Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

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GRANDE DO SUL Seu Povo, Sua Alma


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GRANDE DO SUL Seu Povo, Sua Alma Duetto Promoções e Eventos

Porto Alegre / Brasil / 2008


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Agradecimentos

Se uma palavra, apenas, tivesse que ser escolhida para definir o processo de produção deste

livro, esta palavra seria afetividade. Ao longo de todo o trabalho de pesquisa e levantamento de dados e, posteriormente, na produção do material fotográfico propriamente dito, fomos recebidos sempre com muito carinho e comovente receptividade. Sendo assim, queremos registrar nosso agradecimento emocionado a todas as pessoas que de alguma forma colaboraram para a concretização deste projeto. Gostaríamos que se sentissem abraçadas neste momento não apenas as figuras mais conhecidas do grande público, que gentilmente abriram espaço em suas agendas, mas também todos os demais homens e mulheres, tanto aqueles cuja imagem está aqui registrada quanto os que, mesmo não aparecendo, também foram fundamentais, com sua atenção e gentileza, para que pudéssemos realizar este trabalho. Foram centenas de contatos, por telefone, e-mail ou pessoalmente, envolvendo prefeituras, secretarias de Estado ou municipais, museus, empresas, escolas, clubes, associações. Esperamos que cada uma das pessoas que participaram deste movimento voluntário e coletivo possa perceber, nestas páginas e na exposição que integra o projeto, a importância de sua ajuda, mesmo que esta eventualmente tenha se restringido a apenas informar-nos um telefone de contato com outra pessoa. O fato é que nessa longa caminhada cada passo foi decisivo para que chegássemos ao seu final de maneira exitosa: podermos entregar o que consideramos um presente a todos aqueles que aqui nasceram e aos que adotaram essa terra, os quais acreditamos que possam se enxergar nesta obra e ver nela também seus pares – afinal de contas, somos todos gaúchos e gaúchas.

Os Editores


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Patrocinio

Projeto Cultural: Duetto Promoções e Eventos Coordenação Executiva: Flavio Enninger Coordenação Editorial: Ricardo Bueno Pesquisa: Ricardo Bueno e Fernanda Pacheco Edição e textos: Ricardo Bueno Revisão: Fernanda Pacheco / RB Editora Fotografia: Jefferson Bernardes / Agência Preview Projeto gráfico: Alex Medeiros / Type Design Editoração: Gabriela Coutinho / Type Design Impressão: Nova Prova

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação ( CIP ) B928r Bueno, Ricardo Rio Grande do Sul : seu povo, sua alma / [Edição e textos Ricardo Bueno]. – Porto Alegre : Duetto, 2008. 168 p. : il. color., foto. ; 30 x 30 cm Aborda a contribuição de oito etnias na formação do gaúcho: alemã, italiana, açoriana, hispânica, japonesa, judia, índios e negros. Fotografias: Jefferson Bernardes. ISBN 978-85-61763-00-8 1. Rio Grande do Sul – Cultura. 2. Rio Grande do Sul – Etnia. 3. Imigração – Rio Grande do Sul. I. Bernardes, Jefferson. II. Título. CDU 981.65 316.728(816.5) 325(816.5) Bibliotecária Responsável: Denise Pazetto CRB-10/1216 - (51)30297042

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Apresentação A alma de um povo Ricardo Bueno Jornalista

Quando recebi o convite para coordenar o projeto Rio Grande do Sul: Seu povo, Sua alma, não

precisei mais do que dois minutos para concluir que, sem dúvida, meu DNA e minha história pessoal se adequavam ao propósito da iniciativa. Explico.

Minha mãe é descendente de italianos (Gabrielli) e meu pai também, por parte de mãe (Broglio

Borges). Por parte de meu avô paterno, acreditamos que o sobrenome Bueno seja de origem espanhola, mas minha bisavó, a querida vó Viroca, como a chamávamos, era bugra (uma denominação um tanto pejorativa para descendentes de indígenas não puros). Minha primeira mulher é negra, e com ela tive dois filhos. Minha atual esposa, que aliás está grávida, é descendente de alemães por parte de mãe (Fetter) e de açorianos ou portugueses por parte de pai (Pacheco).

Voltando a meus pais, é importante salientar que eles só se conheceram porque foram

apresentados por um casal de japoneses, Ziro e Fukiko Takeda, na época noivos e que viriam a ser seus padrinhos de casamento (na foto nesta página, os dois casais no dia em que meus pais, à esquerda, se encontraram pela primeira vez, em dezembro de 1957).

Para completar, o irmão mais velho de meu pai casou-se com uma judia, e foi na casa do

tio Ruy e da tia Sara que almocei dezenas de sábados, anos a fio, quando vim morar em Porto Alegre, ainda na adolescência, depois de viver a infância em Vacaria. Poderia acrescentar, ainda, que foi em um dos maiores grupos de comunicação do país, criado por judeus, que minha carreira profissional decolou.

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Passados os dois minutos desta revisão da minha própria árvore genealógica, comecei a

olhar em torno. E então me dei conta que, assim como eu, podemos contar aos milhares – quem sabe, milhões – os gaúchos que de alguma forma são resultado de uma rica miscigenação de raças e, principalmente, de culturas. É o que vamos tentar mostrar neste livro, mas também na exposição fotográfica que o complementa.

O projeto, portanto, busca retratar a complexa e interessante teia de culturas que formam a

identidade gaúcha, em especial as influências italiana, alemã, hispânica, açoriana, negra, japonesa, judaica e indígena. Afinal de contas, temos muitos rostos. O caldo de cultura que caracteriza nossa sociedade foi temperado por diferentes povos e etnias, o que torna o gaúcho uma figura interessante e com muito mais nuances do que o estereótipo percebido pela maioria das pessoas.

O livro se caracteriza por apresentar um rico material fotográfico, cuja produção foi coordenada

pelo fotógrafo Jefferson Bernardes e equipe. Nas 168 páginas desta publicação, reunimos fotos não apenas de personalidades, mas também de cidadãos quase anônimos, bem como procuramos retratar alguns aspectos curiosos do cotidiano em diversas comunidades, os quais expressam a diversidade e a integração dos hábitos culturais, gastronômicos e religiosos dos gaúchos. O livro retrata fundamentalmente o presente, mas também resgata um pouco da história destas oito culturas. A proposta é oferecer um olhar mais jornalístico do que científico, mas nem por isso menos interessante e curioso.

É importante destacar que existem muitas outras etnias e povos que também escolheram o

Rio Grande do Sul como morada, em algum momento histórico, aqui se estabelecendo, integrandose e transformando nossa sociedade. Os oito grupos escolhidos são apenas um recorte, um olhar entre tantos que são possíveis em uma sociedade multifacetada como a nossa. Até por isso, não é de todo improvável que este projeto – uma iniciativa da Duetto Promoções e Eventos, com patrocínio exclusivo da New Holland e apoio da Lei Rouanet – encontre em breve algum tipo de continuidade.

De momento, esperamos que tanto gaúchos de nascimento como aqueles que moram no

Rio Grande do Sul de alguma forma se enxerguem nas páginas seguintes. Porque nelas quem está retratado é nosso povo – e, portanto, nossa própria alma.

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Introdução Um caleidoscópio cultural e étnico Ruben George Oliven Professor Titular do Departamento de Antropologia da UFRGS

O Rio Grande do Sul é, com freqüência, contraposto ao resto do Brasil como se fosse um

Estado homogêneo. Seus habitantes tendem a ser representados através de um único tipo social: o gaúcho, o cavaleiro e peão de estância da região da Campanha, localizada no sudoeste do Estado e fazendo fronteira com a Argentina e o Uruguai. Foi lá que começou a colonização do Rio Grande do Sul, através da prática da pecuária extensiva. Embora brasileiro, o gaúcho seria muito distinto de outros tipos sociais do país, guardando às vezes mais proximidade com seu homônimo da Argentina e do Uruguai. Na construção social da identidade do gaúcho brasileiro há uma referência constante a elementos que evocam um passado glorioso no qual se forjou sua figura, cuja existência seria marcada pela vida em vastos campos, a presença do cavalo, a fronteira cisplatina, a virilidade e a bravura do homem ao enfrentar o inimigo ou as forças da natureza, a lealdade, a honra etc.

A figura do gaúcho sofreu um longo processo de elaboração cultural até ter o atual significado

de habitante do Estado. Ela não teve sempre o significado heróico que adquiriu na literatura e na historiografia regional. No período colonial, o habitante do Rio Grande era chamado de guasca e depois de gaudério, este último termo possuindo um sentido pejorativo e referindo-se aos aventureiros paulistas que tinham desertado das tropas regulares e adotado a vida rude dos coureadores e ladrões de gado. Eram vagabundos errantes e contrabandistas de gado numa região onde a fronteira era bastante móvel em função dos conflitos entre Portugal e Espanha. No final do século 18 eles são chamados de gaúchos, vocábulo que tem a mesma conotação pejorativa até meados do século 19 quando, com a organização da estância, passa a significar o peão e o guerreiro com um significado positivo.

O que ocorreu foi a re-significação do termo, através do qual um tipo social que era considerado

desviante e marginal foi re-elaborado e adquiriu um novo significado positivo, sendo transformado em símbolo de identidade regional.

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Apesar dessa visão homogênea do Estado, se o examinarmos com cuidado, veremos que ele é multifacetado,

apresentando uma grande diversidade. Ele é formado por diferentes grupos étnicos que aqui chegaram em momentos distintos. Cada um desses grupos deu sua contribuição à formação de nosso Estado, como o presente livro mostra bem.

Os primeiros a se estabelecerem no nosso território foram os indígenas. Pesquisas arqueológicas assinalam

que eles já habitavam o que hoje é o Rio Grande do Sul há 12.000 anos. Eles aparecem nos livros de história através das Missões Jesuíticas e da figura de Sepé Tiaraju, líder dos guaranis, que se opuseram a entregar suas terras aos brancos no século 18. Seu grito de guerra, “Esta terra tem dono!”, é hoje em dia freqüentemente utilizado como palavra de ordem contra qualquer interferência externa nos assuntos do Estado.

Atualmente, há um número reduzido (0,29% da população), mas expressivo, de indígenas no Rio Grande do

Sul. Guaranis e kaingangues têm lutado para assegurar a manutenção de suas terras, garantidas pela Constituição. Eles conservam suas línguas maternas, embora também saibam se expressar em português. À semelhança do que ocorre em outros lugares do Brasil, parte deles está se urbanizando, podendo, por exemplo, ser vista em Porto Alegre, vendendo seu artesanato. É motivo de orgulho afirmar que no gaúcho corre sangue de índio. É comum a expressão “índio velho”, utilizada de forma carinhosa em relação à figura do gaúcho.

Embora o Rio Grande do Sul seja o segundo estado “mais claro” do Brasil, com 86% da população se

declarando branca no último censo demográfico, a presença dos afro-descendentes sempre foi central no Estado. Desde a primeira metade do século 18, havia escravos negros no Rio Grande do Sul; sua importância se acentuou a partir do final daquele século, em atividades como a produção de trigo, nas fazendas de criação de gado e principalmente nas charqueadas. Nessas últimas, o trabalho era todo baseado na escravidão.

Quando se fala do Rio Grande do Sul menciona-se, em geral, pouco a presença do negro. Mas, embora

escassamente divulgada, há uma contribuição muito importante dos negros para a cultura e para outras áreas do Rio Grande do Sul. No folclore gaúcho, a mais conhecida lenda do Rio Grande do Sul é a do Negrinho do Pastoreio, que possui várias versões, a mais famosa sendo a redigida por Simões Lopes Neto. No campo espiritual, há no Estado uma forte presença de religiões afro-brasileiras, como a Umbanda e o Batuque, atualmente inclusive exportadas para o Uruguai e a Argentina. O censo de 2000 revela que há mais terreiros de freqüentadores da Umbanda e do Batuque no Rio Grande do Sul do que na Bahia ou qualquer outro Estado brasileiro, com exceção do Rio de Janeiro. Entre os freqüentadores dessas religiões, está um número pequeno, mas expressivo, de descendentes de italianos e alemães, fenômeno que demonstra o hibridismo cultural que ocorre em nosso Estado. Porto Alegre e outras cidades têm um carnaval antigo e rico, com várias escolas de samba, no qual a presença negra é central.

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Durante muito tempo, o Rio Grande do Sul foi retratado a partir da Campanha. Essa era a área mais

rica e influente do Estado. Os habitantes dessa região em geral eram originários de homens de origem lusa que freqüentemente tiveram filhos com índias. De origem lusa também foram os açorianos que se estabeleceram no que hoje é a capital do Estado, embora tenham chegado mais tarde que os primeiros portugueses.

Entretanto, o surgimento na metade setentrional de um contingente expressivo de pequenos produtores

agrícolas e comerciantes descendentes dos colonos alemães e italianos e a crise pela qual a pecuária passou a partir de 1870 fez com que a hegemonia econômica e política da Campanha começasse a ser seriamente abalada.

Alemães e italianos chegaram ao Rio Grande do Sul no século 19 e aqui deram uma grande contribuição

e tiveram um notável sucesso. Além de desenvolverem uma pujante agricultura, eles se destacaram na produção de vinho, de produtos coureiro-calçadistas, movelaria e na indústria metal-mecânica. Atualmente a área mais desenvolvida do Estado é justamente a que vai da Região Metropolitana de Porto Alegre em direção à área de colonização alemã e italiana

Outros grupos de imigrantes também vieram para o Rio Grande do Sul, embora em menor número: espanhóis,

judeus, japoneses, poloneses, ucranianos. Todos eles se integraram ao Brasil e ao Rio Grande Sul, ao mesmo tempo em que mantiveram suas tradições e costumes. Vários dos mais importantes empresários, políticos, profissionais e intelectuais gaúchos têm origem em imigrantes que se estabeleceram no Estado.

Ao se integrarem ao Rio Grande do Sul e ao Brasil, os diferentes grupos étnicos fizeram esforços em manter

suas tradições e costumes. Ao mesmo tempo, absorveram traços de outras culturas e realizaram trocas culturais que deram resultados muito criativos. Talvez o exemplo mais notável seja o da culinária. No Rio Grande do Sul, come-se churrasco, originado na Campanha, mas a maior parte das churrascarias é dirigida por descendentes de italianos. Eles introduziram o galeto al primo canto, um prato que é genuinamene gaúcho e não existe na Itália. Os colonos eram apreciadores de passarinhadas, mas como foram proibidos de abater passarinhos no Brasil, substituíram estes por franguinhos novos. Também desenvolveram uma vitivinicultura que é responsável pela maior parte dos vinhos produzidos no Brasil. A cerveja que bebemos começou a ser produzida pelos alemães. E o mate, bebida típica do Estado, que simboliza a hospitalidade gaúcha, tem origem indígena.

Por tudo isso o Rio Grande do Sul pode ser visto como um mosaico de diferentes culturas que se amalgamaram

para dar origem a um caleidoscópio cheio de luzes de diferentes cores, que formam um conjunto altamente criativo de contribuições.

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Sumário Açorianos

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Alemães

45

Hispânicos

67

Índios

83

Italianos

97

Japoneses

119

Judeus

135

Negros

149

Referências Bibliográficas

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Notas

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Açorianos Uma nova terra, uma nova vida

É o escritor Luiz Antonio de Assis Brasil, ele próprio um descendente direto de açorianos, quem diz:

estima-se que um terço da população gaúcha tenha algum antepassado vindo dos Açores. Foi do arquipélago, ainda hoje pertencente a Portugal, que vieram os casais cuja missão original seria a de povoar a região das Missões, território naquele momento pertencente aos espanhóis e ambicionado por Portugal, que negociava sua posse via Tratado de Madri, em troca da Colônia de Sacramento. Nunca chegaram lá. Em razão dos conflitos militares com a Espanha que se prolongariam, terminaram por se estabelecer prioritariamente no eixo Rio Grande-Porto AlegreRio Pardo, mas também, e de forma especial, no Litoral gaúcho, onde ainda hoje se concentram os chamados “açorianos puros”, na definição de Assis Brasil.

Comumente conhecidos por terem sido os povoadores daquela que viria a ser a capital gaúcha – e que

em determinado momento passou a se chamar justamente Porto dos Casais por abrigar os pares de homens e mulheres açorianos que aqui chegaram, por volta de 1750 –, os imigrantes provenientes do arquipélago português, desembarcados depois de estafantes viagens que chegavam a durar dois, três meses cruzando o Atlântico, trouxeram para o Estado uma outra vertente de contribuições. Isto porque seus conterrâneos que haviam chegado até então eram quase todos militares, homens sem chão e sem lar, que viviam ao sabor das disputas territoriais em todo o Cone Sul da América.

Os colonos açorianos, ao contrário, queriam aqui iniciar uma nova vida. Como atesta o pesquisador da

cultura açoriana Ivo Ladislau, a vocação agrícola dos casais recém-chegados ao Brasil confirmou-se: “Em Osório A dança do Pezinho, praticada em escolas de Educação Infantil e nas séries iniciais do Ensino Fundamental, é uma das mais tradicionais heranças açorianas incorporada ao folclore gaúcho

introduziram a lavoura canavieira e engenho de açúcar; em Rio Grande, a vitivinicultura; em Canguçu, Gravataí, Porto Alegre e Rio Pardo, plantaram trigo e instalaram moinhos para elaboração de farinha. Em Santo Antônio, construíram engenhos”.

Assim sendo, não foram poucas as tradições e hábitos que os jovens casais e suas famílias seguiram

cultivando em terras brasileiras, e que acabaram se incorporando ao folclore gaúcho, como as danças de roda, as cantigas, os ditados populares, a gastronomia. E a religiosidade, pois uma de suas mais arraigadas tradições é a de se organizar em torno de irmandades que se dedicam à manutenção de uma igreja ou obras de caridade.

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Uma das mais tradicionais iguarias do Litoral Norte, onde se estabeleceram a maioria dos casais de açorianos que vieram para o Rio Grande do Sul, o sonho de Santo Antônio da Patrulha aos poucos vem ganhando versões incrementadas, como a cobertura de calda de chocolate

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Açorianos

Um dos mais tradicionais restaurantes de culinária portuguesa da capital gaúcha, o Calamares é comandado por Lídia e Maria José, ambas nascidas em Portugal. Na comemoração dos seus 14 anos, o restaurante promoveu uma Ação Gastronômica Solidária, doando parte da receita para entidades sociais. O show de encerramento ficou a cargo do Trio da Caergs (Casa dos Açores do Estado do Rio Grande do Sul). No repertório do grupo, fados clássicos, contemporâneos, música folclórica e açoriana

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Açorianos

Travessias, desterros, povoamentos

Pesquisas efetuadas em documentos antigos comprovam: foram os moradores das Ilhas dos

Açores quem, em 1746, tomaram a iniciativa de pedir providências ao rei Dom João V no sentido de solucionar “o excesso de população que os afligia”. E qual era a solução proposta por eles? Transportar casais para a América.

Consultado, o Conselho Ultramarino concordou: que “se mandasse até 4000 casais para as

partes do Brasil que fosse mais preciso povoarem logo”. Para se cumprir a determinação do Conselho, foram afixados editais nas ilhas dos Açores e Madeira para o alistamento dos interessados na mudança. O primeiro transporte de ilhéus chegou ao porto do Desterro (hoje Florianópolis) em 6 de janeiro de 1748. Desembarcaram 85 casais e seus filhos, agregados e dois vigários.

Até 1756, seriam em torno de 6 mil pessoas, algumas das quais (em torno de 2.300) teriam

chegado até Rio Grande, onde se estabeleceram amparadas pelas medidas oficiais que as transferia do Açores e da Madeira até o sul do Brasil. Infelizmente, nem bem havia começado a operação da chegada dos ilhéus procedentes de Santa Catarina (por mar ou por terra, via Laguna), e o clima de guerra entre Portugal e Espanha se agravou. O povoamento da região das Missões, como havia sido planejado, foi adiado. Os açorianos ficaram retidos nas diferentes etapas da marcha. E foram nelas se arranchando. Assim surgiu, por exemplo, o chamado “Arraial dos Ilhéus”, que daria origem a Porto Alegre, e tantos outros.

Com a invasão espanhola (em que foi ocupada até mesmo a cidade de Rio Grande, em 1763),

os comandantes militares portugueses fundaram diversas praças militares ao longo do Jacuí. O objetivo era garantir o acesso, por via fluvial, a Rio Pardo, que se tornou, após a invasão, o posto A histórica e primitiva imagem de São Francisco das Chagas, primeiro padroeiro da Capital, foi trazida pelos açorianos que fundaram o Porto dos Casais. Hoje ela está na Catedral Metropolitana sob a responsabilidade de Dom Dadeus Grings, arcebispo metropolitano de Porto Alegre, nascido em Nova Petropólis em 1936

mais avançado do domínio português. É nessa época que foram criadas as vilas de Santo Amaro, Triunfo, Taquari e, finalmente, a própria Rio Pardo. Além dos açorianos – que já se encontravam na região – foram concentrados também naquela área os “retirantes” vindos das regiões mais ao sul, como de Rio Grande.

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Santo Antônio da Patrulha foi um dos primeiros municípios gaúchos, juntamente com Rio Grande, Rio Pardo e Porto Alegre, a receber os açorianos e preserva algumas ruas com casario no estilo arquitetônico típico dos Açores, assim como a Fonte Imperial, construída em homenagem a D. Pedro I, em 1826, e restaurada em 1847 pelo governo da então Província de São Pedro

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Açorianos Açorianos

Instaladas em diversos municípios gaúchos, as Salas Açorianas são espaços para exposição de artesanato, quadros, postais, livros, vestuário, entre outros artigos. No caso de Santo Antônio da Patrulha, o espaço reúne presentes enviados pelo povo açoriano. A importância deste acervo está em resgatar as raízes dos imigrantes na região, bem como criar mecanismos de intercâmbio cultural com o arquipélago português

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Açorianos

Sempre uma razão para festejar

Seja nas muitas brincadeiras e cantigas; seja nos ditados curiosos e muitas vezes engraçados;

seja na gastronomia à base de peixes e doces em calda; seja na alegria da fé, os descendentes de açorianos têm sempre uma boa razão para celebrar seu passado, suas tradições, seu presente.

As cavalhadas, por exemplo. Apesar de serem a encenação da luta entre mouros e cristãos,

podem ser tudo, menos uma disputa de fato. Ao contrário, significam relembrar periodicamente que existe sempre a possibilidade da paz entre os homens. Da mesma forma, as festividades em homenagem ao Divino Espírito Santo a cada ano mobilizam dezenas de milhares de fiéis, em especial no Litoral gaúcho.

A Festa do Divino é resultado de constantes acréscimos ao longo do tempo, sofrendo variações,

sem romper a antiga tradição. Ao longo de três dias, o que move as comunidades é distribuir caridade, benesses e celebrar com folias, apresentações folclóricas, bailes e queimas de fogos. No domingo, acontece a coroação da imperatriz e do imperador durante missa solene. A seguir, os imperadores e toda a corte são conduzidos para o local apropriado que represente os antigos “impérios e teatros”, onde recebem as homenagens da população. Ainda no domingo se procede à escolha ou sorteio do casal imperador que coordenará as festividades do ano seguinte. O casal proclamado toma posse na segunda-feira.

Já na comunidade de Santo Amaro, distrito de General Câmara (a 75 quilômetros de Porto

Alegre), há mais de dois séculos o dia 15 de janeiro é marcado por festividades. Fiéis de todo o país A Sapata, ou Amarelinha, como é mais conhecida em outros Estados brasileiros, teria a sua origem em antigas brincadeiras portuguesas e açorianas. É uma atividade que se perpetua até os dias de hoje, sofrendo algumas adaptações, como a do tapete onde são impressas as casas e números, que substitui o traçado no piso de terra ou riscado com giz nas calçadas, como era feito antigamente. Em Portugal, a brincadeira se chama Macaca

visitam a localidade, agradecendo ao santo por graças alcançadas. Graças a um projeto com apoio da Lei Rouanet, as obras de restauro da Igreja Matriz, inaugurada em 1787, incluíram muitas melhorias. O assoalho e todo o forro foram trocados por causa dos danos provocados pelos cupins. A cobertura voltou a ter a estrutura original, antes de uma alteração realizada em 1936, com telhas francesas. Também houve a instalação de uma subcobertura metálica para evitar goteiras, bem como a pintura interna, instalações hidráulicas e elétricas.

Mas é nos Centros de Tradições Gaúchas (CTGs) que algumas das danças mais populares

vindas dos Açores ainda encontram espaço. O Balaio, a Chimarrita, o Pau de Fita e, principalmente, o Pezinho são coreografias com passos marcados e estrofes de fácil assimilação que dificilmente se apagam da memória de quem as ouve na infância.

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Grupo que participou de uma Cavalhada em Moquem, Santo Antônio da Patrulha, em 1948

Tradição trazida ao Estado por portugueses e açorianos, as Cavalhadas são uma representação da luta entre mouros e cristãos. A encenação é constituída por guerrilhas, ataque ao castelo, roubo da Princesa Floripes, troca de embaixadas, escaramuças e despedida. Santo Antônio da Patrulha, Gravataí e Glorinha fazem parte de um mesmo circuito de Cavalhadas, com alguns dos seus integrantes se revezando em participações nos diferentes municípios

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Açorianos

José e Teresinha Baruffi foram os festeiros da edição 2008 da Festa do Divino de Osório, uma tradição trazida ao Brasil pelos casais açorianos e realizada anualmente, em agradecimento pelas boas colheitas. Na foto, eles aparecem em frente à réplica do Império do Divino, construída em 2004, que substituiu o original, demolido em 1948

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Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

Construída em 1787, a Igreja de Santo Amaro, município de General Câmara, é uma referência da arquitetura portuguesa no Rio Grande do Sul. A Vila Histórica de Santo Amaro, onde fica o templo católico, foi fundada por engenheiros militares portugueses. Ela está no caminho percorrido pelos portugueses e colonizadores que subiram o rio Jacuí, em direção às Missões, para fundar os Sete Povos, definindo as fronteiras do sul do país. Os 1,1 mil habitantes que hoje vivem na vila estão rodeados pela história. Desde 1998, a igreja e outras 14 construções são tombadas pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan)

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Açorianos

Legado das mulheres açorianas que chegaram à vila de Santo Amaro em 1753, o artesanato ainda é fonte de renda para a comunidade. A atividade se desenvolve nas dependências do Restaurante Coqueiro, sendo sua proprietária, Olinda Konrad, a principal incentivadora da arte no distrito

Até hoje, a Vila Histórica de Santo Amaro é, no Estado, o único conjunto de arquitetura tradicional luso-brasileira tombado, remanescente do século 17

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Açorianos

Heranças registradas em nosso DNA espiritual

Quem já não ouviu ditados e dizeres como “Tal pai, tal filho”, “Cavalo dado não se olha os dentes”, “É de

pequenino que se torce o pepino”, “Amarra-se o burro à vontade do dono”, “Pau que nasce torto, tarde ou nunca se indireita” e “Tem o olho maior que a barriga”? O que pouca gente sabe é que são todas expressões típicas herdadas de nossa colonização açoriana. São heranças que carregamos em nosso DNAespiritual quase sem saber. “Há grande semelhança de costumes, linguagem, vocábulos e expressões usadas por nossos pescadores e os das ilhas açorianas, em especial a Ilha Terceira e São Jorge”, enfatiza o pesquisador e músico Ivo Ladislau, um expert em cultura açoriana.

A marca açoriana na alma gaúcha também é tema de interesse do escritor Luiz Antonio de

Assis Brasil: “Os Açores pertencem a nosso afeto e a nossa memória coletiva. O Rio Grande do Sul, o Estado brasileiro mais meridional e aquele que recebeu o maior contingente de açorianos, sente-se feliz e comprometido com esse legado. Não é de hoje que as Ilhas de sonho povoam nossas lembranças mais caras. E elas estão em nosso rosto, em nossa pele, na cor de nossos olhos, em nosso folclore, em nossa visão de mundo, em nosso modo muito hospitaleiro, singelo e veraz de encarar a vida. Orgulhamonos de quem descendemos, assim como nos orgulhamos pela próspera realidade dos Açores de hoje”.

O orgulho de que fala Assis Brasil ganha um contorno todo especial quando o assunto são as artes em

geral. A começar pelo belíssimo Monumento aos Açorianos, em linhas futuristas e localizado no Largo dos Açorianos (que também abriga a histórica Ponte de Pedra), próximo ao Centro Administrativo do Estado, em Porto Alegre. Construído em 1973 e feito em aço, é uma obra do escultor Carlos Tenius e lembra uma caravela, composta de corpos humanos entrelaçados, tendo à frente uma figura alada que remete ao mitológico Ícaro e representa a vitória.

Outra homenagem da capital dos gaúchos a seus primeiros povoadores é o Prêmio

Açorianos, instituído em 1977 e considerado uma das mais importantes honrarias do meio artístico no Estado. Inicialmente concedido apenas aos destaques do teatro e da dança, foi sendo ampliado, e atualmente abrange também a música, a literatura e as artes plásticas.

Habitada inicialmente por imigrantes vindos das Ilhas dos Açores, a cidade de Mostardas preserva hábitos e tradições como a produção artesanal dos famosos cobertores mostardeiros tecidos com lã de ovelha

Mas quem melhor resume a marca açoriana na alma gaúcha é mesmo o escritor Luiz Antonio de Assis

Brasil: “Os Açores pertencem a nosso afeto e a nossa memória coletiva. O Rio Grande do Sul, o Estado brasileiro mais meridional e aquele que recebeu o maior contingente de açorianos, sente-se feliz e comprometido com esse legado. Não é de hoje que as Ilhas de sonho povoam nossas lembranças mais caras. E elas estão em nosso rosto, em nossa pele, na cor de nossos olhos, em nosso folclore, em nossa visão de mundo, em nosso modo muito hospitaleiro, singelo e veraz de encarar a vida. Orgulhamo-nos de quem descendemos, assim como nos orgulhamos pela próspera realidade dos Açores de hoje”.

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Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

Nascido em Porto Alegre no ano de 1945, Luiz Antonio de Assis Brasil é um dos mais importantes e premiados romancistas gaúchos. Doutor em Letras, é descendente de açorianos por parte de mãe e pai. Ministrante da Oficina de Criação Literária do Programa de Pós-Graduação em Letras da Faculdade de Letras da PUCRS desde 1985, coordenou a publicação de 38 antologias com textos de seus alunos. Além das diversas premiações por seus romances, foi patrono da 43ª Feira do Livro de Porto Alegre em 1997. Em 2003, lançou A margem imóvel do rio, romance contemplado com três prêmios: Prêmio Portugal Telecom de Literatura Brasileira (o único romance dentre os três primeiros classificados), Prêmio Jabuti (menção honrosa) e Prêmio Açorianos de Literatura

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Açorianos

Distinguido em 2004 com o Prêmio Açorianos como Melhor Compositor Regional e vencedor de diversos festivais musicais, Ivo Ladislau possui aproximadamente 250 trabalhos musicados por conceituados compositores, sendo que mais de 50% destes trabalhos versam sobre a açorianidade e os ritmos afros do litoral gaúcho. As pesquisas que levaram Ivo Ladislau a resgatar o canto e a dança (algumas delas em andamento) se concentram na região litorânea do Rio Grande do Sul, mais exatamente em Santo Antônio da Patrulha, Osório e Mostardas. Um de seus maiores interesses no momento é a faixa de 200 quilômetros de extensão que vai de Tavares até São José do Norte, região por onde passaram os primeiros povoadores açorianos do Estado, alguns deles provenientes da Ilha do Desterro (atualmente Florianópolis)

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Alemães Batata, cerveja e chimarrão

Cuca (em alemão, küchen) com chimia (schmier, doce de frutas), batata assada ou na salada,

com maionese de ovo, acompanhada de joelho de porco; jardins floridos, para lá de coloridos; bandinhas apenas com instrumentos de sopro e percussão, mas muito animadas; kerbs intermináveis; café colonial farto; próspera indústria calçadista; cerveja (muita cerveja), em especial durante as Oktoberfests. E disciplina, combinada com senso de organização. Dos primeiros alemães que por aqui chegaram, em 1824 – depois de 12 mil quilômetros e cem dias de viagem em um veleiro – e seus milhares (ou milhões) de descendentes, só se poderia esperar uma contribuição como esta.

Graças à sua força de vontade, eles superaram o desconhecimento inicial da língua nativa,

alguma desconfiança por serem na maioria protestantes, e não católicos, e o difícil acesso aos lotes que receberam da Província para, apesar de tudo, fazerem muito mais do que ocupar locais até então desabitados em território gaúcho, como pretendiam os governantes de então. Destemidos, logo aprenderam a usar o meio de transporte mais adequado para se movimentar no inóspito território, e se tornaram exímios cavaleiros – não só os homens, mas também as mulheres, que, além de montar, cuidavam da casa e ainda ajudavam na lavoura, ocupando um espaço que era incomum no universo feminino local.

Por falar em lavoura, quase ninguém se dá conta que foram os alemães os responsáveis pelos

primeiros movimentos no Estado rumo a uma agricultura forte, ao mesmo em que foi na região de A streuselkuchen ou, em bom português, cuca de farofa foi introduzida na culinária gaúcha pelos descendentes de alemães, como Madalena Staud, da pousada Verde Vale, de Nova Petrópolis

colonização alemã que nasceu a punjante indústria do fumo gaúcha.

Os alemães, assim, transformaram – e para melhor, obviamente – os hábitos e costumes

nas novas terras (Novo Hamburgo, Nova Petrópolis, Nova Hartz, e uma série de outras “novas”). Serviram-se de suas incontestáveis habilidades manuais e faro para os negócios para, inicialmente como artesãos, em seguida como comerciantes, acumularem e distribuírem riqueza, depois assumindo novos e maiores empreendimentos, movimentando, assim, a economia da colônia, mas também do Estado, de maneira geral.

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Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

Bandinhas alemãs atraem a atenção dos turistas e resgatam a tradição da música alegre pelas ruas de Nova Petrópolis, onde se destacam também os jardins floridos, outro costume dos descendentes germânicos

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Alemães

O café colonial Opa’s Kaffeehaus, em Nova Petrópolis, é um dos mais tradicionais da Serra gaúcha e mantém a proposta original alemã, de servir uma grande variedade de pães, doces, bolos e cucas, além de servir café, leite e chá.Os italianos posteriormente acrescentaram outras variedades ao cardápio, incluindo salgados, carnes, suco de uva e vinhos

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Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

Fundada em 20 de janeiro de 1858, a Sociedade Orpheu é o clube social mais antigo do Brasil ainda em funcionamento. Foi criado por imigrantes alemães que queriam difundir o canto orfeônico. Muitos foram os eventos realizados nas suas dependências, por onde já passaram, inclusive, presidentes da República, como Ernesto Geisel, também descendente de alemães

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Alemães

Prosperidade, o resultado da perseverança

A primeira leva de colonos alemães chegou ao Rio Grande do Sul em 1824, tendo desembarcado,

em 25 de julho, na colônia de São Leopoldo (antiga Real Feitoria do Linho Cânhamo). A essa leva inicial – composta de 39 pessoas, pertencentes a nove famílias – se seguiram outras. Entre 1824 e 1830 entraram no Rio Grande 5.350 alemães. Depois, de 1830 até 1844, a imigração foi interrompida, em razão da Guerra dos Farrapos. Entre 1844 e 1850 chegaram mais 10 mil alemães e, entre 1860 e 1889, outros 10 mil. Entre 1890 e 1914 calcula-se que 17 mil alemães desembarcaram no Estado. A estimativa geralmente aceita é de que, entre 1824 e 1914, entraram no Rio Grande entre 45 e 50 mil alemães, e que, no total, foram criadas por eles 142 colônias.

Os primeiros colonos alemães vieram das regiões de Holstein, Hamburgo, Mecklemburgo

e Hannover. Logo, porém, a região de Hunsrüch e do Palatinado passaram a fornecer o principal contingente. Houve também grupos de pomeranos (que se concentraram na colônia de São Lourenço do Sul), de westfalianos, de wurtembergenses e de boêmios, além de pequenos grupos de todas as partes da Alemanha. Quanto à religião, predominaram os protestantes, mas por pequena margem.

A partir de São Leopoldo foram ocupadas – por empreendimentos particulares – as margens

do rio dos Sinos, com colônias como Mundo Novo (atual Taquara), de 1847, Padre Eterno, Sapiranga e Picada Verão (1850). Também foi loteado o médio Caí, onde se criaram Bom Princípio (1846), Caí (1848), Montenegro (1857) e Nova Petrópolis (1858), entre outras. Esta última foi o ponto mais alto que a colonização alemã atingiu na Serra.

Já nos vales do Taquari e Rio Pardo se instalaram Estrela (1853), Lajeado (1853) e Teutônia

(1868), e até o fim do século 19 as terras à venda do lado ocidental do médio Taquari estavam todas ocupadas por alemães. O governo da Província, por sua vez, criou em 1849 a colônia de Monte Alverne, em Santa Cruz, que se tornaria a mais próspera deste período, e em 1855 a de Santo Ângelo – atualmente Agudo, nas imediações de Cachoeira do Sul. A Casa da Feitoria foi transferida de Canguçu para São Leopoldo em 1788. Ali escravos produziam o linho cânhamo, matéria-prima para velas e cordéis de navios. Em 1824, passou a abrigar os primeiros imigrantes alemães recém chegados ao Estado

Primeira grande colonização realizada no Rio Grande do Sul, a chegada dos alemães foi decisiva,

pois proporcionou a ocupação de áreas até então desprezadas. Simultaneamente, introduziramse outras duas grandes modificações: até então, a classe média brasileira era insignificante, e se concentrava nas cidades. Os colonos alemães, além de se estabelecerem no interior, iriam formar uma classe de pequenos proprietários e artesãos livres, em uma sociedade até então dividida entre senhores e escravos.

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Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

2008 marca os 150 anos da chegada a São Lourenço do Sul dos primeiros imigrantes vindos da Pomerânia (atual região da Alemanha e Polônia). Alguns hábitos peculiares desse povo, comumente identificado como alemães, vêm sendo preservados, como a noiva de preto e o convidador, pessoa que distribuía os convites de casamento originalmente a cavalo, hoje substituído por uma bicicleta. Pomerano significa, literalmente, plantador de batata, e é justamente a salada de batatas preparada com ovo, sem maionese, uma das contribuições desta etnia à culinária gaúcha

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Alemães

Na região de São Lourenço do Sul, a criação de gansos, cujo peito defumado é uma das iguarias mais tradicionais entre os pomeranos, divide espaço com a mandala feita com flores e temperos e com o artesanato com flores secas

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Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

Descendente de alemães, o diretor-presidente da fábrica de calçados Piccadily, empresário Paulo Grings, comemora a expansão das exportações para o exterior e a abertura da nova sede da empresa na cidade de Teutônia. O setor coureiro-calçadista gaúcho nasceu e se consolidou na região do Vale do rio dos Sinos, expandindo-se posteriormente para outras áreas do Estado, graças à ação empreendedora dos descendentes de alemães que ali se estabeleceram

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Alemães

Do fundo do quintal para o mundo

O Rio Grande do Sul durante muito tempo foi conhecido como o Celeiro do Brasil, em razão

da força de sua agricultura. O que pouca gente sabe é que esta atividade começou a se desenvolver no Estado graças aos imigrantes alemães, que em pouco tempo de presença, já no início do século 19, logo se tornaram os principais fornecedores de frutas, verduras, legumes e até grãos. Segundo o historiador Jean Roche, entre 1824 e 1875 a agricultura foi uma atividade exclusiva dos alemães, pois na mesma época as atenções dos gaúchos estavam concentradas no ciclo do charque, em especial no Sul do Estado. Cana, arroz, milho, batata inglesa e até feijão eram cultivados no vale do rio dos Sinos. Em Santa Cruz, a partir de 1849, nasce uma outra importante atividade econômica, que faria da região um importante pólo de desenvolvimento até os dias hoje: a produção do fumo, que gera renda para mais de 200 mil famílias.

Mas paralelamente à atividade no campo, a vocação para o empreendedorismo e o talento

manual dos imigrantes alemães geravam uma profusão de pequenos negócios, que seriam o embrião de um forte processo de industrialização. Em pequenas oficinas de fundo de quintal ou rudimentares indústrias, contavam-se às dezenas as funilarias, selarias, curtumes, olarias, moinhos, destilarias, ferrarias, serrarias – e até estaleiros, que fabricavam desde pequenas canoas até lanchões de grande capacidade.

E foi justamente a então modesta produção de arreios e botinas que viria a dar origem a

um dos mais prósperos segmentos econômicos em território gaúcho. Hoje responsável por 45% das exportações brasileiras de calçados, o Estado concentra cerca de 3 mil empresas no pólo calçadista, que empregam diretamente em torno de 126 mil pessoas.

A Confeitaria de Armindo e Josepha Eggers na rua da Independência ficava no mesmo prédio da antiga fábrica de chápus de Guilherme Eggers. Ambos os negócios simbolizam o espírito empreendedor dos descendentes de alemães

O Vale do Rio dos Sinos, onde se estabeleceram os primeiros imigrantes alemães, é considerado

o maior cluster calçadista do mundo. A grande concentração de empresas especializadas em calçados femininos forma um dos maiores arranjos produtivos do setor no mundo. Na região estão instalados 80% dos produtores de máquinas para fabricação de calçados e 60% dos produtores de componentes. As principais fábricas de calçados ficam em Sapiranga, Campo Bom, Dois Irmãos e Novo Hamburgo. Esta última ostenta com orgulho o título de Capital Nacional do Calçado justamente por ter abrigado, no século 19, as primeiras fábricas de calçados em série do país.

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Ari Rui Hoerbe (esq.) e seu filho, Augusto, são referência entre os agricultores de Cachoeira do Sul, um dos principais pólos brasilerios de produção de arroz irrigado. Aproveitando a topografia plana de suas terras e a abundância de água, estes descendentes de alemães há décadas se destacam na produção do cereal

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Alemães

A quase totalidade da produção de fumo no Brasil (96%) se dá nos três Estados do Sul. Estima-se que a produção de fumo seja a fonte de renda de cerca de 218 mil famílias gaúchas, algumas delas estabelecidas em Venâncio Aires, com forte presença da colonização alemã

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Alemães

Celebrando as tradições

É bem verdade que se trata da maior festa alemã do Rio Grande do Sul, pois em 2007 reuniu

445 mil pessoas, que consumiram 230 mil litros de chope e 188 toneladas de alimentos em 11 dias. Entretanto, apesar da força e tradição, a Oktoberfest de Santa Cruz do Sul, que em 2008 chega à sua 24ª edição, não é o único momento de celebração entre os alemães e seus descendentes. Em primeiro lugar, porque existem no Estado outras tantas Oktoberfests também famosas, como a de Igrejinha. Além disso, proliferam na colônia alemã os kerbs, que já não precisam de nenhum fato ou data especial para que com eles se celebre a vida – apesar de inicialmente marcarem o final de um bom ano e a colheita farta.

Mas existem pelo menos duas outras atividades, de caráter predominantemente esportivo,

só que recheadas de apelos festivos, as quais também costumam movimentar os gaúchos de origem germânica. Muitas vezes elas são praticadas na mesma agremiação. E isso há décadas – para não dizer séculos.

O bolão (ou boliche) é uma delas. Praticado atualmente por mais de 80 clubes filiados à

Federação de Bolão do Rio Grande do Sul (instalada em 1944), era conhecido inicialmente como esporte da bola de madeira, ou “jogo dos nove paus”. As primeiras canchas eram feitas de barro, areia e até mesmo lascas de árvore. Apenas em 1971 foi adotado o primeiro sistema de armadores eletrônicos dos pinos, pela Sogipa, mesmo ano em que foi criado o Grupo de Bolão “Os Cafonas”, formado por casais associados ao clube.

A prática do bolão em geral esteve associada a outro esporte muito cultuado pelos alemães:

o tiro ao alvo. Tanto que em 1885 é fundado o Musterreiter Klub (atual Caixeiros Viajantes), para Principal festival de celebração das tradições germânicas, a Oktoberfest é realizada em diversas cidades do país. Em Santa Cruz do Sul, o evento teve início em 1984, destacando as danças, o chope, a gastronomia e a música. A corte da 24ª edição é formada pela rainha Janine Alves de Paiva (centro) e as princesas Deisi Beatriz Neumann (esq.) e Laura Helfer Hoeltgebaum

proporcionar aos associados momentos de lazer jogando bolão, mas abrindo espaço para o tiro ao alvo. O Grêmio Atiradores, de Novo Hamburgo, preserva essa tradição. O evento mais tradicional do clube, a exemplo do que acontece em outras tantas agremiações, é o Tiro ao Rei, realizado desde 1893. Durante um final de semana a cada ano, todos os associados competem em um clima de muita alegria e confraternização. O vencedor recebe o título de Rei, assim como a vencedora, o de Rainha do Tiro. Para completar, o Rei e sua corte – formada também por cavaleiros, damas e valetes – recebem suas faixas no grande Baile dos Reis.

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A possibilidade de praticar o tiro ao alvo, tradicional esporte entre os descendentes de alemães, foi a principal motivação que reuniu os fundadores do Grêmio Atiradores Novo Hamburgo. A entidade, fundada em 1892, fundiu-se à Sociedade da Mocidade Bailante, também de Novo Hamburgo, em 1958

Reprodução de foto do século 19 do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo mostra ao centro Alberto Guilherme Panitz com o talabarte de Rei do Tiro

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Alemães

A Sociedade de Canto União, de Estância Velha, é uma das mais tradicionais instituições da colônia alemã a manter a prática do bolão. Em junho de 2008, sediou o Mundial de Clubes Campeões, na primeira edição realizada fora da Europa em todos os tempos. Foram recebidas delegações de cinco países (Bélgica, Alemanha, França, Holanda e Argentina), além de equipes brasileiras

No centro da foto, Peter Karst, patrono do Separat, grupo de praticantes de bolão, e marceneiro que comandou a construção do primeiro prédio da Sociedade Orpheu, em 1861

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A exemplo do que acontece em diversas regiões do Estado com presença alemã, também em São Lourenço do Sul, para onde se dirigiram principalmente imigrantes vindos da Pomerânia (região hoje ocupada pela Alemanha e Polônia), os alunos das escolas públicas têm aulas semanais de alemão

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Alemães

Educação, esporte e prazer de viver

Uma das principais contribuições dos alemães para o desenvolvimento social e cultural do Rio

Grande do Sul diz respeito a sua permanente preocupação com a educação. Como nos locais onde se instalaram não havia escolas, trataram tão logo quanto possível de criar seus próprios espaços onde ensinavam as crianças a ler, escrever e fazer contas. Foi assim que surgiram as escolas de comunidade, em alemão Gemeindeschule, e em pouco tempo não havia picada, lá no fundo do mato, onde não funcionasse uma escolinha. As crianças vinham de longe, de um raio de quatro ou mais quilômetros, algumas a cavalo. O material de aula era simples: a lousa (em alemão tafel), o lápis de pedra (griffel) e mais tarde a cartilha (lesebuch).

Aumentadas em número a cada ano e espalhadas com as levas de imigrantes em novos espaços,

essas escolas garantiram a luz das letras a milhares e milhares de pessoas. Por volta de 1938, já eram mais de mil escolas coloniais. Não é por acaso que o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) registrava o mais baixo número de analfabetos justamente na chamada “colônia alemã”.

Da mesma forma, a prática dos esportes, e em especial da ginástica, está fortemente atrelada à

cultura alemã. E não apenas aquilo que o esporte tem de espírito competitivo, mas principalmente no que se refere à disciplina, aos cuidados com a saúde e o corpo, ao convívio harmônico, ao espírito de equipe. É esta mesma disciplina, temperada com a preocupação com os detalhes, que faz com que os jardins das cidades do interior de origem alemã encantem a todos, sejam eles turistas de fora do Estado ou mesmo gaúchos vindos das regiões mais próximas à Capital. Neste quesito, Nova Petrópolis, com a Praça do Labirinto, e Gramado, com o Parque Knorr, se destacam, mas quem percorre a Rota Romântica, saindo de Porto Alegre via BR-116, rumo à Serra, passando por localidades como Morro Reuter, Dois Irmãos e Picada Café, pode ter a doce sensação de estar em terras germânicas. É que em cada jardim, por mais modesto que seja, ou mesmo em um simples vaso florido, estará expressa a alegria de quem um dia deixou sua terra para fazer de terras estrangeiras sua nova casa.

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A história da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos) começou neste prédio, em 1869, quando os padres jesuítas ali fundaram o Colégio Conceição. Pedro Ignácio Schmitz é o atual diretor do Instituto Anchietano de Pesquisa (IAP), que funciona na sede institucional

A orquestra dos alunos do Colégio Conceição animava solenidades, festas e apresentações teatrais. A educação e a música sempre andaram entrelaçadas no currículo da tradicional instituição de ensino

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Alemães

Na reprodução de foto do Museu Histórico Visconde de São Leopoldo, os campeões de ginástica de 1910 Bruno Schiell, Bela Filusteck, Albert Schimidt e Theodor Marcker

Fundada em 1867 por um grupo de imigrantes alemães e inicialmente chamada de Deutscher Turnverein (Sociedade Alemã de Ginástica), a Sogipa (Sociedade Ginástica de Porto Alegre) hoje é nacionalmente reconhecida pelo apoio a atletas como o bicampeão pan-americano e mundial de judô, João Derly, gaúcho de Porto Alegre

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Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

Eduardo Bier Correa, mais conhecido como Dado Bier, é um legítimo representante do espírito empreendedor que caracteriza os descendentes de alemães que se instalaram no Estado a partir de 1824. Ele criou sua própria marca de cerveja artesanal, além de estar à frente de empreendimentos no segmento de restaurantes e danceterias. No final de 2007, Dado conseguiu uma proeza: ao costume alemão de produzir e degustar as melhores cervejas ele acrescentou um ingrediente bem gaúcho: a erva-mate. Nasceu, assim, a Ilex, primeira cerveja produzida com a planta que os índios guaranis, primeiros habitantes de nosso Estado, utilizavam para preparar o chimarrão, hábito que hoje simboliza quem nasceu ou vive no Rio Grande do Sul

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Alemães

Nascida em Santa Cruz do Sul em 15 de setembro de 1938, filha de um casal descendente de alemães (seu pai tinha o sobrenome Fett), Lya Luft é uma das mais importantes romancistas e poetisas do Brasil. Ganhou ainda maior projeção ao se tornar colunista da revista Veja, publicação de circulação nacional do grupo Abril com mais de 1 milhão de assinantes. Formada em Letras Anglo-Germânicas, desde os 20 anos trabalha como tradutora de alemão e inglês, tendo traduzido para o português mais de cem livros, entre os quais obras de autores consagrados como Virginia Woolf, Rainer Maria Rilke, Hermann Hesse, Doris Lessing, Günter Grass, Botho Strauss e Thomas Mann

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Hispânicos De guerreiros inimigos a irmãos na paz

A presença hispânica no Rio Grande do Sul foi tão relevante que não são poucos os estudiosos

da história adeptos da visão de que o gaúcho é mais espanhol do que português. Ou ao menos teria sido, e durante um bom tempo. A verdade é que ainda hoje, em razão de estarmos na fronteira com Uruguai e Argentina, mas também pelo fato de nosso território ter sido disputado em vários momentos por espanhóis e portugueses – cujos exércitos por aqui circularam intensamente, em sucessivas idas e vindas – restou uma harmonia e uma interação, se não de todo surpreendentes, ao menos peculiares em relação a outras regiões do país. A tal ponto que o linguajar do Rio Grande segue sendo fortemente influenciado por expressões de origem platina, as quais são facilmente compreendidas, mesmo por quem não as utiliza no cotidiano.

Se por um lado não aconteceu uma colonização espanhola formal e localizada, nos moldes do

que se verificou com italianos, alemães ou japoneses, não há como negar que muitos dos hábitos e do jeito de ser hispânico se misturam no dia-a-dia dos gaúchos. Bastaria lembrar que a pecuária, uma das mais tradicionais atividades econômicas do Estado, e que faz do gaúcho o maior consumidor de A fazenda Palomas, cujas fundações se iniciaram em 1897, era originalmente a sub-sede da Estância da Cruz. O maior testemunho de toda a história que passou pelo lugar é dado por um enorme e belo angico plantado no pátio em frente à casa principal, que tem mais de 200 anos. À sombra da frondosa árvore, plantada pelos primeiros habitantes do lugar, os índios charruas, são saboreados churrascos, rodas de chimarrão e muitas outras atividades sociais e culturais típicas. O atual proprietário, Atílio Ibargoyen, lembra que foi seu bisavô quem adquiriu as terras que pertenciam ao português Belarmino Coelho

carne do país, proporcionalmente, se expandiu por aqui graças aos espanhóis, mais exatamente aos padres jesuítas e suas reduções, onde se tentava converter à fé cristã milhares de índios guaranis, os quais precisavam ser alimentados.

Mas além dos muitos uruguaios e argentinos (e também paraguaios, bolivianos, peruanos,

chilenos, etc) que por aqui se estabeleceram, há também os espanhóis “da gema”, por assim dizer, hispânicos de fato, alguns dos quais se reúnem com freqüência no Centro Espanhol para celebrar suas origens e tradições. Ou então os espanhóis do grupo internacional Santander, responsável por uma das mais significativas contribuições para a cultura gaúcha: o Santander Cultural. Localizada em um prédio tombado pelo patrimônio histórico, no centro de Porto Alegre, a instituição rapidamente se consolidou e segue sendo uma referência na projeção da cultura a partir do Rio Grande do Sul, ampliando o acesso de diversos segmentos à produção contemporânea nacional e internacional.

Por tudo isso, um brinde aos espanhóis da gema e a todos os hispano-gaúchos:

– Salud! 67


Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

O diretor de teatro Nestor Monasterio nasceu em Buenos Aires, na Argentina, e veio para o Brasil em 1977. Pai de três filhos (dois dos quais nascido no Brasil), dirigiu grandes sucessos do teatro gaúcho, como “Marat Sade” e “Rasga Coração” e, mais recentemente, “Homens de Perto”. Um dos filhos, Nicholas, 31 anos, seguiu a carreira do pai e é diretor de teatro em São Paulo

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Hispânicos

Nascido em Buenos Aires, Ivan Antonio Izquierdo deixou seu país e mudou-se para o Brasil, estabelecendo-se em Porto Alegre a partir de 1978 com a mulher, que é brasileira. É há anos um dos cientistas brasileiros (e latino-americanos) mais citados na literatura especializada: desde 1958, o conjunto de sua obra recebeu mais de 10 mil citações

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Hispânicos

Um só território, muitas lutas

A história da presença dos espanhóis no Rio Grande do Sul se confunde com a própria história

da formação do território gaúcho. Foi a partir de 1626 que os padres jesuítas espanhóis começaram a fundar reduções ou missões na região do território que hoje corresponde ao Sul do Brasil (mais especificamente o Rio Grande do Sul), Uruguai e Argentina. As reduções funcionavam como aldeias, orientadas pela religião católica, e nela os índios (em especial, guaranis) viviam de acordo com os princípios da cultura ocidental em comunidades organizadas pelos missionários jesuítas. Durante todo o século 17, ocorreram conflitos freqüentes entre índios e bandeirantes. No final do século 17 e princípios do século 18, os indígenas iniciaram um retorno gradual às terras que antes lhes pertenciam, sempre com o apoio dos jesuítas. Foram, então, criados sete povoados, que ficaram conhecidos como os Sete Povos das Missões.

Enquanto floresciam os sete povos no Oeste gaúcho, o litoral era aos poucos ocupado pela

penetração portuguesa, em especial vinda de Laguna, Santa Catarina. Em 1680 é criada bem mais ao Sul a Colônia de Sacramento, às margens do rio da Prata (hoje cidade de Colônia, no Uruguai). Fundada como local estratégico para o contrabando, tornou-se um dos centros da guerra de fronteiras travada entre portugueses e espanhóis durante todo o século 18. Em 1726, os espanhóis fundaram Montevidéu, a leste de Sacramento, também na margem esquerda do Prata, tentando justamente minimizar a influência de Portugal na região e ampliar o controle da navegação no Prata.

Eles estavam certos. Não foram poucas as tentativas dos portugueses para conquistar

Montevidéu. Quando finalmente desistiram, recuaram e fundaram o Forte Jesus Maria José, em 1737, atual cidade de Rio Grande, em território brasileiro. Iniciava-se, então, um período definido pelo historiador Cláudio Moreira Bento como de “fronteira do vaivém”. Sucederam-se os Tratados de Madri, de 1750, através do qual Portugal ficaria com as Missões e os espanhóis, com Sacramento; depois, veio a invasão espanhola, que resultou na ocupação de Rio Grande durante 13 anos; e por fim A introdução de bovinos em território gaúcho pode ser considerada a maior contribuição espanhola para o Rio Grande do Sul, em termos econômicos. Os primeiros grandes rebanhos de gado vieram, no século 17, com os jesuítas e as reduções que buscavam converter os índios guaranis à fé cristã. Quando os jesuítas foram expulsos, o gado ficou e se proliferou, tornando-se uma atração para portugueses e espanhóis

uma tentativa de encerramento dos conflitos, em 1777, com a assinatura do Tratado de Santo Ildefonso, entre Portugal e Espanha, pelo qual ficaria garantida a soberania espanhola sobre Sacramento e as Missões, e a posse de Rio Grande pelos portugueses. Na prática, a configuração atual do Rio Grande do Sul seria definida apenas em 1801, após a assinatura do Tratado de Badajoz, com as Missões voltando ao controle de Portugal.

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Hispânicos

Em verso, prosa e dança

Apesar dos muitos e sucessivos conflitos entre portugueses e espanhóis nos séculos 17 e 18, o

que se viu, depois de pacificadas as fronteiras, foi uma integração entre Brasil, Uruguai e Argentina que fez do Rio Grande quase que um enclave em relação ao restante do país. Em diversas cidades, como São Borja, Uruguaiana, Livramento, Jaguarão e Chuí, é como se de fato não houvessem dois lados, tal é a comunhão dos povos.

Nas Califórnias da Canção de Uruguaiana, por exemplo, a narrativa campeira, comum aos

países do Prata, é cantada em prosa e verso, assim como no Musicanto, em Santa Rosa. Também localizada na fronteira e cidade-gêmea de Rivera, no Uruguai, Sant’Ana do Livramento e seus efervescentes free-shops pode ser considerada como ponto de celebração da integração entre hispânicos e brasileiros, que circulam livremente de um lado a outro. A integração é tão marcante que até a rede de energia é compartilhada entre as administrações das duas cidades, assim como muitas ações policiais de combate ao crime também são feitas em conjunto.

É também em Livramento que acontece uma das mais tradicionais festividades da cultura

hispânica, devidamente absorvida pelo lado brasileiro. Todo ano, na Semana Santa, dezenas de pessoas se dirigem aos cerros do município para empinarem suas pipas, ou pandorgas, como são mais comumente chamados os pássaros de papel que pintam os céus da fronteira na Páscoa. Poucas pessoas sabem que as Califórnias da Canção, realizadas anualmente em Uruguaiana para cultuar as tradições musicais do Estado e dos países vizinhos, derivam de algo não tão pacífico. Antigamente, califórnias eram as expedições punitivas que comandantes brasileiros faziam em território uruguaio contra abusos praticados contra brasileiros que lá moravam. Hoje, as Califórnias são mais um símbolo da integração e harmonia entre os povos da fronteira

Já em Porto Alegre, os imigrantes espanhóis que chegaram ao Estado a partir do século 20 e

seus descendentes que se estabeleceram no Rio Grande do Sul, os quais procuram manter o antigo hábito de se reunir em torno das antigas casas de socorro mútuo, ganharam uma nova opção de espaço de congraçamento. Há 15 anos eles passaram a se reunir no Clube Espanhol, no bairro Higienópolis, para celebrar suas origens e tradições. Não muito longe dali, os domingos à noite são reservados às danças ligeiras e de ritmo alegre, os famosos fandangos do 35 CTG, um dos mais antigos Centros de Tradições Gaúchas do Estado. O andamento da dança é herança da cultura hispânica – ou seria mais um entre tantos pontos de contato e aproximação entre portugueses e espanhóis, que andam lado a lado desde os tempos idos em que guerrear era seu único momento compartilhado?

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Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

Sant’Ana do Livramento e Rivera são cidades irmãs, gêmeas siamesas, por assim dizer, apesar de terem nascido do desejo de brasileiros e uruguaios de resguardarem a qualquer preço seus territórios. Oficialmente fundada em 1823, Sant’Ana do Livramento é conhecida por ser parte da Fronteira da Paz e cidade-símbolo da integração proposta pelo Mercosul: brasileiros e uruguaios circulam livremente de um país a outro, em especial por causa dos free-shops, espaços comerciais que atraem milhares de turistas anualmente em razão da tributação reduzida e dos preços convidativos

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Hispânicos

Ruth Nely Pontet Teijeiro é a atual presidente do Centro Espanhol, entidade associativa que reúne espanhóis ou seus descendentes em festas recheadas de música e dança, como a realizada recentemente, em homenagem à região da Galícia, comunidade autônoma localizada no noroeste da Espanha

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Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

O animado baile gauchesco chamado fandango, dançado em ritmo acelerado, é mais uma herança do convívio com os espanhóis. Conhecido também em Portugal por seus movimentos vivos e agitados, com certo ar de exibicionismo, no passado costumava ser acompanhado de castanholas e sapateado

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Hispânicos

Em 2008, a prefeitura de Sant’Ana do Livramento encomendou uma pandorga de oito metros a Fijico, um dos mais tradicionais pandorgueiros da fronteira, que se dedica ao ofício há 65 anos. Soltar pipas na Sexta-Feira Santa é uma autêntica tradição espanhola que vem se mantendo no tempo. Neste dia, dezenas de pessoas saem cedo de casa, com um farnel na mão e a pandorga pendurada nas costas, e seguem para os cerros da região, longe dos fios que fazem a transmissão de energia, para dedicar-se ao esporte

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Hispânicos

As muitas faces da confraternização

A paixão pela carne assada, preparada com requintes e cuidados que mais se parecem com

um ritual, é uma entre tantas convergências entre hispânicos e brasileiros, os quais durante muitos anos compartilharam o gado que vagava por terras quase sem lei e sem dono nas planíceis ao sul da América. Pouco importa se o churrasco gaúcho é preparado com carnes nobres, assadas sobre o carvão e distribuídas em espetos, enquanto que na parrillada se dá preferência a diversos tipos de lingüiças e embutidos, mas abrindo espaço para o entrecot, a costela (assado de tira), queijo parrillero e até legumes, tudo colocado sobre a grelha (trempe), com a brasa da lenha de lado, a gerar o calor. O que conta mesmo é a celebração e o convívio entre os comensais, que em geral não tem hora para acabar.

Outro tipo de celebração, menos agitada e por vezes até solitária, se dá nos cafés, há não muitos

anos privilégio dos portenhos de Buenos Aires ou dos moradores de Montevidéu. Hoje espalhados por diversos pontos da Capital gaúcha e encontrados em diversas cidades do interior, quase todos charmosos, cada um com seu estilo e personalidade própria, oferecem mais do que diversas opções de cafés, acompanhadas de doces, tortas e quitutes variados. São como espaços sagrados, seja para uma conversa tranqüila, para a serena leitura de um livro ou dos jornais diários ou, ainda, para a simples contemplação da vida que passa nas calçadas.

Mais sofisticada, mas nem por isso menos democrática e acessível a todos os públicos, é a

proposta do Santander Cultural, instituição mantida pelo grupo espanhol que dá nome a este que é um dos mais importantes espaços de divulgação das artes visuais, do cinema e da música, sempre acompanhados de momentos de reflexão (seminários, debates, palestras etc).

Tudo porque o antigo edifício no centro de Porto Alegre, que já serviu de sede dos bancos da

Província, Nacional do Comércio, Sul Brasileiro e Meridional, foi restaurado e adaptado para ser um Localizado na Praça da Matriz, centro de Porto Alegre, o Santander Cultural visa a projetar a cultura a partir do Rio Grande do Sul e ampliar o acesso dos diversos segmentos do público à produção cultural contemporânea nacional e internacional. O prédio, tombado pelo patrimônio histórico, serviu de sede aos bancos Nacional do Comércio e Sul Brasileiro e foi construído em estilo neoclássico entre os anos 1927 e 1932. É mantido pelo grupo espanhol Santander, em retribuição à calorosa acolhida e a confiança que a instituição recebeu dos brasileiros, em geral, e dos gaúchos, em particular

moderno centro de arte e cultura. A principal intervenção foi a criação de um átrio no antigo poço de iluminação dos vitrais, o que permitiu apreciá-los de um ângulo inédito: de cima para baixo. No andar térreo e no segundo piso fica o espaço para abrigar exposições, enquanto no subsolo os antigos cofres foram transformados em sala de cinema, café e restaurantes. Já abrigou exposições importantes na cidade, como as que reuniram obras de consagrados nomes da pintura, como Miró e Pablo Picasso, e uma retrospectiva de Vera Chaves Barcellos. Tem funcionado também como um dos espaços da Bienal do Mercosul.

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Dizem que em Buenos Aires existem tantos cafés como há farmácias no Brasil, ou seja, um a cada esquina. Pois foi a partir dos anos 80 que esta tradição portenha começou a desembarcar com mais força no Rio Grande do Sul. Hoje, contam-se às dezenas as casas como o Café do Porto, que se inspiraram nos hispânicos e também nos franceses na proposta de oferecer ambientes cheios de estilo

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Hispânicos

A parrilla pode ser considerada a prima-irmã do churrasco gaúcho, e tem sido crescente o número de adeptos desta forma particular de se assar a carne, utilizando-se uma grelha em lugar dos espetos. É bem verdade que as carnes escolhidas por aqui continuam sendo os tradicionais cortes mais nobres, como picanha, vazio, ripa e costela, em lugar dos característicos miúdos de boi e diversos tipos de lingüiças e embutidos, mas também é verdade que os restaurantes que servem a autêntica parrillada ganham a cada dia mais clientes fiéis

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Índios Os senhores da terra sobrevivem

Eles já foram os senhores do lugar, mas hoje estão reduzidos a uma população de pouco mais

de 13 mil pessoas, segundo dados da Funai (Fundação Nacional do Índio). De primeiros habitantes do território gaúcho, passaram a ocupar espaços demarcados e reduzidos, concentrados principalmente na Região Metropolitana, no Litoral Norte e no Norte do Estado. São basicamente dois grupos, os guaranis e os kaingangues, mas alguns charruas começam a se organizar e buscam também o reconhecimento de seus direitos como herdeiros de uma vertente ancestral.

Ao longo dos séculos, após a chegada dos portugueses ao território brasileiro, sobrevivência

tem sido sua palavra de ordem, uma vez que foram sucessivamente empurrados para longe de suas terras, expulsos ou simplesmente dizimados. Dos breves momentos em que estiveram irmanados com o homem branco – como no tempo das Missões Jesuíticas, motivo de intermináveis conflitos entre portugueses e espanhóis –, restam lembranças e alguns poucos testemunhos históricos, como as ruínas de São Miguel. Dessa época ficou também um símbolo do espírito de luta e da determinação de não arredar pé das suas convicções: Sepé Tiarajú, índio guarani que liderou a batalha contra o homem branco e imortalizou entre os gaúchos seu grito de guerra – “Essa terra tem dono!” Em maio de 2004, o Nhanderú Jepoverá (Raio Sagrado de Nhanderu), grupo de cantos e danças da Aldeia do Cantagalo, em Viamão, lançou um álbum composto por músicas no estilo tradicional guarani. A primeira edição, de 5 mil unidades, se esgotou rapidamente. Acima, índios kaingangues da região de Três Passos, na primeira metade do século 20

Apesar de tudo, a luta pelo reconhecimento dos seus direitos, em especial a posse de terras, e

por um espaço onde possam preservar sua cultura, prossegue. E é com o intuito de estarem mais bem aparelhados para reivindicar e argumentar que cada vez mais marcam presença nas salas de aula de cursos universitários. Mas o dilema continua. Se de um lado buscam integrar-se e se apropriar das ferramentas que os brancos usam – como a formação universitária, em especial na área da antropologia e da sociologia –, de outro segue a preocupação com o risco que a miscigenação significa: o da cultura indígena se perder. Zaqueu Júpry Claudino, da aldeia kaingangue da Lomba do Pinheiro, em Porto Alegre, explica: “Acontece que é a mulher quem introduz os ensinamentos para os filhos. Por isso aconselhamos os jovens índios a evitarem o casamento com mulheres brancas”, explica Zaqueu, mais conhecido na própria aldeia como “Professor”, justamente por ter formação universitária. Nenhum preconceito contra os brancos. Tudo em nome da sobrevivência de uma cultura.

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Graduado em Sociologia e Pedagogia e nascido há 36 anos na terra indígena da Guarita, em Tenente Portela, Zaqueu Júpry Claudino é conhecido como “Professor”. Ele integra o conselho da Aldeia Indígena Kaingangue Fag-nhin, liderada pelo cacique Claudir, e que reúne 36 famílias na Lomba do Pinheiro, zona Leste de Porto Alegre. Zaqueu dá aulas na escola indígena localizada na própria aldeia e leciona História em uma escola estadual de Ensino Fundamental de Porto Alegre

Segundo a tradição kaingangue, os idosos são muito respeitados, porque um dia eles irão desencarnar e reencarnar nas crianças. É por isso que crianças como Kókenh (esq.) e Rugsa têm total liberdade e são tratadas com muito carinho. “Os kaingangues se ajoelham diante das crianças, pois é como se estivéssemos reverenciando um ancestral reencarnado”, explica o “Professor”

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Índios

Tekoá Jataí’ty (em guarani, butiazeiro) é uma terra indígena guarani localizada no município de Viamão, no limite com a zona Sul de Porto Alegre, e conhecida por Aldeia do Cantagalo pelos nãoindígenas. Em 1998, foi ratificado pela Funai o reconhecimento do local como reserva indígena. Em 2005, a reserva foi ampliada para 246 hectares, quando foi iniciada também a construção de casas de alvenaria (até então só existiam barracas de lona no local) para as 38 famílias da comunidade

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No século 17, as missões jesuíticas fundaram 30 povoados na América do Sul, na região onde hoje fazem fronteira Brasil, Argentina e Paraguai. Eles traduziam os esforços dos padres jesuítas para conversão à fé cristã dos índios guarani. Sete povoados localizavam-se no atual território brasileiro, região Oeste do Rio Grande do Sul. Hoje, existem ruínas de apenas quatro: São Miguel (a antiga capital das missões), São Nicolau, São João Batista e São Lourenço. As ruínas de São Miguel são as mais bem preservadas. No passado, o local chegou a abrigar mais de 6 mil índios

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Índios

Uma história de perseguições e resistência

Quando se iniciou a ocupação européia das novas terras descobertas em 1500, o território hoje

ocupado pelo Rio Grande do Sul abrigava três grandes grupos indígenas: os jês, os pampeanos e os guaranis. Os jês ocupavam o planalto, o que equivale à atual região Nordeste gaúcha. Os guaranis se distribuíam mais ao Norte, Oeste e Centro do Estado, enquanto os pampeanos ocupavam a atualmente chamada Metade Sul do Rio Grande.

O contato com o homem branco foi fatal para os jês. Epidemias de origem européia e a ação

dos bugreiros e bandeirantes nos séculos 17 e 18 resultaram em sua extinção. Novas levas começaram a chegar no século 19, corridas por cafeicultores de São Paulo, mas novamente acabaram sendo inapelavelmente abatidas pelos brancos, inclusive para que suas terras fossem ocupadas pelos imigrantes que começaram a chegar a partir de 1824. Em 1882, o português Telêmaco Morocines Borba decidiu reunir uns poucos jês que restavam, e, além de protegê-los, rebatizou-os kaingangues.

O grupo dos pampeanos, constituídos por charruas, minuanos, iarós, guenoas e chanás, todos

de língua quíchua, jamais aceitou pacificamente as tentativas dos missionários jesuítas de catequizálos. Há relatos de que apenas uma redução jesuítica foi bem-sucedida, na Ilha Vizcaino, confluência do rio Uruguai com o rio Negro, mas teria durado apenas dois anos. No contato com o gado e o cavalo, introduzidos no Sul da América a partir de 1600, tornaram-se exímios cavaleiros, manejando também com destreza a lança e as boleadeiras. Tendo paulatinamente suas terras ocupadas pelos colonizadores portugueses e espanhóis, os pampeanos foram sendo empurrados para território argentino e paraguaio, e por fim acabaram sendo eliminados por volta de 1832.

Os guaranis eram os que melhor reagiam às tentativas de catequese, pois algumas de suas crenças

tinham similitude com a fé católica, como a missa para os mortos, a crença na existência da alma e em Os kaingagues habitam a região de Três Passos desde o início do século 20, mas ainda lutam pela demarcação de suas terras

uma trindade divina (Monan, deus criador e pai, Irin-Majé, a chuva e filho, e Sumé, deus civilizador que os ensinou a plantar). Também acreditavam em um paraíso no céu. Mesmo mais integrados, como nas bem-sucedidas reduções que deram origem aos Sete Povos das Missões, também foram desaparecendo lentamente do Rio Grande do Sul, principalmente em razão dos ataques dos bandeirantes, da escravidão imposta pelos governos militares após a expulsão dos jesuítas das Missões e em razão da mestiçagem forçada das mulheres índias com os homens brancos, visando ao povoamento rápido do território. Os guaranis que hoje habitam o Estado teriam chegado no final do século 19, expulsos por cafeicultores paulistas e por frentes de colonização branca no Paraná e em Santa Catarina.

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Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

Segundo a tradição, a tainha assada inteira na brasa é um dos mais tradicionais pratos da culinária indígena, hoje incorporado ao cardápio dos gaúchos, a tal ponto que é o principal atrativo da Festa Nacional do Peixe, realizada anualmente em Tramandaí, Litoral Norte do Estado

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Índios

Mate, fogo de chão e pinhão, heranças que se perpetuam

Apesar das perseguições que sofreram ao longo de todo o período da presença portuguesa

e espanhola na América do Sul, os índios que habitavam o território gaúcho antes da chegada dos colonizadores e povoadores cultivavam hábitos que acabaram se perpetuando. Dois deles são muito significativos, pois dizem respeito a imagens do cotidiano atual dos habitantes do Rio Grande do Sul: o chimarrão e o fogo de chão.

O chimarrão, tecnicamente falando, nada mais é do que um chá, só que preparado em um

recipiente específico, a cuia, e tomado através de um artefato de metal, chamado bomba. O detalhe mais especial, entretanto, é a erva-mate, planta que, uma vez seca e triturada, no contato com a água quente ganha sabor marcante, quase sempre mais amargo (“amargo”, aliás, é uma das formas de referir-se ao chimarrão), mas eventualmente levemente adocicado, dependendo do tipo de erva utilizado. E é justamente a erva-mate uma herança guarani, já que esta planta era cultivada especialmente por este povo indígena.

Na prática, o chimarrão é muito mais do que uma infusão. De um lado, simboliza congra-

çamento e amizade, pois, como dizem alguns versos do famoso poema de Glaucus Saraiva, “... A cuia, seio moreno / Que passa de mão em mão / Traduz, no meu chimarrão / Em sua simplicidade / A velha hospitalidade / Da gente do meu rincão.” De outra parte, acaba funcionando como companheiro daqueles que preferem bebê-lo solitariamente, logo no início do dia ou ao final da tarde. O certo é que nos últimos anos o mate ganhou espaços os mais diversos, como os ambientes de trabalho, os parques e praças e nos estádios de futebol. A palavra Guaíba é de origem indigena e pode ter vários significados, como “na enseda”, “no seio da água” ou, ainda, “cintura maior do rio”. O certo é que o estuário, ao menos na opinião dos gaúchos, proporciona o mais belo pôr-do-sol do mundo

Os guaranis, assim como outros povos indígenas, costumam preparar seus alimentos em fogo

de chão. Feito com tocos de madeira, acesos em uma das pontas e que vão queimando lentamente, acabou sendo utilizado também para preparo de carnes ou peixe. Vem daí o hábito de prepararse peixes, como a tainha, na brasa. Além disso, nas fazendas gaúchas o fogo de chão serve para esquentar e manter aquecida a água do chimarrão, assim como muitos gaúchos mantêm o hábito de assar a carne do churrasco a partir de fogo e braseiro feitos em valas na terra, com os espetos de madeira dispostos na vertical, ao redor.

Aipim, farinha de mandioca, abóbora, batata-doce, pinhão e pirão são também ingredientes

da culinária indígena que acabaram se incorporando à gastronomia gaúcha. Suas mais diferentes possibilidades de preparo asseguram sua presença nos cardápios de restaurantes típicos ou não.

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Índios

Nas palavras do cacique Karaí Tataendy (ou Mário Karaí), da aldeia guarani do Cantagalo, em Viamão, “o artesanato é o meu símbolo, assim como o meu nome indígena é a minha identidade, a minha vida”. É por isso que os índios têm um nome “branco” ou português, mas preservam seu nome indígena. Da mesma forma, o artesanato comercializado é diferente daquele que os índios confeccionam para si próprios e utilizam como amuletos, ou para dar de presente. Desfazer-se daquilo que eles criaram é como trocar um pedaço deles próprios por dinheiro, mas é também uma das poucas alternativas para a sua sobrevivência

Nas comunidades kaingangues, o dia 6 de agosto é reservado aos festejos do Dia da Brotação, uma referência ao início do florescimento de diversas plantas utilizadas pelos indígenas para proteção e alimentação. Além da fartura da comida, o dia também marca o batizado das crianças com a fumaça de ervas consideradas medicinais, em cerimônia comandada pela pajé da tribo

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Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

Turistas vindos de outros Estados costumam estranhar o desfile de garrafas térmicas e cuias de chimarrão pelos parques e praças de diversas cidades gaúchas nos finais de semana. Sozinhos ou em grupos, homens, mulheres, jovens, adultos e até mesmo crianças gaúchas, da cidade ou do campo, preservam uma de suas mais queridas tradições. E não são raros os relatos daqueles que vivem fora do país e fazem questão de manter no exterior o hábito herdado de nossos primeiros ancestrais

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Índios

O preparo dos alimentos junto às brasas, no chamado fogo de chão, é uma herança dos indígenas, hábito que os gaúchos que viviam nos campos adotaram, inicialmente para assar a carne e posteriormente para esquentar a água do chimarrão, preparar o carreteiro ou um sopão, entre outras iguarias da culinária regional

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Lucíola Maria Inácio Belfort, ou Nivãn, como é chamada entre os kaingangues (ela é filha de mãe índia e pai branco) foi a primeira descendente de indígenas a ser aprovada no vestibular para Medicina da UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul), graças ao sistema de cotas

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Índios

Mário Karaí (ou Karaí Tataendy, em tupi-guarani) é o atual presidente do Conseho Estadual do Índio e um dos oito integrantes do conselho indígena da aldeia guarani do Cantagalo, em Itapuã, Viamão. Filho do cacique Dário Tupã, principal liderança das 38 famílias da aldeia, Mário tem 25 anos, é formado em Magistério e atualmente cursa Letras na UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul)

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Italianos Certificado de origem

A palavra “influência” talvez não seja a mais adequada quando se fala do papel que os imigrantes

italianos tiveram e têm na vida cultural, econômica e social do Rio Grande do Sul. Afinal de contas, são aproximadamente 3 milhões de descendentes em território gaúcho, o que equivale a um terço da população do Estado. Sendo assim, o mais adequado seria considerar que esta etnia de fato se integrou e, mais do que isso, determina aquilo que os gaúchos são hoje.

Dos imigrantes que aqui chegaram, especialmente a partir de 1875, na condição de humildes

camponeses, artesãos e comerciantes, até os dias de hoje, quando aproximadamente 200 dos 496 prefeitos gaúchos são de origem italiana, a interação entre estas culturas se deu com tal intensidade que quase todo gaúcho pode se considerar, de alguma forma, um pouco italiano – e vice-versa. Pois mesmo naquelas comunidades do interior em que quase só se fala o talian – dialeto italiano comum entre os descendentes que ocuparam em especial a Serra gaúcha – lá se vai encontrar também a presença de hábitos tipicamente gaudérios, como o chimarrão e o churrasco. Este, aliás, só se tornou um produto de exportação graças à ação empreendedora de descendentes de italianos, que criaram o sistema de espeto corrido, hoje consagrado em churrascarias Brasil afora, na Europa, nos Estados Unidos e até mesmo no Japão. O casal de descendentes mostra no sorriso a alegria que tempera os diversos shows típicos realizados durante o passeio de Maria Fumaça. Nesta tradicional atração turística da Serra gaúcha, os visitantes passeiam de trem entre Bento Gonçalves e Carlos Barbosa, com parada em Garibaldi, reduto dos primeiros italianos no Rio Grande do Sul (acima)

Para além das massas e pizzas, definitivamente integradas ao cardápio diário do gaúcho, foi

no cultivo do milho, do trigo, mas principalmente das videiras que deram origem à indústria de sucos e vinhos – inicialmente de mesa e hoje na promissora produção de vinhos finos – que os italianos construíram uma importante atividade econômica. Mas talvez ainda mais relevante seja sua presença no segmento industrial, em especial nos ramos metalmecânico e de móveis. Cabe destacar que nos últimos anos este ambiente ítalo-gaúcho deu origem a um novo segmento econômico promissor: o turismo.

Tanta valorização da ascendência levou 50 mil pessoas nascidas no Rio Grande do Sul a buscarem

sua cidadania italiana, condição que outras 41 mil já alcançaram. Não é de se supor que estes quase 100 mil gaúchos pretendam fazer o caminho inverso de seus ascendentes. Mais lógico é acreditar que ser gaúcho e, simultaneamente, italiano, virou objeto do desejo – quase como se essa dupla cidadania fosse um certificado de origem.

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A família de Jorge Mariani resolveu transformar a casa, no interior de Bento Gonçalves, em ponto de visitação turística. Lá é possível conhecer um pouco da história dos descendentes de italianos

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Italianos

Além de fonte complementar de renda para muitas famílias como os Mariani, o turismo na região da colônia mostra aos visitantes hábitos e costumes dos primeiros imigrantes que se perpetuam

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Moysés Luiz Michelon é atualmente diretor geral do hotel Villa Michelon, no Vale dos Vinhedos, empreendimento que oferece diversos atrativos turísticos ligados à etnia italiana

Descendente de italianos, Remi Rech cultiva hortigranjeiros em sua propriedade próxima à BR-116, em Caxias do Sul, um dos primeiros núcleos de imigrantes italianos no Rio Grande do Sul

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Italianos

A saga italiana no Rio Grande

As primeiras colônias italianas no Rio Grande do Sul se localizavam na encosta superior da

Serra gaúcha e se chamaram Conde d’Eu (atualmente Garibaldi) e Dona Isabel (hoje município de Bento Gonçalves). Elas foram criadas pela presidência da Província, em 1870, antes mesmo de se iniciar o processo de imigração italiana no Estado. As colônias tinham como limites o rio Caí, os campos de Vacaria e o município de Triunfo, sendo divididas entre si por um caminho de tropeiros que partia de uma localidade chamada Maratá e seguia em direção ao rio das Antas – Conde d’Eu ficava à esquerda do rio, Dona Isabel à direita. Mas foi só em 1875, quando o assunto passou para a administração da União, que efetivamente chegaram as primeiras levas de italianos.

Ainda em 1875, no local que os tropeiros que subiam a serra em direção a Bom Jesus chamavam

de “Campo dos Bugres”, foi criada a colônia Caxias. E dois anos depois, em 1877, foi criada a colônia de Silveira Martins, em terras de mato próximas de Santa Maria, mais ao centro do Estado.

Para o Rio Grande do Sul vieram predominantemente italianos provenientes do norte da

Itália, atingido por dificuldades econômicas que levaram a um forte processo de emigração. Assim, Piemonte e Lombardia, e depois o Vêneto – especialmente as províncias de Vicenza, Treviso e Verona – acabaram sendo as regiões de origem de boa parte dos imigrantes que por aqui desembarcaram. Calcula-se que, entre 1875 e 1914, entraram no Estado entre 80 mil e 100 mil italianos.

Os lotes de terra destinados aos italianos recém chegados eram bem menores em relação

aos que haviam sido destinado aos alemães, 50 anos antes, tendo em média de 15 a 35 hectares. Ali A Casa da Ovelha, um prédio em madeira construído em 1917, de grande valor histórico para a comunidade, funcionou como negócio da família Venzon. O prédio foi adquirido pelo Hotel Dall’Onder em 1993 e restaurado, preservando o estilo de muitas casas construídas pelos descendentes

inicialmente se iniciou o plantio de produtos de subsistência, como o milho e o trigo, mas o cultivo que marcaria a presença italiana no Rio Grande do Sul seria o das videiras. Graças à introdução de variedades até então inéditas de uvas e, posteriormente, já no século 20, com a criação de diversas cooperativas vinícolas, os italianos viriam a transformar o Rio Grande do Sul no principal produtor de vinhos finos do Brasil.

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João Farina Neto (dir.) é o atual diretor presidente da Todeschini, empresa que seu pai, José Eugênio Farina, atual diretor do conselho administrativo, ajudou a fundar, transformando-a em um dos ícones da capacidade empreendedora dos italianos, em especial na indústria de móveis

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Italianos

A força do empreendedorismo

Pouca gente sabe – e os que sabem costumam não se dar conta: foram os alemães, e não os

italianos, os responsáveis pela produção dos primeiros vinhos em território gaúcho. Aos italianos coube, contudo, adicionar sofisticação e qualidade ao processo. E não apenas com a introdução de novas variedades, mas principalmente com o know-how que, muitos anos depois, levaria o Rio Grande do Sul a capitanear a produção dos melhores vinhos finos do país. Se de um lado as terras pouco férteis da encosta da Serra dificultavam o cultivo de culturas além do milho e do trigo, de outra parte tinham a vantagem de estarem localizadas em regiões mais altas, onde o frio favorece o cultivo dos parreirais.

Mas não foi apenas na vitivinicultura que os imigrantes italianos e seus descendentes se

destacaram. A exemplo do que ocorreu também na região de colonização alemã, a comercialização de produtos artesanais e gêneros alimentícios gerou um excedente de capital que foi investido no financiamento e expansão dos incipientes negócios de fundo de quintal. Assim, já no início do século 20 pequenos empreendimentos começam a ganhar fôlego: das pequenas marcenarias surgiram grandes fábricas de móveis; modestas funilarias foram o embrião de metalúrgicas de grande porte, e assim sucessivamente.

Foi dessa forma que se consolidou um dos principais pólos industriais do Estado, localizado

na região Nordeste. E não é de se estranhar, portanto, que dez das maiores empresas gaúchas sejam de propriedade de descendentes de italianos. Entre elas estão Grendene, Marcopolo, Florense, Todeschini, Randon, Tramontina e Zamprogna. A vocação para o comércio, paralelamente, também gerou frutos em negócios capitaneados por descendentes de italianos, como as famílias Grazziotin, Colombo, Arno, Zaffari, entre muitas outras. Ao todo, são mais de mil empresários de renome que ostentam a origem italiana no Rio Grande do Sul.

O chapéu de palha é um dos ícones da capacidade produtiva dos italianos, não só porque era trançado por eles mesmos, mas também por ser usado em incansáveis jornadas de trabalho

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Dos parreirais plantados pelos italianos na Serra gaúcha são colhidas as uvas que hoje dão origem aos melhores vinhos finos do país

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A indústria do vinho no Rio Grande do Sul gera empregos e conhecimento, como nos cursos de enologia do Cefet (Centro Federal de Educação Tecnológica), de Bento Gonçalves, a 120 km de Porto Alegre

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Com o tempero da fé e o sabor da arte

Um dos mais marcantes traços culturais dos imigrantes italianos que aportaram no Rio Grande

do Sul no final do século 19 é, sem dúvida, a fé. Em especial a crença de que, em terras brasileiras, encontrariam a oportunidade de retomar condições dignas de vida e aqui plantar as sementes de um futuro melhor. Esta fé, que se expressa de maneira especial através da religiosidade cristã e do culto a diversos santos, contribuiu de maneira decisiva para que o Brasil se transformasse em um dos mais importantes expoentes do catolicismo no planeta.

Em paralelo, a gastronomia italiana também conquistou espaço nos corações e lares dos

gaúchos ao introduzir nas mesas pratos hoje tão corriqueiros que parecem ter estado desde sempre entre nossas opções de alimentação – a pizza e as massas, regadas a bom vinho, precedidas de uma fumegante sopa de capeletti, ou então os queijos, salamitos e lingüiça calabresa, cortados em cubinhos, mais conservas de pepino e berinjela, azeitonas e pão d’água, como couvert (ou aperitivo, na linguagem popular). Sem falar no galeto ao primo canto, que nasceu em Santa Maria por volta de 1957 (estaria completando 50 anos, portanto) e hoje se espalha pelo Brasil afora. Até então, o que se servia nos restaurantes de culinária italiana era um meio frango assado.

A integração de culturas, entretanto, foi além. A tal ponto que os italianos foram os

responsáveis por transformar o mais emblemático símbolo do gauchismo em produto tipo exportação. E tudo graças às churrascarias com sistema de espeto corrido. Seja no Brasil ou mundo afora, elas estão quase todas nas mãos de descendentes de italianos, boa parte dos quais nascidos em Nova Bréscia, município gaúcho que homenageia a cidade italiana homônima e também é conhecido pelo Festival da Mentira.

Cantar e celebrar a vida é uma das características dos descendentes que vieram para o Brasil e fizeram com que a gaita se tornasse um dos instrumentos mais populares entre os gaúchos

A saga dos imigrantes italianos que vieram para o Brasil também serviu de inspiração

para as telenovelas Terra Nostra e Esperança, e especialmente para o filme O Quatrilho, baseado na obra do escritor gaúcho José Clemente Pozzenato e que concorreu ao Oscar de melhor filme estrangeiro. Ademais, a Itália vem se caracterizando por ser a porta de entrada na Europa de muitos filhos de descendentes. É no Velho Mundo que eles buscam conhecer suas origens mais remotas e ampliar horizontes.

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Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

A Taverna Monte Polino, em Porto Alegre, reproduz o ambiente característico dos tradicionais restaurantes italianos. No cardápio, além das diversas opções de massas e pratos com carne assada, o típico antepasti (aperitivo, ou entrada) com salamito, queijo, beringela e pepinos em conserva, pão d’água e manteiga

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Airton Marques, natural de Nova Bréscia, é um dos sócios da Churrascaria Galpão Crioulo. Ele integra a confraria formada por italianos proprietários de estabelecimentos que servem no sistema de espeto corrido, criação dos descendentes de italianos, e que incorpora como acompanhamento do churrasco a polenta, um dos alimentos mais consumidos nos primeiros e sofridos dias da colonização na região da Serra gaúcha

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Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

A religiosidade é uma das principais contribuições dos italianos para a cultura gaúcha e brasileira. Realizada anualmente em Farroupilha, a Procissão de Nossa Senhora do Caravaggio é a maior festa do mundo em homenagem à santa italiana, atraindo multidões à Serra gaúcha

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As belas e impressionantes imagens que decoram a Igreja de São Pellegrino, em Caxias do Sul, são um dos principais trabalhos do artista plástico Aldo Locatelli, nascido em Bérgamo, Itália, que veio para o Brasil em 1948. Também são de sua autoria os afrescos na Catedral de Pelotas, assim como o mural no antigo Aeroporto Salgado Filho, de Porto Alegre, a Catedral de Santa Maria, a Reitoria da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e o Palácio Piratini, também na Capital gaúcha

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A 27ª edição da Festa Nacional da Uva, de Caxias do Sul, dá seqüência a uma tradição iniciada em 1931, quando foi realizada pela primeira vez uma exposição para celebrar o começo da vindima. Daqueles tempos até hoje, o evento cresceu, ganhou desfiles de carros alegóricos, programação artística e cultural e milhares de visitantes

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Um brinde à alegria

Celebração. Eis aí uma palavra que já estaria gasta no dicionário dos descendentes de italianos,

caso esse verbete fosse se apagando a cada vez que alguém começasse a conversar e a cantar, em geral à volta de boa e farta mesa. Os italianos são assim – falantes, entusiasmados, brigões e, às vezes, até um pouco sem jeito. O certo é que apatia e tristeza definitivamente não estão entre seus estados de espírito predominantes. Estas características atravessaram o mar juntamente com as levas de imigrantes que desembarcaram por aqui a partir de 1875, e hoje temperam o dia-a-dia daqueles que vivem não apenas na colônia, mas também nos núcleos urbanos.

As conversas sem hora para acabar, geralmente com todo mundo falando ao mesmo tempo e

de maneira enfática, vêm dos tempos em que as famílias de imigrantes se encontravam semanalmente para rezar, entoar cânticos, quem sabe tratar de negócios e, principalmente, relembrar a pátria distante. Os chamados filós daquela época de alguma forma se perpetuam até os dias de hoje. Basta que alguém tome a iniciativa de convidar um parente ou amigo para uma boa pizza, ou então um spaghetti com muito molho, tudo regado a bom vinho. Com um detalhe: alguém irá se prontificar a literalmente meter a mão na massa, pois o ritual de cozinhar, além de funcionar como uma terapia para os italianos, tem lá o seu caráter sagrado.

Pois é este mesmo clima de alegria que muitos dos roteiros gastronômicos e turísticos da Serra

gaúcha tentam oferecer a dezenas de milhares de visitantes que passam pela região anualmente. Gastronomia farta e shows típicos, com cantos e danças protagonizados muitas vezes por genuínos descendentes, reconstituem uma porção da Itália que foi construída em terras gaúchas.

As festas de família, reunindo diversas gerações, são um hábito dos italianos que se mantém ao longo do tempo

É também com foco no resgate das tradições e no intuito de celebrar a conquista da América

que há anos se realiza em Caxias do Sul a Festa Nacional da Uva. Esta talvez seja a maior e mais tradicional, mas não é a única festividade em território gaúcho na qual os italianos emigrados e seus descendentes mostram como e por que adotaram esta terra como sua. Outras tantas Festas da Colônia se espalham pelo Rio Grande afora. Afinal de contas, nada menos que um terço dos gaúchos tem o sangue quente que veio de além-mar. Mais exatamente da famosa “Bota” (formato sugerido pelo mapa da Itália).

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Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

Nascido em Farroupilha em 1947, o renomado cardiologista gaúcho Fernando Lucchese recebeu, 50 anos depois, o título de cidadão honorário de sua cidade-natal. Seus ascendentes vieram da cidade italiana de Luca (daí a origem do sobrenome Lucchese). A Casa de Pedra que hoje abriga o Museu de Ambiência em Caxias do Sul foi construída por seu avô. Além de médico, Lucchese vem se destacando pelo sucesso editorial de livros sobre medicina voltados para o público em geral e ilustrados com desenhos do cartunista e humorista caxiense Iotti, que em 2008 concorreu a uma vaga no senado italiano. Ambos possuem cidadania italiana

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Italianos

João Bez Batti desde pequeno é apaixonado pelo efeito das águas do Rio das Antes sobre as pedras. Os seixos rolados são uma de suas principais inspirações. Atualmente, o escultor gaúcho mora e tem atelier em uma antiga casa, construída entre 1887 e 1893 e reformada em 2002, a qual integra o roteiro Caminhos de Pedra, em Bento Gonçalves. Ali, Bez Batti se dedica a extrair principalmente do mármore e do basalto figuras de rara beleza que o transformaram em um dos principais artistas plásticos do país

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Japoneses Eles vieram para ficar

Pelo Brasil afora, 2008 foi marcado por muitas e muitas celebrações dos cem anos da presença

japonesa no país. Particularmente em São Paulo, mas também no Paraná e no Rio Grande do Sul, não foram poucas as festividades, marcadas pela tradicional elegância e sobriedade japonesas, mas também por muitas cores, em especial nos belíssimos trajes que caracterizam esta milenar cultura.

No que se refere aos japoneses ou seus descendentes que decidiram vir para o Rio Grande do

Sul, há uma característica peculiar, em relação ao que aconteceu de maneira geral no restante do país: os japoneses que começaram a chegar em nosso Estado em maior número a partir de 1956 vieram com a intenção de ficar, e não apenas fazer um pé de meia e, depois, retornar para seu país.

E não só ficaram, como se integraram de tal forma à cultura local que terminaram por influir

de maneira muito significativa, por exemplo, na gastronomia local

afinal de contas, em um

Estado acostumado a comer muita carne vermelha e carbohidratos (massas, batata, pizza, pão), foram os japoneses os responsáveis pela incorporação das frutas, verduras e legumes ao cardápio diário dos gaúchos. Sem falar, obviamente, nos restaurantes de culinária japonesa propriamente dita, que a cada ano ganham maior espaço, em especial em Porto Alegre. Mas nem só na qualidade das refeições dos gaúchos os japoneses tiveram influência. Outros hábitos ligados ao bem-estar, físico e espiritual, também ganharam espaço a partir da presença desta cultura oriental em território rio-grandense. Yasue Ozaki, matriarca da familía que desembarcou no Estado pelo porto de Rio Grande, em 13 de maio de 1960, instalou-se na colônia japonesa de Ivoti, onde mora até hoje, ao lado do filho, Roberto

Atualmente, vivem no Estado cerca de 1.600 cidadãos japoneses e aproximadamente 2.500

descendentes, atuando nas mais diversas áreas. São agricultores, profissionais liberais, empresários, funcionários públicos – municipais, estaduais e federais –, entre outras atividades. A cidade gaúcha com maior concentração de japoneses é Porto Alegre, com 600 habitantes, seguida de Gravataí, com 129.

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Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

Nascido em 1961, o artista plástico Mauro Fuke é filho de japoneses puros (o pai é de Hokkaido, norte do Japão, e a mãe nasceu em São Paulo). Uma das jovens revelações da escultura no Estado, Mauro mora e trabalha em Eldorado do Sul. O uso da matemática e de softwares de modelagem tridimensional têm sido importantes na elaboração de suas obras

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Japoneses

Filha de japoneses, Fukiko Takeda, 73 anos, presidiu muitos anos a Sociedade Nipo-Brasileira do Rio Grande do Sul (Nikkei), entidade que atualmente ĂŠ comandada por seu filho, o arquiteto e paisagista Guilherme Takeda (ao lado do filho, Kenzo)

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Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

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Japoneses

Breve história de uma integração

Em 1956, 23 jovens solteiros, com idades entre 17 e 26 anos desembarcaram no porto do

Rio Grande com o sonho de se estabelecerem em terras gaúchas. Apenas um deles não era técnico agrícola, o que denota o perfil muito bem definido dos recém chegados imigrantes. Desde então, e até a extinção da migração sistemática, em 1963, desembarcaram no Rio Grande do Sul um total de 1.786 imigrantes vindos diretamente do Japão. As levas posteriores, que acabaram chegando em meados dos anos 70 e se instalaram principalmente no núcleo de Ivoti, contaram com um apoio muito importante: o próprio governo do Japão procurou orientar e apoiar a emigração, fazendo com que os japoneses tivessem condições satisfatórias ao decidirem se estabelecer no Brasil. As terras foram compradas pelo órgão de emigração do governo japonês, que as repassou, através de financiamentos, para os imigrantes que estavam dispersos em outras regiões.

Uma primeira tentativa de colonização no Estado, mal-sucedida, já havia acontecido em

1936, na região de Santa Rosa, mais exatamente no município de Horizontina. Lá se estabeleceram 18 famílias japonesas, trazidas pela empresa de colonização KKKK (Companhia Ultramarina de Empreendimentos, com sede no Japão). O projeto fracassou, principalmente pela iminência da Segunda Guerra Mundial. Com medo de sofrerem represálias, os imigrantes acabaram deixando a colônia de Santa Rosa e se dispersaram por outros Estados brasileiros, sendo que uma parte deles se transferiu para cidades como Pelotas, Porto Alegre, São Leopoldo e arredores. Sabe-se, ainda, que 24 ou 25 famílias japonesas, oriundas principalmente de São Paulo, teriam se estabelecido no Estado ainda antes de 1956.

O primeiro japonês a pisar o solo gaúcho teria sido, entretanto, o médico Yunosuke Nemoto,

que por aqui desembarcou em 1920, seguido por Eito Asaeda, em 1924, ambos vindos de São Paulo. Asaeda era casado com uma brasileira, o que na época não era comum. Essa situação, poucos anos depois, configuraria uma rotina. Basta dizer que pelo menos 50% das candidatas que participaram da edição 2008 do Miss Nikkei tem ascendência mista – por parte de mãe ou de pai, corre em suas veias sangue italiano misturado ao japonês. Uma mistura com resultados estéticos inquestionáveis, a julgar pela beleza que marcou o desfile realizado no Clube Farrapos. A Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul também prestou sua homenagem aos cem anos da imigração japonesa abrindo espaço para a exposição JapãoBrasil no saguão do Palácio Farroupilha. A solenidade contou com a presença do cônsul do Japão no RS, Haruyoshi Miura

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Japoneses

Centenário mobiliza comunidades

Uma festa de luzes, cores, sons – e muita beleza oriental, obviamente. A escolha da Miss

Nikkei 2008 não poderia ter acontecido em local mais apropriado para expressar a integração da cultura nipônica no Rio Grande do Sul: foi realizada no Clube Farrapos, no dia 14 de junho. Em meio às encenações musicais e desfile de belíssimos quimonos, a primeira dama de Porto Alegre, Isabela Fogaça, cantou Porto Alegre é demais e depois entoou, ao lado da filha Francesca, uma canção em japonês. As torcidas das 16 candidatas foram destaque, vibrando intensamente, em um evento que reuniu público de todas as idades. A 22ª edição do mais tradicional evento social da colônia japonesa no Rio Grande do Sul teve ainda um sabor especial, pois há alguns anos a festa não vinha acontecendo.

Uma semana depois, mais um momento de celebração, no embalo das comemorações dos

cem anos da presença japonesa no país: no dia 21 de junho, o Parque da Redenção, a exemplo do que já havia ocorrido no Clube Farrapos, foi tomado por japoneses e seus descendentes. Novamente música, sons e cores encheram os olhos, os ouvidos e fizeram bater mais forte os corações dos gaúchos ligados a este povo.

Os imigrantes japoneses e seus descendentes, a propósito, mantêm suas identidades de origem

formando grupos sociais bem organizados, tais como Associação de Assistência Nipo-Brasileira do Sul, Sociedade Nipo-Brasileira do Rio Grande do Sul (Nikkei-RS), Câmara de Comércio e Indústria Japonesa do Sul e Associação de Cultura Japonesa. Também existem associações japonesas locais nos municípios de Ivoti, São Leopoldo, Gravataí, Viamão (Itapuã), Pelotas, Santa Maria, Caxias do Sul, Itati, Ijuí, Bagé, Cachoeira do Sul, Cruz Alta, Carazinho, Lami e Passo Fundo. Luciana Hikari Kuamoto foi eleita Miss Nikkei RS 2008, na 22ª edição da festa organizada pela Sociedade Nipo-Brasileira do Rio Grande do Sul. Thyelli Yogui ficou com o título de 1ª Princesa, e Aida Mayumi Menezes, com o título de 2ª Princesa. Clarissa Rodrigues Taniguchi ganhou a maioria dos votos na eleição da Miss Simpatia. Mais do que uma noite de belos desfiles das candidatas, a festa teve shows de dança e apresentações musicais, reunindo diversas gerações

Já a Associação de Idosos Roojin-Kai e a Associação de Senhoras procuram manter intensas

atividades culturais – encontros de confraternização, cursos de artes manuais e realização de jogos esportivos. Outro grupo, o de karaokê, realiza o concurso estadual anualmente. Os primeiros colocados participam da competição em nível nacional.

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Japoneses

Dentro das festividades que marcaram os cem anos da imigração japonesa no Brasil, diversas atividades foram realizadas no Parque da Redenção, em Porto Alegre, reunindo dezenas de descendentes em um dos mais tradicionais espaços de convívio da capital gaúcha

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Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

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Japoneses

Bálsamos para uma vida melhor

O cultivo para consumo próprio, e posteriormente o comércio em grande escala, de legumes,

verduras e frutas – itens que acabaram se incorporando e melhorando a qualidade da dieta dos gaúchos após a chegada dos japoneses ao Estado – não foi a única contribuição dos imigrantes japoneses e seus descendentes que teve impacto no bem-estar das pessoas à sua volta. Afinal de contas, os cuidados com a saúde física e mental sempre estiveram na pauta dos povos orientais.

É por isso que os espaços onde se pode praticar e aprender, por exemplo, os segredos do

shiatsu, misto de massagem e técnica de relaxamento de origem japonesa, ganham cada vez maior espaço e um número crescente de praticantes. Da mesma forma, os restaurantes de culinária japonesa, com seus pratos leves à base de peixes e legumes, são cada vez mais numerosos, o que não deixa de ser um fenômeno interessante em um Estado conhecido por sua voracidade em relação às carnes vermelhas.

Em paralelo, e a despeito da forte tradição católica gaúcha, também vem crescendo o número

de adeptos de crenças como o zen-budismo. O zen-budismo originou-se de uma escola de meditação do budismo, que foi introduzida no Japão no século 7 de nossa era. Hoje, conta com cerca de 5 milhões de fiéis em todo o Japão, sendo que nos Estados Unidos a estimativa é de 100 mil adeptos. Na prática, é muito parecido com o budismo, porém difere em relação a um aspecto clássico, aquele que ensinava que diversos ciclos de reencarnação eram habitualmente necessários para alcançar o nirvana. Os discípulos do zen acreditam, ao contrário, que atingir o estado de graça absoluta é uma possibilidade atual e presente. Roberto Okubo, 41 anos (ao lado da filha, Karina, em meio à plantação de brócolis), passou a infância em Gravataí, tendo se mudado em 1979 para a colônia japonesa de Itapuã, em Viamão. O cultivo de verduras é sua principal atividade, assim como das outras 10 famílias de descendentes de japoneses que moram no local. Roberto, atual presidente da Associação Esportiva Recreativa Japonesa de Itapuã, é japonês puro. Seus pais, Kasuhiro e Sumiko, nasceram na província de Kumamoto e ambos vieram para o Brasil em 1960, onde se conheceram, casaram e tiveram filhos. Okubo costuma acompanhar as notícias sobre a colônia japonesa via internet

Até mesmo as floriculturas, ramo que tradicionalmente é exercido por descendentes de

japoneses, não destoam da característica nipônica de atenção para com a qualidade de vida e a harmonia com as forças da natureza. Afinal de contas, a beleza e as cores das flores não são também um bálsamo para a vida?

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Japoneses

Desde 1968 estabelecida em Porto Alegre, primeiramente na avenida Benjamin Constant e a partir de 1983 na avenida Assis Brasil, a família Matsuda gerencia uma das mais tradicionais floriculturas da cidade. No bairro São João, sob a gerência de Yogi Matsuda, são comercializados tanto arranjos naturais quanto artificiais

Natural de Nagoya, dona Sakae, como é conhecida entre seus clientes, chegou ao Brasil no ano de 1967, instalando-se em Porto Alegre. Em 1973, abriu o restaurante Sakae’s no centro da cidade, o mais antigo restaurante japonês da Capital gaúcha. Em 1981, o Sakae’s se transferiu para a rua Castro Alves, onde permanece em funcionamento, agora também sob os cuidados do sócio e sushiman Tadao Ecchuya, natural de Hiroshima

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Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

A Associação Zen Budista do Rio Grande do Sul, Via Zen, foi fundada em 1996 com o objetivo de estudar e difundir o darma (ensinamento) budista e desenvolver uma prática baseada na Escola Soto-Zen, fundada no Japão no século 18 pelo Mestre Dogen. Rosangela Shyüden Bandeira é uma das profissionais que presta atendimento na área da psicoterapia. Discípula leiga do mestre zen japonês Moriyama Roshi, acompanhou-o nas oficinas desde 2000, tendo sido responsável, sob sua supervisão, pelos últimos grupos de zen-shiatsu desenvolvidos no período em que ele ainda residia em Porto Alegre

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Japoneses

O shiatsu é uma técnica de massagem japonesa criada em fins da era Meiji (1868). A palavra significa exatamente pressão (atsu) com os dedos (shi). As técnicas empregadas durante o atendimento favorecem o fluxo natural da energia vital, denominada ki, nos canais de energia. Na foto, um aluno do Centro Holístico Idhera, em Porto Alegre

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Judeus

Com o coração, de pai para filho

Em geral, eles vieram de muito longe, de vários lugares diferentes – inicialmente da Bessarábia, hoje

território russo, mais tarde da Polônia, Romênia, Turquia e finalmente da Alemanha, nos anos 30, tentando escapar do nazismo. Outros estavam mais perto, na Argentina. Não eram muitos. Aliás, continuam não sendo – calcula-se que somem em torno de 12 mil, apenas, em meio a uma população gaúcha de mais de 10 milhões de habitantes. Mas pare para pensar nas pessoas que se destacam em sua comunidade, seja no segmento empresarial, financeiro, cultural, ou então na medicina, na psicanálise, quem sabe ainda na política. Não serão poucos os nomes de descendentes de judeus que lhe virão à lembrança.

Há quem diga que o fato se explica pela característica fechada da comunidade judaica, marcada por um

certo corporativismo étnico, por assim dizer, por meio do qual uns se comprometem a apoiar os outros, mas restringindo-se a seus iguais. Entretanto, existem os que fazem o raciocínio inverso: se fosse de fato tão voltada para si mesma, teria a comunidade judaica alcançado tamanha relevância na sociedade gaúcha?

Como diz o psicanalista Abrão Slavutsky, “os judeus criaram o que criaram porque conseguiram

assimilar coisas dos outros povos. (...) O perigo é que os judeus assimilem os valores de outros povos e deixem de ser judeus”. A preocupação faz sentido, diante do crescente número de casamentos mistos envolvendo descendentes de judeus, o que se chama de assimilação. É em meio a esta miscigenação cultural que algumas Criado em 1979, o Kadima, grupo de maior expressão da dança folclórica israeli do Estado, teve importante papel na conscientização de centenas de jovens judeus e não-judeus. Nascida do entusiasmo de um grupo movido pelo desejo de preservar as tradições e o rico folclore israeli, a iniciativa, a princípio despretensiosa, foi crescendo em qualidade e prestígio, os quais chegaram até mesmo a Israel, onde o grupo se apresentou em 1991

tradições e hábitos podem evaporar. Mas na mão inversa, cabe dizer que não são poucos os casos de não-judeus que adotam o sionismo como profissão de fé, graças aos laços do matrimônio.

Um dos casos emblemáticos da integração da comunidade judaica à cultura gaúcha é narrado com emoção

e muita vivacidade por Abram Isaack Axelrud, prestes a completar 87 anos – ele faz aniversário dia 20 de outubro. O senhor Isaack, como é conhecido em Santa Maria, nasceu na Colônia Philipsson, mas casou-se com Virginia Mucci, descendente de italianos, em 1949, e com ela teve dois filhos. Seu pai, Chaia, que veio da Bessarábia em 1904 e naturalizou-se brasileiro cerca de 15 anos depois, acabou sendo curado da gripe espanhola que aqui contraiu por uma curandeira chamada Francisca, que trabalhava na casa deles, Lote nº 7 da colônia. Ela enrolou o tórax de Chaia em toucinho, e assim salvou-lhe a vida. “É por essas e outras que ele dizia que isso aqui era o paraíso”, relembra Isaack. A julgar pelo sorriso fácil e pela alegria de viver que seu Isaack deixa transparecer, o sentimento passou de pai para filho, assim como para dezenas de judeus que adotaram esta terra como sua.

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Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

Além de buscarem se integrar às comunidades que escolheram para viver quando vieram para o Brasil, os judeus também conseguiram conquistar adeptos de sua causa, o sionismo. É o caso do ator gaúcho José de Abreu, que está tentando viabilizar o projeto de um filme sobre a imigração jucaica, cujo roteiro será de Moacyr Scliar. Em 2007, Abreu participou inclusive de uma cerimônia de casamento segundo o ritual judeu, em Porto Alegre, para conhecer mais de perto as tradições do povo que pretende retratar no cinema

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Judeus

A exposição No Ar - 50 anos de comunicação, montada na Usina do Gasômetro, em Porto Alegre, em 2007, foi um presente da RBS à comunidade gaúcha no ano em que o grupo festejou seu primeiro cinqüentenário. Fundado por Maurício Sirotsky Sobrinho – nascido em Erebango, próximo de Erechim, tradicional colônia judaica gaúcha –, o grupo tem mais de 5.700 colaboradores e reúne 18 emissoras de TV aberta, duas emissoras de TV comunitária, 26 emissoras de rádio, oito jornais, dois portais de internet, uma fundação, entre outros negócios. Maurício faleceu em 1986. Atualmente, o grupo é dirigido pelo irmão e sócio desde os primeiros tempos, Jayme Sirotsky (centro), presidente do Conselho de Administração, e pelos filhos do fundador, Pedro (esq.) e Nelson (diretor-presidente)

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Judeus

Educação, a palavra de ordem

Registros da presença de judeus no Brasil são muito antigos, alguns inclusive do início da

colonização portuguesa, assim como no Rio Grande do Sul, já a partir do século 19. Mas a primeira leva oficial de imigrantes a chegar ao país foi a que se estabeleceu em 1904 na chamada Colônia Philipsson, atualmente município de Itaara, a 14 quilômetros de Santa Maria. Alguns anos depois, em 1909, surgiria outro importante núcleo, a Colônia de Quatro Irmãos, próxima a Erechim. Ambas se devem à iniciativa do Barão Maurício de Hirsch, francês de origem judaica que era banqueiro em Bruxelas. Preocupado com a situação dos judeus russos – que eram altamente discriminados e sujeitos a perseguições periódicas –, ele criou, em 1891, a Jewish Colonization Association, conhecida como JCA ou ICA, que criou colônias agrícolas tanto na Argentina como no Brasil.

As dificuldades iniciais em território brasileiro, impostas pelo fato dos imigrantes terem sido

assentados longe dos núcleos urbanos, agregadas ao total desconhecimento da língua – rapidamente aprenderam a falar o português, mas escrever era bem mais complicado – contribuíram para que a luz amarela acendesse: se ficassem apenas cuidando de suas lavouras, os judeus recém chegados à nova terra corriam o risco de verem seus filhos limitados ao ensino básico – e terminarem por serem agricultores, como os pais. Foi então que eles começaram a vender seus lotes, deslocando-se para os núcleos urbanos, em busca do ensino de qualidade para as próximas gerações.

Na mesma época – nos anos 20 e 30 do século passado – começam a chegar ao Estado,

concentrando-se na capital e em cidades como Passo Fundo, Santa Maria e Erechim, judeus A preocupação com a educação de qualidade foi sempre uma prioridade entre os judeus que emigraram para o Brasil. Muitos dos imigrantes que aqui iniciaram suas vidas, a partir de 1904, como agricultores, em seguida decidiram se mudar para núcleos urbanos, de maneira a que pudessem oferecer estudo para seus filhos. Neste contexto, o Colégio Israelita Brasileiro, fundado em 4 de junho de 1922 e que atende tanto pessoas de origem judaica quanto outros públicos, segue exercendo papel relevante

provenientes da Espanha, da Polônia, da Alemanha e da Argentina. Os judeus poloneses, que se concentraram no bairro Bom Fim, em Porto Alegre, se caracterizavam por suas habilidades manuais – muitos eram marceneiros e alfaiates –, enquanto entre os judeus alemães havia muitos intelectuais e profissionais liberais. Em um e outro caso, era comum que se criassem associações, principalmente de caráter religioso, mas também de apoio aos recém-chegados, assim como as caixas de empréstimo (Laispar-Casse), que forneciam recursos para seus associados.

Vem dessa época a estigmatização de alguns judeus, pois emprestariam também dinheiro a

juro. Há quem prefira destacar o caráter social dos primeiros sistemas de crediário implantados por eles no país: os créditos e débitos eram anotados em prosaicas cadernetas, ou seja, o que valia mesmo era o compromisso moral do devedor de quitar seu saldo no prazo combinado. Os riscos ficavam por conta de quem emprestava.

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Judeus

Apesar da diferença de 60 anos (casualmente a idade do Estado de Israel), Abraam Isaack Axelrud, nascido na Colônia Philipsson em 1922, e Enzo Seligman Grazioli (acima), filho de mãe judia e pai de origem italiana, moram na mesma cidade e compartilham o mesmo sentimento em relação à cultura judaica: é preciso preservá-la, no mínimo em respeito a alguns dos judeus que vieram para o Brasil e que estão enterrados no cemitério judaico onde inicialmente foi estabelecida a primeira colônia do país

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Judeus

A renovação na mão dos jovens

A comunidade judaica de Porto Alegre talvez não se dê conta do privilégio que é contar com

diversos clubes e sociedades – além do Colégio Israelita – como espaços de confraternização entre os seus. Mas bastaria dar um pulo em Santa Maria para dar-se conta que a Capital gaúcha é o paraíso para os judeus que querem estar próximos uns dos outros – ou pelo menos na comparação com a cidade do centro do Estado, que já abrigou em seu território a primeira colônia judaica do país. Atualmente, a Sociedade Beneficente Israelita de Santa Maria vem lutando arduamente para exercer o papel de único espaço de congraçamento e preservação das tradições deste povo na região.

Quem está à frente da instituição desde o ano passado é um jovem de apenas 25 anos, cabelos

compridos e estudante de Música. Enzo Seligman Grazioli, aluno da Universidade Federal de Santa Maria, está no seu segundo ano de mandato, e vem tentando atrair os jovens da cidade para sua causa. Todas as sextas-feiras, são realizadas cerimônias religiosas ou encontros de aproximação. Enzo preocupa-se, porque, como ele (sua mãe é judia e o pai, descendente de italianos), a maioria dos jovens judeus da cidade é resultado de uniões mistas. Ele está tão determinado a dar sua contribuição pessoal para a preservação das tradições judaicas que já decidiu largar a Música em breve e cursar Administração, no embalo de um seminário de preparação de líderes de pequenas comunidades do qual participou recentemente.

Já na Capital gaúcha, se a preocupação com a assimilação decorrente dos casamentos mistos

também existe, ao menos são muitas as oportunidades de congraçamento da comunidade judaica. Em maio, a tradicional festa realizada na rua João Telles, no bairro Bom Fim, foi ainda mais animada, Seja nas aulas de dança israeli contemporânea, que mistura a influência de várias culturas e povos, incorporando movimentos que refletem o trabalho e esforço dos primeiros colonizadores (cavar, construir, irrigar), seja nas aulas de Krav Magá (em hebraico, “combate próximo”), um sistema de defesa pessoal baseado na simplicidade e eficiência que busca evitar a agressividade, a Hebraica-RS vai se consolidando como espaço de convivência do povo judeu em Porto Alegre

em razão das comemorações dos 60 anos do Estado de Israel.

Na Associação Israelita Hebraica, outro jovem e sua diretoria vem trabalhando para resgatar

o espaço de convívio que conta com uma das melhores infra-estruturas do país. Joel Fridman e seus companheiros assumiram o clube em dezembro de 2005, e vem se empenhando para resgatar os velhos e bons tempos da Hebraica, que passou por um momento de crise: “O clube é o ponto de encontro da comunidade. É onde todos podem se encontrar em festas, em um joguinho ou mesmo para um bate-papo agradável. O ambiente é o melhor possível, o clima de camaradagem é constante e as atividades são sempre saudáveis e agradáveis”, acredita Joel. Entusiasmado, ele garante: “É um verdadeiro milagre de Chanuká o que está acontecendo. As luzes estão novamente se acendendo. A alegria está voltando. O sorriso está novamente nos lábios dos integrantes da comunidade judaica de Porto Alegre.”

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Judeus

Esforço e talento recompensados

Entre os mais jovens, pode parecer novidade, mas os moradores mais antigos de Porto Alegre

lembram bem: figuras como o klienteltshik e o gravatnike se transformaram em ícones das profissões exercidas pelos judeus da Capital gaúcha, e entraram para a história, em especial do bairro Bom Fim.

Foi graças aos klienteltshiks que muita gente conseguiu comprar principalmente tecidos, mas

também roupas prontas, já que estes profissionais batiam de porta em porta, vendendo seus artigos em prestações. De tão organizados, chegaram a ter uma cooperativa e se distribuíam por regiões, para evitar a concorrência predatória entre eles mesmos. Rendas e bordados e outras miudezas também eram vendidas nas ruas, mas por serem artigos mais baratos, em geral eram pagos à vista. Ainda no segmento da venda direta ao consumidor existiam os gravatnike, que saíam pelas ruas levando na mão alguns modelos de gravatas oferecidas aos passantes.

Entre os muitos herdeiros desta tradição está a família Wainberg, dona da Rainha das Noivas,

empresa que em 2008 comemora 60 anos. É uma das mais tradicionais casas de comércio voltadas para as camadas populares, cuja estratégia é focada no crédito facilitado – exatamente como faziam seus antecedentes.

Já os judeus que possuíam alguma habilidade manual construíam outro tipo de alternativa:

tratavam de montar seu próprio negócio. Foi desta forma que surgiu o núcleo de lojas de móveis da avenida Oswaldo Aranha, famoso até poucos anos atrás, cuja origem remonta às pequenas oficinas de marceneiros judeus ali estabelecidas. Simultaneamente, na mesma região surgiu o embrião do que viriam a ser grandes confecções, graças às mãos habilidosas de judeus alfaiates.

Mas paralelamente àqueles que se dedicavam ao comércio, contam-se às centenas, quem sabe

aos milhares, os homens e mulheres de origem judaica que, graças a uma formação familiar e escolar de primeira linha, hoje ocupam posições de destaque entre os profissionais liberais. São médicos, arquitetos, jornalistas, publicitários, engenheiros, dentistas, advogados, músicos, atores, artistas plásticos, escritores, enfim, em qualquer atividade que prescinda de inteligência, força de trabalho e talento, é lá que você vai encontrar pelo menos um representante do povo de Israel. Em 2008, a tradicional festa da comunidade judaica de Porto Alegre, realizada na rua João Telles, entre Oswaldo Aranha e Henrique Dias, esteve ainda mais animada em razão dos festejos dos 60 anos do Estado de Israel

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Judeus

Mesmo que não tivesse sido eleito para a Academia Brasileira de Letras em 2003, ainda assim Moacyr Scliar seria considerado imortal pela comunidade judaica gaúcha. Nascido em Porto Alegre em 23 de março de 1937, publicou mais de 70 livros, entre crônicas, contos, ensaios, romances e literatura infanto-juvenil. Suas obras freqüentemente abordam a imigração judaica no Brasil, mas também tratam de temas como o socialismo, a medicina (ele é médico sanitarista), a vida da classe média, entre outros, tendo sido reconhecidas inúmeras vezes, nacional e internacionalmente

Fundada em pleno verão porto-alegrense do ano de 1948, a Rainha das Noivas iniciou as atividades com a confecção de vestidos de noiva e enxovais. Sempre sob o comando da família Wainberg, hoje a rede soma 32 lojas distribuídas entre a Capital, Região Metropolitana, Litoral e interior do Estado. Atualmente, o grupo tem Saul Wainberg como presidente do Conselho, que conta com o apoio dos filhos Rafael, Alexandre e Fabiano na administração do negócio. A mãe de Saul, esposa do fundador, Jayme Wainberg, esteve presente à solenidade de reinauguração da tradicional loja da rua Vigário José Inácio, centro de Porto Alegre, em 10 de julho de 2008

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Negros

Com a alma dos ancestrais

As generalizações são sempre perigosas, mas luta, resistência e determinação são três palavras

que ajudam a entender como tem sido a história dos negros em território gaúcho. Primeiramente na condição de subempregados ou escravos, depois na de libertos – porém na prática quase excluídos de alternativas dignas de sobrevivência – e finalmente, nos tempos modernos, em que a batalha passou a ser contra o preconceito racial e a discriminação social, ser negro no Rio Grande do Sul (Estado brasileiro em que há o segundo maior percentual de pessoas que se autodenominam como brancas) significa ter que fazer um pouco mais do que os demais para ser igual. E olhe lá, porque se, além de negro, for pobre (situação menos incomum do que se desejaria), aí mesmo é que as possibilidades de ser tratado com dignidade se reduzem ao mínimo.

Mas também é preciso dizer que, diante de um cenário histórico complexo como esse, em

que o ressentimento e o rancor se justificariam no dia-a-dia das relações, o que marca a presença dos negros gaúchos é uma característica bem distinta: a alegria. Seja na música, na cultura, na política, na espiritualidade, na gastronomia, nos movimentos sociais, nas comunidades quilombolas, no esporte, em qualquer atividade.

Para se comprovar esta tese, basta lembrar de alguns negros que se tornaram figuras conhecidas

recentemente, obviamente graças a sua capacidade de reverterem uma condição social que lhes reservaria uma posição diferente, se não fossem determinados. O ex-governador Alceu Collares é a descontração em pessoa. Ronaldinho Gaúcho não pára de rir. O músico Giba-Giba é sinônimo de Darcy (esq.) nasceu em Dom Pedrito e Isaura é de Vacaria, enquanto Clarice nasceu em Porto Alegre e Ingo é de Ijuí. Os dois casais representam a miscigenação entre brancos e negros, a mais comum entre casais mistos brasileiros, mas também mostram a integração das diversas regiões do Estado

pura simpatia. A líder comunitária Gessi da Rosa Fontoura até tenta disfarçar, mas não esconde o sorriso quando vê uma máquina fotográfica por perto. Os homens e mulheres que movimentam o Carnaval gaúcho, ou a diretoria da Sociedade Floresta Aurora também são pura descontração.

Nem todos os negros, sejam eles gaúchos ou não, são iguais, como também não são os brancos,

os amarelos, os índios. Mas mais certo do que o fato de que eles foram fundamentais na construção deste Estado, só mesmo reconhecer que, para isso, tiveram e ainda têm que tirar lá do fundo de sua alma a força e a capacidade de luta de seus ancestrais. Para com elas pintar de branco o sorriso de quem sobreviveu, apesar de tudo.

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Negros

Taison, de Pelotas, e Anderson Pico, de Porto Alegre, são os únicos jogadores negros gaúchos atuando na dupla Gre-Nal em 2008. Eles representam uma tradição de futebolistas como Everaldo, lateral do Grêmio e tricampeão mundial com a Seleção Brasileira, em 1970, e Tesourinha, que se destacou no chamado Rolo Compressor do Internacional, hexacampeão gaúcho nos anos 40. Ele também chegou à Seleção Brasileira, e posteriormente veio a ser o primeiro negro a jogar no Grêmio, em 1952

Eles são amigos, mas não lembram de terem posado antes para uma foto juntos. Sejalmo de Paula Nery (esq.) foi carregador de lenha em Vacaria, onde nasceu. Passou boa parte de sua infância em internatos, raramente vendo os pais. Aos 18 anos, tornou-se vereador em São Leopoldo, e anos depois chegou ao cargo de desembargador do Tribunal de Justiça gaúcho. Alceu Collares, natural de Bagé, veio de família pobre e teve que parar de estudar aos 11 anos. Foi quitandeiro, carteiro e telegrafista. Em 1964, elegeu-se vereador pela primeira vez; foi deputado estadual e federal e prefeito de Porto Alegre, mas o ápice de sua trajetória política se deu em 1990, quando foi eleito o primeiro governador negro da história do Rio Grande. Paulo Paim nasceu em uma casa simples de Caxias do Sul e começou a trabalhar aos oitos anos. Sua atuação no Sindicato dos Metalúrgicos de Canoas e à frente da CUT-RS, anos depois, o levou à Câmara Federal, onde foi deputado de 1987 a 2003. No ano seguinte, elegeu-se Senador da República. Foi indicado seis vezes como um dos cem parlamentares mais influentes do Poder Legislativo

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Em nome da dignidade

A presença dos negros em território sul-riograndense não se iniciou com o tráfico de escravos

para as charqueadas, no século 19, como comumente se imagina. Mesmo antes do início da colonização oficial do Rio Grande do Sul, em 1737, alguns negros já circulavam pelo território sulino, a tal ponto que participaram da fundação da Colônia de Sacramento, em 1680. Também tomaram parte na

1.inserir foto Debret

fundação de Laguna, em Santa Catarina, em 1684, e mesmo na Guerra Guaranítica, em 1750, assim como nos conflitos com os militares espanhóis, em 1770, quando foram lanceiros. Há registros de mão-de-obra escrava nas lavouras de trigo pertencentes a açorianos e portugueses, por volta de 1780, assim como nas Feitorias do Linho-Cânhamo de Canguçu e, posteriormente, São Leopoldo, até 1824, quando chegaram os imigrantes vindos da Alemanha.

Mas foi mesmo durante o ciclo do charque, em especial na Metade Sul, que grandes

contingentes de escravos, em sua maioria trazidos por traficantes da África, mas também negros nascidos no Brasil, ocuparam o Estado. Por ironia, trabalhavam em condições bastante precárias para produzir o principal alimento dos negros cativos que trabalhavam nas lavouras de cana-de-açúcar do Nordeste brasileiro.

Os negros nunca aceitaram passivamente a condição escrava, e por isso são inúmeros os registros

de fugas e de formação de pequenos quilombos, com no máximo 20 integrantes, ao longo de todo o século 19. Em troca da promessa de alforria quando terminasse o conflito, participaram ativamente em diversos combates durante a Revolução Farroupilha (1835-1845), quase sempre como lanceiros. Estima-se que chegaram a representar de um terço à metade das tropas revoltosas. Até hoje é motivo de controvérsia o episódio da Batalha de Porongos, em 1844, quando tropas imperiais comandadas pelo Coronel Francisco Pedro de Abreu – conhecido como Moringue – atacou o exército farrapo, pegando desprevenido o Corpo de Lanceiros Negros e eliminando em torno de cem soldados. Eram As charqueadas marcaram o primeiro grande ciclo econômico gaúcho, mas simbolizaram também o momento de mais intensa exploração da mão-de-obra escrava, tanto de negros nascidos no Brasil, chamados crioulos, como de negros vindos da África. A Charqueada São João, em Pelotas, preserva resquícios dessa época e hoje recebe turistas e visitantes interessados em conhecer um pouco mais sobre este momento histórico relevante

na maioria escravos que lutavam para obter a liberdade sob as ordens do General David Canabarro, que supostamente os teria traído. Também em 1844, Porto Alegre e Pelotas anteciparam-se ao movimento abolicionista que teria seu ápice mais de 40 anos depois no país, libertando os escravos das suas cidades, os quais, entretanto, deveriam seguir prestando serviços a seus antigos donos por um período de cinco anos. Em 1888, com a extinção da escravatura no Brasil, iniciaram sua luta em busca de dignidade, uma vez que a libertação significou muito mais o abandono dos negros à própria sorte do que propriamente a conquista da liberdade efetiva.

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Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

Gessi da Rosa Fontoura é presidente da associação de moradores do Quilombo do Areal, no bairro Cidade Baixa, comunidade que se reconhece como legatária do Areal da Baronesa, antigo território negro de Porto Alegre. O Areal é historicamente famoso pelas casas de religião, pelo carnaval de rua e por seus músicos populares. Das 71 famílias da comunidade quilombola (de descendentes de escravos), mais de 50% moram no local há mais de 20 anos

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Negros

A Sociedade Floresta Aurora é um dos principais ícones da comunidade negra de Porto Alegre, mas sua importância extrapola os limites do Estado, uma vez que o clube existe desde 1872 – surgiu, portanto, antes mesmo da abolição da escravatura no país. Um de seus fundadores foi João Cândido, também conhecido como Almirante Negro, que em 1910 viria a ser líder da Revolta da Chibata, no Rio de Janeiro, um dos fatos mais importantes da história brasileira. A primeira sede ficava na esquina das ruas Floresta (hoje avenida Cristóvão Colombo) e Aurora (atual Barros Cassal), daí a singela e curiosa origem do nome. A sede atual está situada na Zona Sul de Porto Alegre, à margem do Guaíba, na Rua Coronel Marcos

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Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

César Passarinho morreu há 10 anos, em 15 de maio de 1998, mas sua voz segue ecoando nos corações e na alma dos gaúchos que cultivam o nativismo. Vencedor de várias Calhandras de Ouro (o principal prêmio das Califórnias da Canção de Uruguaiana) e eleito melhor intérprete em inúmeros festivais, César Escoto nasceu em Uruguaiana e descobriu os festivais de música gauchesca em 1973. Suas interpretações de Guri e Negro da gaita são consideradas marcos no tradicionalismo gaúcho, do qual ele é hoje um dos mais importantes ícones

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Negros

Construtores de identidade

O Estado brasileiro com o segundo maior percentual de habitantes que se dizem de origem

branca (86%) pode até não reconhecer, mas o fato é que os negros têm presença destacada em praticamente qualquer segmento de nossa sociedade. A começar pelo Hino Riograndense, que de algum tempo para cá passou a ser cantado com muita emoção nos estádios de futebol, em especial quando times gaúchos se defrontam com equipes de fora. Pois sua letra foi composta por um negro há 170 anos – o maestro Joaquim José de Mendanha, mineiro de nascimento e que por aqui se estabeleceu na época da Revolução Farroupilha.

No que se refere à espiritualidade, de outra parte, a presença de religiões afro-brasileiras é

marcante no Estado. De acordo com o Censo de 2000, há mais terreiros de freqüentadores da Umbanda e do Batuque no Rio Grande do Sul do que na Bahia ou qualquer outro Estado brasileiro, com exceção do Rio de Janeiro.

Políticos, sambistas, músicos, intérpretes – como o saudoso César Passarinho, negro cuja voz se

transformou em ícone do nativismo -, religiosos, jogadores de futebol, líderes comunitários. Homens e mulheres de projeção, hoje ou no passado, como Daiane dos Santos e Lupicínio Rodrigues, ou não tão conhecidos, como as líderes comunitárias Marli Rodrigues, da Zona Norte de Porto Alegre, e Rozeli da Silva, da Restinga, Zona Sul. Nomes como o de Sami Cristina Goulart, que não tinha emprego, conseguiu vaga em uma oficina de informática e hoje é educadora de um programa de inclusão digital e dá aulas em uma ETI – Escola de Tecnologia da Informação. Ou como o de Paulo César, o Paulinho, que coordena a oficina de percussão Areal do Futuro, do quilombo do Areal, na O maestro Mendanha, mineiro de nascimento que se mudou para o Rio Grande do Sul à época da Revolução Farroupilha, é o autor da letra do Hino Rio-grandense, composição cantada sempre com muito entusiasmo pelos gaúchos em solenidades oficiais e jogos de futebol, o que muito surpreende brasileiros de outras unidades da Federação, que raramente conhecem os hinos de seus Estados

Cidade Baixa. Nomes como o de Rodrigo Alves dos Santos, que há um ano recebe sorridente aos clientes fiéis da feijoada do Plazinha, servida no tradicional hotel de Porto Alegre desde 1977.

Nomes, nomes e mais nomes de negros – mas, mais do que negros, para além de sua cor

ou raça, nomes de cidadãos gaúchos, orgulhosos de sua terra e do quinhão que cada um tem na construção da identidade local.

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Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

A Academia do Samba, de Pelotas (acima, a Velha Guarda durante ensaio em 2008), é considerada a mais antiga escola de samba em atividade no Estado. A primeira escola gaúcha, entretanto, foi a General Vitorino, fundada em 1945, em Rio Grande, que durou 13 anos. Papel histórico importante é atribuído à Praiana, de Porto Alegre: em 1961, a escola inovou em seu desfile, apresentando, pela primeira vez, enredo, divisão em alas, baianas, mestre-sala e porta-bandeira, entre outros quesitos hoje incorporados ao carnaval

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Negros

As filhas Pamela, Vitória e Anna Micaelle (respectivamente com 14, 12 e 3 anos de idade) têm muito do que se orgulhar. Sua mãe, Sami Cristina da Rosa Goulart, é uma mulher determinada, capaz de superar inúmeras adversidades. Em 2007, com dificuldade para conseguir emprego, resolveu se inscrever em um curso de informática em uma organização social de Alvorada. Como não tinha recursos para pagar a mensalidade, pleiteou uma bolsa – e conseguiu. Alguns meses depois, e graças ao seu desempenho, Sami virou educadora do programa Cidadão Digital, uma parceria da Dell com a Fundação Pensamento Digital. Hoje, é ela quem dá aulas (na foto, Sami durante formatura de uma das turmas que comanda), mas segue estudando – agora está fazendo um curso de webdesigner

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Rio Grande do Sul: Seu Povo, Sua Alma

As versões sobre a origem da feijoada são contraditórias. Alguns pesquisadores crêem que sua origem tem a ver com receitas portuguesas. Outros asseguram que a utilização de partes menos nobres do porco acontecia durante o preparo do feijão nas senzalas, nos séculos 18 e 19, no auge da escravidão no Brasil. Como nem uma nem outra versão é confirmada com 100% de certeza, a feijoada segue sendo popularmente vista como uma das muitas contribuições da cultura afro, se não na sua criação, ao menos no seu enriquecimento. E a mais tradicional feijoada do Rio Grande do Sul é a servida aos sábados, no Hotel Plaza Porto Alegre, o Plazinha, que mantém esta tradição desde 1977, atraindo em média cem pessoas a cada final de semana

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Negros

O Centro Espírita de Umbanda Luz e Caridade é a mais antiga casa de umbanda do Brasil – em 2008, completou 151 anos de atividades ininterruptas. Pai Áureo de Ogum, bisneto da fundadora, é o zelador de santo (o responsável pela continuidade da casa, papel diferente do pai de santo, que recebe entidades espirituais). Ele conta que a instituição, ao longo dos anos, dezenas de professores, militares e políticos, além da população em geral

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Notas PASSEIWEB. Disponível em: <http://www.passeiweb.com/saiba_mais/voce_sabia>. Acesso em: 18 abr. 2008. PAULO PAIM. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/paulopaim/default.htm>. Acesso em: 22 mar. 2008.

O livro Rio Grande do Sul: Seu povo, Sua alma foi concebido com um cunho preponderantemente jornalístico, ainda que tenha buscado referências históricas para a produção do conteúdo. A coordenação editorial buscou selecionar recortes do cotidiano atual e do passado de nosso Estado, com foco naqueles que são de maior domínio do público em geral, buscando agregar algumas curiosidades e informações inusitadas, sempre que possível.

PORTAL ITÁLIA. Disponível em:<http://www.portalitalia.com.br>. Acesso em: 18 abr. 2008.

As oito culturas e etnias são apresentadas em ordem alfabética, e foram escolhidas em

PORTO ALEGRE.

razão da unanimidade quanto à sua importância para a formação cultural, econômica

Disponível em: <http://www2.portoalegre.rs.gov.br>. Acesso em: 18 abr. 2008.

e social de nosso Estado, o que não significa que outros povos também não tinham tido

PRATO, Doroti (Coord.). Integração literária: antologia 2004: 180 anos da imigração

papel relevante.

alemã. São Leopoldo: Oikos, 2004. 156 p. PRIKLADNICKI, Fábio. Uma saga de privações e conquistas. Aplauso: Cultura em Revista, Porto Alegre, n. 60, p. 30-37, 11 nov. 2004. Título de capa: Cem anos de fé.

As fotos deste livro foram produzidas pela equipe da Agência Preview - Jefferson Bernardes, Itamar Aguiar e Lucas Uebel, com exceção das seguintes:

– arquivo pessoal Ricardo Bueno: página 12

– arquivo pessoal Ana Zenaide Gomes Ourique: página 36

– acervo Museu Visconde de São Leopoldo: fotos históricas das páginas 49,

53, 58, 59, 62 e 63

– Agência RBS: páginas 72, 77, 136, 137 e 156

RIO GRANDE DO SUL.

– acervo Museu Júlio de Castilhos: fotos históricas páginas 83, 87, 153 e 157

Disponível em: <http://www.riogrande.rs.gov.br>. Acesso em: 20 mar. 2008.

– acervo Museu Bento Gonçalves: fotos históricas páginas 97, 103, 109 e 115

– Luiz Chaves: página 114

– acervo grupo Kadima: página 134

– acervo Federação Israelita do Rio Grande do Sul: página 144

– acervo Sociedade Floresta Aurora: foto histórica página 155

– arquivo pessoal Gilberto Gomes: página 158

– arquivo pessoal Sami Goulart: página 159

REVISTA DIGITAL. Disponível em: <http://www.revistadigital.com.br/>. Acesso em: 20 mar. 2008. RIBEIRO, Pascoalino Lopes. História da nossa história: Festa do Divino em Osório, RS. Osório: Ed. Jornalística Rota do Mar, 2007. 32 p.

SHVOONG. Disponível em: <http://pt.shvoong.com>. Acesso em: 18 abr. 2008. SILVA, Gilberto Ferreira da; SANTOS, José Antônio dos; CARNEIRO, Luiz Carlos da Cunha (Org.). RS negro: cartografias sobre a produção do conhecimento. Porto Alegre: EdiPUCRS, 2008. 352 p. SITE DE DICAS. Disponível em: <http://sitededicas.uol.com.br>. Acesso em: 15 abr. 2008. SOUSA, Andréia da Silva Quintanilha (Org.). O negro no Rio Grande do Sul. Porto Alegre: IPHAN, 2005. 26 p. WIKIPEDIA. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org>. Acesso em: 13 fev. 2008.

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