organização eder chiodetto
fotografia iezu kaeru
eu pedra Caminho por entre leões de mármore e abismos, Debulhando pedras, recitando versos de aço. Olhos de sangue, voz de terra: Sou metade amor e metade cansaço. Caminho por arbustos e soluços Recitando poemas em que me disfarço de Minerva no crepúsculo. Filho de Júpiter! Sou Perseu, sem pés alados ou escudo Perdido no tempo e no espaço. Madrugada na alma, faz escuro no sonho. O mistério é real e é real o que sonho. Recife é morta, o silêncio esculpe ossos de pedra, empilha estrelas num céu inventado. Uma pedra, é uma pedra, é uma pedra, é uma pedra. O cheiro de asfalto me inebria por completo, iluminações graníticas – a noite segue com passos de mercúrio.
Atravesso a ponte de ferro sem olhar para trás, é bonita e imunda a cidade. Ela suja de poesia e dor o horizonte, onde solene e azul, equilibra-se um místico rinoceronte. Amanhece e tudo agora É um imenso deserto. Medusa lava seus olhos quentes na Aurora. Em uma nuvem de pedra ela penteia seus cabelos de cobra, enquanto se vê refletida em gotas gordas de orvalho. Ao amanhecer o Sol de Eos é um vulcão de serpentes sibilantes. Amanheceu e tudo continua Um imenso deserto. Medusa diante do espelho chora lágrimas de concreto.
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I, ROCK I walk among marble lions and cliffs, Threshing rocks, reciting verses of steel. Eyes of blood, voice of dirt: I am half love and half fatigue. I walk between bushes and sobs Reciting poems in which I disguise myself as Minerva at twilight. Son of Jupiter! I am Perseus, Without winged feet or shield Lost in time and space. Late night in the soul, makes darkness in the dream. The mystery is real and it’s real what I dream. Recife City is dead. The silence carves bones of rock, Stacking stars in an invented sky. A rock, is a rock, is a rock, is a rock. The smell of asphalt inebriates me completely, granitic illuminations - the night goes on with treads of mercury.
I walk across the iron bridge Without looking back, It’s beautiful and filthy, the city. It stains with poetry and pain the horizon, Solemn and blue, Where a mystic rhinoceros balances itself. It’s dawn and now everything Is an immense desert. Medusa washes her hot eyes at dawn, On a stone cloud, she brushes her hair of snakes, while she sees herself reflected in fat drops of dew. At dawn, the Sun of Eos is a volcano of sibilant serpents. It’s dawn and everything still is An immense desert. Medusa, before the mirror, Cries tears of concrete.
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“A Educação Pela Pedra”,
frequentá-la... No poema
um corpo-objeto do próprio artista como quem questiona a
sapiência do mundo. / À resistência fria da pedra, se opõe
maleável, hoje é rocha que condensa a soma dos dias e a
carnadura concreta. O que outrora foi líquido, matéria
interessado na ancestralidade que ela carrega em sua
também recifense artista iezu kaeru investe sobre a pedra
linguagem e seus símbolos de forma crua, nua. / Em “ITÁ”, o
espécie de cálculo preciso que findava por mostrar a
afirmava, a arte para ele não era intuitiva, mas sim uma
senta uma linguagem seca, precisa e concisa. Como sempre
o poeta recifense João Cabral de Melo Neto nos apre-
a memória da pedra Para aprender da pedra,
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te-a. Frequente-a. A matéria da pedra é a Memória do mundo.
afeto cálido do que é presente e não visível. Não enfren-
das coisas leves e voláteis. A dureza da pedra se rende ao
vento, a esculpem e a conformam ao sabor dos destinos
que a natureza do inefável, do não bruto, como a água e o
lamentos urgentes do que é humanamente orgânico, eis
pedra absoluta. / E quando a pedra parece não ceder aos
dade que os tornarão sedimento inquebrantável, magma,
dos corpos que os abrigavam, agora invocam a temporali-
ardis de floras, vestígios de esqueletos que, esquecidos
nidade do que não nos é tangível. / Sobre a pedra surgem
memória do tempo sobre a vulnerabilidade do ser e a pere-
About “Memory of the Rock” To learn from the rock, to frequent it... In the poem “Education through the Rock”, Recife City poet João Cabral de Melo Neto presents us with a dry language, accurate and concise. As he always said, the art for him wasn’t intuitive; it was a sort of accurate calculation that meant to show language and its symbols in a naked, crude form. In “ITÁ” artist iezu kaeru, also from Recife City, invests on the rock interested in the ancestrality the rock carries within its concrete form. What was once liquid, a malleable material, today is rock that condenses the sum of days and the world’s wisdom. The author’s own body-object is opposed against the rock’s cold resistance, like someone who questions the memory of time over the being’s vulnerability and the perennity of what’s not tangible to us.
Over the rock appears traps of flora, traces of skeletons that were forgotten from the bodies that sheltered them and now invoke the temporality that will make them become solid sediment, magma, absolute rock. And when the rock seems not to give in to the urgent laments of what is humanely organic, suddenly the nature of the indescribable, of the non-brute, like the water and wind, carve it and make it conform to the destiny’s taste of light and volatile things. The hardness of the rock yields to the ardent affection of what’s present and not visible. Don’t fight it. Frequent it. The matter of the rock is the memory of the world.
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Agradecimentos Special thanks to
Amanda Maciel André Piruka, do grupo Höröyá (SP) Brandão e sua equipe Carolina Stulgys Cleide do Nascimento e Ana Maria Mazzone, do Metrô SP Danylla Gouveia Eder Chiodetto, Elaine Pessoa e Fabiana Bruno, da Fotô Editorial Kelli Fausto Marcelo Dorca de Carvalho Ibrahim, Mustapha e Maguette Mbaye, músicos senegaleses do grupo africano Bate Fall Ritme Africa Paulo, da Pedras Interlagos Raquel Santos Wal Ferreira
Governo de pernambuco Government of Pernambuco
Paulo Henrique Saraiva Câmara governador de pernambuco Governor of Pernambuco
Raul Jean Louis Henry Júnior vice-governador Vice governor
secretaria de cultura Secretariat of Culture
Marcelino Granja de Menezes secretário de cultura Secretary of Culture
Silvana Lumachi Meireles secretária executiva Executive Secretary
Fundação do patrimônio histórico e artístico de pernambuco (fundarpe) Foundation of the Historical and Artistic Heritage of Pernambuco
Márcia Maria da Fonte Souto presidente President
Antonieta Trindade vice-presidente Vice-president
André Cândido superintendente de planejamento e gestão Superintendent of planning and management
Gustavo Duarte de Araújo superintendente de gestão do funcultura Superintendent of Funcultura management
André Brasileiro gerente de equipamentos culturais Manager of cultural equipment
iezu kaeru concepção Conception fotografias Photographs coordenação Coordination produção Production texto Text
Eder Chiodetto organização Organization Concepção editorial Editorial concepcion texto Text
Carol Lopes e iezu kaeru tratamento de imagens Images processing
Zianne Torres design gráfico Graphic design
IK Multimídia produção executiva Executive production
arraia produções artísticas e culturais / paula arraes apoio administrativo Administrative support
Oia coletivo comunicação Communication
Suellen Carroll tradução PARA O INGLÊS English translation
i ncent i vo
apo i o
DE SÃO PAULO
pedras interlagos
© iezu kaeru
iezukaeru@gmail.com
© Fotô Editorial
contato@fotoeditorial.com.br
Todos os direitos reservados. 2018. Tiragem: 1000 exemplares
K41i kaeru, iezu Itá / iezu kaeru (fotografias); Eder Chiodetto (organização); iezu kaeru (texto); Eder Chiodetto (texto). – Recife : Fotô Editorial, 2018. 88p. : 38ils. Texto em português e inglês. ISBN 978-85-63824-14-1 1. FOTOGRAFIA – RECIFE (PE) – EXPOSIÇÕES – CATÁLOGOS. 2. PEDRAS – FOTOGRAFIAS – EXPOSIÇÕES – CATÁLOGOS. 3. PEDRAS NA ARTE. 4. ARTE E FOTOGRAFIA. 5. KAERU, IEZU – FOTOGRAFIAS. I. Chiodetto, Eder. II. Título. CDU 77 CDD 779 PeR – BPE 17-602
Este livro foi editado em 2018 e integra o projeto Memória da Pedra em São Paulo (SP), de iezu kaeru. Com incentivo do Funcultura/PE e curadoria de Eder Chiodetto, o projeto inclui uma exposição que foi montada no ano de 2017 em duas Estações do Metrô São Paulo: Estação República (de 10 de junho a 31 de julho) e Estação Santana (de 1º de agosto a 6 de setembro). No projeto gráfico é utilizada a família tipográfica Brutal Type, distribuída pela fundição Brownfox e desenhada por Gayane Bagdasaryan e Dmitry Rastvortsev. Impressão em Papelão 18g/m2, Couché Fosco Editorial 150g/m2 e Offset Editorial 90g/m2 pela Gráfica MaisType.
ISBN 978-85-63824-14-1
9 788563 824141