TOMOS, sonetos

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sonetos



TOMOS sonetos

Guilherme Aquino Ney





Ao meu pai Wilson, a minha prece: No peito rasgado em pedaços, outrora repleto de amor, busquei o calor do seu riso, perdido na dor, no cansaço. Quebrei a saudade da flor, desfeita no mármore liso. Toquei o seu leito orvalhado, quebrado, perdido na terra, sozinho, afastado do mundo, que vi florescer ao seu lado. Meu Deus, esta dor dilacera, irrompe meu pranto profundo, e abraça um grito abafado que eu sinto na prece que sai. Quisera cavar este chão, rasgar o concreto manchado de rosas, de amor ao meu pai. No fundo da terra e dos palmos, beijar o seu rosto, o que resta... Ficar ao seu lado, quietinho, e, no abraço último e forte, buscar, bem de manso, um carinho, e o beijo gelado da morte! À minha mãe Neyde: Vovó Neydinha, mãe Neyde, fiz do teu ventre o meu leito, mas só no céu é que eu hei-de dar-te o meu verso perfeito!


À minha esposa Bebel:

À parte gêmea mais pura dedico o livro completo. O nosso amor se mistura à luz do céu... nosso teto!

Aos meus filhos Wilson Guilherme, Felipe e Alexandre: Vós sois o amor mais profundo que Deus criou no meu peito. Trouxestes cores de um mundo mais lindo, puro e perfeito! A luz do Cristo menino abençoou meu caminho, cravando no meu destino Guigui, Felipe e Xandinho! Ao meu irmão Paulo Roberto:

O meu poeta de escol, de lapidar maestria, lançou seus raios de sol no livro meu que nascia!


Ao meu irmão Wilson: Quando papai, de partida, deixou-nos mortos de dor, aliviaste a ferida, nos dando novo vigor! Ao meu irmão Ricardo:

Ao meu irmão Sérgio:

Tu defendeste, Ricardo, os gols difíceis da vida, mas, apesar desse fardo, tu encontraste a saída!

Tu és o amigo mais perto que eu tenho ao longo da sorte. Guardo no peito, decerto, o teu abraço mais forte!

À família Barcelos: O meu amor eterno e infinito, pelas provas de amizade sincera, que vão além da assertiva do saudoso Prof. Álvaro Barcelos: “Amigos são os teus pais, teus filhos e teus irmãos. Podes contar os demais nos dedos das tuas mãos!”


Agradecimentos especiais:

Ao meu irmão Paulo Roberto de Aquino Ney, poeta de primeira grandeza, pelos ensinamentos, comentários e correções, sem os quais eu não teria conseguido navegar na arte dos catorze versos. É oportuno realçar um poema de sua autoria, em homenagem aos amantes da arte:

Banquete Cortem a minha carne e sirvam-na aos invejosos: A fome deles é grande demais! Quando acontecer o trágico delírio da morte aparente, meu espírito flutuará mais alto do que pensam. Eu abomino as vozes dos injustos e o concerto uníssono que fazem! Podem cortar a minha carne para o regalo dos brutos: Não é para eles que falo! À Ana Amélia de Barcelos, minha cunhada, mais que irmã, pelos comentários, sempre pertinentes, e revisão final. À equipe de design, formada por Alexandre Barcelos de Aquino Ney, Wérllen Castro Baptista, Dalmo Rogério Ferreira e Gustavo Senna.


Aos patrocinadores que, na grandeza do anonimato e da amizade que me dedicam, tornaram possível a publicação deste livro. À Escola de Minas de Ouro Preto pelo moto da minha vida: “cum mente et malleo”.

Vitória, dezembro de 2007 Guilherme Aquino Ney


Apresentação

Conheci Guilherme Ney em 1979 quando ele veio para Vitória para integrar o corpo gerencial da Siderúrgica de Tubarão (cst), Serra – ES. Recém-chegado de Ipatinga – MG, onde havia sido o responsável por importante unidade da Usiminas, trazia o Guilherme fortes credenciais para encarar a implantação da nova siderúrgica no estado. Minha primeira impressão a respeito dele foi muito favorável, confirmando o dito popular de que “a primeira impressão é a que fica”. Engenheiro metalurgista de primeira linha da era de ouro da Escola de Minas de Ouro Preto, turma de 1972, vinha o Guilherme com uma bagagem de profissional afeto às novas tecnologias de fabricação do aço. Especializações no Centro de Pesquisas de Metz, França, e em várias usinas do Japão, fortaleciam a sua sólida base acadêmica. E confirmou isso ao longo de toda a sua carreira na cst. Simples, sem ser simplista, e dotado de uma profunda compreensão pessoal de toda idéia, de toda experiência, conecta-as com rara perfeição. De sobra, conta ainda com forte intuição. Um mestre indiano pronunciou um dia uma máxima que retrata bem a maneira de


ser do Guilherme: “Vida simples, pensamento elevado”. Pensamento elevado quer dizer valores humanos e espiritualidade sã. Mesmo sendo um virtuose, está sempre se aperfeiçoando, incansavelmente irradiando princípios e valores, técnicos ou de vida, promovendo uma atmosfera extremamente saudável dentro e fora do ambiente de trabalho. Infelizmente, estes atributos do caráter estão cada vez mais escassos na nossa sociedade de hoje, que, ao invés de cultivá-los arrastam a consciência para caminhos perniciosos. O psicólogo e pensador Erick Fromm dizia: “O caráter indica até que grau um indivíduo conseguiu êxito na arte de viver”, ou seja, o caráter define se a vida de uma pessoa foi bem sucedida ou fracassada. Ernest Becker conclui: “O homem não pode evoluir além de seu caráter. Ele está preso a esse caráter. Em outras palavras, ele não pode evoluir sem o caráter”. Íntegro, Guilherme marca a sua passagem neste planeta como homem avesso à braveza, à exacerbação de poder, às amizades interesseiras, ao mero oportunismo, à esperteza. Uma parte, por dna, a outra, pela formação cristã que trouxe de berço. Devoto fervoroso de Santa Teresinha do Menino Jesus, a Santinha de Lisieux, o meu amigo e irmão de vida, Guilherme, tem o dom da bondade, sempre atento às virtudes alheias, doando mais do que exigindo, preocupado com o bem estar do próximo. Este é o Guilherme que


conheço e a quem eu tenho a honra de atender a este seu pedido, escrevendo essas linhas e apresentando-o aos leitores que certamente se encantarão com a sua obra. Faço-o com muita alegria e expressão sincera de grande amigo e apreciador de suas virtudes e indiscutível talento. Celso Silveira Rosa


Prefácio

Do italiano sonetto, que significa pequena canção, o soneto veio à luz no século xiii, na Sicília, e, desde então, não parou de evoluir. D’Arezzo, Petrarca, Dante Alighieri, Camões, Bocage, Baudelaire, Bandeira, Bilac ou Cruz e Sousa, todos se notabilizaram na difícil arte de escrever poesia em quatorze versos. Escritores de elevadíssimo quilate e sonetistas que alcançaram a perfeição, as suas obras foram estudadas com sabedoria, muitas em seus originais, por Guilherme Aquino Ney. Não foi um trabalho improfícuo! Destarte, eu posso afirmar, desde que li, com prazer e isenção, os sonetos de Guilherme, irmão meu de sangue e de sonho, que os deuses da poesia estão em festa no céu. E entre querubins, as rimas voam engalanadas perante o seu talento incomum, que reponta verticalizando idéias tecidas de luz e palavras que parecem prendas em procissão. Guilherme, tendo vivido nos Estados Unidos, onde fez o High School, e na França e na Alemanha, berços de nossa família, também passou bom tempo na Itália e no Japão. Devo deixar bem evidente que esses detalhes, como os traços do jogo da amarelinha, são necessários para que


o leitor/partícipe alcance a plenitude do conhecimento e o elevado grau filosófico/racional dos escritos de Guilherme, eis que a pedra que marca o referido brinquedo voa, com sublimidade e leveza, do coração deste mágico sonetista, e vai pousar, com precisão milimétrica, no coração de cada leitor. Em verdade, a pedra é, e sem o menor exagero, uma pedra filosofal que ele usa com incomparável facilidade, o que não constitui surpresa para os que privam de sua intimidade artística e reconhecem o seu engenho poético superior. Embora às vezes empregue inovações ou características próprias de um modernismo subjetivo e lírico, exatamente quando decalca na construção verbal sinais inigualáveis dos seus recursos camonianos, é no parnasianismo e no simbolismo que ele voa pleno e alto em busca da mestria essencial e estética. Aí, os sonetos se sucedem, linhas de espanto e claridade, letra a letra, página por página. E a páginas tantas, o leitor se encanta pela poesia de Guilherme, tornando-se deveras impossível ou irrealizável a escolha de uma peça ou outra. Todas trazem a chancela e o requinte da excelência artística. E eu, também poeta, e preso por laços invisíveis de surpresa e admiração, revisito os poemas e não consigo enunciar qual o melhor: todos reúnem as qualidades da perfeição! Todos!


Meu querido irmão: o tempo ser-lhe-á justo! Não importa quando, você receberá o galardão que a posteridade reserva aos que sabem honrar a poesia. Que você tenha ainda longos anos nesta profissão de fé, sublime e singular, que é ser poeta, e sob as bênçãos de Jesus Cristo e de sua protetora, Santa Teresinha de Lisieux!

Com amor e admiração, Paulo Roberto de Aquino Ney

da Academia Campista de Letras da Academia Fluminense de Letras



Sumário Da Vida A selva (tributo a Dante Alighieri), 25 Sinfonia dos sonetos, 27 Sonho, 29 Pedaços, 31 Caridade (tributo a Machado de Assis), 33 Concupiscências I, 35 Concupiscências II, 37 Concupiscências III, 39 Concupiscências IV, 41 Deixa, 43 De que me vale?, 45 Perdão, 47 Entre nós dois, 49 Indiferenças (tributo a Antônio Elmo O. Martins), 51 Inferno (tributo a Dante Alighieri), 53 Lágrima, 55 Meu soneto (tributo a Paulo Roberto de Aquino Ney), 57 Santa Teresinha, 59 Retorno, 61 Retalhos, 63 O abacateiro, 65 O avesso, 67 O meu ocaso, 69 Perfeição (tributo a Taís Barcelos de Azevedo), 71 Sobreparto, 73 Saudade (tributo a Vladimir Santos), 75 Sinais (tributo a D. Ceci França), 77 Sinfonia dos soluços, 79 Amigo (tributo a Celso Silveira Rosa), 81


Ardor, 83 As mãos, 85 Baixada Goitacá (tributo a Álano Barcelos), 87 Brasil, 89 Certeza, 91 Medo, 93 Meu abrigo, 95 Minha paz, 97 Não, 99 Nosso começo (tributo a minha esposa), 101 Dos Números Caminhos, 107 A outra conta, 109 Números, 111 Energia, 113 Dois-mais-dois, 115 Da Morte A dor, 123 Páginas, 125 O mar, 127 A morte, 129 A volta, 131 Da Alma A alma, 137 A voz, 139 Quietude, 141 Luzes mortas, 143 Reencontro, 145 Viagem, 147


Aceno, 149 Cores, 151 Deus, 153 Estrelas, 155 Filho pr贸digo, 157 G贸lgota, 159 Luzes, 161 Matizes, 163 Natalis, 165 No meu cansa莽o, 167 A cruz, 169 A vis茫o, 171 Gritos, 173 O fim, 175



Da Vida





A selva

(tributo a Dante Alighieri)

São três as feras de uma selva escura: a violência desse inferno imundo, a incontinência pela carne impura e a fraude sórdida que engana o mundo! A caminhada já não é segura, e os passos pesam nesse chão sem fundo. O medo chega... o crivo da censura vai acenando o círculo segundo... De pronto, a paz iluminou Virgílio, vinda do Limbo, o provisório exílio, com sua vela a demarcar a estrada. Tomou no colo Dante e, num sorriso, abraçou forte a fé do paraíso, para seguir a sombra deslustrada.

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Sinfonia dos sonetos

Guardei os sons da minha sinfonia, sem que sequer soltasse a minha voz. Senti minha alma, numa dor atroz, sangrando os pés nas pedras da agonia. Busquei meu pranto triste e a sintonia, para alcançar, no mar, a minha foz. Fui tropeçando, tonto e mais veloz, ao perceber, de longe, a melodia. Eu procurei a porta da saída, e, na batuta, a orquestra descabida quis rabiscar quartetos e tercetos. Mas, só depois, livrei meu peito e o canto, no impulso grave, livre e sacrossanto, de aqui poder deixar os meus sonetos!

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Sonho

Não perco agora o senso e nem discuto razões mais pobres, tolas, sem sentido. Eu guardarei o espírito ferido, até que a morte envolva-me em seu luto. Neste silêncio, a voz de Deus escuto, a me calar o choro desvalido. Se nesta alfombra sigo assim, perdido, percebo um toque hábil, mais arguto. Sou eu quem cresce, enfim, com meu sorriso, a gargalhar, na terra, o paraíso que em minhas mãos sangrando, triste, eu ponho. Não perco o passo alegre de criança: reponho, aqui e sempre, esta esperança de ter, de novo, o meu primeiro sonho!

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Pedaços

Colei pedaços de uma sorte inteira, alinhavando o céu, tudo o que eu pude... Joguei de novo, assim, bolas de gude, pisando a terra próspera e primeira. Foi nessa busca quase derradeira, que o velho chão, em sua plenitude, calou, de vez, a minha inquietude, sem nem deixar os traços da poeira. Colei muitos pedaços, pouco a pouco, gritando, mundo afora, feito um louco, sem ter sequer meu riso aqui comigo. Juntei os traços desta minha vida, sem pressentir que a fúria enlouquecida tirou a dor de mim, a dor que eu sigo!

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Caridade

(tributo a Machado de Assis)

“Oh! flor do céu! oh! flor cândida e pura”! Rasga, no azul, a cor da luz divina! Derrama as cores fartas; nos ensina a iluminar, de vez, a terra escura! Vem flor do céu, vem plena de brandura, a nos molhar assim, qual chuva fina. Na mansidão dos justos, descortina o amor inteiro e uno: a nossa cura! Chega! Escancara a porta da verdade! Entra, mais bela e nua, Caridade, para tirar do mundo essa mortalha! Sem caridade, somos o que somos! E, no final dos livros e dos tomos, “ganha-se a vida, perde-se a batalha!”

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Concupiscências I

Desliza a pena, frouxa e sorrateira, sobre o marfim do impávido caderno. A percorrer o espaço mais interno, a tinta azul mergulha, toda... inteira. A pena vai feliz assim, faceira, beijando, tonta, o derredor externo. Mesmo no sonho do primeiro terno, veste o caderno a manta derradeira. Ao te orgulhares dessas grandes obras, mata-borrão, enxuga as poucas sobras, e esconde um verso (ou dois) do grande enredo. Guarda no peito as manchas desse resto, até que a luz exponha, então, de presto, a languidez de todo este segredo!

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Concupiscências II

A mão afrouxa do espartilho a prenda (cada algodão daquela peça fina). Uma outra mão anseia, em sua sina, todo o calor que emana, renda a renda. Sucumbe a malga, e um seio se desvenda, e treme, geme, grita e desatina! Mais uma taça, e a poma cristalina se expõe rotunda, no romper da venda. As quatro mãos unidas, quase em prece, enroscam-se em cetim que torce e tece as duas partes lânguidas no leito. Lençóis de seda ofegam de cansaço, como a mostrar que todo aquele espaço sente prazer, também, no amor bem feito!

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Concupiscências III

Todo o teu corpo lânguido estremece, nessa distância curta entre os sentidos. Teus olhos descem, meio adormecidos, juntos ao chão, num rogo que enternece. A pele rubra treme e nos aquece, a relembrar namoros e gemidos. Seguimos, pois, assim embevecidos pela paixão (e o amor que a fortalece). Nosso lençol desliza-se, fremente, como a agitar o ardor incandescente dos beijos desprovidos dos teus medos. Cada lamento roça o chão e o teto, e escorre nas paredes todo o afeto, molhando as nossas fronhas de segredos!

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Concupiscências IV

Se te calares, pálida de espanto, aos meus sussurros, plenos dos apelos, eu cuidarei de ti, nos meus desvelos, a desvendar teu colo sacrossanto. Se te furtares em despir teu manto, a disfarçar teus seios nos cabelos, juro que vou contá-los, para tê-los presos aos dedos, feito um terço santo. Se te chegares, pouco a pouco, perto, entenderei que quererás, por certo, ter o meu corpo inteiro como prenda. Se eu conseguir o amor incontinente, sentir-me-ei, então, um expoente, a procurar, sozinho, a nossa senda!

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Deixa

Deixa de lado as dores do passado e cada nódoa negra da tristeza. Rasga as entranhas torpes da vileza e a chaga imensa e podre do pecado. Deixa de lado o canto desamado e cada aceno pobre da nobreza. Levanta aos céus a prece da certeza do coração mais leve e desarmado. Deixa de lado os sonhos já vividos e todos esses passos percorridos, para vestir o manto da esperança. Deixa de lado... e guarda um quase nada do que entristece a vida amargurada, para voltar, de novo, a ser criança!

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De que me vale?

De que me vale um verso podre e roto, a reclamar a vida que eu deixei? Mais vale o cheiro impuro desse esgoto que o choro vão e vago que abracei. De que me vale o azedo ar do azoto, a malfazer as preces que rezei? Mais vale a rosa morta, já sem broto, que as gargalhadas que nem mesmo sei. De que me vale a noite maldormida, se eu não alcanço a mão empalecida, a me fazer sonhar meu sono inteiro. De que me vale, assim, um sonho antigo, se já não posso, e triste não consigo ter meu sorriso largo e verdadeiro!

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Perdão

Há quanto tempo a luz acinzentada cerrou o véu da minha fé mais crente? Há quanto tempo o meu perdão ausente trouxe os grilhões da vida atormentada? Há quanto tempo a carne desamada enfraqueceu meu corpo e minha mente? Há quanto tempo o mal mais diligente fez-me de presa na sutil cilada? A caridade abriu-me uma outra porta: a do perdão, que chega e nos exorta a jogar fora o orgulho que entorpece... Esse perdão, que vem acompanhado do mais profundo amor acalentado, é a luz da fé que chega, prece a prece!

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Entre nós dois

Entre nós dois, o abismo dos mistérios, nesse vaivém eterno de energia, trará à tona a base dos critérios, para juntar a terra e o céu, um dia... Poetas vivem só, em monastérios, no insano exame, oh! Deus, da poesia. Em suas celas, longe dos impérios, rabiscam versos altos de alforria. Nós todos somos luz, mas luz cansada, nas curvas lentas dessa nossa estrada, qual candeeiro já sem brilho inteiro. Entre nós dois, o abismo, então, de luzes, desenhará, de vez, as nossas cruzes, recolorindo o tempo derradeiro!

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Indiferenças

(tributo a Antônio Elmo O. Martins)

Meu coração gemeu na iniqüidade da indiferença podre do passado. Tombou sozinho, assim dilacerado, no esboço do desvão de uma saudade. Curvou-se ao peso imenso da vaidade, na corrosão do tempo espezinhado! E fibrilando lento (malformado) foi costurando a sorte da verdade. O coração pode ser alma viva de uma outra vida mais consecutiva, sem se deixar levar por qualquer crença! Eu sigo tonto ainda, mas leve e solto, a procurar este meu mar revolto, até que a morte faça a diferença!

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Inferno

(tributo a Dante Alighieri)

A rastejante podridão morfética percorre a mesma escuridão danada. E a turvação dessa visão profética vai acendendo esse pavor do nada. São habitantes de uma esfera cética que gira tonta, sem noção da estrada. São vultos tristes! Sem a fé poética de um simples círio, de uma luz velada. São as lembranças torpes, tão sofridas, apedrejando todas as feridas. A consciência, essa voz clamante, é o julgamento dos que são Pilatos, dos transgressores, dos Caifás ingratos, que se defrontam com Minós... de Dante!

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Lágrima

Da lágrima sentida, a fase densa rasgou meu rosto em rugas ressecadas. Reacendi as velas apagadas, a procurar, de novo, a minha crença. Da lágrima perdida, a parte extensa trouxe-me sombras tristes, mal-amadas. Ah!... Figuras, assim, enfastiadas, tirem daqui essa tristeza imensa! Façam do cinza-escuro o azul profundo, para que eu possa, então, sentir o mundo no seu matiz de cores lindas... puras... Tragam-me a dose leve do meu pranto, esse remédio cristalino e santo, deixando, pois, perenes, nossas curas!

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Meu soneto

(tributo a Paulo Roberto de Aquino Ney)

O meu soneto — assim eu quis fazê-lo — chegou mais pleno e farto, e sem rasura. Rasguei a tela branca do desvelo, a procurar matiz à tua altura. Eu colori de azul o meu apelo e desenhei, de leve, esta ventura. Nos meus catorze versos, o teu zelo se fez marfim bem claro, de brandura. Segui, então, após os formidáveis números puros, quase intermináveis, a procurar a soma da partida. E tu vieste, amigo, o mais irmão, para me dar, bem presto, a tua mão, e me ensinar os versos desta vida!

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Santa Teresinha

Nosso arco-íris, colorido e denso de rosas lindas, logo após a aurora, é chuva e pranto, de um perfume intenso, que vêm jogar as nossas dores fora. As rosas brancas trazem paz e o senso do amor maior por essa cruz que chora. As amarelas trazem forte incenso, e as mais vermelhas, cor que não descora. São elas fontes de um matiz distante (divina prece pelo céu reinante) da fé perfeita da “Pequena Via”. É luz brilhante, de um azul profundo, que Deus deixou, na perfeição do mundo, no coração da peregrina guia.

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Retorno

Eu sempre vejo a luz no lado triste e oposto, a me mostrar que estou no meu antagonismo. Procuro nesse espelho a imagem do meu rosto, a jogar fora o resto: impĂĄvido egoĂ­smo! Rastejo, vacilante, e amarro o meu oposto de uma vontade vĂŁ, que beira o ceticismo. Levanto o corpo lento e bebo a contragosto o suco da videira amarga, do empirismo. Eu sigo a luz que traz reflexos de outras vidas, pois sei que, assim, eu conto os pontos das partidas, para tornar mais leve a cruz que me socorre. Mesmo na chaga, o amor mais puro me alimenta, e a prece vem, sorri, gargalha e me acalenta, a me envolver na luz que chega viva... e morre!

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Retalhos

Juntei retalhos de uma vida inteira, feito um quebra-cabeças malformado. Eu já não sei se um traço apequenado irá cerzir a forma mais certeira. De qualquer jeito, a trilha mais matreira fará crescer meu riso forte e o brado, e um sol reposto, frio e deslustrado, trará o canto e a rima derradeira. Juntei pedaços pelo chão, perdidos, sem decalcar papéis, já esquecidos, de vidas outras tidas no passado. De novo, junto os cacos pequeninos, e vou revendo todos os ensinos, até que o tempo corra, desgastado!

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O abacateiro

O abacateiro vinha, altivo, à cabeceira do leito aconchegante e morno em que eu dormia. Era uma sombra viva, e a lua aparecia (no seu matiz de branco e cinza), mais faceira. Num faz-de-conta, aquela imagem (qual bandeira a balouçar um galho aberto) me dizia do que se vê por trás dos vãos da gelosia, essa treliça aposta ao céu da vida inteira. Guardei, então, no peito estreito, os seus segredos, ao enterrar, naquele espaço, esses meus medos de abrir, de vez, a porta escura das procelas. O sol chegava sempre, assim, tão luzidio, a me levar o vulto alegre e fugidio, e sepultar a noite amiga, nas janelas!

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O avesso

Virei do avesso o podre e o corpo rude, a dissecar a vida, a passo e passo. Sangrei a dor da minha inquietude e conversei com ela em meu cansaço. Rasguei a carne à unha (e o que mais pude) para entender os nós, de laço a laço. Senti o ardor da minha desvirtude por me calar, assim, no meu regaço. Virei o podre rude desse avesso, para beber o sangue grosso e espesso, de erro mais erro, mais e mais coberto. E, de repente, o coração cansado tombou tristonho, meio que adernado, a procurar, de novo, o lado certo!

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O meu ocaso

O meu ocaso veio, assim, de pronto, sem nem querer olhar a minha estrada. Chegou, mas não me disse quase nada, na covardia podre e sem confronto. Era um pedaço apenas, tosco e tonto, dessa matéria vil e desalmada, a transmitir com voz desfigurada a sua velha mágoa, ponto a ponto. O mal inteiro veio, embrutecido, para encerrar meu tempo entristecido pela soberba desse inferno antigo. Refém desse poder... da podridão... cravou a dor em mim, manchou meu chão, mas se esqueceu que Deus está comigo!

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Perfeição

(tributo a Taís Barcelos de Azevedo)

Eu procurei, na fé, a luz divina, para apagar, de vez, a tua dor. Emoldurei um quadro multicor dos passos teus alegres de menina. Tracei, à mão mais forte, a linha fina da perfeição suave de uma flor. Cerzi, no céu inteiro, o enorme ardor, que trazes, minha irmã, na tua sina. A noite não virá, assim, de pronto. Terás os dias lindos, ponto a ponto, e a vida eterna e calma no teu peito. Caminharemos todos, ao teu lado, no colo santo de Jesus amado, a carregar a cruz do amor perfeito!

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Sobreparto

Já não pertenço ao ventre torpe e tenso — marrom de ferro —, sem a luz do mundo. Senti na carne o corte mais profundo, a lancetar, também, todo o meu senso! Jorrou meu sangue, inciso e denso, a me afogar, segundo por segundo! Morri um pouco, ao mergulhar bem fundo, mas inspirei meu ar, limpo e distenso. Ao permear as dores, trago a trago, senti de Deus seu toque, seu afago, e todo o seu amor, mais pleno e farto! Se a luz falar mais alto à consciência dos párias do poder (essa excrescência), não sentirei a dor de mais um parto!

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Saudade

(tributo a Vladimir Santos)

Aquela velha e alegre gargalhada fez ressoar, no meu ouvido atento, seu canto rouco — ainda morno e lento — a dissertar a nova caminhada. Então sorriu, mas não me disse nada que registrasse o mágico momento do derradeiro abraço — meu alento — a me apertar o peito e a dor sangrada. Depois, a luz mais forte e mais brilhante fez lapidar o talho do diamante, gravando a dor tão triste da saudade... E me acenou... sem pranto... sem partida... como a dizer que toda a sua vida ficou valendo pela eternidade!

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Sinais

(tributo a D. Ceci França)

Desliza, ainda, o giz na pedra fria, a desenhar, de leve, o meu destino. Esmiúço as letras (cada traço fino) para entender sinais da profecia. Mergulho, então, nos vãos da gelosia, para encontrar meus sonhos de menino. De novo, e sempre, nesse desatino, o giz rabisca o quadro a cada dia. O lápis branco, aposto ao breu da lousa, faz um aceno e, de repente, pousa, exato, em cima de uma luz certeira. Suja de cal, a mão da mestra aponta para o sinal (de mais) da minha conta, mas não consigo ver a soma inteira!

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Sinfonia dos soluços

A nossa orquestra traz a nostalgia dos descaminhos tristes do passado. Se não andamos juntos, lado a lado, sofremos, sim, a mesma dor, um dia. Os sons suaves vêm da estrela-guia, a cintilar no céu enluarado. Se o peito bate mais descompassado, decerto canta hinos de alforria. Choremos, pois, na cintilante alfombra, (para molhar a trilha, já sem sombra) feito crianças, pelo chão, de bruços. A caridade exige que o perdão faça partir, de pronto, a solidão da sinfonia lenta dos soluços!

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Amigo

(tributo a Celso Silveira Rosa)

Os risos largos, plenos de alegria, inundam nossas almas de certeza. Nas nossas contas, longe da vileza, eu vejo o sol reinventando o dia. Olhos de aplauso e toques de alforria cantam os prantos tristes da pobreza. Jogamos fora as rimas da riqueza, a gargalhar a nossa sinergia. Nas nossas mãos apertos se acrescentam, e em um — ou dois abraços — se sustentam, na cor brilhante e forte da amizade. Deponho em Deus este soneto, amigo, para brindar o afeto mais antigo e a luz da fé de toda a eternidade!

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Ardor

Eu já não tenho o ardor da mocidade nem o sorriso alegre de menino. Trago comigo o traço forte e fino de alguns desenhos tortos da igualdade. Percorro os passos tristes da saudade e de uma vida feita em desatino. Percebo a sombra... e tudo que abomino, desde o meu parto até a velha idade. Eu choro tanto, oh! Deus, e cada pranto não vê, sequer, as dobras do meu canto, e o azul mais branco e fosco... já sem cor. Na alma mergulho, e vejo à minha frente toda a verdade, clara e transparente, que chega a mim gemendo, assim, de dor!

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As mãos

As mãos divinas deixam-me o torpor de um sono calmo e denso em cada prece. Eu alço um vôo alto e me aparece, de Deus, o vulto claro e redentor. Eu vejo, então, sumir a minha dor, feito um remédio forte, que adormece o corpo inteiro e exausto, que anoitece, a tracejar meu passo aonde eu for. Das mãos que chegam, brotam, bem de leve, todas as rosas, brancas como a neve, para acalmar meu lúdico destino. E nos abraços fortes dessas mãos, eu me aconchego mais aos meus irmãos, no nó de um verso torto de menino!

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Baixada Goitacá (tributo a Álano Barcelos)

Desesquecido — meio que entristado — passo o escovão no velho chão da vida, e vejo cada sonho debulhado na antiga bonitura desdormida. O meu olhar tremoso e pitangado pocou-se nesta face emagrecida. Senti este meu corpo fuxicado, sem mais pegança... quase de partida. Esfumarado, o céu soltou falança, pra vigorar as frutas da bonança, de-já-hojinho, como antigamente. No sorrilando, a terra da Baixada toda desgrama esconde em disparada, por merecência dessa nossa gente!

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Brasil

A minha terra tem um chão inteiro e as cores fartas de um matiz imenso. O seu abraço é sempre tão intenso, que a verde mata emana, assim, seu cheiro. Eu tenho o mar azul, o azul ligeiro, a me trazer o brado, ao céu apenso. Tenho, também, o branco, claro e denso, a desenhar a luz do candeeiro. A minha terra tem uma nuança do ouro amarelo ao brilho da esperança, e um sol que nasce cedo no horizonte. Por isso eu vivo neste solo amigo! Verde-amarelo, oh! cor que eu, firme, sigo; quero-a marcada sempre em minha fronte!

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Certeza

No meu ocaso o sol se foi de pronto, a me deixar desvão assim profundo. Varreu completamente a luz do mundo, e alforriou meu ego triste e tonto. Rasguei o véu do breu nesse confronto, com tudo que há de podre e mais imundo! Desconstruí no solo mais fecundo a sordidez, que apago, ponto a ponto! Apaguei tudo e, outra vez, apago, ao vomitar o mosto (trago a trago) de tantas uvas secas da vileza! Apago a sombra e toda a sua pompa, para que a luz mais uma vez irrompa, a propagar, bem posta, essa certeza!

91



Medo

Na lentidão das asas do presente, eu guardo imagens tontas do passado. Reponho a senda estreita, atordoado, a resgatar a fé incontinente. E nesta luz que chega, efervescente, mergulho no meu tempo, enfastiado, para sorver o sumo embriagado do vinho velho, podre e decadente. Morrendo sempre um pouco, vida a vida, eu vejo a estrada rude e mais comprida, desvirginando a luz do meu segredo. Então, renasço, na altivez da sorte, não obstante o agrilhão de cada morte, para esconder, de todo, este meu medo!

93



Meu abrigo

Os meus verões de menino, os tenho sempre comigo... Num toque rouco de sino, desperto e, então, os persigo... É nesse meu desatino que eu como o mofo do trigo, bebo do vinho o tanino, para aquecer meu abrigo. Nas minhas tristes procelas, eu varro velhas querelas da alma...bem fundo, no centro. Mas, de través, nessas portas, o sol me traz velas mortas, e as mil saudades de dentro!

95



Minha paz

Sempre guardei a paz da minha infância, para dosar agruras no caminho... Numa redoma, a trago, com carinho, e cuido, então, de tê-la a cada instância. Feito um remédio, anulo a intolerância aos meus mal dados passos, e me alinho no rasto infindo (eu cá, triste e sozinho), sem entender da vida a relevância. Trago comigo os lúdicos momentos, para esquecer, de vez, meus sofrimentos, sem exaurir a essência dessa paz. Porém, ao ver o fundo desse frasco, vejo também o tempo, o meu carrasco, a esgotar-me a existência mais fugaz!

97



Não

Não parto agora, nesta minha agrura, nem partirei no escuro, assim... sem rosto! Não deixo agora um pranto sem ventura, nem deixarei a alfombra de um desgosto. Não parto agora, tonto de amargura, nem partirei nesse meu pranto exposto... Não deixo agora um gesto de loucura, nem deixarei um vulto recomposto. Não parto agora, a procurar caminho, nem partirei do pleno chão de espinho, até que a sorte venha a mim, inteira! Não deixo agora mais um verso solto, nem deixarei este meu mar revolto, até que a morte venha, sorrateira!

99



Nosso começo

(tributo a minha esposa)

Nosso começo (nem nós dois sabemos) vem lá de trás, desde o primeiro parto, que além de unir os nossos dois extremos, sempre ninava o berço em nosso quarto. Nosso começo (nem nós dois dizemos) vem lá de Deus, do seu amor mais farto, de muitos anjos, mais e mais supremos, à eternidade, o longo sobreparto. Nosso começo, toda a nossa vida, vai ser assim, fugaz e descabida, sem qualquer dor que apague em nosso peito. Nosso começo será sempre assim: será começo, nunca irá ter fim, até que a luz nos ronde em nosso leito!

101



Dos NĂşmeros





Caminhos

Eu percorri caminhos tortuosos, sem atingir as metas já traçadas. Pisei no sangue grosso das estradas, para entrever os vultos majestosos. Cruzei meu tempo e rios sinuosos, bebendo, então, das águas refrescadas de quem sofreu as dores assomadas nos sete vezes sete volumosos. Rasguei o azul do céu, lá no infinito, lavrei a minha prece, esse meu grito, por infinitas vezes, passo a passo. Na encruzilhada podre, a mais nefasta, deixei um rastro, a luz que ora me basta, criando, pois, de novo, o meu espaço!

107



A outra conta

Já não percorro a estrada geométrica por mim traçada na mais tenra idade. Guardei somente a ótica isométrica do turvo espelho plano da verdade. Já não percorro a linha micrométrica que segregava a essência da eqüidade. Guardei somente a soma volumétrica de poliedros plenos de saudade. Já não percorro a curva da clausura, nem mais remeto à simples quadratura qualquer figura espacial e tonta. Já não percorro mais o velho espaço! Guardei somente o pequenino passo que Deus deixou de sobra em minha conta!

109



Números

Os números que eu vi, os vi por certo! Nos anos-luz do mais remoto espaço... Na atometria do que está desperto... Na arquitetura ao calcular um traço... Do dois-mais-dois, de vez em vez incerto, à perfeição do “Pi”, mais velho e lasso... Do infinitésimo intervalo aberto às várias notas musicais do abraço... E nesse cálculo real... complexo... a humanidade vai perdendo o nexo, no triste engano dos que são ateus. Os números que eu vi, os vi por certo! Eu só não sei se os entendi de perto e os escrevi no coração de Deus!

111



Energia

Eu sou apenas uma luz cansada, no sobrepeso da matéria bruta. Eu sou o triste fruto da permuta de uma energia inteira calculada. Pequena parte eu sou, mais aplicada, da física mais pura e absoluta. Eu sou um ponto só de uma evoluta que faz a curvatura derivada. Eu sou um microcosmo nanométrico, a variar no espaço gravimétrico do infinitésimo que Deus me deu. E, nesse muito pouco que me resta, lapidarei aos poucos cada aresta do mais complexo corpo que sou eu!

113



Dois-mais-dois

Meu dois-mais-dois já sai assim, decerto, do mesmo jeito de um-mais-um perfeito. Essa integral que me rasgava o peito, já sai mais fácil, cada vez mais perto. Meu dois-mais-dois já sai assim, esperto, do mesmo jeito de um-mais-um sem jeito. Essa integral (eu já nem sei direito) percorre o leito de um-mais-um mais certo. Meu dois-mais-dois, este meu erro crasso, sai por aí a demarcar o espaço na perfeição que o Criador deixou. Meu dois-mais-dois sai por aí cansado, e, desse vinho podre e avinagrado, restou a soma inteira... mas restou!

115



Meu tempo

Meu tempo, longo e farto de segundos, demora, às vezes, horas e minutos para cerzir pedaços dissolutos de minhas vidas em milhões de mundos. Permeio, então, espaços vagabundos, para compor, no espírito, estatutos, da minha dor, de todos os meus lutos, que eu sinto nos espinhos mais profundos. Meu tempo, de anos-luz, de eternidade, não conta a lentidão desta saudade nem o interstício mágico das cores. Meu tempo é mais que simples variável: tem equação singela e imponderável a calcular, de novo, as minhas dores!

117



Da Morte





A dor

A dor não cala, mas, arfando o peito, sai por aí, mais tonta, e se desfaz. Não grita nunca, e diz que sempre traz sussurros meus lavrados no meu leito. Meus olhos tristes, mesmo assim sem jeito, parecem lentes, nesse leva-e-traz. Ah! pranto e prece, tragam-me essa paz que desfaz o meu cordão perfeito. A dor, a tenho mais e mais comigo, e a cada passo e rastro, sempre a sigo, por ser a cruz pesada do caminho. Não vá nem fique, assim entristecida, pois sei que a morte, mesmo a mais doída, não deixará que eu esteja tão sozinho!

123



Páginas

De tudo, eu fiz um pouco nesta vida: da dor calada — verso não rimado — a todo amor sofrido e conformado, eivando, assim, a fé indefinida. Do nada, eu quis a rosa, flor nascida das luzes ricas de um amor instado... Fiz, desse pranto, com fervor inflado, a lágrima mais forte e mais crescida. Fiz, dos rascunhos, dentro do regaço, este perfeito, singular espaço, que guarda, dia e noite, a minha sorte. De tudo, eu fiz um pouco nesta estrada: do choro forte e largo na chegada ao rompimento do cordão da morte!

125



O mar

É sempre azul esse meu mar escuro, a transbordar sinais do meu destino. Na tela, o traço de um pincel mais fino escorre um sangue avinagrado e duro. O mar me corta (com seu corte puro), e me embebeda com sabor salino, na cor vermelho-escuro do tanino, que forra e abafa um pranto mais maduro. Desenha as ondas, numa triste sina, e deixa forte herança na retina, que me acompanha pela vida inteira. A trilha azul a gargalhar a sorte, procura a foz da escuridĂŁo da morte, assim... marota... tonta e mais ligeira!

127



A morte

Eu sinto o tempo curto a se esvair bem lento, e, na pobreza infinda, eu vou vivendo a morte. Rabisco a cor lilรกs, que leva a minha sorte, deixando no meu peito a dor deste lamento. Vazio, o tempo escorre as horas de tormento, que indicam, sutilmente, as vozes do meu norte. Eu creio no cordรฃo da vida, no seu corte, que vem trazer os sรณis mais fortes, num momento. Eu creio no outro lado... e abraรงo esta certeza, amiga e companheira, estranha sutileza, por tudo que eu jรก fui, por tudo que ora eu penso. Eu sei que eu viverei, com todas as saudades, a conhecer, de perto, as dores das verdades deste meu lado rude e preso do meu senso!

129



A volta

Bebi do vinho avinagrado e denso, Sem perceber o gosto apodrecido. Sonhei em cada gole reprimido, por não sentir o ácido do senso. Busquei a prece, e tudo o que eu penso, para brilhar meu ego escarnecido. Por isso, do mais morto ao mais vivido, eu morro, uma outra vez, no templo imenso. Deixei, de sobra, a dor, (quantas loucuras), sofrendo, então, nas noites mais escuras, pois só assim farei todos os versos. Eu volto e voltarei à minha imagem, e apagarei espelhos da miragem, a rabiscar meus sonhos controversos!

131



Da Alma





A alma

A luz que flui é luz que nunca morre! Sai, por aí, a desbravar o espaço, e, nesse avanço, fortalece o passo, e anda mais firme e, muitas vezes, corre. É a luz do céu que, pouco a pouco, escorre por entre as palmas desse meu cansaço. É a luz do ventre, inteira em seu regaço, que, morna, morna, vem e me socorre. Parte de mim, aquele sol sem jeito, estranho e tímido, a rasgar meu peito, sem nem dizer por qual razão, se vai. Deixa-me o corpo no meu leito frio, e, no silêncio sepulcral, um fio leva a alma tonta toda vez que sai.

137



A voz

A voz amena chega, de retorno, a me contar segredos de outro mundo. Sussurra e geme um canto breve e morno, e ri, e chora o pranto mais profundo. A voz me abraça o corpo (o seu entorno), e cala a minha dor... em tom rotundo. A cada espaço desse meu transtorno, traz-me um soneto novo e mais fecundo. Oh! voz do céu, do azul..., do azul bonito, Venha, descerre as cores do infinito, para eu poder trilhar o meu caminho. Não bata à porta, chegue a qualquer hora. Não parta nunca... nunca vá embora, até que Deus me dê um outro ninho!

139



Quietude

Por onde andaste, luz da fé ingente?... Partiste só, na estrela matutina, e me cravaste aqui, na triste sina do descaminho torto, e assim descrente. Por onde andaste, sol onisciente?... Dobraste a curva lenta da neblina, formando para trás uma cortina a me cerrar o peito descontente. Por onde andaste, estrela dos meus sonhos?... Largaste os dias úmidos, tristonhos, e as noites longas, fartas de cansaço. — Nunca parti nem te deixei sozinho! As mãos te dei, ao longo do caminho, e te aqueci no céu do meu regaço!

141



Luzes mortas

Eu viajo, vou longe nos meus passos, a perscrutar o azul da luz da vida. Quero abraçar o nada dos espaços e acalentar a lágrima sentida. Eu varo o dia e a noite escurecida, a desvendar do espírito meus traços, e nos degraus que levam à subida, desato o nó mais cego e deixo os laços. Desfaço a rigidez desse vazio, para vencer a dor do desafio de entreabrir, sorrindo, as minhas portas. De novo, e sempre, traço o meu caminho e arrasto sóis e sóis em desalinho, para acender, de novo, luzes mortas!

143



Reencontro

A minha mão, de leve, alcança uma tramela daquele quarto estranho, em breu alinhavado. Escuto a voz mais triste (um grito do passado), e um vento morno escorre os prantos na janela. Deixo morrer o medo e abraço a voz singela que, pouco a pouco, atrai meu riso escancarado. Seu timbre manso traz o espírito cansado, a iluminar o espaço escuro, à luz de vela. A gargalhar do tempo, inverso e dolorido, aquele vulto afaga o choro descabido, juntando nossas mãos e os passos, sem demora. É nosso laço eterno, abrindo porta a porta, e permitindo entrar a luz que nos conforta, para mandar, de vez, a solidão embora!

145



Viagem

Todo o meu corpo, em átomos perfeitos, torna-se luz... e flui pelos vazios dos pontos cegos, tontos e sombrios, que me desenham laços mais estreitos. Este meu corpo acorda em velhos leitos, em outros corpos, tristes e vadios, a deslustrar os túneis luzidios, que eu antes via belos, sem defeitos. Todo o meu corpo geme a indecisão entre a matéria bruta e a precisão da luz desfeita em cores graves... graves... Essa energia traz-me firme o passo, da noite insone e eterna de cansaço, aos pousos meus tranqüilos e suaves!

147



Aceno

Estranho aceno, pequenino e pouco, que deixa o peito assim tão rubro e morno: — Só tenho a prece, este meu canto rouco, e o copioso pranto em meu entorno. Estranho aceno, que sai quente e mouco por esse chão de morte e de retorno: — Só tenho a voz, estranho grito louco, a vicejar meu sonho em seu contorno. Estranho aceno, forte e deslumbrado, que me vislumbra o rasto deslustrado na imensidão que Deus aqui deixou... Estranho aceno, à hora do sol-posto me acolherei no ventre do recosto da derradeira luz que aqui ficou.

149



Cores

Alma, a mim presa e triste, descortina o azul que se levanta no infinito. Traz-me a cor cinza-claro da platina, que circunscreve o sol do mundo aflito. Traz-me os matizes todos e me ensina a conceber um mundo mais bonito. Alma, a mim presa, em toda a minha sina, por tudo que já houve (e está escrito), traz-me o arco-íris todo; o mais perfeito! Desenha, então, de volta no meu peito, um coração alegre de criança. Risca e rabisca as cores do destino, para que eu possa (traço forte e fino) pintar, de novo, um quadro de esperança!

151



Deus

Piso o meu chão, e toda a estrada escura, na consciência incólume do ai. A dor que chega dói — porém não sai — a remoer, de novo, cada agrura. Até guardando a imagem clara e pura da comunhão primeira junto ao Pai, o velho pranto de antes, vem e vai, como a negar, de todo, a minha cura. Mas entre as preces vêm, no dia-a-dia, o meu Pai-Nosso e a nossa Ave-Maria, para arrancar de mim qualquer descrença. E eu sigo, oh! Deus, a luz do teu caminho, mesmo sofrendo o luto desse espinho, para abraçar a tua onipresença!

153



Estrelas

Onde é que estás, estrela vespertina? Passaste por aqui, meio de lado, deixando o meu olhar lacrimejado, ao longo do caminho... em cada esquina... Cintila forte, estrela matutina! Gargalha esse teu grito iluminado, rasgando todo o céu esbranquiçado para conter a dor da minha sina. Trazei-me, estrelas, todas as estrelas, pois eu varei o azul para revê-las acalentando as penas indormidas... Trazei-me, estrelas, vós que sois tão puras, o que desenho ao longo das alturas e guardo na retina de outras vidas!

155



Filho pródigo

Deixei o lar no céu azul distante, de cores calmas, de um matiz lilás. Saí de lá, sem nem olhar pra trás, na busca de outra estrela, a mais brilhante! Plantei a pedra linda do diamante a cintilar, de perto, em minha paz. Nem percebi que o vinho que me apraz, trazia o gosto azedo e revoltante. Eu retornei à tua casa, Pai, adormecido pela dor que sai, para encontrar, de novo, o teu regaço. Fiz, de joelhos, todas essas preces, pois sei que tu, Senhor, tu me engrandeces, nesse perdão que eu tenho em teu abraço!

157



Gólgota

Jorrou o Sangue — Luz da Fé Divina — a abençoar a dor que vem do fundo da carne: o pão que serve a todo o mundo! Ficou, assim, lavrada a nossa sina queimando a tela forte da retina que só consegue ver o inferno imundo. É nesse choro intenso e mais rotundo que a vida dobra, aos poucos, cada esquina. Na grandeza da cruz que nunca parte a imensa noite ronda-nos, destarte, até que o sol, de vez, nos traz a luz. Jorrou o Sangue, aqui... por todo o espaço... a nos mostrar que o nosso passo a passo pertence à dor sofrida por Jesus!

159



Luzes

Bendito seja o bisturi brilhante ao dissecar as luzes da lembrança. Bendito seja o brilho do diamante e da cruz pequenina da esperança. Bendita a luz da nossa dor bastante, no doce alento de gentil criança. Bendita a prece pelo céu distante, que chega calma quando o sol descansa... Bendita a luz da criação cinética (que move o mundo e nossa fé ascética) a orbitar em torno de uma estrela. Bendita a luz... Mais uma vez: bendita! A que conforta a multidão aflita, e, mesmo assim, não conseguimos vê-la!

161



Matizes

A luz que corta o peito acelerado desfaz-se em tom lilás, puro e singelo. Desenho cores claras, e o amarelo chega num campo verde, arborizado. Eu quero o branco puro, encarcerado, para soltar o azul do mar mais belo. Eu vejo a luz, assim, sem paralelo, a contemplar o espaço desvairado. Mas eu resisto às cores tão escuras, deixo de lado as dores, as agruras, para alcançar risadas esquecidas. Eu quero as cores, de um matiz profundo, mas vou plantando telas neste mundo, para colher pinturas de outras vidas!

163



Natalis

Eu traço um verso e o rasgo... mas o sigo, numa loucura tonta e descabida. Eu já não sinto a carne (a mais doída) nem roço o teto azul do meu abrigo. Abraço a dor e a beijo, a sós comigo, como se a estrada torta e tão comprida já não pudesse, então, ser mais vencida por força minha dada ao inimigo. Sinto minha alma presa e atordoada, como a querer deixar-se ser levada por prece pobre, solta e sem sentido. Mas, de repente, no Natal que brilha, vejo Jesus a me mostrar a trilha de cada passo seu a ser seguido!

165



No meu cansaço

No meu cansaço a luz, em seu recosto, deixou a sombra de uma vida inteira... Ficou a alfombra, rés e derradeira, de um deslustrado rasto de sol-posto. Sorvi azedos goles do meu mosto de muitas uvas podres da videira... E, assim, sangrando, nessa atroz canseira, varei a selva a procurar meu rosto. Ao despertar desse meu sonho insano, pedi perdão pelo rancor humano... E vi partir aquela sombra vil. No meu cansaço, ergui as mãos em prece, e percebi, na fé que não fenece, que foi aí que Deus, então, sorriu...

167



A cruz

Minha visão da cruz na tempestade marcou em mim sinais da estrela-guia. Segui, avante, em toda a profecia do mágico transporte da verdade. Não percebi que o manto da saudade, esse vilão que esconde o riso e o dia, jogou-me, rente ao chão, sem a alegria de sepultar, de vez, toda a maldade. Voltei ao velho sonho, o mais amigo, para apagar a falta, o erro antigo, por força do pecado da descrença. Cresci, Senhor, nas luzes dos sinais, deixei, de lado, os fortes vendavais, seguindo o sol da tua recompensa!

169



A visão

Os verdes campos eu os vejo, agora, na plenitude azul do céu mais perto. Deixei de lado o pranto descoberto, para mandar o meu passado embora. Gelado o corpo, ele não ri nem chora, nesse desvão do meu futuro incerto. Neste momento, eu já nem sei, por certo, o que há-de vir do sol que não descora. Meu espírito sai, sem mais tardar, ensandecido e triste, a procurar a voz que eleva o som do espaço mudo. E, de repente, eu vejo a minha cruz a colocar, de vez, a sua luz nas mãos cruzadas... que me dizem tudo!

171



Gritos

Das torres altas, ouço, ainda, os gritos e o chacoalhar dos elos das correntes: são velhos sons agudos, inclementes, ensurdecendo as almas dos aflitos. Nos pés, o sangue grosso dos atritos desliza em passos débeis, indolentes. Na sensação mais ofegante, as mentes perdem o chão de espaços circunscritos. Nas celas, vejo as sombras dos algozes e escuto a rouquidão de suas vozes embebedadas dos amargos vinhos. Da liberdade a chave range e chora, e a multidão, em preces, vai embora, levando, à frente, as velas dos caminhos!

173



O fim

Não vejo o fim de tantos recomeços nem o começo único das vidas. Nesse vaivém das vozes ressentidas, escuto os gritos graves dos tropeços. Pecados vêm e vão, em arremessos, nessas sandices tontas das partidas. Eu vejo as cruzes tortas, desunidas, unindo os traços fortes dos avessos. É nesse invés que o espírito solfeja hinos do céu... e a perfeição voeja a procurar a porta estreita, aberta. Não vejo o fim, mas ele vem inteiro, sem avisar, sombrio e sorrateiro, a desenhar minha resposta certa!

175



Coordenação: Alexandre Barcelos e Wérllen Castro Conselho: Wérllen Castro, Gustavo Senna, Alexandre Barcelos e Dalmo Rogério Ferreira Ilustrações: Dalmo Rogério Ferreira Projeto Gráfico: Wérllen Castro

Este livro foi impresso no outono de 2008 pela Gráfica Santo Antônio com papel Polén Bold 90g/m² e com a fonte Adobe Caslon Pro.



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