O OLHAR O TEMPO Tempo e Temporalidade na produção da notícia
NATÁLIA GARCIA LUCAS
“Que é, pois, o tempo? Se ninguém me pergunta, eu sei; mas se quiser explicar a quem indaga, já não sei.” Santo Agostinho
O Olhar o Tempo Tempo e Temporalidade na produção da notícia
Natália Garcia Lucas
Vitória 2017
Para Mirella Bravo, minha Energizadora para todo o sempre; e AlĂŠcio Evangelista meu grande Amor.
L933o 2016
Lucas, Natalia Garcia o Olhar o tempo: tempo e temporalidade na produção da notícia / Natalia Garcia Lucas.-- Vitória, ES; Imprimi Copiadora, 2016 1. Jornalismo - Redação. 2. Reportagens e repórteres. 3. Jornalismo Notícias. 4. Jornalismo Literário. 5. Crônicas brasileiras - Jornalismo. I. Título. CDD 070.4320
INTRODUÇÃO Esse livro é fruto de um Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) de Jornalismo. No início da pesquisa, andei em círculos até decidir por esse tema tão peculiar: o tempo. Você pode estar se perguntando o porquê. Primeiro, porque é algo que sempre me faltou. Trabalhando 8 horas em loja de Shopping, muitas vezes 8 dias por semana, e estudando à noite, ele era bem escasso pra mim. Em um primeiro momento, queria falar sobre o estresse na vida dos jornalistas, conhecer a ligação entre o fazer e a emoção, modo de viver e conviver com o mundo ao redor e examinar esse exercício quase sacrificial para se produzir tantas noticias diariamente. O tema não vingou, foi de encontro à questão da saúde e não remetia a minha competência. Então veio a sugestão de falar sobre o
tempo na notícia. Comecei, confesso desconfiada. Mas me apaixonei. Foquei na forma como o profissional lida com o tempo no processo de produção de notícias, incluindo não apenas jornalistas, mas quem atua nos bastidores também. O maior desafio certamente foi transpor minhas percepções sobre o emaranhado de questões que puder ver em campo em crônicas jornalísticas, respeitando o tempo e a temporalidade de cada profissional, não interferindo em nada e sem submeter os múltiplos tempos deles ao meu.
SUMÁRIO o tempo da pauta......................... 12 o tempo da edição...................... 16 o tempo do apresentador........... 21 o tempo do repórter................... 26 o tempo do cinegrafista.............. 30 o tempo do operador de TP....... 35 o tempo do diretor de imagem.. 40 o tempo do telespectador........... 44
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o tempo da pauta Entre tantos assuntos disponíveis, se vasculha até encontrar o mais atrativo. Tem que ser aquele com maior valor notícia, o menos batido, corriqueiro. E isso ao ponto de gerar interesse em alguém que não se interessa por coisa nenhuma. Ali naquele instante, era quando tudo na verdade começava e ganhava vida. Quando o que é considerado assunto jornalístico entra no tempo e passa a existir como possibilidade. Ou que recomeçava e ressurgia, pois os assuntos abordados na verdade já passaram. Fatos vividos em um passado tão recente que, por isso, chegavam para ela via facebook, whatsapp, telefone, e-mail, por conversa ou pela própria curiosidade. O trabalho da pauta é assim: é o tempo de ver se há notícia em tudo o • 12 •
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que se olha. A mão apoiada no mouse não parava quieta. Parecia um tique nervoso. Os olhos tão próximos à tela me fizeram lembrar quando era criança e minha mãe dizia para não assistir a TV de pertinho para não ficar vesga. Ela não deve correr esse risco. Os olhos não ficam fixos. Eles passeiam pela tela do computador de forma tão ligeira que criam figuras geométricas imaginárias, impossíveis de decifrar. Toda essa concentração era para definir a pauta do dia seguinte do Bom Dia ES. Eu fiquei ali, meio perdida, observando atenta ao tempo de produção da pauta. O tempo da pauteira Marluci Vasoler é um tempo suspenso, esquisito. Fica naquele ponto mínimo entre o passado recente e o futuro próximo. É um trava-língua. Veja só: é um presente que a função tenta prolongar para dar tempo de se fazer tudo a • 13 •
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tempo de a notícia ir por ar. Enquanto pensa cada assunto, descreve o que precisa ser feito, entende o acontecimento, a pauteira parece assumir a função de programadora do futuro do repórter. Na produção do material, do roteiro que deverá ser cumprido, ela estabelece um controle minuto a minuto do que vai acontecer na rua, durante a apuração. Entre esses vários temas selecionados, alguns assuntos recebem um recorte específico para serem encaixados no programa, que tem perfil específico também. Nem tudo seria notícia ali. São escolhidos, entre tantos, aqueles que também servem ao tempo do telejornal. O assunto selecionado foi exatamente um que poderia interessar a quem não se interessa por coisa nenhuma: • 14 •
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As eleições 2016, para presidente dos Estados Unidos. Donald Trump vence Hillary Clinton e o recorte que esse tema recebeu foi como essa presidência poderá afetar a economia capixaba, uma vez que o Estado é o maior exportador de granito para os Estados Unidos. É assim que nasce a notícia, termina o tempo da pauta e se inicia o tempo da produção da notícia.
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o tempo da edição Quando cheguei à redação, ela estava sentada ali. Nem se podia dizer desde quando, mas que chegou primeiro, como de costume. Entre uma fala e outra, a ouvi dizer que havia sido às 3 horas da manhã. Já tinha lido o jornal do dia, nas versões impresso e online se atualizar logo cedo era uma forma de saber em qual tempo ela se encontrava. Estava no tempo dos primeiros passos para finalização do Bom Dia ES, televisivo do qual é a editora, produção que começou no dia anterior. O monitor de contagem regressiva marcava 5h40min. Pra mim madrugada, para Juliana Avanza meio do dia. Estava disposta e cheia de expertises de quem já está calejada da labuta que começa antes do sol dar as caras. Era tempo de • 16 •
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fechamento de produção. Faltam menos de 10 minutos para o jornal entrar no ar. Com os olhos sempre atentos na tela do computador, ela controla o tempo. Na mesa onde a editora estava tinha um aparelho, uma espécie de rádio relógio gigante, que ela cronometrava o tempo das entrevistas externas manualmente. A senti receosa. Observei que se tratava de um “buraco” de 2 min, que a incomodava muito. Buraco é um dos tempos previstos para o programa que ainda não foi preenchido com algum elemento da programação. Era tempo de completar. Não dá pra deixar assim. Tem que cobrir. O jornal tem um tempo fixo e não pode ocorrer vazio. Vi por vezes ela conferindo todas as matérias para ver se estava faltando ou sobrando tempo. Durante a checagem final, falava no ponto • 17 •
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com os apresentadores que estava produzindo as passagens para eles. Agora faltam 7 min para o programa entrar no ar ao vivo. Mas não tem tensão com relação ao passar do tempo. Ela parece o controlar de verdade. Diferente pra mim. Aqueles minutos me deixavam ansiosa, tinha impressão de ser pouco. Pra ela, quase uma eternidade. Fazia com certa tranquilidade seu trabalho. Dizem que quem trabalha em TV acaba assim. É como se tivesse esse relógio exato na mente. Sabem medir internamente o passar de cada segundo. Depois de 40 mim de noticiário, inicia-se um quadro fixo do programa. A entrevista de estúdio acontece em 10 min aproximadamente. Naquele dia, um secretário de Estado foi o entrevistado. Sem ser muito objetivo, gastava tempo sem dar a • 18 •
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resposta desejada. O que gerou um desconforto na editora. Na sala de controle, se podia ouvir em claro e bom som: corta ele (tire-o do ar). Era o tempo da entrevista. A entrevista não andava. Parecia perda de tempo deixar no ar um entrevistado que não dava a informação pautada. A editora levava as mãos na cabeça várias vezes se perguntando “o que eu vou fazer agora”, insistentemente conferia o tempo restante e energicamente falava alto que a lauda 21 e 22 haviam caído. A entrevista acabou 21min depois, o que impactou na respiração aliviada da editora e ao mesmo tempo no trabalho dela. Se antes havia um buraco, agora faltava tempo. Era tempo de ajustar. Reduziu as matérias, tirou o que era menos relevante e guardou alguns assuntos para o dia seguinte. • 19 •
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Repetiram-se informações sobre o clima na cidade e assim terminaram mais uma edição do Bom Dia ES. Era tempo de recomeçar. Amanhã um novo programa vai ao ar.
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o tempo do apresentador Quarta-feira, 12 de outubro de 2016, feriado. Marquei com ele um encontro. O intuito era saber como é o tempo de um apresentador de telejornal matinal. Mas o tempo foi o X da questão, mais precisamente a hora do encontro. Pelo menos pra mim. A exigência para acompanhar o trabalho era chegar cedo, no horário combinado, às 5h30 min da manhã em ponto, sem tolerância. Senão poderia calhar de não ter encontro nenhum. Cheguei no momento exato. Ainda era meio noite. Tenho que admitir que nessa hora do dia minha cabeça não funciona bem. Acho que ainda estava adormecida. O único pensamento com o qual me apeguei era a imagem de alguém ocupadíssimo e sério, daquelas pessoas que não têm tempo • 21 •
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nem de desejar um bom dia de volta, caso o cumprimentassem. Mas, já no primeiro momento, essa impressão imaginada caiu por terra. Entrei na redação e lá estava Mario Bonella sentado em sua mesa, tomando café e retocando os textos do Bom Dia ES. Quando o interrompi, chamando o seu nome em pé ainda na porta, ele prontamente veio me receber. Tinha no olhar serenidade e paz de quem tem todo o tempo do mundo. E um sorriso tão sincero, que me remetia a amizades antigas. Fez-me algumas perguntas de praxe de todo bom jornalista. Quis saber quem eu era e coisas do tipo. Depois, rapidamente, passou a me mostrar e explicar como as coisas funcionavam, as pessoas que o ajudavam na produção, as que trabalhavam na redação. Tambem • 22 •
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locais mostrou o específicos onde são feitas pautas, edições, gravações e etc. Logo voltou ao seu trabalho, pois ia entrar no ar dentro de alguns minutos e isso era impossível se ser ignorado. Na redação, todos falavam do programa. E ainda tem o monitor de regressiva, o tal relógio que conta o tempo ao contrário e mais parece um objeto encantado que atrai todos os olhares, segundo a segundo, principalmente o meu. Enfim, chegou a hora de ir para o estúdio. No caminho, o âncora ia aquecendo a voz produzindo um barulho esquisito, que parecia abelhas voando enlouquecidas. E conversava comigo sobre o tempo, que aquela altura já estava apertado. Entramos no estúdio: agora faltavam dois minutos para entrar no ar. Entramos • 23 •
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juntos e ele passou para o lado focado pelas câmeras. Eu fiquei meio tímida num cantinho. O apresentador se posicionou em frente à câmera e se preparou, ajeitando o terno e o cabelo. Mas, para mim, já parecia estar pronto. Era só falar. Uma coisa que ficou nítida é que esse tipo de jornalista de televisão é cheio do tempo da notícia na cabeça, parece ver o mundo pela notícia, de forma curta, mas cheia de informação. Começa o programa. Agora vejo um âncora mais sério, assumindo o posto de figura central no telejornal, sem deixar de fazer da notícia a protagonista da história que conta. E, também, um profissional preparado para possíveis alterações. Quando o jornal entra no ar, tudo ainda pode mudar. E ele deve estar ali preparado para, em segundos, ser capaz de corrigir tudo e com a naturalidade • 24 •
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imprescindível para não enlouquecer em meio àquele tempo do imprevisto.
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o tempo do repórter A jornada de trabalho para ele começa ainda na madrugada. Cinco horas da manhã André Falcão já está em busca da pauta do dia (roteiro jornalístico usado para orientar o trabalho do repórter na rua). Na redação, local onde tudo é planejado, ele recebe o roteiro algumas horas antes do Bom Dia ES entrar no ar. Para a pauteira, é feita uma pergunta: O que vamos cobrir hoje? Na mesa dela, umas folhas tamanho A4 impressas já estão separadas. Ali estão as informações de tudo que eles precisam saber, constando todos os ‘tempos’ do programa e o ‘tempo’ deles entrarem com a entrevista ao vivo. Com a pauta em mãos, o repórter se une ao cinegrafista e segue para o destino combinado. Vale o lembrete que repórter de TV não faz nada • 26 •
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sem imagem. Equipe não é luxo ou palavra motivadora, é necessidade para se fazer a notícia. No caminho, o repórter vai lendo a pauta e sabe exatamente como guiar a entrevista, não anota nada. As perguntas são formuladas na cabeça, no momento que entra no ar. Vai ser tudo espontâneo. O caminho é tranquilo. No carro, não tem pressão por causa do tempo e menos ainda de dar algo errado. Fazem piadas e brincadeiras, estão totalmente descontraídos. Eu não. Vi logo que não serviria para fazer aquilo. O repórter de TV que trabalha na rua tem outro ‘tempo’. Parece estar munido de um espírito aventureiro e gosta da adrenalina da rua, da liberdade e de não estar engessado de nenhuma forma. Já no local, rapidamente, o cinegrafista liga a câmera e se prepara para cobrir • 27 •
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a entrevista. É ele que usa o fone de ouvido, por meio do qual se comunica com o estúdio, se tornando dessa forma o relógio que marca o tempo do repórter. Reparei que checava a pauta várias vezes, conferindo o tempo corretamente para entrada do repórter. O entrevistado já estava lá no local. Chegou no horário combinado. Todos se cumprimentaram e ficaram ali posicionados no vídeo, aguardando o momento de entrar no ar. Quando chegou a hora, foram anunciados no estúdio e começaram a entrevista ao vivo. As perguntas brotaram mesmo da cabeça, na hora, conforme planejado. As perguntas foram feitas usando os ganchos dentro das respostas do entrevistado. Enquanto isso, sendo o entrevistado um carismático • 28 •
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prefeito, as pessoas passavam nos carros e gritavam o nome dele o tempo todo. O que me incomodava muito e era indiferente para o repórter, que continuava a entrevista normalmente. Finalizada a entrevista. Arruma-se tudo. Acabou aquele primeiro tempo do repórter. É hora de voltar para a redação. Outros acontecimentos vão definir seus novos tempos naquele dia.
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o tempo do cinegrafista A chamada na redação era para que a equipe fosse para um acidente na BR 101, perto de São Mateus. Ainda estava escuro quando eles saíram para o local. Tarefa nem sempre é fácil. Quase sempre envolve ver pessoas feridas e até mortas. Mas, naquele dia, um personagem diferente marcou aquele cinegrafista. Os olhos da notícia. São eles que registram todas as imagens que vemos nos telejornais, no estúdio de TV ou na rua. Estão sempre atentos para registrar flagrantes, buscar o melhor ângulo, pensar os enquadramentos e movimentar a câmera para mostrar tudo que acontece. Um acontecer que, por aquele registro, vai perdurar no tempo e pode ser restaurado do passado a qualquer momento para fazer presente à lembrança de • 30 •
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um fato. Seu ponto de partida é “bater o branco”, expressão que significa regulagem que faz com que a câmera restaure a cor mais branca possível para calcular automaticamente as outras cores e assim a imagem ficar mais parecida com a realidade. Em resumo, é qualidade. A preocupação dele envolve beleza, mas também verdade. Uma mudança de cor e a informação pode estar comprometida. Filmar cada cena que vai compor a notícia, ora em plano aberto, ora fechado, depende do contexto. Mas Fernando Estevão sabe exatamente que cada segundo gravado é imprescindível para contar bem uma história. Por isso faz imagem geral, mas também captura pequenos detalhes. Acompanhei uma equipe de reportagem na rua para • 31 •
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ver esse profissional em ação. Mas foi conversando que entendi a sua grande importância. No carro, ele me contou de um acidente que cobriu, tendo sido o primeiro cinegrafista a chegar ao local. Tratava-se de um acidente entre duas carretas, no Norte do Estado. Entre as vítimas, um menino de cinco anos, que ficou preso às ferragens, pedia ajuda. Ele gravava, enquanto vivia o drama da espera dos bombeiros que poderiam salvar-lhe a vida. Cinegrafista experiente, ele já viu de tudo. Histórias dramáticas, traumáticas, felizes, leves, pesadas e até difíceis de serem contadas. Mas nenhuma delas o impressionou tanto quanto aquele caso. Como ele me contou tudo? Com imagens. Falava e mostrava o que gravou pelo celular, voltando no tempo para narrar ao seu jeito e com o seu suporte principal. • 32 •
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Ao trazer o passado para o presente, ele o revive. O faz presente. Assim como acontece quando essa história, ou outra qualquer, é lembrada nos telejornais. Ali ele contou até o final, até o que aconteceu dias após o acidente, quando ele pode filmar o menino no reencontro com os familiares. No final, a minha sensação e expressão muda. A temporalidade também. A aflição inicial de falta de tempo se abre para um novo tempo. E, depois de ter concluído aquela conversa, o presente tem na mente aquele acontecimento. Depois de ver esse fragmento do trabalho dele na rua, minha percepção mudou. Nenhuma imagem é igual à outra. Mesmo que seja no mesmo local com as mesmas pessoas. Cada tempo é um tempo, uma experiência, • 33 •
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uma sensação. Na TV, o tempo se reconfigura para todos nós como o presente. E, na vida, nós nos reconfiguramos no nosso tempo e nas formas diversas de sua apreensão.
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o tempo do operador de TP Há quem não tenha como controlar o seu próprio tempo na execução das funções durante o telejornal. Em ritmo lento ou rápido, o outro é quem “diz” o que ele deve fazer; ou mostrar. Ele avança, retrocede e volta a avançar. E o tempo ganha ao longo do programa diferentes qualidades, alternando principalmente entre certo e errado. Seu instrumento de trabalho é o Teleprompter (TP) equipamento acoplado às câmeras de vídeo de estúdios de telejornais, que exibe o texto a ser lido pelo apresentador, é que por trás tem um profissional que vai rolando esse texto. É ele o operador de TP. É ele que tenta ler o texto do jornal junto com os apresentadores. Disse “tenta”, porque as coisas quando contadas • 35 •
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parecem bem mais fáceis do que se vê na prática. O operador de TP Luciano Castro trabalha na sala de edição. Este é um ambiente de concentração, a luz é baixa e ali estão mais ou menos sete profissionais durante a transmissão do telejornal. A atenção ao que se faz é tão intensa, que todos parecem estar sozinhos. Eu tive a sensação de nem ser notada por eles enquanto observava sentada num cantinho. Apenas nos intervalos me notavam, olhavam pra mim, pareciam confirmar minha presença ali, me perguntavam se eu estava bem e faziam brincadeiras uns com os outros na maior ‘zueira’. Aquela tensão ganha minutos de relaxamento, um tempo de descontrair. Mas quando o programa voltava ao ar, tudo voltava a ser como antes. • 36 •
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Operador de TP retomava a passagem do texto para o apresentador, que ora o lia, ora o abandonava e começava a improvisar. E improviso era tudo que o operador de TP não queria. Sua expressão de desaprovação era muito evidente e, em alguns momentos, chegava a balançar a cabeça negativamente. Às vezes se queixava em voz alta, quando os apresentadores não liam o texto. É como se o tirassem do jogo. Perdido no texto, ele esperava ser novamente escalado. Ficava parado esperando a hora de voltar e rodar o texto. Nas mãos, segura um controle que mais parece de um videogame antigo. Seu ritmo depende de cada apresentador. Cada um lê de um jeito, em uma velocidade própria. Com o tempo, conhece cada um e consegue-se viver com eles o mesmo tempo. • 37 •
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E o que era para ser preciso, passa a ser um risco de erro em potencial. Começa o programa e a atenção é concentrada. Ele precisa coordenar suas ações com os pensamentos dos apresentadores. Parece mesmo que esse profissional vai com o tempo exercitando certa telepatia. Mais do que acompanhar as falas, é preciso seguir pelos assuntos. Há uma necessidade de o TP estar ali, mesmo que os apresentadores não sigam à risca o que está escrito. Ele é fundamental para o telejornal ter boa qualidade e isso inclui a posição do apresentador, senão ficaria o tempo todo de cabeça baixa lendo as laudas e não olharia nos olhos dos telespectadores. Há dias em que os apresentadores seguem mais o texto escrito, outros menos. E o que o apresentador diz sobre não seguir o texto determinado? Os improvisos • 38 •
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deixam o telejornal mais espontâneo. Ao operador resta concordar. E que venham mais textos para rolar.
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o tempo do diretor de imagem A maneira que ele vê as coisas é só dele. É quando a gente entra em um avião. Quando a gente olha, tudo está arrumado e parece pronto, mas não temos muito a ideia do que ocorre na cabine de comando. Para um telejornal ir ao ar todos os dias, são muitos profissionais por trás trabalhando. Cada um com uma função mais específica do que a outra. Todos têm seu lugar e seu tempo de entrar em cena bem definidos. Minutos antes de começar o Bom Dia ES, ele entra na sala de edição e senta em sua mesa. É o piloto daquele avião. Na sua frente, são tantos botões de controles, que brincando dá para imaginar que por ali é possível controlar até o ar que a equipe respira. Parece mesmo que vamos decolar. O tempo para ele é • 40 •
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algo que nunca sai do controle, como algo que lida com muita calma, mesmo sabendo dos imprevistos e problemas que podem surgir. Mexendo nos botões, ele muda as telas. Na verdade um céu de telas, de todos os tamanhos, que formam um outdoor do tempo real, pelas quais se observa todos os enquadramentos, os comerciais da rede, a transmissão ao vivo do programa, entrevistas externas e informações que chegam do interior do Estado. As telas são como um mapa de navegação pelo programa e norteiam a execução exata das ações de troca de imagens e entrada de matérias durante a transmissão do telejornal. Mas imprevistos também ocorrem. Enquanto observávamos o trabalho do diretor, uma imagem entrou errada no ar. O grito é para apressar a retirada daquilo e fazer a correção • 41 •
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imediata. Não era a imagem certa. Dentro da sala, a equipe um pouco tensa comenta sobre o erro ao vivo. E, de repente, acontece algo pior. Todas as telas de controle se apagam ao mesmo tempo. Todos os profissionais envolvidos na produção começam freneticamente a estabelecer contato com as salas de transmissão e rede, correria para solucionar o problema. No meio do furação, o diretor, calmamente, informa: vamos fazer às cegas. Eu, olhando tudo, mal podia respirar uma vez que não tinha a menor ideia a quantas ia o programa. Mas ele deixou claro o controle do tempo e da situação. Uma equipe de apoio conseguiu reestabelecer a conexão. Tudo voltou ao normal. Quando questionei Amaro Gonçalves sobre a calma que ele teve no momento em que as telas • 42 •
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apagaram, ele respondeu: “Às vezes é preciso voar no piloto automático, senão você pira”. Assim terminou mais uma edição do Bom Dia ES. Ufa!
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o tempo do telespectador Aquela telespectadora acorda bem cedo e prepara o café da manhã para a família toda. O aparelho televisor é seu companheiro indispensável, pontualmente, às 6 horas da manhã recebe um bom dia animado do apresentador Mário Bonella, do telejornal Bom Dia ES. Alguém de quem ela se sente íntima. O programa inicia atualizando o tempo: trata-se da data, da hora e do clima local. Apenas depois vêm os principais destaques do dia. Naquele momento, a atualização do conhecimento sobre o que acontece na cidade é feito não apenas para essa pessoa, que é acordada pela TV, mas para toda a população capixaba, coletivamente e ao mesmo tempo, que estão sintonizados na TV Gazeta. Assim começa mais um programa. • 44 •
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Ela senta no sofá, começa seu dia. É o único momento que não está apressada com as tarefas do lar. Da sala de casa, ela faz perguntas, conversa sobre o assunto apresentado e responde aos apresentadores como se eles estivessem falando com ela. Para ela é exatamente isso, uma conversa que se passa ali. E eles estão contando as novidades. São as notícias que vão nutrir suas as conversas ao longo do dia, com quem também assistiu ou não ao programa. Quando percebi aquele contato tão direto e simples, achei até engraçado, mas consegui entender o sentido que ela dava para tudo aquilo. A telespectadora Alda da Silva tinha a crença inabalável de que estava recebendo a verdade em primeira mão, por profissionais que já tinham conquistado a sua confiança por anos que acompanha aquele programa. • 45 •
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O elo entre apresentador e telespectador é algo que só se solidifica com o tempo. O jornalista narra os fatos para contar a diversos telespectadores que não viram o que ele viu. Mas que, apesar disso, têm suas vidas atingidas e querem saber. Do outro lado da tela, o receptor busca no apresentador alguém com quem tenha empatia, quase que um amigo com quem bate-papo toda manhã e o estima como sua fonte de informação verídica. O tempo do telespectador parece ser esse tempo da troca. Ele dá confiança e recebe informação. É o possível tempo em que se constrói a credibilidade.
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Apesar do livro de crônicas ter sido escrito por uma estudante de jornalismo, o olhar de fora é puro e genuíno. Nunca havia visitado uma redação de jornal, nem participado desse mundo dos jornalistas. Não trabalhei na área em nenhum período. O meu tempo é o tempo do telespectador. Acordo cedo e ligo a televisão da mesma forma que milhares fazem. Quero saber do tempo e se há algum engarrafamento. Ter estado ali, vendo aquelas pessoas trabalharem me permitiu entender o conceito de presentificação e temporalidade de forma muito viva. Tudo era extraordinariamente novo pra mim e completamente o inverso do que esperava ver. Aprendi muito.