente, ainda em dezembro, a prefeitura conseguiu um documento que garantia ao município a posse de parte do imóvel. Dez dias depois do incên-


dio, em 1º de janeiro de 2012, pouco depois das cinco da tarde e a um custo de R$ 3,5 milhões, 800 quilos de dinamite instalados no edifício foram detonados. Quando a nuvem de poeira formada pela implosão baixou, moradores da favela, jornalistas, curiosos e técnicos que assistiam à operação viram, com surpresa, que o edifício havia ficado quase inteiro em pé. Os 800 quilos de explosivos, considerados por muitos especialistas um excesso naquele caso, não foram suficientes para levar abaixo o antigo prédio do Moinho Matarazzo. Em entrevista à imprensa, Kassab deu sua explicação para o fiasco da implosão que, em sua conta, foi nota 10. O que ficou em pé do prédio – quase tudo – foi demolido posteriormente por tratores e escavadeiras. A medida seguinte de Gilberto Kassab foi construir um muro de concreto armado de 55 metros de comprimento e 50 centímetros de base construído de fora a fora, dividindo a favela ao meio e isolando os moradores do terreno onde ficavam os barracos atingidos pelo incêndio. Além de impedir que os moradores reocupassem a área destruída, a construção obstruiu uma importante rota de fuga no caso de um novo incêndio. Cercados por duas linhas férreas em uso e pelo muro de concreto de Gilberto Kassab, os moradores do Moinho passaram a contar com uma única rota de fuga, situada sob o viaduto Engenheiro Orlando Murgel, com entrada pela rua Dr. Elias

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Chaves, por onde o caminhão dos bombeiros não consegue passar. Laudo do corpo de bombeiros emitido em outubro de 2012 aponta a “necessidade imediata de ser criada uma rota de fuga alternativa (…) a qual propicie (…) o acesso operacional das viaturas de combate a incêndios e das equipes do corpo de bombeiros”. A rota sugerida no laudo seria pela rua Silva Pinto, cujo trajeto conduz à parte de trás do muro construído por Kassab. Um ano depois da emissão do laudo, a rota de fuga ainda não havia sido construída, e os equipamentos do Programa de Prevenção contra Incêndio (Previn) em assentamentos precários, criado pela gestão Kassab em 2010, não tinham sido instalados e distribuídos. Em 17 de setembro de 2012, outro incêndio atingiu a favela do Moinho, destruindo cerca de 80 barracos, matando uma pessoa e deixando pelo menos 300 desabrigadas. Um total de 810 famílias que ficaram sem moradia, tanto no primeiro quanto no segundo incêndio, foram cadastradas pela prefeitura para receber uma bolsa-aluguel de R$ 450 por família (valor de 2013). Com esse dinheiro, os desabrigados do Moinho tiveram de se mudar para moradias precárias, favelas ou cortiços, longe do centro da cidade. Além do valor insuficiente, os atrasos constantes no pagamento da bolsa-aluguel fizeram que muitas pessoas fossem despejadas de suas casas. Algumas delas voltaram ao

Moinho. Haddad não só herdou os atrasos de Kassab como os perpetuou em sua gestão. Haddad e a promessa de urbanizar e regularizar o Moinho Visto como potencial contraponto a Kassab e suas políticas habitacionais excludentes, Fernando Haddad começou sua campanha eleitoral de 2012 dando prioridade aos moradores da última favela do centro da cidade mais rica da América Latina, ignorados há décadas pelo poder público. Em visita à comunidade do Moinho, o candidato entrou na casa de Zeza, moradora local, e gravou um vídeo que se tornou propaganda política de sua candidatura. À dona Zeza e a todos os habitantes da comunidade, Haddad prometeu trabalhar para levar saneamento básico e regularização fundiária para a área. Veja o vídeo da campanha de Haddad aqui. Primeiro grande ato da comunidade A promessa foi feita, mas não foi cumprida até o décimo mês do primeiro ano de mandato do petista. Em 5 de julho de 2013, os moradores da Favela do Moinho organizaram o primeiro grande ato da comunidade para pedir que Haddad honrasse o compromisso firmado. Em marcha pelas ruas do centro da cidade, eles caminharam da favela até a sede da prefeitura, onde uma comissão de negociação já os esperava. Funcionários da administração municipal souberam do protesto de an-

temão por meio do Facebook da comunidade e pela imprensa, e por isso ficaram a postos. Lideranças da favela foram recebidas pelo secretário municipal de Habitação, José Floriano, e pelo secretário de Relações Governamentais, João Antonio da Silva Filho. De saída, Floriano ofereceu “um apartamento que vale R$ 150 mil” fora do Moinho e indenização aos moradores. A derrubada do muro de Gilberto Kassab e a construção da rota de fuga, implantação de sistema de água, luz e esgoto, coleta de lixo e a execução do Previn, o programa de prevenção a incêndios, entre outras exigências, foram demandas básicas apresentadas nesse primeiro encontro entre lideranças da favela e o poder público. As lideranças citaram à comissão da prefeitura o laudo de 2012 dos bombeiros recomendando a criação da rota de fuga. Informaram também que o mesmo documento deu base à determinação do juiz Domingos de Siqueira Frascino, que decidiu, em 13 de março de 2013, que o município teria um mês para construir a rota. Na reunião ficou decidido, a pedido dos moradores, que a Secretaria de Habitação (Sehab) se comprometia a convidar todos os órgãos responsáveis por implementar as demandas apresentadas a visitarem o Moinho em 11 de julho. Logo depois do encontro, a assessoria de Fernando Haddad ligou para Alessandra Moja, liderança do Moinho, e marcou uma reunião entre a

comunidade e o prefeito para a manhã de 12 de julho, na sede da prefeitura. Em 11 de julho, como combinado, foram à Favela do Moinho José Floriano, o então subprefeito da Sé Marcos Barreto, o secretário-adjunto de Relações Governamentais José Pivato e uma comissão formada por Defesa Civil e Bombeiros. A visita, segundo os gestores públicos, teve como objetivo visualizar as reivindicações feitas dias antes na prefeitura e buscar meios para efetivá-las. Aos moradores presentes no encontro, o secretário José Floriano afirmou que apenas em 10 de agosto estabeleceria uma data de início das obras. Novas promessas Na reunião com Haddad no dia seguinte, os moradores voltaram a falar das demandas básicas e apresentaram o laudo dos bombeiros sobre a necessária rota de fuga. Na ocasião, o prefeito pareceu ter entendido a urgência do pedido e prometeu a derrubada do muro para 15 de julho, dali três dias. Outro compromisso assumido por Haddad a pedido dos moradores foi a criação de um grupo de trabalho formado por membros da prefeitura e lideranças da favela. O grupo iria discutir, de modo frequente, o andamento das melhorias na comunidade. O prefeito também se comprometeu a manter os moradores na ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) onde está inserida a Favela do Moinho (ZEIS 3 – C009 (SE)). As áreas de ZEIS têm perímetro delimitado, são destinadas à reurbanização, regularização fundiária e construção de habitação de interesse social, e são regidas por legislação específica (Decreto 44.667/2004). Com essa promessa, Haddad descartou a possibilidade de retomada da oferta que havia sido feita por Kassab, de transferir os moradores do Moinho para habitação permanente a ser construída perto da ponte dos Remédios, na Zona Oeste da cidade. A reunião com o prefeito foi registrada em vídeo pelas lideranças da favela. A derrubada do muro Chegada a data prometida para a derrubada do muro, ninguém apareceu na comunidade para executar o serviço. De acordo com os moradores, apenas técnicos da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) estiveram no Moinho querendo saber o número de casas de alvenaria e madeira existentes para instalar os relógios de medição. Em 16 de julho, bombeiros visitaram a favela, caminharam por lá e, da mes-


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munidade de que voltariam a ocupar o terreno antes isolado pelo muro. “A maior preocupação deles era garantir que o terreno não fosse reocupado. Em todas as reuniões repetíamos seguidamente que ocuparíamos de forma organizada e em todas eles perguntavam e repetiam essa preocupação excessiva. Isso evidencia o quanto essa gestão está muito mais preocupada em tirar das pessoas do que garantir a segurança e os direitos”, afirma Flávia Lobo, membro do Movimento Moinho Vivo.

ma forma que chegaram sem falar com ninguém, foram embora sem fazer contato com a comunidade. Em 29 de julho, aconteceu a primeira reunião do grupo de trabalho formado por moradores do Moinho e gestores públicos. O encontro foi realizado na Secretaria Municipal de Habitação, no centro da cidade, e contou com a presença de lideranças da favela e com o então chefe de gabinete da Subprefeitura da Sé, Maurício Dantas (hoje subprefeito interino). Segundo os moradores, pouco se avançou naquela primeira reunião. Ao contrário do que pediu a comunidade, não estava presente no encontro nenhum representante da Sehab ou da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano, encabeçada por Fernando de Mello Franco. Após duas semanas de atraso no prazo dado pelo prefeito para a derrubada do muro que divide a favela, os moradores do Moinho decidiram, por conta própria, abrir a rota de fuga. Em 30 de julho começaram a operação lenta de derrubada de 4 metros de largura da estrutura de concreto armado. Essa era a única parte possível de ser demolida, já que o restante do muro de 55 metros de extensão hoje serve de apoio a novas moradias, construídas após o incêndio de 2011. Em 2 de agosto, uma sexta-feira, por volta das 18 hs, a líder comunitária Alessandra Moja recebeu no celular uma ligação curiosa: era João Antonio, secretário de Relações Governamentais, dizendo que os moradores do Moinho deveriam sair dali porque “o Ministério Público está em cima de nós”. ”Não dá pra gente brigar com o mundo pra vocês ficarem aí”, disse o secretário.

Em relato no Facebook da comunidade, Caio Castor dá detalhes do telefonema. “O secretário ligou no celular da Alessandra (…) dizendo basicamente que não poderíamos permanecer na área e que eles tinham resolvido que daqui 2 anos e meio nós iríamos para o terreno da Rua do Bosque, no centro [terreno onde a prefeitura afirma, desde a administração anterior, que serão construídas moradias definitivas para a população do Moinho. As obras, no entanto, ainda não foram iniciadas]“. Para Castor, a “ligação atravessada” do secretário se deu por conta do início da derrubada do muro pela comunidade alguns dias antes, anunciada por meio das redes sociais. O dia 4 de agosto, domingo, foi marcado pelo Segundo Grande Ato em prol da Favela do Moinho. Dessa vez, a manifestação foi realizada na própria favela. Houve apresentações de músicos da comunidade e a abertura oficial do muro, com britadeiras e marretas empunhadas pelos próprios moradores. A Polícia Militar apareceu durante a tarde com o intuito de impedir a derrubada da estrutura, mas precisou recuar. Os PMs foram informados pelas lideranças sobre a decisão do juiz autorizando a abertura da rota de fuga e sobre o direito de os moradores permanecerem na área graças à tutela antecipada de usucapião concedida pelo juiz federal José Marcos Lunardelli em 2008. Em 5 de agosto de 2013 aconteceu a segunda reunião do grupo de trabalho formado por moradores e poder público para discutir a reurbanização da favela. Dessa vez, o encontro foi realizado na própria comunidade. Ao verem a abertura no muro feita um dia

antes, os gestores não esconderam o ar de reprovação. Eles apresentaram aos moradores uma proposta da prefeitura. Entre os itens, algumas das reivindicações já feitas pela comunidade e um dado novo: o governo municipal pedia que as pessoas não reocupassem a área livre onde aconteceu o primeiro grande incêndio. Insatisfeitas com a oferta, as lideranças se comprometeram a fazer uma contrapropostaa ser entregue dali uma semana, no dia 12 de agosto, durante a terceira reunião do grupo de trabalho. Começa o silêncio do poder público Em 8 de agosto, uma empreiteira contratada pela prefeitura criou a rota de fuga, que consistiu na retirada de parte do entulho do antigo prédio demolido e o mato que se acumulou em quase dois anos de abandono. A limpeza restringiu-se à criação de uma pequena faixa livre de lixo e vegetação que continuavam obstruindo a passagem dos moradores mesmo depois da derrubada parcial do muro. Prevista para acontecer em 12 de agosto, a terceira reunião com o grupo de trabalho no Moinho não se realizou. Os integrantes do poder público não apareceram na favela na hora marcada e deixaram a comunidade esperando. Desde então, e até hoje, nenhum outro encontro semanal foi realizado, embora os moradores permaneçam aguardando a comissão da prefeitura sempre às segundas-feiras, às três da tarde, na Casa Pública da comunidade. As lideranças acreditam que a recusa do poder público em conversar é uma represália à não aceitação das propostas do governo municipal pelos moradores e à afirmação da co-

Reocupação do terreno Com a rota de fuga criada, em 23 de agosto os moradores fizeram o Terceiro Grande Ato em prol da favela com uma reocupação simbólica do terreno onde aconteceu o incêndio de 2011. Eles capinaram o campo, limparam, tiraram entulho e cinzas. Durante a reocupação, instalaram a estrutura de madeira do que será a sede da associação de moradores. Essa retomada do terreno vinha sendo discutida há tempos no âmbito do Projeto Comboio, em parceria com a comunidade. A proposta é que a reocupação da área, que ainda não foi iniciada, seja feita de forma organizada para permitir, inclusive, que as obras de saneamento e instalações elétricas prometidas por Haddad possam ser feitas na favela. Segundo laudo dos bombeiros de 2012, para realizar as melhorias será preciso desadensar algumas áreas. O novo espaço aberto pelos moradores no antigo terreno será essencial para receber os barracos dos que tiverem de deixar suas casas para as obras de melhorias. Aumentam as incursões da polícia Desde o início das manifestações da comunidade pelo cumprimento das promessas de campanha de Fernando Haddad, a Polícia Militar e a Guarda Civil Metropolitana intensificaram suas incursões na favela, sempre com armas em punho e postura intimidadora diante da comunidade, denunciam os moradores. Além disso, desde a derrubada do muro, em 4 de agosto, as lideranças da favela não conseguiram mais marcar reuniões do grupo de trabalho com o poder público nem fazer contato consistente com os gestores, seja por telefone ou e-mail. Em 10 de setembro de 2013, a PM fez uma nova incursão no Moinho. Naquele dia, acontecia nos fundos da favela uma assembleia com moradores, funcionários da Sehab municipal e o promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo Maurício Ribeiro Lopes. A assembleia foi interrompida por um morador que avisou que a PM estava “barbarizando” a co-

munidade. Lopes foi instado pelos presentes a intervir junto aos policiais. Acompanhado por dezenas de moradores, o promotor se dirigiu ao barraco onde estavam os policiais, supostamente à procura de um traficante. Após uma breve conversa, os PMs deixaram a favela “escoltados” por Lopes e sob os gritos de “Fora!” dos moradores. No vídeo a seguir, o promotor aparece em uma ligação explicando o ocorrido ao assessor do secretário de Segurança Pública, Eduardo Grella. Sobre a audiência do dia 10 de setembro falaremos mais abaixo, no item “Ou vai ou racha. Racha”. PPP, CPTM e Secretarias Em 29 de abril de 2013, a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Habitação, a Sehab, informou ao repórter Luciano Onça, da “Agência Pública”, que a Favela do Moinho seria erradicada e que as famílias seriam atendidas com unidades habitacionais definitivas. A informação ia na contramão da promessa feita por Haddad em 2012, de regularizar a questão fundiária da favela e reurbanizá-la. A partir dessa declaração oficial, o Arquitetura da Gentrificação começou a investigar quais os planos concretos do poder público para o terreno. O silêncio repentino da prefeitura sobre as demandas da comunidade após a derrubada do muro, as incursões policiais na favela e a ligação do secretário João Antonio para Alessandra deixavam entrever que Haddad estava mesmo disposto a descumprir sua promessa de campanha. Em mãos, tínhamos três caminhos para a apuração: o primeiro, a ligação do secretário municipal de Relações Governamentais a Alessandra comunicando a necessária saída dos moradores da Favela do Moinho; o segundo, a Parceria Público-Privada entre governo do Estado, município e empreiteiras para a construção de 20 mil unidades de habitação popular no centro da cidade. Em documentos oficiais, a área do Moinho está inserida no perímetro do projeto, conhecido como PPP de Habitação do Centro, e que prevê a desapropriação de mais de 900 imóveis na região central para a construção das moradias. Por fim, tínhamos um vídeo da CPTM divulgado em 2012 detalhando o enterramento dos 12 km de trilhos do trecho Lapa-Brás, e a construção, na superfície desse enterramento, de avenidas, ruas, parques e edifícios. A Favela do Moinho aparece no vídeo quando se mostra os trilhos na atualidade. Com a projeção em 3D das futuras obras concluídas, a comunidade desaparece no vídeo, e em seu lugar surge a estação Campos Elíseos da CPTM.


Os trilhos representam um entrave para o mercado imobiliário, uma vez que cindem aquele trecho da cidade, dificultando transposições e retirando espaço linear de possíveis construções. Da mesma forma, a Favela do Moinho também é um problema para as construtoras, já que favelas desvalorizam os imóveis no seu entorno. O projeto de enterramento dos trilhos estava previsto na Operação Urbana Consorciada Lapa-Brás, de 2011. O projeto não foi adiante porque nenhum concorrente da licitação preencheu os requisitos mínimos. CPTM primeiro A assessoria de imprensa da CPTM confirmou à reportagem que a empresa “está desenvolvendo projeto funcional para a nova estação na região central de São Paulo. A conclusão do estudo, prevista para o final deste ano [2013], indicará a melhor localização para implantação da nova estação, bem como seus acessos, contemplando a inserção urbana. A construção dessa estação dependerá também de entendimentos com outros órgãos para negociação de área no entorno da região onde ficava [sic] a favela do Moinho”. “A nova estação”, prossegue a assessoria, “terá o papel de melhorar a distribuição de demanda no eixo estruturador das linhas da CPTM, aliviando a transferência entre as linhas da CPTM na Estação da Luz”. O nome da nova estação informado pela assessoria no título do e-mail de resposta era Bom Retiro, e não Campos Elíseos, como aparece no vídeo de 2012 da companhia. Em 31 de agosto deste ano, o jornal “Folha de S. Paulo” publicou reportagem anunciando a criação de nova estação de trem no centro da cidade. No texto, a nova estação era citada em uma única frase dita pelo secretário estadual de Transportes Metropolitanos, Jurandir Fernandes, como estação Campos Elíseos, a ser construída em frente à Luz. O nome anunciado pelo secretário não bate com o nome da estação informada, via e-mail, pela assessoria da CPTM. Da mesma forma, a localização dada por um e outro diverge um pouco: a estação Bom Retiro, ao que parece, fica no entorno imediato à Favela do Moinho; já a Campos Elíseos fica em frente à Luz, distante cerca de dois quilômetros da favela. Apesar das disparidades pontuais de nomes e localização, os planos de nova estação da CPTM são claros, e têm potencial para se sobrepor à favela, dada a magnitude das obras do gênero feitas em São Paulo.

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Esconde-esconde da PPP Para saber se haveria conflito ou complementação entre o projeto da CPTM e a Parceria Público-Privada de Habitação dos governos do Estado e do município, a reportagem fez contato com a Secretaria Estadual de Habitação. Por e-mail, a assessoria da Sehab estadual respondeu que “não prevê, em seu projeto de PPP – Parceria Público Privada para viabilização de empreendimentos habitacionais no centro paulistano, intervenções diretas na Favela do Moinho. Isso porque consta que a Secretaria Municipal de Habitação tem um projeto específico para a área”. A afirmação da Sehab estadual contraria o que está escrito no edital de chamamento da Casa Paulista, agência do Estado que coordena a PPP. No documento, o Moinho é citado no setor A do projeto subdividido em seis lotes que sofrerão intervenção urbana. Com base na informação recebida, solicitamos à assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Habitação uma entrevista com o secretário José Floriano. A entrevista foi negada com o argumento de que Floriano estava sem agenda para nos receber. Pediram que enviássemos as perguntas por e-mail, o que foi feito em seguida. A questão principal era saber quais eram os planos que a Sehab municipal tinha para o Moinho. Simultaneamente ao contato com esta secretaria, procuramos a assessoria de imprensa da Secretaria Municipal de Relações Governamentais para saber detalhes sobre o telefonema do secretário João Antonio da Silva Filho para Alessandra Moja, moradora do Moinho, em 2 de agosto. Nossas dúvidas eram: que tipo de pressão ele alegou estar sofrendo do Ministério Público? Por que o poder público deixou de comparecer às reuniões com o grupo de trabalho na favela desde 12 de agosto? Por que retirar os moradores da Favela do Moinho se a promessa de Fernando Haddad era exatamente o oposto? A entrevista pessoal com o secretário também foi negada por falta de agenda, e pediram o envio das perguntas por e-mail, o que também foi feito em seguida. Em 20 de agosto, a assessoria de imprensa do secretário João Antonio enviou à reportagem uma nota oficial dizendo, entre outras coisas, que “em face do processo de negociação da Prefeitura de São Paulo com a comissão de representantes dos moradores da Comunidade do Moinho, a Secretaria Municipal de Relações Governamentais (SMRG)

e a Secretaria Municipal de Habitação (SEHAB) informam que a administração municipal cumpre seu papel de manter um canal permanente de conversação com as lideranças locais, seja na sede do governo, seja na própria comunidade, como já foi feito em diversas ocasiões, com a presença de técnicos e equipes da Secretaria Municipal de Habitação, da Secretaria Municipal de Relações Governamentais e da Subprefeitura da Sé”. A nota foi assinada por João Antonio e pelo secretário municipal de Habitação, José Floriano. Nenhuma das cinco perguntas pontuais enviadas por e-mail anteriormente foi respondida. Por telefone, entramos em contato com Djair Galvão, assessor de imprensa da Secretaria Municipal de Relações Governamentais para obter as respostas. O assessor continuou sem responder com precisão às questões objetivas, disse que o assunto era “delicado” e que o órgão que teria as informações sobre possíveis planos do governo para a Favela do Moinho era a Secretaria Municipal de Habitação. Também por telefone, fizemos contato com a assessoria de imprensa da Sehab municipal. Contradizendo o colega Djair Galvão, o assessor Nivaldo Carboni disse que as informações sobre o Moinho estão a cargo da Secretaria Municipal de Relações Governamentais e que a secretaria para a qual ele trabalha não tem nenhum plano concreto para a Favela do Moinho. Confrontado com informações da Sehab estadual que o contradiziam, Carboni se irritou: “eu já te disse, não adianta você ficar me cercando, eu não tenho informações sobre isso [sobre os planos para o Moinho que a Sehab estadual afirma que a Sehab do município tem]. Por fim, questionado sobre a nota

que sua assessoria emitiu em 29 de abril de 2013 dizendo que a Favela do Moinho seria erradicada, Nivaldo Carboni disse que a informação não procede, mas que também não estava “desmentindo ninguém”. Mapeamento e clareza Não é de se estranhar o empurra-empurra de uma secretaria para outra e o mistério em torno da PPP de Habitação do Centro e dos planos para o Moinho no contexto desse projeto. Anunciada pelo governo do Estado em abril de 2012, a PPP nunca foi devidamente exposta à apreciação da sociedade quando ainda estava em fase de elaboração. O Instituto Urbem, vencedor da licitação para desenvolver o projeto, concluiu os estudos em outubro de 2012. Mais de um ano depois, esses documentos nunca foram apresentados na íntegra à população. Em junho de 2013, o governador Geraldo Alckmin assinou um decreto desapropriando mais de 900 imóveis no centro da cidade para serem usados como moradia na PPP. Em tese, os imóveis estavam vazios ou subutilizados. Eram “vazios urbanos”, como informou Milton Braga, um dos arquitetos do Urbem que desenvolveu o projeto. Mas não demorou até que os primeiros proprietários atingidos pelo decreto, dezenas deles, viessem a público reclamar estarem sendo desalojados de suas casas e comércios há anos consolidados. Diante de tantos desencontros e obscuridades, o promotor de Justiça Maurício Ribeiro Lopes, da Promotoria de Habitação e Urbanismo do Ministério Público, decidiu intervir, e conseguiu, por meio de liminar concedida pela Justiça em 23 de agosto,

suspender temporariamente a PPP. Em atitude inesperada, porém, o desembargador Xavier de Aquino, que havia paralisado o projeto, voltou atrás e revogou a própria liminar em 16 de outubro, pondo fim à suspensão da PPP. A ação ainda segue na Justiça e espera a decisão de outros dois desembargadores. Embora as três secretarias consultadas pela reportagem tenham se furtado a responder objetivamente às questões sobre a PPP e o Moinho, um mapeamento dos imóveis desapropriados feito de forma independente deixou visível, literalmente, os possíveis planos do poder público para a favela. Com uma lista com mais de 900 endereços contemplados no decreto e a ajuda do Google Maps, a bióloga Cláudia Roedel, administradora da página “Desalojados do Alckmin” no Facebook e membro da Associação Acorda Brasil, que está sendo criada para dar suporte aos moradores afetados pela PPP, vem marcando no mapa virtual cada um dos imóveis que serão desapropriados. O mapeamento ainda está em processo, mas os achados de Cláudia até o momento são reveladores sobre os planos de Alckmin e Haddad para a região onde está o Moinho. No mapa, a Favela do Moinho aparece cercada por propriedades que darão lugar às novas e “requalificadas” moradias propostas no projeto do governo estadual. Ali, onde o vídeo da CPTM feito em 2012 mostra uma estação de trem, onde a assessoria de imprensa da CPTM aponta a criação de uma estação de trem, e onde o secretário de Transportes Metropolitanos sugere que será construída uma estação de trem, está cravada a área da qual faz parte a Favela do Moi-


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nho. Em um projeto de R$ 4,6 bilhões como a PPP de Habitação, que prevê a “requalificação” urbana da região central para abrigar famílias que ganham até 16 salários mínimos (mais de R$ 12 mil) e que tem como agentes de construção os governos estadual e municipal de acordo firmado com grandes empreiteiras, é evidente que favela alguma compõe bem com a paisagem. A Favela do Moinho está marcada para ser riscada do mapa. Ou vai ou racha. Racha Conforme o tempo passa e os certames para a execução da PPP e da nova estação de trem se aproximam, é cada vez mais urgente a retirada dos moradores da área do Moinho. Agora o poder público municipal passou a usar outro artifício para acelerar o desmonte da favela. Sem que ninguém estivesse esperando – e sem que a comunidade fosse consultada –, Maria José Calderine, da Secretaria Municipal de Habitação, marcou uma assembleia geral no Moinho para 10 de setembro. A funcionária limitou-se, por telefone, a comunicar a data ao Escritório Modelo da PUC, que dá assessoria jurídica aos moradores, e perguntar se estariam presentes na assembleia. O Escritório Modelo repassou o recado à comunidade, que recebeu a notícia com surpresa. Na data marcada, os moradores se reuniram no terreno recém-capinado nos fundos da favela, onde aconteceu o primeiro grande incêndio. Ali, foram instalados um microfone e uma caixa de som para Maria José se pronunciar. Acompanhando a funcionária da Sehab estava o mesmo promotor de Justiça de Habitação e Urbanismo Maurício Ribeiro Lopes, que conseguiu liminar suspendendo temporariamente a PPP. O tópico mais importante da reunião foi a bolsa-aluguel, mas não a paga aos antigos moradores do Moinho que ficaram sem suas casas por conta dos incêndios e que precisaram alugar um barraco longe dali. O assunto principal da assembleia foi a bolsa-aluguel que a Secretaria Municipal de Habitação estava disposta a pagar para que os moradores remanescentes do Moinho saíssem de lá. Ao aceitar o auxílio, explicou Maria José na reunião em 10 de setembro, o morador teria de se mudar da favela, e seu barraco seria destruído em seguida para que não houvesse nova ocupação. A tática não é nova, denunciam militantes pelo direito à moradia: o poder público se omite na obrigação de resolver os problemas de saneamento básico da favela,

perpetuando a precariedade da vida de quem nela mora. Depois, acontecem as incursões policiais intimidadoras, as ameaças de despejo e o silêncio do governo sobre o futuro da comunidade. Em seguida, surge a oferta da bolsa-aluguel para que os habitantes tentem uma moradia melhor fora da área, com a promessa de que uma habitação definitiva será dada pelo governo num futuro próximo. Quando e onde essa habitação será entregue, não é dito. O cansaço, a insegurança e o medo do despejo fazem que alguns moradores aceitem a oferta da bolsa, suficiente para pagar aluguel numa outra favela ou cortiço longe dali. Com a favela esvaziada, mina-se a resistência da comunidade, e a retomada do espaço pelo poder público torna-se mais fácil. A tática do governo Haddad, que culminou com a bolsa-aluguel oferecida pela Sehab, é a mesma usada por Gilberto Kassab em sua gestão para tentar reaver o terreno do Moinho. Alguns dias antes da visita surpresa de Maria José Calderine à favela, Caio Castor havia relatado o que a mesma Sehab municipal fez em 2012 com os moradores, tentando retirá-los do terreno por vias aparentemente “não-violentas”. Arco Tietê: sai o Moinho, entra o mercado Enquanto esta reportagem era produzida, a Prefeitura de São Paulo lançou, em setembro, o hotsite oficial do Arco Tietê, parte central do megaprojeto de intervenção urbana chamado Arco do Futuro, carro-chefe da campanha de Fernando Haddad em 2012. O objetivo do Arco Tietê é criar diversas centralidades espalhadas ao longo das mar-

ginais do rio Tietê, gerando polos de emprego, ampliando e ramificando o viário e aproximando, assim, moradia, trabalho e transporte. O projeto abarca pelo menos 22 bairros da cidade em cerca de 5 milhões de metros quadrados, e está previsto para ser realizado ao longo de 30 anos e ao custo de “dezenas de bilhões de reais”, como informou o secretário Municipal de Desenvolvimento Urbano, Fernando de Mello Franco. E o Moinho está no arco de Fernando Haddad. Na proposta de viabilidade do Arco Tietê apresentado no hotsite da prefeitura e que serve de diretriz aos consórcios que apresentarão projetos, na área da favela estão contempladas duas importantes intervenções: o enterramento dos trilhos e a criação de um equipamento público que servirá como “projeto indutor”. “No Estatuto da Cidade, o termo ‘indutor’ tinha o objetivo de forçar a terra urbana a cumprir sua função social”, informa a arquiteta e urbanista Luciana Itikawa, do Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos. Luciana diz que é importante, no entanto, distinguir os Instrumentos Indutores de Desenvolvimento Urbano do Estatuto da Cidade dos “projeto indutores” e “obras indutoras”. “‘Instrumento Indutor’, de fato, é um termo técnico mas, nesse caso, ‘projeto indutor’ ou ‘obra indutora’ estão sendo utilizados no Projeto Arco Tietê como âncoras inseridas em projetos abrangentes de mudança de uso e ocupação do solo, e não parece que têm o mesmo viés de correção, como o IPTU progressivo no tempo, ou os PEUCs (Parcelamento, Edificação ou Utilização compulsórios), que, teoricamente, foram pensados para forçar o uso de terrenos vazios ou ociosos que eram inutilizados muitas vezes com

o propósito de retenção especulativa”, explica Luciana. Um “projeto indutor”, nesse caso uma possível estação de trem na área do Moinho, é um equipamento que irá reconfigurar toda a orla e, sobretudo, irá adensar o entorno, segundo as regras do Plano Diretor Estratégico, que determina a potencialização do uso da terra nas áreas onde há transporte de massa. No entanto, da maneira como está sendo mostrado no Arco Tietê, o “projeto indutor” poderá ter um efeito contrário, segundo a urbanista. Em vez de garantir a democratização do direito à cidade, poderá gerar valorização imobiliária do entorno e afastar da região a população de menor renda. ”Não está claro se as famílias que seriam removidas devido às obras da estação e ao encarecimento do entorno poderão ser contempladas em programas habitacionais sociais na região”, diz Luciana Itikawa. Assim como no projeto de PPP de Habitação e no projeto de criação de uma nova estação da CPTM, até o momento os moradores da Favela do Moinho não foram consultados sobre suas necessidades e planos pelos gestores responsáveis pelo Arco Tietê. Novo laudo, nova aposta Por fim, a mais recente ameaça à permanência da comunidade na Favela do Moinho: um novo laudo do Corpo de Bombeiros, emitido em 1º de agosto de 2013, recomenda a desocupação imediata da área por medidas de segurança. O documento foi conseguido por acaso pelos moradores por meio de um funcionário da CPTM. Em contatos feitos com a prefeitura após a data de sua emissão, a gestão Haddad afirmava que ainda não estava pronto. Com distância de menos

de um ano entre um laudo e outro, os dois documentos são muito parecidos em seu conteúdo no que se refere à recomendação da criação da rota de fuga. No entanto, no documento deste ano, na última das 30 linhas que o compõem, foi adicionada a frase: “sob o aspecto de segurança contra incêndio a solução é a imediata desocupação do local”. Na reunião que teve na prefeitura com lideranças da favela em 12 de julho, Fernando Haddad fez um comentário que ganha outros contornos diante do novo documento dos bombeiros: “aquele terreno, se não for urbanizado em função de questões técnicas e jurídicas [grifo nosso], não vai servir à exploração privada”. Minutos depois da fala do prefeito, o secretário Municipal de Habitação José Floriano insistiu na necessidade de uma nova avaliação do Corpo de Bombeiros mesmo com um laudo já pronto, e declarou: “pode ser que não seja o muro que eles queiram [derrubar], pode ser o outro lado… o que eles definirem a gente faz [grifo nosso]“. Um dia antes daquela reunião com o prefeito, o mesmo Floriano, em visita à Favela do Moinho, já havia “adiantado” aos moradores que só poderia dar uma data de início das obras de melhoria em 10 de agosto – mesmo mês de emissão do laudo. Com a potencial não urbanização por motivos técnicos – o novo parecer dos bombeiros, nesse caso –, com um claro interesse da CPTM pelo local para a criação de uma nova estação, e com a valorização do preço da terra com a PPP e o Arco Tietê no entorno do Moinho, parece estar pronto, já há algum tempo, o cenário que pode por fim à última favela do centro da cidade. Embora seja foco de disputa, a Favela do Moinho é motivo de união: união dos interesses que movem governos estadual e municipal, CPTM e setor imobiliário em direção àquela região. Para todos os efeitos, a Favela do Moinho é o que unifica o discurso e as políticas públicas de Alckmin e Haddad, na medida em que ambos veem e tratam a comunidade como o entrave ao progresso a ser erradicado do centro da mais rica cidade da América Latina. A reportagem tentou ouvir o governador Geraldo Alckmin e o prefeito Fernando Haddad sobre o caso. A assessoria de Alckmin informou que a posição oficial do governador é a mesma da Sehab estadual e da CPTM. A assessoria de Fernando Haddad não enviou qualquer resposta até o fechamento desta matéria.


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Tomaram para si nossos tesouros Natureza, mulheres, ouros Envelheceram e apodreceram cultura e economicamente’ E o que irão fazer? Voltar a explorar o novo mundo?´´ (Trecho do texto) Ao término da interpretação, Emerson se sagrou campeão, é como se tivesse tomado um banho de apalusos,elogios e parabenizações,tamanha foi a força de sua voz.

entrevista Emerson Alcalde

da Zona Leste de São Paulo para a França: O caminhar de um poeta que canta suas raízes. Por Daniel Marques

Veja na integra a poesia: FRANÇA ou Eu: o menino, a puta e o travesti que tornou Emerson Alcalde campeão do SLAM SP : http://www.youtube.com/ watch?v=4ySZbHtUDMQ

A Zona Leste de São Paulo começa o ano vitoriosa e com motivos para comemorar. Se engana quem pensa que a motivação de tamanha felicidade sejam por conta dos grandes eventos que a cidade irá sediar,muito pelo contrário : a sensação de vitória vem da poesia de Emerson Alcalde,poeta que representará o Brasil na ´´Copa do Mundo de Poesia´´ na França em Junho de 2014 . Conheçam um pouco sobre Emerson,nosso representante em terras européias e como se constrói o seu caminhar poético. Emerson Alcalde é ator,fundador da Cia.Extremos Atos,dramaturgo,poeta e performer de poesia,que desde 2008 percorre o circuito de saraus que acontecem sobretudo nas periferias de São Paulo. Participou de eventos internacionais,na Argentina e Venezuela divulgando seu livro : (A) MASSA-poesias e dramaturgias (bilingue),apresentou-se como ator na peça ``O Boneco do Marcinho`` de sua autoria,e ministrou workshops sobre Teatro Brasileiro-Teatro do Oprimido``.É um dos organizadores do Slam da Guilhermina,ação cultural que acontece toda última sexta-feira de cada mês ao lado da estação Guilhermina-Esperança do metrô.

Morador do bairro Cangaíba e admirador do rap desde a adolescência, Emerson vem se destacando nos últimos tempos em um estilo de poesia chamada ´´Spoken Word´´poesia falada,que tem forte influência da cultura hip-hop. Para conseguir a possibilidade de ir para a França, Alcalde passou por várias batalhas de poesia, os chamados Slams, ``manifestação que teve inicio nos Estados Unidos,nos bares, porém que é oriundo de pessoas que vinham de Porto Rico,os imigrantes e os negros. Tem influência da oralidade,do hip-hop,poesia marginal,tendências de protesto`` diz o poeta. Slams e suas estruturas-cada Slam geralmente é mensal, para participar o individuo tem que declamar três poesias de sua autoria,cada uma tem que ter no máximo três minutos de duração e não pode ter o auxilio de adereços e figurinos. Ao término de cada apresentação os jurados dão as notas. O campeão de cada edição mensal, obtém uma vaga para a final, que acontece no fim do ano com todos o vencedores de todas as edições. Quem ganha essa batalha conquista uma vaga para disputar o SLAM SP, batalha final das finais. Quem por sua vez vence,garante o prêmio : o

direito de ir para a ´´Copa do Mundo de Poesia na França´´,que reunirá representantes de mais de 15 países. O Slam SP ocorreu em dezembro de 2013,nas dependências do Sesc Ipiranga, reunindo os ´´poetasbatalhadores´´e grande torcida entre amigos e amantes da palavra. Mais parecia final de copa do mundo,comoção popular. Eis que na última fase, no momento em que cada poeta iria sacar sua última carta da manga,Alcalde disparou a poesia : FRANÇA ou Eu: o menino, a puta e o travesti. Quantas sensações o texto causou nos presentes : olhos atentos,bater de palmas no meio do recital,assovios,respirações profundas,arrepios. Enquanto existe um certo fetiche e uma ``glamourização`` em viajar para países europeus, Emerson fez protesto,transformou sua voz em clamor de um latino americano brasileiro que almeja justiça e reparação histórica. O texto colocou cara a cara oprimido e opressor, pôs o dedo na ferida secular,promoveu acerto de contas que ainda não foram zeradas : ´´Vocês renasceram e nos descobriram Nos pegaram sem roupa não falávamos o seu idioma

A vitória de Alcalde não é somente individual, toda uma população também se tornou vitoriosa,pois o escritor sempre trouxe em suas poéticas,caracteristicas de seu bairro de origem,as problemáticas da zona leste de São Paulo, palavras que restituem valor e agregam dignidade a uma população por vezes marginalizada. Ser o campeão de uma competição tão disputada é um sinal de que nas periferias existem pessoas comprometidas com o verbo,com as rimas, seres esses que não estão nas estatísticas sanguinárias dos tele-jornais. Pessoas que utilizam das letras para dar forma a protestos,manifestos,amores e estrofes cheias de efeitos e afetos. Cabe agora aos brasileiros,periféricos e latino-americanos a torcida,mas o jogo não será o da bola, e sim o da palavra falada. Palavras que são lâminas cortantes e bem afiadas,idéias que serão ditas na cara da ``dona`` França,pensamentos de restituição de posse,de indignação social,dizeres insubordinados. Um aviso a Europa : Se preparem,pois Emerson traz consigo vozes que se formaram nas ruas,realidades duras como pedras,mas que puderam ser amolecidas e moldadas, sendo assim transformadas em arte,alimento para o combate. Poéticas que não são massas de manobra,tampouco ``foram plantadas nos algodões superficiais dos cientistas``,é poesia ``forte feito a planta favela.`` Quem sabe um dia não existam muitas outras batalhas de poesias pelo Brasil a fora, e quem sabe a poesia se torne tão popular quanto o futebol. Por hora : a poesia venceu !


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entrevista

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“Há casos em que a modéstia atrapalha. O médico, fotógrafo e poeta Francisco Xavier é um desses. Inspirado e tímido, o nordestino de comportamento zen, sorriso fácil e gestos comedidos, talvez não tenha ainda se dado conta de que o minimalismo com que compõe sua arte é elaboração extática e de profundo “atingimento”. Xavier, que também é músico, é um dos proprietários (junto com o pai) da Casa de Farinha, em São Miguel. O espaço, que nos seus primórdios previa atender à clientela de origem nordestina do bairro, tornou-se, com o passar do tempo, um palco para a celebração da diversidade artística. Já se apresentaram lá grupos de teatro, músicos populares e eruditos, poetas e outros artistas, como a contorcionista Brisa Perdigão. Passei meses colhendo seu depoimento, via e-mail, no conta-gotas. Nessa empreitada de “desbravá-lo”, descobri um pouco da essência que o move. O resultado desse diálogo está aqui. Convido-os a conhecê-lo.”

I. “CHEIODEMIM OVAZIO DETI” II. “Seqüestro relâmpago” Sem crédito O débito É obito III. “AMOR ACUA ADOR”

1) Quem é Francisco Xavier? Em 1966 nasci no município de São Raimundo Nonato. Na Fazenda Duas Barras, coração árido do Piauí, chorei pela primeira vez. Retirante, cheguei em São Paulo aos 10 anos. Ingressei na Faculdade de Medicina de Taubaté no ano de 1987. A realização deste sonho trouxe-me uma alegria que me acompanha e me cura até os dias atuais. Abracei minha profissão com tanta força que a ela me fundi. Sou o cirurgião que exibe no consultório, em São Miguel Paulista, um chapéu de couro sobre a mesa há 18 anos. Casei-me após 20 anos de namoro e tenho 3 filhos, sendo que o mais velho, está seguindo os passos do pai. Sou silvestre. Apesar da saudade do sertão ser permanente, sinto-me feliz na cidade que me acolheu. 2) Sabendo que suas mãos destilam arte na prática da medicina, sabemos que esse seu pendor artístico se estende por outras praias (poesia, fotografia etc). Como se deu esse “chamamento”? Sou muito tímido e, minha timidez levava-me ao isolamento.

Na adolescência percebi que a música, o desenho, a fotografia e a poesia eram os meus remédios. Apeguei-me a eles, sem nenhuma pretensão, até os meus 22 anos. Durante o curso universitário, inscrevi alguns trabalhos em concursos e, para minha surpresa, fui premiado algumas vezes. Envolvido com o meu trabalho, fiquei cerca de 25 anos sem escrever. Neste ano (2012) tive o prazer de conhecer vários artistas, muitos deles, participantes do histórico Movimento Popular de Arte (MPA). Entre tantos artistas maravilhosos tive o prazer de conhecer Escobar Franelas. Este poeta, generoso, teve a paciência de ler e comentar alguns escritos que eu escondia. Deu-me segurança e ânimo para um novo começo. Como agradecer? Hoje, posso dizer que estes amigos e minha arte, mesmo amadora, foi o que trouxe de volta este meu riso, que tinha se tornado arredio. 3) De onde (e como) vem a inspiração para as artes que você pratica? Tudo que eu faço tem como base a minha infância e as lembranças que trago da

Fazenda Ciências, onde fui criado. Acho muito difícil e arriscado o ato de escrever. Não consegui perder o medo. Escrever é como pular de um trampolim, fazer manobras no ar e confiar que o leitor, inclusive o próprio escritor, devolva o trapézio, evitando a queda. Acredito que escrevo como quem toma um medicamento essencial para manter a vida, a saúde. A fotografia, eu pratico de forma recreativa, com equipamento amador. Desejo estudar e adquirir alguma técnica futuramente. 4) Percebo que você tem um método, curiosidade e paixão pela pesquisa. Acredita que a prática da medicina ajuda na metodologia artística? Sim. Devido ao treinamento que recebi, escrevo como um cirurgião. Quando faço a primeira incisão, digo, rascunho as primeiras palavras, começa uma corrida contra o tempo. Quanto mais rápido e direto, melhor. Nada de firulas, nada de nós inovadores. Só o essencial. Os enfeites aumentam o tempo cirúrgico, infectam a inspiração e, complicado, o poema pode ir para o necrotério.

5) Putz, você escreve poesia até quando dá respostas para um perguntador chato! rs Então, ampliando o assunto,onde mais você vê poesia nesse “mundão de meu-deus”? Em tudo há poesia. Quando não a vejo foi porque não observei o suficiente. A poesia que mais admiro encontro na labuta diária, nas lembranças da minha infância e na natureza. Agora, o que mais me encanta é o trabalho do poeta, este que passa a vida procurando uma nova interpretação, o embelezamento do corriqueiro e o inesperado. Este trabalho é poesia da boa. 6) O que você lê, ouve e assiste? Atualmente estou lendo Ensaio Sobre a Cegueira, do Saramago e a obra do José Inácio Vieira de Mello. Gosto muito da poesia do Mario Quintana, Drummond e João Cabral. Com relação à música sou eclético. Gosto muito dos clássicos, principalmente Bach. Música popular eu ouço no dia-a-dia e, entre os artistas que mais admiro estão: Chico Buarque, Djavan, Cartola, Zé Ramalho, Luiz Gonzaga, Dominguinhos, Sivuca, Toninho Ferragucci e Arnaldo Antunes. Assisto poucos filmes, mas os que mais me marcaram foram: Baile Perfumado, O Palhaço e Abril Despedaçado entre os nacionais. Entre os internacionais os que mais gostei foram “Sonhos” e “Rapsódia em Agosto”, do Akira Kurosawa, “O Perfume”, “A Origem” e “Imensidão Azul”.

7) Recentemente você publicou no Facebook o poema Conjugação Carnal e depois comentou o medo de não ser compreendido. A incompreensão na arte o incomoda? O meu objetivo, ao escrever, é ser o mais simples e direto possível. Nos casos em que arrisco um pouco, sempre sinto um frio na barriga que, normalmente, é estimulante. Em mim, o frio na barriga é glacial. Mesmo assim, acho que sem o risco não dá para fazer arte. Só o insosso é possível. 8) O que é a Casa de Farinha? A casa de farinha é o local de trabalho das famílias do sertão nordestino. É onde se produz a base da nossa alimentação: a farinha de mandioca. Sendo símbolo de alegria e de fartura, deu nome a um espaço dedicado aos costumes do povo do semi-árido aqui em São Miguel Paulista. Aos poucos estamos trazendo nossa culinária, música, literatura, objetos e, futuramente os sons da caatinga. É um local ainda em formação, mas muito querido. 9) E o que é poesia? Para mim é poesia o ponto de vista, incomum, que causa admiração e espanto em quem lê, vê, degusta, ouve e/ou toca. A inspiração é o que desencadeia tudo. Esta, porém, tem origem desconhecida, parece que nasce com o indivíduo e independe do nível cultural e social. A poesia, como todas as artes, é necessária para diminuir a angustia, e manter a vida.

* Nota: Restaurante Casa de Farinha: rua Santa Rosa de Lima, 1341, São Miguel Paulista, SP


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O Sítio Mirim Por Danilo Morcelli

patrimônio

Nas proximidades do Jardim Pantanal, às margens do rio Tietê e da linha férrea, em uma colina com vistas para a planície de inundação e a cidade de Guarulhos, estão as ruínas do Sítio Mirim. Suas ruínas são importante testemunho do passado paulista, vestígios do período de colonização, de um passado de sítios e chácaras. Construída pelos índios no século XVII, em taipa de pilão, a casa Sede do Sítio Mirim, foi um antigo ponto de paragem, venda e hospedaria que servia aos tropeiros, também importante ponto de apoio para os exploradores de ouro e para aqueles que navegavam o Tietê. Suas ruínas sem proteção efetiva alguma, estão ameaçadas de desaparecerem, e com elas as memórias desse sítio. A degradação dos vestígios avança consideravelmente. Aos poucos os depredadores, as formigas e as águas vão dissolvendo

Desde as primeiras inciativas de proteção à esse remanescente, na década de 1960, sua conservação é um dilema e divide interesses. Por vezes movimentos da comunidade reivindicaram algum tipo de ação imediata, ou até mesmo a reconstrução da casa. Outras vezes, alegando o abandono do espaço, a população reivindicou o terreno para a construção de moradias populares, assim como para a construção de uma estação de trem. Sua proteção pelas três esferas de poder parece garantir sua conservação, mas não é o que ocorre na prática, dado que a proteção nunca se efetivou. Em 1973, a construção foi tombada em âmbito federal. Em 1975, o imóvel foi desapropriado pela prefeitura. Em 1982 tombado ex-officio em âmbito estadual e em âmbito municipal em 1991. Este não é o único caso, o engenho do Sítio Piraquara do

século XVI, importante testemunho do ciclo do açúcar em São Paulo, em processo de tombamento, também se tornou ruínas, junto com sua capela e estruturas anexas e veio a desaparecer com todo o seu mobiliário na década de 1980. Num passado remoto ele e o Sitio Mirim formavam uma única propriedade. A situação dramática na região não é só para elementos tão antigos como os vestígios coloniais, mas também para toda uma gama de remanescentes, inclusive os vestígios industrias do início do século XX, como a Celosul, unidade das Industrias Matarazzo. Tal situação denota uma multiplicidade de interesses e a falta de preocupação em se conservar o passado ameaçando um patrimônio altamente significativo, de grande amplitude temporal, diretamente vinculado com nossas memórias e nossa identidade.


MEMÓRIA ZL

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Os muçulmanos do Brás Julia Salgado Brandão Bezerra* Foto Alecsandro Santos

* Julia Salgado Brandão Bezerra é graduada em Geografia pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). O presente texto constitui parte de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) em Geografia e foi orientado pela Profa. Dra. Marcia Maria Cabreira Monteiro de Souza, docente da PUC-SP. E-mail: <juliarjobrandao@hotmail.com>.

O bairro do Brás, que caracteristicamente é identificado como reduto de italianos e nordestinos, tem hoje uma população muito diversificada. Bolivianos, peruanos, paraguaios e muçulmanos, árabes e não árabes, vivem hoje no bairro, e estima-se que a comunidade muçulmana em São Paulo seja de um milhão de pessoas, sendo que no Brás trabalham e moram milhares deles. Pode-se dizer que o bairro teve início por volta de 1800, quando o construtor português José Brás construiu a Capela Senhor do Bom Jesus dos Matozinhos, muito importante para o desenvolvimento do bairro. Mas foi a partir da segunda metade do século XIX, quando a cidade vai se tornando a metrópole do café, que o incentivo dado à imigração, principalmente italiana, faz com que cheguem a São Paulo quase 300 mil italianos entre o ano de 1887 e 1915. No ano de 1886, mais de 12.000 imigrantes já estavam na cidade, mas a quantidade de asiáticos e árabes ainda era muito pequena para que fosse feito algum censo sobre eles. Em 1955 havia 7.089 mil libaneses; os sírios totalizavam

4.445 pessoas; os palestinos somavam 1.131 indivíduos; os turcos 948, e os iraquianos constavam com 51 imigrantes. Mesmo com essa mudança na paisagem e no perfil dos imigrantes do Brás, muitas pessoas ainda vêem o bairro como moradia de italianos e nordestinos, mas ao andar por suas ruas, que são conhecidas no país inteiro pelo intenso comércio de roupas, percebemos diversas características desses imigrantes. Segundo a associação dos lojistas do bairro, a ALOBRAS, 95% das lojas de jeans são de comerciantes de origem árabe. Os muçulmanos sempre estiveram fortemente ligados ao comércio, e no Brás eles estabeleceram uma relação onde os comerciantes mais antigos ajudam os iniciantes até esses se adaptarem à língua local e a todo o processo que envolve a mercadoria, o que explica também o número cada vez maior de árabes na região. Sejam as mesquitas como a Mesquita do Brás, localizada na Rua Elisa Whitaker, n. 17; a Mesquita da Liga da Juventude Islâmica Beneficente do Brasil, na Rua Barão de Ladário, n. 922; ou a enorme Mesquita

Brasil, na Avenida do Estado, n. 5.382, que são templos de oração existentes na região e tão importantes para os seguidores do islamismo; os restaurantes árabes, onde as vezes é difícil a comunicação em português, e alguns deles especializados em carne Halal, aquela que só pode ser abatida por um muçulmano que segue alguns rituais religiosos ao matar o animal; lojas que vendem roupas, narguiles, lenços, livros e especiarias árabes; e muitas mulheres andando com véus cobrindo o cabelo com certeza são traços marcantes que percebemos na paisagem do bairro. Nas mesquitas, os muçulmanos, estrangeiros ou brasileiros convertidos, tem além do espaço para as orações, um ambiente onde podem se reunir e se sentir mais próximos da cultura de seus países de origem, preservando muitas de suas tradições e costumes. Mas é importante lembrar que o islã no Brasil nunca seria exatamente como o islã do Líbano, do Paquistão, do Marrocos, da Síria, do Iraque ou de nenhum dos países de origem desses imigrantes. A identidade religiosa

desse grupo aqui formado adquire características brasileiras que, com certeza, acrescentam diferenças, além do fato de ser um país predominantemente católico. Os muçulmanos têm de lidar com o desconhecimento que grande parte da população tem em relação à religião, e com o preconceito de muitos que ainda os vêem como um grupo homogêneo, onde a maioria é terrorista, radical e impõe o alcorão a todos. Ao conversar com os muçulmanos no Brás, vemos que realmente muitos deles têm o desejo e a intenção de converter os não seguidores ao islamismo, mas não como uma imposição ou com arrogância, e mais como uma característica própria do islamismo. As mesquitas citadas anteriormente oferecem aulas de árabe, aulas de religião islâmica, artesanato e outros cursos, tanto para muçulmanos quanto para pessoas simplesmente interessadas em conhecer melhor a religião, o que mostra a vontade de integração deles com pessoasde todas as origens e talvez até a intenção de que, quem sabe, as pessoas conhecendo-os melhor, aca-

bem com o preconceito e com a estereotipação que ainda sofrem, mesmo num país tão diversificado e multicultural como o Brasil.

Referências GEERTZ, Clifford. Observando o Islã. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2004. PONCIANO, Levino. Bairros paulistanos de A a Z. São Paulo: SENAC, 2001. TORRES, Maria Celestina T. M.. Brás. 2. ed. São Paulo: PMSP, 1985. VERNET, Juan. As origens do Islã. São Paulo: Globo, 2001.


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Poesias visuais em Carapicuíba

Os ensaios fotográficos do trabalho Poesias Visuais em Carapicuíba, feito em conjunto por alunos do 1º módulo do curso de Processos Fotográficos da ETEC Carapicuíba, é resultado de trabalho interdisciplinar envolvendo os componentes* do curso. Com o objetivo de estimular um “olhar positivo” a respeito da Cidade de Carapicuíba, os alunos usaram a linguagem fotográfica em ensaios feitos para expressar o belo em Carapicuíba. Sabemos que Carapicuíba é um município que sofre com falta de infraestrutura, poucos recursos e baixo índice de desenvolvimento social. Trata-se de uma região densamente ocupada, mas que não oferece oportunidades de emprego para toda sua população a qual, por esses e outros motivos, não se identifica com o lu-

gar e despreza suas qualidades. A proposta desse trabalho é fazer poesia, trabalhando em estado contemplativo na produção, captação e edição de imagens a partir do tema Poesias Visuais de Carapicuíba, sem o preconceito disseminado e, infelizmente, ainda preponderante. Essa é a contribuição de alunos e professores para a comunidade, enquanto usuários e trabalhadores do ensino técnico estadual: o início de uma reflexão a partir da imagem de Carapicuíba.

* Trabalho fotográfico da aluna Flávia Lopes

Elaine Galdino e Michela Brígida Rodrigues Professoras responsáveis pelo projeto • os componentes envolvidos no trabalho interdisciplinar: Prática Fotográfica I, Práticas de Estúdio Fotográfico I, Edição e Tratamento de Imagem Digital I, História da Arte e da Cultura e Formas Compositivas dos Elementos Fotográficos I.


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por Paloma Santos

obras de PASQUINI

O Pasquini é um senhor muito simpático, inteligente, bem-humorado e cheio de vitalidade que atualmente vive no bairro da Santa Cecília, em São Paulo. Artista por natureza, e também filósofo praticante, aos 83 anos, é sobretudo um menino, como ele mesmo costuma dizer... Nascido na Itália, escolheu o Brasil para viver. Suas telas e seus textos retratam as formas harmônicas da vida e da natureza, buscando passar mensagens de paz. Valoriza o equilibrio da vida, sempre falando sobre a importância de nossas escolhas para vislumbrarmos um futuro mais feliz! Costuma brincar, que todas as mulheres deveriam ter quatro namorados, um massagista para relaxar, um bonito para passear, um rico para lhe comprar presentes e um inteligente para conversar... Assim aprenderíamos a não sermos egoísta e o mundo seria bem melhor! Com muita sabedoria e disciplina, o Pasquini segue produzindo e semeando consciência por onde quer que passe!

Ao menino com mais de 70 anos Em bela tarde ensolarada Num encontro litero-musical Um menino e uma menina Encontram-se pela primeira vez - Que alma linda você tem menina - Nunca perca essa altivez A menina emocionada pensou... Como pode um menino que a pouco conheci Ver beleza em minha alma Não sabia a menina, ele era um poeta que,

talento

quando se quebra o equilíbrio da cadeia alimentar no mar é o começo do fim da sobrevivência na terra por Pasquini

No teu sorriso encontrou a sinceridade, No azul do teu olhar cintilante, a segurança, No brilho de tua face, encontrou a verdade Esses os reflexos de sua alma de criança Aproximou-se outro menino e este lhe falou - Você tem muito a ver com esta menina -Tenho, é a musa, que me inspirou - É um anjo em meu caminho E você quem és? -Sou o Pasquini, um menino com mais de 70 anos Somos, todos meninos unidos pelo amor ao próximo - Contigo aprendemos o significado do calor humano por Paulo Roberto Mazzarino

*Livro The Fluttering Mind

* Todos os desenhos desta página são obras do Pasquini. * The Fluttering Mind é um Livro de pensamentos de Giovanny Pasquini. Copygraf Express. São Paulo, 2011. Interessados em encomendar seus desenhos, favor entrar em contato com vozdaleste@gmail.com


Pai,tem um monstro na minha cama

O grito veio do andar de cima, rasgando o corredor e interrompendo brevemente a briga dos pais na cozinha. – Viu?! – aproveitou a mulher – graças àquele maldito filme de terror que você levou o garoto para assistir, ele não consegue nem sair do quarto mais. Uma pequena culpa acertou o espírito do pai, o levando a revidar naquela briga infindável. – Pelo menos eu faço algo com o nosso filho. A mãe fez uma cara feia e dentre todas as palavras de sua memória, só três fizeram sentido: – Cala essa boca. Descontou o resto de sua raiva não inflamada, pondo a comida na mesa, e em seu filho. – Se você não descer aqui em um minuto, vou subir aí e te trazer pelos cabelos.

crÔnicas Hoje, voltando para casa, não sei se motivado inconscientemente por alguma conversa paralela no trem, me peguei listando a trilha sonora do subúrbio nas três últimas décadas. Apesar do asco pretensamente intelectual, confesso que foi um exercício gostoso lembrar que no início dos anos 80, minha iniciação adolescente, quem imperava nas rádios e nos aparelhos 3-em-1 eram, pela ordem, Martinho da Vila, Agepê, Clara Nunes, Antônio Marcos e Benito di Paula. Na continuação, a lista também poderia citar Amado Batista, Perla, Trio Parada Dura, Carlos Alexandre e Barros de Alencar. Cabe aqui também relembrar o sucesso fugaz da banda Blitz. A segunda metade dessa mesma década viu a explosão do RPM e seu pop-rock intelectualóide, mas de postura mais voltada ao imediato midiático. A Paulo Ricardo e cia. poderíamos nessas memórias somar os nomes de Jovelina Pérola Negra, Almir Guineto e de um garoto franzino chamado Zeca Pagodinho. O trono mais alto, porém, foi ocupado incontestavelmente por Bezerra da Silva, cronista suprarreal de um mundo tão à margem que muitos ainda hoje julgam realidade fictícia e/ou apologia simplória da malandragem. Os anos 90 viram o ce-

ARTE

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Um silêncio se fez enquanto os pais comiam. Apenas o som dos talheres era presente. Sem perceberem, seu filho estava ao lado deles na mesa. Ambos tomaram um susto que só sinalizaram com o olhar. O filho quieto, calmo e silenciosamente se senta, come tudo e volta para seu quarto com uma postura e olhar sem energias, travados... mecânicos. No dia seguinte, o mesmo grito. A interminável briga tomava lugar novamente na cozinha. – Maldito dia em que você resolveu ser pai desse menino. Aquelas palavras ofenderam em ambos os seus dois sentidos ao pai. – Ah, então você prefere dar videogames, celulares e deixar ele crescer que nem você, uma completa anti-social. A mãe já estava há anos consultando um psicólogo por não conseguir trabalhar em empresas já que sempre falhava na dinâmica de grupo. Aquilo era um grande golpe baixo. – Cala essa boca! – e descontou o resto de sua raiva não inflamada, jogando a comida no prato, na mesa onde o pai comeria, e em seu filho. – Se você não descer aqui em trin-

ta segundos com monstro ou sem monstro, eu vou... O filho de repente já estava na frete de ambos. A comida do pai estava em cima da própria mesa e o menino não se preocupou em pegar os talheres e comer dali mesmo daquela madeira. Rapidamente já havia comido o grosso, então largou a prata que usou para deslizar o líquido e chupou o resto da comida. Pai e mãe ficaram num misto de perplexos e preocupados. Quando ambos pensaram em dizer algo, o garoto já havia sumido. No terceiro dia, o mesmo grito sucedeu-se, porém um pouco mais choroso, com dor. Os pais não estavam brigando. Pelo contrário, estavam em choque, sentados para comer com os olhares vazios e estáticos. Ambos se encaravam, mas nada viam. – É melhor você dar uma olhada... – quebrou o silêncio a mãe, de forma quase a não soltar ar. – É... eu acho que sim. – responde o pai com um rápido e entorpecido memorizar de que ele havia levado seu filho para o filme de terror. O pai arrastou a cadeira, subiu os degraus da escada a ranger e abriu a porta do quarto do filho como que no vácuo de tão muda. A imagem do filho na cama

tasamba e Só Pra Contrariar, entre outros), axé (É O Tchan, por exemplo); e então sepultamos o século 20. O amanhecer do novo século viu nascer junto consigo, ainda sob o completo domínio da sisudez lírica e independente dos manos racionais (que perdura até hoje), outros grupos de rap, forró e pagode. Mas essa presença está sendo confrontada com o advento do pancadão, uma derivação do funk oriundo dos morros fluminenses, que com sua vocação para a linguagem chã, a sexualidade exarcebada e demonstrações ilusórias de uma ostentação que não passa de “casca” adolescente, tomou de assalto a juventude paulistana via Cidade Tiradentes e agora (nesse exato momento, numa rua próxima, passou um carro com “áudio superlativo”), exerce seu domínio quase

hegemônico, mais pela imposição da altura do que necessariamente por um público amplo. Seja como for, Raul Seixas, Jorge Benjor e Legião Urbana recebem registro, pois são constantes e imexíveis no bolo da massa musical periférica. Acima deles, reinam absolutos Tim Maia e Roberto Carlos, que cobrem um longo período musical no imaginário suburbano paulistano e brasileiro, agregando a atenção de jovens, adultos e velhos. Se alguém tiver dúvidas sobre essas informações, nem vem que não tem, não discutirei. Essa crônica não tem valor de documento ou caráter sociológico ou estatístico. Mas é só dar um rolezinho por Ferraz de Vasconcelos ou Itaquá, nas Cohab de Carapicuíba, Itaquera ou Taipas, no Capão Redondo, Elisa Maria, Embu, Itaim

logo lhe saltou. Ele estava deitado, coberto e com uma postura extremamente reta. Parecia até mais gordo, pensou consigo mesmo. Hesitante, se aproximou daquele menino a fixar seu olhar no teto. Não parecia o mesmo garoto que havia gritado com terror... Então, quando chegou mais perto da cama, uma madeira estalou sob seu pé e outra: – pai, você veio... – uma voz fraca e trêmula de seu filho é ouvida, mas aquilo era absurdo. “Ele não mexeu a boca!” – pa-i... pa-i... – Ouviu de novo o sussurro abafado do filho, então num susto, ele agachou-se no chão e encontrou uma completa outra imagem de seu filho de baixo da cama... uma figura pálida e cadavérica ali encolhida trêmula na escuridão... até que ouve dele um outro sussurro de fome ainda mais gélido e arrepiante: – pai, você viu o monstro na minha cama?

A TRILHA SONORA DAS VILAS tro da liderança ser passado ao grupo Racionais MC’s. O domínio da linguagem lírica e dura do rap, recriando a crônica do real a partir de novos enunciados poéticos, permitiu aos manos racionais adentrar o terreno auditivo periférico de forma mais ampla, mais geral e mais irrestrita. O surto roqueiro ocorrido na década anterior entrava em eclipse, mas deixava suas marcas e encontrava sobrevida com a visceralidade dos Raimundos e a pop-ularidade do Skank, além do curto-circuito provocado pelos Mamonas Assassinas, abatidos ainda na decolagem do sucesso. E em qualquer tarde de sábado ou domingo, ou nas longas noites de sexta, sempre tinha uma casa, ou um carro velho, ainda que equipado com um “Pionner”, tocando grupos de pagode (Raça, Raça Negra, Katinguelê, Exal-

Paulista, Heliópolis, Jaraguá, Taboão, Canão, Paraisópolis, São Mateus ou mesmo na Ladeira General Carneiro, no centro velho e degradado da Sampalândia, bem juntinho ao Parque D. Pedro, num domingo à tarde, e depois vir contar que posso até estar esquecendo algum nome e ou sobrepesando outros. Mas que essa é a realidade, não há dúvidas.

* Publicado originalmente no jornal “O Grito”(j.ogrito@uol.com.br - Monteiro Lobato, SP), nº 9, julho de 2007. Para esta publicação, este texto sofreu alterações e atualizações.


ARTE

poesias Reticências ou São Paulo … Bate vida pode bater Bate coração pode bater Empurra-me tempo pra cair no furacão Gira-me tempo no compasso de tua mão Leva-me às horas aos enormes ponteiros E tic taca minha cabeça Tic taca-me o juízo Tic taca-me ao precipício Lança-me a vida e fere Fere cidade Jogue-me o pó do concreto à maldade Arranque-me os cabelos e cuspa em meu suor Castigue esse filho bastardo e reparta e repita tudo que já sei de cor Que eu afogo-me e rio Que eu penhasco e cachoeira Que eu deságuo e desvio Sem destino e sem fronteira Eu só a terra pertenço-me por Samara Silva de Oliveira 23/10/2013 Salvação Na minha modesta opinião Para salvar essa nação é preciso: eduacação cultura e paz no coração por Hugo Paz

16 Thá A suave brisa do vento Balança os cabelos daquela menina E ela é tão linda! Entrelaçada entre cordas Bela bailarina Ela é atriz da sua própria vida Frida Kahlo transvestida. No corpo tatuagens e traços No caminhar a leveza dos passos Ela é sedutora, e dominadora. Ela é pura tentação! Carregando um verde nos lábios Paralisa a multidão Todos se jogam aos seus pés Para ver o seu olhar. Um olhar de manga com mel Que transporta, abre as portas do céu. por Fábio Du Kiddy CARTINHA DE DESPEJO voce não vai,não vai ter um chão para colocar teus pés não vai! Chegou a cartinha para o seu despejo “Caro cidadão” com todo respeito pegue suas crianças leve ao parque pra brincar caro cidadão,vá morar em outro lugar Chegou a cartinha para o seu despejo “Caro cidadão” com todo respeito pegue suas crianças leve ao “parque linear” Caro cidadão Vá morar em outro lugar por Homens da Caverna (Bruno Morelatto/Luciano luthier (na música é feita a leitura de uma carta de despejo oficial do governo de são paulo.onde entre outros itens,consta um em que o morador é orientado a retirar as crianças da frente dos tratores)

Desligo-te (Brinquedo de Hai Kai) Descansa-me do teu descanso E deixe-me no meu inquieto canto por Alexandre Santo 2012

ENCONTRO Se fôssemos compatíveis além do beijo... Se além da forma, fosse preciso o acerto... Depois de tantos mal-entendidos desejos... Depois de tantos desencontros de supostos amores perfeitos Seriamos sim, um para o outro refeito. por Alexandre Santo 27/05/2013 para uma mulher ... as estrelas mais belas caíram no teu nome , onde a constelações levam a todas as formas de amar , como uma flor que desabrocha e traz nesse ato ondas de alegria como uma pele com acabamentos que causam prazer . a vida merece ser amada com um amor transbordante da infinita beleza que se expressa em você, é um néctar necessário, um combustível pra tudo o que é belo continuar existindo já é tudo, vindo nunca termina é só te conhecer e até a grandeza da alegria já não cabe no seu grande sorriso, no seus traços o todo universal que não compreendo, mas é uma parada permanente de paz e calmaria da minha alma. por Heber Humberto Ondulatório coração E se estiver para os lados de plutão Do outro lado de uma visão qualquer Nos territórios sem propriedade Donde vão e vêm as facetas transbordantes e arredias do ser Estará com os olhos fechados, Naufragando numa respiração Melancólica vital Dizendo se vá Uma miragem na fronte, paralisada Para o horizonte que é, senão, para si, o ponto de partida Dos que vão a lua colher flores Rara-cor por Pomba Valente

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Na viagem de linhas à paisagens... Viajei, viajei e andei por aí Avistei tanta coisa, mujique e souvenir Saí de canto em canto Exercitando a rima Exortando o pranto Cantei pra menina Te amar é minha sina Teu sorriso é acalanto Descobrí respostas impostas à cerca de muitas indagações Transpús comportas, pulei a serca que aprisionava paixões Andei perdido me embaracei, me embriaguei, me enveredei Por entre atalhos me aproximei, por serem falhos os abandonei Luas nunca vista antes nem pelos andarilhos mais distantes Me acompanharam docemente foram minhas namoradas Me deram abrigo tranquilamente nas noites e madrugadas Só me dava conta que se ia quando surgia a alvorada As mudanças de temperatura em minha pele a esta altura Já eram marca registrada Quando o frio e sua melancolia De mim não se compadecia Era então que aparecia Um acalento, uma companhia E com o calor de um novo dia Quente radiante, luminosamente belo Á frente, distante, pois o infinito é o elo Era a primavera aparecendo tão singela Que nem cabia na janela E ví outônos, mordômos, patrônos Outubro, disturbo e gol turbo Janeiros sem dinheiro, jardins e jardineiros E pra conseguir algum ajudei lavar alguns banheiros tremores temo as lentes bifocais, o lápis preto, o delineador temo a máscara facial, os pepinos fora da salada, o Renew temo a abdominoplastia, as aulas de abs, o cheiro do umbigo temo o Viagra, a bengala, o Alzheimer temo esquecer, vegetar, bater as botas

Ví homens construindo edifícios sem ter casa pra morar Outros prometendo em comícios que todos iam ter seu lugar Andei andei, viajei por aí Quando a viagem acabou foi que percebí Que nem tinha saído daquí! Andei andei, viajei por aí Visitei Pablo Neruda E o ví descalço lendo as ondas de bermuda Com seu caderno, caneta verde e óculos de sol Confesso que viví quando escutei me deparei com o canto do Rouxinol Eu ví Vinícius rodeado de virtudes e vicíos Sonetando versos precisos, sem compromissos Chorando a dor do mundo que perdera Lorca Efeito parafuso confuso sem rosca na porca E eis que o verso fica mudo se a palavra é torta! (...) toc...toc bati na porta...ninguem me respondeu não entendi, de tudo que pedi foi luz pra sair do breu As casinhas simples frágeis fortalezas cheias de belezas me abrigaram Já muitas mansões e cazarões cercadas por paredões me escorrassaram Com o pé na estrada... sem nenhum puto no bolso Cruzei pontes, rodovias, hidrovias atraquei em caiz de porto Troquei ideias com Sal Paradaise e dividimos Marilou Ok boy good night! Ele foi pro Norte e eu pro Sul (...) por Maurício de Moraes Noranha

e me dou conta de que não tenho tempo a perder nem com os atuais temores, nem com os futuros tumores - incertos como um infarto me conforto, então, com alguns inevitáveis abalos e seus registros na escala de Richter por Romulo Osthues 05.12.12


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