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entrevista
ENSINO SUPERIOR Passado, Presente e Futuro Manuel Heitor é professor universitário e atual Ministro da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior. Em entrevista à Mais Superior, decidiu partilhar um pouco dos efeitos da pandemia no passado ano letivo do Ensino Superior, as expetativas para este novo ano letivo e quais as medidas recentemente apresentadas. Entrevista: Joana Fonseca Fotos: Cedidas pelo entrevistado
O ano letivo que passou foi surpreendido com os efeitos da pandemia do COVID-19, levando a que as instituições fechassem e que o sistema tivesse de se adaptar. O sistema de Ensino Superior estava preparado para o ensino à distância? Sim, claro que estava. O sistema português reagiu tão bem ou melhor do que todos os outros sistemas pela Europa reagiram. Devo-lhe dizer que não é por acaso. Obviamente pela capacidade intelectual e humana instalada, mas também sobretudo associado ao facto de termos nos últimos 20 anos investido numa rede de comunicações, no âmbito de um programa europeu, o eduroam, que, com base em Portugal, naquilo que se chama RCTS - Rede Ciência, Tecnologia e Sociedade. Criámos uma rede de comunicações particularmente importante em todo o sistema de Ensino Superior e Científico, rede essa que, logo no despertar da COVID-19, foi rapidamente otimizada para poder responder a um aumento da procura. Houve assim uma rede pública de comunicação que foi adequada e que respondeu muito bem a uma procura particularmente ativa, vê-se pelos números de pessoas simultaneamente online, pelas reuniões de Zoom online que explodiram e a rede pública com capacidade de responder.
setembro | outubro 2020
maissuperior.com
Acha que esta experiência permitiu que os docentes e alunos do Ensino Superior conseguissem ter perspetiva diferente em relação ao ensino em Portugal e à adoção de novas metodologias de ensino aprendizagem? Claro que sim, mas temos de responder com cuidado. Nada substitui os sistemas presenciais de ensino-aprendizagem em Portugal, ou em qualquer lado do mundo. Esta é sobretudo uma experiência, quer pela necessidade de fazer mais atividades à distância, quer pela capacidade crítica que hoje sabemos que alguma parte do ensino-aprendizagem tem de ser necessariamente presencial. E, por isso, se foi verdade a adaptação rápida, também foi verdade a capacidade de perceber onde é que podemos e devemos fazer mais à distância e onde não o devemos. Esta é, de facto, uma divisão muito crítica. Isto passa pelo tipo de matérias dentro da mesma disciplina, o que é parte da disciplina e parte do conteúdo que pode ser feito à distância e a parte que precisa de ensino e de um processo de aprendizagem predominantemente presencial, quer ao nível do contacto entre docentes, estudantes e vice-versa. Algo que hoje sabemos é que o ensino presencial não pode ser totalmente substituído. Na prática estamos a falar de um sistema complexo que foi montado ao longo de séculos, numa base presencial que pode ser melhorada em algumas áreas com a atividade à distância. Mas que não substitui, nunca, ou pelo menos parte dessa
atividade, uma necessidade intrínseca de manter esta componente presencial. Agora todos nós estamos a perceber que há muitas atividades que podem ser feitas à distância e, por isso, devemos adequar toda a nossa energia naquilo que deve ser feito presencialmente. Como lhe parece que o sistema reagiu, nomeadamente à realização dos exames e trabalhos? Reagiu bem, como é normal num sistema de ensino-aprendizagem. Há uma parte que tem exames e avaliações e outra que não tem e, por isso, a avaliação é uma das componentes que tem de ter uma parte presencial forte. Contudo, há algumas que podem ser feitas à distância e, também não nos podemos esquecer que só podemos acreditar num sistema de avaliação bem feito, se acreditarmos na autonomia pedagógica que as instituições e os docentes têm. Sempre considerei que a questão da avaliação é uma componente intrínseca ao mais alto nível daquilo que chamo a autonomia, neste caso do Ensino Superior. Isto é uma componente na qual o Estado não se deve meter, sobretudo no âmbito do Ensino Superior. Tem de ser um processo centralizado e não devemos compreender um sistema de avaliação único, e muito menos estatal, porque é uma componente crítica daquilo que é ter um sistema de Ensino Superior moderno. Perceber que a avaliação deve ser feita a partir do quadro da autonomia institucional.