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EDITORIAL
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HIBERNAR É PRECISO Bandas saem de cena para se recompor e compor novos álbuns. Algumas espécies de ursos do hemisfério norte tiram o time de campo durante alguns meses para enfrentar o frio e a escassez de alimentos e nós saímos de fininho para fazer um encontro com o nosso eu mais de dentro. Ficamos seis meses fora, mas nunca estivemos tão próximos dos nossos valores. Diferente dos ursos, dobramos o uso do nosso metabolismo e mergulhamos de cabeça naquilo que acreditamos. Voltamos renovados, como se tivéssemos tomado um banho de chuveiro por dentro e pudéssemos parafrasear Caio Fernando Abreu. Mas como muita gente faz isso na internet, não dispensamos o clichê, pois se existe alguma figura de linguagem mais carregada de verdade, nós ainda não conhecemos. E por falar em verdade, voltamos prontos para mostrar a nossa, que nada mais é do que aquilo que a gente acredita. Portanto, a esta altura vocês já devem ter percebido que estamos com projeto gráfico e editorial completamente novos, mas o que vocês ainda não sabem é que além de apostar na qualidade do conteúdo, nós trouxemos muita gente nova para fazer parte do nosso universo. Para conhecê-los, sigam até a página ao lado e descubram do que é feita a nossa massa cinzenta. Para os que estavam com saudade, temos
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uma ótima notícia. A partir de agora estaremos com vocês todos os meses, portanto não venham reclamar sobre o tempo que ficamos fora, pois nós voltamos com tudo. Tudo menos coluna social, afinal cultura, arte, política, comportamento e gastronomia são assuntos muito mais interessantes. E já que tocamos no assunto, o tema desta edição não poderia estar mais interessante. A capa pergunta “Você é filho de quem?” e os colunistas discorrem sobre a sociedade brasileira dentro de uma ótica paternalista, abrangendo as diversas áreas em que essa perspectiva está presente. Sejam muito bem-vindos de volta e aproveitem a leitura. Até a próxima! FICHA TÉCNICA Editora Chefe: Kilze Teodoro – kilze@foccusrevista.com.br Diretor Executivo: Murilo Borges – murilo@foccusrevista.com.br Projeto Gráfico: Juicebox Publicidade e Propaganda – (64) 3661-1960 Direção de Arte: Andre Rezende, Leonardo Martins e Tiago Batista Produção Gráfica: Gráfica Mineiros – (64) 3661-1862 Comercial: Ana Cláudia Ribeiro – (64) 9989-0761 Circulação: Mineiros, Goiânia, Rio Verde, Jataí, Alto Araguaia, Alto Taquari, Chapadão do Céu e Chapadão do Sul Endereço: Avenida Ino Rezende, Qd. 12, Lt. 11, Piso 02, Setor Cruvinel, Mineiros-GO, CEP 75830-000
VOCÊ É FILHO DE QUEM?
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COLABORADORES:
GUILHERME SANTANA
MARÍLIA BILÚ
DIEGO RIBEIRO
Coveiro por opção. Pai por paixão. Glutão por convicção. santanagui@hotmail.com santanagui.blogspot.com
Professora de inglês, graduanda em História pela Universidade Federal de Goiás, colunista do site GOTOGO e da Revista Foccus.
Publicitário por formação, filósofo de boteco e um romântico inveterado. Valorizo as pequenas coisas, inclusive um bom sonho de padaria com muito doce de leite.
ANDRE REZENDE
MICHEL EDERE
GUMA
Designer pela PUC e artista pela vida, pinta paredes quando dá na telha. Pesquisador de moda e arte urbana. Trabalhador e pai de família.
Nascimento: 11 de Abril de 1980. Original de Goiânia. Pai: Piauiense. Mãe: Crente. Escolaridade: “fui até onde deu”. Profissão: Ariano.
Conhecido também como João Marcelo, estuda Publicidade e Propaganda na ESPM-SP. Resolveu provar seu amor pela boa culinária abrindo um blog gastronômico e se oferecendo para almoçar na casa dos outros.
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VOCÊ É FILHO DE QUEM?
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ÍNDICE
GUILHERME SANTANA ............................................................................................
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MARÍLIA BILÚ ...................................................................................................................................................................
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KILZE TEODORO .................................................................................................................................................................
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Senta Que Lá Vem História | Lado B | CAPA |
Entre Olhares |
MICHEL EDERE ...............................................................................................................................................
Em Primeira Pessoa |
DIEGO RIBEIRO ...............................................................................................................................
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GUMA ............................................................................................................................................
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MICHEL EDERE .............................................................................................................................................
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Refogando as Mágoas | Nos Bastidores |
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SENTA QUE LÁ VEM HISTÓRIA
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PAI DE QUEM? Papai Tio Sam protegia seus filhos com unhas e dentes. Papai Tupiniquim criava os seus soltos no quintal. TEXTO POR GUILHERME SANTANA
Era uma vez dois pais. Ambos zelosos por suas crias. Ao menos era assim que se achavam ser. Papai Tio Sam e papai Tupiniquim. Separados historicamente e geograficamente. Contemporâneos, porém distintos. Um rico e próspero. O outro tentando ser. Sempre tentando ser. Papai Tio Sam protegia seus filhos com unhas e dentes. Papai Tupiniquim criava os seus soltos no quintal. Papai Tio Sam criava briga direto para defender a “honra” dos seus. Invadiu papai Iraque, papai Afeganistão e ameaçou papai Sírio. Às vezes ele acha que é pai de todos. Carrega nas costas a “responsabilidade” de defender o mundo. Muitos maldosamente dizem que Papai Tio Sam arruma encrenca pelo menos uma vez por década para alimentar seus filhos da indústria bélica. Prefiro não acreditar nisso. Prefiro pensar que é zelo. Liberdade de seus filhos empunharem armas para se defenderem e defenderem o planeta. Papai Tupiniquim não. Esse é tranquilo. Fez uma consulta popular sobre desarmamento. No final das contas quem era para ganhar acabou perdendo e quem
era para perder acabou ganhando e até hoje ninguém sabe quem perdeu e quem ganhou. Um verdadeiro samba do crioulo doido. Aliás como tudo que se refere a papai Tupiniquim. Mas o que importa é que seus filhos são alegres. Isso é essencial. Já os filhos de papai Tio Sam... não posso dizer o mesmo. Vivem taciturnos. Fingindo uma satisfação que não parece real. Talvez porque sejam muito visados. Invejados. Por isso papai Tio Sam espiona todos aqueles que podem fazer mal a seus filhos. E espiona também os que aparentemente são inofensivos, como o papai Tupiniquim. Vai que, né? E quando papai Tio Sam é descoberto fazendo coisa errada, nem se digna a pedir desculpas ou sentir remorso. Mas ele não gosta de ser espionado. Ai, ai, ai! Fica nervoso. Briga. Ele não gosta de filhos dedo-duro. Apela para o quesito segurança nacional. Afinal faz isso tudo em prol da felicidade de seus filhos. É zelo. Já papai Tupiniquim não. Vive bajulando seus vizinhos fanfarrões. Papai Chavista, papai Castrista e papai Bolívia. Coisas de ideologias passadas. Fica todo envergonhado quando comete um deslize.
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SENTA QUE LÁ VEM HISTÓRIA
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“Papai Tio Sam não pede desculpas nunca. Papai Tupiniquim pede desculpas sempre. Até quando não é necessário. Síndrome de vira lata.”
Filho de Bolívia esses dias ficou mais de ano na casa de papai Tupiniquim. Todas as conversas foram executadas para que papai Bolívia autorizasse a saída de seu filho rebelde. Nada. Aí num lampejo hollywoodiano, filho de papai Tupiniquim evade com o cidadão para acabar com a prosopopeia.
bagunça na hora de decidir os rumos da casa. Papai Tupiniquim não. Gosta de fartura. Um sem número de partidos. Decisões que não se firmam. Indecisões que se perpetuam. Tudo em prol da felicidade de seus filhos. Aliás, os dois pais. Ambos só querem ver sua prole bem nutrida e feliz.
O que papai Tupiniquim faz? Fica envergonhado e pede desculpas. Pune seu filho teimoso. É assim que papai Tupiniquim faz. Papai Tio Sam não pede desculpas nunca. Papai Tupiniquim pede desculpas sempre. Até quando não é necessário. Síndrome de vira lata.
Assim também é minha intenção. Papai Guilherme. Ver meus filhos felizes e bem educados. As definições dependem do ponto de vista de quem olha. Paternalismo, zelo, desleixo, liberdade, protecionismo, proteção.
Papai Tio Sam ajuda sempre seus filhos. Protecionismo no mercado permite que seus produtos, mesmo com custos mais elevados, sejam vendidos. Papai Tupiniquim também. Dá bolsa para tudo. Sustenta seus filhos que estão passando fome. Sustenta também parte dos que não estão passando fome. É porque papai Tupiniquim é meio desorganizado, sabe? Papai Tio Sam gosta das coisas bem certas. Republicanos e Democratas. Vermelho e Azul. Elefante e burro. Não gosta de
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São palavras que fazem parte da vida de quem tem por missão educar filhos. Mas uma palavra eu tento introduzir sempre nesse meio. Equilíbrio. Penso que essa seja a lição de moral da história. Nem tão a papai Tio Sam e nem tão a papai Tupiniquim.
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LADO B
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QUEM MANDA? Uma mulher é sim capaz de ser chefe e mais capaz ainda de dar ordens. Não tem nada que a gente goste mais do que dar ordens. TEXTO POR MARÍLIA BILÚ
A super valorização do sexo masculino é de dar nos nervos. É claro que a ideia do homem como a espinha dorsal de uma família é recorrente de vários séculos e o conceito de sociedade patriarcal sombreia a sociedade brasileira desde a chegada dos portugueses. Porém, acho tal definição fora de moda nos dias atuais. Definição que está arraigada, de fato, mas que já está com os dias contados. Digo arraigada porque ainda existem pessoas que acreditam nessa super valorização masculina. Aqui, devo enfatizar a pluralidade de “pessoas”, ainda mais as mais antigas. Uma amiga, algum tempo atrás, me contou uma história em que ela, depois de inúmeras tentativas de falar com um senhor, esse só acatou o seu pedido no momento em que um homem falou com ele. O que é isso? Uma mulher não tem a capacidade de dar ordens? Uma mulher não pode ser uma chefe? Achei essa situação bizarra. Eu falei pra ela juntar algumas amigas e ir queimar sutiãs na frente da casa desse senhor, oras bolas. Uma mulher é sim capaz de ser chefe e mais capaz ainda de dar ordens. Não tem nada que a gente goste mais do que dar
ordens. E como diz o velho ditado, “manda quem pode e obedece quem tem juízo”. Isso é tão visível que acho impressionante que ainda existam pessoas que pensam o contrário. Uma mulher não pode usar saia curta porque é vagabunda e sentar em boteco sozinha com outras amigas é grupo de vagabunda. Jogar futebol é coisa de homem e não pode nem tocar no assunto que a Marta, jogadora da seleção brasileira de futebol, joga melhor que muito jogador aí desse meu Brasil. Mulher que trai é piranha e o homem que faz a mesma coisa merece um brinde. Sair pra balada e fazer o que quiser não preciso nem falar. Essas questões são muito complexas e demorará anos pra que as coisas mudem. Na minha humilde opinião, não tem como, em pleno século XXI, classificar uma sociedade como patriarcal ou matriarcal, e acho que o balanço de forças é que a mantém inteira. Porém, se fosse pra escolher um lado, o meu já está mais que escolhido. Quem trabalha o dia inteiro, sofre preconceito até por causa de roupas ou porque dirige um carro (“é mulher, só pode!”), e ainda chega em casa toma conta
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LADO B
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“É claro que a ideia do homem como a espinha dorsal de uma família é recorrente de vários séculos e o conceito de sociedade patriarcal sombreia a sociedade brasileira desde a chegada dos portugueses. Porém, acho tal definição fora de moda nos dias atuais.”
de filhos e do marido, somos nós. Gostaria de entrar nessa contraposição dos afazeres domésticos, mas com isso também entraria numa questão de estereótipos, que é a minha intenção criticar com esse texto. Estereótipo. Deixemos de lado isso. Uma mulher tem capacidade de sobra de sustentar uma família e de ser o centro do universo familiar. Muitos pensarão “Ah é? Então manda ela ir capinar um lote ou levantar pedra igual muito homem por aí faz.” Respondo do mesmo jeito: experimente carregar um filhote na barriga por nove meses, amamentar, escutar o choro do filho e ainda escutar reclamação do marido porque o menino “não cala a boca”. Além disso, trabalhar o dia inteiro, se sentir exausta, e ainda, às vezes, ser obrigada a fazer sexo com o marido porque ele precisa. Não quero ser feminista e muito menos machista (o que muita mulher é! Vê se pode!), mas a meu ver, dentro da minha casa e da casa de várias amigas, a mãe, a super mãe consegue ter vários empregos,
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cuidar dos afazeres dentro de casa não deixando de lado a maior tarefa de todas: fazer tudo isso usando salto alto. Trazendo esse assunto para dentro de casa, cabe a mim fazer a mesma pergunta que essa edição tem como tema: você é filho de quem? Só do seu pai? E você é filho do homem ou do nome? Ademais, se existir, de fato, a questão de mandar, quem manda na sua família? Pois eu digo que lá na minha residência, as últimas palavras são dele sim: “sim, senhora!”.
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CAPA
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VOCÊ É FILHO DE QUEM? TEXTO POR KILZE TEODORO
Sabe a Mariana, filha da Madalena do Rui do cartório? Não? Tudo bem, a Mariana pode até ser uma estranha para você, mas a maneira de se referir a terceiros, como a si mesmo, não. Levante a mão aquele que nunca identificou-se como filho do fulano ou da sicrana em algum primeiro contato. Atire a primeira pedra aquela que jamais fez uso do nome de parentes como mero argumento explicativo ou para reforçar a própria importância, deixando em segundo plano títulos e características como formação acadêmica, competência e experiência profissional. No Brasil, sobretudo nos pequenos centros, adentrar nos ramos genealógicos é premissa básica para uma boa apresentação pessoal. É claro que, em muitos casos, existe uma grande diferença entre uma apresentação de primeira e a realidade, pois ser filho de um brilhante empresário ou de uma pessoa com largo prestígio não é receita pronta para o sucesso no mundo dos negócios, mas não se pode negar que tal fato abre muitas portas. Basta observar a quantidade de vagas preenchidas por indicações de
pessoas influentes em grandes empresas ou contar, se você conseguir, quantos filhos, afilhados ou amigos próximos de governantes os órgãos públicos adotam em sua grade de funcionários. Lembrando que não é preciso ir longe para constatar essa realidade. Parentes ocupando cargos em entidades públicas? Pode isso, Arnaldo? Infelizmente, no país do futebol, as regras não são tão claras. Afinal, onde está a coerência de um país que declara em sua constituição que todos os cidadãos são iguais perante a lei 1, mas mantém foro privilegiado para autoridades políticas? Onde foi parar a lógica da igualdade diante da constitucionalidade das cotas raciais?
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“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.” Artigo 5º, Constituição Federal
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CAPA
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Ao que tudo indica, no Brasil, lógica e coerência são temas para serem tratados em sala de aula, sendo direcionados especificamente para matérias como a matemática e o português, pois no âmbito que rege as normas e os valores da nossa sociedade, sua aplicabilidade é fraca e sem sentido, com uma didática que não consegue explicar a razão de alguns termos que deveriam ter significações estritas, possuírem sentidos tão amplos. A palavra nepotismo, por exemplo, que apresenta um significado tão claro no Aurélio, ganha outras definições e derivações na realidade das instituições públicas do Brasil, podendo também ser interpretada como favoritismo, protecionismo e oportunismo. Aliás, quando o assunto gira em torno da esfera política nacional, creio que a gramática desse universo tenha uma queda pelo sufixo comum aos substantivos e adjetivos mencionados. Um affair linguístico que poderia vir a explicar o fato de palavras como o nepotismo, coronelismo, paternalismo, clientelismo e outras tantas terminadas em “ismo” estarem tão presentes na nossa realidade. O desenvolvimentismo, palavra que poderia ir na contramão das suas irmãs de sufixo, perdeu suas forças já no início da década de 80 e o ciclo de desenvolvimento que vinha se consagrando através do último e do atual governo vem se mostrando cada dia mais inconsistente, em função dos graves erros de prioridade cometidos por este e tantos outros partidos que remontam a história brasileira. No passado, os investimentos no setor de caminhões vieram antes dos
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investimentos destinados à rodovia. Atualmente, o governo privilegia o consumo de bens como automóveis antes de beneficiar o transporte público e a malha viária. Os avanços na economia continuam se sustentando através da produção de produtos primários, enquanto a desindustrialização atinge índices preocupantes. Trocaram o ouro, o café e o cacau pela soja, pelo milho e pelo gado, mas o objetivo final continua o mesmo: ser o maior em produção de commodities, como se essa fosse a única alternativa para tornar o país mais competitivo. Assim como a queda de 8 posições no ranking de países competitivos põe em cheque a nossa tradicional maneira de gerir a economia e coloca o Brasil cada vez mais distante do sonho de ser a quinta economia mundial, a população de baixa renda continua vivendo mal e a falta de saneamento básico, transporte público de qualidade, saúde e segurança estão aí para provar que a nova classe média é apenas mais uma estratégia de marketing criada para abrilhantar campanhas eleitorais, tornando o óbvio ainda mais claro: não adianta existir transferência de renda se, antes, não houver investimento intensivo em educação. Portanto, esse cenário marcado por prioridades invertidas talvez explique o fato de você não se revoltar toda vez que vê alguém menos qualificado ocupando uma vaga que poderia ser sua, como também não lhe deixa desconfortável ao receber um tapinha nas costas de alguém mais influente, afinal somos filhos de uma mesma pátria e já estamos acostumados aos incômodos da nossa cômoda hierarquia familiar.
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ENTRE OLHARES
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OS TOMATINHOS E A ARTE DE MORRER TEXTO POR MICHEL EDERE
- A tristeza faz gozar. Para mais tarde no jantar Entre iguarias A moça trouxe o que ele gosta: - Tomate cereja faz gozar. Sua amiga os chama de tomatinhos. Podem forrar seu estômago Fazer parte do prato principal Ser um adendo de carinho. Quando ele os vê ali na mesa Sabe que será o momento de batismo Teremos visita? Não teremos conversa Teremos carnaval? Não teremos anestesia. O espírito será o começo E mais alguns segundos Os corpos farão a comunhão. De fundo o noticiário local.
Intervalo com seios Antes de voltar uma bunda Cai o terceiro Hora dos gols. Quanta gente morre durante o jornal? Ela tem um dia para transar. Outro para fazer as unhas Na quinta ele encontra os amigos Domingo é dia das mães Eles moram na cobertura E ninguém desconfia que ele quer se matar. Tem música, tem pornografia, tem literatura Programa de autoajuda A religião é claro, tem o seu lugar. É tudo bem enquadrado Vamos sobre essa vida Sobreviver “Afinal somos fortes Desistir não é com a gente”. Cai o quarto.
Cai o primeiro Jogam-se os filhos Enforcam os idosos Cai o segundo Um político que escapa
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EM PRIMEIRA PESSOA
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GALHOS LIVRES Hoje, enquanto executava minhas tarefas de jardineiro amador, comecei a pensar sobre essa relação paternalista que temos. Afinal, o ato de zelar pelos outros é algo que é intrínseco a nós. TEXTO POR DIEGO RIBEIRO
Uma bela manhã de sábado, dia lindo para mexer na pequena horta que tenho no quintal de casa. Geralmente começo com as plantas menores, regando-as e podando-as. Depois vou até a minha frondosa amoreira, da qual me orgulho muito. Podo cuidadosamente seus ramos, aguando e adubando em seguida, um adubo feito aqui mesmo, com restos de alimentos e cascas de frutas. Em troca disso, ela me fornece amoras doces e suculentas.
para todos nós... e será que isso é bom? Digo, será que não há um excesso em todo esse cuidado?
A amoreira e eu temos um tipo de relação familiar, eu diria. Algo que acontece entre pai e filho. Hoje, enquanto executava minhas tarefas de jardineiro amador, comecei a pensar sobre essa relação paternalista que temos. Afinal, o ato de zelar pelos outros é algo que é intrínseco a nós. Pena que, muitas vezes, esse cuidado se torna exacerbado.
Este facão vive aparando e decidindo nossas investidas pelo mundo, desde coisas pequenas como o que iremos comer no jantar ou se é socialmente aceito usar gravata com calça jeans, até coisas mais complexas e determinantes: “com quem eu devo casar?”; “que profissão seguir?” e, inclusive, “a quem devo amar ou odiar?”.
Esse sentimento paternal pode se manifestar de várias formas e o seu alvo pode ser qualquer coisa: uma pessoa, um animal, uma planta ou até um objeto inanimado. Ele pode surgir também de maneira coletiva, como na sociedade, por exemplo. Ela tem sido uma grande mãe
Assim como eu impeço que os braços da minha amoreira se enveredem pelos muros do vizinho, crescendo de modo desordenado, para não dizer displicente, as pessoas em muitas ocasiões acabam tendo suas ideias, personalidades, conceitos e modos de vida ceifados por um tipo de “facão comunitário”.
Dessa forma, somos privados do que nos é inerente: a liberdade de fazermos nossas próprias escolhas, ou seja, o livre arbítrio fica ameaçado. Assim como os frutos da árvore devem ser sempre açucarados e com boa textura, nossos sentimentos também devem ser nobres e agradáveis. Isto é fruto da padronização que sofremos.
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EM PRIMEIRA PESSOA
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“Dessa forma, somos privados do que nos é inerente: a liberdade de fazermos nossas próprias escolhas, ou seja, o livre arbítrio fica ameaçado.”
Não podemos nos dar ao luxo de sentir raiva, ódio, tristeza ou mesmo vontade de matar alguém, pois nossos “galhos ruins” são podados frequentemente por essa faca social. Para uma planta frutífera a poda pode ser boa e produtiva, no entanto, tentar fazer o mesmo com as pessoas pode ser desastroso. A impressão que me dá é que nos transformamos em “crianças mimadas”, que não conseguem ter o controle de suas próprias vidas, precisando de ajuda e orientação constantemente e quase nunca assumindo os erros cometidos. Isso me fez lembrar um dia desses quando fui a um supermercado comprar uns congelados. Um homem chegou com o seu carro e constatou que não havia mais lugares para estacionar – aliás, eu havia estacionado na última vaga – a não ser uma vaga que ficava em frente a uma residência. Não se fazendo de rogado, parou o carro lá e foi fazer suas compras tranquilamente. Alguns instantes depois, um dos moradores da casa foi sair com o seu automóvel e percebeu que não poderia. Quando o outro voltou das
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compras, foi discussão na certa: - Você não está vendo que isso aqui é uma garagem, filho da p...? - Não, não tinha uma placa aí de “Proibido Estacionar”. Como eu poderia saber? Eles ainda discutiram por mais algum tempo, até que o sujeito entrou no carro esbravejando palavras inomináveis e foi embora. Ora, será que ele realmente precisava de uma placa para avisá-lo de que não poderia parar ali? Não era óbvio? E é aí que está o problema: fomos acostumados a isso. Habituados a ter alguém ou algo que sempre nos diz o que fazer. A nossa “mãe superprotetora” não nos permite cultivar nossos próprios instintos e ter o bom senso que seria de praxe. Ao invés disso, ela optou por nos guiar através de um caminho cheio de regras e limitações. Mas, voltando ao meu jardim, penso que talvez seja melhor deixar minha amoreira seguir seu curso natural pelos muros do vizinho. Quem sabe os frutos não se tornem ainda melhores?
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REFOGANDO AS MÁGOAS
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OS VALORES DA COMIDA A necessidade faz um pobre universitário esquentar a barriga no fogão TEXTO POR GUMA
Recife, terra do Frevo, do mangue, do Reginaldo Rossi e do Whisky (acredite: Recife é o lugar que mais se consome a bebida no mundo). Recife também é a cidade que atualmente moram meus pais e, fatalmente, para a minha sorte, é o lugar que eu sempre passo minhas férias. E vamos para o que interessa: comida! Desde quando passei a morar sozinho e longe do meus pais, minha alimentação ficou comprometida. Exemplo: lembro como se fosse ontem das várias vezes que fui fazer um simples arroz, num fogão velho esmaltado azul da brastemp em que paguei 70 reais, cheguei a pensar (para me consolar) que eu tinha vocação para comida japonesa, pois sempre saia aquela papa de arroz, mas isso combina com salmão, não com bife, feijão e salada. Já o fogão era bom, só eu que não era. Um pouco desse perrengue acabou virando um dos motivos pelo qual passei a me interessar tanto por gastronomia, afinal: “a necessidade faz o homem”, ou “a necessidade faz um sapo pular”, ou “a necessidade faz um pobre universitário esquentar a barriga no fogão”, ou melhor
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ainda, “comer muito fast-food faz com que a necessidade de se comer uma comida mais saudável e saborosa faça o pobre universitário tomar vergonha na cara e comece a cozinhar para si mesmo”. É, talvez o último ditado tenha ficado um pouco prolixo. E também, um pouco desse perrengue passou a ser determinante para eu valorizar mais ainda a visita que eu faço para a capital pernambucana, porque além de ser fanático em frutos do mar, eu passei a dar mais valor a qualquer coisa que minha mãe faça na cozinha como esta belezura aqui:
REFOGANDO AS MÁGOAS
Arroz, feijão, alface americana, purê de banana da terra e bolinho de carne. Ah! O bolinho de carne.
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“Você é filho de quem? Do Jamie Oliver com a Palmirinha? Porque isso deve tá uma delícia.”
A receita que chamamos de “bolinho da vovó” surgiu com a minha bisavó, que passou o legado para a minha vó e assim chegou para minha mãe, que por sua vez fez uma “releitura” muito sublime que é basicamente carne moída (normalmente a carne é patinho), pimentão picado, pimenta do reino, farinha de rosca, cheiro verde e BACON (o toque da releitura genial). Daí o coração do sofredor não aguenta, até as praias ficam mais bonitas com a barriga cheia de comida boa e você deve está se perguntando: “você é filho de quem? Do Jamie Oliver com a Palmirinha? Porque isso deve tá uma delícia.” A resposta é “não”, mas em Recife eu me alimento como se fosse.
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NOS BASTIDORES
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O BAILE DAS MÁSCARAS TEXTO POR MICHEL EDERE
A gente dança conforme a música, mas mesmo quando a dança é mais lenta perdemos fácil o passo de cada dia. A rotina nos leva ao comodismo. Como querer algo diferente diante de um ritmo que lhe condiciona a um estado de “agora não”. Subempregos, currais, precariedade em serviços primordiais e ainda moramos longe. Acontece às vezes. Começa quando alguém importante vem nos visitar e o prefeito ou governador deixa a casa para inglês ver. Como querer uma atitude mais sagaz de quem trabalha mais de 12 horas por dia e depois ainda tem que pegar 3 ônibus para voltar para casa. O cara nem tempo para família ou para a mulher. A mulher nem tem tempo para o cara, se vira para cuidar da família e fora o trampo de 12 horas tem mais um outro em casa. Afinal somos uma sociedade machista e retrógada. “Mas isso está mudando”. Onde? Tenho tempo para sonhar? Tenho essa oportunidade? Então palmas para mim. Sou um felizardo. E por que? “Porque tem
gente pior meu caro”. Ou seja, se tem gente pior então devo me conformar com a minha situação atual. “Se dê por satisfeito e sorria”. O sorriso é de fundamental importância para você se dar bem. Ninguém vai dar emprego para alguém triste ou muito menos para alguém revoltado com alguma situação. Sorriso no atendimento, sorriso no balcão, sorriso no banco, sorriso na loja de departamento, mas se estiver na calça, nada de sorrir. Miserável que sorri não ganha esmola. Mas se tem gente pior, e esse pior for a maioria, e como vivemos numa “sociedade”, é lógico que estarei pior também. Não? Afinal se trata do todo, ou do indivíduo? É bom que sejamos claros sobre isso. O “todo” só é “todo” se respeitar e priorizar as individualidades. Tem gente que precisa de uma rampa para subir a calçada porque é cadeirante, outros precisam de uma ciclovia porque não andam de carro. E outros quando vão protestar, além de ônibus, usam máscaras.
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NOS BASTIDORES
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Black Bloc Brasil
“Quer protestar? Tem que ir de cara limpa. Nada de se mascarar. Isso aí é só para pessoas do alto escalão.”
Opa! Isso aí não pode. Isso aí pode vir a ser crime. Quer protestar? Tem que ir de cara limpa. Nada de se mascarar. Isso aí é só para pessoas do alto escalão. Eles mascaram a pobreza, desta surgem a exclusão, a periferia e as favelas. Eles mascaram o roubo público, deste surge a fome, o caos na saúde e corrupção.
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Eles mascaram notícias, destas surgem “agora não”, “de máscara não pode”, “tem gente pior” e continua a corrupção. Neste grande baile de máscaras chamado Brasil, a cara tem que ser limpa quando convém, caso contrário você não é um “cidadão decente”. Um brinde a falta de sagacidade!
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