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IO VIGA
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EDITORIAL
EDITORIAL
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SARTRE EXPLICA Você é uma pessoa engajada. Do seu sofá, protesta contra as mazelas da sociedade, se torna ativista de diversas causas que visam melhorar o mundo, compartilha a foto da criança com necessidades especiais que merece um like, a opinião do pastor da sua igreja e o conteúdo massificado produzido pelo formador de opinião do momento através das suas diversas redes sociais. Amparado pelo poder da multidão, sai às ruas para mudar a cara do país e cobra por tudo e nada ao mesmo tempo. Cobra saúde, infraestrutura, segurança e educação do governo; mais amor (por favor) do próximo; mais dignidade e respeito da população; mais paciência no trânsito e, invariavelmente, exige mais envolvimento e responsabilidade do outro.
Dentro dessa lógica, “o inferno são os outros” e como o problema está lá fora, é pra lá que você vai para resolvê-lo. A capa dessa edição segue na contramão dessa realidade e te convida a fazer o caminho de volta, no qual antes de enxergar e apontar os problemas do outro, você explora, reconhece e modifica os seus. Além dessa volta às origens proposta pela matéria de capa, os colunistas da casa provocam reflexões capazes de te levar a lugares até então desconhecidos. Vale o passeio. Aproveite!
FICHA TÉCNICA Editora Chefe: Kilze Teodoro – kilze@foccusrevista.com.br Diretor Executivo: Murilo Borges – murilo@foccusrevista.com.br Projeto Gráfico: SOU Propaganda – (64) 3661-1960 Direção de Arte: Andre Rezende
Produção Gráfica: Gráfica Mineiros – (64) 3661-1862 Comercial: Jéssica Dias – (64) 9994-6294 Circulação: Mineiros, Goiânia, Rio Verde, Jataí, Alto Araguaia, Alto Taquari, Chapadão do Céu e Chapadão do Sul Endereço: Avenida Ino Rezende, Qd. 12, Lt. 11, Piso 02, Setor Cruvinel, Mineiros-GO, CEP 75830-000
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COLABORADORES JULHO/2014
PABLO KOSSA Pablo Kossa é jornalista, produtor cultural e mestre em Comunicação pela UFG.
GUILHERME SANTANA
BÁRBARA FALCÃO
DANILO XIDAN
Coveiro por opção. Pai por paixão. Glutão por convicção. santanagui@hotmail.com santanagui.blogspot.com
Devota do desassossego, ama para não enlouquecer e escreve porque acha que a arte é a única amante da solidão. www.pacificidade.blogspot.com
Publicitário e gourmet viajante. Um mochileiro maluco que curte Comer e Viajar. Acompanhe www.facebook. com/comereviajar2 e @comereviajar no Instagram.
PEDRO LABAIG
ROSA FERRAZ
MICHEL EDERE
Pintor, formado em Filosofia pela UFG, estuda História da Arte na Universidade de Sorbonne.
Rosa Ferraz é uma pernambucana agridoce. Cantora, compositora e bacharel em Direito. Apaixonada em pimenta, porcos e tudo que provoca.
Nascido no dia 11 de abril de 1980, já com a profissão de ariano definida para o resto da vida, Michel Edere é original de fábrica de Goiânia. Filho de uma crente com um piauiense, estudou muita coisa, aprendeu algumas, esqueceu a maioria e não se formou em nada.
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ED. 85 - JULHO 2014
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ÍNDICE
Senta Que Lá Vem História |
GUILHERME SANTANA ...........................................................................................
PABLO KOSSA .........................................................................................................
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ROSA FERRAZ .........................................................................................................................................................
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KILZE TEODORO .................................................................................................................................................................
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Tudo ao Mesmo Tempo Agora | GorduRosa | CAPA |
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DRA. GABRIELA RIBEIRO ..................................................................................................................
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PEDRO LABAIG ................................................................................................................................................
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Perfil Profissional | Pena e Pincel |
DANILO XIDAN ...........................................................................................................................................
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MICHEL EDERE ...............................................................................................................................................
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BÁRBARA FALCÃO ............................................................................................................................................
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Comer e Viajar | Entre Olhares | Pacificidade |
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SENTA QUE LÁ VEM HISTÓRIA
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GIL QUE ESTAVA CERTO “O melhor lugar do mundo é aqui e agora. Aqui, onde indefinido, agora que é quase quando.” TEXTO POR GUILHERME SANTANA
Voltando para casa hoje na hora do almoço, ou seja, àquela hora em que você pensa pouco e observa menos ainda, escutei um comentário de um amigo ao rádio que me chamou a atenção. O assunto que estava em pauta era o movimento de bandas do rock nacional que surgiram em Brasília na década de 80. Entre vários comentários surgiu o sentimento de saudosismo, pois alguns dos integrantes da discussão haviam vivido essa fase do surgimento das bandas de Bsb. Inclusive essa pessoa que vos escreve, que apesar de ser bem novo (reservo-me o direito de não revelar a minha idade), acompanhou o auge “contra revolucionário” de Legião Urbana, Paralamas e Capital Inicial. E realmente, quando penso nessa fase de minha vida, sinto uma saudade imensa e sempre imagino que esses fatos não voltarão a acontecer. Sinto também uma pena dessa nova geração que não viveu isso. Sinto mais pena ainda quando sei que eles viveram Britney, Justin, etc... E no meio da discussão nostálgica, surgiu uma frase célebre de Gilberto Gil que transcrevo agora: “O melhor lugar do mundo é aqui e agora.
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Aqui, onde indefinido, agora que é quase quando.”. Essas palavras me chamaram a atenção. Muito a atenção. Vamos nos ater à primeira parte da frase, visto que a segunda é um misto de liberdade poética com “Gilbertez”. Puxemos a análise. Quais foram os melhores anos da humanidade? Foram as décadas de 40 e 50 com seu charme quase inocente? Ou foi a de 60 com o estouro do Rock? Foi, por acaso, a de 70 com seu movimento Hippie? Ou foi a de 80, chamada de a década perdida? Discutir esse assunto talvez seja como discutir futebol. Cada um tem a sua razão. E se forçar a barra acaba em briga. Mas será que ter achado os anos 80 inesquecíveis nos impede de curtir o presente? Ou nos impede de ter desejado estar em Woodstock para um show de Hendrix? Aí entra a sabedoria do bom baiano Gil que nos mostra o contrário. O melhor lugar é onde você está e o melhor momento é o agora. Talvez, até transcendendo um pouco mais, o motivo se deva ao fato de você estar vivo. Imagina se você tivesse morrido na década de 80?! Não estaria podendo curtir todo o desenvolver de uma geração.
We Never Look Up
SENTA QUE LÁ VEM HISTÓRIA
O fato de comemorarmos cada momento vivido é uma prova cabal de que estamos vivos. Morto é quem fica parado em um ano no passado. Quer seja porque não está realmente mais presente entre os vivos, quer seja porque deixou sua alma no passado. Além dessa análise “espiritual”, entendo que a capacidade de se atualizar é o maior desafio do mundo e do ser humano. Aquele que para no tempo, de certa forma morre. Isso não impede que eu cultive gostos de outras fases da vida, e nem tampouco impede que eu viva o momento presente com intensidade. As coisas podem ser feitas de maneira simbiótica e com isso enriquecer nossa vida. Alguns dias atrás estava no carro com meus filhos quando começou a tocar uma regravação de “Boys Don´t Cry” do The Cure. Música gravada pela primeira vez em 1979 e depois regravada em 1986
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pela mesma banda inglesa. Hit certo nas festinhas que estive presente quando adolescente (que não foram poucas). Minha filha imediatamente começou a cantar e eu questionei se ela sabia que aquela música era do tempo do papai. Ela disse que sabia, mas mesmo assim continuou cantando. Percebi então que aquela música já não era só do tempo do papai. Era também do tempo dela. A boa coisa da vida não tem limitação de tempo e nem de geração. Logo depois começou a tocar Beyoncé. Ela também cantou. Eu escutei. Vai ser difícil aquela música se tornar do meu tempo. Prometo me esforçar. Quem sabe ainda cumpro as palavras de Mestre Gil.
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POSTO MINEIROS
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Folha de S達o Paulo
TUDO AO MESMO TEMPO AGORA
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LEIO O JORNAL QUE É DE ONTEM “Eles são mesmo todos japoneses no processo, é tudo igual.” TEXTO POR PABLO KOSSA
Leio o jornal que é de ontem, pois para mim tanto faz. Acompanho o noticiário dos acordos políticos que montam as chapas para a disputa eleitoral de outubro e me lembro de Cazuza: “eu vejo o futuro repetir o passado, eu vejo um museu de grandes novidades”. Mas também o Biquíni Cavadão cai como uma luva: “leio o jornal que é de ontem, pois para mim tanto faz”. E nem é que o jornal de ontem satisfaz a sede por notícias. Poderia ser o de quatro anos atrás. Ou o de oito. Até mesmo o de doze. E por que não o de dezesseis anos atrás? Na parte da política goiana, pela terceira vez desde 1998 teremos o embate dos mesmos nomes nas principais coligações. Iris Rezende e Marconi Perillo encabeçam os dois lados com maior possibilidade de vitória, polarizando as atenções dos eleitores. Exatamente como 1998 e 2010. Em 2002, Marconi venceu Maguito Vilela. Alcides Rodrigues, então coladíssimo na imagem de Marconi, foi vitorioso em cima de Maguito em 2006.
Até hoje, as tentativas de construção de terceira via não foram frutíferas em Goiás. Será que esse ano os nomes lançados pelo PT, Antônio Gomide, e pelo PSB, Vanderlan Cardoso, conseguirão se colocar como alternativas ao eleitorado que se cansou do processo binário PSDB-PMDB que pauta as eleições do nosso estado há anos? Até o momento, as pesquisas não indicam isso. Ainda temos muito tempo para que o eleitor se encontre com as urnas e isso pode mudar. Aguardemos. Por agora, o que temos como prato principal é comida requentada mesmo. Já no cenário nacional, os protagonistas até mudam, as táticas é que não. É muito curioso o PT reeditar o discurso do medo. Lembra-se do Cazuza? E do Biquíni Cavadão? Pois é. Regina Duarte e seu medo de perder o que até então o PSDB havia construído tem exatamente o mesmo teor do que os marqueteiros de Dilma Rousseff agora colocam sobre uma possível vitória da oposição. Isso é horrível para a percepção do eleitor sobre quem é quem no jogo. Reforça a ideia generalizada de que todos são iguais
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TUDO AO MESMO TEMPO AGORA
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na política. Somente os calhordas ganham quando todos são jogados na vala comum. O problema é que, cada vez mais, isso é empiricamente comprovado: eles são mesmo todos japoneses no processo, é tudo igual. Se o líder de um lado pede para esquecerem o que escreveu, se o líder do outro lado diz que tudo que falou antes de conquistar o poder eram só bravatas, onde estão as diferenças? Elas são tão sutis que, por vezes, nem mesmo os olhos mais atentos conseguem percebê-las. ONDE ESTÁ O NOVO? Desde a onda de protestos que varreu o país em junho do ano passado, o tal do fato novo vem pautando o mundo político. As ruas demonstraram que os personagens tradicionais estão desgastados. Não sobrou para ninguém. A partir disso, existe um desespero dos candidatos que tentam tirar os postulantes à reeleição de encarnarem o novo. A personificação do novo conta muitos pontos nessas eleições. Só que ser o novo não é tarefa simples. Não se trata de lavar que está novo. É preciso ter legitimidade de discurso e práticas para ser entendido como o novo. E é aí que o bicho pega. Em Goiás, Antônio Gomide e Vanderlan Cardoso podem pleitear esse papel. Ambos vêm de administrações bem avaliadas nos municípios em que foram prefeitos e são pouco conhecidos no restante do estado. Dependem de apresentar plataformas inovadoras e que coincidam com os anseios de novidade da população.
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Nacionalmente, Aécio Neves e Eduardo Campos são os que têm possibilidade de vestir esse paletó. Os dois têm um problema de origem para encarnarem o novo: são de clãs tradicionais de figurões da política brasileira. Aécio é neto de Tancredo Neves, Eduardo de Miguel Arraes. Ou seja, mesmo que se esforcem em parecer o contrário, são filhos legítimos de capitanias hereditárias que loteiam a política brasileira desde tempos remotos. Mesmo levando isso em conta, me parece que existe ligeira vantagem para Eduardo Campos. Por ser de Pernambuco, um estado mais fora da rota tradicional que Minas Gerais, ele é menos conhecido do grande público, o que pode ser interessante para quem quer ser o novo. Além disso, a aliança com Marina Silva, que constrói sua identidade com o discurso de uma nova política, reforça esse posicionamento. Mas é bom que Eduardo não se esqueça da lição de Mané Garrincha: será que o candidato combinou com os russos que ele é o novo? Os russos, no caso, nós, eleitores.
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GORDUROSA
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QUEIME CALORIAS, NÃO QUEIME GORDURINHA “É uma “gordura saudável” e enriquecedora da música brasileira que se chama Waldeck Artur de Macedo.” TEXTO POR ROSA FERRAZ
Nada melhor do que falar sobre Gordurinha numa coluna de nome “GorduRosa”. E o Gordurinha ao qual me refiro nada tem a ver com aquela gordurinha incômoda que dá “oi” para a gente no nosso corpo em forma de pochete demodê. É uma “gordura saudável” e enriquecedora da música brasileira que se chama Waldeck Artur de Macedo (Salvador, 1922-1969), mais conhecido como Gordurinha (uma ironia ante sua magreza inicial). Além de um exímio cantor e compositor, foi um humorista nato. Suas obras musicais são dotadas de sentimentos melancólicos e de humor, com pitadas de ironia e acidez. Ao compor também se baseava em críticas sócio políticas, retratando o sofrimento das famílias nordestinas que enfrentavam trabalhos árduos e muitas vezes, devido as intensas secas e/ou alagamentos, retiravam-se de sua terra natal para tentar a “sorte” nos grandes polos do Sudeste, como Rio de Janeiro e São Paulo; enfrentando assim outra problemática documentada em suas canções, o preconceito contra os nordestinos. Tendo como exemplo: “Se
Chovesse no Nordeste” (sobre a questão da seca) e “Baiano Burro Nasce Morto” (sobre a questão do preconceito). Em 2012, ano do centenário do “rei do baião”, Luiz Gonzaga foi tema de diversos espetáculos musicais, discussões acadêmicas e longas cinematográficos. Nessa ocasião, muitos outros personagens desse gênero musical foram relembrados, enfatizando suas obras, como o letrista Humberto Teixeira. Já Gordurinha – um relevante artista na história do baião – não teve o destaque merecido nessas manifestações culturais. Vale ressaltar que a famosa composição “Súplica Cearense”, sucesso na voz de Luiz Gonzaga, é de autoria de Gordurinha. A divisão rítmica, a riqueza harmônica e melódica, aliadas à excelência de suas letras fazem de Gordurinha uma figura ímpar na música popular brasileira, a ponto de sua obra ter sido reconhecida, cantada e regravada por grandes artistas nacionais como: Luiz Gonzaga, Gilberto Gil, O Rappa, Fagner, Ary Lobo, Nélson Gonçalves, Jards Macalé, Gal Costa, Jackson do Pandeiro, Jorge Veiga, Elba Ramalho, Orquestra Contemporânea de Olinda, entre outros. E
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“Não é bizarro um compositor com tantas músicas aclamadas ser tão marginalizado?”
aí talvez resida um paradoxo: trata-se de um artista reconhecido para alguns e tão desconhecido para tantas outras pessoas. “Chiclete com Banana” (1959), é uma música que teve uma repercussão nacional. Muitos acreditam que essa canção é de autoria de Jackson do Pandeiro, ou até mesmo do Gilberto Gil, pois ela também foi regravada por ele. No entanto, essa música é de Gordurinha, em parceria com a mulher de Jackson, Almira de Castilho; o que na verdade tenho minhas dúvidas se Jackson do Pandeiro para agradar sua mulher não a nomeou como compositora. Não é bizarro um compositor com tantas músicas aclamadas nacionalmente ser, de certa forma, tão marginalizado em um âmbito geral, seja midiaticamente, como também popularmente? Pior que nem tão bizarro assim, pois é muito recorrente, apenas um pouco angustiante. Pensando sobre obras que são repercutidas com êxito, sem ascensão/reconhecimento midiático do próprio criador delas, lembrei que, certa vez, estava numa discussão filosófica e etílica sobre gênios incompreendidos e alguém veio dizer que se o gênio é incompreendido, ele certamente não é gênio. Para este ser
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humano o “pacote de genialidade” incluía compreensão social. Porém, penso que justamente por ser um gênio, às vezes muitas pessoas não o compreendem imediatamente, devido a fatores comportamentais de uma “sociedade manada” que gera uma anomalia intelectual e reducionista ao que se tem de fácil acesso. Gordurinha me parece se encaixar um pouco nesse disparate, era um caboclo cheio de talento, mas tão genuíno e provocador, que talvez por isso não se inseriu naqueles moldes da grande indústria. Teve lá seus momentinhos de fama e sucesso, mas foi esquecido rapidamente e não teve mérito honesto, ao meu ver. Divagando assim é que penso em tantos outros como Itamar Assumpção, Sérgio Sampaio e Walter Franco, que apenas depois de anos foram ter sua devida importância em cheque. Uns já de pé frio, revirando em seus caixões. Bom, mas isso é assunto pra outro texto. Então está dado o recado, consumam mais dessa ‘’Gordurinha’’. Não engorda e não aumenta o colesterol, só engorda os ouvidos e a alma.
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O CAMINHO DA REVOLUÇÃO “Dentro dessa realidade não existe lugar para mudança ou para renovação.” TEXTO POR KILZE TEODORO
Como bom brasileiro, você foi às ruas em junho de 2013. Vestido de branco e com cartaz em punho protestou contra a corrupção, a homofobia, o governo e, claro, contra o aumento das tarifas no transporte público, mesmo não precisando dele. Apesar de nunca ter utilizado o sistema público de saúde, você foi contra a entrada de médicos estrangeiros no Brasil, pois como bom cidadão que é, entendeu como dever pessoal defender a classe médica brasileira e a população que, em sua opinião, precisa de mais infraestrutura no setor e não de mão de obra - desqualificada, como você faz questão de salientar. Recentemente você protestou contra a Copa apesar de já ter uma programação fechada para assistir todos os jogos brasileiros. E da arena, do bar ou da sua casa, vaiou a presidente com a mesma efusividade que comemorou cada bola brasileira na rede dos adversários. Do camarote vip do estádio ou da balada, você comparou a dificuldade em pegar bebida, ir ao banheiro e ter que dividir o espaço com pessoas que pagaram um
valor menor que o seu com os problemas sociais que o país enfrenta. Do seu sofá, você transmite toda a sua raiva, decepção e indignação contra o governo, a corrupção, o mercado, o trânsito, a novela, o céu, a terra, a água e o mar através das diversas redes sociais que detêm, baseado nas informações que recebe, pois nunca sentiu na pele as verdadeiras mazelas da sociedade. Você teve acesso à educação, saúde e segurança sem depender do governo; nunca precisou enfrentar fila de hospital público, como também estudou em instituições de ensino privadas durante a infância e a adolescência e garantiu sua formação superior em universidades de sua escolha, dentre muitas outras vantagens. As condições responsáveis pela sua formação como indivíduo e profissional são claramente superiores às oportunidades que boa parte da população brasileira recebe. Portanto este fator aliado à grande quantidade de privilégios destinados a parcela da sociedade que você representa acabam te incluindo no grupo que deveria ser
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formado pelas pessoas mais instruídas do país. Logo, o sentimento de pertencimento a essa classe, na maioria das vezes por aulicismo e não por merecimento, o leva a crer que, além do direito, você tem o dever de reclamar e exigir melhorias tanto aos seus, quanto aos menos favorecidos e é justamente aí que mora o problema. Você luta pela paz apoiando pessoas comuns a fazerem justiça com as próprias mãos, mesmo desconfiando que atitudes como essa não passam de violência travestida de justiça. Os casos de espancamentos e linchamentos de inocentes provam que a prática é falha e está muito distante do que é considerado justo, além de deixar claro que a população não tem condições de julgamento entre certo e errado, pois é exatamente nesses conceitos que toda a nossa herança civilizatória, carregada de preconceitos e estereótipos estigmatizados, está inserida. Porém, assim como a maioria, você prefere apoiar o discurso do medo amplamente difundido por Datenas, Rezendes, Sheherazades e Constantinos, que reproduzem exatamente aquilo que o espectador quer ouvir - pois esse é o formato de notícia que vende -, a se empenhar em conhecer e apoiar alternativas que realmente funcionam em países como o nosso. Partindo da mesma contradição presente no discurso utilizado na validação dos justiceiros, você clamou por educação por meio de vaias e xingamentos contra a presidente em um momento em que o mundo todo estava com os olhos voltados para o nosso país. Sem se recordar que, apesar da insatisfação gritada a plenos pulmões, ela foi eleita por maioria de votos em um processo
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defendido pela legislação brasileira e apoiado por todo e qualquer indivíduo a favor da democracia, independente da sigla partidária que o representa. Na linha desse contexto, você cobra por saúde criticando a importação de médicos do exterior pelo governo sem sequer se informar sobre as lacunas que esses profissionais vêm ocupar. Ao contrário do que é divulgado por grande parte dos meios de comunicação, esses médicos vieram ao Brasil, em sua maioria, para cobrir as demandas não preenchidas pelos médicos brasileiros, sobretudo, nos rincões do país, oferecendo um atendimento familiar e próximo ao paciente. Segundo o jornalista Hélio Doyle, dentre os 4.000 médicos cubanos (que foram, de longe, os mais rechaçados pela população e pela mídia) residentes no país, todos têm especialização em medicina de família, cerca de 42% trabalharam em pelo menos dois países e 84% têm mais de 16 anos de atividade em um sistema de trabalho que está presente em várias partes do mundo. Portanto, antes que me acusem de defensora do governo, gostaria de deixar claro que o objetivo deste texto não é levantar bandeira alguma e, sim, questionar situações que polarizam as opiniões dos brasileiros (especialmente em épocas eleitoreiras) e ocupam o espaço que deveria ser usado para reflexões e melhorias. Afinal, não é novidade que a maioria das discussões sobre a sociedade se desenvolvem à sombra do cenário político nacional, pois independente do sistema econômico estabelecido, população e estado fazem parte de uma mesma unidade. Logo, em consequência dessa perspectiva, o fato de defender ou ir contra a opinião da grande mídia
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ou do nicho do qual você faz parte sobre qualquer política pública é o suficiente para ser enquadrado em rótulos como os clássicos “petralhas” e “coxinhas”. Dentro dessa realidade não existe lugar para mudança ou para renovação, pois se você for a favor do governo, precisa abraçar tudo que é proposto por ele e se for contra, torna-se necessário se opor a toda e qualquer solução apresentada por seus representantes. Com isso, a discussão política atual perde toda a profundidade que necessita para amadurecer e o resultado desta polarização compromete o exercício pleno da liberdade que, como sabemos, é o valor máximo da democracia que, por sua vez,
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é a forma de governo que lhe garante, inclusive, o direito de reclamar à vontade. Assim sendo, da próxima vez que for usar a liberdade que a democracia lhe confere para protestar, criticar ou publicar suas crenças, versões e opiniões na rede ou nas ruas, lembre-se de que pelo acesso privilegiado que teve aos serviços que deveriam, sim, ser supridos pelo governo, você representa a elite do conhecimento de uma nação inteira. Portanto, o poder da revolução está em suas mãos, mas ela só acontecerá quando você (pronome que inclui também quem vos escreve) começar a fazer o caminho contrário. Pode parecer clichê, mas o modelo de mudança que funciona ocorre de dentro para fora.
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PERFIL PROFISSIONAL
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RECEITA PARA UM SORRISO PERFEITO No Perfil Profissional desta edição, conversamos com a Dra. Gabriela Carvalho Teixeira Del Faveri Ribeiro, que é formada em Odontologia pelo Centro Universitário de Araraquara, possui cursos de aperfeiçoamento, atualização e é especialista na área de Ortodontia e Ortopedia Facial pela Universidade Cruzeiro do Sul. Ela falou sobre a importância do tratamento ortodôntico para o alinhamento dos dentes e obtenção de um sorriso bonito e saudável.
Os dentes tortos e os problemas de mordida têm sua origem tanto em fatores hereditários, como em fatores ambientais. Os fatores hereditários respondem inclusive pelo apinhamento dentário, diastema (grandes espaços entre os dentes) e más oclusões. Os dentes tortos também podem ser causados pelo hábito de chupar o dedo, chupeta e pela protrusão lingual, além de problemas nas arcadas decorrentes de acidentes.
Revista Foccus: Qual é o papel do ortodontista dentro da odontologia?
Revista Foccus: Quais as opções de tratamento para alinhar os dentes ou corrigir más oclusões?
O ortodontista é um dentista com uma especialização clínica complementar no tratamento das más oclusões (mordidas erradas), as quais podem ocorrer devido à falta de alinhamento dos dentes e problemas nas arcadas. Os aparelhos ortodônticos servem para corrigir a posição dos dentes e obter um sorriso bonito e saudável. Revista Foccus: Há quanto tempo você atua na área? Sou formada há seis anos, atuo a mais de quatro anos em Mineiros e região, atendendo em período integral no Hospital São Lucas.
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Revista Foccus: Por que os dentes ficam tortos?
O tratamento ortodôntico tem três estágios. O primeiro é aquele no qual os aparelhos são usados para ganhar espaço na boca. Por exemplo, os expansores palatais são usados para aumentar a largura do palato e, as barras linguais, para expandir a arcada inferior. O estágio seguinte é o da correção ativa, no qual os aparelhos são colocados nos dentes. Neste estágio, os dentes são ajustados e alinhados e as más oclusões são corrigidas no decorrer de um período que depende do grau de irregularidade dos dentes e da severidade dos problemas das arcadas. O terceiro estágio é o da retenção, no qual, depois que o aparelho é removido, os dentes são monitorados por meio do uso de um retentor (fixo ou removível) e das visitas ortodônticas semestrais.
DRA. GABRIELA RIBEIRO
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Revista Foccus: Como e quais os tipos de aparelhos são usados?
Revista Foccus: Como manter o sorriso bonito depois de retirar o aparelho?
Os aparelhos podem ser fixos, metálicos ou estéticos e removíveis, podendo ser colocados na face externa ou interna dos dentes, dependendo da recomendação do ortodontista. Os bráquetes, arcos e bandas apresentam-se em diversas cores, à escolha dos pacientes.
Depois que seu ortodontista determinar a remoção de seu aparelho, é importante usar um retentor (um dispositivo de acrílico - que servirá como uma contenção) durante o dia ou à noite, de acordo com a recomendação profissional. A higienização do retentor pode ser feita com água ou creme dental e escova, logo depois do uso. Quando não estiver sendo usado, o retentor deve ser guardado em um estojo de plástico.
Revista Foccus: Quais os cuidados que os pacientes devem ter com seus aparelhos? O ortodontista ou dentista dará a você todas as informações sobre como higienizar corretamente seu aparelho. Há várias escovas manuais (especialmente projetadas para pacientes ortodônticos) que podem ser usadas. Pergunte ao dentista qual é a melhor para o seu caso. Escove ao menos três vezes por dia, em ângulo de 45 graus com movimentos de vai-e-vem. Remova a placa bacteriana na linha da gengiva para evitar gengivite (inflamação do tecido gengival). Coloque a escova em ângulo na linha da gengiva e escove suavemente ao redor do aparelho para remover a placa bacteriana e os resíduos alimentares. É muito importante higienizar entre os dentes, usando fio dental com passa fio, e escova interdentária. Os irrigadores bucais são recomendados para a remoção de resíduos alimentares e irrigação do tecido gengival para eliminar a gengivite e as bactérias causadoras de mau hálito. Também podem ser usados um creme dental antibacteriano e um enxaguatório bucal, com o irrigador ou isoladamente.
O ideal para quem busca um sorriso perfeito é consultar um dentista especialista que possa orientar sobre o tratamento adequado. Sempre buscando associar a beleza de um sorriso harmônico, com dentes brancos e alinhados, e uma função mastigatória correta. Combine com seu dentista a profilaxia profissional semestral e com seu ortodontista as consultas regulares de manutenção.
Hospital São Lucas Rua Belarmino Pereira, Esquina c/ Rua 08, Setor Machado (64) 3672-7900 ramal 272 / (64) 9911-1711
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NÃO HÁ DEUS “Não tinha sonho ali. Não tem jasmim ou droga ou blush que disfarce as olheiras pintadas pela crueza do tempo.” PINTURA POR PEDRO LABAIG / TEXTO POR DÉBORAH GOUTHIER
Estendeu as mãos aos céus em prece. Tinha antes tomado um banho quente, enchendo os espelhos do banheiro de bruma e do aroma de jasmim que usava para perfumar o corpo. Lavou-se com força para expulsar a raiva, a dor, aquela sujeira imensa que lhe escorria perna abaixo. Demorou-se mais do que de costume. Não tinha mais relógios nem esperas. Penteou os cabelos com os dedos, evitando os nós, evitando os dias. Um pouco mais antes fora o café quente, o vinho barato, o pão amanhecido, uma carne se oferecendo ao mofo. Jantou sozinha segurando o prato entre os joelhos e apoiando a taça no chão. Conversou com a carne apodrecida para fazer amizade e aplacar a dor que ouvia a cada vez que seus dentes atravessavam as fibras. Quis vomitar antes do fim. Matou tudo com o último gole envinagrado. Um cigarro atrás do outro, para intoxicar o que sobrara de limpo. Agora ali, com o corpo nu de jasmim e os longos cabelos vermelhos lhe escorrendo água pelas costas, ela já não conseguia continuar a memória retroativa do dia. Ficou presa naquele jantar vencido que
não tinha conseguido ir muito além da garganta, entalado, sufocante. Ela inteira sufocava, poro a poro. Prisão de si. Quis rezar. Lembrava-se da mãe carola dizendo que Deus liberta. Tinha o corpo pesado e lento. Estendeu as mãos aos céus em prece e sentiu esvair o que lhe restavam das forças. Levitava junto com as mãos, para o alto e o fim. Deus também deveria ser pesado e lento. Oxum, São Jorge, Shiva, Padim Ciço, Nossa Senhora de Fátima, espíritos adormecidos dentro dela. Qualquer um que resolva. Qual deus escutaria o seu grito? Vindo de tão longe, da terra, daquela janela de ferro querendo quebrar, daquele primeiro andar do mundo, do subterrâneo da vida. Quem a veria? Qual deles desceria em seu resgate? Não tinha sonho ali. Não tem jasmim ou droga ou blush que disfarce as olheiras pintadas pela crueza do tempo. Não tem vida. A gente não pode amar com esse peso todo. Não parou pra enxugar a água que escorria pelos cabelos e, ainda menos, a que descia pelo rosto. Não viu a chuva. Não chorou, porque não doía. Latente. Visceral. O medo congela, mesmo quando as mãos estão atadas tão ao alto.
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“A gente não pode amar com esse peso todo.”
Estendeu as mãos aos céus em prece e, então, o tomou no colo. Cantou uma canção de ninar aos gritos, daqueles que rasgam por dentro. Vulto, anjo, morte, sorte. Veio como a boca que se cala, o coração que se cansa. Saudade matada. Cheiro de menta e a cor da lua. Conversou longamente com ela na língua dos loucos, dos poucos, quase não disse nada. Rouquidão contida no peito, sussurro da madrugada, uma tormenta de alívio chamada milagre. Não era deus, porque deus não há. Tinha as cores quentefrias do diabo e o hálito da noite. Dançou com ela pela noite escura.
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Déborah é uma moça discreta. Trabalha muito e tem vários empregos: observadora, ouvinte e leitora de mundos possíveis, entre outros. Quando volta a casa, começa seu trabalho de ourives, palavra por palavra. Em suas mãos, o doce vazio deste quadro só poderia estar mais doce e mais vazio.
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Jon Downs
COMER E VIAJAR
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A ESTRADA E SUA MELODIA “Viajar é como música.” TEXTO POR DANILO XIDAN
Abro os olhos. Vejo o mar de Aracaju banhar todo o meu campo de visão. Além do som das ondas que vêm e vão, o sustain da última nota do solo de Comfortably Numb. A musicalidade de um guitarrista modesto renasce. Mas esse parto aconteceu ainda quando perambulava em Lençóis, na Chapada Diamantina. O capoeirista e seu berimbau descendo a rua das pedras, o senhor que assopra seu saxofone pelas janelas abertas, a bateria formada apenas por crianças sobre a ponte. A música me guia como uma folha que cai nas águas escuras que passam por debaixo dela. Dentro da cabine do caminhão, na carona até Salvador, um céu azul de estrelas cantadas por Raul Seixas. Logo que cheguei, conheci um baterista. Frenético, como os melhores que convivi. Entramos pela porta de sua casa direto para o estúdio e, quando saímos, havíamos gravado o som mais experimental que já fiz. Noite dessas, fizemos uma jam em um bar. Apesar de tímido, sempre à vontade no palco. Quando me despedi da capital baiana, ele me presenteou com a biografia de Dave Grohl.
Cheguei a Arembepe e fui morar na aldeia hippie (onde Janis Joplin já desencantou) graças a um casal de novos viajantes que me viu com o livro nas mãos. Trocamos músicas e goles de café. Dividimos a pouca comida que tínhamos e um quebrado violão. Acordei, arrumei minhas coisas, deixando-lhes o livro com a inscrição: Viajar é como música. Tem as partes animadas, pra cima e que embalam os pés no chão. Tem as partes lentas, arrastadas e pesadas. Muito sabático. E tem as partes malucas. Floyd explica. É punk. Mas tem muito rock. O mundo vira, vira-vira. Na maioria das vezes, o melhor a se fazer é dançar. Na outra maioria, é apenas fechar os olhos e ouvir. E por mais que se pareça parecer, viajar é como música em um só sentido: sentir. Abro os olhos. Já estou em outro lugar.
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ENTRE OLHARES
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FRUTA BOA TEXTO POR MICHEL EDERE
Quando a fruta é boa Eu acredito em Deus. Se a fruta é ruim Eu fico chateado com quem plantou. E a vida toda é assim: Divino ao bom Profano ao que é de nós.
Coisas que simplesmente Que acontecem. E para dar razão Para parecer sincero As divindades enobrecem E daqui, se for humano, Eles esquecem.
Nós que já fomos imagem Já fomos semelhantes, Hoje nos confundimos Temos mistura, Mas não damos liga Não vamos a frente. Arroz Feijão Doces para as lombrigas. De tarde eu não ligo a televisão De tarde eu pinto meu céu Eu cubro a minha lua Invento silhuetas para me amar. Aguardando, em um balde de gente De molho Em meio às salivas Estão as coisas que acontecem.
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Ania Koslowska
PACIFICIDADE
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SOBRE A BELEZA E A DUREZA DE ESTAR EM SI “O verdadeiro sentido de ouvir vem de dentro e não da intensidade do barulho.” TEXTO POR BÁRBARA FALCÃO
Dona Terezinha tem 88 anos, é capricorniana como eu e é minha avó. Acorda todos os dias às 6h para passar o café. Seus hobbies são lavar roupas e ler a bíblia sentada na cadeira branca do jardim. Quem a vê tomando seu mingau de aveia calmamente antes de dormir não imagina que um dia ela fugiu a cavalo com meu avô porque a família não aceitava o amor dos dois. Ele morreu tempos depois e a deixou com seis filhos para criar. Desde então ela nunca teve outra pessoa. Beijo sua testa e sua mão direita depois de pedir a bênção e ela olha para mim com a mesma calma e serenidade com que olha para a vida. Conheci Mestre Mirim em Pirenópolis, em algum carnaval. Primeiro, na porta da igreja pintando quadros, depois em um samba no meio da rua. Quando a noite chegou, não hesitei em aceitar o convite e sair junto com o bloco, tocando meu pandeiro que mal era ouvido em meio ao som grave dos tambores recicláveis. Desde o início ele dizia “você é seu instrumento, toque, sinta, não tente ser mais do que os outros”. Foi quando aprendi a fechar os olhos na hora de tocar e aprendi que o verdadeiro sentido de ouvir vem de dentro e não da intensidade do barulho. Mirim
está sempre atento, alerta, pronto para resolver tudo com um sorriso. Segura o bloco e ainda o protege das coisas ruins que vem de fora, dos bêbados, das brigas e das confusões. Sempre com um sorriso. Tenho uma amiga querida, Ana, que não gosta do adjetivo querida. Por isso tenho uma amiga próxima, Ana, talvez a mais próxima, como uma presença invisível que me acompanha. Ana saiu de casa com o amor e a coragem que eu gostaria de ter. Alugou um apartamento no centro para morar com André, que veio de Natal para morar em Goiânia com ela. Esse mês completa três anos que estão juntos, mas decidiram se separar e a qualquer momento André vai embora da cidade. Evito perguntar sobre o assunto porque os olhos de Ana se enchem de lágrimas. Naturalmente, eles se amam. Mas descobriram que a solidão é necessária para o crescimento e que é preciso soltar um pouco as mãos para entrar em alguns lugares estreitos demais. Ana, Mirim e minha avó tem meu amor e minha admiração, sobretudo pela luz que carregam. Lucidez. Que nem sempre implica estar no controle, mas aceitar
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PACIFICIDADE
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“Não posso falar pelas “pessoas de nervos de aço, sem sangue nas veias e sem coração”, se é que existem. Mas falo por mim e por quem sente de verdade. A Fuga é inevitável.”
a falta de controle que temos sobre tantas situações e não deixar que o corpo desfaleça diante disso. Estar lúcido é estar consciente, e consciência exige coragem para encarar as coisas como realmente são. Ter como verdadeira droga o ar que se respira, sentir esse mesmo ar em forma de vento bagunçando os cabelos e a vida. E continuar. Inspirando e expirando. À flor da pele, sensível, sangrando e sorrindo como tudo deve ser. Como é bonita a calma que vejo nos três. Mas garanto que igualmente belo é o desespero com o qual aprenderam a conviver. Sempre achei que o amor, o verdadeiro amor, fosse me roubar a sanidade. Mas compreendo, aos poucos, que ele me tornará ainda mais perceptiva e atenta. E quiçá me ajudará a ter forças para encarar as consequências dessa percepção. Não quero estar fora de mim quando esse amor chegar, por isso me afogo em lucidez. Olhos bem abertos, tato, olfato e morde a língua porque amor sangra mas a gente engole. Quero usar todos os recursos do corpo para senti-lo se aproximar. Não posso falar pelas “pessoas de nervos de aço, sem sangue nas veias e sem
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coração”, se é que existem. Mas falo por mim e por quem sente de verdade. A Fuga é inevitável. Vezenquando a realidade bate na cara de mão cheia e deixa marcas. E a gente chora feito criança, bebe até vomitar a alma e perde a vontade de viver. A gente perde a lucidez. A gente assume o fracasso e sente vergonha, mas não percebe que entregar os pontos é assumir nossa humanidade. Em Salvador, na praia de Ondina, havia sempre um homem que entrava no mar gritando muito. Algumas vezes eu me sentia tão fraca e a vontade de sair de mim era tão forte que eu quase pegava em sua mão e o acompanhava no escândalo. Até hoje não compreendo por que nunca o fiz. Resta ter força e paciência para continuar dentro de si. E desviar às vezes porque é normal, mas nunca perder de vista a estrada principal, ou a “longa estrada da vida”. Aceitar como minha avó aceitou a morte precoce de meu avô e continuar firme. Firme como Ana que não luta contra a partida de André apesar de assumir a dor da incerteza do regresso. E segurar o bloco com delicadeza e coragem, fechando os olhos para tocar o próprio instrumento e se mantendo atento a cada nota que vem de outras mãos.
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ANÚNCIO HABITAT
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ANÚNCIO PREFEITURA