Morar, trabalhar, consumir

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Novos empreendimentos imobiliários trabalham com o modelo de minicidade e oferecem aos compradores a possibilidade de ter escritório, apartamento, spa, shopping e espaço zen no mesmo lugar. Basta pegar o elevador

Morar trabalhar

cons umir Texto PEDRO FERNANDES pfernandes@grupoatarde.com.br Fotos REJANE CARNEIRO rcarneiro@grupoatarde.com.br Colaboração MÁRCIA FERREIRA LUZ mluz@grupoatarde.com.br


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azer você trocar o automóvel estacionado em engarrafamentos pela velocidade constante de um elevador é a nova visão do futuro para o mercado imobiliário. Projetos de condomínios que agregam moradia, trabalho e consumo num mesmo lugar pipocam pela cidade e tornaram-se o novo sonho da classe média. O primeiro a ser lançado em Salvador foi o Mundo Plaza, há cerca de um ano e meio. Assim que apareceu, a publicidade falava em novo modo de vida adotado por grandes metrópoles. Nova York, Tóquio e Salvador, finalmente, em pé de igualdade. Hoje, há pelo menos cinco complexos imobiliários na cidade em diferentes estágios. Só na Avenida Tancredo Neves, três versões desse novo sonho se plasmam nas vigas e colunas que já se erguem do Mundo Plaza, da Odebrecht, e nos chamados "decorados" do Downtown Salvador Shopping, da Andrade Mendonça, e do Salvador Prime, da Syene. Além dos nomes pomposos em língua estrangeira, esses empreendimentos têm, em comum, a mesma filosofia e justificativa para suas existências. Morar perto do trabalho é uma necessidade dos nossos dias, uma forma de fugir do trânsito e do caos das grandes metrópoles e, principalmente, da violência. A promessa é de felicidade garantida com a possibilidade de sair de casa pela manhã e, em cinco minutos, estar no trabalho, sem atraso, sem estresse. "Tendência, tendência, tendência". Parece mantra. Executivos, diretores de marketing e arquitetos das construtoras não cansam de repetir a palavra. Para o arquiteto Antônio Caramelo, autor do projeto do Salvador Prime, a idéia é criar minicidades dentro da cidade.

MANDARIM SALVADOR SHOPPING

Apartamentos de 43m2 a 133m2 de R$ 163mil a R$ 527 mil DOWNTOWN SALVADOR SHOPPING BUSINESS

Salas de 30m2 a 50m2 de R$ 120mil a R$ 236 mil ITENS

Espaço Zen, caminho sobre seixos na água, gazebo gourmet, banho de imersão com jatos d‘água

Ele justifica a necessidade de se ter quase tudo concentrado num mesmo local fazendo contas. “Por dia, perde-se pelo menos duas horas no trânsito de Salvador. No fim do mês, perdeu-se quase dois dias inteiros só no engarrafamento”. No caso da Avenida Tancredo Neves, que ele chama de "Wall Street de Salvador", a concentração de negócios e serviços é o principal atrativo para construtores e clientes. Para compensar e não piorar o tráfego já complicado na avenida, a Syene construirá uma rua que liga o Shopping Salvador ao Salvador Prime e uma passarela. Na visão de Walter Barretto Jr., presidente da Associação dos Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário da Bahia (Ademi-BA), concentrar tudo num só lugar diminui a necessidade de deslocamento das pessoas, o que traria benefício para o trânsito da cidade.

CRESCIMENTO Não exatamente de tendências vive o mercado, mas da lucratividade que elas trazem. No primeiro trimestre deste ano, a Bahia viu as vendas crescerem de modo bastante animador. A Ademi-BA divulgou uma pesquisa que aponta para um crescimento de 200,78% no primeiro trimestre deste ano em relação ao mesmo período do ano passado. Se, em 2007, foram comercializadas 1.025 unidades, em 2008 o número chegou a 3.083. A expectativa é que, até o final do ano, sejam vendidas mais 12 mil unidades. "O mercado imobiliário nunca passou por uma fase de crescimento como a que estamos vivenciando", diz Barretto. O estudo aponta ainda que 40% dos imóveis vendidos tinham valor entre R$ 125 mil e R$ 250 mil. O que mostra que a classe média tem sido a principal compra-

dora. Os imóveis acima de R$ 250 mil representaram 23% das vendas no período. Todos querem uma fatia desse mercado. Quem presta atenção, a cada dia descobre um outdoor diferente a oferecer "um novo conceito em morar com elegância e comodidade". O próximo a ser lançado é o Manhattan Square, da OAS/Gafisa, na Avenida Paralela, que já se vende como uma "ilha de sofisticação". Inspirado na cidade de Nova York, o complexo tem duas torres residenciais e uma comercial com os nomes dos bairros Tribeca, Soho e Wall Street. É claro que a área verde do condomínio com trilhas para caminhadas só poderia se chamar Central Park.

JOVENS Para atingir a expectativa de vendas para este ano, a aposta das construtoras é num tipo de comprador mais jovem, com uma vida movimentada e que não quer perder muito tempo. Percebe-se isso pelo tamanho dos apartamentos, bastante compactos (alguns quartos-e-salas não passam dos 50m2). De acordo com a Ademi, as unidades que mais venderam foram as de 2 quartos (39%) o que indica que não são grandes famílias as maiores investidoras do setor. Antônio Andrade Júnior, da Cyrela Andrade Mendonça, afirma que o público-alvo desses empreendimentos são pessoas solteiras ou recém-casados e sem filhos. Para atraí-los investe-se nos tais itens de lazer. Há quem ofereça até 50 deles. Foi-se o tempo em que ter piscina, quadra de esportes e salão de festas no prédio era luxo. Agora, espaço gourmet, spa, fitness center, espaço zen, business center viraram produtos recorrentes nessas construções. Foram eles que ajudaram a convencer a publicitária Priscila Cardoso, 37, a comprar

«É um investimento. As áreas onde construir no centro comercial de Salvador estão acabando» Roberto Alexandre de Carvalho, 37, oftalmologista

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um quarto-e-sala no Garibaldi Prime, da Arc Engenharia. “O que me levou a escolher o imóvel foi a localização. Além disso, terá academia, piscina, espaço gourmet e vista para o mar. Também me influenciei pela a varanda. Já me vejo dentro dele". Apesar dessa quantidade de novos penduricalhos, Giese Nascimento Filho, engenheiro civil, arquiteto e chefe de gabinete do Crea-BA, acredita que há pouca inovação real nesta área. “Há uma padronização dos empreendimentos, com plantas similares em sua maioria e uma tendência a absorver o que é feito nos Estados Unidos e na Europa”. Há também os chamados serviços pay per use (pague para usar), como lavande-

EM CASA E NO ESCRITÓRIO Em sentido horário: piscina e loft decorado do Mandarim Salvador Shopping e fitness center e piscina coberta do Salvador Shopping Business

ria, pet care, locadora de vídeo e delicatessen dentro dos condomínios. É como se o residencial funcionasse como um flat. É só solicitar o serviço de uma arrumandeira e a taxa é cobrada junto com o boleto de pagamento do condomínio. Outro jeito de fisgar o comprador é com os "decorados". Os estandes de vendas feitos de vidro e cercados por palmeiras, grama, passarelas de madeira e laguinhos artificiais são a cartada final dos construtores. Lá dentro, amostras em tamanho real de apartamentos com uma decoração moderna e caríssima são apresentadas ao potencial comprador. A vontade que dá é a de se mudar para um dos cenários imediatamente. Depois disso, os clientes sentam-se numa grande área cheia de mesas que mais parece um restaurante e são atendidos pelos vendedores. Garçons circulam e, gentis, oferecem água, café, refrigerante. Junte a esse clima prazos de até 25 anos e suaves prestações e você tem uma venda praticamente garantida. O feirense Constantino de Azevedo, 29, foi um dos que se deixou

«O que me levou a escolher o imóvel foi a localização. Também me influenciei quando vi a varanda. Já me vejo dentro dele» Priscila Cardoso, 35, publicitária

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seduzir por este canto da sereia imobiliária. Comerciante, solteiro, vive viajando. Comprou uma unidade no Salvador Prime para ter um lugar para chamar de seu quando estiver na cidade. "Estava a procura de um imóvel e meu primo me levou para conhecer o stand". Gostou da estrutura, dos serviços e fechou negócio. Alan Quintela, 27, arquiteto, comprou com a noiva um quarto-e-sala no Mundo Plaza e quando as chaves lhe forem entregues, em 2010, pretende alugar uma sala no Mundo Empresarial. "Hoje não existem mais horários sem engarrafamentos em Salvador, está cada vez mais difícil. Outro motivo que me fez fechar a compra é que será fácil alugar ou vender o imóvel“.

MUNDO RESIDENCIAL

Apartamentos de 44 m2 até 107,60 m2 R$163 mil a R$ 420 mil MUNDO EMPRESARIAL

Salas de 29,90m2 a 360m2 R$ 120 mil a R$ 1,5 milhão ITENS

Sala de projeção de cinema, spa com sala de massagem, sauna e relaxamento

BOM NEGÓCIO Logo outros modelos virão, garante Antônio Caramelo. No complexo Downtown, integrado ao Salvador Shopping, foram colocados à venda primeiro os apartamentos do Mandarim, indicados para o público mais jovem, para depois lançar o Varanda, voltados para famílias maiores. As diferenças notam-se logo nas fachadas dos dois edifícios. O primeiro é arrojado, modernoso, o outro é mais tradicional. No escritório de arquitetura de Caramelo, há pelo menos cinco outros empreendimentos desse tipo em fase de estudo. Não se sabe ainda onde, nem quando, mas o arquiteto revela que a Odebrecht

tem planos para um outro complexo com 12 torres. Mais ele não entrega por força de contrato. Aproveitando o filão, há quem compre apartamentos e salas comerciais para alugar ou vender mais tarde com lucro. Na opinião de quem está por dentro do negócio, Antônio Andrade Júnior vê o aluguel como uma boa fonte de renda para o comprador. “Quem comprar agora terá uma boa rentabilidade”, aconselha. É o caso do oftalmologista Roberto Alexandre de Carvalho, 37, que comprou algumas salas no Mundo Plaza Business. Quantas ele prefere não dizer para ninguém ficar de olho. “É um investimento. As áreas onde construir no centro comercial

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de Salvador estão acabando e a tendência é a valorização”. O administrador de empresas Leonardo Almeida, 26, comprou um quarto-e-sala no Salvador Prime e pretende moral lá. Mas não descarta a possibilidade de transformar a compra em investimento. "Se valorizar, posso vender e ter um retorno maior".

SEGREGAÇÃO Mas será que transformar o elevador em principal meio de transporte é mesmo uma solução? Pensando do ponto de vista individual, sim, mas os engarrafamentos não vão deixar de existir. Ao menos é o que indica o crescimento da indústria automo-


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bilística que teve nos primeiros cinco meses de 2008 um aumento nas vendas de 26,42%. São quase dois milhões de carros a mais nas ruas do Brasil. Para Giese Nacimento Filho, com a concentração desses empreendimentos num mesmo lugar, como é o caso da Avenida Tancredo Neves, haverá um aumento das demandas de infra-estrutura e tráfego no local. “É preciso que haja um ordenamento não apenas socioeconômico, mas um investimento maior e específico no sistema viário”. Já no âmbito social da questão, o impacto seria de outra ordem. O arquiteto Gilberto Corso, que coordena uma pesquisa na Universidade Federal da Bahia sobre segregação e ocupação geográfica de Salvador, considera que concentrar as atividades cotidianas no mesmo ambiente “talvez seja a segregação levada à última conseqüência". O estudo desenvolvido há cerca de quatro anos reconhece que a separação entre classes sociais não é uma novidade, mas ainda assim as pessoas com mais dinheiro nunca deixaram de circular pela cidade. Entretanto, com esses novos condomínios, Corso crê que seus moradores perderão, ainda mais, o contato com a cidade. "Serão microcomunidades. Isso resolve um problema individual, mas não o todo". Giese acredita que este conceito de condomínio com tudo dentro pode gerar ou intensificar o isolamento das pessoas por não contribuir para as atividades coletivas. ”Nem sempre quem reside, trabalha no mesmo local. Da mesma forma, quem trabalha nessas torres, não necessariamente, reside nelas“. Assim, o que parece a solução para todos os problemas modernos pode resultar em nada e os moradores desses condomínios continuarão presos em engarrafamentos depois do trabalho.

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Financiamento para a classe média

SALVADOR PRIME RESIDENCIAL

Apartamentos de 42,15 m2 a 72 m2 a partir de R$ 168 mil a R$ 272 mil SALVADOR PRIME BUSSINES

Salas de 35,40m2 a partir de 155 mil ITENS

Boate, kids club, adega, espaço mulher, quadras de squash, golf

Na página à esqueda, Alan Quintela, 27, que investiu no Mundo Plaza

AGRADECIMENTO Ao modelo Lucas Correia, que está nas fotos desta edição, ao Salvador Trade Center e à loja Bilbao (Shopping Salvador e Rua Sabino Silva, Apipema)

O crescimento experimentado pelo mercado imobiliário este ano não teria sido o mesmo sem o acréscimo de R$ 3 bilhões para financiamento de habitação por meio do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Ao todo são R$ 8,4 bilhões. Este ano, a Caixa Econômica Federal também ampliou o prazo de pagamento de 20 para até 30 anos. A entrada do Banco do Brasil no ramo de crédito imobiliário também é uma causa desse crescimento. Este ano o banco reservou R$ 2 bilhões para financiamento de imóveis com valor inferior a R$ 350 mil. Como a maioria dos interessados não tem como pagar à vista, o jeito é financiar. A operação é feita tanto através dos bancos quanto diretamente com as incorporadoras. Para conseguir um ou outro depende da comprovação de renda e é fundamental estar atento às taxas de juros. O gerente regional de habitação da Caixa Econômica Federal, Adelson de Araújo Prata, assegura que as duas formas são garantidas. A diferença é a cobrança dessas taxas. Enquanto um banco como a Caixa cobra entre 5,5% e 11,5% ao mês, as incorporadoras chegam aos 12%. "Isso é definido pelo valor do imóvel ou pelas condições do próprio cliente, se ele tem outro financiamento ou imóvel", explica. Uma dica de Adelson para quem está pensando em financiar um imóvel pela primeira vez é prestar atenção no histórico da construtora e analisar se existe um banco por trás, financiando aquela obra. "No caso dos empreendimentos financiados pela Caixa, exigimos um seguro de término da obra". Para comprar na planta essa garantia é fundamental. «


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