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Reis em guerra
REIS
EM GUERRA 14
Existe um jogo de tabuleiro chamado War, em que os participantes representam as nações que estão em guerra. Ninguém sabe ao certo quem vencerá. É um jogo de estratégia e sorte. Diferentemente deste jogo, o capítulo 11 de Daniel não deixa espaço para sorte. Na descrição de eventos que ainda deveriam ocorrer, o profeta descreve inúmeros conflitos envolvendo o povo de Deus e seus perseguidores. De maneira precisa Deus revela o futuro das nações e o estabelecimento de Seu reino eterno.
Todo o capítulo 11 é narrado pelo anjo Gabriel, logo, Daniel não está vendo os reis do Norte e do Sul, mas ouvindo sobre eles. Por isso, esse capítulo é descrito mais como uma “audição” do que uma “visão”. Temos aprendido que a profecia é uma verdade que se amplia, por isso novas imagens lançam mais luz sobre as anteriores e a história vai sendo desenhada até que Miguel Se levante e o reino eterno seja estabelecido (Daniel 12:1). Outro detalhe que deve ser lembrado é que os capítulos 10 a 12 registram uma mesma visão, não uma chazon (visão simbólica), mas uma mareh (visão de um ser ou aparição),1 o que nos leva a optar por literalidade na interpretação de vários simbolismos. Mas como fazer a distinção do que é simbólico ou literal no capítulo?
180 Segredos da Profecia
Segundo Hernández, devemos interpretar todos os elementos como literais até o evento da cruz, mas “passando a cruz, quando Cristo realiza um novo pacto com Seu novo povo, o Israel espiritual, devemos entender o Norte, o Sul, reis, os tempos (12:7, 11, 12), tudo em forma espiritual ou simbólica. A frase “Teu povo” já não é mais Israel literal, e sim espiritual, “rei do Norte” já não é Babilônia, nem a Síria, senão uma Babilônia espiritual; tampouco o “rei do Sul” é o Egito literal senão o espiritual (Apocalipse 11:7)”.2 Essa lógica pode ser confirmada ao se estudar o Apocalipse, quando a Babilônia literal já não mais existia nos dias de João e continua a aparecer no livro como sendo os inimigos do povo de Deus. Vamos então entender alguns elementos do capítulo.
REIS DA PéRSIA
“Agora, eu te declararei a verdade: eis que ainda três reis se levantarão na Pérsia, e o quarto será cumulado de grandes riquezas mais do que todos; e, tornado forte por suas riquezas, empregará tudo contra o reino da Grécia” (Daniel 11:2).
Daniel 11:2 fala sobre quatro reis que se levantarão da Pérsia. Quem são eles? Há algumas interpretações. Visto que Daniel teve essa visão no terceiro ano de Ciro (ver Daniel 10:1), os três reis que o sucederam no trono da Pérsia foram Cambises II (530-522 a.C.), um usurpador chamado Falso Smerdis ou Gaumata (522 a.C.), que ficou poucos meses no trono e Dario I (522-486 a.C.).3 O quarto rei é Xerxes (486-465 a.C.), muito mais rico do que todos os outros. Ele é identificado como o rei Assuero, marido da rainha Ester (Ester 1:1).
Daniel diz que o quarto rei, identificado como Xerxes, empregaria toda a sua riqueza “contra o reino da Grécia”. A península grega era a única área no Mediterrâneo oriental que não estava sob o domínio persa. Em 490 a.C., Dario, o Grande, predecessor de Xerxes, fora detido em sua tentativa de subjugar os gregos. A fim de controlar essa importante área do Mediterrâneo, Xerxes ajuntou o maior exército da História. Alguns historiadores falam em 300.000 soldados, e Heródoto
2 Ibidem, p. 340. 3 Comentário bíblico adventista, v. 4, p. 951.
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enumera mais de 40 nações que forneceram tropas para o exército persa, e a quantidade de soldados chegava a um milhão e setecentos mil.4 Todo este contingente para as batalhas de Salamina (480 a.C.) e Plateia (479 a.C.). Assim como descrito na profecia, Xerxes empreendeu “tudo contra o reino da Grécia”, mas foi vergonhosamente derrotado.
Héctor Hernández menciona que outros autores preferem interpretar os quatro reis como sendo Cambises, Dario, Xerxes e Artaxerxes, uma vez que estes reis têm uma importância maior na profecia de Daniel. Cambises foi quem conquistou o Egito, terceira costela na boca do urso (Daniel 7:5). Dario I foi tolerante com a religião dos povos conquistados e promulgou o segundo decreto para a reconstrução do templo em Jerusalém (Esdras 6); é também em seu reinado que finalmente o templo é reinaugurado (516/515). Xerxes foi o esposo de Ester e nomeou como primeiro-ministro de seu império o judeu Mordecai, que junto com sua prima Ester evitaram o morticínio do povo de Deus. E finalmente, Artaxerxes, o quatro rei cumulado de grandes riquezas, é quem vai emitir o decreto para restauração e edificação de Jerusalém, em 457 a.C.5
Reis da GRécia
“Depois, se levantará um rei poderoso, que reinará com grande domínio e fará o que lhe aprouver. Mas, no auge, o seu reino será quebrado e repartido para os quatro ventos do céu; mas não para a sua posteridade, nem tampouco segundo o poder com que reinou, porque o seu reino será arrancado e passará a outros fora de seus descendentes” (Daniel 11:3, 4).
O “rei poderoso” de Daniel 11:3, 4 é Alexandre o Grande, cujo exército conquistou em tempo relâmpago o vasto território do Império Persa. A descrição nos lembra de Daniel 8:7, onde é dito que o carneiro (Média-Pérsia) sofreu uma derrota vergonhosa diante do bode (Grécia). Contudo, no auge do seu poder o reino de Alexandre foi quebrado e dividido entre seus generais. A profecia especificava que seu reino não seria para a sua posteridade.
Alexandre, o Grande, alcançou o auge de sua carreira com a idade de 32 anos, mas depois de passar dias bebendo sem limites, foi acometido
4 HERÓDOTO. História, v. 2, p. 161-167. 5 HERNÁNDEZ, p. 344.
182 Segredos da Profecia
por uma febre e morreu em 323 a.C. Alexandre foi sucedido por seu filho, nascido logo após sua morte, e seu meio-irmão Filipe. Ninguém de sua família imediata era capaz de manter unidos os territórios que ele havia conquistado. Os generais de Alexandre assassinaram seu filho e o irmão, dividindo o reino entre si. Conforme Daniel 10:4, o Império Grego foi dividido em quatro partes (quatro ventos), por seus generais e não por um descendente, pois sua família já tinha sido exterminada. O reino de Alexandre foi dividido da seguinte forma:
Lisímaco: Trácia e Betínia
Cassandro: Grécia, Macedônia e Épiro
Seleuco: Síria
Ptolomeu: Egito, Líbia, Arábia e Celosíria6
REIS DO SUl E DO nORTE
Não demorou muito para que esses quatro reinos fossem reduzidos a dois. As expressões “Rei do Sul” e “Rei do Norte” aparecem com frequência neste capítulo de Daniel e não há dúvida de que “o reino do Sul” é o Egito, governado pelos Ptolomeus, ao passo que “reino do Norte” é a Síria, governada pelos Selêucidas. Qual seria a razão da profecia dedicar uma atenção especial a essas duas divisões do império de Alexandre? Pela simples razão de que um e depois o outro controlaram o território de Israel. Do ponto de vista da História da redenção, os acontecimentos políticos adquirem significado no momento em que têm relação com o povo de Deus.
TEnTATIVA DE PAz
“Mas, ao cabo de anos, eles se aliarão um com o outro; a filha do rei do Sul casará com o rei do Norte, para estabelecer a concórdia; ela, porém, não conservará a força do seu braço, e ele não permanecerá, nem o seu braço, porque ela será entregue, e bem assim os que a trouxeram, e seu pai, e o que a tomou por sua naqueles tempos” (Daniel 11:6).
O rei do Egito, Ptolomeu II, e o rei Antíoco II, da Síria, tentaram estabelecer paz entre seus respectivos países, através de um casamento. Antíoco II deveria se casar com Berenice, filha de Ptolomeu II, mas teve
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que se divorciar de sua esposa Laodice. Essa tentativa de cimentar as relações entre o Egito e a Síria não teve êxito. Depois que seu sogro (o rei Ptolomeu) morreu, ele se divorciou de Berenice e retomou Laodice como sua esposa. Ela conseguiu fazer envenenar Berenice e seu filho, garantindo, desse modo, que seu próprio filho Seleuco II, subisse ao trono da Síria. Há algo extraordinário nisso tudo: a Bíblia predisse esses acontecimentos com detalhes, 300 anos antes de ocorrerem! Isso nos diz algo sobre Deus. Ele conhece todas as coisas e conduz o rumo da história em direção ao evento mais esperado – Seu retorno glorioso.
Vimos até aqui que a profecia do capítulo 11 começa com a descrição dos reis persas e continua com Alexandre, o Grande. Em seguida o esboço profético muda para os selêucidas e os ptolomeus, generais de Alexandre, que se desenvolvem a partir da desintegração do seu império. Daniel 10-12 apresenta um alargamento progressivo dos temas tratados nas profecias anteriores, não mais a partir de Babilônia, mas passa rapidamente pelo declínio e queda do Império Medo-Persa, e ascensão e queda do Império Grego. Em seguida, focaliza sua atenção sobre Roma pagã e papal, representados pelas pernas e pés da estátua do capítulo 2, pelo “animal terrível e espantoso” do capítulo 7 e o “chifre pequeno” dos capítulos 7 e 8.
ROMA IMPERIAl
“O que, pois, vier contra ele fará o que bem quiser, e ninguém poderá resistir a ele; estará na terra gloriosa, e tudo estará em suas mãos” (Daniel 11:16).
Quem veio ao Egito foi Roma, na pessoa de Júlio César. As mesmas expressões usadas no verso 3 para introduzir o Império Grego agora são usadas para introduzir o quarto império da profecia, Roma. De Roma Imperial se pode afirmar que “estará na terra gloriosa”. Pompeu tomou Judá no ano 63 a.C. e a anexou como província do Império, o que nunca deixou de ser até a destruição de Jerusalém no ano 70 d.C., por mãos de Tito, general romano.
“Resolverá vir com a força de todo o seu reino, e entrará em acordo com ele, e lhe dará uma jovem em casamento, para destruir o seu reino; isto, porém, não vingará, nem será para a sua vantagem” (Daniel 11:17).
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Essas palavras podem ser aplicadas à filha de Ptolomeu XII, Cleópatra, que sendo ainda uma adolescente, foi para Roma com Júlio César e teve um filho com ele, mas isso não evitou a ruína do Egito.
ROMA PAPAl
“Depois, se levantará em seu lugar um homem vil, ao qual não tinham dado a dignidade real; mas ele virá caladamente e tomará o reino, com intrigas” (Daniel 11:21).
As mesmas ações do chifre pequeno registradas nos capítulos 7 e 8 são reproduzidas com maiores detalhes no capítulo 11, identificado aqui como um homem vil. Segundo Daniel 11:22 “o rei do Norte” deveria quebrantar “o príncipe da aliança”. O termo hebraico usado para “príncipe” nesse versículo é nagid e esta mesma palavra ocorre apenas mais uma vez no livro de Daniel (9:25-27). Como já estudado, essa passagem de Daniel 9, que explica a visão do capítulo 8, menciona um nagid-príncipe que faria uma firme aliança com muitos. Este nagid-príncipe seria morto. Portanto, o nagid que seria “quebrantado” no capítulo 11 deve ser identificado com o mesmo nagid-príncipe do capítulo 9, ou seja, Jesus. Tanto a morte de Cristo como a destruição de Jerusalém ocorreram durante o domínio do Império Romano na fase pagã. Assim, podemos interpretar com segurança que o “poder” referido a partir de Daniel 11:21 se refere tanto a Roma Pagã como Papal.
ATAQUE AO SAnTUÁRIO
“Dele sairão forças que profanarão o santuário, a fortaleza nossa, e tirarão o sacrifício diário, estabelecendo a abominação desoladora” (Daniel 11:31).
Conforme já estudamos, o “chifre pequeno” profanaria o santuário, retirando o tamid ou “o diário, contínuo” (Daniel 8:11). Os serviços diários e o serviço anual do santuário tipificavam, correspondentemente, o sacrifício todo suficiente de Jesus Cristo e Seu ministério Sumo Sacerdotal no Santuário Celestial. O “chifre pequeno” estabeleceu um sistema sacerdotal paralelo ao de Cristo, como a confissão auricular e o sacrifício da missa em lugar da obra mediadora de Cristo como nosso Sumo-Sacerdote nas cortes celestiais.
Reis em Guerra 185
Mas a história termina com um final feliz. Finalmente o povo de Deus será liberto e triunfará com Cristo. Deus é justo. Ele conhece todas as coisas, vê o futuro e sabe o que você está sentindo. Ele conhece sua dor, quando tem que se despedir de um ente querido ao lado de sua sepultura. Ele conhece sua solidão quando você se sente rejeitado ou abandonado. Mas, se você permitir, Ele o confortará e lhe dará a certeza de que tudo culminará no grande e mais esperado de todos os acontecimentos – a volta gloriosa de nosso Senhor Jesus Cristo.
Terríveis provas e aflições aguardam ao povo de Deus.
O espírito de guerra está incitando as nações de uma a
outra extremidade da Terra. Mas em meio do tempo de
angústia que está para vir – tempo de angústia, qual nunca
houve, desde que houve nação – o povo escolhido de Deus
ficará inabalável. Satanás e seus anjos não poderão destruí-
los; pois anjos magníficos em poder protegê-los-ão
(O Cuidado de Deus, 252).