Sobre o deserto (a propósito da cotidiana tarefa de desenhar a existência)
O artista é aquele capaz de ver no ordinário o extraordinário, exatamente como Rainer Maria Rilke prescreveu ao seu correspondente, Sr. Kappus, em Cartas a um jovem poeta: se o cotidiano não é suficiente para o poetar, o problema está na insuficiência poética do poeta, e não na opacidade do que se apresenta como meramente trivial. Nessa perspectiva, o tema do deserto vale como paradigma do criar/criar-se, isto é, do poder poetar, produzir, do poder posicionar no âmbito do ser algo que ainda não é, de modo a juntar-se à gênese da realidade, tornando possível a vigorosa experiência do movimento de essencialização do ente. Assim queremos compreender a origem da criação do si mesmo, a estética de si, a existência como obra de arte. Clássico em nossa tradição, usado como imagem de um momento decisivo na trama bíblica protagonizada por Jesus Cristo, o deserto, antes de qualquer realidade geográfica ou topográfica, indica um lugar existencial, um ateliê de elaboração do ser em geral. A dimensão técnica do desenhar, na qual se inscreve profissionalmente o artista, aparece em sua simultaneidade com a dimensão ontológica/ontogenética do desenhar-se, universalmente comum a toda a humanidade. Salienta-se assim o caráter ficcional da própria realização da realidade, traço fundamental que se deixa ver de modo mais transparente na linguagem artística, cuja condição de
possibilidade é a assunção do interesse criativo. É nessa perspectiva que o deserto vale como ponto de partida essencial – seja ele a página em branco, o suporte vazio, a radical singularidade de cada existente ou, mais fundamentalmente, o fato de que a existência nela mesma permanece sempre inacabada, sempre a ser intermitentemente esculpida. O que somos/devimos, o que os outros e as coisas são/devêm, isso tem que ser criado. A experiência artística do desenhista, sua interminável tarefa de enfrentar o branco do papel, o vazio do suporte, aponta para a consideração filosófica de que somos desertos no deserto, e isso deve ser assumido integralmente por todos que querem dadivosamente, artisticamente, doar ser ao nada: seja fruto da ciência, da religião, da filosofia ou da arte, toda verdade, todo bem e todo belo terão sempre o estatuto da criação, da interpretação, do impulso de nomear e significar a vida humana, de avaliar e inventar o real. Nessa perspectiva, então, a totalidade da existência, incluídos nela os mais sublimes e os mais terríveis fenômenos, aparece como obra de arte. Daí, então, a consideração de Zaratustra: “é preciso ter ainda um caos dentro de si, para poder dar à luz uma estrela dançante” (Assim falou Zaratustra, Prólogo, § 5).
Adolfo Oleare
DESERTO GRÁFICO Luciano Feijão & Gabriel Albuquerque
21 Nov - 31 Dez Galeria Homero Massena
EXPOSIÇÃO
Agradecimentos
GALERIA HOMERO MASSENA
Alex Vieira Abertura
André Magnago
Endereço
20 de Novembro, às 19h
Coletivo Peixaria
Rua Pedro Palácios, 99
Janaína Mariano
Cidade Alta, Vitória - ES
Bate-papo com os artistas e
Lajos Szalay
lançamento do catálogo
Sergio Toppi
Horários
27 de Novembro, às 19h
Vitor Lorenção
terça, de 10h às 21h
Curadoria
Apoio
sábado, de 13h às 18h demais dias, de 10h às 18h
Julio Tigre Agendamento de visita Textos Adolfo Oleare Julio Tigre Design Gráfico Wérllen Castro
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