Galópolis e os Italianos

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Ricardo Bueno

Quattro Projetos Porto Alegre, RS, Brasil Novembro de 2012


projeto cultural Rosangela Vasquez Elmo

rosangelaelmo@gmail.com

coordenação executiva Flavio Enninger / Quattro Projetos coordenação editorial Ricardo Bueno / Alma da Palavra

QUATTRO PROJETOS www.quattroprojetos.com.br

edição e textos Ricardo Bueno / Alma da Palavra

quatro@quattroprojetos.com.br

revisão Fernanda Pacheco / Alma da Palavra

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projeto gráfico e editoração eletrônica Pedro Biz

ALMA DA PALAVRA

fotografia Marcelo Donadussi

51 3126.2528

impressão Gráfica e Editora Pallotti

contato@almadapalavra.com.br

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação ( CIP )

B928g

Bueno, Ricardo Galópolis e os italianos : patrimônio histórico preservado a serviço da cultura / Ricardo Bueno. – Porto Alegre: Quattro Projetos, 2012. 144 p. : il. color. ; 31 x 26 cm. História de Galópolis, Caxias do Sul, RS e sua colonização italiana. ISBN 978-85-64393-04-2. 1. Galópolis (Caxias do Sul/RS) – História. 2. Imigração italiana – Rio grande do Sul. I. Título REALIZAÇÃO

CDU 981.65 (Caxias do Sul)

Bibliotecária Responsável: Denise Pazetto CRB-10/1216 – 51 3029.7042

Projeto Pronac 1111514 - Os italianos e Galópolis: história, tradição e cultura




Recordação e aprendizado José Galló Preservar e aprender com o passado é garantir o futuro de uma

Galló para auxiliá-lo no empreendimento têxtil. Se as velhas

nação. A recuperação e manutenção das duas residências que per-

paredes de madeira pudessem contar histórias, muitos livros po-

tenceram a Hércules Galló é a nossa contribuição para a memória

deriam ser escritos sobre o tanto que ocorreu nessas duas casas

de uma localidade chamada Galópolis. Estas duas casas de ma-

– alguns desses episódios estão relatados nesta publicação.

deira tem aproximadamente 100 anos de história. Receberam e

Particularmente, uma parte da minha história foi vivida ali.

abrigaram a família e o fundador de uma indústria têxtil, a qual

Nasci na residência maior e morei em Galópolis até os nove anos

ainda hoje se encontra em frente a estas duas residências.

de idade. Convivi com vários personagens ligados a Hércules: sua

Podemos imaginar o que foi a chegada dos primeiros imi-

esposa, Edwige; seus filhos, Pinot – meu pai – e Olga. Infelizmente,

grantes à região que hoje abriga Caxias do Sul e muitas outras

não tive a oportunidade de conviver com meu avô. De outra

cidades ao seu redor. Foi uma longa trajetória que, no caso de

parte, perdi meu pai quando tinha dois anos de idade. Ainda

Hércules Galló, se iniciou na longínqua Itália, mais exatamente

assim, foram momentos de uma infância feliz e cheia de aconte-

na província de Biella, na região do Piemonte.

cimentos marcantes que muito contribuíram para formar meus

Estabelecer-se numa terra distante e desconhecida foi um

valores pessoais.

enorme e heroico desafio. E, certamente, a construção da primei-

Agora, rumo ao futuro. Esta recuperação proporciona um

ra casa teve um grande significado para Hércules e sua família:

espaço para resguardar a história e criar oportunidade para que

enfim, após uma longa caminhada, havia um teto amigo para

muitas pessoas conheçam este passado. Espero que as duas resi-

abrigá-los, lugar onde poderiam oferecer um novo lar aos que lhe

dências abriguem eventos que engrandeçam Galópolis e toda a

eram caros. Com o tempo, houve a oportunidade de partir para a

sua gente.

construção de uma segunda – e maior – casa de madeira.

Estou muito feliz por entregar à comunidade essas duas casas.

Estas duas casas receberam e hospedaram generosamente

O futuro distante não me pertence. Pertencerá a todos os que

muitos amigos e companheiros, já que com o crescimento da te-

nesses espaços tiverem o privilégio de viver momentos de recor-

celagem, outros imigrantes italianos foram trazidos por Hércules

dação e aprendizado. 9


Com a energia do espírito de preservação Renato Solio Galópolis é um daqueles raros lugares em que uma pessoa se

escolheu viver e empreender, de forma a que dessa interação uma

sente envolvida pela autenticidade do passado em meio a um pre-

Galópolis com qualidade de vida desabrochasse. Hércules e sua

sente rico em registros históricos. A vila, hoje bairro de Caxias do

esposa, Edwige, pautaram suas existências por muita coragem e

Sul, nasceu e se desenvolveu ao acolher imigrantes que, com sua

determinação. A distância da terra natal e as dificuldades encon-

vontade de fazer e vencer, deixaram um legado valioso. A estru-

tradas do outro lado do oceano foram superadas com trabalho

tura urbana e arquitetônica de Galópolis é um raro exemplo de

e participação na vida comunitária. Fica para nós o imaginário de

patrimônio preservado, construído a partir de valores marcantes.

como construíram essa trajetória, tendo como referências obje-

A arquitetura tem o poder de retratar as condições sociais,

tos, fotos, documentos, móveis – e as duas residências.

culturais e econômicas de uma época. Estes valores preservados

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nos encantam e deixam para as futuras gerações o entendimento

EMOÇÃO E TÉCNICA

do momento histórico no qual tiveram origem. No caso de Galó-

O trabalho de intervenção nas duas casas foi um imenso aprendi-

polis, eles nos falam sobre personagens que transitaram por ali no

zado. Nos últimos dois anos, conheci recantos, detalhes constru-

final do século XIX e durante o século XX.

tivos e arquitetônicos que haviam passado em branco na época

Nesse período, a presença de Hércules Galló deixou marcas

em que residi com minha família naquela que convencionamos

importantes, e as duas residências onde ele e sua família habita-

chamar de Casa 2. O envolvimento emocional e o aspecto técnico

ram são mostras deste legado. Ali encontramos detalhes constru-

se fundiram, em um trabalho que envolveu um grupo especial de

tivos em madeira e pedra que demonstram técnica e gosto por

personagens, de forma a que fosse possível restaurar o cenário da

trabalhos bem feitos. O resultado estético revela uma surpreen-

época de Hércules e Edwige.

dente qualidade na arte da edificação. Se retrocedermos no tem-

Restaurar uma edificação, ou uma obra de arte, é algo mui-

po e imaginarmos as dificuldades do início do século XX, compa-

to abrangente. Com regras e muito bom senso, todo trabalho de

radas às facilidades e tecnologias atuais, facilmente concluiremos

restauro oferece uma oportunidade de confirmar condutas que,

que estamos diante de um cenário refinado.

ao longo dos anos, são reavaliadas e documentadas nas famosas

E tudo porque o italiano Hércules Galló trouxe na sua baga-

cartas internacionais, como a de Atena e a de Veneza. Pesquisar,

gem esta cultura, e aplicou seus conhecimentos no lugar onde

trocar informações com técnicos e colegas, conversar com pro-


prietários de imóveis tombados; conhecer a legislação municipal,

alcançaremos o nosso primeiro milênio de história – é preciso

estadual e federal. Este é o início da preparação de um projeto de

reconhecer que somos jovens neste quesito. Mas no caso do mu-

intervenção, que deve ser sempre muito bem planejado. No caso

nicípio de Caxias do Sul, onde estão situadas as casas de Hércules

das duas casas, o terreno onde estão edificadas dispõe de uma

Galló, a legislação faculta ao bem tombado algumas compensa-

área de mais de 16.000m². Encontramos no regramento ambien-

ções. O proprietário do imóvel, ao receber índices construtivos

tal e da BR-116 grandes limitações, as quais condicionaram o de-

proporcionais ao tamanho do terreno onde se encontra a

senvolvimento de um plano diretor com poucas áreas novas edifi-

edificação, pode vendê-los e, com a receita obtida, investir no res-

cáveis, as quais estão concentradas na sala multiuso, no elevador,

tauro e na manutenção da edificação. Esses índices têm valores

nas rampas, nas escadas, no estacionamento e nos sanitários.

regulados pelo mercado, e são adquiridos por pessoas físicas e ju-

Os levantamentos métricos e fotográficos possibilitaram a

rídicas que desejam aumentar o potencial construtivo em futuras

representação gráfica das edificações. A partir deste momento,

edificações. É um mecanismo através do qual o município regula-

quando detalhes construtivos foram graficados em 2D e 3D, pas-

menta e controla tanto o tombamento quanto a comercialização

samos a dispor de registros fiéis das duas casas. Este tipo de repre-

dos índices junto à iniciativa privada, sem que recursos públicos

sentação nos oferece ótimas condições para diagnosticar e prever

sejam envolvidos. Apenas uma isenção é concedida ao imóvel:

o grau de intervenção a ser aplicado. Mesmo assim, com o andar

a do IPTU anual.

das obras, sempre surgem surpresas que exigem tomadas de decisões, caso a caso, para solucionar o inesperado.

UM NOVO MOMENTO Em síntese, posso afirmar que esta jornada foi marcada por uma

INCENTIVO À PRESERVAÇÃO

energia muito positiva. Imagino que Galópolis e seus habitantes

No início dos trabalhos, em duas ocasiões, em dias diferentes,

poderão se contaminar com este espírito de preservação. Esta-

motoristas que trafegavam pela BR-116 pararam seus veículos,

mos dando o exemplo para que, em breve, possamos comparti-

desceram e fotografaram as casas. Até aquele momento, as edi-

lhar um sítio que cresce e se desenvolve a partir de seu passado,

ficações não tinham passado por qualquer tipo de intervenção, e

com o patrimônio histórico atraindo o turismo; um inédito ciclo

explicitavam sua imensa fragilidade. Confirmei, então, o interes-

econômico, em um ambiente harmônico, despertando uma Ga-

se que naturalmente ambas as construções despertavam. E logo

lópolis que vive de sua história e acorda para um novo momento.

veio a certeza de que poderíamos, de fato, transformar o local em

É chegada a hora de valorizar o trabalho de tantos artesãos que

um exemplo de preservação.

construíram esta paisagem, para que ela possa ser apreciada pelas

Mais do que isso: com a criação das leis de preservação do Patrimônio Histórico, muitos de nós passaram a ter a oportunidade de trabalhar com valores históricos seculares. Até porque um dia

futuras gerações. 11


Eterno descobrir Ricardo Bueno

Quando convidou-me para participar de mais essa iniciativa, a

E foi somente em 22 de agosto, uma ensolarada quarta-feira,

exemplo de tantas outras que temos desenvolvido com sucesso

que o momento tão esperado aconteceu. Eu havia agendado para

nos últimos anos, o diretor da Quattro Projetos, meu amigo Flavio

o início da tarde uma visita à Cootegal, onde entrevistaria os atu-

Enninger, jamais poderia imaginar que estaria me proporcio-

ais diretores do lanifício que nasceu do espírito cooperativo de 22

nando uma nostálgica volta ao passado e um inédito contato com

artesãos vindos da Itália em fins do século XIX (e que um século

minhas origens. Ele não sabia, até então, que minha mãe, Inês,

depois voltaria a ser uma cooperativa, vejam só). No dia anterior,

havia nascido em Galópolis, em 1936. O vínculo afetivo com o

comentei com Carlos Canutto, cuja família viveu mais de 45 anos

projeto, portanto, ficou estabelecido de imediato. E para quem

em uma das casas de Hércules Galló, que minha mãe deveria ter

dirige uma empresa chamada Alma da Palavra, como é o meu

parentes vivos em Galópolis. Quando citei o sobrenome Gabrielli,

caso, o envolvimento emocional é sempre um diferencial impor-

ele perguntou a dona Guilhermina, sua mãe: “O Gaúcho não é

tante – e mais do que isso, um privilégio, uma espécie de bênção

Gabrielli? Vamos passar lá amanhã. Sei onde ele mora.”

das tantas e tão distintas narrativas que temos produzido.

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Por volta das 13h30min, entramos em uma rua estreita, na

Pois foi assim, na condição de filho de uma filha de Galó-

parte alta, de onde se tem uma vista panorâmica que inclui o lani-

polis – a qual havia deixado a localidade muito cedo, em vista

fício. Comentei com Canutto sobre a interessante arquitetura de

da morte precoce de minha avó, quando minha mãe ainda era

uma casa que ficava à direita da rua, ornada de uma forma bastan-

criança, e de meu avô, antes da mãe completar 15 anos – que ini-

te original, com pedras, madeiras e peças metálicas. “Pois é aqui

ciei as leituras, pesquisas, contatos informais e, finalmente, as

que o Gaúcho mora”, respondeu Canutto, enquanto estacionava.

entrevistas. Sempre tendo em mente que a qualquer momento

“E não é que meu parente é uma espécie de Gaudi da Serra?”, pen-

surgiria a oportunidade de descobrir algo mais sobre o passado

sei comigo mesmo, lembrando o originalíssimo e genial arquiteto

de minha genitora, que por razões óbvias nunca fez muita ques-

espanhol que construiu sete monumentos em Barcelona. Isidro

tão de relembrar sua sofrida infância, fui descobrindo a história

Gabrielli, 62 anos, primo de minha mãe (ele é filho de Pefanni

de Galópolis e encaixando as peças do quebra-cabeças que resul-

Gabrielli, irmão de meu avô, Guilherme) só não é um artista con-

taria nesta publicação.

sagrado porque não quer. Sua casa e várias construções em torno


dela foram erguidas por ele seguindo a filosofia de que “esse negó-

sabíamos que ele era avô de José Galló, o diretor-presidente da

cio de colocar uma pedra em cima da outra, todas do mesmo tama-

Lojas Renner.

nho, bem alinhadinhas, não é comigo. Tem que dar uma mexida, senão fica tudo igual”. Meu tio-avô é um talento desconhecido.

Concluí que sempre há muitas coisas para descobrirmos, não apenas sobre Galópolis, mas também sobre nós mesmos. Esse

A exemplo de quase 100% da população de Galópolis, Isidro

é um dos objetivos do Instituto Hércules Galló, a propósito: ao

também trabalhou no lanifício, assim como seu pai. Foi admitido

relembrar a trajetória dos homens e mulheres que construíram

por volta de 1953, quanto tinha pouco mais de 15 anos, mesma

o patrimônio histórico e cultural de Galópolis, preservando duas

idade em que uma das irmãs, Lídia, também começou a traba-

de suas inúmeras casas centenárias, o IHG será o propulsor de

lhar na empresa então comandada pela família Chaves Barcellos.

sabe-se lá quantas descobertas para um sem-número de pessoas

O apelido “Gaúcho” nasceu do hábito de estar sempre com um

– as que conhecem e eventualmente moram em Galópolis, mas

chapéu (que guarda até hoje), mesmo quando estava trabalhando.

principalmente para as que nunca estiveram lá, e não sabem o

Depois de 25 anos no setor de confecção dos fios, onde havia sem-

que estão perdendo. O instituto, assim, vai contribuir para que

pre muito barulho e pó, relembra, aposentou-se em 1979, passan-

a localidade desperte para uma vocação até agora pouco explo-

do a trabalhar desde então como pintor.

rada: a do turismo cultural e histórico. Sabe-se lá se meu tio-avô

É possível que minha mãe conheça Isidro pessoalmente,

Isidro não vai acabar sendo sensibilizado por todo esse processo

quando voltar a Galópolis neste mês de novembro de 2012, para

de resgate de memórias e riquezas, dando vazão de forma mais

o lançamento do livro e apresentação das casas. Com certeza vai

efetiva a seu talento criativo. Com mais de 120 anos, não é que

ser um momento de muita emoção. De minha parte, este traba-

Galópolis está renascendo?

lho ficará para sempre marcado na lembrança. Afinal de contas, foi graças a esta oportunidade que confirmei o que já sabia – que Galópolis é o lugar onde minha mãe nasceu –, mas também que descobri muitas coisas. Por exemplo: Galópolis não é a “terra do galo”, como costumava comentar meu pai, nas inumeráveis viagens que fizemos entre Vacaria e Porto Alegre nos anos 1970, na época em que eu, com 8, 9 anos de idade, precisava ir até a capital trocar o gesso, depois de alguma cirurgia corretiva da paralisia infantil. Não sabíamos que o nome nas placas da BR-116 na verdade tem origem no sobrenome Galló, e não na palavra galo. Não conhecíamos a figura fantástica que foi Hércules, nem tampouco

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capítulo 1

Os homens, a vila 16 capítulo 2

O patrimônio, a intervenção 70 capítulo 3

O instituto, o futuro 128 Fontes Consultadas 140

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OS HOMENS, A VILA

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O retrato da vida de Hércules Galló demonstra a concepçção que tinha de mundo, a capacidade de organização e liderança. Galló é o testemunho de uma caminhada de sucesso, onde os valores que o nortearam aparecem em cada etapa de sua vida, seja como homem público e de negócios, seja na sua vida familiar. (...) A bagagem trazida da experiência familiar, do outro lado do oceano, lhe permitiu construir um patrimônio marcado pela generosidade com aqueles que se dedicavam ao mundo do trabalho. O prestígio entre os operários, na sua vida como patrão, revela o respeito que atribuía ao trabalho e a forma como estabelecia as relações sociais pelo reconhecimento que atribuía aos resultados produzidos pelos operários de seu lanifício. (...) A vila operária, ao preservar sua memória, através de seu nome, oferece àqueles que construíram a riqueza da região um exemplo de homem que teve presente, em toda sua trajetória, o amor ao trabalho, o valor à liberdade e a consciência do público e do privado, valorizando a terra, superando obstáculos e resistências, com a certeza de que era possível construir o futuro."

Vania Beatriz Merlotti Herédia Hércules Galló – vida e obra de um empreendedor 19


PRIMEIRA PARTE

A era Galló

Foi somente em 1870, ano da sua unificação, que a Itália conse-

gente do campo para a cidade, provocando transformações radi-

guiu reunir seus muitos e dispersos reinos, repúblicas e ducados,

cais na economia rural. O trabalho artesanal passava a dar lugar

integrando-os em uma só nação. Naquela época, o sentimento

ao trabalho assalariado, e a energia a vapor pouco a pouco era

de “italianidade”, tal qual o conhecemos hoje, estava na verdade

adotada como substituta da força humana. E o primeiro ramo

relacionado apenas à região de origem de cada cidadão. “As dife-

da indústria a ser mecanizado foi justamente o dos tecidos. Cabe

renças entre o Norte e o Sul eram gritantes, sendo que um cam-

ressaltar que neste segmento foi a partir em especial das grandes

ponês do Sul não se identificava com o do Norte, e um cidadão

invenções, como a da máquina de fiar e do tear hidráulico, que

do Piemonte (região onde nasceu Hércules Galló) se assemelhava

muitas transformações aconteceram no processo laboral, como a

mais a um londrino ou parisiense que a um napolitano”, refere a

construção de prédios menos insalubres, melhores condições de

professora Vania Beatriz Merlotti Herédia.

higiene, disponibilidade de pronto-socorro no caso de acidentes,

Naquela conturbada segunda metade do século XIX, milhões de italianos que habitavam as zonas rurais passaram a não enxer-

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assistência em caso de doenças e fundos da velhice, entre outras medidas protetivas dos trabalhadores.

gar outra saída para fugir das péssimas condições de vida a não ser

O fato é que nem todos os emigrantes italianos sonhavam

emigrar. As dificuldades eram crescentes, em razão da crise eco-

com a possibilidade de se tornarem proprietários de terras, mesmo

nômica no campo, em parte causada pelo sucesso da revolução

que em algum lugar distante, já que as perspectivas no meio ru-

industrial, mas também como decorrência das mudanças políti-

ral da Itália de então não eram nada promissoras. Hércules Galló,

cas, que nem todos compreendiam. “Fazer a América”, portanto,

por exemplo, provinha de uma classe social que possuía bens. O

equivalia ao sonho de encontrar uma espécie de paraíso do outro

desafio além-mar, para ele, seria o de descobrir onde investir sua

lado do Atlântico. Assim, não é surpresa constatar que entre 1876

herança e outras economias. Seu horizonte era o de um empreen-

e 1901, emigraram nada menos que 5,7 milhões de italianos.

dedor, e não o de um agricultor à beira do desespero.

Afinal de contas, as relações feudais estavam se rompendo,

E tudo porque Hércules Galló nasceu em 26 de junho de 1869

enquanto o desenvolvimento dos meios de transporte, pelos

(um ano antes da Unificação Italiana) no Piemonte, província que

investimentos nas estradas e depois nas ferrovias, levou muita

também vivenciou a emigração de muitos de seus habitantes, mas


não de forma tão significativa quanto a que ocorreu no Vêneto, na

Naquele momento histórico, a indústria de lã, apesar da força

Lombardia, no Trentino-Alto-Ádige ou em Friulli-Venécia Júlia. A

que possuía na região de Biella, enfrentava dificuldades, como a

família Galló era de Biella, no Vale de Crocemosso. Na região, pre-

escassez de capital, o custo da matéria-prima, as dificuldades de

valecia a indústria de lãs, e nas zonas próximas, a indústria de algo-

transporte, a carga pesada dos impostos e o custo com maqui-

dão. Muitos emigrantes originários do Piemonte, portanto, tinham

nário. Foi com a morte do pai, em 1899, e a consequente divi-

como marcas, além da capacidade de trabalho, também a posição

são da herança com os irmãos, que Hércules tomou a decisão de

de algum sucesso na Itália, combinada com a noção de indepen-

emigrar. Aos 30 anos, no alvorecer do século XX, com uma filha

dência econômica, o espírito de aventura e de busca da fortuna.

de 10 anos e um garoto de 3, Hércules deixou a Itália para viver

Hércules, no caso, herdou do pai, proprietário de um lanifício,

no Brasil.

muitas habilidades. Estudou na Scuola Professionale di Biella,

Sua intenção era morar no Rio de Janeiro, onde inicialmente

a qual formava seus alunos para o mundo das artes, mas tam-

trabalhou em um cotonifício (manufatura de tecidos de algodão –

bém, e talvez principalmente, das indústrias mecânicas, fabris,

a palavra tem origem em cotton, que significa algodão, em inglês).

químicas, têxteis, de construção e ornamentos. Essa formação,

Depois, empregou-se na Sociedade Botafogo, como químico tin-

combinada com a experiência da família, garantiu a Hércules

tureiro. Não muito tempo se passou, e ele se transferiu para Porto

a possibilidade de acompanhar a era de inovações e se prepa-

Alegre, onde empregou-se na Fiação de Tecidos Portoalegrense,

rar para assumir os negócios dos Galló. O lanifício da família,

também como químico tintureiro. A empresa havia sido fundada

a propósito, era do tipo ciclo completo, com 12 teares. O pro-

em 1891 pelo Coronel Manoel Py, um comerciante da capital gaú-

duto podia ser produzido todo ali, ao contrário de muitos

cha que trabalhara na firma Chaves & Almeida (com quem Galló

outros empreendimentos, que dependiam de estrutura externa

se associaria anos depois), mas que decidiu abrir seu próprio ne-

ao seu negócio.

gócio no ramo têxtil.

Foi na época em que aprendia os segredos dos teares manuais

Retornando alguns anos na linha do tempo: mais ou menos

e mecânicos, vivenciando as atividades artesanais e industriais,

na mesma época em que Galló e Edwige se casaram, dois fatos

que Hércules conheceu Edwige Virginia Strona, nascida na re-

marcantes ocorreram, um no Brasil, outro na própria Itália. Na

gião da província de Vercelli, não muito distante de Biella, em 21

Serra gaúcha, após 15 anos de sua fundação, em 1875, como co-

de outubro de 1870. E com ela o jovem Hércules se casou, em 21

lônia agrícola, nasceu o município de Caxias do Sul, criado em

de abril de 1890, ele com 21 anos incompletos, ela ainda com 19.

20 de junho de 1890. Na Itália, o final do ano de 1890 e o início

Olga, a primogênita do casal, veio ao mundo no ano seguinte, em

de 1891 foram marcados por um conflito entre os operários e o

1891. Renato, o segundo filho, nasceria seis anos depois, em 1897.

proprietário do grande Lanifício Rossi, localizado em Schio.

21


22


Indignados pela redução de 20% em seus salários, os traba-

muitos italianos, em uma espécie de trabalho semiescravo, alguns

lhadores resolveram entrar em greve. A resposta patronal foi ime-

dos quais, inclusive, decidiram retornar para sua pátria. Outros

diata. Em uma época de direitos trabalhistas escassos, em que a

tantos abandonaram as fazendas e, graças a algumas economias,

força do capital imperava, os líderes do movimento grevista que

se estabeleceram como comerciantes, movimentando a econo-

eram casados e tinham família foram perdoados. Aos mais jovens

mia da capital paulista.

e solteiros, o Conde Rossi, proprietário do lanifício, apontou duas alternativas. Teria dito:

Cafeicultura à parte, um número significativo de italianos veio dar no Rio Grande do Sul. A grande maioria foi direcionada

– Ai bocia, o galera o Brasile.

pela Comissão de Colonização para a região da Serra, então co-

Em tradução livre:

nhecida popularmente como Campo dos Bugres, atual Caxias do

– Aos jovens/solteiros, a prisão ou o Brasil.

Sul. Ali, os recém chegados dirigiram-se para seus lotes, alguns

Foi assim que cerca de 308 tecelões embarcaram no vapor

em São Marcos (então chamada de região “dos polacos”), outros

Adria, em 28 de março de 1891, tendo como destino o Brasil, para

em Nova Trento (hoje Flores da Cunha), e outros localizados nas

onde milhões de seus conterrâneos estavam migrando, mais for-

imediações da 3ª, 4ª e 5ª Léguas, redondezas da Galópolis de hoje.

temente desde 1875, atraídos pela possibilidade de serem donos

Nesta época, Galópolis era conhecida por outros nomes,

de um pedaço de terra e, assim, retomar a qualidade de vida que

como “Cascata da 4ª Légua”, “Desvio do Monte” e, com mais fre-

um dia haviam alcançado. Ao desembarcarem no Brasil, muitos

quência, “La Val Del Profondo”, ou simplesmente “Il Profondo”,

desses emigrantes (agora na efetiva condição de imigrantes) op-

por estar localizada entre dois morros e 250 metros abaixo de Ca-

taram por permanecer em São Paulo, onde as lavouras de café

xias, tomando-se por base o nível do mar.

demandavam mão-de-obra, em decorrência da crescente produ-

De pronto os imigrantes que optaram por aquela região

tividade das terras roxas, em um momento de escassez de força

perceberam, de um lado, que seus lotes, em razão da geografia

braçal, após a abolição da escravatura, em 1888. O modelo de re-

montanhosa, eram pouco propícios para a agricultura, atividade

lacionamento acenado era o de concessão de terras e financia-

que, consequentemente, não lhes proporcionaria rendimento

mento dos equipamentos necessários para cultivo e manutenção

suficiente para manter as famílias. De outra parte, três ou quatro

das lavouras, mas com o compromisso da venda da produção para

deles intuíram o potencial que dois arroios do lugar ofereciam, no

os contratantes. O modelo se revestia de um aparente equilíbrio

sentido da água movimentar grandes rodas hidráulicas, as quais,

entre as partes, mas na prática resultou em endividamento de

por sua vez, acionariam outras máquinas e poderiam, quem sabe,

Edwige e Hércules Galló, pouco depois de sua chegada ao Brasil

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até gerar energia elétrica. Imaginaram que a água seria útil também para o serviço de lavagem e tinturaria. A ideia de construir um lanifício começava a brotar nas mentes daqueles artesãos e conhecedores das técnicas de industrializar a lã, homens simples, mas dotados de um forte espírito empreendedor e movidos pelo viés associativo. Decidiram, assim, fundar uma sociedade nos moldes de uma cooperativa, juntamente com outros poucos colonos que já habitavam a região. O nome do empreendimento faria uma homenagem ao rio que banha o Vaticano. Foi assim que surgiu, por volta de 1894, o lanifício batizado Sociedade (ou Società) de Tecidos Tevere. Oficialmente, a fábrica seria inaugurada alguns anos depois, mas mesmo antes da sociedade ser formalizada, aqueles imigrantes começavam a inscrever definitivamente seus nomes na história de Galópolis. Por volta de 1892, recém-chegados da Itália, eles decidiram construir uma capelinha de madeira, para em torno dela se reunirem aos domingos, rezar o terço e cantar a ladainha. Na capela, colocaram uma imagem de Nossa Senhora do Rosário de Pompeia, para que sob sua proteção pudessem, então, criar uma indústria, sustentar suas famílias e ter forças para encarar as eventuais tristezas e celebrar as alegrias, tudo em meio a muito trabalho e fé. Dez anos depois, essa capelinha se transformaria em uma construção maior, de alvenaria, a qual, por sua vez, seria substituída pela vistosa Igreja Matriz de hoje. Mas o ano de 1892 seguiu sendo uma referência importante para Galópolis, que em 2012, 24

a propósito, celebra seus 120 anos de história.

Comerlato, Berno, Casa, Bolfe e Mincato eram sócios da Società Tevere


Até a inauguração oficial da fábrica, em 1898, foram anos e

A fábrica produzia naqueles tempos chales, palas, panos para

anos de muita dedicação. Em 1894, um dos sócios da cooperativa,

capotes e fatiotas. Os artigos eram vendidos na fábrica, a varejo,

Octávio Curtolo, fez um pedido ao Intendente do município de

ou mascateados em Caxias, Antonio Prado, Garibaldi e arredo-

Caxias do Sul para transformar uma picada privada em estrada,

res. A lã era comprada em Porto Alegre, na barraca de um certo

permitindo a ligação de Galópolis com a sede. Naquele mesmo

Silveira Martins.

ano, Giuseppe Berno foi designado para viajar à Itália, onde tinha

O empreendimento cooperativado aproveitava os bons ven-

a missão de comprar vários teares de uma tecelagem em Schio

tos da política positivista da então Província de São Pedro, que

que havia falido (essa prática era muito comum na época, já que a

procurava estimular a industrialização, já que era mais conhecida

economia italiana passava por fortes instabilidades). A experiência

nacionalmente em razão de sua importância no setor primário

obtida no Lanifício Rossi foi decisiva para que os próprios imigran-

(agricultura e pecuária). Os negócios foram relativamente bem,

tes montassem os teares que foram trazidos da Europa por Berno.

a ponto da sociedade adquirir novos lotes de terra da família

José Comerlato (proprietário do terreno), João Batista Min-

Comerlato no Travessão Solferino. Por volta de 1903, entre-

cato (mestre de Tecelagem), José Berno (mestre da Tintura-

tanto, as vendas no atacado estavam em baixa, e os estoques,

ria), José Casa (mestre da seção de Cardas e gerente comercial),

muito altos. Assim, ao menos, registrou o jornal O Cosmopo-

Octávio Curtolo (mestre da Tinturaria), Egidio Casa (escriturário,

lita, de Caxias do Sul, em notícia que buscava sensibilizar os

ou guarda-livros), Ângelo Basso, Pedro Sbabo, Jacinto Vial, João

comerciantes da cidade para que fizessem mais encomendas

Sartori, Batista Tissot e José Bolfe são os nomes de alguns dos

para o lanifício. Foi nessa época que Hércules Galló conheceu

associados da cooperativa, cuja fábrica foi inaugurada em 28 de

a cooperativa.

janeiro de 1898. Para que a água chegasse até o barracão de ma-

De imediato, o empreendedor percebeu o potencial do ne-

deira, que media 10m x 40m, os italianos abriram um valo que

gócio. Avaliou as perspectivas de uma atividade como aquela na

partia da ferraria de José Comerlato, onde apanhavam a água

região da colônia, zona de muito frio, e portanto com grande

do Arroio Pinhal, passando embaixo de onde futuramente seria

aceitação de produtos de lã, e graças ao seu conhecimento da-

erguido o Colégio Chaves Irmãos, entrando nas terras de Comer-

quele modelo de empreendimento, com o qual havia lidado na

lato, sendo então desviada para a fábrica por um canal de madeira

Itália, decidiu dar uma guinada em sua vida. Com as economias

que se elevava a 20 metros acima do assoalho do galpão. A água,

de que dispunha, decidiu comprar as ações que lhe dariam o co-

assim, acionava uma roda de madeira de 10 metros de diâmetro.

mando da cooperativa em 1904, rebatizando a empresa como

25


Companhia de Tecidos de Lã. Naquele mesmo ano, mandou erigir aquela que seria sua primeira residência em Galópolis, para onde mudou-se com a mulher, Edwige, mais os filhos, Olga, então com 13 anos, e Renato, com 7. Iniciava-se, assim, a trajetória empreendedora do homem que não só viria a emprestar seu nome para a comunidade, mas também com a qual estabeleceria vínculos inquebrantáveis. O tino empresarial de Galló e sua incrível determinação – seu lema era “Se o trabalho não vem a mim, eu me movo e vou onde ele estiver”– fariam com que a empresa rapidamente se desenvolvesse. A contribuição de Edwige foi fundamental nesta época, pois era ela quem cuidava dos negócios durante as viagens de Galló, a cavalo pela colônia italiana, levando em mulas os produtos do lanifício. À época, ele já era conhecido por sua impressionante capacidade realizadora e, em especial, pela rapidez com que passava da tomada de decisão para a execução. Os negócios seguiam de vento em popa, de tal forma que em 1908 Galló decidiu construir uma segunda residência, maior que a primeira, no terreno ao lado da casa onde morava desde 1904. A posição geográfica do prédio, a exemplo do que já ocorria com a primeira moradia, era estratégica: de um de seus balcões externos, voltado para a estrada de chão batido que passava em frente, se vislumbrava quase toda a extensão da pequena vila, ao mesmo tempo em que o “V” formado pelos morros em frente garantia o privilégio de se ver, dali, o primeiro sol da manhã a 26

banhar Galópolis.

A ferrovia chega a Caxias

Galló nos tempos de suas viagens pela colônia



Bem maior que a primeira residência, a nova casa seria local de grande movimentação, inclusive política, pois viria a sediar uma das seções eleitorais de Caxias. Da mesma forma, permitiria a Galló receber eventuais clientes e parceiros comerciais do lanifício e, futuramente, seus novos sócios, quando vinham de Porto Alegre. Naquele ano de 1908, Galló era reconhecido como “diretor ativo e capaz, tomando conta da parte comercial” do lanifício. Dois anos mais tarde, a empresa que dirigia era considerada uma das dez maiores do Estado. Do ponto de vista pessoal, a maior alegria veio em 1910 com o nascimento do terceiro filho do casal Hércules e Edwige: Pinot Galló foi o primeiro e único herdeiro a nascer em terras brasileiras. A propósito, a chegada da ferrovia a Caxias do Sul, no mesmo ano de 1910, seria de grande valia para que a região, como um todo, acelerasse ainda mais seu ritmo de crescimento. O setor têxtil era destaque na economia local, ao lado das indústrias vinícola, tritícola, metalúrgica, mecânica, de alimentos e extrativista-manufatureira. Com a chegada dos trilhos, vieram também a energia elétrica, o telégrafo e o telefone – ao menos para a sede, em Caxias. A atividade comercial de Galló terminou por aproximá-lo da poderosa Casa Comercial Chaves & Almeida, uma sólida empresa fundada em 1866 e que já há algum tempo era cliente do lanifício de Galópolis, tendo outros negócios e clientes em diversos pontos do Estado. Pois em novembro de 1911, Galló estava em viagem 28

pela Europa, quando encontrou Pedro Chaves Barcellos em Paris.

O jovem Pinot (em pé) ao lado do tio, Renato, em foto dos anos 1920


Era bastante comum naquela época que o proprietário de uma fábrica viajasse pessoalmente ao estrangeiro para conhecer as máquinas que porventura pretendia adquirir, checando seu funcionamento e estabelecendo as relações comerciais, o contrato de compra e venda e as condições de entrega. Não era de se estranhar, portanto, que Galló e Chaves Barcellos se encontrassem em meio a viagens de negócios. Deste encontro e de um cordial diálogo entre o então fornecedor (Galló) e um de seus mais importantes clientes (os Chaves & Almeida), surgiria a ideia de associação das duas empresas. Ainda que sem a formalização do negócio, Galló aproveitou a viagem para já adquirir novos equipamentos, os quais seriam decisivos para dar novo impulso à indústria. Comprou uma turbina hidroelétrica de procedência suíça e um gerador alemão, da marca Siemens, cuja capacidade, de 130 KVA, seria suficiente para acionar todo o equipamento e, ainda, fornecer energia elétrica para a população local, o que ocorreria a partir de 1929, incluindo-se, posteriormente, Caxias do Sul. Tudo isso seria possível graças, mais uma vez, às águas do Arroio Pinhal, mas agora a partir da força e do volume derramados pela cascata Véu de Noiva. A incorporação de novas máquinas para a fiação cardada e acabamento, em uma empresa que já na época era equipada com 45 dos mais modernos teares, representaria efetivamente um novo impulso nos negócios. A formalização da nova sociedade aconteceu em 29 de junho de 1912. Pouco mais de um ano depois, em 1º de agosto de 1913,

Capacidade produtiva foi ampliada com a aquisição de novos equipamentos, como uma turbina hidroelétrica e um gerador


as máquinas do novo empreendimento, rebatizado oficialmente

intendente equivale ao de prefeito, nos dias de hoje, o que signifi-

Companhia Chaves Irmãos, mas comercialmente conhecido como

ca dizer que Galló esteve à frente do Executivo do município du-

Lanifício São Pedro, começaram a funcionar, tendo Hércules

rante alguns meses, função à qual teve que renunciar, em função

Galló como seu sócio gerente. A inauguração do novo lanifício,

de seus inúmeros compromissos particulares. Em 1913, pouco de-

nas dependências onde se encontra ainda hoje, foi festejada com

pois da inauguração da nova fábrica, Galló já havia sido nomeado

um grande baile. Com a ampliação de sua capacidade instalada,

para o posto de Tenente Coronel do 85º Batalhão de Reserva da

também as condições de trabalho na fábrica seriam melhoradas,

Guarda Nacional, honraria a que também haviam feito jus outros

e o desenvolvimento local, incrementado.

empreendedores de reconhecidos serviços prestados à comunidade local, como Abramo Eberle e Joaquim Pedro Lisboa (ideali-

VIDA PÚBLICA

30

zador da Festa da Uva), ambos nomeados para o cargo de Major.

A participação de Hércules Galló na vida pública de Caxias do

Neste período, registra-se outro fato relevante na trajetória

Sul foi bastante intensa no período entre 1910 e 1920. Em 1912,

de homem público de Hércules Galló: ele foi o primeiro deputado

ainda em meio às negociações com a família Chaves Barcellos, foi

da região da colônia eleito para a Assembleia dos Representantes

convidado a participar da Associação dos Comerciantes do mu-

do Estado, função a ser exercida na chamada 7ª Legislatura (1913-

nicípio, então presidida por Adelino Sassi. Galló passou a inte-

1916). O momento era de definição de muitas regras, como as que

grar os quadros da associação justamente na assembleia na qual

diziam respeito à exportação de gêneros, taxas ou isenções de im-

foi decidido considerar como sócios fundadores todos os que na

postos, cobrança da dívida de colonos, construção de estradas e

associação tivessem sido admitidos até 30 de março daquele ano.

canais, estradas de ferro, obras em portos, desapropriações etc.

Dois anos depois, Galló participaria da diretoria da entidade,

Hércules teve presença destacada, defendendo os interesses da

sendo designado para a Comissão Fiscal, ao lado de Olimpio Rosa

região de Caxias, em especial na Comissão de Exame de Despe-

e Joaquim Mascarello.

sas. Para participar das reuniões, viajava a cavalo até Caxias, onde

Ainda em 1912, mais exatamente no dia 31 de dezembro, Hér-

se hospedava no Hotel Paternoster, e dali seguia de trem até Por-

cules Galló foi nomeado Vice-Intendente de Caxias do Sul, ato

to Alegre, “sempre finamente trajado”, como enfatiza o professor

assinado pelo Intendente Coronel José Penna de Moraes, a quem

Mário Gardelin.

viria a substituir por um breve período, entre novembro de 1914 e

A presença de Hércules na vida política da região foi uma

janeiro de 1915, quando Penna de Moraes licenciou-se. O cargo de

constante. Nas eleições dos Intendentes e Conselheiros em 1916

Vista de Galópolis em 1917, com as casas de Galló ao fundo



e, mais tarde, em 1920, Galló ofereceu sua casa como mesa do 5º

sido pioneira no Estado – em Rio Grande, a Companhia União

Distrito, tendo sido ele próprio um dos mesários. Em 1920, pouco

Fabril Rheingantz & Vater, de 1874, havia adotado o modelo de

antes de sua morte, Galló foi recebido na Estação Ferroviária pelo

vila operária. Galló, ao mesmo tempo, conhecia várias experiên-

Intendente Penna de Moraes e por vários amigos e admiradores,

cias nesse sentido, desenvolvidas na Itália e na Inglaterra, e imple-

confirmando-se seu prestígio junto à comunidade.

mentou com sucesso o modelo no lanifício de Galópolis. As casas, de madeira e construídas lado a lado (somente al-

A VILA OPERÁRIA

guns anos depois surgiriam as casas em alvenaria e geminadas),

Em meio à intensa participação na vida pública da região, Hér-

eram alugadas por valores simbólicos, como estratégia de atra-

cules Galló gerenciava de forma firme e ousada o novo lanifício.

ção e manutenção da força de trabalho no local, tendo em vista

Atento à necessidade de mão-de-obra qualificada, para aprovei-

a distância de Caxias, as dificuldades de transporte e a precarie-

tar ao máximo a capacidade instalada da fábrica, Galló contratou

dade das estradas. A criação oficial do 5º Distrito do município,

vários mestres tecelões italianos, entre eles Matteo Gianella, que

em 1914, foi justificada, entre outros argumentos, justamente pela

mais tarde montaria seu próprio negócio e também se destaca-

dificuldade da população ir até a sede constantemente, para os

ria como industrial do ramo têxtil. Para atrair estes profissionais

atos da vida civil. Da mesma forma, segundo o texto legal, o "po-

especializados, eram publicados anúncios em jornais gaúchos e

voado de Galló” (ainda não Galópolis) constituía “um aglomera-

mesmo na Itália. Os contratos em geral tinham duração de três

do de população proletária que tende a aumentar cada vez mais”,

anos, incluindo passagem de retorno à Itália, caso não houvesse

salientava o Ato nº 14, da Intendência Municipal de Caxias do

a renovação. Parte deles acabou voltando para sua pátria, após o

Sul. Gradualmente, portanto, criou-se um ambiente de relacio-

encerramento do prazo, mas muitos se estabeleceram definitiva-

namento mais estreito da fábrica com seus funcionários, o qual

mente em Galópolis e região.

ultrapassava as relações trabalhistas, até porque em geral envolvia

Galló era quem efetivamente tocava o negócio, e foi ele quem estabeleceu um novo patamar de relacionamento com a força de

vários integrantes de uma mesma família que trabalhavam simultaneamente no lanifício.

trabalho. O início da construção da vila operária marcaria a his-

A formação da mão-de-obra, por exemplo, era feita no lani-

tória de Galópolis, sendo uma referência inovadora no modelo de

fício. Muitos dos operários aprenderam na fábrica a arte de tecer,

gerenciamento da mão-de-obra na região, ainda que não tenha

como relembra Valter Marchioro, tio de Fernando Marchioro, o

32 Funcionários junto ao lanifício, em imagem de 1925



atual diretor-presidente da Cootegal, cooperativa que assumiu o lanifício em 1999. O avô e o pai de Valter, respectivamente João Marchioro, operário do apresto, e Hugo Marchioro, contramestre, também haviam trabalhado no lanifício, assim como seus irmãos, Otávia e Vilmar, este último pai de Fernando. A utilização da força de trabalho de menores na produção fabril também era vista com bons olhos na época, como forma de proporcionar aprendizado aos pequenos, além de contribuir para um acréscimo na renda familiar. Muitos meninos e meninas iniciaram suas atividades no lanifício entre 9 e 10 anos. Quando completavam 14 ou 15, eram registrados como operários e recebiam a remuneração estabelecida em lei específica para menores. O trabalho era dividido em turnos de oito horas, o primeiro das 5h às 14h, o segundo das 14h às 22h, e o terceiro das 22h às 5h. Cabe ressaltar que a troca de turnos era anunciada por um apito, tão forte que se ouvia em toda a comunidade e mesmo nos arredores, servindo de referência para todo e qualquer cidadão. Além disso, qualquer que fosse o turno escolhido, o trabalhador conseguia conciliar o emprego com outra atividade que aumentasse a renda mensal familiar. Um aspecto interessante na rotina de então reside no fato de que, para o colono-operário, a jornada de trabalho, que chegava a atingir 16 horas diárias entre a fábrica e a roça, não era considerada uma sobrecarga, mas sim uma alternativa para se manter um padrão de vida digno. O trabalho na fábrica, inclusive, era classificado como leve, em comparação com 34

as atividades na terra.

Funcionários em frente às casas da vila operária

A primeira banda do lanifício, em imagem de 1911


A MORTE PREMATURA A década de 1910, como se viu, foi de intensa atividade política e empresarial para Hércules Galló, mas do ponto de vista pessoal também não foram poucos os episódios marcantes. Pouco depois da inauguração da nova fábrica, resultado de sua associação com a família Chaves Barcellos, Galló contratou Secondo Solio para trabalhar no lanifício como técnico elétrico, a exemplo de tantos outros mestres italianos que foram atraídos para a Serra gaúcha. Secondo, nascido em 1889, tinha 25 anos quando chegou ao Brasil, e logo se tornaria genro de Hércules, ao se casar com sua filha, Olga, em 1915. No ano seguinte, nasceu a primeira neta de Galló, Clélia, que infelizmente faleceu ainda bebê, em 1917. Também por volta de 1917, Galló teve que providenciar uma ampliação da maior das duas casas da família, construindo um anexo, de forma a que pudesse receber de forma adequada em especial seus sócios, quando vinham de Porto Alegre para inteirar-se das atividades no lanifício, mas também clientes e parceiros de negócio. O ano de 1917, a propósito, teria outros significados na vida da família Galló, pois foi quando terminou a Primeira Guerra Mundial, conflito que estourou em 1914, na Europa, e do qual participou ativamente seu filho, Renato, na época com menos de 18 anos. Renato foi sempre um aventureiro, e apesar do manifesto interesse em tocar os negócios do pai, seu envolvimento com a atividade política e como combatente, defendendo sua pátria em diversos conflitos, prevaleceu. Em uma viagem que fez à Europa, no final de 1919, Galló permaneceu vários meses na Itália, tentan-

35 Secondo e Olga retornaram para a Itália logo após a morte de Galló


do localizar o filho, após o fim da guerra. Retornou com Renato

pouco, foi amadurecendo a ideia de construir um novo lanifício,

em abril de 1920.

quem sabe em Galópolis, onde no início de 1921 adquiriu novas

Hércules Galló aproveitou aquela viagem e o período do pós-

terras. Se tal ocorresse, a concorrência com a empresa Chaves

-guerra, em que no mundo inteiro se discutiam novas alternativas

Irmãos poderia significar algum conflito, mas certamente daria

de desenvolvimento, para também avaliar suas atividades econô-

novo impulso à economia local. Galló não descartava empreen-

micas e, quem sabe, dar novos rumos aos negócios. Concluiu que

der em Foz do Iguaçu, no Paraná, onde também havia comprado

seria um bom momento para mais uma vez empreender. Pouco a

grandes áreas. Enfim, veio a decisão. Como na época era costume

36

Orestes Manfro (no alto, à esq.) assumiria a gerência do lanifício após a morte de Galló


divulgar publicamente alterações legais feitas em associações comerciais e industriais, em fevereiro de 1921 foi publicado no jornal O Brasil o seguinte anúncio: Comunicamos que o nosso amigo Sr. Hércules Galló deixou, na melhor harmonia, de fazer parte de nossa firma, a contar de 1º de janeiro do corrente ano. Caxias do Sul, 1º de fevereiro de 1921 Chaves Irmãos & Cia De acordo com a declaração acima Hércules Galló

Pouco tempo depois, estranha e surpreendentemente para um homem com sua saúde e disposição, e mais uma vez entusiasmado com os planos de partir para novos empreendimentos, Hércules Galló faleceu em 9 de maio de 1921. Do nada, começou a sentir-se mal, muito mal, e levado às pressas para o Hospital Beneficência Portuguesa, em Porto Alegre, em estado grave, não resistiu. As circunstâncias dessa inesperada morte nunca foram totalmente esclarecidas. O fato é que a população de Galópolis chorou a morte do homem que havia transformado a realidade econômica e social do então distrito, ao acreditar no potencial de trabalho daquela pequena comunidade. Transportado de Porto Alegre para Caxias em um trem especial, com honras de homem público, Hércules Galló foi enterrado no alto de uma das colinas de Galópolis, de forma a que de lá pudesse seguir zelando pelo lugar que adotou seu nome.

37


SEGUNDA PARTE

Galópolis sem os Galló

Passaram-se quase 10 anos após a morte de Hércules Galló,

sugeriu que ao menos as roupas de lã fossem doadas às Damas de

em 1921, até que sua esposa, Edwige, conseguisse resolver as

Caridade, com quem Edwige costumeiramente colaborava. Sassi

questões mais urgentes referentes aos negócios da família.

aproveitou para recomendar que não só as casas, mas também os

Sua preocupação maior era formalizar a venda de todas as ações

terrenos da família, fossem negociados o quanto antes. Edwige

para os ex-sócios do marido no Lanifício São Pedro. Quando final-

respondeu que aceitava propostas pelos terrenos, mas que não

mente livrou-se da incômoda situação, precisou escolher quem

pretendia se desfazer das casas. Na época, a casa menor já estava

seriam os administradores dos muitos bens e investimentos da

ocupada por João Vial II e Irma Guedin, ele motorista de cami-

família, no período em que ela pretendia permanecer na Itália,

nhão que transportava a lenha para a caldeira do lanifício. Duran-

para onde efetivamente retornou por volta de 1930, juntamente

te o período em que lá viveram, a partir de 1928, João Vial e Irma

com os filhos, Renato e Pinot. Para procuradores da família, foram

viram nascer os três filhos: Jimmy, em 1930, Maria de Lourdes, em

escolhidos Arlindo Sassi, que havia presidido por muitos anos

1934, e Dillá, em 1940.

a Associação dos Comerciantes de Caxias, e Miguel Muratore.

38

Foi Muratore, a propósito, quem negociou a troca dos investi-

A GESTÃO SPINATO

mentos que Edwige possuía no Banco Pelotense, liquidado em

Com a repentina morte de Hércules Galló, Orestes Manfro assu-

1931, por ações em diversos estabelecimentos de Caxias, como

miu a gerência da fábrica, tendo como subgerente seu cunhado,

Cinema Central e Recreio da Juventude, e mesmo por débitos

João Laner Spinato, que havia sido contratado naquele mesmo

de pessoas físicas.

ano, 1921. Spinato seria o sucessor de Manfro alguns anos mais

De volta a Biella, Edwige juntou-se a Secondo, Olga e o fi-

tarde, depois que este foi assassinado, em 1933. A partir de então,

lho, Ercole, que havia nascido lá mesmo, em 1922. A comunicação

seu Joanin, como ficaria mais conhecido, seria não apenas o to-

com seus representantes no Brasil era feita somente por cartas.

do-poderoso gerente do lanifício por quase quatro décadas, mas

Mas entre 1931 e 1933, estranhamente ela não respondeu nenhu-

também homem de grande influência na comunidade, em razão

ma das correspondências. Em outubro de 1933, por exemplo, foi

de sua posição privilegiada – afinal de contas, dirigia a empresa

alertada de que, mesmo sendo a maior aberta de tempos em tem-

que empregava boa parte da população local –, mas também pelo

pos, os panos lá guardados estavam se desgastando. Arlindo Sassi

fato de ser um fervoroso e praticante católico.

Time de futebol do Lanifício São Pedro em 1933. De terno, à esquerda, Orestes Manfro



No início dos anos 1930, a propósito, Galópolis possuía uma

O envolvimento do lanifício com todo e qualquer tipo de ati-

população de 2.300 habitantes, dos quais 1.163 homens e 1.137

vidade social em Galópolis só fez crescer na gestão de Spinato.

mulheres. Entre eles, nada menos que 566 eram italianos, outros

Em sua época foram construídas as casas geminadas de alvenaria

19, alemães, e cinco pessoas tinham outras naturalidades. A cida-

da vila operária, que ficavam na área central de Galópolis, bem

de possuía modestos 15 estabelecimentos comerciais (contra 450

como foram erigidos dois educandários, um para meninos, diri-

em Caxias do Sul), que empregavam apenas cinco pessoas (contra

gido pelos Irmãos Josefinos, e outro para meninas, a cargo das

486 empregos gerados em Caxias), o que denota que os negócios

Irmãs do Imaculado Coração de Jesus. Pouco antes, em novembro

eram tocados pelos próprios donos ou familiares. Havia quatro

de 1929, havia sido fundado o Círculo de Leitura, que mais tarde

armazéns de secos e molhados, dois açougues, duas casas que

se transformaria em Círculo Operário Ismael Chaves Barcellos,

vendiam fazendas, ferragens, louças e secos e molhados, e apenas

nome escolhido obviamente em homenagem ao diretor presiden-

uma barbearia, um botequim, uma loja de calçados, malas e arte-

te da empresa que controlava o lanifício. O Círculo proporcio-

fatos em couro, uma farmácia, um hotel e uma pensão.

nou aos associados, além da assistência médica, farmacêutica e

Armazém do Ginio, década de 1930

Antiga sede do Círculo Operário, no Armazém São Pedro

40 A Escola Irmãos Chaves, em imagem dos anos 1940



jurídica, também uma assistência de caráter trabalhista, via As-

e a partir de então se realizaram um sem-número de festas e rifas

sociação Profissional de Trabalhadores na Indústria de Fiação e

visando à arrecadação de fundos para a obra, a qual, na prática, foi

Tecelagem, que anos depois daria origem ao primeiro sindicato

financiada em grande parte com recursos do Lanifício São Pedro,

distrital do Brasil.

cujos diretores doaram, também, o terreno para a construção do

Também como decorrência da criação do Círculo Operário

42

novo templo.

nasceu a Caixa de Socorro Mútuo, que consistia na formação de

Em meio às obras, um incidente obrigou o gerente a dedicar-

um pecúlio ou fundo de caixa, para o qual os operários contribu-

-se a outra causa, tão nobre quanto a de caráter cristão. Em 29 de

íam com pequenas mensalidades, proporcionais aos seus salários.

janeiro de 1945, um incêndio destruiu a seção de Fiação Cardada

Em 1936, é a vez da criação da Cooperativa de Consumo São Pedro

e danificou seriamente as máquinas do lanifício. A direção ten-

S.A. Sem intenção de lucro, eliminando o papel do intermediário

tou importar máquinas da Europa, mas tal alternativa se mostrou

comerciante, devido à localização da vila distante da sede urbana,

inviável, em um primeiro momento, em razão do conflito bélico

a empresa barateava os gêneros de primeira necessidade e garan-

que ainda assolava o continente. Então Spinato decidiu que ele

tia a alimentação básica aos operários a preço de custo, com a

mesmo se encarregaria de reconstituir os equipamentos, contan-

possibilidade de pagamento a crédito.

do para isso com a ajuda dos operários da oficina mecânica do

Todas estas organizações contavam com apoio e subvenção do

lanifício, mas também de oficinas de Caxias do Sul e da Meta-

lanifício, que, se de um lado oferecia inúmeros benefícios sociais

lúrgica Eberle. Em 26 de julho de 1945, escreveu carta às filhas

e culturais para seus empregados, de outra parte esperava contar

dando conta que “as máquinas da Fiação, que estavam destinadas

com a lealdade, para não dizer submissão, de seus funcionários.

ao triste e inglório fim de servirem de retalhos para os fornos de

A religiosidade de Spinato chegou ao ápice quando ele foi es-

fundição, estão trabalhando e fazendo fio”. Pouco tempo depois,

colhido para coordenar as obras de construção da nova Igreja Ma-

a política brasileira de importação de máquinas e equipamentos

triz, que substituiria a já pequena igreja erigida originalmente em

seria revista, e o lanifício faria grandes investimentos na renova-

1902, em homenagem a Nossa Senhora do Rosário de Pompeia.

ção de seu parque industrial.

A partir de 1938, ele dedicou-se incansavelmente para transfor-

Voltando à igreja: para a confecção da estátua de Nossa Se-

mar em realidade o projeto dos engenheiros Sady Castro e Luís

nhora do Rosário, com cinco metros de altura, foi contratado o

Leseigneur de Farias, executado pelo também engenheiro Ferdi-

escultor Francisco Rademacker, em janeiro de 1946. Rademacker

nando Guizzo. Os alicerces foram iniciados em janeiro de 1939,

esculpiu também a via crucis, enquanto Alexandre Bartelle, de

Antigo Parque Ismael Chaves Barcellos, atual Praça Duque de Caxias, em 1930




sindicato assumiria o efetivo papel representativo dos interesses da categoria nas questões salariais, cujas regras eram até então estabelecidas pela fábrica, quase que unilateralmente, e mais tarde, também pelo governo. Em 1948, o sindicato conseguiu sua primeira vitória: um reajuste de 30% na remuneração de seus associados. Do ponto de vista dos gestores, o lanifício ia de vento em popa. Em 1937, a fábrica produziu 309 mil metros de tecidos, 58 mil quilos de fios e 41 mil unidades de artefatos de tecidos. Naquele ano, o lanifício contava com 77 teares, 2.770 fusos de fio cardado, 3.150 fusos de fio penteado, 870 fusos de fio retorcido, uma máquina de lavagem de lã, duas estufas, 26 tanques de tinturaria e 24 unidades de acabamento de tecidos. Tendo o Exército brasileiro como um de seus grandes clientes, no fornecimento de Farroupilha, preparou as portas e todo o mobiliário. Os vitrais

uniformes e cobertores, a empresa vivia tempos de grande pros-

belíssimos foram executados pela renomada Casa Genta, e foram

peridade econômica.

obra do artista Max Dobmeyer. Finalmente, em 2 de março de 1947, a catedral ficou pronta. João Laner Spinato, que um ano an-

AS CASAS COMO PROTAGONISTAS

tes havia sido homenageado efusivamente por seus 25 anos de la-

DE SONHOS E FANTASIAS

nifício, foi escolhido o festeiro, juntamente com a mulher, Luíza.

Se a Casa 1 foi ocupada pela família de João Vial II a partir de 1928,

Os muitos esforços da direção do lanifício, no sentido de

logo após o retorno da família Galló para a Itália, a Casa 2 ficaria

oferecer uma diversidade de benefícios aos funcionários, de for-

fechada até por volta de 1938, quando para lá se mudaram Her-

ma a receber destes, em troca, um comportamento, por assim

bert Martin Schenk, sua segunda esposa, Albertina, e os filhos,

dizer, sem maiores questionamentos, não impediu que, em 1942,

Marlene e Mário. A relação dos Schenk com a Casa 2 foi bastante

surgisse o Sindicato dos Mestres, Contramestres e Trabalhadores

intensa. Marlene, nascida em 1936, mora há muitos anos em Porto

na Indústria de Tecelagem de Galópolis. A instituição, de caráter

Alegre, mas guarda lembranças vivas de sua infância. Como adora

distrital, foi a primeira do país com estes fins. A partir de 1945, o

contar histórias e também de escrevê-las (o que, a propósito, faz

Um dos detalhes mais significativos da nova Igreja Matriz são seus belíssimos vitrais

Festa de casamento na sede do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias de Fiação e Tecelagem de Galópolis, na década de 1950

45


com muito talento), vem há algum tempo registrando suas me-

ficado vivamente impressionado com o forte calor, as muitas pessoas

mórias, as quais aos poucos vão sendo digitadas pelo filho, Marce-

fantasiadas dormindo nas praças e o cheiro de urina pelas ruas), San-

lo, em um computador. Marlene, apesar de ter noções básicas de

tos e Montevidéu.

informática e de operar seu próprio email, ainda não tem muita

Martin ficou pouco tempo na Argentina. Voltando ao Brasil,

familiaridade com os softwares. De qualquer forma, seu depoi-

acabou conseguindo emprego em São Paulo, na Fábrica de Tecidos

mento ilumina com muita propriedade e emoção os dias vividos

Belém. Lá, cruzou com Ismael Chaves Barcellos [proprietário do

junto às casas que pertenceram a Hércules Galló, mas é também

Lanifício São Pedro], que procurava um técnico químico-têxtil. E

um retrato do dia a dia na Galópolis dos anos 1940 e 1950. Ade-

assim Martin chegou a Galópolis, no ano de 1931. Hospedou-se em

mais, a exemplo do que acontecia com boa parte das famílias da

um hotel próximo da entrada do vilarejo, onde também vivia Alberto

localidade, também o pai dela trabalhou no Lanifício São Pedro.

Sartori, vice-prefeito de Caxias e na época já viúvo. Sartori vez por

Marlene inicia seu depoimento descrevendo a vinda de Mar-

outra levava uma das filhas para lhe fazer companhia. Uma delas se

tin para o Brasil. Nascido na Alemanha em 1903, ele estudou oito

chamava Isolina. Daí surgiu o romance entre Martin e Isolina, que

anos em sua cidade-natal, Glauchau, e depois cursou mais qua-

se casaram em 25 de junho de 1932, em Porto Alegre, em cerimônia

tro anos do ensino técnico, em curso voltado ao aprendizado das

realizada em casa, já que Martin era protestante. Imagino que a par-

atividades de química industrial com foco na área têxtil. Aos 23

tir de então passaram a morar em uma das casas da fábrica, ao lado

anos, concluiu que as chances de encontrar boas oportunidades

da Igreja Matriz.

de trabalho na Alemanha do pós-guerra eram ínfimas. E foi aí que decidiu viajar para o Brasil, contrariando a opinião da família. Confira o inédito relato de Marlene Schenk Duque, naquilo que diz respeito à vida em Galópolis:

46

Tiveram três filhos: Marisa, nascida em 18/10/1933, eu, Marlene Selma, de 12/01/1936, e meu irmão, Mário, de 25/4/1937. Infelizmente, esses anos não foram os mais felizes para os meus pais, e para Martin, principalmente. A nossa irmã, Marisa, devido a uma forte gripe, aca-

“Em 1926, teve início a grande aventura que modificou a vida de

bou hospitalizada em Caxias, no Hospital Pompeia. Tratada pelo dr.

meu pai, Martin Schenk. Em 30 de janeiro daquele ano, ele embarcou

Félix Laner Spinato, provavelmente teve um quadro de pneumonia,

em um navio-vapor no porto de Bremenhaven, norte da Alemanha,

não resistiu à doença e veio a falecer em 19/1/1936, uma semana de-

rumo a Buenos Aires, na Argentina. A viagem pelo mar durou 22 dias,

pois de meu nascimento. Quando minha mãe teve seu terceiro filho,

passando por Lisboa, Ilha da Madeira, Fernando de Noronha, Rio

o parto foi difícil, pois meu irmão nasceu muito grande. Por força de

de Janeiro (onde ele desembarcou em um sábado de Carnaval, tendo

complicações, minha mãe veio a falecer no mesmo dia. (...)

Grupo de fiéis em frente à nova igreja por volta de 1940, em mais um registro da religiosidade em Galópolis



Martin ficou desnorteado. Longe de sua família, viúvo tão cedo, depois de perder uma filha, ainda tinha dois filhos pequenos para criar. Na Alemanha, meu avô já havia falecido, e minha avó materna, já com idade avançada, poderia falecer a qualquer momento. Então Martin decidiu deixar a mim e a meu irmão aos cuidados de nossa tia Albertina, que era solteira, mas estava morando em Porto Alegre, e viajou para a Alemanha. Embarcou no porto de Santos em junho de 1937 e retornou da Alemanha no final de outubro daquele mesmo ano, desembarcando no porto de Rio Grande. Somente no retorno Martin deu-se conta da dificuldade que seria criar duas crianças tão pequenas. No início, contratou uma empregada, o que acabou não dando muito certo. Foi então que seu cunhado, o padre Luis Victor Sartori, aconselhou Martin a se casar com Albertina, irmã de sua falecida mulher, que era solteira e já estava acostumada a cuidar dos sobrinhos. Acabaram se casando, novamente em casa, em Porto Alegre, em 27/6/1938. De volta a Galópolis, mudaram-se de imediato para a casa da família Galló, em frente ao Lanifício São Pedro, que estava vazia, já que a família, após a morte de Hércules Galló, havia voltado para a Itália, só podendo regressar quando a guerra acabasse. Não sei a data exata da mudança, mas temos fotografias tiradas no jardim da casa já a partir de julho de 1938. Os anos passados naquela casa foram muito prazerosos. Lembro-me dessa casa com muita saudade. A nossa mãe, Albertina – sempre a chamamos de mãe, pois foi a única que de fato conhecemos 48

– cuidava do jardim, que estava sempre florido. Havia três árvores

Até hoje não se sabe por que o antigo templo em homenagem a Nossa Senhora do Rosáriode Pompeia foi demolido. Acima, imagem de 1933


de camélias vermelhas e dois pinheiros bem altos, de uma espécie que nunca mais vi igual. Era comum a presença de cobras por ali. Para que pudéssemos brincar com segurança, meu pai cercou o terreno em frente da casa com uma tela. Mais tarde, mandou construir um balanço e uma barra de ginástica. Na casa ao lado da nossa, que também pertencia à família Galló, morava a família do sr. João Vial e de dona Irma, com os três filhos, Jimi, Maria de Lourdes e Dillá. Do outro lado da rua, mais adiante [a BR-116 ainda não havia sido concluída], moravam o gerente do lanifício, João Laner Spinato (ou seu Joanim, como era costume chamá-lo), dona Luíza, sua esposa, e suas quatro filhas, Lori, Ruth, Terezinha e Rosmari. Com exceção de Lori, que era a mais velha e estudava em Porto Alegre, as demais foram minhas amigas de infância. Formávamos as duplas, conforme a idade: a Ruth e a Lourdes; a Terezinha (Tere) e eu; a Dillá e a Rose. Quando chegou a época de irmos para a escola, fomos estudar no colégio das irmãs do Coração de Maria, construído para a instrução dos filhos dos operários. Todas as manhãs, eu e meu irmão descíamos o primeiro lance de escadas, encontrávamos com a Lourdes – e

nunca mais provei no Brasil. Tínhamos aula pela manhã, voltávamos

mais tarde, também com a Dillá – e íamos até a casa das Spinato. Se

para almoçar e depois retornávamos para o colégio. Íamos sozinhos.

elas não estivessem prontas, entrávamos na cozinha, que no inverno

Tínhamos uma liberdade que as crianças de hoje não têm mais.

era quentinha, com o fogão à lenha ligado. Além do calor, havia o

Nosso pai tentava nos ensinar a falar alemão. Quando começou

cheirinho gostoso das coisas boas que dona Luizinha fazia. Ela era

a Segunda Guerra, nossa mãe não mais permitiu que ele assim o fizes-

de origem alemã e muito habilidosa. Tinha prateleiras cheias de con-

se, já que os alemães eram perseguidos pelo governo brasileiro. Nosso

servas, lindas e coloridas. Fazia bolos e tortas deliciosas, como a torta

pai tinha a proteção da fábrica, mas não foi o suficiente: em um dia

de Rabarber, uma planta que ela cultivava no terreno da casa e que

em que Martin estava trabalhando e Albertina tinha ido a Caxias,

João Laner Spinato, gerente do lanifício de 1933 a 1966, e a esposa, Luíza

49


chegaram policiais à nossa casa e à casa de outro senhor alemão, que

lanço, todos objetos que Martin havia comprado para a nossa irmã,

também trabalhava na fábrica. Vinham fazer uma busca, pois des-

Marisa. Martin, posteriormente, mandou fazer um pequeno armário

confiavam dos alemães que moravam na região. Retiraram da casa

para guardarmos as nossas louças de brinquedo, panelinhas e os li-

do sr. Willi todos os livros em alemão e os figurinos de bordado e tra-

vros de história. Lá no quarto ficavam as bonecas com suas caminhas,

balhos manuais que a sua esposa tanto gostava de fazer. Em um ato

carrinho e os brinquedos do Mário. (...)

de barbárie, atearam fogo em tudo, por mais que a esposa do sr. Willi (Anita) suplicasse pela preservação dos materiais.

prédio da Cooperativa, que era de madeira. (...)

Na nossa casa, a polícia também entrou. Eu era muito pequena,

Os Natais eram sempre muito esperados. Meus tios mais moços,

mas nunca esqueci. Estávamos sozinhos com a empregada. A polícia

que ainda eram solteiros – Paulo e Venísio – passavam temporadas

levou o nosso rádio, a máquina de fotografia e até um binóculo. No

conosco. Nosso pai sempre encomendava um pinheiro grande, que

sótão da casa, fizeram uma limpa em alguns pertences da família

vinha das colônias no caminhão da fábrica. Venísio era muito habili-

Galló que lá estavam guardados. Levaram até as coroas do velório

doso. Ajudava a enfeitar o pinheiro e a fazer o presépio com um moi-

do sr. Hércules, que ficavam enfileiradas em uma taquara. Levaram,

nho que se mexia e formava um laguinho com água de verdade, onde

ainda, objetos que o filho dos Galló [Renato] havia trazido da Europa

nadavam patinhos de celofane. A gente adorava! Ele fez, também, um

como souvenir da Primeira Guerra Mundial (capacetes, máscaras de

avião de madeira para o meu irmão. A asa girava para os lados, e eu

gás, granadas vencidas etc). Também foram levados objetos de valor,

entrava no avião, embaixo da asa, com as minhas bonecas, enquanto

como máquina de costura, relógio de parede e outros pertences. Fica-

o Mário fingia que pilotava. Era o máximo!

ram no sótão algumas louças, móveis e um baú com roupas.

50

Lembro que às vezes ele ia jogar bolão com os amigos no antigo

Havia um cinema que era a maior distração, com duas ou três

Eu e o meu irmão gostávamos de brincar no sótão com os nossos

sessões por semana. As cadeiras eram de palha e ficavam soltas pelo

amigos e primos, que nos visitavam nas férias. Uma das brincadei-

salão. O filme era a todo o momento interrompido para a troca

ras era se vestir com as roupas do baú e brincar de “casinha” com as

dos rolos. Nos finais de semana, havia uma sessão dupla. Passava

louças que restaram. No sótão não havia luz elétrica. Assim, quando

um filme e parte de um seriado de aventuras, que continuava na

escurecia, brincávamos de casa assombrada com fantasmas. Em cima

semana seguinte, e não se perdia por nada. Eram filmes do Flash

da cozinha, havia um quarto grande, onde também não havia luz

Gordon, Capitão Marvell, O Fantasma, Capitão América, entre ou-

elétrica. Era o nosso quarto de brinquedos. Tínhamos um conjunto

tros. Íamos sempre a pé, caminhando pela beira da estrada federal

completo de mesa, quatro cadeiras, um sofá e uma cadeira de ba-

[concluída em 1941], já que calçadas não havia. Bem agasalhados A BR-116 já pavimentada, em imagem da década de 1950



de terra. Ficavam em um armário de tela, para proteger os alimentos de possíveis ataques de moscas, ratos etc. O único a ter geladeira em Galópolis era o sr. Spinato, um dos poucos que também tinha automóvel. Quando começou a importação de geladeiras da marca Frigidaire, havia listas de espera, mesmo em Porto Alegre. Meu pai, através de um amigo, representante de produtos químicos, conseguiu uma geladeira para nós. Em casa, tínhamos água encanada na cozinha, banheiro e tanque de lavar roupa. Vinha de uma vertente que ficava na subida do morro, atrás da casa. No inverno, a casa era muito fria, e banho não tomávamos todos os dias. Tínhamos uma banheira com um chuveiro. Para esquentar a água, nós tínhamos um depósito com uma serpentina e aquecíamos a água com álcool, que colocávamos em uma no inverno, íamos brincando pelo caminho, imaginando histórias

canaleta redonda, abaixo do depósito. Quando fazia muito frio, a

de aventura sobre um homem de capa preta que tentava nos agar-

água chegava a congelar nos canos. Eu e o Mário colhíamos flores

rar. Gritando de medo ou rindo das brincadeiras, lá íamos nós para

no jardim e botávamos numa tigela com água. Amanhecia a água

o cinema.

congelada, cobrindo a flor. Houve um ano em que até nevou em Ga-

Outros programas muito esperados eram as festas do padroeiro

lópolis. Muito pouco, mas o Morro Pelado, como chamávamos, ficou

de Galópolis, São Pedro, em fins de julho, com quermesses e muitas

branquinho. Nossos pais nem nos deixaram sair de casa. Ficamos

brincadeiras. Uma vez por ano, faziam um almoço, tipo piqueni-

olhando pela janela. Foi a única vez que isso aconteceu em Galópolis

que, durante o qual reuniam todos os operários da fábrica. Em um

(que eu saiba).

grande panelão era feito o risoto de miúdos de frango, servido com frango assado e pão.

52

Com o fim da Guerra, os pertences do Martin lhe foram devolvidos. Eles tinham ficado em Caxias com o delegado, dr. Célio Marques

Em Galópolis, não tínhamos geladeira; comprava-se gelo para

Fernandes, que era noivo de uma sobrinha da minha tia Júlia, irmã

ajudar a conservar os alimentos. As comidas em geral, assim como

da nossa mãe. Ela se chamava Maria Scalzilli, e o delegado já nos

as frutas e as verduras, eram guardadas no porão, cujo assoalho era

conhecia bem.(...)

Piqueniques na área do Lanifício São Pedro, como este, na década de 1940, eram bastante frequentes


Martin naturalizou-se brasileiro em 23 de abril de 1947, ato assinado pelo então presidente do Brasil, General Eurico Gaspar Dutra.(...) Em 1948, Martin comprou o seu primeiro carro, o que foi uma festa. Quando eu fiz 12 anos [também em 1948], terminando o curso primário no Colégio Chaves Irmãos, fui para Porto Alegre fazer o exame de admissão para o Ginásio e passei a estudar no Colégio Bom Conselho das Irmãs Franciscanas, em regime de internato. No ano seguinte, foi a vez do Mário, que passou a estudar no Colégio Anchieta dos Jesuítas, também em regime de internato. Voltávamos para Galópolis nos feriados de Páscoa, Finados e nas férias de julho e de verão. Era sempre uma alegria rever os amigos. Íamos passear e depois ao cinema, em Caxias. No verão, íamos aos bailes de carnaval nos clubes Juvenil e Juventude. Às vezes saíamos de um e íamos para o outro. Quando tinha Festa da Uva, íamos aos bailes, festas e desfilávamos em carros alegóricos. Em julho, apesar do frio, fazíamos piqueniques nas colônias. Pegávamos carona com os caminhões da fábrica, que saíam cedo para buscar lenha, e passávamos o dia todo fora. Era muito divertido. Em Finados, era sagrado: íamos primeiro ao cemitério de Galópolis, onde a Marisa fora enterrada, para limpar o túmulo e levar flores. Passávamos sempre em frente ao jazigo do Sr. Hércules Galló, o mais bonito do cemitério. Depois, íamos a Caxias levar flores ao jazigo dos Dal Canale, família da minha mãe, por sua via materna. Lá foram enterrados nossos avós, tios e a nossa mãe biológica, Isolina. Ir ao cemitério para nós era uma coisa normal. Hoje, os jovens não querem saber de ir ao cemitério, a não ser quando há um enterro especial.

53 O túmulo onde Hércules Galló foi sepultado, em 1921, foi sempre muito visitado


Em Galópolis, quando morria alguém, sempre tocava o sino da igreja, e quando terminava a aula da tarde, nós corríamos para ver o defunto e ir ao enterro. Quando morria alguma criança, nós até nos oferecíamos para carregar o caixãozinho, já que em Galópolis não havia carro fúnebre e os caixões eram carregados à mão até o cemitério, que ficava no alto do morro, além do colégio das irmãs. Com a construção da nova igreja matriz, a velha igreja de pedra foi destruída. Nunca soubemos o porquê, foi uma pena. Foi lá que eu e os meus irmãos fomos batizados, e lá eu e Mário fizemos a primeira comunhão. A nova igreja matriz foi construída no terreno que ficava em frente à casa em que nascemos. A família Galló regressou ao Brasil depois da Segunda Guerra, e então pediram que a casa fosse desocupada. Eu e o Mário já estávamos estudando em Porto Alegre, de modo que, de fato, a casa ficou grande demais para os nossos pais. Além disso, estava começando a se

Depois que os meus pais se mudaram para o novo apartamen-

deteriorar. Algumas das sacadas ameaçavam cair, e era perigoso pisar

to, eles iam sempre almoçar no restaurante da Cooperativa, onde se

nelas. A fábrica havia construído um prédio novo, o Círculo Operário

comia muito bem. Lembro-me do sr. Baiche (esse era o apelido dele),

Ismael Chaves Barcellos, onde ficava a nova cooperativa dos operá-

que com a esposa tomava conta do restaurante. A comida caseira era

rios, a farmácia, o ambulatório médico e o jardim de infância. Na

muito boa. Ele desossava um leitão pequeno, recheava e assava no

parte superior, havia três apartamentos. Martin ficou com um deles,

forno à lenha. Era uma delícia. Eles eram muito amigos dos nossos

o da esquina, e para lá se mudaram.

pais, e ensinaram como se preparava o prato. Assim, passou a ser uma

Moramos na casa dos Galló por 16 anos. Não me lembro exa-

54

tradição o leitão recheado que se fazia nos aniversários do Martin.

tamente a data da mudança definitiva. Sei que lá festejei os meus 15

O sr. Ângelo Daniel era um grande amigo nosso, motorista dos

anos. Entre os meus convidados estava o jovem Ercole Solio, neto de

caminhões da fábrica e do seu Joanim. Muitas vezes ele me levou, jun-

Hércules Galló, que me deu de presente um livro com uma dedicató-

to com as filhas do sr. Spinato e mais a Lourdes Vial, para passearmos

ria, o qual conservo até hoje.

de carro em Caxias.

A nova sede do Círculo Operário Ismael Chaves Barcellos, em imagem dos anos 1960


balhar. Na época, não havia televisão,

Martin trabalhou no Lanifício São Pedro de 1º de outubro de 1931 a 31 de outubro de 1967. Depois que se aposentou, Venísio assumiu o seu lugar na fábrica, como mestre da tinturaria.” O depoimento de Dorvalino Mincato, que nasceu em 1939 e mais tarde casou-se com Dillá, uma das amigas de Marlene Schenk, complementa o cenário da Galópolis de meados do século XX. Mincato é neto de Giovani, um dos primeiros habitantes de Galópolis e também fundador da cooperativa Società Tevere. É filho de Candido Fioravante, que trabalhou como classificador de lã no lanifício. Dorvalino,

GALÓPOLIS E A ENERGIA ELÉTRICA De acordo com o historiador Moacyr Flores, no prefácio do livro E assim eles contavam..., que narra a vida de João Laner Spinato, “em 1929 o Lanifício São Pedro instalou força elétrica para movimentar suas máquinas e também para o fornecimento de eletricidade ao pequeno povoado de Galópolis. Procurando atender a demanda, o Serviço de Eletricidade local construiu, em 1937, uma linha de alta tensão de 2.000 volts, alimentando uma subestação redutora de 175 Kva, instalada em prédio próprio de alvenaria. (...) O Lanifício São Pedro forneceu eletricidade para Caxias entre 1944 e 1947. Em 1951, comunicou à prefeitura que não poderia mais fornecer energia para as 383 ligações domiciliares de Galópolis, de quem se cobrava uma taxa mínima de 5 cruzeiros. Em 1953, com a abertura da rodovia federal e o desenvolvimento de Galópolis, esgotou-se a capacidade dos geradores do lanifício. O então prefeito de Caxias, major Euclides Triches, solicitou a encampação pela CEEE dos serviços da sede distrital da vila. Em 1959, foi finalmente desligada da rede elétrica da usina do lanifício e ligada à estação da CEEE, que passou então a iluminar as residências e ruas de Galópolis.”

nem geladeira”, relembra Dorvalino. Ele se emociona ao lembrar da avó, que não sossegava nem mesmo nos domingos, quando ia para a máquina de costura, remendar roupas ou produzir uma ou outra peça de vestuário: “Uma ocasião, entrei na sala e a vi dormindo, deitada sobre a máquina. Eles tinham vergonha de descansar”, comenta, emocionado. Dorvalino conta que o dinheiro ganho no lanifício em geral era tratado como poupança, e foi assim que muitos moradores conseguiram acumular algum patrimônio. Os gastos no dia a dia

a propósito, é um dos poucos nascidos

eram poucos, e muita coisa era nego-

em Galópolis que não trabalhou na fá-

ciada trocando-se, por exemplo, alguns

brica. Filho de agricultores, sua rotina desde criança foi semelhante

ovos por certa quantidade de querosene para alimentar os lampiões.

à dos pais, que trabalhavam um turno no lanifício, e outro na lavou-

Na hora de construir a casa própria, não havia pagamento de mão-de-

ra. Como as atividades do lanifício não eram tão pesadas como as de

-obra, pois os vizinhos ajudavam uns aos outros. Sobre a inexistência

outras indústrias, muitas mulheres também trabalhavam na fábrica,

de energia elétrica para aquecer a água, Dorvalino lembra de uma fra-

alternando o turno com os maridos.

se que definia alguns dos hábitos de então: “A gente dizia que sábado

“Vivia-se da horta, dos porcos, das galinhas. O prato mais co-

era dia de tomar banho”. Dos poucos momentos de lazer, ele recorda

mum era a polenta. Não se tinha energia elétrica, mas tampouco se

dos brinquedos que eram colocados na praça, em dias de festas reli-

precisava muito dela. Afinal de contas, o que mais se fazia era tra-

giosas – cavalinhos de madeira, argolas, roletas.

55


TERCEIRA PARTE

De volta ao Brasil, finalmente

A viagem de Edwige Galló e seus familiares para a Itália, no final dos anos 1920, acabou se transformando em um transtorno, pois o plano era retornarem não muito tempo depois para o Brasil. Com a intensificação dos conflitos internacionais e a eclosão da Segunda Guerra Mundial, tudo ficou mais difícil. Mesmo Pinot, que tinha cidadania brasileira, não conseguiu obter autorização do governo brasileiro para retornar ao país, por mais que se justificasse que aqui a família tinha vários negócios e investimentos, tanto no Rio Grande do Sul como em outros estados. Ele teve, inclusive, seus bens confiscados. Após a formação básica no Brasil, Pinot estudou em Torino e formou-se em engenharia. Era chamado, então, de perito têxtil. Edwige tinha a expectativa de que, uma vez que conseguissem retornar para Galópolis, o filho mais novo poderia seguir no comando dos negócios da família. Renato, por sua vez, estava cada vez mais envolvido na defesa de sua pátria e dos governos nacionalistas e fascistas que se sucederam. Considerado o fundador da organização dos ex-combatentes da Primeira Guerra Mundial em Caxias, nos anos 1920, ele participou ativamente de conflitos como a Guerra na África, em 1935, e da Guerra Civil Espanhola, de 1936 a 1939. Durante a Segunda Guerra Mundial, ele permaneceu na Itália, e a família nunca conseguiu descobrir ao certo o que lhe aconteceu. Termi56

nado o conflito, durante muito tempo Edwige mandou publicar Renato Galló morreu no final da Segunda Guerra

Secondo Solio e a mulher, Olga



anúncios nos jornais, pedindo que alguém informasse sobre o paradeiro de Renato. Consta que, finda a guerra, ele teria se refugiado em Novara, onde seria preso e em seguida morto, ainda em 1945, juntamente com um grupo de 70 italianos que pretendia seguir o ditador Benito Mussolini em sua fuga para a Suíça. Em meio às tentativas de sensibilizar o governo brasileiro para que autorizasse o retorno dos Galló e da família Solio para Galópolis – Secondo chegou a vir para o Brasil em 1948, na tentativa de que alguns dos bens confiscados da família fossem liberados –, Pinot conhece Antonia Tumelero. Nascida na região do Vêneto, em 1920, Antonia mudou-se para o Piemonte, em busca

O prestígio de Edwige quando da abertura de conta no Banrisul, em 1952

de trabalho, seguindo os passos da irmã, Dolores, que já trabalhava na região de Biella. Apaixonaram-se e se casaram em outubro

ocupou provisoriamente, durante alguns meses, uma residência

de 1946, na província de Vercelli, ele com 36 anos, ela com 26.

pertencente ao comerciante Dal Prá. Assim que família Schenk

Finalmente em 1950, depois de intermináveis negociações

desocupou a Casa 2, para lá se mudaram Edwige, seu filho, Pi-

com o governo brasileiro, a família consegue embarcar no navio

not, e a mulher, Antonia, além de Secondo e Olga, mais o filho,

Contebiancamano, que fazia o percurso Gênova-Santos em uma

Ercole. Já em setembro de 1951, nasceu José Galló, filho de Pinot

viagem de aproximadamente duas semanas. Mais uma vez o Bra-

e Antonia. Em 1952, Edwige aparece em fotografia pubicada nos

sil representava a possibilidade de construir um mundo novo, em

jornais locais, como dona da primeira conta aberta no Banrisul

especial para os descendentes que poderiam vir a nascer. Na ba-

da localidade.

gagem, traziam não apenas o sonho de recuperar ao menos parte

A década, entretanto, traria também más notícias. Acometi-

dos bens da família, mas também as lembranças de uma época em

do de uma doença pulmonar, Pinot morre em novembro de 1953,

que os sobrenomes Galló e Solio eram sinônimos de dignidade,

com apenas 43 anos. Uma grande tristeza, em especial para sua

força de trabalho e envolvimento comunitário.

mãe, pois Edwige acreditava que ele pudesse estar à frente dos

No retorno a Galópolis, buscaram de pronto retomar a ro58

tina, depois de 20 anos de ausência. Ao que consta, a família

negócios da família. Apenas três anos depois, morrem também Edwige e Olga. Registro do casamento de Pinot Galló e Antonia Tumelero, em 1946, na Itália

No alto, foto de Antonia (ou dona Lina), em 1945. Abaixo, Ercole Solio, com quem se casaria em 1957



Secondo, viúvo de Olga; seu filho, Ercole, e Antonia, viúva

Paternoster seguiria no posto até 1974, quando assumiu a ge-

de Pinot, com o filho, José, teriam o desafio de dar continuidade

rência Heinz Dieter Loges. Pela primeira vez se cogitou a possi-

à trajetória das famílias Galló e Solio em Galópolis. Em 1957, du-

bilidade de financiar a venda das casas do lanifício para os operá-

rante viagem de Antonia à Itália, para resolver problemas ligados

rios, que até então só contavam com a possibilidade de alugá-las.

à herança deixada por seu pai, ela e Ercole decidem se casar. Logo

Resumidamente, os anos 1970 foram marcados pelas primei-

após o retorno ao Brasil, Ercole e Antonia (que nessa época come-

ras dificuldades econômicas do Lanifício São Pedro, em especial

ça a ser mais conhecida na comunidade como dona Lina, pelo fato

face à instabilidade econômica vivida no país. Os acionistas deci-

dela mesma não gostar de seu nome de batismo), comemoram o

dem tomar um grande empréstimo no Banco Nacional de Desen-

nascimento de Renato, em 1958, e de Paulo, em 1960. Neste mes-

volvimento Econômico e Social (BNDES), o que de certa forma

mo ano, morre Secondo, e a família, então, decide mudar-se para

significaria uma certa dependência, a partir de então, do sistema

Caxias, mas sem deixar de manter seu vínculo com Galópolis.

financeiro nacional e internacional, sempre sujeito a instabilidades. Em setembro de 1978, o lanifício, pela primeira vez em sua

SAEM OS CHAVES, ENTRAM OS SEHBE,

história, apresenta prejuízo. No ano seguinte, os sócios aprovam

QUE DÃO LUGAR À COOTEGAL

a sugestão de buscar recursos via venda de ações da companhia,

O Lanifício São Pedro foi gerenciado por João Laner Spinato até

que em novembro de 1979 passa a ser controlada pelo Grupo Seh-

1966. Depois de 45 anos de serviços prestados, ele deu lugar a João

be. Depois de 67 anos, desde a sociedade firmada com Hércules

Pery Paternoster, que trabalhava na empresa desde 1934, e de cer-

Galló, em 1912, os Chaves Barcellos deixavam de estar à frente do

ta forma deu continuidade ao estilo de Spinato. O fato é que com

lanifício.

a saída de seu Joanim do comando, uma etapa importante do re-

Mesmo com a saída dos antigos sócios, a equipe amadora de

lacionamento do lanifício com a comunidade chegava ao fim. O

futebol do lanifício seguiria dando continuidade a uma tradição

surgimento da Associação Recreativa Amigos de Galópolis, em

de muitos anos na cidade, cujo primeiro registro fotográfico data

1962, integrada por pessoas que em princípio não mantinham re-

de 1933. Quem conta uma das mais interessantes passagens da

lação com a fábrica, sinalizava para uma espécie de concorrência

equipe é João Nicoletti, que atuou como ponteiro no time. Nico-

à influência plenipotenciária do lanifício nas vidas de quase todos

letti entrou no lanifício em 1966 e aposentou-se 30 anos depois,

os galopenses.

em 1985. Pois em 1981, quando o time era tricampeão dos jogos

60 O Grupo Sehbe dirigiu o lanifício entre 1979 e 1999



as jornadas de trabalho no lanifício, Felipão, futuro Campeão do Mundo com a Seleção Brasileira, vivia ali sua primeira experiência à frente de um time profissional – ou quase. O fato é que seu primeiro título na carreira de treinador foi conquistado com o time de futebol do Lanifício São Pedro. Futebol à parte, em 1983 a fábrica de Galópolis é incorporada ao Lanifício Sehbe S.A. Indústria e Exportação, que estaria à frente dos negócios até 1999, quando, após uma greve de seus funcionários, em razão de problemas salariais, a empresa decide entregar a gestão da fábrica para um grupo de trabalhadores que resolveu fundar a Cooperativa de Tecidos Galópolis (Cootegal). Cem anos depois de um grupo de imigrantes vindos da Itália, deorganizados pelo Serviço Social da Indústria (SESI) de Caxias do

mitidos de um lanifício em razão de uma greve, fundarem a co-

Sul, o coordenador de esportes do lanifício, Paulo Antônio Ga-

operativa Società Tevere, de forma a poderem dirigir seu próprio

zola, concluiu que chegara o momento de trazer um treinador

negócio, a história parecia se repetir.

de fora para comandar o grupo na luta pelo tetracampeonato.

Quando assumiu o controle da fábrica, a Cootegal contava

Em uma visita a Galópolis, para acompanhar um treinamento da

com 120 associados. Hoje, são 44 sócios, 90% deles pertencentes

equipe, os diretores Miguel Sehbe e Alfredo Sehbe se entusiasma-

a famílias de Galópolis, e 74 empregados (nos bons tempos, foram

ram com a ideia. “Amanhã vou trazer um treinador para vocês”,

mais de mil). O processo de fabricação não mudou muito desde

teria dito Alfredo.

que a empresa passou a se chamar Lanifício São Pedro, nos idos

No dia seguinte, ninguém menos do que Luiz Felipe Scola-

dos anos 1920. Uma das etapas que já não é mais realizada na fá-

ri, ex-zagueiro e então professor de Educação Física, assumiu o

brica é a lavagem da lã, que já chega ao lanifício classificada. De

comando, juntamente com um fisicultor, Ernani Finger. Com

resto, o vocabulário básico das atividades pode ser sintetizado em

foco na disciplina e na motivação dos jogadores, que precisavam

termos como urdição, fio penteado, tear, tecelão e tecelagem, fio

encontrar fôlego para exaustivos treinos físicos e com bola após

cardado e acabamento.

62 Felipão (em pé, à direita) e o time tetracampeão de 1981

Passados mais de 100 anos de sua existência, o lanifício hoje gerenciado pela Cootegal preserva alguns processos originais de produção



OS ÚLTIMOS REGISTROS NA MEMÓRIA

acompanhar a atividade dele”. Guilhermina recorda que mo-

Em 1975, dois vereadores de Caxias do Sul nascidos em Galó-

rava algumas ruas abaixo da Casa 2, antes de se mudar para lá.

polis, Dionísio Sandi e o já citado Dorvalino Mincato, propõe

A residência, portanto, desde sempre pertenceu a suas referências

uma homenagem a Hércules Galló, com a inauguração de um

emocionais. A morte do marido, em 2008, aconteceu pouco antes

busto do empreendedor italiano na Praça Duque de Caxias.

de José Galló tomar a decisão de buscar o tombamento das duas

Comparecem à cerimônia, além dos dois vereadores, o então

casas construídas por Hércules.

vice-prefeito, Fernando Menegat, o padre Romeu Rossi e o pro-

A família Canutto deixou a Casa 2 em 2010, e desde então

fessor Mário Gardelin. De parte da família, estiveram presen-

mora no centro de Caxias do Sul. Dona Guilhermina divide a pe-

tes Ercole, Antonia e os filhos, Renato Solio, Paulo Solio e José

quena casa com Carlos e com a filha adotiva, Dâmaris, 22 anos,

Galló, este acompanhado da mulher, Flávia Antoniazzi, e do filho

que está cursando a faculdade de Tecnologia da Fotografia, na

Christiano Antoniazzi Galló.

Universidade de Caxias do Sul (UCS). Dâmaris é autora de algu-

Ercole faleceu no ano 2000, e Antonia, em 2008, pouco antes

mas fotos atuais do lanifício que ilustram este livro.

de José Galló tomar a decisão de buscar o tombamento das casas construídas por seu avô e, assim, financiar sua recuperação. A Casa 1, após a saída da família de João Vial II, por volta de 1950, foi alugada por Vicente Penoli e, posteriormente, pela família de João Pacheco, que deixou a residência em meados do ano 2000. Foram quase 10 anos em que a moradia ficou exposta às intempéries, sem qualquer tipo de manutenção. A Casa 2 foi alugada à família Canuto a partir de 1964. Carlos Canutto, 47 anos, filho de João e Guilhermina, lembra com carinho de uma vida inteira morando ali (foram quase 50 anos). “Meu pai estava sempre fazendo algum tipo de reforma ou manutenção. No porão, ele montou uma oficina, cheia de ferramentas e com duas mesas de granito. Eu e meu irmão, Jean, gostávamos muito de 64 Busto em homenagem a Hércules Galló, na praça central de Galópolis, inaugurado em 1975



66


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70


O PATRIMÔNIO, A INTERVENÇÃO

71


72


O bem cultural imóvel arquitetônico é, talvez, o que apresenta maior complexidade no momento da elaboração do projeto de intervenção. Neste caso, à conservação física soma-se uma gama de fatores que nela interferem e que determinam suas diretrizes. A começar por sua condição de patrimônio cultural, dotado de significados e representações, passando por sua utilização – a adequação dos espaços antigos a novos usos, pela necessidade de atualização ou, muitas vezes, de introdução de novas instalações prediais que garantam a segurança e a possibilidade de um uso atual, até a definição de materiais e técnicas atuais adequadas e compatíveis aos presentes no edifício. Além dos fatores relativos ao programa de necessidades e às técnicas construtivas, depara-se também, e principalmente, com fatores históricos e teóricos: o critério da intervenção – como garantir a manutenção da autenticidade do bem e a atualidade da intervenção proposta? Como preservar a representação da memória coletiva atendendo a interesses individuais? Como eleger o que deve, ou não, ser mantido e preservado? Enfim, todas essas questões, entre outras, permeiam o projeto de conservação/restauração do bem imóvel. Quando se trata de projeto de intervenção em espaços públicos, as dificuldades são ainda maiores. Aos fatores de ordem física, técnica, histórica, teórica e da utilização agregam-se os fatores decorrentes da gestão urbana, da viabilização da implantação, da mitigação dos impactos ambientais urbanos, das comunidades usuária e moradora etc. Tudo isso para dizer que os projetos de conservação e/ou restauração arquitetônica e/ou urbanística são projetos de grande complexidade e devem, portanto, ser objeto de trabalho de equipes multidisciplinares, formadas por profissionais de várias áreas de conhecimento, como de arquitetura e urbanismo, de arte, de engenharia, de arqueologia, de história, de ciências sociais etc. Convenciona-se chamar a equipe dos projetos dessa natureza de Equipe de Restauração.” Cristina Coelho O projeto de intervenção em bens culturais imóveis arquitetônicos e urbanos

73


O início A decisão de recuperar as casas que pertenceram a

– Além da recuperação propriamente dita e da

Hércules Galló, de forma a que pudessem se trans-

entrega das casas como novo espaço cultural para

formar em legado para as gerações do presente e

a população, gostaríamos que outras pessoas se es-

do futuro, funcionando como um espaço ativador

pelhassem na iniciativa e buscassem informações

de atividades culturais e fomentador do turismo

sobre legislações municipais, estaduais ou federais

na região, foi tomada por José Galló, neto do em-

referentes a tombamento. É uma maneira de viabi-

preendedor, no ano de 2009. José havia herdado as

lizar que todo e qualquer patrimônio histórico seja

residências de seu pai, Pinot, que faleceu em 1953,

o mais amplamente possível recuperado, saindo da

e acalentava o sonho de encontrar uma alternativa

condição de esquecimento e abandono – explica o

para que as duas construções, testemunhas de boa

arquiteto Renato Solio, bisneto de Hércules Galló.

parte da história de Galópolis, não acabassem vindo abaixo, corroídas pelo tempo. – Doía-me ver o estado em que se encontravam as casas – relembra José.

74

Não foi casualidade, portanto, a contratação do escritório de arquitetura Uaná Design, dirigido por Renato e seu sócio, arquiteto Roque Frizzo, para realizar os primeiros levantamentos fotográficos e

A alternativa vislumbrada para viabilizar a re-

métricos das casas, informações que fundamenta-

cuperação das construções que assistiram ao nas-

ram o pedido de tombamento. Uma vez aprovada a

cimento e crescimento da vila, e que de alguma

solicitação, decisão essa publicada em 1º de junho

forma também foram protagonistas deste processo

de 2010, o escritório deu início ao efetivo proces-

histórico, foi buscar seu tombamento pelo Patrimô-

so de intervenção, que a cada passo foi temperado

nio Histórico do Município de Caxias do Sul. Isto

também pelo envolvimento afetivo de Renato com

porque, seguindo-se todos os passos previstos em

as casas que foram ocupadas por seus antepassados,

legislações como a vigente no município da Serra

tendo ele próprio residido na Casa 2 até 1963.

gaúcha, e semelhante à de tantas outras cidades, é

No que se refere às legislações sobre patrimônio

possível captar recursos para financiar este tipo de

histórico, as regras variam de acordo com o local,

intervenção. No caso de Caxias, uma vez que deter-

mas em geral, qualquer pessoa, proprietária ou não

minada solicitação de tombamento seja aprovada, o

de um bem, pode solicitar a realização de estudo

proprietário recebe o direito de comercializar índi-

para fins de tombamento, apresentando para tanto

ces de potencial construtivo, como forma de subsi-

elementos básicos que o justifiquem. Após estudos

diar a recuperação do patrimônio em questão.

preliminares pelo órgão ou departamento de patri-


mônio histórico local, é solicitada ou não a abertuA DEFESA DO PATRIMÔNIO GAÚCHO DESDE 1954 A história da defesa do patrimônio arquitetônico e cultural no Rio Grande do Sul tem como marco inicial a criação, em 1954, da Divisão de Cultura do Estado do Rio Grande do Sul, ligada à Secretaria da Educação, que também realizava estudos sobre folclore e sua difusão. Dez anos depois, em 1964, foi criada a Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado do Rio Grande do Sul, responsável pela política de preservação dos bens patrimoniais e culturais do Estado. A partir de 1979, esse órgão passa a se chamar Coordenadoria do Patrimônio Histórico e Artístico do Estado (CPHAE). A década de 1980 marca o início de um período de intensas preocupações com a preservação da memória no Estado. Vários bens imóveis receberam proteção legal em nível estadual, através de processos de tombamento, levando sempre em consideração os valores históricos e arquitetônicos agregados. O primeiro tombamento foi a Ponte 25 de Julho, em São Leopoldo, em 1980. Após a criação da Secretaria de Estado da Cultura, em 1990, foi publicada a portaria n° 11/90, que alterou a denominação das coordenadorias, transformando-as em institutos. Surgiu, assim, o Instituto do Patrimônio Histórico

e Artístico do Estado, o IPHAE. Até abril de 2012, o IPHAE contabilizava 118 bens tombados, incluindo-se tombamentos ambientais (Mata Atlântica e quatro parques) e os bens móveis da Biblioteca Pública. Além das ações de tombamento dos bens propriamente ditos, o Instituto estabelece também as áreas de entorno e as diretrizes e orientações às intervenções nessas áreas. O IPHAE realiza ainda convênios e parcerias junto a todos os municípios do Estado, com a intenção de inventariar os bens edificados de valor cultural, auxiliando-os na implementação de legislações municipais de tombamento e desenvolvendo ações de proteção do patrimônio cultural em parcerias que envolvem também associações civis. O Instituto possui publicações referentes ao patrimônio e a sua preservação, assim como elabora pareceres para projetos relativos à preservação do patrimônio cultural que buscam a Lei do Incentivo à Cultura (LIC) e referentes aos valores culturais dos bens do Estado para o Ministério Público Estadual e Federal. contato com o IPHAE: Avenida Borges de Medeiros, 1501/ 19º andar Porto Alegre/RS 90119-900 Telefone/Fax: 51 3288.7534 Email: iphae@sedac.rs.gov.br Internet: www.iphae.rs.gov.br

ra do processo. Se o imóvel vier a ser efetivamente tombado, passa a estar protegido por diferentes expedientes legais, que impedem, por exemplo, sua demolição. O proprietário do imóvel poderá receber o chamado potencial construtivo, mecanismo que serve como compensação pelo engessamento da venda provocado pelo tombamento. O recurso que resultar da eventual comercialização do potencial construtivo só poderá ser aplicado na recuperação do bem tombado, que, depois de recuperado, poderá ter uso público, como é o caso do Instituto Hércules Galló, ou não. O importante, afirmam Renato e José Galló, é estimular a preservação. ETAPAS E CONCEITOS A elaboração de um projeto de intervenção de um bem cultural imóvel arquitetônico vai muito além das questões referentes ao canteiro de obras, por assim dizer. O levantamento histórico, incluindo pesquisas bibliográficas, iconográficas, investigações arqueológicas, registros fotográficos, além do levantamento topográfico e do registro do tombamento, são fundamentais. A partir de sua realização é possível chegar ao levantamento gráfico contendo plantas, cortes e fachadas. Outra etapa importante é o diagnóstico de danos, quando se interpreta o estado de conservação da edificação como um todo. Só então é possível detalhar as ações de intervenção.

75


A complexidade deste trabalho é enorme, pois além da conservação física do bem, há outros fatores que interferem no projeto, como a adaptação de ambientes antigos para novos usos e a introdução de novos espaços, devido às necessidades do presente. São todos requisitos essenciais para garantir a segurança e a viabilidade do projeto. Em paralelo, a definição de materiais e técnicas modernas que sejam compatíveis com a construção antiga são fatores que garantem a durabilidade do imóvel. Do ponto de vista técnico, existem pelo menos 15 diferentes termos e conceitos que definem o trabalho de intervenção, os quais, para um leigo, eventualmente podem ter significados parecidos. No caso do trabalho realizado em Galópolis, foram realizados quatro tipos de intervenções de preservação (confira no quadro ao lado). CRONOLOGIA DAS EDIFICAÇÕES Para fins de organização do trabalho, as casas que pertenceram à família de Hércules Galló foram “batizadas” como Casa 1 e Casa 2. A Casa 1, com cerca de 170 metros quadrados, foi a primeira a ser construída, por volta de 1904, mesmo ano em que Hércules Galló assumiu o comando da cooperativa de 76

tecelões. A Casa 2, bem maior, com cerca de 500 metros quadrados, surgiu quatro anos depois, quando o lanifício passa a funcionar em ritmo industrial e os negócios se intensificam. A família transfere-se

reprodução/réplica é a cópia exata de parte de elementos ou de elementos completos. Se determinadas peças estão em perigo, poderão ser substituídas por réplicas e transportadas a um local seguro. Os custos e dificuldades de produzir réplicas arquitetônicas tornam esta ação muito rara. reabilitação/adaptação ao novo uso busca adaptar o espaço preexistente a usos diferentes para o qual foi concebido originalmente. Esta ação pode ou não resultar no acréscimo de anexos para melhor abrigar as novas funções. Quando isso acontece, devem ser reconhecidos como produtos da sua própria época, de modo a não conduzirem a um falso histórico (que vem a ser a representação que pretende apresentar como autêntica uma mera reconstituição de obra que se desgastou ao longo do tempo).

conservação diz respeito a ações destinadas a preservar a autenticidade e prolongar o tempo de vida ou integridade física de um bem cultural. O conceito geral da conservação implica em vários tipos de tratamento que buscam salvaguardar o bem. Entre esses tipos, podem ser incluídas a manutenção, a reparação e a consolidação. reconstrução é o restabelecimento exato do estado anterior de uma edificação, ou de parte dela, que se encontra destruída ou em risco de destruição, mas ainda não em ruínas. Esta ação deve ser baseada sempre em documentos e evidências históricas indiscutíveis.


IMPLANTAÇÃO

Com a morte de Galló, em 1921, e o retorno da

dos profissionais da Cecatto Decorações Ambien-

família para a Europa, no período entre a Primeira

tais Ltda., empresa da região escolhida com o obje-

Um fato curioso diz respeito a duas reformas

e a Segunda Guerra mundiais, as casas foram ocu-

tivo de se assegurar a melhor qualidade possível em

realizadas na Casa 2, a primeira por volta de 1917

padas por funcionários do lanifício ou então aluga-

todo o processo.

e a segunda, logo em seguida. Tanto a inclusão de

das, passando alguns breves períodos sem habitan-

– Além disso, avaliamos que seria importante

mais dois cômodos quanto a integração do banhei-

tes. Quando a família volta ao Brasil, em meados de

contarmos com marceneiros na equipe, e não ape-

ro à residência foram decorrência da necessidade de

1950, são feitas algumas melhorias nos imóveis, que

nas carpinteiros, em razão da sutileza e qualidade

hospedar os sócios de Galló quando de suas visitas

após 1963, com a mudança da família para Caxias

do trabalho – explica Renato Solio.

a Galópolis, após a constituição da sociedade com a

do Sul, passaram por pequenas modificações, adap-

família Chaves Barcellos, de Porto Alegre, que resul-

tações e manutenções, a cargo dos locatários.

para esta nova moradia, passando a Casa 1 a ser ocupada por empregados do lanifício.

Para que a visitação das residências se tornasse viável, foi preciso projetar também uma área de

O processo de intervenção nas duas casas que

estacionamento. A intervenção compreende, assim,

Fato relevante, também, na história das duas

pertenceram à família de Hércules Galló se iniciou,

não somente a recuperação das Casas 1 e 2, mas

casas foram os trabalhos de abertura da BR-116, que

na prática, em 27 de outubro de 2010, na Casa 2. Os

também locais que garantirão a segurança e o bem-

se iniciaram em 1936 e foram concluídos em 1941. A

trabalhos na Casa 1 se iniciaram em 6 de junho de

-estar dos visitantes. Há, ainda, a intenção de se

rodovia, entretanto, alterou apenas em parte a roti-

2011. A intervenção foi coordenada pelo escritório

criar um espaço multiuso, voltado para a comuni-

na dos moradores de Galópolis.

Uaná Design e passou em grande parte pelas mãos

dade regional, como mostra a imagem acima.

tou na criação do Lanifício São Pedro.

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78


Casa 1

1ª Fase – Meados de 1904

TIPOLOGIA

PLANTA BAIXA PORÃO

PLANTA BAIXA TÉRREO

A Casa 1, com porão, pavimento térreo e sótão, possui características da arquitetura colonial italiana do período tardio, com influência internacional dos Sala 1

chalés. Os principais materiais utilizados na consparedes), pedra (fundações) e metal (telhas de ferro

Vestíbulo

trução foram madeira (estrutura, pisos, forros e

Sala 2

Porão

galvanizado e ferragens). O porão, assimétrico se comparado com a pro-

Sala 3

Sala 4

jeção do pavimento térreo, apresenta paredes em pedra basalto, pé-direito de dois metros, piso de chão batido e forro constituído pelo piso de madeira do pavimento térreo. Possui duas janelas no porão e seis na fundação. O acesso, com escada em madeira, é apenas interno e feito através de um alçapão.

PLANTA BAIXA SÓTÃO

Como nos quatro cômodos originais do térreo não havia banheiro, foi necessário subdividir a s ala 2, para dar conta desta adaptação. No sótão, existem dois cômodos e uma pequena circulação que leva à porta do balcão da fachada leste, balcão este constituído por guarda-corpo de madeira orna-

Sala 5

Sala 6

mentada com trabalho em serra-de-fita. As portas internas são engradadas, em verga reta e com almofadas lisas. As portas externas da fachada leste e oeste são em verga reta, bandeira envidraçada com 79


80


caixilhos fixos compostos por três panos de vidros lisos transparentes, porém a porta da fachada leste tem característica de porta engradada com almofada lisa, e a porta da fachada oeste apresenta características de porta contraplacada. As paredes externas e internas, feitas de tábuas em madeira, recebem arremate em mata-junta em suas emendas. Além disso, um friso circunda todo o perímetro externo da casa, marcando a mudança de pavimento e realçando a volumetria, com exceção da fachada oeste. A residência apresenta discreta tendência à ornamentação. Destacam-se os recortes em serra-de-fita na confecção do guarda-corpo e lambrequins, junto às extremidades dos beirais, realçando o aspecto de chalé nas fachadas norte, sul e leste. Frisos, roda forros e rodapés complementam os acabamentos em madeira, apesar da relativa simplicidade. DIAGNÓSTICO DE DANOS E INTERVENÇÕES O diagnóstico de danos se aplica somente aos bens culturais materiais e consiste na representação gráfica e sintética dos danos físicos existentes no bem histórico. É o resultado de pesquisas mais aprofundadas sobre um determinado edifício, que levam ao conhecimento do estado de conservação, para posterior fundamentação da postura de intervenção.

81


FACHADA SUL

A Casa 1 apresentava grave comprometimento em quase todos os seus elementos construtivos, justificando-se assim a necessidade de reabilitação, reconstrução e reprodução, bem como conservação (consolidação, manutenção e reparação). No que se refere à conservação, toda a casa recebeu imunização, dedetização e desinsetização. Foi efetuada limpeza tanto do terreno no entorno da casa quanto internamente, além da pintura parcial da parte interna e total na parte externa, com o objetivo de conservação. A escolha das cores foi baseada nas evidências encontradas no local. Praticamente todos os tampões internos das esquadrias

FACHADA NORTE

foram reparados. Parte da estrutura geral da casa, pisos e forros foram mantidos e reparados, enquanto algumas tábuas de fechamento externo da fachada sul e oeste puderam ser reparadas e reutilizadas em outros locais. Foi necessária a consolidação de algumas vigas e pilares de madeira da estrutura da casa, assim como da sustentação do telhado, por recomendação do engenheiro Luiz Carlos Almeron. Na reconstrução, foi utilizada a madeira de Pinho. Algumas taipas de pedra precisaram ser reconstruídas, em razão do alargamento da via de acesso para o estacionamento, o mesmo ocorrendo 82

com vigas, pilares, piso, forro e paredes no canto da fachada leste/sul.

Identificação de danos ESTADO BOM Manter o elemento

ESTADO RUIM Reconstruir o elemento

ESTADO REGULAR Recuperar o elemento

ESTADO INEXISTENTE Reproduzir o elemento


FACHADA LESTE

FACHADA OESTE

83

Vista da fachada leste; retirada das paredes em madeira para reconstrução da nova estrutura

Detalhe da degradação da madeira na fachada oeste junto à porta de acesso


Foto tirada a partir da circulação do sótão, olhando-se para a sala 6

Foto tirada do vestíbulo, realçando o detalhe do desalinhamento das paredes, em função da compartimentação da sala 2 para a adaptação do banheiro

Foto tirada a partir do vestíbulo, olhando-se para a porta de acesso da fachada oeste

Foto tirada do vestíbulo, olhando o banheiro adaptado na sala 2 PLANTA BAIXA TÉRREO

Sala 1

Vestíbulo

Sala 2

Sala 3

Sala 4

PLANTA BAIXA SÓTÃO

Sala 5

Identificação de danos 84 ESTADO BOM Manter o elemento ESTADO REGULAR Recuperar o elemento ESTADO RUIM Reconstruir o elemento ESTADO INEXISTENTE Reproduzir o elemento

Sala 6


CORTE AA'

Já o canto da fachada oeste/norte teve de ser desmontado e reconstruído, pois estava em péssimas condições devido ao antigo sanitário que ali existia. As estruturas de vigamento e pilares desta área também foram reconstruídas. Praticamente toda a fachada sul e oeste e parte das fachadas norte e leste foram reconstruídas, da mesma forma que a maior parte do piso e parte do forro do sótão. Devido às infiltrações de água, a estrutura do telhado foi reconstruída, com a substituição de telhas de zinco por Aluzinc. O vão da porta da fachada norte foi fechado, pois não pertencia ao projeto original e foi considerado sem valor histórico, ao mesmo tempo em que o vão de uma das esquadrias foi reconstruCORTE BB'

ído, pois estava fechado quando do levantamento inicial realizado. Na maioria das esquadrias, as guarnições, soleiras e caixilharia foram reconstruídas, assim como o friso externo em madeira que circunda todo o perímetro da casa. A reprodução incluiu alguns lambrequins de madeira, o guarda-corpo do balcão central e alguns de seus elementos decorativos em madeira, bem como a maioria dos vidros das esquadrias, pois já não se encontravam no local ou estavam quebrados.

85


86


ORIGINALIDADES E PECULIARIDADES

Do ponto de vista ornamental, a peculiaridade

Ao longo do tempo, a fachada da Casa 1 apresen-

nas fachadas são os recortes em serra-de-fita utili-

tou pequenas alterações. Uma delas foi a abertura,

zados nos lambrequins de madeira e em pequenos

na fachada norte, de um vão para a colocação de

detalhes nos dois cantos superiores das fachadas. As

uma porta que dava acesso a uma ducha externa.

tábuas de revestimento externo recebem arremates

Na fachada sul, chamou a atenção o fechamento da

em mata-junta em suas emendas. Na fachada oeste,

esquadria do sótão e a inexistência de alguns lam-

destaca-se o encaixe macho-e-fêmea da porta. No

brequins. Na fachada leste, inexistia o balcão jun-

piso térreo, os rodapés em madeira foram utilizados

to à porta e alguns lambrequins. Na fachada oes-

sem maiores ornamentos, enquanto que no piso do

te, percebeu-se uma abertura de um vão circular

sótão destaca-se a utilização de um detalhe em ma-

para a colocação de uma chaminé, onde as placas

deira, criando um acabamento diferenciado entre

metálicas faziam o acabamento junto às tábuas de

o piso e a parede. No forro do térreo, destaca-se a

madeira. No piso térreo, percebeu-se que houve a

utilização de roda forros em madeira sem maiores

substituição de parte do assoalho original por tá-

ornamentos. Já a mata-junta das tábuas de fecha-

buas também de madeira, porém com maiores di-

mento do forro do sótão foram todas reconstruídas.

mensões e uma placa metálica. No piso do sótão, notou-se a inexistência de parte das tábuas. No forro do térreo e do sótão, verificou-se a inexistência de parte das tábuas de fechamento.

87


PRESERVAÇÃO/ADAPTAÇÃO AO NOVO USO O impacto das intervenções contemporâneas, sejam elas adaptações dos espaços aos novos usos, a utilização de tecnologias construtivas atuais ou a inserção de novos elementos arquitetônicos, justificam-se no sentido de promover a conservação, a acessibilidade, a segurança e a adequação às necessidades do presente. Assim, houve movimentação de terra e retirada de vegetação no entorno da Casa 1, com o intuito de evitar a queda de árvores sobre a residência e, também, proporcionar maior insolação e visibilidade do local. Toda a periferia externa da Casa 1 teve suas paredes em madeira duplicadas para a passagem de tubulação elétrica, hidráulica e de ar condicionado. Entre a parte externa e a interna foi inserida uma placa de isopor para melhorar as condições de isolamento térmico de toda a casa, assim como a colocação de manta térmica entre a estrutura do telhado e as telhas. A fim de melhorar a vedação, as aberturas receberam preenchimento com poliuretano expandido. Optou-se por retirar a parede que dividia as salas 1 e 3, a fim de ampliar e integrar melhor os ambientes. Também entre as salas 1 e 3 foi aberto um vão no piso (com 1,03m x 3,01m), utilizando-se vidro laminado e temperado para permitir visualização do porão, já que seu acesso através do alçapão seria difícil. Foi preciso prever a instalação e execução de dois sanitários. 88

O acesso de portadores de necessidades especiais e público em geral será feito através da rampa de acesso. Foram instaladas portas de vidro nos dois acessos principais, com o objetivo de manter a temperatura do ambiente e salvaguardar o bem. Nas portas internas do sótão, foi colocado vidro redondo, para facilitar a entrada de luz e a visualização das salas.


FACHADA OESTE

FACHADA NORTE

FACHADA LESTE

PLANTA BAIXA PORÃO

PLANTA BAIXA TÉRREO

PLANTA BAIXA SÓTÃO

Vestíbulo

Sala 1

Porão

Sala 3

Sala 2 Sala 5

Sala 6

Sala 4

89


Memorial de obra O objetivo deste memorial de obra é documentar todas as intervenções realizadas, registrando as etapas de execução das mesmas. Assim, é possível também identificar os materiais originais e os novos que foram utilizados durante o trabalho. início das obras 6 de junho de 2011

90

Vista da degradação ocasionada pela ação do tempo em uma das esquadrias do sótão

Danos causados no telhado da Casa 1, devido à queda de vegetação do entorno


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Imagem mostrando os trabalhos iniciais de reconstrução da estrutura de sustentação da fachada leste/sul

Foto feita no sótão mostra detalhe do telhado e do vão existente em função do desabamento do canto da fachada leste/sul

Detalhe do início dos trabalhos de reconstrução e consolidação da fachada oeste

Detalhe da reconstrução da sala 1. Fechamento externo em Pinho, à espera das fiações do projeto elétrico e da tubulação do ar condicionado


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Fachada oeste e sul com o madeiramento novo, à espera das esquadrias

Fachada oeste e sul após a colocação das esquadrias e finalização da cobertura do telhado

Fechamento do vão da porta na fachada norte, pois esta não pertencia à casa original

Detalhe do piso novo do sótão sendo instalado e do encontro dos telhados, após a colocação da manta para melhorar o isolamento térmico


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Fachada leste com balcão posicionado no centro da Casa 1 à espera da colocação do guardacorpo de madeira


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Vista das instalações hidrossanitárias no local onde ficarão os banheiros. Utilização do piso de chapa wall

Vista das instalações hidrossanitárias no local onde ficarão os banheiros, conforme projeto de intervenções

Detalhe da nova tubulação de esgoto dos banheiros

Fechamento do vão da porta na fachada norte, pois esta não pertencia à casa original e foi considerada sem valor histórico e estético


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Sala 2 com as paredes de gesso acartonado (construção dos sanitários) à espera da pintura, da colocação dos acabamentos e das portas

Detalhe da parede interna de madeira com o isolamento em isopor e os dutos elétricos

Detalhe do balcão da fachada leste, com guarda-corpo ornado e lambrequins decorativos

Vista interna da sala 5 reconstruída

Vista da fachada sul/ oeste limpa e lixada, à espera de pintura


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Detalhe da colocação dos lambrequins na fachada norte

Vista da rampa de acesso junto à fachada oeste

Foto tirada da sala 6 mostrando a circulação e o acesso à sala 5. Destaque para as novas portas adaptadas com vidro redondo, para maior luminosidade nos espaços

Vista da fachada leste após intervenções tanto na casa quanto no entorno


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Abertura no piso para colocação do vidro, possibilitando a visualização do porão

Vista da integração das salas 1 e 3 após a retirada da parede divisória

Vista sul/oeste

Vista do vestíbulo após realizadas as intervenções


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Vista da fachada norte com o passeio e ajardinamento finalizados

Vista da subida da escada do sótão e destaque para a porta de acesso do balcão frontal

Detalhe da janela do sótão na fachada sul

Vista interna da sala 1, mostrando o acesso aos novos sanitários localizados na sala 2.

Detalhe da porta de acesso principal


99

As Casas 1 e 2 vistas da BR-116


100


1ª Fase – Meados de 1908

2ª Fase – Meados de 1917

FACHADA NORTE

Casa 2 TIPOLOGIA A exemplo da Casa 1, a Casa 2, construída em meados de 1908, também possui características da arquitetura colonial italiana do período tardio com influência internacional dos chalés. Utiliza três principais tipos de materiais em sua construção: madeira (estrutura, pisos, forros e paredes), pedra (fundações) e barro (para fabricação de telhas francesas e tijolos).

FACHADA SUL

Com quatro pavimentos (porão, térreo, primeiro pavimento e sótão), era originalmente distribuída em uma composição formal de planta em “L”. Após a ampliação, a planta se desconfigura e assume novo formato em “T”. Uma característica marcante é a varanda no primeiro pavimento, sob a qual formou-se o alpendre, hall externo à porta principal. Tal como na Casa 1, o porão é assimétrico, se comparado à projeção do pavimento térreo. Foi construído com paredes de pedra basalto, pilares de tijolos, piso de chão batido, pé-direito de dois metros e forro constituído pelo pavimento do térreo. As quatro janelas em verga reta apresentam

PLANTA BAIXA TÉRREO

grades em treliça de ferro para ventilação permanente do ambiente. Tem dois acessos: o interno, feito através de um alçapão com escada em madei-

Sala 1

ra, e o externo, pela porta contraplacada em verga reta na fachada sul.

Sala 2

Sala 3

Sala 4

Sala 3

Sala 4

Vestíbulo

Vestíbulo

Alpendre

Sala 2

Alpendre Sala 6

Sala 6

Sala 5

101


O vestíbulo conduz para os demais ambientes e para a circulação vertical, configuração que se manteve até a primeira ampliação, quando foi anexada uma sala. Mais tarde, em uma segunda intervenção, o sanitário passou a fazer parte da casa, totalizando sete ambientes. Os quatro acessos ao interior da edificação são feitos através de portas do tipo engradadas em verga reta. Uma delas tem veneziana externa, almofadas trabalhadas e caixilhos compostos por três panos de vidros lisos transparentes; outras duas são ricas em detalhes através de bandeira basculante composta por três panos de vidros lisos transparentes, almofadas trabalhadas e gradil em ferro; uma quar-

Com exceção das esquadrias da área que foi am-

ta porta tem características bem mais simples. O

pliada, as demais janelas são do tipo residencial, em

guarda-corpo do alpendre é composto por um jogo

verga reta, com caixilhos fixos compostos por três

de encaixe de madeiras e possui simetria lateral.

panos de vidros lisos transparentes em duas folhas de

No primeiro pavimento, existiam inicialmente

abrir para dentro. Assim como as portas que davam

quatro cômodos, que passaram a ser cinco com a

acesso aos balcões originais, apresentam bandeiras

ampliação, o que resultou na redução de uma das

basculantes compostas por três panos de vidros lisos

salas, para a criação de circulação de acesso à nova

transparentes, taipais ou escudos, com almofadas

sala. A varanda possui guarda-corpo ornado, con-

trabalhadas e venezianas externas em madeira.

feccionado com recortes de serra-de-fita e cobertura por telhas de ferro galvanizado.

102

Os ornamentos são destaque em balcões, guarda-corpos, frisos, imponentes roda forros e por-

O sótão pode ser considerado simples, se com-

tas internas, caracterizadas como engradadas, em

parado ao restante da casa. Possui pequena circula-

verga reta, de almofadas trabalhadas e bandeiras

ção e dois cômodos, ambos com acessos a balcões

basculantes compostas por três panos de vidros li-

que originalmente existiam. O pé direito é bem

sos transparentes. Outra característica comum é a

mais baixo do que o dos demais pavimentos, devido

utilização de pisos e forros de tabuado corrido liso,

aos ângulos do telhado.

com encaixe macho-e-fêmea.

Vista da fachada leste, no ano de 2010, quando foi iniciado o levantamento

Detalhe da veneziana de uma das janelas da sala 7 e das peças em madeira do guarda-corpo da varanda


Identificação de danos ESTADO BOM Manter o elemento

ESTADO RUIM Reconstruir o elemento

ESTADO REGULAR Recuperar o elemento

ESTADO INEXISTENTE Reproduzir o elemento

FACHADA NORTE

DIAGNÓSTICO DE DANOS

existente na construção. Desta forma, as interven-

O estado de conservação da Casa 2 em geral era

ções de preservação foram intensas, objetivando a

bom; porém, a fachada sul apresentava grave com-

consolidação da estrutura existente e a reconstru-

prometimento em toda sua extensão, tanto em

ção de pisos e paredes.

paredes como em aberturas, o que tornava a re-

Do ponto de vista da conservação, a casa re-

construção total imprescindível. Os demais locais

cebeu imunização, dedetização e desinsetização,

sofreram intervenções pontuais, com algumas par-

exterminando-se, assim, os agentes biológicos, in-

tes sendo reconstruídas, outras, reparadas e manti-

clusive uma colmeia existente na sala 7. Parte do te-

das, além da reprodução de alguns elementos. Cabe

lhado foi consolidada, com limpeza das telhas (to-

destacar que a edificação passou por dois momen-

das puderam ser reutilizadas) e reparação de alguns

tos importantes: a construção, em meados de 1908,

madeiramentos. Também foi necessário trabalho

e a ampliação, por volta de 1917.

de consolidação no telhado da varanda, que se en-

A construção mais atual apresentou diagnósti-

contrava em péssimo estado de conservação. Parte

co crítico em razão de infiltrações no telhado, umi-

do forro do sótão foi reparada. Na sala 5 (antiga co-

dade do solo, falta de limpeza e manutenção dos

zinha), houve a colocação de um piso cerâmico por

ambientes, além do desnivelamento da estrutura,

um antigo locatário, a qual foi desconsiderada, por

ocorrido ao longo do tempo, em função do balanço

não ter valor histórico.

Detalhe de uma das esquadrias da fachada sul, após a retirada do madeiramento que mantinha o vão fechado

Vista da sala 5 após a retirada do piso existente, para reparação, consolidação e reconstrução da estrutura

FACHADA SUL

103


O desnivelamento ocasionado pelo balanço

quadrias. Foram reconstruídos parcialmente o piso,

existente na área de ampliação, que resultou na

as paredes e o forro da sala 10; telhado; taipas; fa-

desestruturação de pisos e paredes, apontou para a

chada oeste; fachada leste, próximo a duas portas;

necessidade de colocação de três pilares de madei-

canto da fachada leste/sul; madeiramento abaixo

ra Garapeira. Também foi necessário consolidar a

da janela onde havia colmeias e guarda-corpo de

estrutura de sustentação da sala 10. Algumas peças

proteção da escada de acesso ao sótão. Também fo-

de ladrilho hidráulico do piso do alpendre foram re-

ram reconstruídas as partes inexistentes, através de

paradas e recolocadas. A pintura, semelhante à cor

madeiramento original da fachada sul, que estava

atual, além de tornar a casa esteticamente homogê-

em boas condições, da mesma forma que as tábu-

nea, assegura sua preservação.

as de madeira utilizadas na reconstrução do ma-

No que se refere à reconstrução, ela foi total ou parcial. Foram totalmente reconstruídas a fachada

amostra de tábua retirada.

sul; os beirais, algerosa e calhas metálicas; o piso da

Finalmente, houve reprodução total ou de par-

sala 5; o forro e pilar do alpendre; o pilar; o forro

tes do passa-mão do guarda-corpo da varanda, al-

e o vigamento de sustentação da varanda e o friso

pendre e balcões, além de algumas partes do con-

externo em madeira entre os pavimentos, que cir-

junto de ladrilho hidráulico do piso do alpendre.

cunda o perímetro de toda a casa, além de nove es-

Detalhe da degradação de uma parte da fachada sul

104

deiramento seguiram o modelo de fresa, conforme

Antigo piso cerâmico na sala 5, que foi retirado por não possuir valor histórico

Detalhe do canto inferior da fachada sul degradada. Reforço com pilares em madeira Garapeira, na área onde antes havia um balanço


ORIGINALIDADES E PECULIARIDADES

Já o piso do sótão apresentou-se idêntico ao

Na fachada norte, entre as pequenas alterações na

original, tendo como peculiaridade ornamental a

originalidade, destaque para o acréscimo de ele-

utilização de um rodapé em madeira que cria um

mentos na varanda superior e a ausência dos bal-

acabamento diferenciado entre o piso e a parede.

cões. Nas fachadas sul, leste e oeste, verificou-se a

O forro do térreo e do primeiro pavimento são

ausência do volume da sala 1, dos balcões e o fecha-

originais. A ampliação da residência, realizada em

mento de uma das janelas (fachada sul).

1917, fica aparente no térreo, pela diferenciação da

O piso do térreo e do primeiro pavimento tam-

ornamentação do roda forro (sala 5), e no primeiro

bém apresentaram pequenas alterações em sua con-

pavimento, na sala 10, sendo este bem mais simples.

figuração original. No térreo, houve a substituição

Outro indício no pavimento superior que compro-

de partes das tábuas originais do piso da sala 5; no

va a ampliação é a parede de madeira da sala 9, que

primeiro pavimento, parte das tábuas originais da

interrompe o roda forro da circulação. Como pecu-

varanda deram lugar a tábuas de dimensões maiores.

liaridades ornamentais, destaque para a utilização

No que se refere às peculiaridades das fachadas

de roda forros em madeira bem trabalhados, tanto

norte, sul, leste e oeste, destacam-se os recortes em

no forro do térreo quanto no primeiro pavimento,

serra-de-fita utilizados nos guarda-corpos da va-

além da preocupação com as diferentes cores de

randa e dos balcões então existentes. Além disso,

cada roda forro, combinando com seu ambiente. O

há um friso que circunda todo o perímetro da casa,

forro do sótão foi reconstruído, tampouco se obser-

marcando a mudança de pavimento e realçando a

vam peculiaridades ornamentais e construtivas.

volumetria. Nas fachadas norte e leste, as portas principais se destacam por possuir almofadas trabalhadas e gradil em ferro. Na fachada leste, destaque para o guarda-corpo do alpendre, composto por um jogo de encaixe de madeiras. Entre as peculiaridades ornamentais e construtivas dos pisos térreo e do primeiro pavimento, destaca-se a utilização de rodapés em madeira sem

Detalhe dos recortes em serra-fita utilizados no guarda-corpo da varanda

maiores ornamentos, ao mesmo tempo em que a preocupação estética está presente no piso do alpendre através de ladrilhos hidráulicos de 20cm x

Detalhe do roda forro em madeira ornamentado

20cm, com desenhos coloridos. Detalhe do guarda-corpo em madeira do alpendre

105


PRESERVAÇÃO/ADAPTAÇÃO AO NOVO USO A exemplo da Casa 1, houve movimentação de terra e retirada de vegetação no entorno da Casa 2, com o intuito de evitar a queda de árvores sobre a residência, bem como proporcionar maior insolação e visibilidade do local. Para viabilizar o acesso de pedestres e veículos, foi necessário o alargamento e reconstrução do acesso, a construção do passeio e a rampa para acesso de pedestres no entorno da casa. Devido ao estado precário da fachada sul, a mesma foi reconstruída, aproveitando-se para fazer a passagem da tubulação elétrica. Houve colocação de manta térmica entre a estrutura do telhado e as telhas, para melhorar o isolamento térmico no interior da casa. De outra parte, foram colocadas chapas metálicas para melhorar a vedação entre os pavimentos (acima do friso que circunda o perímetro da casa). Algumas cimalhas foram retiradas, para a fixação dos balcões metálicos através de parafusos passantes, e depois, recolocadas. Os balcões, que não existiam quando se iniciou o levantamento da Casa 2, podem ser classificados como reabilitação ao uso, já que permitirão a mesma percepção de espaço que havia no passado. Através de fotografias e das marcas de fixação existentes nas tábuas da residência, foi possível se conhecer as dimensões aproximadas, o que facilitou o projeto de desenvolvimento dos novos balcões. Também o passa-mão e os detalhes em madeira do guarda-corpo puderam ser reproduzidos fielmente, já que foi 106

encontrado um modelo no local. De outra parte, como não foi possível identificar em detalhes a mão-francesa pelas fotografias, decidiu-se executar a estrutura dos balcões com material metálico, sem comprometer a linguagem original. O piso foi adaptado, havendo um desnível mínimo entre o piso interno e o externo,


além de terem sido espaçadas as tábuas de madeira,

bulação de esgoto e de água pluvial, em função da

descida, haverá pequenos mirantes, para descanso e

para que a água possa escoar facilmente.

reconstrução das calhas na antiga residência e da

contemplação dos jardins e do conjunto das casas.

construção dos sanitários.

Ao final desta passarela, o projeto prevê a construção

Foi necessário instalar um elevador e sanitários, construções em concreto armado e alvenaria,

A rampa e a escada em concreto armado e o

de um espaço multiuso, para atividades culturais.

recebendo acabamento em tinta na cor branca. In-

guarda-corpo metálico foram construídos com o

Foi instalada porta de vidro junto à porta de acesso

ternamente, os sanitários receberam revestimento

intuito de permitir que pedestres e portadores de

à rampa em concreto, com o objetivo de manter a

cerâmico de parede na cor branca e revestimento

necessidades especiais acessem o pavimento térreo.

temperatura interna e salvaguardar o bem.

em basalto no piso. O acesso ao elevador e sanitá-

Subindo ao primeiro pavimento através do eleva-

É importante ressaltar que os materiais das no-

rios será possível a partir de quatro vãos abertos na

dor, os portadores de necessidades especiais pode-

vas construções são nitidamente diferenciados, de

fachada sul. Também foi necessária a movimenta-

rão acessar uma passarela construída em concreto

modo que não interferem na visualização da edifi-

ção de terra para a construção e instalação da tu-

armado e guarda-corpos metálicos. No trajeto de

cação original.

107


PLANTA BAIXA PORÃO

PLANTA BAIXA TÉRREO

Sanitários

Sala 2

Sala 3

Sala 4

Porão

Vestíbulo

Alpendre Sala 6

PLANTA BAIXA SÓTÃO

PLANTA BAIXA 1° PAVIMENTO

Sala 9 Sala 8

Circulação

Sala 10 Sala 12

Sala 7

Circulação

108

Varanda Sala 11

Sala 13

Sala 5


FACHADA SUL

FACHADA OESTE

FACHADA NORTE

FACHADA LESTE

CORTE BB'

CORTE AA'

109


Memorial de obra O objetivo deste memorial é de orientar e esclarecer quanto às fases e processos construtivos da obra e servir como ferramenta para nortear a qualidade e diferenciação de materiais na execução das intervenções. início das obras 27 de outubro de 2010

110

Retirada das telhas para limpeza e reconstrução do telhado

Início da retirada do madeiramento danificado na fachada sul


111

Detalhe da degradação do madeiramento

Sala 10 quando se iniciaram os trabalhos de nivelamento e consolidação da estrutura do piso e reconstrução do forro

Deteriorização de parte da fachada sul, no início da sua reconstrução


112

Vista da fachada leste no início das intervenções

Retirada do forro de madeira da sala 10 para reconstrução total

Início das intervenções de consolidação na estrutura do forro da varanda


113

Vista da fachada norte/ oeste nas intervençþes dos beirais


114

Detalhe da reconstrução do forro do alpendre e da viga de madeira nova

Início da reconstrução de piso, paredes e forro da sala 10

Reconstrução de parte da fachada sul, abertura dos vãos que darão acesso ao elevador e aos sanitários na nova construção

Reconstrução e consolidação de parte da estrutura do telhado da sala 10

Início da retirada do madeiramento podre no canto direito da fachada norte. Detalhe da quantidade de material retirado

Vista da entrada principal com a retirada das tábuas e a reconstrução da viga de madeira da varanda


115

Detalhe de reconstrução do passa-mão e das partes faltantes do guarda-corpo do alpendre

Vista da varanda, guarda-corpo finalizado e pilar de sustentação do telhado, substituído por um novo em madeira Itaúba

Detalhe da reconstrução de parte da fachada leste e da reprodução de parte do guarda-corpo do alpendre e da varanda


116

Vista geral da fachada sul sem as tábuas de madeira para o fechamento externo. Início das operações de intervenção na estrutura da Casa 2


117

Vista da fachada oeste, com a reconstrução de algumas partes e após a abertura do vão e colocação da porta que dará acesso à passarela

Colmeia encontrada entre as paredes interna e externa da sala 7

Reprodução da porta de acesso e reconstrução de parte da fachada oeste

Detalhe da reconstrução do canto da fachada leste/sul

Retirada do piso do alpendre para reparação e posterior reposicionamento


118

Forro da sala 12 sendo finalizado

Detalhe do forro com a retirada da cimalha para a fixação do novo balcão externamente. Após a fixação dos parafusos passantes, a cimalha foi recolocada no devido local

Vista da circulação do sótão que dá acesso às salas 12 e 13. O fechamento, como se percebe, foi feito com o madeiramento original da casa

Esquadria e porta devidamente instaladas na sala 10, reconstrução do piso e do forro


119

Detalhe da reconstrução da fachada sul e da tubulação elétrica

Fachada sul após o fechamento das tábuas de madeira e a colocação das calhas

Funcionários instalando a estrutura do balcão intermediário na fachada norte


120

Ferragem do elevador na área de intervenção, conforme projeto estrutural

Detalhe da escavação no jardim para a colocação da tubulação de esgoto e pluvial

Vista superior da estrutura dos sanitários e do elevador

Vista da alvenaria para fechamento externo do poço do elevador e dos sanitários


121

Fachada norte com os elementos dos balc천es sendo posicionados nos seus devidos lugares


122

Teste de cores para a pintura da Casa 2

Vista da nova construção: elevador e sanitários, ainda com a última fôrma do elevador. Início do reboco

Montagem das fôrmas em madeira para construção da passarela no final do mês de abril de 2012

Fachada sul após as intervenções e nova construção (sanitários e elevador) rebocada, à espera de acabamento

Detalhe da reprodução de elementos do guarda-corpo da varanda. Reconstrução do pilar em madeira

Detalhe do balcão com o guarda-corpo e esquadria instalados; venezianas funcionando, à espera da pintura


123

Vista da fachada norte e funcionários trabalhando na construção das fôrmas em madeira da passarela

Detalhe do posicionamento das armaduras nas fôrmas da passarela, à espera da concretagem

Detalhe das fundações e fôrma em madeira de um dos pilares de sustentação da passarela

Início da concretagem da escada que fará ligação com a passarela

Vista da rampa e escada que dará acesso à sala 5, no pavimento térreo

Execução do piso de ladrilho hidráulico do alpendre


124

Vista da fachada norte e o novo ajardinamento

Vista da fachada leste/sul após os trabalhos de intervenção

Detalhe do acesso principal com o passeio, piso do alpendre e o corrimão metálico instalados

Vista da fachada sul, com as novas construções em destaque. Detalhe nos materiais utilizados, para diferenciar o antigo do novo

Detalhe de um dos balcões da Casa 2 após intervenções

Foto tirada da passarela que dará acesso à sala 10, com uma visão geral das casas e do entorno


125

Vista da sala 6, no pavimento térreo, com destaque na porta de acesso ao alpendre

Foto tirada do vestíbulo, mostrando a escada que dá acesso aos demais pavimentos. Detalhe da cimalha ornamentada

Vista da sala 13, mostrando a porta que dá acesso ao balcão. Detalhe na pintura de forro e parede em branco

Foto tirada da sala 4, mostrando o vestíbulo e a escada de acesso aos demais pavimentos


126

Detalhe do alçapão de acesso ao porão

Vista de uma das esquadrias da sala 6, vendo a construção da passarela

Circulação de acesso às salas do primeiro pavimento

Detalhe da escada de acesso ao jardim da Casa 2. Destaque para a taipa reconstruída e corrimão de segurança


127

Vista da fachada norte com as intervenções finalizadas. Destaque para a passarela e rampa de acesso à residência


128


O INSTITUTO, O FUTURO

129


130


No processo de adequação à realidade do mundo contemporâneo é necessário que o museu [instituto] desenvolva uma reflexão sobre a sua própria história, que construa uma memória não como mera repetição ou conservação do passado, mas a que se coloca a serviço da transformação e emancipação. (...) Talvez em pequenos museus, localizados em cidades do interior do país, dedicados à memória local, de grupos determinados ou de indivíduos, se possa estar cumprindo a missão ou utopia de firmar o compromisso da instituição (...) com a ampliação da cidadania, entendida não somente como direitos reconhecidos pelo Estado, mas também como ‘práticas sociais e culturais que dão sentido de pertencimento, e fazem com que se sintam diferentes os que possuem uma mesma língua, formas semelhantes de organização e de satisfação das necessidades’. (Nestor Canclini – Consumidores e cidadãos: conflitos multiculturais da globalização). Letícia Julião, historiadora Apontamentos sobre a história do museu

131


As casas que hoje abrigam o Instituto Hércules Galló (IHG) foram oficialmente tombadas em 1º de julho de 2010. Do ponto de vista formal, o IHG foi fundado em 4 de setembro do mesmo ano. Concluído o processo de recuperação e intervenção, é a partir do mês de novembro de 2012 que se intensifica a interação deste novo espaço com o ambiente onde está inserido. Ao ser apresentada à comunidade, esta associação privada, de fins não econômicos, nasce tendo como principal missão ser a tutora não apenas das casas construídas pelo homem que empresta seu nome à localidade, mas também dos demais espaços que venham a ser edificados em seu entorno. Para atingir o objetivo de manter a memória do personagem Hércules Galló e de sua família para as gerações do presente e do futuro, criou-se uma estrutura própria, que instiga para a visitação das residências e de todo o acervo de objetos e documentos correlacionados à família Galló, com a devida adequação das instalações para estes fins. Em paralelo, a instituição pretende apoiar movimentos no mundo das artes, acolhendo exposições e, ao mesmo tempo, valorizando a integração das culturas tradicionais regionais, articulando e promovendo ações voltadas para a cultura e a educação, como encontros, mostras e palestras. Assim, o instituto vai muito além de olhar para o passado, não apenas ao permitir uma leitura, no presente, dos significados da história daqueles que nos antecederam, mas principalmente por voltar-se também para o futuro, como entidade viva que buscará replicar seus valores em 132

um cenário mais amplo.


O IHG, desta forma, não se restringirá a funcionar como museu ou memorial, em um sentido burocrático. Pretende ser reconhecido também como instituição pensante a respeito das questões que envolvam a preservação das demais edificações de caráter histórico e cultural situadas em Galópolis. Isto porque, entre os objetivos do instituto, está o de apoiar e defender o Patrimônio Histórico local em todas as suas frentes, sendo agente gerador de projetos que utilizem incentivos fiscais municipais, estaduais ou federais. O IHG pretende desempenhar importante papel nas questões que possam chamar a atenção para as demais edificações da localidade e que envolvam a preservação. Para tanto, será fundamental encontrar formas de motivar a comunidade de Galópolis e de Caxias do Sul a encontrarem caminhos para o fomento e desenvolvimento do turismo cultural e de lazer no hoje bairro da cidade serrana. Estabelecer vínculos com institutos e organizações que tenham o mesmo intuito, seja no âmbito regional, nacional ou internacional, também será uma importante tarefa do IHG. O projeto de intervenção, portanto, compreendeu não somente a recuperação das Casas 1 e 2. Para a adequação do espaço ao novo uso, foi necessário instalar e executar um elevador e sanitários na Casa 2. Para acesso ao elevador e sanitários, foram abertos quatro vãos na fachada sul da antiga residência. Com o objetivo de proporcionar o acesso de pedestres e portadores de necessidades especiais (PNEs) ao pavimento térreo, foram construídas também uma escada e uma rampa em concreto armado e

133


guarda-corpo metálico. A partir deste pavimento, a acessibilidade se completa com o uso do elevador. Subindo ao primeiro pavimento, os portadores de necessidades especiais terão a possibilidade de acessar a passarela e alcançar o espaço multiuso, que também está previsto no projeto. Essa construção, quando erigida, terá como objetivo abrigar exposições, palestras, debates, filmes e apresentações. Complementarmente, contará com estruturas auxiliares, como sanitário para PNEs, uma pequena cozinha e área para depósito. Junto ao estacionamento também haverá sanitários femininos e masculinos. É importante observar que os materiais destas novas construções (sanitários, elevador, passarela, rampa e espaço multiuso)

134



são nitidamente diferenciados, de modo a que não interfiram nas

instituto e demais parceiros passam a ter a responsabilidade de

edificações originais. Estas construções ocuparão uma área de 198

preservar este patrimônio histórico, ao lado do poder público, nas

metros quadrados.

esferas municipal, estadual e federal. Ao mesmo tempo, o desafio

Quando todo o plano diretor estiver concluído, faixas de

que se coloca é o de viabilizar e incentivar seu melhor uso.

segurança, sinalização e iluminação garantirão a proteção dos

Sem falsa modéstia, a expectativa é de que, tendo como ins-

visitantes. Para chegar ao Instituto Hércules Galló, o motorista

piração a figura emblemática do empreendedor Hércules Galló,

que estiver no sentido Nova Petrópolis – Caxias do Sul não po-

o instituto que leva seu nome possa dar o primeiro passo no sen-

derá acessar o instituto diretamente. Terá que seguir adiante, até

tido de que um novo ciclo de desenvolvimento cultural, social e

o centro de Galópolis, fazendo o retorno e, então, seguindo até

turístico se realize em Galópolis. O trabalho, portanto, está ape-

o instituto. Já aqueles que, após a visita, desejarem retornar de

nas começando.

carro a Caxias do Sul, deverão seguir na BR-116, no sentido Caxias – Nova Petrópolis, e realizar o retorno mais adiante. Essas providências visam evitar acidentes. Uma vez que a preservação das casas construídas por Hércules Galló é agora uma realidade, seus descendentes, associados do

SIMPLICIDADE E LEVEZA Criada pela agência de publicidade Paim, a marca do instituto é inspirada na Casa 1, a primeira a ser construída por Hércules Galló. Ao desenho sintético da fachada, alia-se uma tipografia serifada e clássica, buscando-se no conjunto uma roupagem moderna e gráfica. 136


137


138


139


Fontes consultadas

OBRAS

IMAGENS

Herédia, Vania Beatriz Merlotti. Processo de industrialização

Arquivo Família Antonia Tumelero Solio:

da zona italiana: estudo de caso da primeira indústria têxtil

páginas 8, 22, 26 (abaixo), 27, 28, 31, 35, 37, 56, 57, 58, 59

do nordeste do estado do Rio Grande do Sul. Caxias do Sul : EDUCS, 1997. Herédia, Vania Beatriz Merlotti. Hércules Galló: vida e obra

Acervo Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami: páginas 24, 26 (alto), 29, 33, 34, 36, 41, 47

de um empreendedor. Porto Alegre : EST, 2003. Spinato, João Laner. E assim eles contavam... Porto Alegre : Nova Dimensão, 1998.

Acerto Uaná Design: páginas 76, 77, 78, 79, 80, 83, 84, 86, 87, 90 a 105, 110 a 116

Stomp, Loraine, e Herédia, Vania Beatriz Merlotti. História da imigração italiana no Rio Grande do Sul. Porto Alegre :

Dâmaris Canutto:

EST, 2007.

páginas 63, 135

Tregansin, Teresinha Isabel Rihl (org.). Galópolis: el profondo vale verde. Caxias do Sul : Logigraf, 2009.

Marcelo Donadussi: páginas 2-3, 4, 7, 14, 44 (direita), 53, 61, 65, 67-66, 68-69, 72, 96

DEPOIMENTOS

(exceto imagem canto superior esq.), 97, 98 (exceto foto ao

Carlos Canutto

centro na coluna superior), 124, 125, 126 (fotos menores, à

Dillá Vial

esq., e foto maior, à dir.), 127, 130, 131, 132, 137, 138-139, 141,

Dorvalino Mincato

142, 143, além das folhas de guarda

Fernando Marchioro Guilhermina Canutto Isidro Gabrielli João Nicoletti Liliana Henrichs Mário Schenk Marlene Schenk Sérgio Vial Teresinha Tregansin

AGRADECIMENTOS ESPECIAIS Carlos Canutto Dâmaris Canutto Liliana Henrichs e equipe Arquivo Histórico Municipal João Spadari Adami Rosa Diligenti Vera Roso


141



143



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