60 Anos de Grandes Obras e Histórias

Page 1

A CONSTRUÇÃO DO BRASIL

60 ANOS DE GRANDES OBRAS E HISTÓRIAS capa_finalizada.indd 1

60 ANOS DE GRANDES OBRAS E HISTÓRIAS

A CONSTRUÇÃO DO BRASIL

9/5/11 10:28 AM


60 ANOS DE GRANDES OBRAS E HISTÓRIAS

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 1

|1

A CONSTRUÇÃO DO BRASIL

9/2/11 12:53 PM


Arquivo New Holland

60 ANOS DE GRANDES OBRAS E HISTÓRIAS

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 2

9/2/11 12:53 PM


A CONSTRUÇÃO DO BRASIL

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 3

9/2/11 12:53 PM


Alexandre Horta

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 4

9/2/11 12:53 PM


60 ANOS DE GRANDES OBRAS E HISTÓRIAS

A CONSTRUÇÃO DO BRASIL

TEXTOS: CARLOS ALBERTO CÂNDIDO EDITORA: QUATTRO PROJETOS | SETEMBRO | 2011

Alexandre Horta Livro1_60anos_GRAFICA.indd 5

9/2/11 12:53 PM


PROJETO CULTURAL Quattro Projetos | ORGANIZAÇÃO Ideia Comunicação Empresarial | REDAÇÃO Carlos Alberto Cândido EDIÇÃO Alexandre Horta e José Guilherme Araújo | PROJETO GRÁFICO Domínio Público | PRODUÇÃO GRÁFICA Mariana Chebly TRATAMENTO DE IMAGENS Ideia Comunicação Empresarial | REVISÃO Adriana Barbosa | ILUSTRAÇÕES Thiago Mazza | FOTOGRAFIAS Créditos situados em cada imagem ao longo da publicação | IMPRESSÃO Gráfica Pallotti

Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão de partes deste livro, por intermédio de quaisquer meios, sem prévia autorização por escrito.

AGRADECIMENTOS Petrobras, Vale, Furnas, Usiminas, Itaipu Binacional, Construtora Camargo Corrêa, Construtora Andrade Gutierrez, Sobratema/Revista M&T, Revista Engenharia, Revista Empreiteiro, Biblioteca Nacional e Arquivo Público do Distrito Federal. AGRADECIMENTO ESPECIAL New Holland Construction

PATROCÍNIO:

A663s

REALIZAÇÃO:

Cândido, Carlos Alberto. 60 anos de Grandes Obras e Histórias: a Construção do Brasil / Carlos Alberto Cândido ; [ilustrações Thiago Mazza] - Porto Alegre : Quattro Projetos, 2011 200 p. : il. ; 23 x 31 cm. História de grandes obras realizadas nos últimos 60 anos e que contribuíram para o desenvolvimento do Brasil. ISBN 978-85-64393-01-1 1. Engenharia – Brasil 2. Desenvolvimento socioeconômico - Brasil. I. Título. II. Mazza, Thiago CDU - 624/628 (81)

Ficha Catalográfica: bibliotecária Denise Pazetto, CRB 10/1216 Quattro Projetos - www.quattroprojetos.com.br / quattro@quattroprojetos.com.br

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 6

9/2/11 12:53 PM


Livro1_60anos_GRAFICA.indd 7

9/2/11 12:53 PM


Arquivo New Holland

8|

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 8

9/2/11 12:53 PM


Testemunhamos grande parte da história dos 60 anos da construção do Brasil. Pudemos acompanhar grandes marcos da evolução do país, como a consolidação de Brasília, a construção das usinas hidrelétricas de Itaipu e Furnas, a implantação de importantes rodovias federais e de diversas outras obras fundamentais na interiorização do desenvolvimento do Brasil.

|9

Mas não fomos meras testemunhas passivas. Fomos testemunhas ativas, partícipes de grandes projetos de construção nesse país. Podemos nos orgulhar de nossas marcas terem contribuído para essas seis últimas décadas de profundo desenvolvimento. Esta evolução fez com que o Brasil se tornasse uma das grandes referências mundiais de arquitetura e construções de qualidade. Dando continuidade às propostas originais do Grupo Fiat, instalado no Brasil desde os anos 1950, a Case New Holland foi um dos esteios desse desenvolvimento, colaborando não apenas na construção de obras, mas também na construção da cultura e da história do Brasil. 60 anos de Grandes Obras e Histórias – A Construção do Brasil narra essa trajetória brasileira de sucesso e será uma referência e inspiração para as futuras gerações de engenheiros e construtores desse imenso país.

VALENTINO RIZZIOLI

PRESIDENTE DA CASE NEW HOLLAND NA AMÉRICA LATINA E VICE-PRESIDENTE EXECUTIVO DA FIAT DO BRASIL

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 9

9/2/11 12:53 PM


10 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 10

9/2/11 12:53 PM


P Á G I NA S

14 a 17

Introdução

18 a 33

Capítulo 1 - Paulo Afonso

34 a 51

Capítulo 2 - Cubatão

52 a 67

Capítulo 3 - Belém-Brasília

68 a 81

Capítulo 4 - Furnas

82 a 101

Capítulo 5 - Brasília

102 a 115

Capítulo 6 - Usiminas

116 a 131

Capítulo 7 - Ponte Rio-Niterói

132 a 147

Capítulo 8 - Metrô de São Paulo

148 a 163

Capítulo 9 - Itaipu

164 a 177

Capítulo 10 - Carajás

178 a 197

Capítulo 11 - Projetos do PAC

198 e 199

Referências bibliográficas e iconográficas

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 11

9/2/11 12:53 PM


12 |

INTRODUÇÃO Livro1_60anos_GRAFICA.indd 12

9/2/11 12:53 PM


Uma supreendente continuidade

| 13

Quando examinamos a história do Brasil nos últimos sessenta anos do ponto de vista das grandes realizações nacionais, o que sobressai é uma surpreendente continuidade. Ao contrário dos sobressaltos da história política, os empreendimentos que construíram o que o país se tornou mostram a persistência de um caminho, às vezes mais reto, às vezes mais sinuoso, onde ora se pode correr e ora se vai devagar, quase parando, mas sempre na mesma direção. A Usina Hidrelétrica de Itaipu, obra gigantesca de repercussão internacional, é talvez o melhor exemplo dessa continuidade atravessando governos. Projetada e construída pela ditadura militar que durou vinte e um anos (1964-1985), foi, no entanto, imaginada antes e inaugurada depois dela, em governos civis eleitos pelo voto direto.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 13

9/2/11 12:53 PM


A este respeito, é interessante a defesa que faz hoje de Itaipu – a “obra faraônica do regime militar” – seu diretor geral brasileiro, Jorge Samek. Militante do PT, legenda pela qual foi vereador e deputado, ele define a obra como empreendimento de “dois Estados soberanos” e sustenta que “os Congressos Nacionais paraguaio e brasileiro ratificaram o Tratado de Itaipu, conferindo-lhe a legitimidade e a solidez jurídica necessárias para um empreendimento da sua magnitude”. É razoável supor que o engenheiro agrônomo petista não tivesse a mesma opinião sobre a legitimidade do governo militar quando Itaipu começou a ser construída, trinta anos antes da sua posse no cargo máximo da estatal binacional, em 2003. 14 |

Com o passar do tempo, os fatos econômicos parecem prevalecer sobre os fatos políticos. No seu livro de memórias “Por que construí Brasília”, o ex-presidente conta uma conversa com o escritor André Malraux, então ministro da Cultura da França, em visita à nova capital federal. O intelectual francês se espantava por Juscelino Kubitschek ter construído a cidade, não apenas em pouco mais de três anos, mas, sobretudo, num regime democrático. “Obras assim só são possíveis sob ditaduras”, observava Malraux. Efetivamente, o que distingue o crescimento econômico do regime militar do crescimento econômico patrocinado por JK é o ambiente político. O Milagre Brasileiro do começo dos anos 70, que deu fôlego à construção de Itaipu, nada

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 14

9/2/11 12:53 PM


mais é do que a versão armada dos “cinquenta anos em cinco” do governo Juscelino Kubitschek. Há continuidade até nos homens: o economista Roberto Campos, criador do Milagre, serviu antes o governo JK. Quando o ex-presidente Lula propôs o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), de certa forma retornou a JK, retomando o desenvolvimentismo com democracia. À parte a maior sensibilidade dos governos democráticos para as demandas populares, o que se percebe, porém, é a persistência do modelo que o Brasil encontrou há seis décadas e que inclui forte presença do Estado, em associação com capitais privados e investimentos estrangeiros crescentes. A opção pelo transporte rodoviário, pela indústria automobilística e pela abertura de estradas como motor da economia, a produção intensa de energia hidráulica e a transformação do Cerrado numa gigantesca plantação de grãos para exportação são características da economia brasileira que despontam com JK e persistem hoje, sob governos que alguns classificam de esquerdistas, depois de prosperar no regime militar.

| 15

É o que se verá nas páginas deste livro, que não tem, no entanto, pretensão de ser completo. Sem abarcar todas as grandes obras do período, ele quer contribuir com um outro olhar sobre elas. Contamos aqui histórias de obras que, por assim dizer, ajudam a contar a história do Brasil. Da mesma forma, a história do Brasil não pode ser contada sem mencioná-las.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 15

9/2/11 12:53 PM


Jornal do Commercio - Recife/PE

USINA HIDRELÉTRICA DE PAULO AFONSO

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 16

9/2/11 12:53 PM


Energia para o Nordeste Localizada no Rio São Francisco, entre os estados deAlagoas e Bahia, a Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso é um marco no desenvolvimento nacional. Por suas características técnicas, a obra, iniciada em 1949 e inaugurada em 1955, representou um desafio para a engenharia brasileira; por sua importância econômica e social, representou o começo de uma nova fase na produção de eletricidade no país.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 17

9/2/11 12:53 PM


Das pequenas hidrelétricas à produção estatal A primeira hidrelétrica construída no Brasil entrou em operação em 1883, no Ribeirão do Inferno, afluente do Rio Jequitinhonha, em Diamantina, Minas Gerais, para atender a uma mineradora. Seis anos depois, foi inaugurada a Usina Hidrelétrica Marmelos, no Rio Paraibuna, também em Minas Gerais. Com capacidade instalada de 4 mil kW, Marmelos foi a primeira hidrelétrica a fornecer iluminação pública a uma cidade, Juiz de Fora, além de abastecer a fábrica de tecidos do seu empreendedor, o industrial Bernardo Mascarenhas.

18 |

Este modelo de hidrelétricas privadas e sistemas isolados predominou até a década de 1950. Na época da construção de Paulo Afonso, o fornecimento de energia elétrica do país era feito por cerca de 3 mil pequenas empresas e prefeituras, além de grandes concessionárias “Na época da construção de Paulo Afonso, o fornecimento de estrangeiras, com destaque para a energia elétrica do país era feito por cerca de 3 mil pequenas Light e a Amforp, que controlavam empresas e prefeituras, além de grandes concessionárias os maiores mercados.

estrangeiras.”

Braço internacional da empresa americana Eletric Bond & Share Corporation, a Amforp – American & Foreign Power instalou-se no Brasil em 1927. Abastecia Recife, Salvador, Natal e Maceió, além de Vitória, Niterói, Petrópolis, Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Pelotas e interior de São Paulo, por meio de duas empresas – Empresas Elétricas Brasileiras, futura Companhia Auxiliar de Empresas Elétricas Brasileiras (Caeeb) e a Companhia Brasileira de Força Elétrica. No Nordeste, a companhia americana cresceu incorporando grande parte das pequenas companhias existentes. Na década de 1930, já detinha 15% da capacidade instalada brasileira, de 779 mil kW. A gigante do setor na época, com 40% da capacidade instalada nacional, era a Light. Desde o começo do século, a multinacional monopolizava os serviços de energia nas duas maiores cidades brasileiras: Rio de Janeiro e São Paulo. Era tão poderosa que teve entre seus empregados diversos ministros e até um presidente da República, Epitácio Pessoa (1919-1922).

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 18

9/2/11 12:53 PM


Fotos: Acervo da Fundação Biblioteca Nacional - Brasil

Cachoeira de Paulo Afonso em fotografias do início do século. Ao lado, placa comemorativa da visita do Imperador Dom Pedro II ao local

| 19

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 19

9/2/11 12:53 PM


Jornal do Commercio - Recife/PE

20 |

Foto: César Tolentino | Brasília | 1973

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 20

9/2/11 12:53 PM


Fundada em Toronto, Canadá, em 1899, por capitalistas canadenses, americanos e ingleses, a empresa The São Paulo Railway, Light and Power Co. Ltd., que no ano seguinte mudou seu nome para The São Paulo Tramway, Light and Power Co. Ltd. e que ficaria conhecida como Light, recebeu concessões para operar linhas de bondes elétricos, distribuição de energia e iluminação pública em São Paulo. Sua primeira obra foi a construção da Usina Hidrelétrica Parnaíba, no Rio Tietê, inaugurada em 1901.

| 21

Em 1904, os mesmos sócios fundaram a The Rio de Janeiro Tramway, Light and Power Co. Ltd., que nos anos seguintes assumiu os serviços públicos de energia elétrica, gás, telefonia e transportes na então capital federal. Em 1912, as duas empresas passaram a ser controladas pela holding Brazilian Traction Light and Power Co. Ltd. Nas décadas seguintes, a Light São Paulo realizou obras de expansão dos serviços de energia elétrica na capital paulista e municípios vizinhos, construiu as represas de Guarapiranga e Billing, as usinas hidrelétricas Edgard de Souza, Rasgão e Henry Borden, e a retificação dos rios Tietê e Pinheiros. No Rio, a Light construiu a Hidrelétrica de Fontes, inaugurada em 1908, Ilha dos Pombos (1924), Fonte Nova (1940), Santa Cecília (1952), Vigário (1952), Nilo Peçanha (1953) e Pereira Passos (1962). Na década de 1930, marcada pela quebra da Bolsa de Nova York e pela Grande Depressão mundial, pela ascensão do nazifascismo e, internamente, pela Revolução de 1930, o modelo de produção de energia elétrica no Brasil começou a mudar. A novidade foi a intervenção do Estado no setor, começando pela edição do Código de Águas, em julho de 1934, primeira legislação sobre a gestão dos recursos hídricos no país.

O modelo de produção de energia no Brasil começou a mudar na década de 1940

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 21

O Código de Águas transformou as quedas d’água em patrimônio nacional, a contabilidade das concessionárias passou a ser fiscalizada pelo governo federal e as tarifas deveriam ter preço de custo. Seguiu-se a este modelo um período de conflitos entre governos e concessionárias privadas, com redução de investimentos, deterioração dos serviços e crise de suprimento de energia, agravada pelo crescimento da demanda, decorrente da industrialização do país.

9/2/11 12:53 PM


Jornal do Commercio - Recife/PE

22 |

Para se ter ideia da situação, segundo dados do IBGE, citados por Marília Fontana Garcia, em Engenharia do Brasil: 90 anos do Instituto de Engenharia – 1916-2006, a média mensal de consumo, no Distrito Federal (Rio de Janeiro), saltou de 66.893 kW em 1944, para 77.663 kW em 1947. Em São Paulo, o crescimento foi ainda maior, no mesmo período: de 81.273 kW em 1944 passou a 105.749 em 1947. É neste novo quadro que nasce a Hidrelétrica de Paulo Afonso. Na década de 1940, tanto o governo federal quanto os governos estaduais voltam-se para a produção de energia. Rio Grande do Sul (1944) e Minas Gerais (1948) foram os primeiros estados a desenvolver planos de eletrificação, os quais deram origem às suas companhias estaduais de eletricidade – respectivamente, Ceee e Cemig. No ocaso do Estado Novo, em 1945, o presidente Getúlio Vargas criou a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), a primeira estatal para geração de eletricidade. Seu principal objetivo foi construir usinas hidrelétricas para aproveitar o potencial da monumental Cachoeira de Paulo Afonso, de 80 m de altura, e abastecer de energia elétrica o Nordeste brasileiro.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 22

9/2/11 12:53 PM


A Companhia HidrelĂŠtrica do SĂŁo Francisco (Chesf), primeira estatal criada para produzir energia, foi o ponto de partida de Paulo Afonso

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 23

| 23

9/2/11 12:53 PM


Jornal do Commercio - Recife/PE

24 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 24

9/2/11 12:53 PM


| 25

A barragem de Paulo Afonso tem 4,5 km de comprimento

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 25

9/2/11 12:53 PM


Um marco da engenharia nacional A construção da Usina de Paulo Afonso I começou o ciclo de construção de grandes hidrelétricas estatais no Brasil. Sua capacidade instalada é de 180 mil kW. Basta lembrar que as maiores usinas construídas pela Light para abastecer São Paulo e Rio de Janeiro, no começo do século, produziam, inicialmente, 2 mil kW (Parnaíba) e 12 mil kW (Fontes), respectivamente.

26 |

A obra começou no governo do presidente Dutra, atravessou o novo governo Vargas e foi concluída no governo do presidente interino Café Filho. Na edição de 15 de outubro de 1954, sob o título “Café visita Paulo Afonso”, a revista Visão anunciou a viagem do presidente para “inaugurar um conjunto de obras: a barragem do rio, a usina elétrica e os transformadores das linhas tronco da Companhia Hidrelétrica do São Francisco”. A barragem, continua a reportagem, com cerca de 4,5 km de comprimento, já represava as águas dos quatro braços do rio: o principal e os do Quebra, Taquari e Capuxu, entre as ilhas do arquipélago que a cachoeira forma. “Fechadas as comportas da barragem, as águas foram desviadas para o lago artificial que alimentará a usina”, contou a revista. Os testes para produção e transmissão de energia já tinham sido feitos e aguardava-se a visita do presidente para o início do fornecimento de energia para Salvador e Recife, o que aconteceu em novembro. Na casa de força da usina, localizada em uma das ilhas, 80 m abaixo do nível do solo, foram instalados três geradores de 60 mil kW e dois transformadores de saídas da energia para as linhas tronco. Uma das linhas tronco, com 454 km de extensão, foi direcionada para o sul, até Salvador, na Bahia; a outra, com 414 km, para o norte, até Recife, em Pernambuco. Linhas secundárias ligaram Paulo Afonso a Maceió, Aracaju, Campina Grande e outras cidades do interior nordestino.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 26

9/2/11 12:53 PM


Jornal do Commercio - Recife/PE

| 27

A construção da usina foi cercada de expectativa, pois sua energia levaria desenvolvimento ao Nordeste

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 27

9/2/11 12:53 PM


Jornal do Commercio - Recife/PE

As ger ins esc

28 |

Um de foi po

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 28

9/2/11 12:53 PM


“Espera-se que com esse aproveitamento da energia de Paulo Afonso comece a desenvolver no Nordeste a atividade e a produção industrial aliviando as sobrecarregadas usinas de Santo Amaro e Paraíba”, completa a reportagem da Visão. “Seu futuro será atenuar o desequilíbrio econômico e social existente entre as duas regiões.”

As três unidades geradoras foram instaladas numa caverna escavada na rocha Um caixão flutuante de 350 toneladas foi construído para possibilitar o desvio do rio

Esta expectativa é uma das características da obra. Como destaca o engenheiro Ronaldo Goulart Bicalho em A energia elétrica no Brasil, não se tratava de atender os mercados consumidores do Sudeste, mas produzir energia elétrica para uma região pobre, visando ao seu desenvolvimento. Graças às “extraordinárias condições naturais da queda do Rio São Francisco” e ao projeto do engenheiro Octávio Marcondes Ferraz, tornou-se viável fornecer eletricidade a custo baixo para o Nordeste. Diretor técnico da Chesf e superintendente geral da construção, Marcondes Ferraz comandou uma obra que representa um marco na engenharia nacional. Paulo Afonso foi a primeira usina projetada no Brasil para ser instalada no subsolo, escolha feita em virtude da grande variação dos níveis da água na estiagem e na cheia – 30 m. Para abrigar as três unidades geradoras da casa de máquinas, foi escavada na rocha uma caverna de 60 m de comprimento, 16 m de largura e 30 m de altura.

| 29

O desvio das águas do São Francisco, com até 12 m de profundidade e grande velocidade, representou um desafio enfrentado com soluções nacionais. Foi construído um caixão flutuante de 18 m de comprimento e 12 m de altura, peso de 350 t, que submergiu nas enchentes e funcionou como um lago, possibilitando a montagem das pranchas de aço flexível que desviaram o curso do rio. Na segunda fase de fechamento do rio foi usada a solução das estruturas enrocadas, grandes muros de pedras mergulhados nas águas, trabalho que levou dez dias e custou US$ 120 mil, valor baixo considerando-se obras estrangeiras similares. O braço principal do rio foi dominado com uso do processo denominado “estruturas flexíveis”: duas “gaiolas” de forma trapezoidal, de 22 m de comprimento cada uma, 9,5 m de altura, bases de 6 e 4 metros, colocadas no rio, lado a lado, por meio de guindastes e amarradas às margens, e preenchidas com 6.000 metros cúbicos de pedras.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 29

9/2/11 12:53 PM


30 |

Paulo Afonso custou US$ 15 milhões e foi financiada pelo Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird).

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 30

9/2/11 12:53 PM


Ela representou a evolução da indústria elétrica nas regiões mais pobres do país, onde as estatais de eletricidade passaram a atuar, muitas vezes, como agências de desenvolvimento. Nas décadas seguintes novas usinas seriam construídas no Rio São Francisco, formando o Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso, o quarto maior do país, superado apenas por Itaipu, Tucuruí e Urubupungá. Livro1_60anos_GRAFICA.indd 31

| 31

9/2/11 12:53 PM


REFINARIA PRESIDENTE BERNARDES CUBATテグ

Agテェncia Petrobras/Andrテゥ Valentim

32 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 32

9/2/11 12:53 PM


| 33

O primeiro pólo petroquímico A Refinaria Presidente Bernardes, em Cubatão (SP), é a primeira obra concreta da política nacional de petróleo, que culmina na recente exploração do pré-sal e cujo marco inicial é a campanha “O petróleo é nosso”. Inaugurada no dia 16 de abril de 1955, a refinaria representou não apenas um grande salto na produção brasileira de derivados de petróleo, mas também o ponto de partida da construção do que se tornaria, nas décadas seguintes, o mais importante pólo petroquímico da América Latina.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 33

9/2/11 12:53 PM


A campanha do petróleo

Após o fim da Segunda Guerra Mundial, o petróleo passou a ter importância crescente na economia mundial. Sua exploração em solo brasileiro dividiu opiniões e interesses desde o começo do século, opondo nacionalistas a partidiários da exploração privada. O nome da refinaria de Cubatão homenageia o presidente Artur Bernardes (1922-1926), que foi defensor do monopólio estatal e faleceu pouco antes da sua inauguração. Propagandista ardoroso da exploração privada, o escritor Monteiro Lobato foi preso durante o Estado Novo (1937-1945), depois de publicar “O escândalo do petróleo”, livro no qual acusa o governo de “não tirar petróleo e não deixar que o tirem”. O entusiasmo de Lobato com o progresso propiciado pelo petróleo remontava ao final da década de 1920, quando viveu nos Estados Unidos. Já nessa época, a indústria do petróleo mundial era dominada pelas “7 Irmãs”, multinacionais de origem americana e inglesa: Standart Oil, Royal Dutch-Shell, British Petroleum, Gulf Oil, Texaco, Esso e Mobil Oil. A Constituição de 1934 nacionalizou as riquezas do subsolo e em 1938 o governo Vargas criou o Conselho Nacional do Petróleo (CNP). No entanto, os maus resultados das prospecções iniciais pareciam confirmar a opinião de que “no Brasil não há petróleo”.

34 |

A Constituição de 1946 abriu as portas para o capital estrangeiro na exploração do petróleo ao não incluir o monopólio estatal, fato que provocou protestos e deflagrou uma campanha de mobilização popular como poucas vezes se viu na história do Brasil. Em 1947, encontros dos nacionalistas fixaram dois pontos programáticos: 1º) o capital estrangeiro só poderia ser aceito como empréstimo; 2º) a exploração do petróleo deveria ser feita pelo Estado. A posição do então presidente Eurico Gaspar Dutra era frontalmente oposta. Em fevereiro de 1948 ele enviou ao Congresso o Estatuto do Petróleo, preparado em colaboração com o CNP, Departamento de Estado dos EUA e empresas estrangeiras, e que abria a exploração, a produção e o refino ao capital privado, nacional e estrangeiro. Em visita ao Instituto de Engenharia, em abril, o presidente do CNP, engenheiro general João Carlos Barreto, sustentou que a participação de capitais estrangeiros era imperativa para que o país tivesse acesso à tecnologia necessária à produção de petróleo. A mesma posição foi defendida pelo general Juarez Távora, uma das principais lideranças militares da Revolução de 1930. Contra ele levantou-se a voz do general Horta Barbosa, pregando o controle estatal. Aderindo à campanha, a União Nacional dos Estudantes (UNE) formou comissões de propaganda e lançou o slogan que entraria para a história: “O petróleo é nosso”. Conquistando militares, estudantes, jornalistas e militantes de esquerda, a campanha nacionalista cresceu, recebeu adesão de sindicatos e associações, espalhou-se por cidades, bairros e empresas. Para influenciar a opinião pública, foi criado o Centro de Estudo e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional, reunindo políticos de vários partidos e tendo como presidente de honra o expresidente Artur Bernardes.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 34

9/2/11 12:53 PM


A estatal do petróleo Petrobras foi criada depois de longa campanha promovida por nacionalistas

| 35

Agência Petrobrás/Geraldo Falcão

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 35

9/2/11 12:53 PM


A Refinaria Presidente Bernardes deu origem a uma cidade industrial

36 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 36

9/2/11 12:53 PM


Miguel Behr

| 37

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 37

9/2/11 12:53 PM


Agência Petrobras/Geraldo Falcão

38 |

Antes da construção da nova refinaria, o Brasil consumia 127 mil barris de petróleo por dia e produzia 2.200

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 38

9/2/11 12:53 PM


Nasce uma cidade industrial O primeiro ato público promovido pelo Centro foi duramente reprimido pela polícia, que feriu a bala dois manifestantes, prendeu mais três e espancou inúmeros outros. Em setembro de 1949, a polícia metralhou um comício em Santos e matou o portuário Deoclécio Santana. Outros dois líderes do movimento, Aldo Ripassarti e Henrique Moura, acusados de terem assinado a convocatória do comício, foram processados e condenados a cinco anos de prisão.

Quibus quatibus, nam volum dolesen issimin veratquos doluptatem. Puda sime sum ea quid quam con porera

Quibus quatibus, nam volum dolesen issimin veratquos doluptatem. Puda sime sum ea quid quam con porera

Apesar disso, a campanha se intensificou. No Rio Grande do Sul, a União Gaúcha dos Estudantes Secundaristas realizou o primeiro comício no dia 15 de maio de 1948; no dia 1º de junho, foi criada a Comissão Estadual de Defesa do Petróleo. Em São Paulo, um comício reuniu cerca 30 mil pessoas no Vale do Anhangabaú. No Rio, o Centro de Estudo do Petróleo promoveu conferências e debates, publicação de artigos e novas concentrações, consideradas as maiores da história do país até então. Realizou também a Semana do Petróleo, o Mês do Petróleo e a 1ª Convenção Nacional de Defesa do Petróleo. Nas ruas, uma tropa de choque organizada pela UNE enfrentava a polícia.

| 39

Diante da mobilização popular o governo recuou, arquivou o projeto do Estatuto do Petróleo e lançou o Plano Salte, que previa, entre outros pontos, a construção de refinarias estatais, com participação privada, mas não estrangeira. Em 1951, a volta de Getúlio Vargas à presidência, dessa vez eleito, deu novo impulso à campanha. No final do ano, o presidente enviou ao Congresso projeto de lei que criava a Petrobrás (na década de 1990, o nome passaria a ser grafado sem acento), com capital misto, estatal e privado, inclusive estrangeiro. O projeto desagradou os nacionalistas, que apresentaram substitutivo prevendo capital 100% estatal na nova empresa. Em julho de 1952, no auge da campanha nacionalista, a 3ª Convenção Nacional de Defesa do Petróleo reuniu no Rio de Janeiro 600 delegados de 18 estados. Finalmente, em outubro de 1953, o presidente sancionou a Lei 2004, que criou a Petrobrás e garantiu o monopólio do Estado – “um novo marco da nossa independência econômica”, segundo Vargas. A empresa, exclusivamente nacional e controlada pela União, passou a deter o monopólio da pesquisa, lavra, refino e transporte do petróleo e dos seus derivados. Nasceu proprietária de duas refinarias: a de Mataripe, que produzia 1.502 barris por dia, e a de Cubatão, na Baixada Santista, em construção. Obra iniciada pelo CNP, a nova refinaria seria responsável pelo grande salto na produção brasileira, graças à sua capacidade instalada prevista de 45 mil barris por dia.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 39

9/2/11 12:53 PM


Às vésperas da inauguração da Refinaria Presidente Bernardes Cubatão (RPBC), a revista Visão fez um balanço do setor no país. A reportagem intitulada “Petróleo: A produção nacional e os seus problemas” informava que o consumo nacional era de 127 mil barris por dia, cerca de 46,3 milhões por ano; a produção não chegava a 2% desse total: 2.200 barris por dia, 800 mil barris por ano. As reservas conhecidas eram estimadas em 50 milhões de barris, suficientes para pouco mais de um ano. O barril custava três dólares e o país gastava anualmente US$ 136,5 milhões com importações. Toda a produção nacional provinha de quatro campos localizados no Recôncavo Baiano – Candeias, D. João, Itaparica e Paramirim de Vencimento – onde também estava localizada a Refinaria de Mataripe. Ao todo, tinham sido perfurados em solo brasileiro 404 poços, com profundidade média de 817,5 m, dos quais 245 produziam óleo, 29 produziam gás, 96 estavam secos e 34 eram poços estratificados.

40 |

As pesquisas de novos campos, usando 18 sondas rotativas, se concentravam no Vale Amazônico, no Maranhão, no Piauí, na faixa costeira do Nordeste e na Bacia do Paraná, além do Recôncavo. Em entrevista, o presidente da Petrobrás, coronel Artur Levy, anunciava que, a partir de 1955, a estatal planejava investir US$ 50 milhões por ano em pesquisa, produção, oleodutos, refinarias, frota de petroleiros e indústrias petroquímicas. O orçamento anual da empresa era de US$ 2 bilhões. Antes de aumentar a produção nacional era preciso aumentar a capacidade de refino, para isso estava sendo construída a RPBC. Ela faria o beneficiamento de petróleo em solo brasileiro saltar de 5.500 para 50.000 barris de petróleo por dia. A localização da refinaria foi uma escolha militar na qual o coronel Levy, que atuara na construção do Oleoduto Santos-São Paulo (OSSP), teve participação decisiva. Situada numa estreita faixa de terra de 12 km de comprimento por 4 km de largura, cercada de morros e mangues, no sopé da Serra do Mar, a área escolhida era considerada local seguro contra ataques de navios e aviões, em caso de guerra. Banhado pelos rios Cubatão, Perequê e Mogi, abastecido pela Usina Hidrelétrica Henry Borden, servido pela Via Anchieta e pela Estrada de Ferro Santos-Jundiaí (além do oleoduto de 37,8 km, em operação desde 1952), distante 14 km do porto de Santos e 56 km de São Paulo, Cubatão reunia condições excepcionais para a indústria e ainda dispunha de terras baratas.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 40

9/2/11 12:53 PM


Agência Petrobras/André Valentim

| 41

A área escolhida para a usina foi considerada segura, em caso de guerra

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 41

9/2/11 12:53 PM


Agência Petrobras/André Valentim

42 |

Equipada para processar óleo árabe e venezuelano, a RPBC foi adaptada para processar o petróleo brasileiro

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 42

9/2/11 12:53 PM


A escolha transformaria o bucólico município produtor de banana num grande pólo industrial. Durante sua construção, a RPBC foi a principal obra do país. Em 1954, ela consumiu 69% dos investimentos da Petrobrás. A mão de obra contratada para trabalhar na refinaria foi treinada no Centro de Treinamento de Cubatão, no Senai e no Centro de Aperfeiçoamento e Pesquisas de Petróleo (Cenap), no Rio de Janeiro. Diversas profissões novas, de nível técnico e superior, surgiram com o advento da RPBC. A instalação da primeira torre, na Unidade C, de destilação, no dia 28 de junho de 1952, foi presenciada pelo presidente Getúlio Vargas e comemorada com euforia pelos trabalhadores. Importada da França, ela chegou de navio ao Porto de Santos, depois foi puxada por barcos pelo Rio Cubatão, e seguiu da margem do rio por uma rampa de madeira de 800 metros para o canteiro de obras. A planta industrial da RPBC incluiu a construção de 84 tanques, 126 torres, 167 intercambiadores, 115 vasos, 234 bombas, 20 compressores, 6 motores para compressores, 179 motores para bombas, 14 turbinas a vapor para compressores e 55 outras bombas. Os equipamentos foram comprados do consórcio francês Fives-Lilie & Schneider; o projeto e a montagem, inclusive o início das operações, foram executados pela firma americana Hydrocarbon Research, Inc. – somente no dia 22 de dezembro de 1956, a Petrobrás assumiu o controle total do funcionamento da refinaria.

| 43

A RPBC foi equipada para processar óleo árabe e venezuelano; para processar o petróleo brasileiro, produzido no Recôncavo Baiano, passou por modificações técnicas e foi reequipada, em 1957. A primeira remessa de 16 toneladas de petróleo da Venezuela chegou no dia 7 de dezembro de 1954, foi processada a partir do dia 30 de janeiro de 1955 e começou a ser entregue às distribuidoras no dia 17 de fevereiro, como gasolina comum, gasolina de aviação, querosene, óleo diesel, óleo combustível e gás de petróleo. Do lado da refinaria, a Petrobrás construiu a primeira fábrica de asfalto do Brasil, que começou a funcionar em 1956, com capacidade para 207 mil toneladas por ano, suficientes para abastecer todo o país. Construiu também uma fábrica de fertilizantes nitrogenados, nitrato de amônio e hidrogênio, usando gases residuais da refinaria, e outra de eteno, produzido a partir do gás natural e empregado como matéria prima na fabricação de polietileno, estireno e acetona. Em torno da RPBC logo se instalaram multinacionais da indústria petroquímica. A Alba S/A foi a primeira, com três fábricas: uma de metanol, outra de formol e outra de resinas sintéticas. Em seguida veio a Cia. Brasileira de Estireno (CBE), fabricante de monômero de estireno, matéria prima empregada na fabricação de tubos e embalagens, entre outros produtos.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 43

9/2/11 12:53 PM


Exemplo de recuperação ambiental

44 |

A Union Carbide do Brasil S/A, companhia de origem americana, foi pioneira na América Latina na produção de polietileno, matéria prima para fabricação de plástico. A Copebrás, pertencente a outro grupo americano, Columbian Chemicals Company, começou fabricando negro de carbono (ou “negro de fumo”), matéria prima para produção de borracha, plástico e tinta; posteriormente abriria novas unidades para fabricação de gesso sintético, ácido fosfórico e ácido sulfúrico para a indústria de fertilizantes, e STTP, usado na indústria de sabão. Cubatão seria escolhido também para sede da Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa). Uma das três maiores siderúrgicas do país, ao lado da CSN e da Usiminas, a Cosipa atrairia fábricas de cimento e metalúrgicas. Várias outras empresas se instalariam em Cubatão conformando um dos maiores centros industriais do país. Três décadas de intensa atividade industrial transformaram Cubatão num retrato vivo das contradições sociais e ambientais da industrialização brasileira. “Cubatão é um sítio inadequado para a localização industrial”, sentenciou o presidente da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental de São Paulo (Cetesb), Werner Zulauf, em entrevista à revista Exame, publicada em 1985. Ele se referia às condições meteorológicas adversas, à degradação da cobertura vegetal e à gravíssima poluição do ar, que traziam consequências terríveis para o meio ambiente e a saúde da população. “Esse é um atestado eloquente de que um pólo industrial não pode ser instalado sem prévia avaliação do impacto ambiental”, sustentava o executivo. Cubatão possuía então 23 empresas de grande porte e 80 pequenas e médias. A população saltara de 12 mil habitantes, no começo da década de 1950, para mais de 100 mil. Era o primeiro município brasileiro em arrecadação per capita de ICMS, responsável por 3% do PIB nacional. Suas indústrias produziam 59% dos fertilizantes nacionais, 50% do nitrogênio, 47% do estireno, 30% do cloro, 15% do aço, 14% da gasolina e 12% do gás liquefeito de petróleo (GLP).

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 44

9/2/11 12:53 PM


Depois de ser “o lugar mais poluído do mundo”, Cubatão investiu em programas ambientais e recebeu título da ONU

| 45

Agência Petrobras/Geraldo Falcão

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 45

9/2/11 12:53 PM


Em compensação, o céu estava sempre preto, a poluição precipitava em chuva ácida e formava uma crosta nos telhados. A maioria da população vivia em favelas e inexistia rede de esgoto no município. A mortalidade infantil era extraordinária, crianças nasciam sem cérebro e a incidência de problemas pulmonares era muito alta. “As indústrias de Cubatão lançam na atmosfera quase mil toneladas de poluentes por dia”, informava Exame na reportagem denominada “Uma tragédia brasileira”. Os rios que atraíram empresas e o solo que antes produzia bananas recebiam anualmente a descarga de 1,5 milhão de toneladas de resíduos sólidos. Na encosta da serra, as árvores secavam, formando “paliteiros”. “Cubatão”, definia a revista, “acabou se tornando um exemplo rematado de como o progresso econômico não elimina necessariamente a pobreza, nem a dívida social – sobretudo quando vem acompanhado da poluição ou da incúria de administrações públicas que não sabem transformar em serviços públicos a receita dos impostos.”

46 |

A tradicional revista de economia amplificava a opinião pública para que se resolvesse a situação da Vila Parisi, uma favela com 20 mil habitantes, considerada “o lugar mais poluído do mundo”. O índice de poluição monitorado pela Cetesb levava a vila a entrar em estado de alerta ou estado de emergência frequentemente. Na madrugada de 24 de janeiro, 8 mil moradores foram removidos, quando a tubulação da estatal Ultrafértil se rompeu, liberando 15 toneladas de gás de amônia. Não foi o único acidente nem o mais grave. Um ano antes, a explosão do Oleoduto Santos-São Paulo espalhou 700 mil litros de gasolina na Vila Socó, onde moravam cerca de 1.200 pessoas. Durante a madrugada de 25 de fevereiro de 1984, enquanto os moradores dormiam, um incêndio se alastrou pelos casebres de madeira, provocando pânico e fazendo vítimas: 99 mortos, dezenas de feridos, mais de mil desabrigados, segundo informações oficiais. Extraoficialmente, no entanto, o número de mortos no desastre da Vila Socó foi estimado em mais de 500. Em agosto do ano seguinte, quando Exame publicou sua reportagem, temia-se nova tragédia, na próxima temporada de chuvas, em decorrência de deslizamentos de terra. Este estado permanente de alerta fez crescer o movimento para extinção da Vila Parisi – o que acabou acontecendo.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 46

9/2/11 12:53 PM


Graças à implantação de programas ambientais, a poluição começou a ser revertida. Sete anos mais tarde, durante a Eco-92, realizada no Rio de Janeiro, Cubatão recebeu da ONU o título de cidade-símbolo da Ecologia e Exemplo Mundial de Recuperação Ambiental.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 47

| 47

9/2/11 12:53 PM


Acervo CDMCC - Centro de Documentação e Memória Camargo Corrêa

48 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 48

9/2/11 12:53 PM


RODOVIA DOS IMIGRANTES Uma importante rodovia construída nestes 60 anos recentes foi a SP-160, mais conhecida como Rodovia dos Imigrantes, com cerca de 60 quilômetros de extensão. Parte de um complexo de estradas denominado AnchietaImigrantes, ela é a principal via de acesso da cidade de São Paulo ao Complexo Petroquímico de Cubatão e à Baixada Santista, onde está inserido um dos maiores portos de

| 49

movimentação de cargas do país. Além da importância econômica, o projeto de engenharia desta

rodovia

inaugurada

em

1976

foi

considerado

revolucionário, com pistas compostas por muitos viadutos e túneis atravessando a Serra do Mar. A Pista Norte da Imigrantes possui onze túneis. Já a Pista Sul possui quatro, sendo dois deles os mais extensos túneis rodoviários brasileros, o primeiro com 3.146 metros e o outro com 3.009 metros de extensão. Túneis e viadutos tão extensos foram necessários para que o impacto ambiental sobre a Serra do Mar fosse mínimo na construção da Pista Sul.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 49

9/2/11 12:53 PM


RODOVIA BELÉMBRASÍLIA

50 |

Alexandre Horta

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 50

9/2/11 12:53 PM


Uma epopéia na selva

| 51

Estrada de 2 mil quilômetros, que atravessa a Floresta Amazônica, a Rodovia Belém-Brasília foi a primeira ligação por terra entre o Norte do Brasil e as regiões Sudeste e Sul. Sua construção, em condições precárias e desafiadoras, representou uma verdadeira epopeia na selva, na qual morreram seus dois engenheiros chefes. Para compreendê-la é preciso conhecer o inovador Programa de Metas do governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), que pretendia fazer o Brasil avançar “cinquenta anos em cinco”. Nesse projeto, a abertura de estradas, a interiorização do desenvolvimento e a implantação da indústria automobilística tinham papel fundamental.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 51

9/2/11 12:53 PM


A planificação da economia O Programa de Metas foi uma inovação do presidente Juscelino Kubitschek que os governos subsequentes também adotaram. Não foi, no entanto, a primeira vez que um governo brasileiro se preocupou com o planejamento econômico. Antes dele, outros planos, missões e relatórios cuidaram de ações específicas e elaboração de estudos que pouco ou nada resultaram em políticas de governo. O governo JK foi além: estabeleceu metas mensuráveis para as áreas mais importantes e as executou, com excelentes resultados. Beneficiou-se da existência de um diagnóstico detalhado da economia brasileira, de instituições técnicas recém-criadas e de profissionais qualificados para colocá-lo em prática.

52 |

A ideia de planificação econômica se disseminou na década de 1930, por influência dos planos quinquenais que industrializaram e multiplicaram a produção agrícola na União das Repúblicas Socialistas Soviéticas. Se na política a crise do capitalismo nas primeiras décadas do século XX se expressou em revoluções e regimes totalitários, na economia traduziu-se em intervenção do Estado e planejamento. O grande marco dessa mudança é o New Deal, com o qual o governo dos Estados Unidos enfrentou, com sucesso, a Grande Depressão. No Brasil, o primeiro plano econômico foi lançado em 1937, durante o Estado Novo. Com duração de cinco anos, o Plano Especial de Obras Públicas e Aparelhamento da Defesa Nacional teve como objetivo criar indústrias de base e realizar obras; desenvolvido durante a Segunda Guerra Mundial, deu prioridade aos gastos com defesa. Foi seguido pelo Plano de Obras e Equipamentos (1943), também quinquenal, que acabou abortado pela deposição de Getúlio Vargas. O governo seguinte, do presidente Eurico Dutra (1946-1950), lançou o Plano Salte – acróstico das palavras saúde, alimentação, transporte e energia. Apresentado ao Congresso em 1948, para ser implantado entre 1949 e 1953, o plano só foi aprovado no último ano do mandato presidencial. Apesar de prever amplos estímulos à iniciativa privada, o Plano Salte foi rejeitado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), que o considerou inviável e se transformou numa mera fonte suplementar de recursos no governo do presidente Getúlio Vargas, eleito para o quinquênio 1951-1955.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 52

9/2/11 12:53 PM


| 53

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 53

9/2/11 12:53 PM


54 |

A construção de rodovias foi uma das principais metas do governo JK. A Belém-Brasília destacou-se entre elas

Um novo plano, mais ambicioso, foi elaborado pelo ministro da Fazenda de Getúlio, Horácio Lafer. O Plano Nacional de Reaparelhamento Econômico pretendia gastar US$ 1 bilhão para impulsionar a industrialização do país. Metade dos recursos viria de organismos internacionais e metade do Fundo de Reaparelhamento Econômico. Criado por lei aprovada pelo Congresso, este fundo seria constituído por um empréstimo compulsório tomado aos contribuintes mais ricos, na forma de um adicional de 15% no imposto de renda, a ser devolvido em cinco anos, acrescido de 25% em títulos da dívida pública. Para gerenciá-lo, o governo criou o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE), em 1952. Os outros US$ 500 milhões foram negociados com o governo dos Estados Unidos. A ajuda americana fazia parte do contexto internacional do pós-guerra: assim como trocara empréstimos e tecnologia pela adesão do Brasil aos Aliados, contra o nazi-fascismo, na Segunda Guerra Mundial, os EUA concedia novos recursos para manter o país no bloco anti-soviético e obter seu apoio na Guerra da Coreia (1950-1953). No dia 15 de março de 1952, os dois governos assinaram um acordo militar, prevendo participação conjunta em missões de defesa do hemisfério, troca de armas por minerais estratégicos e restrições no comércio com países socialistas. O acordo vigorou até 1978. Parte importante dessas negociações foi a Comissão

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 54

9/2/11 12:53 PM


ARQUIVO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL

| 55

Mista Brasil-EUA. Formada em 1951, a comissão tinha como objetivo elaborar projetos para superar os pontos de estrangulamento da economia nacional, especialmente nos setores de transportes, energia e agricultura. Não foi a primeira. Antes dela, a Missão Cooke (1942) e a Missão Abbink (1948), igualmente formadas por técnicos do Brasil e dos EUA, prepararam diagnósticos da economia brasileira e seus problemas; a Missão Abbink abasteceu de estudos o Plano Salte. A Comissão Mista Brasil-EUA – da qual participaram, entre outros, o economista Roberto Campos e os engenheiros Lucas Lopes e Glycon de Paiva – atualizou os diagnósticos transformando-os em 41 projetos suscetíveis de financiamento pelo Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento (Bird) e pelo Eximbank, órgão americano de incentivo à exportação e à importação. Cada projeto era encaminhado ao ministro da Fazenda, Horácio Lafer, que o enviava ao presidente Getúlio Vargas para aprovação; aprovado, voltava à comissão, que o encaminhava ao Departamento de Estado norte-americano e este às duas agências financiadoras. Com o suicídio de Getúlio, em agosto de 1954, o presidente interino Café Filho abandonou o Plano Lafer. Extinguiu também formalmente o Plano Salte, cujos resultados não chegaram a ser conhecidos com exatidão, por falta de mecanismos para avaliar sua implantação. As condições para a planificação da economia, porém, estavam maduras e foram capitalizadas pelo candidato Juscelino Kubitschek, ao lançar o seu Programa de Metas, em 1955.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 55

9/2/11 12:53 PM


“A estrada é o elemento civilizador por excelência”, pregava o ex-presidente Juscelino Kubitschek

ARQUIVO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL

56 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 56

9/2/11 12:53 PM


Metas de crescimento acelerado JK tinha as qualidades necessárias para realizar um governo planificado. Além de empreendedor e progressista, ele acompanhou como governador de Minas Gerais os trabalhos da Comissão Mista. No governo estadual implantou metas de energia e transporte, contando com a colaboração de técnicos como Lucas Lopes. Para elaborar o Programa de Metas convocou também Roberto Campos. Eleito presidente criou o Conselho de Desenvolvimento, o primeiro órgão central de planejamento de caráter permanente, cuja atribuição principal foi implantar o Programa de Metas. (Em 1964, o regime militar substituiria o Conselho pelo Ministério do Planejamento, com funções similares.)

| 57

“As posições-chave no Conselho de Desenvolvimento, durante o governo Kubitschek, foram ocupadas por homens que viveram experiências prévias de planejamento”, observa o ex-chanceler Celso Lafer em verbete do Dicionário Histórico-Bibliográfico Brasileiro, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil da Fundação Getúlio Vargas. O programa de JK continha 30 metas quantificadas para serem alcançadas nas áreas de energia, transporte, alimentação, indústria e educação (mais tarde incluiria a 31ª meta, chamada de meta-síntese: a construção de Brasília). Eram metas de crescimento acelerado, que atacariam os “pontos de estrangulamento” da economia; seriam acompanhadas de perto e revistas quando preciso. Conforme observou Celso Lafer, as diversas metas se relacionavam, levando à percepção da interdependência da economia como um todo. Para contornar a ineficiência do serviço público – em 1958, o governo federal tinha 229.442 funcionários, dos quais apenas 28.406 contratados por concurso – JK apelou para o que Celso Lafer chamou de “órgãos de ponta da administração pública brasileira”. Em vez de promover uma demorada e imprevisível reforma da administração pública, o governo optou pela alternativa da “administração paralela”, constituída por órgãos em que o sistema de mérito – e, portanto, a eficiência técnica – prevalecia, como o BNDE, a Carteira de Crédito Exterior do Banco do Brasil (Cacex) e a Superintendência da Moeda e do Crédito (Sumoc), e por órgãos novos, como os grupos executivos e o Conselho de Política Aduaneira, para os quais foram requisitados os melhores quadros disponíveis no serviço público.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 57

9/2/11 12:53 PM


ARQUIVO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL

Ao lado da rodovia foram construídas diversas pistas de pouso para aeronaves

58 |

As duas primeiras metas de transportes do programa do presidente Juscelino Kubitschek se referiam a ferrovias, mas foi ao transporte rodoviário que seu governo dedicou maiores esforços, com consequências duradouras para o país. A meta oito previa a “pavimentação asfáltica de 3 mil quilômetros de rodovias”; posteriormente, foi revista para 5 mil quilômetros e ainda 5.800 quilômetros, tendo se alcançado mais: 6.202 quilômetros – ou seja, 206% da meta inicial. A meta nove previa, inicialmente, a construção de 10 mil quilômetros de rodovias; foi revista para 12 mil quilômetros, novamente para 13 mil quilômetros, e realizados 14.970 quilômetros – 150% da meta original. A meta 27 previa a fabricação de 100 mil veículos no país em 1960. O primeiro automóvel que rodou no Brasil, em 1897, era movido a vapor e pertenceu ao jornalista abolicionista José do Patrocínio. Em 1920, a Ford implantou em São Paulo uma pequena montadora do seu modelo T, cujos componentes eram fabricados nos EUA. Em 1924, foi a vez da General Motors. Durante a Segunda Guerra Mundial, para produzir motores de avião, foi fundada a Fábrica Nacional de Motores (FNM), a qual, em 1951, por meio de acordo com a italiana Alfa Romeo, passou a produzir caminhões. Em 1955, a indústria de máquinas agrícolas Romi começou a fabricar no interior de SP, sob licença da italiana Isetta, a Romi-Isetta,

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 58

9/2/11 12:53 PM


Alexandre Horta

Antes da construção da Belém-Brasília não havia ligação rodoviária entre a Amazônia e o Sudeste brasileiro

| 59

um minicarro de três rodas, para dois passageiros. Às vésperas do governo JK, funcionavam no país sete montadoras e cerca de 550 fábricas de autopeças, estas protegidas pela política de substituição de importações. Em abril de 1956, o presidente fixou prazo de 30 dias para conclusão dos estudos sobre a implantação da indústria automobilística. À frente dos trabalhos, o engenheiro Lúcio Meira elaborou um projeto de decreto que regulamentava os investimentos estrangeiros, estimulando a rápida instalação de fábricas de jipes e caminhões no país. Em seguida, foi criado o Grupo Executivo da Indústria Automobilística (Geia), para coordenar a execução da política governamental no setor. Graças aos trabalhos do Geia e aos incentivos governamentais – como a Instrução 113 da Sumoc, que isentava de taxas a importação de máquinas e equipamentos por empresas estrangeiras – muitas montadoras decidiram se instalar no país. Como sede, elas escolheram as cidades da região do ABC paulista, principalmente São Bernardo do Campo – perto dos seus fornecedores, perto de São Paulo e do porto de Santos, servidas pela Via Anchieta e pela Ferrovia Santos-Jundiaí. Em 1960, São Bernardo do Campo já tinha 284 empresas e 29 mil operários.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 59

9/2/11 12:53 PM


O cruzeiro rodoviário 60 |

Iniciada a construção de Brasília, o presidente Juscelino Kubitschek decidiu construir um cruzeiro de estradas cujo ponto de intersecção seria a nova capital. Grande parte do Brasil era ligada então quase que exclusivamente por navios, através de rios como o São Francisco e principalmente pela navegação de cabotagem, ao longo da imensa costa brasileira. A região Oeste era uma fronteira isolada; a Floresta Amazônica, cuja área corresponde a mais de um terço do território nacional, era o “inferno verde”, sobre o qual dissera o célebre naturalista alemão Alexander von Humboldt, em expedição no começo do século XIX, que levaria dois milênios para ser conquistado pela civilização. “Não se conquista uma terra se não se tem acesso a ela. E a estrada é um elemento civilizador por excelência”, argumenta JK no seu livro de memórias Por que construí Brasília. “Concebi, pois, o plano das grandes longitudinais, cortadas, quase na perpendicular, pelas grandes transversais. No centro do sistema ficaria Brasília, que seria uma torre para se contemplar o Brasil.” O “cruzeiro rodoviário” não existiria sem Brasília e a construção de uma ficou intimamente ligada à construção do outro. “A construção prévia de Brasília seria imprescindível para o êxito daquele ambicioso plano. Qualquer estrada deve ser um ponto de chegada, que justifique sua implantação. Não poderia dirigi-la para o interior, fazê-la rasgar a selva, sem um objetivo econômico. Seria insensato despender somas fabulosas apenas para se chegar a uma taba de índios”, escreveu JK. O braço norte do cruzeiro seria a Rodovia Belém-Brasília. A ideia nasceu numa reunião realizada em São Luís (MA), no começo de 1958, na qual JK apresentou aos governadores do Norte e do Nordeste as obras da construção de Brasília. O superintendente da Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (Spvea), Waldir

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 60

9/2/11 12:53 PM


ARQUIVO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL

Bouhid, disse que, sem uma ligação rodoviária, Brasília nada significaria para o estado do Pará. Criada em 1953, no governo Getúlio Vargas, a Spvea foi o primeiro órgão federal a promover a integração da Amazônia à economia nacional; em 1966, durante o regime militar, foi extinta e substituída pela Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam).

A construção da rodovia vitimou o homem que comandou as obras do chamado Setor Sul

| 61

Estrada que traça praticamente uma linha reta do Centro ao Norte do país, a BelémBrasília seria, segundo JK, o começo da integração da Amazônia. Ele temia, no entanto, que a selva “tragasse” as equipes construtoras, assim como já tinha feito com muitas expedições que ousaram penetrá-la. E de fato, a obra que venceu os obstáculos de regiões inóspitas, do sertão do Brasil e da Floresta Amazônica, vitimou o homem que a liderou, o engenheiro Bernardo Sayão. Vice-governador de Goiás, Bernardo Sayão integrou-se às obras de construção de Brasília como diretor da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap) e chefiou a construção da Rodovia Anápolis-Brasília, concluída em junho de 1958. Seu caráter de desbravador, qualidade imprescindível àquele governo, conquistou a admiração de JK. Quando decidiu construir a Belém-Brasília, o presidente entregou a ele a missão de “criar uma zona de segurança ao longo da floresta que separava as duas cidades” e “introduzir o progresso e a civilização em regiões nunca exploradas pelo homem civilizado”. “É inegável que o encontro de Juscelino Kubitschek com Bernardo Sayão foi histórico para este país”, escreveu o escritor Antônio Callado. “Sayão era o Fernão Dias de que necessitava – o bandeirante do século XX, que, ao invés de botas, usava um teco-teco”, definiu o ex-presidente no seu livro de memórias.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 61

9/2/11 12:53 PM


ARQUIVO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL

62 |

Na abertura da “picada na selva”, como a chamou o Jornal do Brasil, trabalharam 5 mil operários

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 62

9/2/11 12:53 PM


A construção da estrada Para construir a Belém-Brasília, JK apelou mais uma vez para a “administração paralela”. Em 19 de maio de 1958, ele criou por decreto um órgão específico para abrir a rodovia: a Rodobrás. “A estrada, por suas características singulares, repeliria qualquer tutela burocrática”, justificou o ex-presidente no seu livro de memórias. O dinamismo necessário à execução da obra seria incompatível com os empreendimentos rodoviários convencionais, a Rodobrás teria “flexibilidade suficiente para atender à multiplicidade dos problemas que, durante a construção, certamente iriam surgir”. Calculando que só uma frente de trabalho seria insuficiente para concluir a obra no prazo exigido, JK optou por dividi-la em duas: uma equipe partiria de Belém e a outra, de Brasília. Esta, denominada Setor Sul, seria tocada pela Rodobrás; o Setor Norte seria tocado pela Spvea.

| 63

Os levantamentos feitos previam a construção de 2.240 quilômetros de estrada. Partindo de Brasília, a rodovia coincidia com a Rodovia Brasília-Anápolis, que estava sendo construída. Em seguida, percorreria mais de 200 quilômetros de campos cultivados, na região denominada Vale do São Patrício. Em direção ao norte, cortaria o Cerrado e, 700 quilômetros depois, atravessaria o Rio Tocantins, num ponto em que ele é mais estreito e no qual seria construída uma grande ponte. Adiante, a estrada penetraria a Floresta Amazônica, numa extensão de 600 quilômetros. Cerca de 400 máquinas pesadas trabalharam na obra. Máquinas especiais foram importadas dos EUA pela empresa do mineiro Oto Barcelos, contratada como fornecedora da Rodobrás. Enquanto isso, para promover a política governamental de transporte rodoviário, o Geia organizou uma exposição da indústria automobilística nacional no saguão do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Nela foram exibidos os primeiros exemplares de veículos fabricados no Brasil: caminhões, jipes, camionetas e furgões, além de peças e acessórios para automóveis. No dia 15 de janeiro de 1959, a construção da Belém-Brasília seguia em ritmo acelerado, superando chuvas e o calor da mata, quando um acidente fatal aconteceu. A data para encontro das frentes Sul e Norte tinha sido marcada para 31 de janeiro. Distantes apenas 50 quilômetros uma da outra, as duas equipes estavam, no entanto, isoladas na floresta. O envio de mantimentos era feito por aviões da Força Aérea Brasileira (FAB), que lançava as cargas em para-quedas. De 100 em 100 quilômetros, um campo de pouso era aberto. Neles pousaram primeiro teco-tecos, depois Cessnas, por último enormes aviões Douglas.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 63

9/2/11 12:53 PM


Atingido por uma gigantesca árvore tombada da floresta, Bernardo Sayão teve o crânio fraturado, o braço esmagado e uma fratura exposta na perna. No acampamento não havia médico nem a assistência necessária para um acidente assim. Só à tarde, quando um avião chegou para lançar os mantimentos, foi possível pedir socorro, que veio num helicóptero. O engenheiro foi levado à cidade mais próxima, Açailândia, no Maranhão, mas morreu antes a caminho. O corpo de Bernardo Sayão inaugurou o cemitério de Brasília, cuja construção ele próprio chefiara. (Seu motorista, Benedito Segundo, ao saber da morte do chefe, teve um ataque do coração e morreu também; foi enterrado no mesmo cemitério.) Foi velado na Capela Dom Bosco, uma das primeiras construções da nova capital, projetada por Oscar Niemeyer. Uma semana depois, o chefe das obras no Setor Norte, Rui de Almeida, também morreu, num acidente de veículos. Vítimas da modernidade que JK estava implantando, os dois engenheiros não viveram para ver inaugurada a estrada cuja construção lideraram. O próprio ex-presidente morreria num acidente rodoviário, em agosto de 1976. Concluída menos de um ano depois de iniciada, a Rodovia Belém-Brasília foi inaugurada no dia 1º de fevereiro de 1959. Ao longo dos mais de 2 mil quilômetros da estrada estavam abertos também cinco campos de pouso, localizados nos quilômetros 14, 92, 163, 300 e 370. “Três golpes de machado, do Presidente, iniciaram a derrubada do jatobá de 45 metros de altura, que era o último obstáculo ao encontro das duas turmas de trabalhadores”, descreveu o Jornal do Brasil, na sua edição do dia 3 de fevereiro. “Durante meia hora, a árvore lutou contra dois tratores, que a puxavam para o chão. Caiu somente quando o avião presidencial levantava voo.”

Alexandre Horta

Para abrir a “picada na selva”, conforme a denominou o jornal, 5 mil trabalhadores, a maior parte vinda do Maranhão, Pará e Goiás, cortaram um milhão e meio de metros cúbicos de madeira.

64 |

Saída de Brasília

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 64

9/2/11 12:53 PM


O desmatamento revelou a existência de muitos rios e montes escondidos pela floresta, que não figuravam nos mapas e ainda não tinham nome. Ao longo da estrada já se formavam povoações, como Açailândia. “Açailândia é nome novo, de local que ainda não é nem será cidade. Foi tirado do nome de uma árvore – Açaí, abundante em toda a região.” A primeira rodovia radial do país ganhou a nomenclatura de BR-010 e o nome oficial de Rodovia Bernardo Sayão.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 65

| 65

9/2/11 12:53 PM


FURNAS

J.R. Nonato/Arquivo Eletrobras Furnas

66 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 66

9/2/11 12:53 PM


| 67

A expansão do sistema elétrico Na década de 1950, a produção de energia elétrica no Brasil dá um grande salto, visando a acompanhar o crescimento da demanda, provocado pela urbanização e pela industrialização do país. A construção de Furnas, no Rio Grande, em Minas Gerais, é um marco dessa expansão. Maior hidrelétrica do Hemisfério Sul e quinta maior do mundo, à época de sua construção, Furnas foi projetada para produzir 1,216 milhão de kW de energia destinados a abastecer os estados do Rio de Janeiro, São Paulo, Minas Gerais e parte de Goiás.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 67

9/2/11 12:53 PM


Energia para o Sudeste Quando o presidente Juscelino Kubitschek tomou posse, no dia 31 de janeiro de 1956, a capacidade instalada das hidrelétricas brasileiras era de 3 milhões 148 mil 500 kW. A elevação para 5 milhões de kW em 1960 e 8 milhões de kW até 1965 era a meta número um do seu Programa de Metas, que pretendia enfrentar a “crise de energia” pela qual passava o país. O assunto foi tema de uma reportagem da revista Visão, em setembro de 1954. 68 |

“O consumidor que se precate: o problema de força e luz elétrica está tão longe de ser resolvido quanto nos primeiros dias da crise que começou após a II Guerra Mundial”, avisava a matéria, intitulada A chuva não é solução. “Não adianta provocar chuva artificial nem construir uma usina geradora aqui ou ali, isoladamente. O racionamento que tanto São Paulo como o Rio vêm sofrendo não deverá ser amenizado. Ao contrário, tudo indica que ele deverá manter-se dentro dos próximos dois anos, já que deter um rio, desviar seu curso, construir uma imensa barragem para represá-lo e instalar todo o equipamento gerador e transmissor, não é coisa para ser resolvida ‘à vista’, mas leva aproximadamente sete anos.” A revista fazia um minucioso balanço dos investimentos que estavam em curso em São Paulo. Segundo a reportagem, a Uselpa – Usinas Elétricas do Paranapanema S/A, empresa de economia mista controlada pelo estado – pretendia transformar o Vale do Parapanema num autêntico “Tennessee Valley”, referência à região dos Estados Unidos que abriga grande número de usinas hidrelétricas. Cinco barragens, capazes de gerar 636 mil kW de energia, estavam em andamento: Salto Grande (80 mil kW), Ourinhos (80 mil kW), Itararé (235 mil kW), Piraju (107 mil kW) e Jurumirim (134 mil kW). A primeira delas era Salto Grande, cuja inauguração estava prevista para fins de 1955. A usina forneceria energia para a eletrificação da Estrada de Ferro Sorocabana. Em seguida viria Jurumirim que, além de energia, teria a função de regularizar o curso do Rio Paranapanema. A Uselpa empregava nas obras empréstimo de 10 milhões de dólares obtido do Banco Mundial e esperava financiar a construção das três usinas restantes com recursos provenientes da venda de energia de Salto Grande e Jurumirim.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 68

9/2/11 12:53 PM


J.R. Nonato/Arquivo Eletrobras Furnas

| 69

Na década de 1950, o Brasil construiu inúmeras hidrelétricas, mas sem a gigante Furnas seria impossível suprir a demanda de energia do País

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 69

9/2/11 12:53 PM


J.R. Nonato/Arquivo Eletrobras Furnas

70 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 70

9/2/11 12:53 PM


O recém-criado Departamento de Águas e Energia Elétrica (Daee) planejava ainda construir 16 usinas nas bacias dos rios Tietê, Paraíba, Turvo, Pardo e Capivari, que forneceriam mais 2 milhões 176 mil kW de energia para o estado. No Tietê seriam cinco, com potencial de 697 mil kW: Barra Bonita (107 mil kW), Bariri (120 mil kW), Ibitinga (160 mil kW), Lages (250 mil kW) e Avanhandava (60 mil kW). No Paraíba e seus afluentes deveriam ser construídas sete usinas, com capacidade de 1 milhão 189 mil kW: Paraibuna (9 mil kW), Paraitinga (35 mil kW), Caraguatatuba (750 mil kW), Santa Branca (45 mil kW), Jaguari (40 mil kW), Buquira (10 mil kW) e Funil (300 mil kW). No Rio Turvo, uma usina de 50 mil kW; no Rio Pardo, duas: Euclides da Cunha (125 mil kW) e Limoeiro (40 mil kW); no Rio Capivari, uma, de 75 mil kW.

Para construir a usina, foi criada a Central Elétrica de Furnas, em 1957

A construção gerou reação da oposição mineira: “Minas não pode ser a caixa d’água do Brasil”, era seu lema

A Companhia Paulista de Força e Luz também desenvolvia seu plano de eletrificação, que já colocara em funcionamento a Usina de Americana, com potência de 10 mil kW. Outras duas, com capacidades de 100 mil kW e 400 mil kW, no Rio Pedregulho, estavam em estudos. No Rio Jaguari, mais uma, de 5 mil kW, e em São Jerônimo, uma termelétrica de 30 mil kW, estavam sendo concluídas. O mais ambicioso projeto da CPFL, porém, era Peixoto, no Rio Grande. A usina – que só seria inaugurada em 1968 e passaria a integrar Furnas, com o nome mudado para Usina Mascarenhas de Moraes – foi projetada para gerar 476 mil kW de energia. Sua barragem teria 68 m de altura e 600 m de comprimento; nela seriam usados 350 mil metros cúbicos de concreto e 6 mil toneladas de aço.

| 71

Outro projeto ambicioso, chamado de Complexo de Urubupungá, para aproveitamento das quedas do Alto do Rio Paraná, começava a ser desenvolvido, mas só se tornaria realidade na década de 1970. Os investimentos privados em energia para o estado de São Paulo vinham da Light, que ampliava pela segunda vez a Hidrelétrica Henry Borden, em Cubatão, cuja potência passaria de 460 mil kW para 880 mil kW. A empresa concluía a montagem da termelétrica de Piratininga, com capacidade de 200 mil kW, e passaria a transmitir para São Paulo 150 mil kW produzidos na Usina de Forçacava, localizada no Rio de Janeiro.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 71

9/2/11 12:53 PM


A potência de 1,2 milhão de kW tornou Furnas uma das maiores hidrelétricas do mundo na época

J.R. Nonato/Arquivo Eletrobras Furnas

72 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 72

9/2/11 12:53 PM


| 73

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 73

9/2/11 12:53 PM


J.R. Nonato/Arquivo Eletrobras Furnas

74 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 74

9/2/11 12:53 PM


O presidente JK inspecionou o canal da obra poucos minutos antes que uma forte chuva o inundasse

No Rio de Janeiro, projetava-se a Usina de Funil, no Rio Paraíba; construída em concreto, a obra começaria em 1960, mas só seria concluída em 1969, com capacidade instalada de 210 mil kW. Todos esses empreendimentos eram ainda insuficientes. Ao informar que a demanda nacional crescia 20% ao ano e pedir a construção de um “sistema de usinas” integradas, a revista Visão indicava anseios nacionais que o programa de JK contemplará na campanha presidencial do ano seguinte. Nele, o candidato do PSD se comprometeria com a construção urgente das usinas de Furnas, Três Marias e Paulo Afonso II.

| 75

A Usina Hidrelétrica de Paulo Afonso II, localizada no Rio São Francisco, na Bahia, foi projetada para produzir 480 mil kW a partir de 1961, como parte do Complexo Hidrelétrico de Paulo Afonso, que a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) tinha começado no final da década de 1940. A Usina Hidrelétrica de Três Marias produziria 396 mil kW de energia, a partir de 1962. Orçada em 4 bilhões de cruzeiros, moeda brasileira da época, com recursos dos governos mineiro e federal, este por meio da Chesf, a construção de Três Marias seria a primeira grande obra da Cemig – Centrais Elétricas de Minas Gerais, hoje Companhia Energética de Minas Gerais, estatal fundada em 1952, durante o governo de Juscelino Kubitschek no estado. A barragem, com 2,7 km de extensão, além de propiciar a geração de energia, visava também a regularizar o curso do São Francisco, possibilitando sua navegação durante todo o ano, evitar enchentes e promover a irrigação de áreas ribeirinhas. Também em Minas, o governo federal destinou cerca de meio bilhão de cruzeiros para investimentos em hidrelétricas de âmbito regional: Companhia Alto Rio Grande, Companhia Sul Mineira de Eletricidade, Companhia Médio Rio Doce, Companhia Força e Luz Cataguazes e Leopoldina e Companhia Prada de Eletricidade. O grande empreendimento, porém, capaz de evitar o colapso do abastecimento do Sudeste no começo dos anos 60, foi mesmo Furnas.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 75

9/2/11 12:53 PM


Victor Andrade

76 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 76

9/2/11 12:53 PM


A maior hidrelétrica do Hemisfério Sul Localizada no trecho denominado Corredeiras das Furnas do Rio Grande, em Minas Gerais, a aproximadamente 300 km de Belo Horizonte, 400 km de São Paulo e 500 km do Rio, a Usina Hidrelétrica de Furnas produziria sozinha mais do que Paulo Afonso II e Três Marias juntas. Sua potência, de 1 milhão 216 mil kW, com oito geradores de 152 mil kW, tornava-a uma das maiores do mundo, a maior do país e de todo o Hemisfério Sul. Seu reservatório, de 21 bilhões de metros cúbicos, equivalente a cinco Baías de Guanabara, atingiria o máximo na cota 766, com 3.500 km de perímetro e 1.440 km² de área. Suas águas banhariam 34 municípios de Minas Gerais. Curiosamente, a obra encontrou resistência de políticos mineiros que alegavam que a usina serviria a indústrias que se instalavam no Rio de Janeiro e em São Paulo, em prejuízo da industrialização de Minas Gerais. Uma campanha, tendo como lema “Minas não pode ser a caixa d’água do Brasil”, chegou a ser lançada contra a construção da barragem.

| 77

No seu livro de memórias, o presidente Juscelino Kubitschek reconhece que a campanha se sustentava no descontentamento daqueles que teriam suas propriedades inundadas pela construção da barragem. Era o começo das reações que décadas mais tarde levariam ao Movimento dos Atingidos por Barragens e ao questionamento dos desastres ambientais provocados pelas grandes usinas, que se expressa hoje principalmente na polêmica sobre a construção de hidrelétricas na Amazônia. Para construir a hidrelétrica JK criou, pelo Decreto Federal nº 41.006, de 28 de fevereiro de 1957, a Central Elétrica de Furnas – que em 1971 passaria a se chamar Furnas Centrais Elétricas S/A. A obra contou com recursos do Banco Mundial – 73 milhões de dólares. O BNDE financiou as desapropriações e construção de instalações para os trabalhadores, além do material nacional usado na obra. Os primeiros geradores entraram em operação em 1963, mas a obra só foi inaugurada em 1965

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 77

9/2/11 12:53 PM


A construção começou em julho de 1958 e foi executada pelo consórcio denominado Cia. Anglo-Brasileira, formado pela Companhia Construtora Nacional S/A e pela inglesa George Winpey and Co. Ltd., sob supervisão do engenheiro John Reginald Cotrim, presidente de Furnas. Segundo o engenheiro Miguel Kahir Filho, citado no livro Engenharia do Brasil – 90 anos do Instituto de Engenharia – 1916-2006, a união de capitais estatais e privados, nacionais e estrangeiros foi “o pulo do gato” que possibilitou formar equipe técnica coesa, capaz de absorver a tecnologia que vinha do exterior. Grande parte dos equipamentos foi importada do Canadá, Estados Unidos, Itália, Japão, Suécia e Suíça. As empresas nacionais reunidas na CCN contrataram consultores e organizaram o canteiro de obras. Em 1959 trabalhavam no local 4 mil operários.

78 |

O projeto de Furnas consistiu numa “barragem mista de enrocamento e terra, com canal de acesso, sangradouro de encosta, tomada d’água, condutos forçados, casa de força, subestações elevadoras e de manobra e sistema de transmissão”. Com 120 metros de altura, a barragem teria 10 milhões de metros cúbicos de terra e pedras. Uma barragem secundária, pequena, foi construída “para fechamento de um ponto baixo no divisor de águas das bases dos rios Grande e São Francisco”. No dia 9 de março de 1960, o presidente JK participou da solenidade de “dinamitação das ensecadeiras”, operação que faria o desvio das águas do Rio Grande, através de dois túneis com extensão total de 1,6 km, construídos “em ritmo de Brasília”. Chuvas fortes e contínuas, no entanto, elevaram o nível das águas, provocando o transbordamento da barragem e a inundação dos túneis, sem que fosse preciso dinamitá-los. O imprevisto aconteceu duas horas depois que o presidente percorreu de camioneta os enormes túneis. Os primeiros geradores da usina entraram em operação em 1963, mas a obra só foi inaugurada oficialmente em 12 de maio de 1965, no primeiro governo militar. A energia produzida passou a ser vendida, em alta tensão, nas extremidades das linhas primárias de transmissão, para as companhias distribuidoras que participaram do empreendimento: Cemig, Daee, São Paulo Light S/A e Cia. Paulista de Força e Luz.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 78

9/2/11 12:53 PM


Furnas possibilitou a regularização do Rio Grande e a construção de mais oito usinas, cujo potencial ultrapassa 6 milhões de kW. Como consequência adicional da expansão do sistema, desenvolveu-se no Brasil o parque industrial de produção de equipamentos pesados destinados a hidrelétricas, tais como geradores e turbinas.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 79

| 79

9/2/11 12:53 PM


BRASÍLIA

Alexandre Horta

80 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 80

9/2/11 12:53 PM


A cidade que surgiu de um quase nada

| 81

Brasília foi a meta-síntese do governo Juscelino Kubitschek (1956-1960). Do ponto de vista técnico, foi o maior desafio que a engenharia brasileira já enfrentou: o de construir uma cidade inteira no meio do sertão, no prazo de um mandato presidencial. Do ponto de vista arquitetônico, é um símbolo do modernismo, reconhecida e admirada em todo o mundo. Do ponto de vista econômico, foi uma obra monumental, que dinamizou as forças produtivas. Do ponto de vista histórico, é um marco da interiorização do desenvolvimento nacional e uma página que dignifica a política.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 81

9/2/11 12:53 PM


Uma nova capital para o Brasil A construção da nova capital no interior do Brasil era ideia antiga, nunca executada. Na Constituinte de 1823, José Bonifácio propôs a mudança e o nome: Brasília; as Constituições de 1891 e 1934 a incluíram no seu texto, a de 1946 avançou sobre sua localização, mas Brasília só começou a sair do papel na campanha presidencial de 1955. JK apresentava ao país uma proposta inovadora de governo, um programa de 30 metas a serem alcançadas pela ação combinada do Estado e de capitais privados, inclusive estrangeiros, com o objetivo de promover o crescimento econômico acelerado. Incluída na última hora, a construção de Brasília foi a 31ª meta, síntese desse espírito modernizador. 82 |

Com o passar do tempo e o advento de turbulências políticas que traumatizaram a nação, Brasília tornou-se símbolo do que ficou conhecido como “os anos JK”, um breve período em que tudo ia bem no país. Foram cinco anos em que, em ambiente democrático e clima de otimismo, o Brasil modernizou-se, conquistou projeção mundial nos esportes e nas artes, recebeu a admiração de outros povos. A Bossa Nova tornou-se música internacional, o cinema brasileiro foi premiado com a Palma de Ouro e o Oscar, Adhemar Ferreira da Silva sagrou-se bicampeão olímpico no atletismo, a Seleção ganhou a Copa do Mundo pela primeira vez, com Pelé e Garrincha, Maria Ester Bueno foi a número um no tênis e Éder Jofre, o número um no boxe. O Brasil parecia ter encontrado seu destino de grande nação. JK foi a liderança dessa época e Brasília, sua obra maior. Politicamente, “os anos JK” ficaram ilhados entre o período getulista e a ditadura militar. Economicamente, porém, representaram um passo que seria seguido de outros, de forma atropelada, mas sem interrupção. A industrialização acelerada combinando iniciativa estatal e capital privado tornou-se o modelo que os governos militares perseguiriam e o governo Lula retomaria. Por mais críticas que Brasília tenha recebido e ainda receba, nenhum governo cogitou em retornar para o Rio de Janeiro.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 82

9/2/11 12:53 PM


JK assumiu o governo em 1956, disposto a cumprir o artigo da Constituição que determinava a construção da nova capital federal ARQUIVO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL

| 83

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 83

9/2/11 12:53 PM


A escolha do local

A primeira tentativa de demarcar o local da nova capital do país aconteceu em 1892, com a Comissão Exploradora do Planalto Central, comandada pelo cientista Luís Cruls. Ela delimitou um quadrilátero de 14.400 km² no estado de Goiás, que passou a fazer parte dos mapas escolares. Em 1922, uma pedra fundamental chegou a ser fixada no município de Planaltina, dentro do chamado “Quadrilátero Cruls”. Após a Constituição de 1946, foi formada a Comissão de Estudos para a Localização da Nova Capital, que visitou a área e ampliou-a para 77.250 km² – posteriormente, o Congresso reduziu-a para 52 mil km² – incluindo as cidades de Anápolis e Goiânia, em Goiás, e parte do município de Unaí, em Minas Gerais. A região foi aerofotografada e a localização de Brasília definida como um retângulo de 5.801,937 km², incrustado no estado de Goiás, na divisa com Minas Gerais, a 1.100 m de altitude, no Planalto Central, em pleno bioma do Cerrado.

84 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 84

9/2/11 12:53 PM


No dia 4 de abril de 1955, o candidato do PSD à Presidência da República, Juscelino Kubitschek, ouviu do eleitor Antônio Soares Neto, o Toniquinho, num comício em Jataí, interior de Goiás, a pergunta que mudaria sua campanha e a história do Brasil. Caso fosse eleito, JK cumpriria a Constituição, inclusive o artigo que determinava a mudança da capital? “A pergunta era embaraçosa”, conta o ex-presidente no seu livro de memórias Por que construí Brasília. “Já possuía meu Programa de Metas e em nenhuma parte dele existia qualquer referência àquele problema. Respondi, contudo, como me cabia fazê-lo na ocasião: ‘Acabo de prometer que cumprirei na íntegra a Constituição e não vejo razão por que esse dispositivo seja ignorado. Se for eleito, construirei a nova capital e farei a mudança da sede do governo’. Essa afirmação provocou um delírio de aplausos.” JK foi eleito e começou seu governo, em 31 de janeiro de 1956, determinado a cumprir sua promessa. Vislumbrou na construção de Brasília diversos benefícios, dos quais afastar-se do ambiente golpista do Rio de Janeiro – que, além de levar ao suicídio o presidente que o precedeu, quase impedira sua posse – não era o menor. Compreendeu que deslocar a capital para o interior era o instrumento para que o brasileiro tomasse posse do seu imenso território e “abrisse os olhos para o futuro grandioso do país”.

| 85

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 85

ARQUIVO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL

“Derramada e concisa, bucólica e urbana, lírica e funcional” – assim seria Brasília, segundo Lúcio Costa

9/2/11 12:53 PM


Setembro de 1956 foi um mês decisivo. No dia 19, o Congresso aprovou a Lei 2.874, que dispõs sobre a mudança e autorizou a criação da Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap), empresa responsável pelas obras. Cinco dias depois, estavam nomeados o presidente e diretores da Novacap – deputado e engenheiro Israel Pinheiro, coronel do Exército Ernesto Silva e engenheiro agrônomo Bernardo Sayão, respectivamente; um terceiro diretor, deputado Íris Meinberg, seria indicado pela oposição. No dia 30, o edital do concurso do Plano Piloto da cidade foi publicado. O projeto vencedor entre 26 concorrentes foi apresentado pelo arquiteto Lúcio Costa, nos últimos instantes do prazo, como um rascunho, sem pretensão de concorrer, como “uma solução possível” da qual queria se desvencilhar. Nele, no entanto, a comissão julgadora – formada por autoridades brasileiras e estrangeiras – identificou “genialidade”. Empolgado, o britânico William Holford, presidente da comissão, definiu a proposta de Lúcio Costa como “a maior contribuição urbanística do século XX”.

86 |

Em que consistia? Segundo seu autor, o projeto “nasceu do gesto primário de quem assinala um lugar ou dele toma posse: dois eixos cruzando-se em ângulo reto, ou seja, o próprio sinal da cruz”. Simples e revolucionário, parecia prever o trânsito caótico que tomaria conta das cidades brasileiras e antecipava soluções. Separava as atividades por setores, protegia as áreas residenciais da agitação urbana, poupava-as de grades e cercas. Concebia a cidade como um gigantesco parque, em forma de avião, cruz, libélula, nave espacial ou arco e flecha, conforme o olhar. “É assim eficiente, acolhedora e íntima”, escreveu Lúcio Costa na sua exposição, na qual evocou José Bonifácio. “É ao mesmo tempo derramada e concisa, bucólica e urbana, lírica e funcional. O tráfego de automóveis se processa sem cruzamentos, e se restitui o chão, na justa medida, ao pedestre. E por ter o arcabouço tão claramente definido, é de fácil execução: dois eixos, dois terraplenos, uma plataforma, duas pistas largas num sentido, uma rodovia no outro, rodovia que poderá ser construída por partes – primeiro as faixas centrais como um trevo de cada lado, depois as pistas laterais, que avançariam com o desenvolvimento normal da cidade. As instalações teriam sempre campo livre nas faixas verdes contíguas às pistas de rolamento. As quadras seriam apenas niveladas e paisagisticamente definidas, com as respectivas cintas plantadas de grama e desde logo arborizadas, mas sem calçamento de qualquer espécie, nem meios-fios. De uma parte, técnica rodoviária; de outra, técnica paisagística de parques e jardins. Brasília, capital aérea e rodoviária; cidade parque. Sonho arqui-secular do Patriarca.”

FOTOS: ARQUIVO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 86

9/2/11 12:53 PM


Ao redor do Plano Piloto surgiram as cidades satélites; Cidade Livre foi a primeira delas

A terraplenagem movimentou 45 milhões de metros cúbicos de terra e abriu avenidas monumentais

| 87

A construção da catedral, que muitos consideram a obra prima de Niemeyer

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 87

9/2/11 12:53 PM


ARQUIVO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL

88 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 88

9/2/11 12:53 PM


ARQUIVO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL

Estrutura do Congresso Nacional

| 89

Para a construção de Brasília convergiram brasileiros de todas as regiões: os candangos

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 89

9/2/11 12:53 PM


A construção da capital A construção de Brasília começou em fevereiro de 1957 com 3 mil operários (até a inauguração seriam 30 mil, mais 1.000 engenheiros) e 200 máquinas, trabalhando dia e noite sem parar, implantando as redes subterrâneas de água, esgoto, luz e telefone. Reunidas em cerca de 60 grupos, as maiores empreiteiras do país – entre elas, Serveng Civilsan, Rabelo, Coenge, Pederneiras, Mendes Júnior, Camargo Correia, Ecisa, EBE – montaram seus escritórios em barracões de madeira e assumiram as obras. 90 |

Brasileiros de todos os estados, especialmente Goiás, Minas Gerais e os do Nordeste, afluíram para o Planalto Central. Ficaram conhecidos como “candangos”, palavra de origem africana e significado controverso. Para abrigá-los, nasceu a Cidade Livre (hoje Núcleo Bandeirante), primeira das “cidades-satélite” que se constituirão ao redor do Plano Piloto. Logo nasceria outra, Taguatinga. Para produzir alimentos, imigrantes japoneses plantaram um cinturão verde. As obras de terraplenagem movimentaram 45 milhões de metros cúbicos de terra, o que significa mais de um milhão de viagens de caminhão. Houve problemas com o solo e dificuldades para transporte de materiais de construção, mas, ao contrário da lenda, não foi preciso transportar areia por avião: havia fartas jazidas nas proximidades. A Usina de Cachoeira Dourada, em Goiás, forneceu energia elétrica e a Companhia Siderúrgica Nacional, as estruturas metálicas das edificações. As rodovias Anápolis-Brasília e Belo Horizonte-Brasília, assim como o aeroporto, inaugurado no dia 20 de janeiro de 1957, com pista de 3.300 m, foram obras prioritárias. As águas do Rio Paranoá foram represadas para formar o Lago Paranoá, com área de 40 km² e 600 milhões de metros cúbicos de água, equivalente a 30 Lagoas da Pampulha e fundamental para a umidade do ar de Brasília no inverno seco. A construção da barragem pela empresa americana Raymond Concrete Pile Company, em ritmo lento, desagradou o presidente, que determinou o cancelamento do contrato.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 90

9/2/11 12:53 PM


ARQUIVO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL

Trabalhos de fundação do Congresso Nacional

| 91

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 91

9/2/11 12:53 PM


Alexandre Horta

O grandioso Memorial JK foi inaugurado em 1979, três anos depois da morte do ex-presidente

92 |

Uma das principais obras projetadas por Oscar Niemeyer, o edifício do Congresso Nacional, tem localização privilegiada no Plano Piloto

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 92

9/2/11 12:53 PM


No seu livro de memórias, JK explica a decisão: ao contrário das empresas nacionais, os americanos seguiam horários rigorosos, não faziam horas extras e interrompiam os trabalhos sempre que um equipamento quebrava, para esperar reposição de peça vinda dos EUA. A própria Novacap assumiu a obra, terminada a tempo da inauguração da cidade, mas não sem correr riscos: para cumprir o prazo, adotou-se o expediente não convencional de armazenar água concomitantemente à construção da barragem. Caso houvesse uma enchente, a construção teria ido abaixo. Para projetar os edifícios públicos, JK já contava com o arquiteto Oscar Niemeyer, autor do conjunto arquitetônico da Pampulha, construído na década de 1940, quando ainda era prefeito de Belo Horizonte. “Vou lhe dar a mesma oportunidade que Júlio II proporcionou a Miguel Ângelo, ao pedir-lhe que fizesse seu túmulo”, disse-lhe. “Passei a viver em função de Brasília”, conta Niemeyer no seu livro Minha experiência em Brasília. Mais do que uma oportunidade profissional, ele tomou o trabalho como uma missão, “uma verdadeira cruzada para superar obstáculos, oposições, incompreensões e contratempos, os mais duros e inesperados”. Para o arquiteto, a construção de Brasília foi “um movimento coletivo, um empreendimento extraordinário que suscitava e exigia devoção e entusiasmo, unindo os que dele participaram”. Niemeyer começou a elaborar os primeiros projetos ainda no Rio de Janeiro. Em 1958 mudou-se para Brasília e instalou suas pranchetas num barracão de madeira. Tinha na memória grandes construções mundiais, como a Praça de São Marcos, na Itália, e a Catedral de Chartres, na França. “Minha preocupação era encontrar – sem limitações funcionalistas – uma forma clara e bela de estrutura que definisse e caracterizasse os edifícios principais – os palácios propriamente ditos – dentro de critério de simplicidade e nobreza, indispensável”, escreveu o arquiteto.

| 93

Para os “palácios”, Niemeyer queria “a beleza plástica (...) que atua e domina, como uma mensagem permanente de graça e poesia”. Para os demais edifícios, ele procurou estabelecer “uma disciplina que preservasse a unidade dos conjuntos, fixando para os mesmos normas e princípios, com o objetivo de evitar, entre outros inconvenientes, as tendências formalistas que vêm desvirtuando a arquitetura brasileira”. Tal como Lúcio Costa, Niemeyer seguiu os princípios dos Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna, liderados por Le Corbusier, que influenciaram construções em todo o mundo a partir da Carta de Atenas, em 1933, e dos quais Brasília se tornou a maior expressão. A primeira edificação construída em Brasília, porém, foi feita em madeira: o “Palácio de Tábuas”, ou “Catetinho”. Provisória, levantada em dez dias, foi projetada para abrigar o presidente nas suas frequentes viagens do Rio de Janeiro a Brasília – 225 até a inauguração. Um novo avião, Viscount, mais veloz e mais confortável, substituiu o velho DC-3 da Presidência da República. JK inspecionava as obras usando um helicóptero, também recémadquirido. Em seguida veio o Brasília Palace Hotel, com 13.562 m², para receber os convidados de JK: presidentes, ministros, reis, rainhas, escritores, jornalistas, que vieram da Argentina, Bélgica, Cuba, El Salvador, Estados Unidos, Etiópia, França, Inglaterra, Itália, Iugoslávia, Japão, Noruega, Paraguai, Portugal, Venezuela. As visitas ilustres faziam parte da estratégia do secretário de imprensa da Presidência, Autran Dourado, para dar publicidade à grande obra. “O Brasil ainda é um país com mentalidade de colonizado, só vale para nós o que vem da Europa e dos Estados Unidos”, explica o escritor no seu livro de memórias Gaiola Aberta.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 93

9/2/11 12:53 PM


94 |

De volta aos seus países, os convidados davam entrevistas que eram reproduzidas aqui pela Agência Nacional e repercutiam em toda a imprensa. Para aumentar o impacto de Brasília sobre o escritor inglês Aldous Huxley, então no auge do sucesso, Autran Dourado providenciou que ele passasse primeiro por Ouro Preto. Na volta para casa, ainda a bordo do avião, o autor de Admirável Mundo Novo enviou longo e emocionado radiograma ao presidente JK, cujo conteúdo ficou famoso. “Que viagem dramática através do tempo e da história! Uma viagem do ontem para o amanhã, do que terminou ao que vai começar, das velhas realizações para as novas promessas”, dizia. O Alvorada, primeiro dos palácios projetados por Niemeyer, com 13 mil m², foi concluído em doze meses. “Quero um palácio que daqui a cem anos ainda seja admirado”, exigiu JK, recusando o projeto inicial apresentado pelo arquiteto. Niemeyer voltou ao trabalho, virou a noite debruçado na prancheta e no dia seguinte exibiu um novo desenho, com as colunas que se tornariam símbolo de Brasília e provocariam admiração mundo afora. “As colunas do Alvorada são o elemento arquitetônico mais importante desde as colunas gregas”, definiu o ministro da Cultura da França, André Malraux. Cercada de críticas e incredulidade, a cidade modernista concebida por Lúcio Costa foi tomando forma. Na Praça dos Três Poderes, núcleo principal dos edifícios públicos, foram erguidas as sedes dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário: o Congresso Nacional, o Palácio do Planalto e o Palácio do Supremo Tribunal de Justiça, dispostos em triângulo. O edifício do Congresso, com duas torres de 28 andares – ligadas por pontes – e duas cúpulas, uma côncava e outra convexa, destacava-se imponente, como única edificação no centro do Eixo Monumental.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 94

9/2/11 12:53 PM


Alexandre Horta

| 95

Na sequência vieram o Palácio da Justiça, para abrigar o Ministério da Justiça, e o Palácio do Itamaraty, para o Ministério das Relações Exteriores. Os demais ministérios ocuparam a chamada Esplanada dos Ministérios, um conjunto de dezessete edifícios idênticos e perfilados, sete de um lado e dez do outro. A área foi completada pela Catedral Metropolitana, que JK considerou “uma joia à parte, dentro da gigantesca joia que é a cidade inteira”.

Inaugurada em 2002, a Ponte JK, sobre o Lago Paranoá, é o mais recente cartão postal de Brasília

Estava formado o maior conjunto de arquitetura moderna a céu aberto do mundo. Mais tarde ele seria completado com novos prédios projetados por Niemeyer, entre eles o grandioso Memorial JK, no qual se destaca uma escultura gigantesca do Honório Peçanha, com uma estátua do ex-presidente. Inaugurado em 12 de setembro de 1981, data em que Juscelino completaria 79 anos, o Memorial guarda os restos mortais do fundador de Brasília, falecido cinco anos antes. Obra liderada por sua viúva, Sarah Kubitschek, está localizada na Praça do Cruzeiro, um dos pontos mais altos da cidade, onde, no dia 3 de maio de 1957, o cardeal arcebispo de São Paulo, Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, celebrou a primeira missa na nova capital. O museu contém fotografias e objetos pessoais de JK, inclusive sua biblioteca; possui também painéis de Athos Bulcão e vitral de Marianne Peretti.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 95

9/2/11 12:53 PM


O lado Leste dos 16 quilômetros do Eixo Monumental de Brasília termina na Rodoviária. Localizada no centro do Plano Piloto, na interseção com o Eixo Rodoviário, a Rodoviária foi uma obra inovadora, em concreto protendido. Mais do que um edifício, é uma obra de arte que não poderia ser calculada nem executada como um prédio, definiu o engenheiro Sigmundo Golombek, que participou da construção, em depoimento publicado no livro Engenharia do Brasil – 90 anos do Instituto de Engenharia – 1916-2006. Na obra trabalharam quatro engenheiros e mais de 1.000 operários. Em forma de arco, o Eixo Rodoviário foi construído com duas “asas” praticamente idênticas e espelhadas, com 14,3 quilômetros de extensão: de um lado, a Asa Sul, do outro, a Asa Norte. Cada Asa ganhou dezesseis quadras e nove setores; para cada dupla de quadras, um conjunto comercial contendo padarias, farmácias, açougues, mercados, papelarias, restaurantes. Para as residências foram erguidos edifícios de seis andares sobre pilotis, sem muros nem grades. Os espaços entre eles, considerados áreas públicas, ganharam gramados, passeios, jardins, árvores, quadras de esportes, parquinhos. 96 |

Os edifícios foram identificados por letras e números, conforme sua posição geográfica. SQS significa Superquadra Sul e SQN, Superquadra Norte. As superquadras 100, 300, 500 etc., que começam por número ímpar, estão a oeste; as superquadras 200, 400, 600 etc., estão a leste. Os blocos de apartamentos foram distinguidos por letras e os apartamentos por números. Os setores concentraram estabelecimentos similares: Setor Comercial, Setor Hoteleiro, Setor de Clubes, Setor Bancário, Setor Hospitalar, Setor de Diversões, Setor de Autarquias, Setor de Rádio e TV etc. Os setores hospitalares, por exemplo, estão localizados nas pontas das Asas Norte e Sul. Fora dos Eixos Monumental e Rodoviário, Niemeyer projetou ainda um hospital, escolas e outros estabelecimentos, como o Teatro Nacional e a Universidade Livre de Brasília (UnB), parte de um projeto inovador de educação universitária. O Grupo Escolar 1 (GE-1), destinado ao ensino fundamental, foi inaugurado no dia 18 de outubro de 1957 pelo ministro da Educação, Clóvis Salgado. Com salas de aula, biblioteca, cozinha, refeitório e recreio coberto, funcionava em dois turnos, para 480 crianças que permaneciam na escola durante mais três horas extras.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 96

9/2/11 12:53 PM


Alexandre Horta

| 97

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 97

9/2/11 12:53 PM


A inauguração No dia previsto na lei aprovada pelo Congresso, 21 de abril de 1960, data cívica dedicada a Tiradentes, o mártir da independência, Brasília, a cidade que – nas palavras do seu criador – “surgiu de um quase nada” foi inaugurada. Esse feito impressionante, que o passar do tempo engrandeceria, tornou-se possível graças ao entusiasmo de JK, que contagiou todos os “candangos”: autoridades e engenheiros, operários e empreiteiros. “Tínhamos uma tarefa a cumprir e desejávamos fazê-lo no prazo estabelecido”, escreveu Niemeyer no seu livro. “E isso, precisamente, criou um espírito de luta, uma determinação que antes desconhecíamos, estabelecendo entre chefes e subordinados, operários e engenheiros, um denominador comum que a todos nivelava, uma afinidade natural que as diferenças de classe, ainda existentes entre nós, tornam quase impossível de estabelecer-se.”

98 |

No dia da sua inauguração a nova capital tinha 503.207 m² de área construída e mais 36.937 m² de construções em andamento; 3.800 apartamentos estavam prontos e 1.700 em construção. Entre os dias 10 e 21 de abril, 1.400 famílias de funcionários públicos transferiram-se para a nova capital. Os cinco primeiros servidores – lotados no Centro de Recepção do Grupo de Trabalho de Brasília, órgão encarregado de encaminhar os demais funcionários para suas respectivas repartições – foram transferidos no dia 3 de fevereiro de 1959: Deusdeth Virgolino de Alencar, do Ministério da Saúde; Augusto Cadelha Borges e Wilson Tavares Arêas, do Ministério da Fazenda; Bolivar Machado Barbosa, do Ministério da Educação, e José Paula Freitas e Silva, do Ministério da Guerra. Transportados de avião a partir do Rio de Janeiro, sem despesas, receberam benefícios e vantagens salariais. Já funcionavam na cidade serviços de telefone, telex, duas emissoras de televisão, um diário (o Correio Braziliense, mesmo título do periódico publicado por Hipólito José da Costa, primeiro jornalista a defender a mudança da capital para o interior, no século XIX), um ginásio para 1.200 alunos, diversas escolas primárias, colégios católicos, duas lavanderias, 30 farmácias, 35 agências bancárias, cinco agências de automóveis, 15 restaurantes, 50 sapatarias, dois supermercados, cinco hotéis, seis boates, 17 times de futebol, dez piscinas. Compareceram à festa 55 embaixadores. A multidão foi estimada em 300 mil pessoas. As solenidades começaram com uma missa, às 23h55 do dia 20, e terminaram com um baile de gala para 3 mil convidados, na noite seguinte. À parada militar, seguiu-se o desfile dos “candangos”, com caminhões, escavadeiras, guindastes, tratores, jipes e bicicletas. O país acompanhou a festa pelo rádio, pela tevê e pela imprensa escrita. Uma edição especial da revista Manchete, de 700 mil exemplares, esgotou-se em 48 horas. Lúcio Costa, que ao contrário de Niemeyer poucas vezes foi à nova capital, não compareceu ao baile. Viúvo, justificou-se dizendo que sua mulher “teria adorado” estar presente e que ele preferia “compartilhar com ela a impossibilidade de fazê-lo”.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 98

Dia de festa: pela televisão, pelo rádio e com edições extras de jornais e revistas, o Brasil acompanhou a inauguração de Brasília

9/2/11 12:53 PM


FOTOS: ARQUIVO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL

| 99

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 99

9/2/11 12:53 PM


USIMINAS

Daniel Mansur

100 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 100

9/2/11 12:53 PM


A expansão siderúrgica

| 101

A fundação da Usiminas – Usinas Siderúrgicas de Minas Gerais S.A. foi um sonho antigo dos mineiros, realizado no governo do presidente Juscelino Kubitschek. Mais do que parte da meta 19 do programa de JK, que pretendia triplicar a produção de aço no país, a construção de uma grande siderúrgica em solo mineiro representou a invenção de uma cidade moderna para abrigá-la – Ipatinga – e a arrancada industrial de uma região que ficaria conhecida como Vale do Aço. A nova siderúrgica significou ainda uma bem sucedida parceria entre os governos brasileiro e japonês, responsável pela formação da principal colônia nissei em Minas Gerais e pelo funcionamento da mais eficiente estatal brasileira, por isso mesmo a primeira a ser privatizada pelo governo Collor, em 1991.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 101

9/2/11 12:53 PM


Do ouro ao aço 102 |

Estado rico em minério de ferro, Minas Gerais tem vocação natural para a siderurgia. Quando o chamado ciclo do ouro entrou em decadência, na segunda metade do século XVIII, os mineiros desejaram produzir ferro. O ouro que enriqueceu Brasil e Europa, a partir do finzinho do século XVII, era de aluvião, retirado com as mãos por escravos africanos. Era tão fácil de ser extraído que logo o território mineiro encheu-se de gentes e cidades: já em 1700 a população atingiu 30 mil habitantes e por volta de 1720 chegou a 90 mil; na virada do século seriam 400 mil. Depois de décadas, no entanto, a extração ficou mais difícil e passou a exigir uso de ferramentas, cuja fabricação Portugal proibia, por força de acordo comercial com a Inglaterra. Nove anos antes da Inconfidência Mineira, o governador da Capitania de Minas Gerais, D. Rodrigo José de Menezes, advertiu o colonizador português de que seria melhor produzir ferro barato em Minas Gerais do que comprá-lo “excessivamente caro” dos “suecos, hamburgueses e biscaínos”. A importação de ferramentas inviabilizava a continuidade da extração de ouro, enquanto a siderurgia daria um novo alento à antes próspera economia mineira. Não à toa a criação de forjas e indústrias fazia parte dos planos dos Inconfidentes. A situação só mudou quando a sede do império se transferiu para o Brasil, em 1808. No ano seguinte, o intendente dos diamantes, Manoel Ferreira da Câmara Bittencourt e Sá, obteve da Coroa autorização e recursos para construir, em Morro do Gaspar Soares, hoje Morro do Pilar, a Real Fábrica de Ferro, que produziu ferro em alto-forno pela primeira vez no Brasil, a partir de 1815. Mais conhecido como Intendente Câmara, o mineiro Manoel Ferreira fizera parte, em 1790, juntamente com o paulista José Bonifácio de Andrada e Silva, futuro Patriarca da Independência, de uma missão de jovens cientistas que Portugal enviou a diversos países europeus, para aprender mineralogia, metalurgia e química.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 102

9/2/11 12:53 PM


A construção da Usiminas concretizou antigo sonho dos siderurgistas mineiros

| 103

Arquivo Usiminas

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 103

9/2/11 12:53 PM


O êxito da Usiminas possibilitou aos japoneses aumentarem suas exportações

104 |

Arquivo Usiminas

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 104

9/2/11 12:53 PM


A vocação mineira para a siderurgia foi confirmada pelo geólogo alemão Wilhelm Ludwig von Eschwege, que chegou ao Brasil acompanhando a família real. “A frequência do minério de ferro na Província de Minas Gerais, na qual se apresenta em verdadeiras cadeias de montanhas, nas proximidades de muitos cursos d’água que correm por todos os vales e gargantas, facilita muito a escolha de um lugar para o estabelecimento de instalações para fundição”, escreveu o Barão de Eschwege. Com recursos privados ele fundou, em 1811, em Congonhas (MG), a fábrica de ferro Patriótica. A siderurgia mineira deu outro passo na década de 1820, quando a usina do francês Jean Antoine Felix Dissandes de Monlevade começou a produzir enxadas, pás, picaretas, martelos, alavancas, machados, foices e peças diversas, em escala industrial, às margens do Rio Piracicaba. Em 1876, outro francês, Henri Gorceix, fundou em Ouro Preto a renomada Escola de Minas. Formadora de inúmeros quadros técnicos e políticos, a Escola de Minas fez o primeiro levantamento do potencial de minério de ferro do estado, estimado em 10 bilhões de toneladas. A apresentação desse estudo, num congresso internacional de geologia na Suécia, provocou verdadeira corrida mundial para exploração das jazidas, no começo do século XX. No começo do século XX Minas Gerais possuía inúmeras pequenas usinas. Em 1917, empresários mineiros fundaram, em Sabará, a Cia. Siderúrgica Mineira, a qual comprada pelo grupo luxemburguês Arbed, em 1921, se tornaria a maior usina brasileira até o final da década de 1940, com o nome de Cia. Siderúrgica Belgo-Mineira. Em 1933, a Belgo-Mineira produziu 21.537 toneladas “Foi num discurso em Belo Horizonte, em 1931, de ferro-gusa e 22.923 toneladas de aço laminado; que Getúlio Vargas, então chefe do governo em 1935, construiu nova usina, em Monlevade, e provisório da Revolução de 30, anunciou que aumentou sua produção para 84.655 toneladas de gusa, 85.331 toneladas de aço, 74.508 toneladas de a siderurgia era prioridade nacional.” laminados e 15.028 toneladas de arame, em 1940. Nesse ano, Minas Gerais produziu cerca de 90% do ferro-gusa nacional, 60% do aço e 50% dos laminados.

| 105

Foi num discurso em Belo Horizonte, em 1931, que Getúlio Vargas, então chefe do governo provisório da Revolução de 30, anunciou que a siderurgia era prioridade nacional. “Para o Brasil, a idade do ferro marcará o período da sua opulência. Nacionalizando a indústria siderúrgica, daremos um grande passo na escalada ao alto destino que nos aguarda”, proclamou. No entanto, para decepção dos mineiros, quando “a grande usina siderúrgica nacional” foi finalmente criada, dez anos mais tarde, instalou-se no Rio de Janeiro, a 120 km do porto, junto da Volta Redonda do Rio Paraíba do Sul.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 105

9/2/11 12:53 PM


Fruto dos acordos com os Estados Unidos para entrada do Brasil na Segunda Guerra Mundial, do lado dos Aliados, a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) representou um salto na industrialização brasileira. Construída com empréstimo concedido pelo Eximbank, órgão do governo americano para incentivo à exportação e importação, no valor total de US$ 45 milhões, a usina, que pela primeira vez no país usou coque siderúrgico, começou a funcionar em 1946 e logo suplantou a Belgo-Mineira. Em 1949, respondeu por 40% da produção nacional de gusa, 50,9% de lingotes de aço e 45,3% de laminados. Na sua edição de 25 de junho de 1954, a revista Visão anunciou a viagem do presidente da CSN, general Raulino de Oliveira, aos Estados Unidos em busca de um novo empréstimo para a estatal. O empréstimo pleiteado de US$ 35 milhões, avalizado pelo Tesouro Nacional, era necessário para dar início ao segundo plano de expansão da usina, que elevaria a produção da CSN de 650 mil toneladas para 1 milhão 100 mil toneladas, a partir de 1960. Também a Belgo-Mineira expandia sua produção sucessivamente para 300 mil e 500 mil toneladas. O país, dizia o título da matéria, tinha “fome de aço”.

106 |

“Em relação ao consumo de energia elétrica e aço, todas as previsões feitas para o Brasil tornaram-se obsoletas em poucos meses”, afirmava Visão. “No setor aço, o crescimento do consumo tem surpreendido até mesmo os mais otimistas. Em 1937, por exemplo, o consumo per capita era de pouco mais de 7 quilos por ano; em 1954, a percentagem se eleva a 18 quilos; estima-se que, em 1960, atinja 30 quilos.” Era a “fome de aço” citada na reportagem que o Programa de Metas do presidente Juscelino Kubitschek queria saciar, quando fixou em de 2,3 milhões de toneladas a produção nacional de aço, em 1960, e 3,5 milhões em 1965. Em 1955, ela era de 1,3 milhão de toneladas. Decepcionados, em 1941, com a localização da CSN, os siderurgistas mineiros reagiram, quando, em janeiro de 1956, pouco antes da posse de JK, a Companhia Siderúrgica Paulista (Cosipa), fundada em 1953 por capitais privados, começou a sair do papel, com aporte de recursos do Tesouro Nacional e da própria CSN. Entenderam que o sonho da “grande siderúrgica” mineira seria novamente adiado. Liderada pela Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg), Associação Comercial de Minas Gerais e Sociedade Mineira de Engenheiros (SME), com apoio da imprensa local, organizou-se uma campanha de sensibilização da opinião pública sem precedentes no estado. O movimento teve sucesso: ao tomar posse, JK destinou recursos para a Cosipa, mas também contemplou os mineiros. “Juscelino (...) era um homem extremamente

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 106

prático, então disse: ‘Os senhores voltem, criem uma firma, digam que essa firma vai fazer uma usina, aí eu apoio”, narra, em Usiminas conta sua história – depoimentos, o ex-prefeito de Belo Horizonte Luiz Verano, engenheiro chefe da construção da Usiminas e da cidade de Ipatinga. No dia 25 de abril de 1956, na sede da Fiemg, em Belo Horizonte, a Usiminas foi fundada. Tinha um estatuto, uma diretoria, presidida pelo industrial Lídio Lunardi, então presidente da Fiemg, e o capital social simbólico de cinco milhões e setecentos mil cruzeiros, divididos em 5.700 ações de 1 mil cruzeiros cada uma. O passo seguinte foi arranjar um sócio estrangeiro. Em maio e junho de 1956, uma missão empresarial partiu de Minas para a Europa; visitou empresas na Alemanha, França e Itália. Missões estrangeiras interessadas em vender equipamentos também visitaram Minas: alemães, tchecos, poloneses e italianos. As negociações que mais prosperaram foram com os japoneses, que se dispunham a investir capital e transferir tecnologia, conforme queriam os mineiros. Eles viam na Usiminas uma oportunidade de mostrar ao mundo seus equipamentos, naquela época pouco conhecidos. “Em vista do êxito da Usiminas é que os fabricantes japoneses começaram a colocar as máquinas no mundo inteiro”, conta em depoimento publicado no livro Usiminas conta sua história – depoimentos o então presidente da Nippon Usiminas, Hirokazu Kato. Essa convergência de interesses transformaria a Usiminas numa experiência única, criadora de uma organização empresarial que seria conhecida como “cultura Usiminas”, de reconhecida eficiência, que traria benefícios para o Brasil e também para o Japão. Em dezembro de 1957, um consórcio de grandes empresas japonesas, lideradas pela Federação Japonesas de Grupos Econômicos (Keidanren) – entre elas Yawata Iron and Steel, Nippon Steel Tube e Fuji Iron and Steel – fundou a Nippon Usiminas. Em janeiro de 1958, a Assembleia Geral Extraordinária aprovou o novo perfil acionário da Usiminas, seu estatuto e nova diretoria. Para presidi-la, foi escolhido Amaro Lanari Júnior. O capital da empresa nipo-brasileira passou a ser de 3,2 bilhões de cruzeiros, cabendo 40% à Nippon Usiminas e 60% aos sócios brasileiros: Governo de Minas Gerais – 20%; BNDE – 18%; Cia. Vale do Rio Doce – 8%; Acesita – 4,5%; CSN – 3,5%; bancos oficiais de Minas Gerais (Crédito Real, Mineiro da Produção e Hipotecário) – 4,5%; outros – 1,5%.

9/2/11 12:53 PM


O primeiro alto-forno foi inaugurado em 1962 e, nos anos seguintes, a usina foi ampliada e modernizada

Arquivo Usiminas Daniel Mansur

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 107

| 107

9/2/11 12:53 PM


Daniel Mansur

108 |

Além de bobinas de aço plano, a Usiminas produz chapas, lingotes, placas, blocos, gusa, coque e sínter

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 108

9/2/11 12:53 PM


Uma cidade em torno da usina Cinco locais foram avaliados para construção da usina: Belo Horizonte, Vale do Paraopeba, Conselheiro Lafaiete, Ipatinga e Governador Valadares. Cada um deles recebeu notas em 14 quesitos, que consideraram as condições geográficas e de transporte, as distâncias das matérias-primas e a energia. O que deu a Ipatinga nota muito superior às dos demais foi o último item, “existência de indústrias correlacionadas” – ou seja, a proximidade da Acesita e da Belgo-Mineira. O próprio terreno em que a Usiminas se instalou pertencia à Belgo-Mineira e, com interveniência governamental, foi cedido à estatal Acesita, que por sua vez o repassou à empresa da qual era acionista. Situado às margens do Rio Piracicaba, na confluência com o Rio Doce, o terreno tinha 30 milhões de metros quadrados, informa Dermeval José Pimenta no seu livro Implantação da grande siderurgia em Minas Gerais. Dispunha de energia elétrica próxima, era servido pela Estrada de Ferro Vitória a Minas e oferecia ótima topografia. Por exigência dos sócios japoneses, as obras de sondagens tiveram cinco mil furos, segundo Luiz Verano. Dimensionada para produzir 500 mil toneladas de aço por ano, a Usina Intendente Câmara seria ampliada, tão logo inaugurada, para 1 milhão e em seguida para 2 milhões. Produziria gusa, coque e sínter – para uso interno; lingotes de aço, placas, blocos, chapas grossas, bobinas finas a quente e a frio – para os mercados interno e externo.

| 109

No dia 16 de agosto de 1958, o presidente Juscelino Kubitschek inaugurou o marco de início da construção da usina. A obra transformou a vida de milhares de brasileiros e japoneses. Antes dela, Ipatinga, cujo nome vem do tupi-guarani e significa “pouso de água limpa”, era um povoado de 60 casas; uma nova cidade foi projetada e construída. Uma plantação de eucaliptos da Cia. Siderúrgica Belgo-Mineira deu lugar a um gigantesco canteiro de obras. Milhares de trabalhadores foram recrutados em inúmeras cidades do país para as obras, por meio de cartazes e anúncios. Uma comissão itinerante fazia a seleção e os escolhidos eram encaminhados a Ipatinga e Belo Horizonte, onde o Senai organizou cursos especialmente para treinar a mão de obra contratada pela empresa. Jovens com curso secundário foram admitidos como encarregados e operadores. O número de jovens engenheiros também foi alto. “Fazíamos questão de que fosse assim, para que eles não trouxessem defeitos”, explica Amaro Lanari Júnior, em Usiminas conta sua história – depoimentos.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 109

9/2/11 12:53 PM


Daniel Mansur

110 |

Em jornais da comunidade japonesa em São Paulo e programas dedicados a imigrantes, a Usiminas publicou anúncios oferecendo terra para quem quisesse plantar. A oportunidade atraiu algumas famílias de agricultores e assim nasceu a Horta Japonesa, que durante décadas abasteceu Ipatinga. “Plantávamos quase todas as verduras de folhas e também legumes”, conta Maria Shibata, no livro Japoneses no Vale do Aço. Atuando como intérpretes, imigrantes japoneses tornaram-se imprescindíveis no dia a dia da usina; o idioma, que era uma dificuldade na adaptação no Brasil, de repente tornou-se uma vantagem. A possibilidade de trabalhar numa empresa de cultura japonesa seduziu muitos nisseis. Em pouco tempo, Ipatinga estava repleta de Shibatas, Kobayashis, Taniguchis, Kaneganes, Watanabes, Imazakis, Miharas, Urabes, Inoues, Mines, Taharas, Taguchis, Esakis, Dóis, Hondas... Em 1959 um grupo de engenheiros foi enviado ao Japão para treinamento de um ano. Na volta, “Os Sete Samurais” – nome pelo qual ficaram conhecidos, numa referência ao filme do cineasta Akira Kurosawa – assumiram postos-chave na usina. Sua estada virou reportagem da revista O Cruzeiro, a principal do país na época, provocada por um fato curioso: quatro deles, saudosos das namoradas, sentindo-se solitários, casaram-se por procuração. As noivas viajaram juntas e foram se juntar a eles em Tóquio.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 110

9/2/11 12:53 PM


No dia 16 de outubro de 1962, o alto-forno foi inaugurado pelo presidente João Goulart; no dia seguinte aconteceria a primeira corrida de gusa. A Usiminas começava a funcionar, mas ainda faltava construir a cidade que a abrigaria.

Em volta da Usina Intendente Câmara foi construída uma cidade moderna, inspirada em Brasília: Ipatinga

| 111

No auge das obras a Usiminas empregou 10 mil trabalhadores, que viviam em condições precárias. Inicialmente, eles moraram num imenso alojamento, chamado de Candangolândia, por influência da construção de Brasília, na mesma época, e formado por barracões de madeira, para 100 pessoas cada um, com telhado de amianto e chão de terra batida. Os operários dormiam em beliches e tomavam banho de água fria. Para se locomoverem, só a pé ou em caminhões, como os que levavam os operários para a usina de manhã cedinho, para o restaurante duas vezes por dia, e de novo para o alojamento de noite. Sobravam mosquitos e a incidência de malária era grande. O café da manhã era café com pão e manteiga, vendido na porta do alojamento. Almoço e jantar, a Usiminas servia no bandejão. Acostumados à comida japonesa, os nikkeis tiveram de se habituar ao arroz, feijão, carne e salada de todos os dias. “Se não comesse, morria”, justificou Yasuhiro Urabe, em depoimento ao livro Japoneses... “Era comer e correr para trabalhar.” Às vezes, entre o fim do trabalho e o jantar, passavamse duas horas, porque a fila na porta do bandejão era enorme. “Era tanta gente, que ficava na fila uma hora e meia”, lembrou Masateru Kobayashi.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 111

9/2/11 12:53 PM


Exceto pela zona boêmia, conhecida como Juá, que recebia mulheres de várias partes do país, a cidade tinha apenas homens. Os imigrantes japoneses que conseguiram emprego na usina buscaram suas famílias; os solteiros seguiram o costume japonês do miyai, o casamento acordado entre famílias, e trouxeram noivas principalmente de São Paulo, com ajuda do nakodo, um intermediário profissional. Logo fundaram o kaikan, ou “clube japonês”, onde praticavam pingue-pongue e esportes pouco conhecidos dos brasileiros, como o softball e o gateball, além de gincanas e karaokê. No dia 7 de outubro de 1963, eclodiu o conflito que ficou conhecido como “Massacre de Ipatinga”. Milhares de operários em greve concentraram-se na porta da usina, reivindicando principalmente melhor tratamento por parte dos vigilantes da empresa, que faziam revistas rigorosas na saída, melhores condições de moradia e alimentação. Enquanto a direção da empresa recebia uma representação dos grevistas, o pequeno contingente da Polícia Militar, do alto de um caminhão, disparou rajadas de metralhadora contra a multidão.

112 |

Oficialmente, morreram oito pessoas – inclusive um bebê, no colo da mãe – e 60 ficaram feridas, mas testemunhas falaram em dezenas de mortos. A revolta tomou conta da cidade ao longo do dia e no dia seguinte; edifícios e veículos foram incendiados. O episódio teve repercussão nacional, mobilizou as forças políticas do estado e levou a Usiminas a avaliar suas práticas, ponto de partida da sua política de recursos humanos e relações com a comunidade. “A filosofia básica é essa: o homem é o agente e também deve ser o beneficiário das riquezas”, disse, em depoimento ao livro Usiminas conta sua história, o ex-chefe do Departamento de Relações Industriais da usina, Maurício de Mello. “Não adianta fazer um aço bom se ele não trouxer benefícios.” A construção da cidade foi agilizada. No dia 29 de abril de 1964, o município de Ipatinga foi emancipado do vizinho Coronel Fabriciano. Influenciada por Brasília, o projeto urbanístico seguiu a ideia da cidade parque. “Desde o início, a cidade deveria ser projetada em termos de comunidade aberta, em que, passada a fase inicial de construção e implantação, a livre iniciativa passasse a atuar cada vez com maior intensidade”, explica o arquiteto Rafael Hardy Filho, autor do projeto, no artigo Ipatinga, cidade aberta.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 112

9/2/11 12:53 PM


A própria Usiminas abriu bairros, construiu equipamentos, financiou casas para seus empregados. A cidade ganhou avenidas largas, gramados, áreas verdes, bairros com praças e núcleos de serviços. Os três poderes – Prefeitura, Câmara de Vereadores e Fórum – foram concentrados numa praça, como Brasília. Diferentemente da capital federal, no entanto, a marca principal de Ipatinga não é o conjunto arquitetônico modernista, mas a Usina Intendente Câmara, servida por uma linha de trem que divide a cidade em duas. Livro1_60anos_GRAFICA.indd 113

| 113

9/2/11 12:53 PM


CDMCC - Centro de Documentação e Memória Camargo Corrêa

114 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 114

PONTE RIO-NITERÓI 9/2/11 12:53 PM


“Magnífica estrada sobre as águas”

| 115

A Ponte Rio-Niterói foi o ápice das realizações do regime militar que comandou o País, cuja base econômica foi o chamado “Milagre Brasileiro”. Sua inauguração, em 1974, exatamente no meio do ciclo militar, serve de divisória entre dois períodos distintos dos governos autoritários. Considerada um marco da auto-suficiência nacional na realização de grandes obras de engenharia, sua execução representou a realização de um desejo nascido quando o Brasil era ainda Império. Os primeiros estudos para construção de uma ligação entre Rio e Niterói, através da Baía da Guanabara, por túnel ou ponte, foram feitos quase cem anos antes, pelo engenheiro inglês Hamilton Lindsay Bachnall, por encomenda do imperador D. Pedro II.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 115

9/2/11 12:53 PM


A política econômica que possibilitou ao regime militar experimentar o seu desejo de grandeza foi definida no Programa de Ação Econômica do Governo (Paeg). Elaborado em 1964, pelo recém-criado Ministério Extraordinário para o Planejamento e Coordenação Econômica, o Paeg pretendia usar o planejamento como forma de controlar preços sem interferir na livre empresa e nos mecanismos de mercado. Com a experiência de quem elaborou o Programa de Metas do governo Juscelino Kubitschek, o ministro Roberto Campos preparou “uma fórmula” que dosasse “rigor científico, bom senso e participação da comunidade” na ação coordenada do governo.

116 |

Depois de um período de desordem econômica (1962-1964), o novo programa elaborado por Roberto Campos pretendia retomar o crescimento acelerado do governo JK, de 6% do Produto Interno Bruto (PIB) ao ano e ao mesmo tempo diminuir a inflação; pretendia ainda promover investimentos, atenuar desníveis setoriais e regionais, gerar empregos para a mão de obra cada vez maior nas cidades e equilibrar o balanço de pagamentos. Um dos instrumentos propostos pelo Paeg para realizar seus objetivos foi uma política de investimentos públicos para fortalecer a infraestrutura.

CDMCC - Centro de Documentação e Memória Camargo Corrêa

O Brasil superlativo

Para a retomada do crescimento, de acordo com o Paeg, o Estado deveria recuperar sua capacidade de investimento, aumentando sua receita e reduzindo despesas. Deveria ainda incentivar a inversão dos lucros das empresas em atividades produtivas, estimular o ingresso de capitais estrangeiros e a cooperação com agências internacionais e outros governos. Em novo ambiente político, o Paeg retomava, assim, o tripé de investimentos estatais, investimentos privados (nacionais e estrangeiros) e empréstimos estrangeiros, adicionando a preocupação de controle da inflação. Os resultados do plano de Roberto Campos começaram a ser sentidos em 1967 e atingiram a plenitude durante o governo Médici (1969-1973), com crescimento econômico muito superior ao pretendido pelo Paeg. A euforia governamental contaminou os veículos de comunicação e foi traduzida em slogans que exaltavam a nacionalidade: “Brasil grande”, “País que vai pra frente” “Brasil, ame-o ou deixe-o”. Embalados por marchinhas patrióticas e pela conquista do tricampeonato mundial de futebol no México, em 1970, os brasileiros exerceram como nunca o chovinismo.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 116

9/2/11 12:53 PM


A construção da Ponte Rio-Niterói foi considerada o maior exemplo do sucesso dos governos militares no Brasil

| 117

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 117

9/2/11 12:54 PM


CDMCC - Centro de Documentação e Memória Camargo Corrêa

118 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 118

9/2/11 12:54 PM


Além da Ponte, a expansão rodoviária dos anos 70 incluiu obras “faraônicas”, como a Transamazônica e a Perimetral Norte

Durante a ditadura militar a continuidade das realizações governamentais é mais nítida do que em qualquer outro período da história brasileira. No seu discurso de posse, no dia 15 de março 1974, o presidente Geisel – quarto e penúltimo general a presidir o País naquele ciclo de 21 anos – expôs claramente essa característica do regime. “Sobre a base consolidada dessa fórmula impessoal, de feitio nitidamente republicano, consagrase também a mística da continuidade de governo, através de sucessivos mandatos”, disse. “A aspiração de assegurar uma linha central de ideias e compromissos reforça-se em mandatos presidenciais renováveis periodicamente.” O mesmo atributo esteve presente de forma grandiloquente no discurso do ministro dos Transportes, Mário Andreazza, ao inaugurar a Ponte Rio-Niterói, no dia 4 de março de 1974. Tendo ao seu lado o presidente Emílio Garrastazu Médici, disse ele então: “Graças à visão ampla de estadistas que a Revolução de Março de 1964 ofereceu ao Brasil, podemos hoje, no mês em que se comemora o seu décimo aniversário, festejá-la, com legítimo orgulho, mediante esta magnífica estrada sobre as águas, que liga por sobre a Baía da Guanabara as cidades do Rio de Janeiro e de Niterói”.

| 119

A inauguração da Ponte foi um dos últimos atos de Médici, o presidente que governou uma economia em expansão acelerada, pleno emprego e repleta de realizações, na qual se multiplicavam as empresas estatais, marcadas pelo sufixo ou prefixo bras. Em 1973, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu espantosos 13%. A entrega da obra grandiosa coroava o fenômeno econômico que impressionou o mundo e ficou conhecido como “Milagre Brasileiro”. O presidente Geisel, ao tomar posse, parecia ter razão em louvar o modelo militar de governar. Curiosamente, aquele momento de glória seria também o começo de uma longa trajetória descendente do regime. Impulsionada pelo êxito, a “linha central de ideias” custaria a ver os sinais adversos na economia mundial que iriam corroer suas bases. A começar pelo próprio Geisel, que no governo Médici presidiu a Petrobrás. Neste cargo, ele decidiu que a estatal deveria explorar petróleo no exterior, mas não precisava investir em prospecções no País, pois havia óleo em abundância e barato no mercado internacional. “A auto-suficiência na produção nacional de petróleo, por mais desejável que seja, não é a missão básica da empresa e que deva ser alcançada a qualquer preço”, afirmou Geisel, ao deixar o cargo no dia 11 de julho de 1973, já escolhido pela elite militar para presidir o País. Este erro estratégico – o Brasil importava então 78% do petróleo que consumia – ficaria evidente pouco depois. Entre a saída do general Geisel da presidência da Petrobrás e sua posse na Presidência da República, ocorreu a primeira crise do petróleo, que quadruplicou o preço do barril de petróleo.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 119

9/2/11 12:54 PM


A decisão da Organização dos Países Produtores de Petróleo (Opep) de suspender a venda para os Estados Unidos e Europa e aumentar o preço do combustível – em represália ao apoio desses países a Israel na Guerra do Yom Kipur, entre árabes e judeus, em outubro de 1973 – afetou profundamente a economia mundial. Para o Brasil, as consequências foram desastrosas: o preço do litro da gasolina dobrou em quatro meses – de Cr$ 0,80 para Cr$ 1,60; o déficit da balança comercial atingiu US$ 800 milhões em 1973. A partir daí, a dívida externa brasileira disparou (de US$ 12,5 bilhões, no final do governo Médici, para US$ 43 bilhões, no final do governo Geisel), a inflação voltou a crescer (de 18,7%, em 1973, para 40%, em 1978), a economia encolheu, o desemprego grassou.

120 |

Tudo isso transformou a Ponte Rio-Niterói no maior símbolo de uma época em que tudo no Brasil era superlativo. A própria ponte era então “A Ponte”, grafada com inicial maiúscula e precedida do artigo, sem os nomes das cidades que liga, como na matéria da primeira página do Caderno B do Jornal do Brasil de 5 de março de 1974. Naquele ano, os jornais estampavam “Tudo isso transformou a Ponte Rio-Niterói diariamente notícias de realizações governamentais e no maior símbolo de uma época em que grandes projetos.

tudo no Brasil era superlativo. A própria ponte era então “A Ponte”, grafada com inicial maiúscula e precedida do artigo.“

Na mesma viagem em que inaugurou “A Ponte”, o presidente Médici inaugurou também, na Ceasa do Rio de Janeiro, um frigorífico estatal com “capacidade para 10 mil toneladas e condições de expansão contínua”. Ao ser concluída em julho, com área de 2 milhões de metros quadrados, a Ceasa do Rio se tornaria a segunda maior do mundo em tamanho e volume de vendas, inferior apenas à de Paris, e atenderia 9 milhões de pessoas no Grande Rio. Empresas federais que alugam espaço para produtores privados, as Ceasas são um exemplo do modelo tecnocrata que vigorou durante o Milagre Brasileiro. Elas foram criadas a partir do final da década de 1960 para resolver o problema do abastecimento atacadista de hortifrutigranjeiros nas capitais dos estados, que se agigantavam, formando “regiões metropolitanas” e multiplicando sua demanda, ao mesmo tempo em que perdiam suas áreas rurais.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 120

9/2/11 12:54 PM


Enquanto preparavam a construção da maior hidrelétrica do mundo, Itaipu, os militares e tecnocratas planejavam também a entrada do País na era nuclear. Na edição de 3 de março de 1974, o JB noticiava que o “Brasil construirá entre 1985 e 90 cinco usinas nucleares”. Segundo estudos da Eletrobrás, o consumo brasileiro de energia crescia 12% ao ano, o que tornava necessário dobrar a produção a cada oito anos. O potencial hidrelétrico nacional seria de 150 mil megawatts e na década de 1980 todas as possibilidades de geração de energia hidráulica estariam esgotadas, por isso a solução seria a energia nuclear. Passados 37 anos daquele anúncio, o Brasil tem apenas duas usinas nucleares em operação e outra em construção; Angra 1 entrou em operação em 1982 e Angra 2, em 2000. Em compensação, em dezembro de 2010, o Sistema de Informações do Potencial Hidrelétrico Brasileiro da Eletrobras (Sipot) indicava que os rios brasileiros podem produzir 243 mil 361 megawatts de energia. Só o potencial da Bacia Amazônica é estimado em 89 mil 897 megawatts. Os projetos faraônicos da Revolução de 64 incluíram a ampliação da soberania marítima nacional para 200 milhas (acordos internacionais estabeleciam 12 milhas), incentivos para a colonização da Amazônia e construção de rodovias monumentais. Inspirada na Belém-Brasília, foi inaugurada, em agosto de 1972, a Rodovia Transamazônica (BR-230), que pretendia integrar todo o Norte do País, ligando o litoral da Paraíba ao extremo oeste da Amazônia.

| 121

O projeto original de 8.000 quilômetros pavimentados foi reduzido à metade, sem pavimentação, e a rodovia se mostrou intransitável no período de chuvas. Mas o Plano de Integração Nacional (PIN), cujo slogan era “integrar para não entregar”, prosseguiu com a abertura de outras estradas amazônicas: Perimetral Norte (2.450 quilômetros), Cuiabá-Santarém (1.700 quilômetros), Manaus-Porto Velho (877 quilômetros). Para colonizar a Amazônia, o governo federal concedeu incentivos a projetos agrícolas gigantescos de grupos econômicos multinacionais, como Volkswagen, BradescoNichimen, BCN-Barclays Bank, Swift Armour, Dow Chemical e Georgia Pacific. O maior desses projetos foi o Jari, um complexo agropecuário, mineral e industrial, cuja área era maior do que a do estado do Rio de Janeiro.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 121

9/2/11 12:54 PM


Quibus quatibus, nam volum dolesen issimin veratquos doluptatem. Puda sime sum ea quid quam con porera doloruptaes de eaturis endi non coresenia dersperum, adis dolo odiciat isinusam que

CDMCC - Centro de Documentação e Memória Camargo Corrêa

122 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 122

9/2/11 12:54 PM


| 123

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 123

9/2/11 12:54 PM


Auto-suficiência técnica do País Ao mesmo tempo, as grandes empresas brasileiras se internacionalizavam. Enquanto a Braspetro explorava petróleo na Colômbia, no Irã, em Madagascar, no Egito e no Iraque, a também estatal Ecex participava de licitações de obras no exterior, a Bardella Indústrias Mecânicas S/A negociava a construção de uma siderúrgica na Arábia Saudita e as empreiteiras Mendes Júnior, Andrade Gutierrez e Camargo Correia tocavam obras na África e no Oriente Médio. Para isso, foi fundamental a tecnologia de grandes construções, que a execução da Ponte Rio-Niterói consolidou. “Além de colocar a engenharia nacional ao lado das mais adiantadas do mundo, este saldo tecnológico vem decretar a auto-suficiência técnica do País na realização de todas as suas grandes e possíveis obras daqui para frente”, definiu a matéria do Jornal do Brasil do dia 5 de março de 1974, citando engenheiros do Consórcio Construtor Guanabara, formado pela Camargo Corrêa, Mendes Júnior, Sobrenco e Rabelo, responsável por 93% dos trabalhos da Ponte Rio-Niterói.

124 |

O “saldo tecnológico” que tornou a Ponte Rio-Niterói motivo de orgulho da engenharia nacional ocorreu principalmente na construção e instalação das aduelas – que são as peças de encaixe que formam a ponte – e dos pilares. A tecnologia para realização da obra começou a ser gerada 20 anos antes, quando a engenharia brasileira deu uma arrancada. “Tínhamos a pólvora, faltava fazer a bomba.” Para “fazer a bomba” foram importadas máquinas da Europa, EUA e Japão; cerca de 350 equipamentos foram inventados especialmente para a obra. As aduelas pré-moldadas foram feitas no canteiro principal da obra, na Ilha do Fundão, usando técnica francesa. As máquinas importadas para fabricá-las vieram sem instruções, mas os engenheiros aprenderam a operá-las tão bem que chegaram a produzir 16 aduelas por dia, quando a capacidade média de produção da máquina era de 10. Foram usadas 3.250 unidades, feitas em tamanhos, ângulos e inclinações medidos milimetricamente, para não comprometer a estrutura, e coladas com epóxi. Pela primeira vez no Brasil foi aplicada a técnica de fundações profundas pelo sistema BadeWirth, com equipamento alemão. Considerado o sistema mais adequado para construção de pilares sob a água, ele foi usado em 800 dos 1.450 tubulões necessários à obra (os outros 650 foram construídos pelos métodos de ar comprimido ou estacas metálicas, já conhecidos). Para cravação dos tubulões foram importadas da Holanda três ilhas flutuantes, ao preço de Cr$ 30 milhões cada uma (cerca de US$ 190 milhões, no câmbio da época). Pelo método francês Tremie de concreto submerso, foram aplicados 100 mil metros cúbicos de concreto. O método consiste num funil tampado na boca menor e mergulhado na água conjugado ao tubulão; o funil vai subindo à medida que o concreto é aplicado pela boca maior. O bombeamento de concreto pelo sistema alemão Stetter, diretamente do local em que é produzido, dispensou o antiquado transporte por carrinhos.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 124

9/2/11 12:54 PM


| 125

Salve a cobra dorminhoca!

Mas a técnica que mais chamou atenção foi o “piscinão ao contrário”, conforme a chamaram os operários. Ela foi usada na construção dos quatro pilares do vão central, os maiores. As fundações foram feitas dentro d’água, três metros e meio abaixo do nível do mar. Para isso foram construídos quatro grandes caixões de concreto de mil toneladas de peso, um para cada pilar. Ajustados na posição, eles foram baixados na água na profundidade necessária. Seus buracos foram vedados e a água contida em seus interiores, expulsa, para que os operários pudessem trabalhar na montagem das fundações dos pilares.

Autorizada por decreto do presidente general Costa e Silva, em agosto de 1968, a construção da Ponte Rio-Niterói foi planejada para ficar pronta em março de 1971, mas se arrastou por mais três anos. O empreendimento foi viabilizado por empréstimo de 31 milhões de libras esterlinas concedido por 16 bancos ingleses, liderados pelo M. Rothschild & Bros, em troca da compra de equipamentos britânicos, e comemorado com pompa em solenidade à qual compareceu a rainha Elizabeth II.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 125

9/2/11 12:54 PM


Em outubro de 1968, o Consórcio Construtor Rio-Niterói S/A – formado pelas empreiteiras Servix Engenharia S/A, Cia. Construtora de Estradas, Construtora Ferraz Cavalcanti e Empresa de Melhoramentos e Construções – venceu a concorrência de construção da Ponte, disputada por três grupos. Ele apresentou preço de Cr$ 238 milhões e prazo de 890 dias para entrega da obra. O contrato foi assinado no dia 4 de dezembro e as obras começaram efetivamente em janeiro de 1969. O não cumprimento do cronograma ficou evidente antes do fim do ano; alegando atraso na importação de equipamentos, o consórcio obteve adiamento da entrega da obra para dezembro de 1971. Os trabalhos prosseguiram lentamente, em meio a denúncias de irregularidades, falta de segurança e erros no projeto, problemas técnicos e desentendimentos entre o consórcio e a empresa encarregada de fiscalizar a obra. Acidentes provocaram a morte de 50 operários – número estimado, mas não informado oficialmente (na inauguração eles seriam homenageados pelo ministro dos Transportes, Mário Andreazza, com um minuto de silêncio). Em dezembro de 1970 o governo adjudicou parte da obra ao Consórcio Construtor Guanabara (CCG), classificado em segundo lugar, formado pelas empreiteiras Mendes Júnior, Camargo Corrêa, Sobrenco e Rabelo. Finalmente, em janeiro de 1971, novo decreto presidencial desapropriou as ações do CCRN “por absoluta falta de cooperação”. Apenas 20% da obra tinha sido construída e o novo prazo era dezembro de 1972. Em meados de fevereiro, o CCG assumiu a obra prometendo entregá-la em prazo não superior a 20 meses. Quando foi finalmente inaugurada, 25 meses depois, a Ponte Rio-Niterói ostentava números gigantescos. Com 13.280 metros de extensão, dos quais 8.836 sobre o mar, 26,6 metros de largura e seis faixas de rolamento, era a quarta do mundo em comprimento, superada por três pontes nos EUA, mas era a maior em volume de espaço ocupado pela estrutura: 20 milhões 200 mil metros cúbicos, enquanto a maior americana tinha 12 milhões. Seu vão central tinha 30 metros de largura e 72 metros de altura, para passagem de grandes navios.

126 |

Nela foram colocados 1.448 tubulões de 1,80 m de diâmetro, dos quais 308 a 50 metros de profundidade; 3.250 aduelas de 110 toneladas; 1.142 vigas pré-moldadas, com até 130 toneladas; 5.550 guarda-corpos pré-moldados. Foram usados 590 mil metros cúbicos de concreto, 80 mil toneladas de aço, 107 mil metros quadrados de pedra britada, 480 mil metros cúbicos de areia, 250 mil toneladas de cimento, 90 mil toneladas de concreto asfáltico, 350 toneladas de cola epóxi. Seu peso atingiu 1 milhão 440 mil toneladas. Os materiais foram fornecidos por 2.119 empresas, sendo 2.032 nacionais e 87 estrangeiras – da Inglaterra, EUA, Alemanha, Suíça, França, Itália e Japão. O concreto usado na Ponte poderia construir 350 edifícios de 20 andares, com 500 metros quadrados de área construída. No auge da obra, a quantidade de concreto produzida num único dia – mil metros cúbicos – seria suficiente para levantar um desses prédios de 20 andares. Ela chegou a empregar 10.500 operários e 45 engenheiros. Foram feitos 425 mil metros quadrados de pavimentação, 900 mil metros cúbicos de aterro hidráulico e 700 mil metros cúbicos de aterro compactado. Considerada trecho da BR-101, rodovia litorânea brasileira, a Ponte Rio-Niterói teria capacidade de tráfego de 50 mil veículos por dia em ambas as direções. Foi dotada de 12 cabines de pedágio, com sistema eletrônico, suficientes para atender 400 veículos por hora cada uma. A Ponte foi aberta ao tráfego às 6h do dia 5 de março de 1974, mas por volta das 20h30 do dia 4 já se formava fila de veículos para atravessá-la, conforme informou o JB. Os primeiros a se posicionarem foram dois caminhões da Transportadora Belmonte, mas, no lado do fluminense, o jipe Willys placa BG-3706, dirigido pelo comerciante Lino Barbieri, conseguiu ficar na frente. No lado do Rio, o motorista José Guilherme conservou na dianteira o Ford 58, placa GB-4980, seguido pelo Volkswagem placa GB-1975, dirigido por Hilton Antônio Aquino. Seu caminhão ostentava faixa com os dizeres: “Salve a cobra dorminhoca unindo os dois estados para o progresso do Brasil que não pode parar!”. Às 8h50 daquela manhã, o presidente Médici e o ministro Andreazza romperam a fita simbólica de inauguração da Ponte, oficialmente nomeada Presidente Costa e Silva. Em seguida, entraram no Rolls Royce da Presidência e fizeram a travessia em 20 minutos. Do outro lado, na praça do pedágio, em Niterói, Médici hasteou a bandeira, ao som do hino nacional, e descerrou a placa comemorativa. Nesta passagem tão rica de beleza e história, a Revolução de Março de 64, ao completar o seu primeiro decênio, escreve em concreto e aço um de seus compromissos com a Pátria.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 126

9/2/11 12:54 PM


“Nesta passagem tão rica de beleza e história, a Revolução de Março de 64, ao completar o seu primeiro decênio, escreve em concreto e aço um de seus compromissos com a Pátria. Em presença do presidente Emílio Garrastazu Médici, entrega-se à economia do Brasil uma obra tão grande quanto a nossa obstinação e a nossa fé. A Ponte Presidente Costa e Silva, monumento a estes tempos de construção, é um exemplo de determinação do povo brasileiro em caminhar firmemente para o futuro. Baía da Guanabara, 4 de março de 1974.” Livro1_60anos_GRAFICA.indd 127

| 127

9/2/11 12:54 PM


CENTRAIS NUCLEARES DE ANGRA DOS REIS

Além da Ponte Rio Niterói, o Rio de Janeiro recebeu outro grande empreendimento de repercussão nacional nestes 60 anos: a construção de usinas para geração de energia com tecnologia nuclear em Angra dos Reis, sul do Estado. Angra 1, a primeira usina nuclear brasileira que opera com um reator do tipo PWR (água pressurizada), entrou em operação comercial em 1985 e gera energia suficiente para suprir uma cidade com 1 milhão de habitantes. Angra 2, sozinha, poderia atender ao consumo de uma cidade com dois milhões de habitantes. Como tem o maior gerador elétrico do hemisfério Sul, Angra 2 contribui decisivamente com sua energia para que os reservatórios

128 |

de água que abastecem as hidrelétricas sejam mantidos em níveis que não comprometam o fornecimento de eletricidade da região economicamente mais importante do país, o Sudeste. Angra 3, que será praticamente uma réplica de Angra 2 (incorporando os avanços tecnológicos ocorridos desde a construção desta usina), está prevista para gerar 1405 megawatts elétricos. Uma vez retomada a obra, o prazo estimado para sua conclusão é de 5,5 anos, com início na concretagem das fundações do edifício do reator. Além das obras civis, sua implantação inclui a montagem eletromecânica, o comissionamento de equipamentos e sistemas e os testes operacionais. O Plano Nacional de Energia (PNE 2030) que subsidia o Governo Brasileiro na formulação de sua estratégia para a expansão da oferta de energia até 2030 aponta a necessidade da construção de novas centrais nucleares nas regiões Nordeste e Sudeste.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 128

9/2/11 12:54 PM


| 129

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 129

Divulgação/Revista Engenharia

Na mesma época em que inaugurava a Ponte, o governo anunciava a construção de cinco usinas nucleares e a ampliação da soberania marítima nacional para 200 milhas

9/2/11 12:54 PM


METRÔ DE SÃO PAULO

CDMCC - Centro de Documentação e Memória Camargo Corrêa

130 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 130

9/2/11 12:54 PM


Transporte de multidões

| 131

A construção do Metrô de São Paulo foi a primeira tentativa de se resolver um dos principais problemas brasileiros das últimas décadas: o transporte de massas populares nas grandes cidades. O trem subterrâneo da maior metrópole brasileira foi cogitado já em 1929, mas o projeto só se concretizou quarenta anos depois, quando a população urbana brasileira se tornou maior do que a rural. As obras da primeira linha do metrô paulistano começaram em dezembro de 1968. Tocadas em ritmo lento, ganharam novo impulso com a crise do petróleo de 1973-74. Para isso contribuíram tecnologias empregadas pela primeira vez no país, como a implosão de edifícios e o shield, uma sofisticada broca gigante, logo apelidada de “tatuzão”.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 131

9/2/11 12:54 PM


Obras da Estação da Sé em 1970

Crescimento populacional e urbanização 132 |

Meio de transporte de passageiros característico das grandes aglomerações urbanas contemporâneas, o metrô foi adotado pela primeira vez em Londres, em meados do século XIX. A maior cidade do mundo na época, cuja população ultrapassava 3 milhões de habitantes, era servida por várias linhas de trem, mas elas só chegavam aos arredores e não eram interligadas. O trânsito no interior da metrópole era congestionado e feito por carroças. A construção do trem metropolitano subterrâneo possibilitou que os trabalhadores morassem longe dos seus locais de trabalho e levou à expansão dos subúrbios. A primeira linha do metrô londrino começou a funcionar em 1863, movida a vapor, e tinha problemas de ventilação. A construção foi feita pelo método de “cortar e cobrir”, isto é, abrindo-se trincheiras, depois cobertas novamente por concreto e terra, para reconstituição do solo. Dois grandes avanços tecnológicos levaram à expansão da construção de metrôs: a eletrificação das linhas, a partir de 1890, e o shield, método que possibilita a escavação e a estruturação do túnel ao mesmo tempo. O modelo seria seguido por diversas cidades européias e norteamericanas nas décadas seguintes. O metrô de Budapeste, construído em dois anos, entrou em operação em 1896; o de Paris, em 1900, o de Berlim, em 1902, o de Milão, em 1906, o de Madri, em 1919, o de Moscou, em 1935. O primeiro metrô construído na América foi o de Boston, em 1897; em 1904 começou a funcionar o de Nova York. O de Buenos Aires foi inaugurado em 1913.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 132

9/2/11 12:54 PM


CDMCC - Centro de Documentação e Memória Camargo Corrêa

| 133

9/2/11 12:54 PM

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 133


CDMCC - Centro de Documentação e Memória Camargo Corrêa

134 |

Estação São Bento em 1970

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 134

9/2/11 12:54 PM


O Metrô de São Paulo foi pensado pela primeira vez no fim da década de 1920, quando a população da cidade se aproximava de 1 milhão de habitantes. O crescimento da capital paulista foi acelerado: em 1940 já eram 1 milhão 326 mil habitantes; em 1950, 2 milhões 198 mil; em 1960, 3 milhões 781 mil; em 1970, 5 milhões 924 mil. Projeções da ONU estimavam então que, mantido o mesmo ritmo de crescimento, a maior metrópole brasileira seria também a mais populosa do mundo, em meados da década de 1980, com 20 milhões de habitantes. Também segundo a ONU, o processo de urbanização do Brasil foi o mais rápido do mundo. Na segunda metade do século XX, a população brasileira se multiplicou. De 51.944.397, em 1950, passou para 169.872.856, em 2000. O índice de crescimento atingiu o pico na década de 1950 – 35% – e caindo para 33% na década seguinte. Desde então, a queda se acentuou: 28% na década de 1970, 23% na década de 1980 e 16% na década de 1990. Na primeira década do século XXI, o índice de crescimento da população brasileira foi ainda menor, segundo o Censo do IBGE: 12%.

| 135

Essa queda é uma característica da urbanização, que ainda não parou de aumentar. Em apenas trinta anos, os percentuais de população urbana e rural do país se inverteram: em 1950, 36% dos brasileiros moravam nas cidades e 64% no campo; em 1980, já eram 67% nas cidades e 33% no campo. A tendência continuou nas décadas seguintes, atingindo o índice de 81,2% da população morando em cidades em 2000 e 84,3%, em 2010. Quando a maioria da população brasileira passou a viver nas cidades, na década de 1960, ocorreu o processo de formação das chamadas “regiões metropolitanas”: em 1972, um quarto dos brasileiros – cerca de 25 milhões de pessoas – morava em apenas nove capitais estaduais – São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Porto Alegre, Curitiba, Fortaleza, Recife e Belém – e municípios vizinhos. A urbanização acelerada provocou graves problemas sociais, entre eles o transporte de passageiros. Entre 1974 e 1984, mais de trinta revoltas depredaram estações e trens urbanos convencionais no Rio de Janeiro e São Paulo.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 135

9/2/11 12:54 PM


CDMCC - Centro de Documentação e Memória Camargo Corrêa

136 | Apelidada de “tatuzão”, a moderna tecnologia do shield foi usada na abertura dos túneis do metrô paulistano

Previsto no Plano de Avenidas do engenheiro Prestes Maia, em 1929, o Metrô de São Paulo foi objeto de uma concorrência, cancelada, na década de 1950, e só ganhou impulso em 1966, com a formação do Grupo Executivo do Metropolitano (GEM), na administração do prefeito Faria Lima. Incluída no Plano Urbanístico Básico da cidade, a obra finalmente começou a ser executada no dia 14 de setembro de 1968 pelo consórcio vencedor da concorrência, HMD, formado pelas empresas alemãs Hochtief e Deconsult e pela brasileira Montreal. No entanto, foi praticamente abandonada no ano seguinte; o novo prefeito, Paulo Maluf, preferiu construir, no que seria o leito de um importante ramal do metrô, um extenso elevado de 3,5 quilômetros, apelidado pelos paulistanos de “minhocão”. Elevados, viadutos e pontes faziam parte da opção pelo transporte rodoviário, feita no governo Juscelino Kubitschek. Exemplo disso é o Programa Nacional de Vias Expressas, elaborado em 1972. Depois de quase duas décadas abrindo estradas e incentivando a produção de automóveis, caminhões e ônibus, o governo federal promovia a integração entre as vias interurbanas e urbanas, construindo vias expressas e anéis nas regiões metropolitanas. O objetivo era “estabelecer um sistema de circulação rápida e econômica”. O modelo deixou de ser econômico com o aumento do preço do barril de petróleo no mercado internacional, a partir de outubro de 1973. No dia 14 de setembro de 1974, o primeiro trecho da Linha 1 (Azul) do Metrô de São Paulo, entre os bairros Jabaquara e Vila Mariana, foi inaugurado.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 136

9/2/11 12:54 PM


Livro1_60anos_GRAFICA.indd 137

CDMCC - Centro de Documentação e Memória Camargo Corrêa

| 137

9/2/11 12:54 PM


Revista M&T

138 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 138

9/2/11 12:54 PM


Marcelo Vigneron/Revista M&T

| 139

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 139

9/2/11 12:54 PM


Tatuzão e implosão param São Paulo 140 |

A construção do Metrô de São Paulo começou efetivamente em 1971, na administração do prefeito José Carlos de Figueiredo Ferraz. Segundo o livro Engenharia do Brasil: 90 anos do Instituto de Engenharia, o presidente da Companhia do Metropolitano de São Paulo (CMSP), Plínio Assmann, recrutou engenheiros e os enviou a Montreal, Paris, Londres e outras cidades estrangeiras, onde tomaram contato com tecnologias de ponta na construção de metrôs. Eram jovens e tinham experiência na indústria pesada. Essa nova equipe técnica da CMSP questionou o projeto do consórcio HMD e o reformulou radicalmente, introduzindo inovações tecnológicas para abertura de valas e túneis e construção de estações. Sua preocupação era assumir o controle do processo de construção, capacitando engenheiros, absorvendo as tecnologias empregadas e estimulando o desenvolvimento de tecnologias por empresas nacionais. A Universidade Estadual de Campinas, a Fundação para o Desenvolvimento Tecnológico da Engenharia e a Escola Politécnica da Universidade de São Paulo colaboraram no projeto, que alcançou índice de nacionalização de 70%. O grande desafio da obra foi atravessar o centro da cidade sem prejudicar fundações dos arranha-céus, redes de energia elétrica, telefone, água e esgoto, cuja localização não conheciam com exatidão. Foram feitos seguros das edificações, fato que deu origem à engenharia de seguros no Brasil. Como parte dessa iniciativa, o Mosteiro e a Igreja de São Bento foram restaurados. A construção do Metrô de São Paulo mexeu de tal forma com a cidade que, aos sábados, os engenheiros se dedicavam a explicar aos moradores o que estava sendo feito. Trabalho conjunto com a Secretaria Municipal de Educação, que levou alunos para conhecer o Metrô e promoveu a produção de redações, nas quais os pais deviam participar, ajudou a preparar a população para o uso do novo transporte.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 140

9/2/11 12:54 PM


A obra teve preocupação de capacitar mão de obra nacional e absorver as novas tecnologias adotadas

| 141

Marcelo Vigneron/Revista M&T

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 141

9/2/11 12:54 PM


142 |

A grande estrela da obra foi o “tatuzão”, apelido dado pela população aos sofisticados shields (escudos, em inglês) importados dos Estados Unidos pela empreiteira Camargo Corrêa e usados pela primeira vez na América do Sul. Capaz de escavar a terra sem afetar a superfície e deixar o túnel pronto, com as paredes revestidas de anéis metálicos e concreto, o “tatuzão” abriu o trecho mais difícil da obra, a ligação entre as estações Sé e São Bento, onde o metrô passa sob ruas estreitas, edifícios e monumentos históricos. Outra técnica adotada pela primeira vez no Brasil foi a implosão de edificações. No dia 16 de novembro de 1972, São Paulo parou para ver o desmoronamento do Edifício Mendes Caldeira, provocado pela detonação de duas mil bananas de dinamite. Localizado no centro da cidade, com 30 andares, o arranha-céu veio abaixo em oito segundos, cena incluída no documentário Koyaanisqatsi (Vida Maluca), do americano Godfrey Reggio. O primeiro metrô brasileiro foi inaugurado no dia 14 de setembro de 1974, sábado. Na segundafeira seguinte, passaria a operar comercialmente, das 9h às 13h, informou o Jornal do Brasil daquele dia.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 142

9/2/11 12:54 PM


Marcelo Vigneron/Revista M&T

| 143

O Metrô de São Paulo procura resolver o problema do transporte na maior cidade do país, que se urbanizou mais rapidamente no mundo

As passagens custavam um cruzeiro e cinquenta centavos, estudantes pagavam metade. Os trens partiam de oito em oito minutos e completavam o percurso de 7 quilômetros entre as estações de Jabaquara e Vila Mariana em 13 minutos, atendendo a 600 mil moradores dos bairros Jabaquara, São Judas, Saúde e Vila Mariana. O paulistano – observou a reportagem do JB – começava a usar um sistema no qual depositava esperança de transporte rápido, livrando-o de passar, em média, três horas diárias dentro de ônibus no trânsito congestionado. No dia 17 de fevereiro de 1975 aproximadamente 10 mil pessoas usaram o Metrô de São Paulo no seu primeiro dia de funcionamento comercial, no trecho de 11 quilômetros entre as estações de Liberdade e Jabaquara. Das 6h30 às 20h30, de segunda a sexta-feira, sete trens, cada um com seis carros e no intervalo de oito minutos, percorreram as 12 estações do trecho. A população beneficiada foi ampliada para 1,5 milhão de pessoas. A oferta era de 10.200 passageiros por hora em cada sentido da linha.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 143

9/2/11 12:54 PM


Luciano Piva / Divulgação Andrade Gutierrez

Estação Linha Prudente, recém inaugurada

144 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 144

9/2/11 12:54 PM


No dia 26 de setembro de 1975, finalmente, a Linha 1-Azul passou a funcionar em todo seu trajeto, de 16,7 quilômetros, de Jabaquara a Santana, passando por mais 18 estações. Outras quatro linhas – Verde, Vermelha, Amarela e Lilás – seriam construídas nas décadas seguintes.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 145

| 145

9/2/11 12:54 PM


ITAIPU

Gilberto Rodero/Divulgação Itaipu

146 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 146

9/2/11 12:54 PM


A maior hidrelétrica do mundo

| 147

A Hidrelétrica de Itaipu, no Rio Paraná, com potência instalada de 14 milhões de kW, foi a maior das grandes obras do regime militar que se instalou no Brasil em 1964. Iniciativa dos brasileiros, em águas plurinacionais, o projeto precisou convencer os paraguaios e contornar reações de argentinos, norte-americanos, indígenas e ambientalistas. Dos primeiros estudos à construção e desta à geração plena, passaram-se quase quatro décadas. O resultado foi uma hidrelétrica binacional, cuja energia é dividida igualmente entre Brasil e Paraguai, mas quase toda consumida pelo Brasil, graças a um acordo que permite comprar do pequeno país vizinho toda a parte que lhe cabe e não usa.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 147

9/2/11 12:54 PM


Energia da Bacia do Paraná 148 |

O Rio Paraná nasce na divisa dos estados de Minas Gerais, São Paulo e Mato Grosso do Sul, da confluência dos rios Grande e Paranaíba. Banha o estado do Paraná e divide naturalmente Brasil e Paraguai, Paraguai e Argentina, antes de penetrar em terras argentinas, onde, na divisa com o Uruguai, encontra o Rio Uruguai e forma o Delta do Rio da Prata, no Oceano Atlântico. Originalmente, parte dos biomas do Cerrado e da Mata Atlântica, a Região Hidrográfica do Paraná sofreu muitas transformações decorrentes de atividades econômicas e urbanização, que levaram a desmatamento, poluição e degradação da qualidade da água. O aproveitamento do potencial hidrelétrico do Paraná, que viria a se efetivar durante o regime militar, começou a ser estudado em 1953, quando os governos dos estados de Goiás, Minas Gerais, Paraná, Rio Grande do Sul, Santa Catarina e São Paulo constituíram a Comissão Interestadual da Bacia Paraná-Uruguai. Os estudos da comissão demonstraram a possibilidade de produção de 22 milhões 850 mil kW de energia em território exclusivamente nacional, desde Cachoeira Dourada até Paranaiara, incluindo os rios Tietê, Grande e Paranapanema, afluentes do Paraná, evitando problemas diplomáticos com os países vizinhos. Em 1960, o governo de São Paulo criou a Centrais Elétricas de Urubupungá (Celusa) – sociedade de economia mista, hoje incorporada à Companhia Energética de São Paulo (Cesp) – para aproveitando das quedas de Urubupungá-Itapura, com a construção das barragens de Jupiá, Ilha Solteira e Três Irmãos. Com capacidade total de 5 milhões 800 mil kW, o Complexo de Urubupungá representou um grande salto na produção de energia para o Sudeste. A partir do começo da década de 1990, no entanto, o Rio Paraná começou a gerar muito mais energia, com a conclusão da Usina Hidrelétrica de Itaipu. O primeiro estudo sobre Sete Quedas – como foi inicialmente chamada a obra de Itaipu – remonta ao governo de Juscelino Kubitschek (1956-1961), que lhe destinou dotação orçamentária de 600 milhões de cruzeiros. O trabalho foi concluído no breve governo Jânio Quadros, pelo engenheiro militar catarinense capitão Pedro Henrique Rupp, que estimou ser possível produzir 25 milhões de kW, desviando o rio para um antigo leito, na sua margem esquerda, em terras brasileiras. Tal projeto, que configurava uma violação de fronteira, foi alvo de protestos do governo paraguaio. Protestaram também os argentinos, que temiam as consequências da barragem para as águas do rio, que mais adiante banha seu território.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 148

9/2/11 12:54 PM


Massao Nagata/Divulgação Itaipu

| 149

Explosão dos arcos de concreto no canal de desvio, modificando naquele trecho, o curso das águas no rio Paraná

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 149

9/2/11 12:54 PM


150 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 150

9/2/11 12:54 PM


Arquivo Andrade Gutierrez

| 151

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 151

9/2/11 12:54 PM


Em 1962, já no governo João Goulart, o ministro das Minas e Energia, Gabriel Passos, contratou um novo estudo ao Escritório Técnico do engenheiro Octávio Marcondes Ferraz, responsável anos antes pela construção da Hidrelétrica de Paulo Afonso. A proposta foi semelhante: desvio das águas para território brasileiro, a partir de Guaíra, município paranaense, por um canal de 60 km de comprimento, à esquerda do leito primitivo do Rio Paraná, mas produção de 10 milhões de kW.

Conclusão da construção do Canal de Desvio

O projeto de Sete Quedas ganhou características de Guerra Fria quando o governo cogitou construir a hidrelétrica com tecnologia e recursos oferecidos pela União Soviética. O custo estimado da obra era de US$ 1 bilhão, mas os russos prometiam construí-la por muito menos. Além disso, ofereciam financiamento em longo prazo e receberiam como pagamento mercadorias brasileiras. Pela imprensa, o presidente “violentamente anticomunista” do Paraguai – onde os Estados Unidos mantinham base militar – manifestou-se contrário à ideia.

Massao w/Divulgação Itaipu

152 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 152

9/2/11 12:54 PM


A deposição do presidente Jango pelo golpe militar de 1964 interrompeu o projeto, que só ganhou novo fôlego em 1966, quando os ministros do Exterior dos dois países, Juracy Magalhães e Raúl Sapena Pastor, assinaram a Ata de Iguaçu. Nela ficaram estabelecidos os pontos que seriam a base do Tratado de Itaipu, firmado sete anos mais tarde: estudos comuns dos recursos hidráulicos de Sete Quedas, divisão em partes iguais da energia que viesse a ser produzida, direito de preferência a ambos para compra da energia não usada pelo outro. No mesmo dia – 26 de abril de 1973 – em que os ministros do Exterior do Brasil e do Paraguai assinaram, em Brasília, o Tratado de Itaipu, a imprensa divulgou nota do governo argentino ao Comitê Coordenador da Bacia do Prata protestando contra o enchimento da represa de Ilha Solteira. Segundo a nota, a operação teria sido feito à revelia das autoridades argentinas, desrespeitando o Tratado da Bacia do Prata. Local da construção da barragem

| 153

Massao Nagata/Divulgação Itaipu

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 153

9/2/11 12:54 PM


O tratado criou a Itaipu Binacional, empresa constituída pela estatal brasileira Eletrobrás e pela estatal paraguaia Ande – Administración Nacional de Electricidad do Paraguai, com igual participação no capital – estipulado em US$ 100 milhões – e encarregada das ações necessárias à construção da hidrelétrica. Ele previa que a primeira unidade geradora entraria em funcionamento no prazo de oito anos (1981) e que a energia não consumida por uma das partes seria vendida à outra. Neste último ponto convergiam os interesses brasileiros e paraguaios. Ao Brasil pretendia tirar de Itaipu o máximo de energia possível. Para o governo paraguaio, desinteressado da industrialização do país ou mesmo de distribuir eletricidade para a população (apenas 25% das cidades paraguaias possuíam o serviço, segundo reportagem do jornal Estado de S. Paulo, de 15 de setembro de 1972, citada pelo livro Itaipu: prós e contras), Itaipu era uma fonte de divisas. Com potencial instalado de 90 mil kW 90 e consumo de apenas 50 mil kW, o Paraguai não teria o que fazer com a energia de Itaipu e vendê-la ao Brasil seria um excelente negócio.

Eixo de uma unidade geradora

Em 1973, estavam em construção no Brasil 29 centrais elétricas, capazes de gerar 16 milhões de kW. Itaipu sozinha produziria quase isso: 12 milhões 600 mil kW. Mais tarde o projeto seria ampliado para 14 milhões de kW.

Alexandre Marchetti/Divulgação Itaipu

154 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 154

9/2/11 12:54 PM


A construção da usina Itaipu beneficiou-se da vazão regulada da Bacia do Rio Paraná proporcionada por 44 usinas a montante e que lhe garante ganho de 30% na capacidade anual de geração de energia. Técnicos brasileiros e paraguaios que percorreram o Paraná de barco em 1973 escolheram para construção da usina um ponto a poucos quilômetros da confluência com o Rio Iguaçu, com forte correnteza e grande profundidade, que possibilitaria excelente rendimento energético. No local havia uma ilha, ora visível ora submersa, conhecida pelo nome de Itaipu – “pedra que canta”, em tupi-guarani. Em 1974, chegaram ao local as primeiras máquinas. O acampamemento foi estruturado, foram construídos escritórios, almoxarifado, refeitório, alojamento e posto de combustíveis. As estradas foram melhoradas, possibilitando o acesso a milhares de trabalhadores que buscavam emprego. Entre 1975 e 1978, mais de 9 mil moradias foram construídas nas duas margens do rio. A população de Foz do Iguaçu, cidade próxima, saltou de 20 mil para mais de 100 mil habitantes. Das obras de infraestrutura para os trabalhadores fez parte também um hospital.

“Tudo em Itaipu foi grandioso como a hidrelétrica. Cada turbina montada pesou 2.300 toneladas e cada gerador 3.500 toneladas. Alguns parafusos pesavam quase uma tonelada.“

Para desviar o curso do Paraná, foi escavado um canal com 2 quilômetros de comprimento, 150 metros de largura e 90 metros de profundidade, removendo-se 55 milhões de metros cúbicos de terra e rocha. No dia 20 de outubro de 1978, as duas ensecadeiras foram explodidas pela detonação de 58 toneladas de dinamite, possibilitando que o leito original do rio ficasse seco, para construção da barragem principal; o modelo de barragem escolhido, de concreto do tipo gravidade aliviada, possibilitaria economia de 30% de concreto e 12% no preço total da obra.

| 155

No mesmo dia Itaipu Binacional anunciou a compra de turbinas e turbo-geradores. Começava uma nova etapa da obra. Com uso de sete cabos aéreos, no dia 14 de novembro, foram lançados 7.207 metros cúbicos de concreto, equivalentes à construção de 24 edifícios, no ritmo de dez andares por hora. No total, a barragem de 7 quilômetros de comprimento e 190 metros de altura consumiu 12,3 milhões de metros cúbicos de concreto, quantidade suficiente para cobrir quatro vezes a Rodovia Transamazônica. Em 1982, foram usados 20.113 caminhões e 6.648 vagões ferroviários no transporte de materiais para a obra. Entre 1978 e 1981, a contratação de mão de obra chegou a 5 mil operários por mês. No auge da construção, Itaipu empregou diretamente aproximadamente 40 mil trabalhadores. Enormes filas formavam-se nas portas dos escritórios dos consórcios de empreiteiras encarregados das obras. O contrato com a Ciem (Consórcio Itaipu Eletromecânico), no valor de US$ 883 milhões, foi o maior do mundo, na época, para fornecimento de equipamentos a uma só empresa.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 155

9/2/11 12:54 PM


Tudo em Itaipu foi grandioso como a hidrelétrica. Cada turbina montada pesou 2.300 toneladas e cada gerador, 3.500 toneladas. Alguns parafusos pesavam quase uma tonelada. O transporte do rotor, peça de 302 toneladas, levou três meses: saiu de São Paulo no dia 4 de dezembro de 1981 e chegou ao canteiro de obras no dia 3 de março de 1982. A carreta precisou percorrer um longo caminho de 1.350 km, evitando pontes e trechos incapazes de suportar seu peso. Posteriormente, as viagens seriam reduzidas a menos de um mês.

156 |

Quando a construção da barragem ficou pronta, foi a vez de formar o reservatório da usina. Em apenas oito minutos, a partir das 5h45 do dia 13 de outubro de 1982, as 12 comportas do canal de desvio do Rio Paraná foram fechadas por um sofisticado sistema eletrônico, conforme noticiou o Jornal do Brasil do dia seguinte. Subindo um metro por hora, na vazão de 10 mil metros cúbicos por segundo (o canal foi feito para suportar 35 mil), as águas cobririam o canal em dois dias e em quinze formariam a primeira parte do Lago de Itaipu, na cota 205, possibilitando a operação, para testes, da primeira turbina de 700 mil kW. A inundação cobriria área de 135 mil hectares, equivalente a quatro Baías de Guanabara, formando um lago com 29 bilhões de metros cúbicos de água. Às 12h08 do dia 5 de novembro de 1982, com o reservatório já formado, os presidentes do Brasil e do Paraguai, respectivamente generais João Figueiredo e Alfredo Stroessner, acionaram pela primeira vez o mecanismo eletrônico que levanta automaticamente as 14 comportas do vertedouro, liberando a água represada do Rio Paraná. Após mais de 50 mil horas de trabalho, estava inaugurada a maior hidrelétrica do mundo. Do ufanismo oficial, destoaram algumas vozes de protesto contra o impacto ambiental da obra e a destruição do monumental Salto de Sete Quedas.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 156

Descida da roda da turbina no berço da unidade geradora

9/2/11 12:54 PM


Massao Nagata/Divulgação Itaipu

| 157

Na casa de força, cota 108, o hall de montagem é uma galeria onde peças e componentes da unidade geradora são montados

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 157

9/2/11 12:54 PM


Massao Nagata/Divulgação Itaipu

Com a barragem e o fechamento das comportas da estrutura de desvio, em 14 dias o reservatório de Itaipu era formado

158 |

Semente da consciência ambiental

O Salto de Sete Quedas era o maior do mundo em volume de águas, antes de desaparecer no alagamento de Itaipu. Naquele ponto, o Rio Paraná, cujo leito atingia 5 quilômetros de largura, se estreitava repentinamente numa garganta escavada na rocha e se precipitava em sete grupos de 19 cachoeiras, com 114 metros de altura, provocando inúmeros arco-íris permanentes e fazendo-se ouvir a 12 quilômetros de distância. Sua beleza encantava o mundo e atraía turistas para o município de Guaíra (PR). Sua riqueza natural – 70 espécies de mamíferos, 252 espécies de aves, 1.600 espécies de insetos e 120 espécies de peixes, além das espécies vegetais – era protegida pelo Parque Nacional de Sete Quedas, criado por decreto do presidente Jânio Quadros, em 30 de maio de 1961. Para realizar Itaipu, o presidente João Figueiredo extinguiu o parque, também por decreto, no dia 4 de junho de 1981, véspera do Dia Mundial do Meio Ambiente. A corrida para visitação às cachoeiras antes do seu desaparecimento provocou um acidente grave, com o rompimento da ponte pênsil sobre o Salto 19, morte de 29 turistas e ferimentos em outros 25, no dia 17 de janeiro de 1982; naquela manhã de domingo, conforme noticiou o Jornal do Brasil, cerca de mil visitantes estavam no local. Em julho, 3 mil ecologistas acamparam em Guaíra numa manifestação contra o fim de Sete Quedas. O Quarup Adeus Sete Quedas, como ficou conhecido o encontro, numa referência à cerimônia com que os indígenas homenageiam os mortos, reuniu jovens de todas as partes do país e alguns vindos do exterior, durante três dias. Ao som de um tambor, eles percorreram dois quilômetros de pontes e passarelas entre as cachoeiras e fizeram sete paradas, nas quais leram em coro um texto de protesto. Nele, diziam que a luta por Sete Quedas estava perdida, mas que esperavam estar plantando uma semente de consciência ecológica. Como símbolo do movimento, plantaram sete fileiras de sete árvores em Guaíra.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 158

9/2/11 12:54 PM


Desvio do rio e ensecadeira no leito original

Como era comum na época, outros protestos surgiram na forma de grafites anônimos. “Itaipum, tiro e queda. Sete tiros, sete quedas”, dizia um deles, num muro de Curitiba (PR). O protesto público mais contundente veio do poeta Carlos Drummond de Andrade, no poema Adeus a Sete Quedas, publicado na edição do dia 9 de setembro de 1982 do Caderno B do Jornal do Brasil. “Sete quedas por mim passaram, e todas sete se esvaíram”, começa o poema.

| 159

Às vésperas de completar 80 anos, o poeta maior exaltava o monumento natural contido em Sete Quedas e manifestava, em versos, um ponto de vista que se tornaria cada vez mais forte nas décadas seguintes: aquele que leva em conta a beleza, o meio ambiente, a preservação da história e o respeito às populações locais na construção do progresso material. Para Drummond, ao destruir Sete Quedas, o Brasil ia “deixando de ser humano para se tornar uma empresa gélida, mais nada”. Ele expressava seu inconformismo diante do conforto da luz elétrica gerada “à custa de outro bem que não tem preço nem resgate, empobrecendo a vida na feroz ilusão de enriquecê-la”. E concluía:

Cessa o estrondo das cachoeiras, e com ele a memória dos índios, pulverizada, já não desperta o mínimo arrepio. Aos mortos espanhóis, aos mortos bandeirantes, aos apagados fogos de Ciudad Real de Guaira vão juntar-se os sete fantasmas das águas assassinadas por mão do homem, dono do planeta. Sete quedas por nós passaram, e não soubemos, ah, não soubemos amá-las, e todas sete foram mortas, e todas sete somem no ar, sete fantasmas, sete crimes dos vivos golpeando a vida que nunca mais renascerá.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 159

9/2/11 12:54 PM


Duas semanas antes da inundação, outro decreto do governo militar proibiu o acesso ao local. Com a inauguração de hidrelétrica, Sete Quedas tornou-se “uma leve correnteza no centro do lago, na altura de Guaíra”. Além das cachoeiras, ficaram submersas as cidades de Itacorá, com 10 mil habitantes, e Alvorada, com 5 mil habitantes; 8.519 propriedades urbanas e rurais foram alagadas. A operação de fechamento do canal, cercada de mistério, só foi divulgada publicamente na Argentina, para informar o rebaixamento do nível do Rio Paraná, por exigência de um acordo tripartite, assinado entre Brasil, Paraguai e Argentina em 1979. Para garantir a navegação em território argentino, o governo brasileiro ampliou a vazão do Rio Iguaçu, afluente do Paraná, abrindo as represas das usinas de Salto Santiago, Salto Osório e Foz do Areia. A providência, no entanto, aumentou a velocidade da água e provocou a destruição quase total das instalações portuárias da cidade argentina de Puerto Iguazu, reacendendo a polêmica sobre os prejuízos que a hidrelétrica causaria ao país vizinho.

160 |

Outra operação, denominada Mymba Kuera (“pega bicho”, em tupi-guarani), foi deflagrada, empregando 120 homens, 15 veículos, 17 lanchas e um helicóptero, para capturar animais selvagens e salvá-los da inundação do parque. A previsão era de que 300 ilhotas se formariam durante o enchimento do reservatório e que os animais buscariam abrigo nelas, mas apenas 66 restariam, no final – 44 em território brasileiro e 22 em território paraguaio. Nos primeiros cinco dias da operação foram capturados 976 animais, a maioria ouriços, gambás, lagartos, raposas, cobras e macacos. Itaipu começou a gerar energia – 277 mil kW – em maio de 1984 e a vendê-la em março de 1985. A cada ano, duas ou três novas unidades geradoras foram instaladas, até a 18ª, em 1991; depois seriam acrescentadas mais duas. Metade dos seus geradores produz energia em 60 Hz – frequência brasileira – e metade em 50 Hz – frequência paraguaia. A eletricidade destinada ao Brasil é entregue a Furnas Centrais Elétricas, na subestação de Foz do Iguaçu (PR), no lado brasileiro; a eletricidade destinada ao Paraguai é entregue à Ande, na subestação Margem Direita, em território paraguaio. Para ser transmitida para o sistema interligado brasileiro, a energia em 50 Hz não consumida pelo Paraguai é transformada em corrente contínua. Embora conhecido como Sistema de Transmissão de Itaipu, a transmissão de energia até os centros de consumo em território brasileiro é responsabilidade de Furnas. Esse sistema é subdividido em dois: um, formado por três linhas de 765 kV, transporta energia gerada em corrente alternada de 60 Hz, tem duas mil torres e percorre 900 km de Foz do Iguaçu até a subestação Tijuco Preto (SP); outro, denominado Elo CC, tem duas linhas de 600 kV e transporta energia em corrente contínua de 50 Hz, por 810 km até a subestação Ibiúna (SP), onde ela é convertida em corrente alternada de 60 Hz.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 160

9/2/11 12:54 PM


Ao longo da obra, seu custo aumentou muito – do valor inicial de US$ 1 bilhão, na fase de estudos, passou a US$ 2 bilhões, quando começou a ser construída, saltou para US$ 15 bilhões 385 milhões, quando começou a gerar energia, e atingiu US$ 60 bilhões, em valores atualizados em fevereiro de 2008; a dívida brasileira, metade do valor total, só deverá estar quitada em 2023, quando vencerá o Tratado de Itaipu. Sem ela, porém, não poderia existir o Brasil de hoje.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 161

| 161

9/2/11 12:54 PM


Erno Schneider /Divulgação Agência Vale

162 |

CARAJÁS Livro1_60anos_GRAFICA.indd 162

9/2/11 12:54 PM


A exploração mineral da Amazônia

| 163

O Programa Grande Carajás, de exploração da maior província mineral do país, com cerca de 10% do território nacional, na Amazônia, foi a última grande realização do ciclo militar. Foi também um salto na grandeza da estatal Companhia Vale do Rio Doce, que recebeu o direito de lavra de jazidas estimadas em 18 bilhões de toneladas de minério de ferro de alto teor, além de reservas de outros minerais, inclusive ouro. Como parte do projeto, foram construídos o Terminal Marítimo de Ponta da Madeira e a Estrada de Ferro Carajás, e concluída a Usina Hidrelétrica de Tucuruí, a maior do país.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 163

9/2/11 12:54 PM


A maior empresa brasileira

164 |

No dia 6 de maio de 1997, em leilão realizado na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, o governo federal vendeu 41,73% das ações ordinárias da Companhia Vale do Rio Doce por R$ 3 bilhões 338 milhões. O preço correspondeu a R$ 32 por ação e representou ágio de 19,99% sobre o lance mínimo. O preço total implícito da estatal ficou em R$ 12,4 bilhões. Com a venda de ações ordinárias equivalentes a 4,4% do capital social da empresa ao clube de investimentos dos funcionários da Vale (InvestVale), por R$ 179 milhões, no dia 20 de maio, e das ações ordinárias restantes, em 2002, a União retirou-se da companhia, da qual possuía 76% das ações ordinárias e 6,3% das ações preferenciais classe A, que lhe davam o controle sobre 51% do capital. O leilão foi o desfecho da mais importante batalha do Programa Nacional de Desestatização (PND), no governo Fernando Henrique Cardoso. Na rua, manifestantes contrários à venda enfrentavam a polícia. Depois que o martelo foi batido, às 17h47, uma liminar da juíza Valéria Medeiros de Albuquerque, da 9ª Vara Federal, suspendeu o negócio. Outras 14 ações contra a venda aguardavam decisão da Justiça. Ao todo, o governo precisou derrubar 130 ações judiciais que exigiam a interrupção da venda, entre elas uma ação popular subscrita por oito renomados juristas paulistas e outra que adiou o leilão por uma semana, antes de consumar a transferência da Vale para a iniciativa privada. Para vencer a batalha, o governo superou contradições. Em propaganda oficial, visando à sua valorização, afirmava que a Vale era rentável e eficiente. Para contestar a forte oposição nacionalista – que incluía dois ex-presidentes da República, políticos, sindicatos, igreja católica, intelectuais e artistas – diminuía a importância da estatal. “Ela não produz nada, não agrega valor, simplesmente manda para fora o minério”, disse o presidente FHC, em entrevista a uma emissora de rádio, citada pelo Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea da Fundação Getúlio Vargas (CPDoc). “É uma excelente empresa, que pega pedra em Carajás, põe num trem, leva para Itaqui, põe num navio e manda para o Japão ou para a Europa.” De fato, a Vale era uma das maiores empresas brasileiras e se tornaria ainda maior.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 164

9/2/11 12:54 PM


Dario Zalis/Divulgação Agência Vale

| 165

Mina de Carajás no Pará

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 165

9/2/11 12:54 PM


166 |

Quando descoberta, Carajás mostrou potencial de minério equivalente a todo o quadrilátero ferrífero em Minas

Tão poderosa é a mineração na história do Brasil, que deu nome a um estado. Foi no final do século XVII, com a descoberta de ouro, que ela começou. A corrida às minas colonizou o interior, deu origem a muitas cidades, criou uma cultura rica, diversificou a economia. Depois do ouro e do diamante (descoberto no século seguinte), as Minas Gerais foram reconhecidas também como solo rico em minério de ferro, já no século XIX, mas suas jazidas só começariam a ser exploradas em grande escala no século XX. Uma nova corrida às minas ocorreu a partir de 1910, quando, no XI Congresso Internacional de Geologia, realizado em Estocolmo, Suécia, engenheiros brasileiros comunicaram oficialmente a existência de 10 bilhões de toneladas de minério de ferro no chamado Quadrilátero Ferrífero. Empresas estrangeiras compraram por preços irrisórios grandes propriedades no território mineiro, uma vez que a Constituição republicana vinculara a posse do subsolo à do solo. As principais jazidas passaram ao Brazilian Hematite Syndicate, formado por capitais ingleses. Comprometendo-se a construir uma siderúrgica, os capitalistas ingleses obtiveram do governo a mudança do traçado original da Estrada de Ferro Vitória a Minas (EFVM), que começara a operar em 1904, compraram a ferrovia e a estenderam até o município de Itabira, o coração de ferro do Quadrilátero Ferrífero. Em 1911, fundaram a Itabira Iron Ore Company, para extrair minério de ferro do Pico do Cauê, marco geográfico de Itabira, e exportá-lo, usando a EFVM como meio de transporte até o porto de Vitória.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 166

9/2/11 12:54 PM


Divulgação Agência Vale

| 167 Este projeto, entretanto, sofreu oposição de nacionalistas, liderados pelo governador de Minas Gerais (1918-1922) e em seguida presidente da República (1922-1926) Artur Bernardes, que lhe impuseram obstáculos, e foi adiado durante décadas. Em 1934, o Código de Minas decretado pela Revolução de 30 transformou a exploração mineral em concessão estatal, exclusiva para brasileiros natos, impedindo a atuação da Itabira Iron, que passara às mãos do magnata americano Percival Farquhar. A exploração de minério de ferro em larga escala só começou efetivamente depois da criação da Companhia Vale do Rio Doce, em 1942, como parte dos Acordos de Washington, pelos quais o Brasil negociou com os Estados Unidos e a Inglaterra sua participação na Segunda Guerra Mundial ao lado dos Aliados. Em troca das minas e dos bens de Farquhar (a Companhia Brasileira de Mineração e Siderurgia S.A., a EFVM e a Companhia Itabira de Mineração S.A., sucessora da Itabira Iron e ainda em organização), o Brasil se comprometeu a fornecer matérias-primas para a indústria bélica aliada, incluindo 1,5 milhão de toneladas de minério de ferro por ano, a preço subsidiado. Um financiamento americano no valor de US$ 14 milhões possibilitou a compra, nos Estados Unidos, dos equipamentos necessários à modernização das minas, da EFVM e do porto de Vitória. A estatal Vale herdou o patrimônio de Farquhar, começou a produzir e, nos cinquenta anos seguintes, tornou-se a maior empresa brasileira – rivalizando com a também estatal Petrobrás – e a terceira maior mineradora do mundo, exportando para países de todos os continentes. Ao ser privatizada, produzia 100 milhões de toneladas por ano, era a maior produtora de ferro do mundo e a maior produtora de ouro da América Latina. Suas reservas, de 41 bilhões de toneladas, eram suficientes para atender à demanda mundial de ferro durante 400 anos. Faturava US$ 6 bilhões por ano, dos quais 55% em exportações.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 167

9/2/11 12:54 PM


168 |

A estatal possuía também reservas de 994 milhões de toneladas de minério de cobre, 678 milhões de toneladas de bauxita, 72 milhões de toneladas de manganês, 70 milhões de toneladas de níquel, 122 milhões de toneladas de potássio, 9 milhões de toneladas de zinco, 1,8 milhão de toneladas de urânio, 1 milhão de toneladas de titânio, 510 mil toneladas de tungstênio, 60 mil toneladas de nióbio e 563 toneladas de ouro. Era proprietária ainda de 580 mil hectares de florestas e produzia 400 mil toneladas de celulose por ano. O patrimônio da estatal incluía 16 empresas controladas, 23 coligadas e participação minoritária em quatro outras. O sistema produzia pelotas de minério de ferro, alumina e alumínio, papel e celulose; atuava em transportes por ferrovias, instalações portuárias e navios cargueiros de navegação oceânica, e em siderurgia no Brasil, Argentina, França e Estados Unidos. Operava em dez estados brasileiros e onze países, e desempenhava papel importante como agência de desenvolvimento regional, ajudando governos estaduais e prefeituras a construir escolas, hospitais, estradas e obras de saneamento. Para que a Vale se transformasse nessa potência, Carajás foi fundamental.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 168

9/2/11 12:54 PM


Usina de Beneficiamento

Dario Zalis/Divulgação Agência Vale

Clareiras de minério na floresta

| 169

Conta a história oficial que a jazida de Carajás foi descoberta acidentalmente pelo jovem geólogo Breno Augusto dos Santos, em 1967, quando o helicóptero em que viajava fez um pouso de emergência numa clareira no município de Marabá, no Sudeste do Pará. Funcionário da Companhia Meridional de Mineração, subsidiária da siderúrgica americana U.S. Steel, Breno martelou a rocha de cor marrom avermelhada, enquanto aguardava o piloto fazer reparos na aeronave, e constatou que se tratava de minério de ferro. Era essa a explicação para tantas clareiras na floresta, denominadas Savana Amazônica, onde só cresce vegetação rasteira. A jazida foi descrita como um distrito ferrífero de magnitude e importância econômica equivalentes às do Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais. Estava distribuída numa área de 120 por 60 quilômetros, na Serra dos Carajás, nome que se refere à tribo indígena Carajá, localizada em plena selva amazônica, entre os vales dos rios Tocantins e Xingu, distante 550 quilômetros ao sul de Belém e 1.600 quilômetros ao norte de Brasília. Tinha extraordinária pureza, de 66% de ferro, um dos teores mais elevados no mundo, e era a maior do planeta, com 18 bilhões de toneladas.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 169

9/2/11 12:54 PM


A descoberta deflagrou um amplo programa de pesquisa geológica na região, levado a cabo pela Docegeo, subsidiária de pesquisas da Vale, e pela Amazônia Mineração S/A (AMZA), empresa constituída pela estatal (51%) e pela Meridional (49%). Além de ferro, foram encontradas extensas reservas de manganês (60 milhões de toneladas, com teor de 40%), alumínio, cobre, chumbo, zinco, níquel, cromo, cobalto, amianto, estanho, ouro, molibdênio e prata, entre outros minerais. Era a maior província mineral do Brasil e uma das maiores do mundo. Divergências no cronograma de exploração da jazida (os americanos queriam manter Carajás como reserva estratégica e os brasileiros queriam começar a produzir) levaram a US Steel a se retirar da AMZA, em 1977, mediante indenização de US$ 53 milhões. Por solicitação da Vale, técnicos da Agência de Cooperação e Desenvolvimento Internacional do Japão (Jica) – que já haviam elaborado o Projeto Cerrado, de plantio de soja, trigo e arroz no Noroeste de Minas Gerais – prepararam, em 1979, um “estudo preliminar para o desenvolvimento regional do corredor de Carajás”. O estudo seria a base do Programa Grande Carajás (PGC). Instituído pelo Decreto-lei nº 1.813, de 24 de novembro de 1980, o PGC foi um amplo programa de incentivos tributários e financeiros para “atividades econômicas consideradas de importância para o desenvolvimento da região”: infraestrutura, mineração, agricultura, pecuária, pesca, agroindústria, reflorestamento, industrialização de madeira e aproveitamento de fontes energéticas, entre outras. Abrangia área de 895.265 quilômetros quadrados, 10,6% do território nacional, na Amazônia Oriental, delimitada pelos rios Amazonas, Xingu e Parnaíba, ao norte do paralelo de 8º, até o Oceano Atlântico, nos estados do Pará, Maranhão e Goiás (atualmente, do Tocantins). 170 | O PGC desencadeou desencadeou projetos grandiosos, como a conclusão da Usina Hidrelétrica de Tucuruí. Localizada no Rio Tocantins, em território paraense, a 300 quilômetros de Belém, e projetada para gerar 8 milhões de kW, Tucuruí seria a maior hidrelétrica inteiramente brasileira, inferior apenas à binacional Itaipu. Iniciada em 1975, a construção de Tucuruí seguiu em ritmo lento, decorrente da crise econômica, até o lançamento do PGC. A hidrelétrica era o segundo empreendimento da Eletronorte, estatal fundada em 1973, para eletrificar a região amazônica, e integrá-la ao Sistema Eletrobrás, a exemplo do que faziam a Chesf, no Nordeste, Furnas, no Sudeste, e Eletrosul, no Sul. Antes de Tucuruí, a energia produzida na região Norte era pouco superior a 300 mil kW, Tucuruí multiplicou esse potencial por mais de 25. Abasteceria também o Nordeste, mediante a implantação de linhas de transmissão até a Usina de Sobradinho, no Rio São Francisco.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 170

9/2/11 12:54 PM


Pátio de estocagem de minério

Dario Zalis/Divulgação Agência Vale Divulgação Agência Vale

| 171

Reabilitação da mina

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 171

9/2/11 12:54 PM


No auge da obra, Tucuruí chegou a empregar 40 mil trabalhadores. Seu reservatório, com área de 2.430 quilômetros quadrados, provocou forte impacto social e obrigou o deslocamento de aproximadamente 25 mil pessoas, inclusive duas reservas indígenas. Ela seria fundamental para abastecer de energia as indústrias – como a Alumínio Brasileiro (Albrás) e a Alumina do Norte do Brasil (Alunorte) – que se instalavam na região para explorar bauxita e produzir alumínio, atividade que faz uso intensivo de eletricidade. O centro do PGC, porém, era o Projeto Ferro Carajás, da Vale. Sua missão seria produzir grande quantidade de minério de ferro e exportá-lo, a preço subsidiado, para ajudar a equilibrar as contas do país, mergulhado em profunda crise econômica, com crescimento contínuo da dívida externa. Para isso a estatal ganhou incentivos como isenção do imposto de renda por dez anos, isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e manutenção do créditoprêmio para aquisição de matérias-primas, produtos intermediários, material de embalagem e equipamentos nacionais, isenção do Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM). Além da exploração do minério da Serra dos Carajás, o projeto incluía a construção da Estrada de Ferro Carajás (EFC) e do Terminal Marítimo de Ponta da Madeira (TMPM), no Porto de Itaqui, em São Luís, no Maranhão. Nessas obras a Vale investiu US$ 3,8 bilhões, recorrendo a empréstimo do Banco Mundial. Em troca, comprometeu-se a emitir debêntures conversíveis em ações da Vale, cláusula mantida em sigilo. Em decorrência dela, a participação da União no capital votante da Vale caiu de 80% para 50,8%, em maio de 1984. Em Carajás, a Vale construiu dois núcleos urbanos, para 5 mil pessoas, cada um. Um deles, administrado pela empresa, abrigou seus funcionários mais graduados, em 1.274 casas, sem muros, que seguiram o mesmo padrão arquitetônico; recebeu escola, clube, supermercados, restaurantes e cinema. O outro, para operários, cresceu desordenada e aceleradamente; deu origem ao município de Parauapebas, que já contava com cerca de 50 mil habitantes, quando foi emancipado, em 1988.

Divulgação Agência Vale

172 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 172

9/2/11 12:54 PM


Em 1982, a Vale começou a construção da EFC, que teria 892 quilômetros de extensão e cortaria 22 municípios do Pará e do Maranhão. Nela, rodaria o maior trem do mundo, com 330 vagões, quatro quilômetros de comprimento e capacidade para transportar 40 mil toneladas. Integrada a duas ferrovias, oito portos, serviço de navegação costeira e armazéns, a EFC transportaria minério de ferro, ferro-gusa, manganês, cobre, combustíveis, carvão, além de soja, combustível e fertilizantes, entre outras cargas. Levaria também passageiros, mais de 1.000 por viagem, tornando-se um veículo importante para as viajantes de localidades dos estados do Pará e do Maranhão, com tarifas mais baratas do que as passagens de ônibus e sem sofrer interrupção na época das chuvas. Entre os passageiros, nos vagões lotados, muitos trabalhadores, seguindo para garimpos ou em busca de emprego em grandes fazendas e mais de mil carvoarias. Suas atividades mais frequentes seriam cortar árvores para formação de pastos, plantar soja e produzir carvão para o chamado Pólo Siderúrgico de Carajás. Esse pólo foi formado por 14 siderúrgicas – sete no Pará, sete no Maranhão – que se instalaram ao longo da ferrovia. Empregando o minério de ferro de Carajás e carvão obtido da madeira da floresta como combustível dos seus altos fornos, elas passaram a produzir ferro-gusa, exportado por meio da ferrovia e do terminal marítimo da Vale. O impacto do PGC sobre a Amazônia Oriental provocou reações de ambientalistas e mobilizou a comunidade científica brasileira. Em 1984, o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) convocou 32 cientistas de diversas áreas a elaborar estudos visando a formular uma “proposta equilibrada à complexa problemática amazônica”, que conciliasse interesses conservacionistas e desenvolvimentistas. Oferecendo uma solução de ecodesenvolvimento para a região, o CNPq pretendia evitar, entre outros males, os sucessivos conflitos de terra.

| 173

Vista geral da Usina de Beneficiamento de Minério Lucas Lenci/Divulgação Agência Vale

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 173

9/2/11 12:54 PM


Lucas Lenci/Divulgação Agência Vale

174 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 174

O projeto Carajás consumiu bilhões de dólares, em lavras, estradas, equipamentos e infraestrutura

9/2/11 12:54 PM


O trabalho do CNPq estava sendo concluído,quando,dia 28 de fevereiro de 1985, às vésperas de entregar o cargo, o último general presidente da República inaugurou oficialmente a Estrada de Ferro Carajás (EFC) e deu partida à exportação do minério amazônico. Em meio ao fracasso do modelo de desenvolvimento que fez a economia brasileira encolher nos anos 80 e uma década inteira se perder, o ciclo militar era encerrado com a concretização da última das suas obras grandiosas.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 175

| 175

9/2/11 12:54 PM


PAC

Revista M&T/Divulgação Camargo Corrêa

176 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 176

9/2/11 12:54 PM


A retomada do crescimento acelerado

| 177

Eleita no dia 31 de outubro de 2010, a belo-horizontina Dilma Rousseff tornou-se a primeira mulher presidente da República no Brasil. Foi também a primeira integrante da geração que pegou em armas contra a ditadura militar (1964-1985) a chegar ao poder. Tão significativo quanto isso, no entanto, era sua condição de coordenadora do Programa deAceleração do Crescimento (PAC), responsável por boa parte do sucesso e da popularidade do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, cuja continuidade ela representava. Curiosamente, o PAC significou a retomada do desenvolvimentismo que marcou o ciclo autoritário.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 177

9/2/11 12:54 PM


Transposição do Rio São Francisco visa levar água para zonas carentes em todo o semi árido nordestino

178 |

Planejamento com inovações Concebido como um amplo programa de investimentos em infraestrutura de energia, logística e social, o PAC tornou-se o eixo das ações do governo federal, no segundo mandato do presidente Lula, a partir do seu lançamento, em janeiro de 2007. Ao contrário dos planos econômicos do período compreendido entre o final dos anos 70 e o começo do século XXI, que se ocuparam do corte de despesas públicas e do controle da inflação, o PAC voltou-se para ações de médio e longo prazos. Retomou assim a tradição iniciada com o Programa de Metas do governo Juscelino Kubitschek e continuada pelos sucessivos programas do regime militar (Plano de Ação Econômica do Governo, Plano Decenal de Desenvolvimento Econômico, Programa Estratégico de Desenvolvimento, Programa de Metas e Bases para a Ação do Governo, Plano Nacional de Desenvolvimento 1 e 2). Como naqueles períodos, o Produto Interno Bruto (PIB) voltou a crescer, atingindo a taxa de 7,5% em 2010. O PAC ganhou tamanha importância que passou a monopolizar o noticiário econômico nacional e logo gerou “filhotes”: PAC da educação, PAC da segurança, PAC da habitação, PAC da Copa, PAC das cidades e até PAC das cidades históricas. Os investimentos maciços feitos pelo PAC foram considerados decisivos para que a crise econômica mundial de 2008 não afetasse o Brasil como afetou outros países.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 178

9/2/11 12:54 PM


| 179

Revista M&T

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 179

9/2/11 12:54 PM


Comprometido com a preservação do equilíbrio fiscal e monetário, o PAC apresentou outras inovações. As obras são realizadas em parceria pelas três unidades da Federação: União, estados e municípios. As informações técnicas são disponibilizadas ao público e, de quatro em quatro meses, o Comitê Gestor interministerial do programa presta contas do que foi e está sendo feito. Para viabilizar obras de impacto social e ambiental, o governo promove consultas às comunidades envolvidas. A novidade mais marcante do PAC, porém, foi a intenção de reduzir as desigualdades sociais e regionais. “Mais que um plano de expansão do investimento, o PAC quer introduzir um novo conceito de investimento em infraestrutura no Brasil”, diz o documento de apresentação do programa. “Um conceito que faz das obras de infraestrutura um instrumento de universalização dos benefícios econômicos e sociais para todas as regiões do País”.

180 |

Em relação à distribuição social da renda, os resultados logo foram constatados. De acordo com a publicação Economia brasileira em perspectiva, do Ministério da Fazenda, a participação das classes C e D na renda nacional passou de 43% em 2005 para 59% em 2010. Cerca de 25 milhões de brasileiros tinham ascendido da classe D para a classe C, que passou a somar 54% da população. Tal dinâmica social se devia ao aumento do salário mínimo, à geração de empregos, ao controle da inflação e ao Programa Bolsa Família. Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho e Emprego (Caged) e da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), foram criados 2,5 milhões de empregos em 2010 e 15 milhões no período 2003-2010.

A usina de Jirau é a maior do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira e produzirá 3,3 milhões de kW de energia

Outra pesquisa – O Observador Brasil 2011, citada pela revista Veja – confirmou o fenômeno social da nova grande classe média brasileira: em decorrência da ascensão social, entre 2005 e 2010, a representação gráfica dos brasileiros distribuídos por renda mudou de forma, passando da tradicional pirâmide para o losango. Só em 2010, mudaram para uma classe social superior 31 milhões de brasileiros, sendo que 19 milhões passaram das classes E e D para a classe C e 12 milhões, da classe C para as classes B e A. Em relação às desigualdades regionais, o sucesso do PAC foi mais modesto. Análise do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgada em dezembro de 2010 e que comparou os anos 1998 e 2008, revelou que o PIB per capita na Região Sudeste continuava 33% superior à média nacional (era 39%), enquanto o PIB per capita do Nordeste estava 53% abaixo da média nacional (era 58%). De acordo com a última prestação de contas de 2010 do Comitê Gestor do PAC, de 2007 a 2010 foram investidos R$ 619 bilhões, cerca de 94% do total previsto para o período, que era de R$ 657,4 bilhões. Ao ser lançado, o programa pretendia investir R$ 503,9 bilhões, sendo R$ 274,8 bilhões em energia, R$ 58,2 bilhões em logística e R$ 170,8 bilhões em obras de infraestrutura social. Pretendia ainda remover obstáculos burocráticos, administrativos, normativos, jurídicos e legislativos ao crescimento e incentivos ao investimento privado.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 180

9/2/11 12:54 PM


Alexandre Horta

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 181

| 181

9/2/11 12:54 PM


182 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 182

9/2/11 12:54 PM


| 183

Revista M&T/Divulgação Camargo Corrêa

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 183

9/2/11 12:54 PM


O PAC previa a construção e recuperação de 45 mil quilômetros de rodovias e 2.518 quilômetros de ferrovias; melhoria de 12 portos e 20 aeroportos; geração de mais de 12 milhões 386 mil kW de energia elétrica e construção de 13.826 quilômetros de linhas de transmissão; instalação de quatro novas refinarias e petroquímicas, construção de 4.526 quilômetros de gasodutos, instalação de 46 usinas de biodiesel e 77 de etanol; construção de moradias para 4 milhões de famílias; redes de água e coleta de esgoto para 22,5 milhões de domicílios; ampliação e a conclusão de metrôs em quatro cidades. Na retomada do planejamento estratégico, órgãos federais como a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia (Sudam) e Superintendência de Desenvolvimento do Nordeste (Sudene) e empresas estatais não atingidas pelo Programa Nacional de Desestatização dos governos Collor, Itamar e Fernando Henrique Cardoso, voltaram a servir de instrumentos de desenvolvimento. O novo modelo estatal brasileiro quebrou o monopólio da Petrobras e da Eletrobras. Com isso, elas perderam a atribuição de planejar os investimentos no setor em que atuam e passaram a disputar concorrências para obras. O controle do Estado sobre elas, no entanto, garante que atuem de acordo com o PAC, sem atritos com o governo, diferentemente do que acontece com a Vale privatizada. Dos R$ 93,4 bilhões previstos no PAC para construção de plataformas marítimas de petróleo no período 2007-2010, visando à autossuficiência nacional, R$ 81,4 bilhões eram recursos da Petrobras.

Agência Petrobrás/ Steferson Faria

184 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 184

9/2/11 12:54 PM


Pesquisa em águas profundas A Plataforma P-56 teve seu casco todo produzido no Brasil

Quando a primeira crise do petróleo pegou o país desprevenido, o governo militar resolveu retomar a pesquisa no mar. Em 1975, o governo federal quebrou parcialmente o monopólio estatal ao abrir a prospecção às grandes multinacionais do setor, mediante os chamados contratos de risco. Durante quatro anos, cinco empresas (Britsh Petroleum, Esso, Texaco, Elf-Aquitaine e Mastschapij BV-Pectem) investiram US$ 90 milhões e perfuraram 18 poços no litoral brasileiro. Não tiveram sucesso, porém, ao contrário da Petrobras, que já encontrara uma pequena jazida no campo de Guaricema, em Sergipe, em 1968, o campo de Garoupa, na Bacia de Campos (RJ), em 1973, e continuaria fazendo novas descobertas, nos anos seguintes. Até 1978, a estatal perfurou, em média, 202 poços por ano; em 1978 furou cerca de 12 vezes mais do que todas as empresas estrangeiras. Sua extração passou de 9,9 milhões de metros cúbicos em 1973 para 15,1 milhões em 1982 e 33,2 milhões em 1986.

| 185

Nas décadas seguintes, a Petrobras faria prospecções em águas cada vez mais profundas, desenvolvendo tecnologia e contratando a construção de dezenas de plataformas, com índice de nacionalização crescente. Em 2003 atingiu a produção de 2 milhões de barris por dia e em 2006 garantiu ao país a autossuficiência. Em setembro de 2008, o presidente Lula batizou a plataforma marítima P-53, que passaria a operar em Marlim Leste, um campo gigante localizado na Bacia de Campos, descoberto em 1985. Construída com recursos do PAC, no Estaleiro Rio Grande, no Rio Grande do Sul, a plataforma teve índice de nacionalização de 75% e gerou 4.500 empregos diretos. Também construída com recursos do PAC, a plataforma P-56, programada para entrar em operação em 2011, no Campo de Marlim Sul, teve seu casco totalmente feito no país e índice de nacionalização dos seus componentes de 72,9%. Construída pelo consórcio FSTP, formado pelas empresas Keppel Fels e Technip, ao custo de US$ 1,5 bilhão, com capacidade para processar 100 mil barris de petróleo e comprimir 6 milhões de metros cúbicos de gás por dia, ela consumiu 56 mil toneladas de aço. A estatal anunciou também o compromisso de produzir pela primeira vez no Brasil 28 sondas, sete delas em Pernambuco.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 185

9/2/11 12:54 PM


Novas plataformas e sondas se tornaram necessárias para explorar o petróleo do pré-sal, cuja descoberta foi anunciada pela Petrobras, em 2007. Localizadas em até 7.500 metros de profundidade, as jazidas do pré-sal estendem-se por cerca de 800 quilômetros entre os litorais dos estados do Espírito Santo e Santa Catarina e são gigantescas. O campo de Tupi, primeiro a produzir em caráter experimental, em 2009, foi estimado em até 6,5 bilhões de barris. Os recursos para exploração do campo de Tupi e para a compra das sondas foram incluídos num acréscimo de R$ 313 bilhões do PAC, que o governo anunciou em fevereiro de 2009. Para as sondas foram destinados R$ 38, 2 bilhões e para Tupi, R$ 6,5 bilhões. Ao todo, foram previstos para o pré-sal R$ 93 bilhões, até 2020. Em março de 2010, foi anunciado um novo investimento no pré-sal, de R$ 125,7 bilhões, a partir de 2011, como parte do chamado PAC 2.

186 |

A Petrobras também encomendou duas novas plataformas – P-55 e P-57 – aos estaleiros nacionais, além de 146 embarcações de apoio e sondas de perfuração, com índices de nacionalização de 70% a 80%. Prevista no Plano de Renovação de Barcos de Apoio da Petrobras, de 2008, com investimentos de US$ 5 bilhões, a nova frota deverá empregar 3.800 tripulantes. Para escoamento do petróleo do pré-sal, a Petrobras anunciou investimento de US$ 500 milhões na construção de uma Unidade Offshore de Transferência e Exportação (Uote), uma espécie de porto em alto mar, localizado a 80 quilômetros do litoral norte fluminense. Ela consiste basicamente num navio com capacidade para armazenar 2 milhões de barris de petróleo, que poderá ser abastecido simultaneamente por dois navios da Bacia de Santos e abastecerá petroleiros com destino a refinarias do Nordeste e ao exterior, sem que seja preciso passarem pela costa. A previsão é que sejam feitas de 10 a 15 operações desse tipo por mês, capacidade superior ao do terminal de São Sebastião, que abastece as quatro refinarias de São Paulo (Capuava, Cubatão, Paulínia e São José dos Campos). Com a construção da Uote, a Petrobras dribla um obstáculo: a impossibilidade de obter licença ambiental para ampliar os terminais em funcionamento. Em decorrência disso, a estatal já realiza operações de abastecimento no mar, chamadas de barco a barco, próximas do terminal de Angra (RJ).

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 186

9/2/11 12:54 PM


Agência Petrobrás/ Steferson Faria

| 187

O então presidente Luis Inácio Lula da Silva e a atual presidente Dilma Roussef na inauguração de uma plataforma

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 187

9/2/11 12:54 PM


Alexandre Horta

188 |

Projetos grandiosos

Como ocorreu durante o regime militar, os projetos grandiosos do PAC colocaram em oposição desenvolvimentistas e ambientalistas. O impacto negativo de obras em portos e até mesmo em cidades – com remoção de moradores para construções viárias destinadas à infraestrutura da Copa do Mundo de 2014 – tornou-se motivo de protestos. No entanto, os projetos foram discutidos e negociados com as comunidades envolvidas, em audiências públicas, reuniões técnicas, oficinas, visitas e palestras. Antes de começar a construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, por exemplo, o governo realizou mais de trinta reuniões em comunidades indígenas e modificou o projeto original. Algumas contradições, no entanto, ficaram sem solução, como as indenizações pagas aos atingidos pelas barragens: produtores rurais que preservaram a floresta nas suas propriedades recebem menos do que aqueles que desmataram para plantio e criação de gado, ações avaliadas como benfeitorias. A obra exigirá a remoção de 4.300 famílias residentes em zonas urbanas e 800 em zonas rurais. A construção de Belo Monte, no Rio Xingu, é o projeto mais polêmico do PAC. Planejado pela primeira vez durante a ditadura

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 188

9/2/11 12:54 PM


Alexandre Horta

De 2007 a 2010, o governo federal investiu R$ 2,16 bilhões na chamada Nova Transnordestina

| 189

militar, e abandonado, ele foi retomado no governo Lula. De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) – empresa pública federal vinculada ao Ministério das Minas e Energia e responsável pela elaboração do Plano Decenal de Energia – para que o Brasil continue crescendo à taxa média de 5% ao ano, precisa aumentar 71,3 milhões de kW à capacidade instalada nacional até 2019. Isto significa construir em dez anos 70% do que foi construído em mais de um século, e grande parte virá do aproveitamento dos rios amazônicos. Localizada no no meio de 10 terras indígenas, no estado do Pará, Belo Monte será a maior hidrelétrica totalmente nacional, com capacidade instalada de 11 milhões 233 mil kW, superando Tucuruí, que produz 8 milhões de kW (Itaipu, que tem capacidade de 14 milhões de kW, é binacional). Alagará 516 quilômetros quadrados e deverá entrar em operação em janeiro de 2015, atingindo a produção total quatro anos mais tarde. Orçada em R$ 20,3 bilhões e financiada 80% pelo BNDES, a obra deverá gerar 19 mil empregos diretos e atrair 90 mil pessoas para a região.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 189

9/2/11 12:54 PM


Para receber a licença de instalação do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama), o consórcio Norte Energia – formado pela estatal Eletrobras e um grupo de empresas privadas brasileiras e vencedor da licitação para construção da usina, com deságio de 6,5% – precisou modificar o projeto original. Uma das exigências foi garantir vazões na Volta Grande do Xingu suficientes para a manutenção dos ecossistemas e dos modos de vida das populações ribeirinhas, como pesca e navegação. O Conselho Nacional de Política Energética decidiu também, em 2008, que Belo Monte será a única hidrelétrica do Rio Xingu. Foram firmados termos de compromisso entre o consórcio, prefeituras e o governo do Pará para realização de ações em saúde, educação, saneamento, habitação, segurança pública, capacitação profissional, infraestrutura viária e meio ambiente, para as quais estão previstos investimentos de R$ 3,3 bilhões. Duas unidades de conservação, totalizando 280 mil hectares de florestas, serão criadas na margem direita do Rio Xingu. As modificações no projeto diminuíram a área alagada e reduziram a geração média anual de energia para 4 milhões 500 mil kW, inferior à das hidrelétricas brasileiras, que é de 55%. Nos meses de cheia, a usina funcionará com sua capacidade plena e na estiagem, muito abaixo. Isso porque Belo Monte não terá um reservatório capaz de regular a vazão ao longo do ano, será uma hidrelétrica fio d’água – a maior do mundo. Ainda assim, segundo a EPE, a obra é viável, pois produzirá energia por quase metade do preço de outras fontes.

190 |

Enquanto o projeto de Belo Monte se viabilizava, os recursos do PAC concluíam as eclusas de Tucuruí e construía outras usinas na Amazônia, também financiadas pelo BNDES: Estreito, Jirau e Santo Antônio. Inauguradas em dezembro pelo presidente Lula, as eclusas de Tucuruí possibilitam a implantação da Hidrovia Araguaia-Tocantins, com extensão aproximada de 2 mil quilômetros, ligando o porto de Belém ao Alto Araguaia, no Mato Grosso. Também no Rio Tocantins, localizada na divisa dos estados do Tocantins e do Maranhão, a montante da interligação entre as rodovias Belém-Brasília e Transamazônica, a obra da Hidrelétrica Estreito era a mais adiantada, entre as novas hidrelétricas gigantes. Sua construção, no entanto, provocou manifestações de protesto e chegou a ser paralisada pela Justiça, em 2008. Com potência instalada de 1 milhão 87 mil kW, gerada por oito turbinas Kaplan, Estreito foi orçada em R$ 3,3 bilhões e gerou 10 mil empregos direitos. Seu reservatório, de 400 quilômetros quadrados, atinge doze municípios, quatro terras indígenas e 5 mil famílias. Sétima de dez usinas previstas para o Tocantins, Estreito foi construída pelo Consórcio Estreito Energia, formado pela Suez Energy International, Vale, Alcoa e Camargo Corrêa Energia, que têm indústrias na região e serão grandes consumidoras da usina. A Hidrelétrica de Jirau, localizada no Rio Madeira, em Rondônia, a 130 quilômetros de Porto Velho, a foi projetada para produzir 3 milhões 300 mil kW, quando entrar em operação, em 2013. Ela terá 46 turbinas, 28 das quais, de 70 mil kW cada uma, serão fornecidas pelas empresas Alstom, Voith Siemens e Andritz, por US$$ 1,95 bilhão. As demais turbinas, com potência de 75 mil kW cada uma, serão fornecidas pela empresa chinesa Dong Fang por US$ 410 milhões. A obra, no valor de R$ 7,2 bilhões, integralmente financiada pelo BNDES, está sendo feita pelo consórcio Energia Sustentável do Brasil, formado pela Suez Energy (50,1%), Eletrosul, Chesf e Camargo Corrêa. RS$ 532 milhões dos recursos são destinados a 29 programas socioambientais. A previsão é que gere 12 mil empregos diretos até sua conclusão, prevista para 2014. O projeto prevê contratação de pessoal residente na região e sua qualificação profissional, para evitar problemas sociais ao final da obra. O reservatório da usina alagará 258 quilômetros quadrados.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 190

9/2/11 12:54 PM


O Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira inclui também as hidrelétricas de Santo Antônio, Guajará-Mirim e Cachuela Esperanza. A última fica em território boliviano e a segunda na fronteira entre Brasil e Bolívia. Para a construção de Santo Antônio, o BNDES concedeu também 100% de empréstimo, no valor de R$ 6,1 bilhões, ao consórcio vencedor do leilão, Santo Antônio Energia, formado por Odebrecht, Furnas, Andrade Gutierrez, Cemig e Fundo de Participações Santander Banif. Metade do financiamento será concedido diretamente pelo BNDES e a outra metade pelos bancos Santander, Bradesco, Itaú, BES Investimento do Brasil, Caixa Econômica Federal, Banco do Brasil, Banco do Nordeste, Banco da Amazônia. A hidrelétrica, que deverá começar a funcionar em 2012, vai gerar 3 milhões 150 mil kW, com 44 turbinas. A previsão é que a construção gere mais de 8 mil empregos diretos. Deverão ser investidos R$ 50 milhões em projetos sociais, voltados para geração de emprego e renda, capacitação profissional, saúde, educação, lazer, transporte e segurança. Como Belo Monte, a Hidrelétrica Santo Antônio foi concebida como uma usina de fio d’água, o que reduz a área alagada e diminui o impacto ambiental. A expectativa é que a implantação das usinas de Jirau e Santo Antônio resultará em investimentos da ordem de R$ 25 bilhões até 2017 na região de Porto Velho.

Transposição e Transnordestina Previstas para inauguração em 2012, duas obras do PAC eram consideradas pelo governo Lula como as mais importantes para o desenvolvimento do Nordeste: a transposição do Rio São Francisco e a ferrovia Transnordestina. Em 2010 estavam concluídos os primeiros 16 quilômetros da ferrovia, entre os municípios de Salgueiro, em Pernambuco, e Missão Velha, no Ceará. O projeto, também chamado de Nova Transnordestina, prevê ao todo construção de 1.728 quilômetros e remodelação de mais 550 quilômetros de trilhos, ligando também os estados de Alagoas e Piauí. O custo total previsto da obra é de R$ 5,4 bilhões.

| 191

O Projeto de Integração do Rio São Francisco com Bacias Hidrográficas do Nordeste Setentrional – nome oficial da transposição das águas do São Francisco – recebeu investimentos de R$ 5,9 bilhões do PAC, no período 2007-2010. A obra, que também provocou grande reação de ambientalistas, pretende abastecer 390 municípios dos estados de Pernambuco, Ceará, Paraíba e Rio Grande do Norte, cuja população é de 12 milhões de habitantes. Para isso, deverão ser retirados do rio continuamente 26,4 metros cúbicos de água por segundo. A obra é formada por dois eixos, divididos em 14 lotes. A captação do Eixo Norte será feita perto no município de Cabrobó (PE); o canal terá 402 quilômetros e conduzirá água aos rios Salgado e Jaguaribe (CE), Apodi (RN), Piranhas-Açu (PB). Também serão abastecidos os açudes Atalhos e Castanhão (CE), Gonçalves, Santa Cruz e Pau dos Ferros (RN), Engenheiro Ávidos e São Gonçalo (PB), Entre Montes e Chapéu (PE). A captação do Eixo Leste será feita no lago da barragem de Itaparica, no município de Floresta (PE) e seguirá por um canal de 220 quilômetros até o Rio Paraíba (PB), passando pelos rios Pajeú e Moxotó (PE). Deste canal sairá outro, com 70 quilômetros de comprimento, até o Rio Ipojuca (PE). Os reservatórios Poço da Cruz (PE) e Boqueirão (PB) também serão abastecidos. Os canais, com forma de trapézio, serão impermeabilizados e recobertos de concreto. A travessia de cursos d’água será feita por aquedutos e as elevações dos terrenos por meio de túneis e estações de bombeamento. Estão previstas ainda trinta barragens para regularizar o fluxo da água.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 191

9/2/11 12:54 PM


Revista M&T/Administração do Porto de Suape

192 |

Coração do gigante

Como nas grandes obras do regime militar, os acidentes de trabalho com mortes voltaram a ocupar o noticiário. “Trabalhadores estão morrendo nos canteiros de obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), estrela do governo federal”, informava o jornal O Globo, na sua edição de 26 de março de 2011. Segundo levantamento feito pelo jornal, 40 operários haviam morrido em 21 grandes empreendimentos do PAC, a partir de 2008, número considerado “acima dos padrões”. “Só nas usinas de Jirau e Santo Antônio, em Rondônia, houve seis mortes.” As obras, que representavam investimentos de R$ 105, 6 bilhões, seguiam “em ritmo muito acelerado” e as companhias não tinham tempo para treinar pessoal, segundo o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (Cbic). “Grandes obras, problemas idem” foi o título de reportagem da revista Carta Capital, publicada em abril de 2011. Referia-se a greves de operários que paralisaram grandes obras do PAC, como as usinas de Santo Antônio e Jirau, o Porto de Açu, no Rio de Janeiro e a termoelétrica de Pecém, no Ceará. No Complexo de Suape, em Pernambuco, a paralisação reivindicava melhores condições de trabalho, pagamento de horas extras e plano de saúde. A descrição do repórter lembra as obras grandiosas da ditadura militar. “Visto do alto, o Complexo de Suape, em Pernambuco, é imponente. Mas a dimensão do que está em curso na área, pertencente ao município de Ipojuca, torna-se de fato espantosa quando se faz o

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 192

9/2/11 12:54 PM


Inaugurado em 1983, o Complexo Industrial e Portuário de Suape está sendo ampliado e modernizado

trajeto entre a capital e os grandes átrios que formarão o coração do gigante.” O Complexo Industrial e Portuário de Suape está localizado a 40 quilômetros de Recife. Planejado durante o regime militar seguindo o conceito de integração entre porto e indústrias, e inaugurado em 1983, Suape se tornou um dos maiores polos industriais brasileiros, com mais de 100 empresas instaladas e 35 em fase de implantação, entre elas a Refinaria Abreu Lima e três petroquímicas, além dos estaleiros. Até 2010, recebeu R$ 1,4 bilhão do PAC. Entre os investimentos privados anunciados para o Complexo, está o da nova fábrica de automóveis da Fiat no Brasil, no valor de R$ 3 bilhões, entre 2011 e 2014. Projetada para produzir 200 mil veículos por ano, a fábrica deverá gerar 3,5 mil empregos diretos. No lançamento da pedra fundamental da obra, nos últimos dias do seu governo, o presidente Lula comemorou o início de uma nova fase de industrialização do Nordeste. Os investimentos do PAC na marinha mercante, para financiamento de embarcações e estaleiros, no valor de R$ 17 bilhões, também beneficiaram Suape. Em julho de 2010, a Transpetro, subsidiária da Petrobras, anunciou ali a instalação do Estaleiro Promar. Empresa formada pelo grupo PJMR em associação com a sul coreana STX, o estaleiro foi criado para construir oito gaseiros para a estatal, no valor de US$ 536 milhões. A encomenda faz parte do Programa de Modernização e Expansão da Frota Transpetro, que prevê a construção de 49 navios.

| 193

Promar foi o segundo estaleiro criado para atender encomendas da Transpetro; o primeiro foi o Atlântico Sul (EAS), também instalado em Suape. Empreendimento dos grupos Camargo Corrêa, Queiroz Galvão, PJMR e Samsung, ele entrou em operação em 2008 e se tornou o maior do país, montando 22 navios para a estatal. Em maio de 2010, o EAS entregou o petroleiro João Cândido, a primeira grande embarcação produzida no Brasil, depois de 13 anos de interrupção da indústria naval. No total, foram investidos nos portos brasileiros, especialmente naqueles que possuem terminais de passageiros (Santos, Rio de Janeiro, Salvador, Recife, Fortaleza, Natal e Manaus), cerca de R$ 789,1 milhões. O PAC selecionou 54 projetos que visam a melhorar o transporte nas 12 cidades que serão sedes de jogos da Copa do Mundo de 2014, com prioridade para o transporte coletivo. Para essas obras, denominadas de PAC para mobilidade e transporte urbano, ou PAC da Copa, foram destinados R$ 8 bilhões em 2010. A modernização dos aeroportos recebeu R$ 281,9 milhões. Em julho de 2010, o Congresso aprovou destinação de R$ 1,5 bilhão para obras destinadas à realização da Copa do Mundo de 2014 e da Olimpíada de 2016, entre elas a reforma dos estádios.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 193

9/2/11 12:54 PM


Copa do Mundo e Olimpíadas A construção de estádios de futebol no Brasil teve seu primeiro grande impulso em outra Copa do Mundo, a de 1950. Para ela foram construídos dois estádios – Maracanã, no Rio de Janeiro, e Independência, em Belo Horizonte – e reformados outros quatro – Pacaembu, em São Paulo; Vila Capanema, em Curitiba; dos Eucaliptos, em Porto Alegre; Ilha do Retiro, em Recife. O Maracanã tornou-se o maior estádio do mundo e recebeu o maior público das histórias das copas, até hoje: 199.854 pessoas, na final, realizada no dia 16 de julho. Durante o regime militar, o futebol foi usado como instrumento de popularização dos governos; multiplicaram-se os clubes no campeonato nacional da Confederação Brasileira de Desportos (atual CBF) e os estádios nas cidades brasileiras. Segundo levantamento do livro Retrato do Brasil, 19 grandes estádios foram construídos nesse período, em obras que tinham evidente motivação política. Carazinho, município do interior do Rio Grande do Sul, por exemplo, ganhou um estádio com capacidade para 60 mil torcedores, quando sua população era de 30 mil habitantes. 194 |

Para se tornar sede pela segunda vez do torneio organizado pela Fifa, em 2014, o Brasil se comprometeu a realizar muitas obras de infraestrutura. Os investimentos públicos e privados em estádios, aeroportos, telecomunicações, segurança, qualificação profissional, segurança, mobilidade urbana, energia e saúde deverão consumir R$ 47 bilhões. Para a reforma do Maracanã, o BNDES aprovou financiamento no valor de R$ 400 milhões, 57% do total que deverá ser investido no estádio, cuja lotação será reduzida a 76.525 torcedores (75.027 durante os jogos da Copa). Em compensação, a realização da Copa do Mundo deverá render ao País R$ 185 bilhões e gerar 700 mil empregos. Entre as obras de infraestrutura social do PAC, o projeto de maior impacto foi Minha Casa, Minha Vida, que superou em 3 mil unidades a meta de construir 1 milhões de moradias, segundo informou o Blog do Planalto, no dia 29 de dezembro de 2010. Destinado a famílias com renda de até R$ 10 mil, distribuídas em três faixas (até R$ 1.395, até R$ 4.900 e acima desse valor), o programa recebeu R$ 216,9 milhões para financiamentos de moradias e mais R$ 353,5 milhões para construção de 374 projetos habitacionais. Em saneamento, foram aplicados R$ 1,5 bilhão, em 1.225 projetos, e mais R$ 2 bilhões em obras de fornecimento de água e esgoto. Foi, no entanto, o programa Luz para todos, que recebeu maior volume de recursos: R$ 6,6 bilhões. Em junho de 2009, ele atingiu a meta prevista de 2 milhões de novas ligações de energia elétrica no meio rural, beneficiando cerca de 10 milhões de moradores, dos quais 6 milhões no Nordeste.

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 194

9/2/11 12:54 PM


Gaspar Nóbrega Revista M&T

| 195

O Maracanâ (acima), palco da final da Copa de 2014, está sendo reformado. A Fonte Nova, em Salvador, foi totalmente demolida para a construção de uma nova arena

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 195

9/2/11 12:54 PM


Livros

100 anos da engenharia brasileira – publicação especial da revista O Empreiteiro, s/ data. Engenharia do Brasil – 90 anos do Instituto de Engenharia – 1916-2006, São Paulo 2007. Retrato do Brasil – Editora Três / Política Editora, 1984. Cubatão – História de uma cidade industrial – Celma de Souza Pinto – Cubatão, 2005. Por que construí Brasília – Juscelino Kubitschek – Bloch Editores, Rio de Janeiro, 1975. Gaiola Aberta – Tempos de JK e Schmidt – Autran Dourado – Editora Rocco, Rio de Janeiro, 2000. Minha experiência em Brasília – Oscar Niemeyer – Editora Revan, Rio de Janeiro, 2006. JK, o artista do impossível – Cláudio Bojunga – Editora Objetiva, Rio de Janeiro, 2001. Brasil 500 anos – Atlas Histórico – Editora Três, São Paulo, 1998. Hélio Silva – História da República Brasileira, Vol. 16, Editora Três, São Paulo 1998. Usiminas conta sua história, Usiminas, Assessoria de Comunicação Social, Belo Horizonte, 1990. Usiminas conta sua história – depoimentos, Assessoria de Comunicação Social, Belo Horizonte, 1986 a 1988. Implantação da grande siderurgia em Minas Gerais – Dermeval José Pimenta – Imprensa da UFMG, Belo Horizonte, 1967. O massacre de Ipatinga: mitos e verdades – Marilene Tuler – Editora O Lutador, Belo Horizonte, 2007. Japoneses no Vale do Aço – Carlos Alberto Cândido – Editora Olhares, São Paulo, 2008. Homens em série: A história de Ipatinga contada por seus próprios personagens – Prefeitura Municipal de Ipatinga, volumes 1 e 2, outubro de 1991 e julho de 1992. História do Brasil, Publifolha, São Paulo 1997. Carajás, desafio político, ecologia e desenvolvimento – José Maria Gonçalves de Almeida Jr. (org.). Brasiliense, São Paulo, 1986. Impactos Ambientais da Estrada de Ferro Carajás no Sudeste do Pará – Maria Célia Nunes Coelho e outros, Universidade Federal do Pará. Itaipu: prós e contras – Osny Duarte Pereira – Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 1974.

Jornais e Revistas

Obras Consultadas Referências Bibliográficas e Iconográficas

Revista Visão, 15 de outubro de 1954 – Petróleo: A produção nacional e os seus problemas. Revista Visão, 3 de setembro de 1954 – A chuva não é solução. Revista Visão, 9 de setembro de 1974 – As ilusões do metrô. Revista Exame, 7 de agosto de 1985 – Cubatão: Uma tragédia brasileira. Jornal do Brasil, 3 de fevereiro de 1959. Jornal do Brasil, 3 de março de 1974. Jornal do Brasil, 5 de março de 1974, Caderno B. Jornal do Brasil, 14 de setembro de 1974. Jornal do Brasil, 18 de fevereiro de 1975. Jornal do Brasil, 22 de novembro de 1984. Cadernos Brasília, ontem, hoje e amanhã – Estado de Minas, janeiro e fevereiro de 2005. Brasília Monumental; Brasília cultural; Brasília, um lugar para se viver – Estado de Minas, janeiro e fevereiro de 2006. Brasília, 50 anos – revista Veja especial, novembro de 2009. Usiminas Revista, números 3, 4, 6, 7, 12, 13, 14, 15 e 16. Revista Mundo Elétrico, julho de 1982, setembro de 1982 e novembro de 1984. Revista O Empreiteiro – EPE mapeia futuro da energia brasileira – São Paulo, março de 2010.

196 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 196

9/2/11 12:54 PM


Internet

Dicionário Histórico-Bibliográfico Brasileiro, do Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil (CPDOC) da Fundação Getúlio Vargas – http://cpdoc.fgv.br/acervo/dhbb A energia elétrica no Brasil – Ronaldo Bicalho – http://blogln.ning.com/profiles/blogs/a-energia-eletrica-no-brasil-i Entre estatais e transnacionais: o pólo industrial de Cubatão, Joaquim Miguel Couto, em Novo Milênio http://www.novomilenio.inf.br/cubatao/cfoto012.htm Petróleo: a história começa em Cubatão, Walter Hori, em Novo Milênio - http://www.novomilenio.inf.br/cubatao/ch018.htm Rodovia Belém-Brasília, uma epopeia composta por dois médicos, Recanto das Letras – Sérgio Martins Pandolfo http://recantodasletras.com.br/artigos/2095140 Projeto de Lúcio Costa para Brasília - http://veja.abril.com.br/ Memorial JK – http://www.memorialjk.com.br População e escravidão nas Minas Gerais, c. 1720 – Tarcísio Rodrigues Botelho – http://www.abep.nepo.unicamp.br/docs/anais/ pdf/2000/Todos/hist1_5.pdf Met@lica – http://www.metalica.com.br/pg_dinamica/bin/pg_dinamica.php?id_pag=1578 Novo Milênio – http://www.novomilenio.inf.br/cubatao/ch027.htm Usiminas – http://www.usiminas.com/irj/portal TN Petróleo – http://www.tnpetroleo.com.br/ Estradas – http://www.estradas.com.br/historia%20das%20rodovias%205.htm CCR Ponte – http://www.ponte.com.br Ceagesp – http://www.ceagesp.gov.br/institucional/histor/ Eletrobras – http://www.eletrobras.com Wikipédia – http://pt.wikipedia.org/wiki/Paulo_Afonso Eletropaulo – www.aeseletropaulo.com.br Chesf – http://www.chesf.gov.br Companhia do Metropolitano de São Paulo – http://www.metro.sp.gov.br Itaipu Binacional – http://www.itaipu.gov.br/nossa-historia Portal Cesp – http://www.cesp.com.br/ O eco – http://www.oeco.com.br/convidados/16807-oeco_24265 Missão quase impossível – Teresa Urban – http://books.google.com.br/bkshp?hl=pt-BR&tab=wp Scribd – http://pt.scribd.com/doc/34948771/ Revista do Instituto Humanistas Unisinos – http://www.ihu.unisinos.br/ International rivers – http://www.internationalrivers.org/ Repórter Brasil – http://www.reporterbrasil.org.br/ PAC – http://www.brasil.gov.br/pac/ BNDES – http://www.bndes.gov.br Empresa de Pesquisa Energética – http://www.epe.gov.br/ Carta Capital – http://www.cartacapital.com.br/ Agência Brasil – http://agenciabrasil.ebc.com.br/ Agência Estado – http://www.estadao.com.br/ Uol Notícias – http://noticias.uol.com.br/ O Globo – http://oglobo.globo.com/ G1- 29/12/2010 – http://g1.globo.com/ Blog do Planalto – http://blog.planalto.gov.br/ Portal Brasil – http://www.brasil.gov.br/pac Ministério da Fazenda – http://www.fazenda.gov.br/ Petrobras – http://www.petrobras.com.br/pt/ Ceste – http://www.uhe-estreito.com.br/ Wikipédia – http://pt.wikipedia.org/wiki/Usina_Hidrel%C3%A9trica_de_Furnas Energia Sustentável – http://www.energiasustentaveldobrasil.com.br/

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 197

| 197

9/2/11 12:54 PM


198 |

Livro1_60anos_GRAFICA.indd 198

9/2/11 12:54 PM


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.