Ainda posso ser Feliz

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Copyright©2016 por Adalberto da Silva Fagundes Todos os direitos reservados por: A. D. Santos Editora Al. Júlia da Costa, 215 80410-070 Curitiba – Paraná – Brasil +55(41)3207-8585 www.adsantos.com.br editora@adsantos.com.br

Capa: Rogério Proença Editoração: Manoel Menezes Coordenação Editorial: Priscila Laranjeira Impressão e acabamento: Gráfica Exklusiva

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) FAGUNDES, Adalberto da Silva AINDA POSSO SER FELIZ / Adalberto da Silva Fagundes – A.D. Santos Editora, Curitiba, 2016. 136 Páginas. ISBN – 978.85.7459-401-9 1. Aconselhamento – Cristianismo  2. Vida Espiritual  I. Título CDD: 152.46 1ª edição: Outubro de 2016. Proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios a não ser em citações breves, com indicação da fonte.

Edição e Distribuição:


Dedicatória

Dedico esta obra ao meu Criador que é meu dono por duas vezes, a primeira por me criar e depois por me resgatar da perdição. À Edna que há quase três décadas têm sido minha esposa, amiga, companheira e parte de mim mesmo. Aos meus filhos: Natália, Priscila, Beto e ao meu genro Rafael. Dedico aos meus avós que hoje já voltaram para a Casa do Pai. Aos meus pais, Rosalvo e Nilma. Aos meus irmãos, Adilson e Cristiane. A todos os meus familiares que me ajudaram a ser o que me tornei. Dedico à Primeira Igreja Batista em Birigui que me ensinou a ser persistente, paciente e tolerante, apesar de eu ser como sou.

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Agradecimentos

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gradeço a Deus por me mostrar quem sou, por que existo e para onde vou.

Ao Dr. Han Woo Lee pelas oportunidades a mim concedidas na área do ensino. Deixo registrada minha gratidão a todos que até agora passaram por minha vida e outros que em tempo oportuno passarão. Estendo meus agradecimentos àqueles que, por alguma razão desfrutei do privilégio de poder contribuir, de alguma forma, na amenização e na busca da solução dos desafios que fizeram com que nossas trilhas se cruzassem. Agradeço à AD Santos Editora que me oferece a oportunidade da publicação deste texto. Por fim, aos meus mestres que dividiram comigo o conhecimento que adquiriram durante a vida; por falar em vida, agradeço à Vida personificada em Jesus Cristo.

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Prefácio

ocê já pensou que pode construir a sua felicidade? Que ela é possível e está ao seu alcance? Talvez não, mas agora com o livro de Adalberto Fagundes, teólogo, mestre e doutor em Divindade pela Cohen University Theological & Seminary, em suas mãos, você aprenderá algumas lições essenciais para a construção da felicidade na sua vida.

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Nesta apresentação eu me lembro de um psicólogo por quem tenho simpatia, Pete Cohen. Para ele, a felicidade pode ser resumida numa fórmula: P + (5xE) + (3xH). Não, não desista de ler. É fácil de entender. Essa equação pode ser traduzida assim: “P” são as pessoas. As características pessoais incluem a adaptabilidade, a capacidade de manter a esperança, a fé diante das adversidades, e as perspectivas de vida. A este “P”, que somos nós, se somam aspectos existenciais, como as amizades, a estabilidade financeira e a saúde (E). A autoestima, as expectativas, o senso de humor e os sonhos (H) também estão presentes, mas em menor escala. Segundo Pete Cohen, não sabemos muito bem o que é a felicidade. Achamos, na maioria dos casos, que ser feliz é ter um carro do ano, muito dinheiro ou uma mansão. Mas, ter coisas não faz uma pessoa mais feliz do que aquela que vive a vida com intensidade. vii


Por isso, o apóstolo Paulo nos ensina que devemos mudar nossa maneira de pensar. “Deixem que Deus os transforme por meio de uma completa mudança da mente de vocês. Assim, vocês conhecerão a vontade de Deus, isto é, aquilo que é bom, perfeito e agradável a ele” Romanos 12.2. Buscar a felicidade implica mais que nada em mudar nossa maneira de ver o mundo. A felicidade também tem que ser aprendida, cultivada e valorizada. Mas, para se viver a felicidade é preciso experimentar também circunstâncias e emoções adversas, como a tristeza, por exemplo. Quando você busca a felicidade deve superar desafios, conhecer suas limitações e tirar da vida aquilo que ela oferece de possibilidades. Devemos então, mais uma vez, mudar a maneira de ver o mundo, e mudar também a nossa maneira de viver. Jesus disse que não devemos ficar “preocupados com o dia de amanhã, pois o dia de amanhã trará suas próprias preocupações. Para cada dia bastam suas próprias dificuldades” Mateus 6.34. Essas lições fundamentais você encontrará neste texto do professor Adalberto Fagundes. Aliás, ele não é somente um teórico, mas um homem de fé que aprendeu a construir a felicidade com a travessia de momentos duros e difíceis. Filho de migrantes do sul da Bahia, que partiram para São Paulo fugindo da fome, fez durante trinta e um dias o caminho do êxodo viajando em pau-de-arara. Por isso, quando ele diz “negar-se a mudar é o mesmo que negar o processo natural do desenvolvimento do indivíduo”, nós acreditamos. E quando nos ensina que “os que sofrem da síndrome de Gabriela apresentam um viii


tipo de deformidade e constroem um mundo sem perspectiva de desenvolvimento, mergulham num ostracismo, confinando sua vida em um gueto pessoal sem saber que há um mundo lá fora cheio de conhecimentos capaz de contribuir positivamente na construção das mudanças necessárias que nosso ser precisa e carece para se desenvolver”, nós acreditamos. Para Adalberto Fagundes, o dilema de ficar como está ou decidir mudar, foi magnificamente exposto pelo poeta Fernando Teixeira de Andrade, quando disse, “há um tempo em que é preciso abandonar as roupas usadas, que já tem a forma do nosso corpo, e esquecer os nossos caminhos, que nos levam sempre aos mesmos lugares. É o tempo da travessia: e, se não ousámos a fazê-la, teremos ficado, para sempre, às margens de nós mesmos”. Ou seja, “abrir-se para as mudanças e acreditar que elas são tangíveis é sinal de crescimento, este será acompanhado pelo medo, entretanto a presença do medo, que é natural, pode ser controlado e visto mais como prudência e menos como um elemento determinante e impeditivo à mudança tão necessária. É necessário mudar, é preciso rever as coisas é pertinente olhar para frente, fazer as pazes com o passado e acreditar que, se lutarmos por mudanças, elas serão alcançadas, assim como já foi dito. Veja a intensidade que Martim Luther King Jr. empregou naquilo que acreditava que precisava mudar: ‘Se não puder voar, corra. Senão puder correr, ande. Se não puder andar, rasteje, mas continue em frente de qualquer jeito’”. E tal realidade me traz à memória um poema que escrevi em Florença, terra de artes e revoluções. ix


Sejamos felizes! Por que eu tenho que escrever tudo? Tudo? Não tudo! Tudo é muita coisa! Talvez apenas sobre Florença no dia depois da festa de São Pedro em Roma Faz calor, quase quarenta Claire Tenet, soprano, grazie, sonhos de imagens sobre os sons da velha Igreja Via Por Santa Maria, ponte Vecchio Fagotes abrindo o caminho para violinos, sinfonia Prokofiev nº 7 O ombro é tocado por um anjo que me diz desperta do sono sem acordar as folhas ao redor Os tubos em um crescendo O corpo pesa o peso e acho que abrucezzo Isso é tudo? Tudo é muita coisa! Dante, onde está Dante? Está aqui, voou com seus amigos para dentro de nossas almas em um amanhecer mineiro Sangram os sonhos greco-latinos, sonhos possuídos pelo violoncelo sem limites Os sons sāo sinos da noite E viva Florença Augusta e bela E assim chegamos, como diz Adalberto Fagundes em seu livro, “ao ponto onde ficou claro que estamos num processo de mudanças. Inclusive o que pensamos de nós x


mesmos, que por sua vez, é uma das auto reflexões mais importantes de devemos nos submeter. Isto posto, justifica o provérbio bíblico utilizado no início deste capítulo: “...como ele pensa consigo mesmo (ou de si mesmo), assim ele é.” (Provérbios 23.7a). Como você se vê? Você se vê um ser completo? Em transformação? Pois é! O ponto de partida da grande virada em nossa vida é sermos apresentados a nós mesmos, onde realmente estamos e, o quê, de fato pensamos de nós mesmos”. Li e recomendo. Vocês vão crescer, verão as possibilidades da felicidade a cada manhã, pois o maior mal de cada dia é não entender que o dia de hoje é um dia novo. Todas as possibilidades se fazem novas ao raiar deste novo dia. Venham aprender a viver nesta eletrizante leitura. E vamos, assim, juntos abrir a vida para os milagres do Eterno a cada novo dia. Do professor e amigo, Jorge Pinheiro.

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A opinião de quem leu antes...

AINDA POSSO SER FELIZ... é um livro que pretende ser mais uma luz nessa caminhada que nunca termina. Deus está sempre nos desafiando para o novo, amar-se a si mesmo é o começo de um romance para toda a vida, esse amor é uma atitude pessoal no modo de pensar, e a felicidade eterna acontece quando reavaliamos nossa maneira de viver conosco mesmo e em Deus. Ivone Fiumare Monteiro (Psicóloga Clínica) ...é um livro em que a leitura é altamente agradável e ao mesmo tempo de grande teor reflexivo. Em vários momentos nos encontramos coparticipantes do mesmo e passamos a enxergar que as armas e os meios para se alcançar a tão sonhada felicidade estão escondidas dentro de nós mesmos. Silvia Maria Prates (Pedagoga com especialização em Educação Inclusiva) A proposta deste livro é desafiadora para o leitor que sinceramente espera encontrar a esperança que se perdeu em algum ponto de sua caminhada. AINDA POSSO SER FELIZ aponta para a realidade de que a dor, a lágrima e a aflição que concorrem para o consequente esvanecimento xii


das perspectivas só poderão ser aceitas quando compreendidas à luz de suas origens e uma vez admitindo que tais sintomas contribuem para o crescimento humano, este terá o seu ápice no encontro identificador com a pessoa de Jesus, libertador eficaz de todos os traumas que transtornam a vida e os sonhos dos homens. Alcidir Aparecido da Silva (Pastor) Inteligente, estudioso e observador Adalberto da Silva Fagundes nos lega preciosas reflexões em AINDA POSSO SER FELIZ. Dirigido por suas convicções religiosas e inteiramente convencido de sua eficácia, expõe os meandros dos nossos desencontros existenciais e, finalmente, aponta para o lugar onde podemos encontrar a verdadeira felicidade. Estou certo que todos quantos vierem a ler este livro passarão a ver o sofrimento por outro prisma. Gilson da Hora Silva (Pastor) “As palavras de Jesus no evangelho de João 16:33 sintetizam o conteúdo deste livro, em virtude caos estabelecido de forma geral em nossa sociedade. O autor foi muito feliz ao apresentar este cenário caótico. Recomendo a leitura pelo fato de que somente através de Jesus o homem pode encontrar o sucesso, a vitória nas lutas. Fato muito bem abordado pelo autor”. Wilson Luiz Estella (Pastor) xiii


A dor faz parte do sofrimento e complementa o processo de transformação da vida. Costumo trazer a memória um exemplo simples da criação de Deus: o besouro, que para trocar sua casca dói, sangra e o desconforto o acompanha, porém quando a velha casca cai e vem a nova, ele se depara com a realidade de um novo, que só foi possível após passar por este processo doloroso. Interessante, não? Mas, é fato, desde que haja vida temos lutas e vitórias, com a esperança de que ainda podemos ser felizes. Em “Ainda posso ser feliz” você encontrará orientações para que a felicidade seja mais que uma possibilidade, seja uma realidade. Ariane Youssef (Administradora de Empresas)

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Sumário

Dedicatória........................................................................................ iii Agradecimentos................................................................................. v Prefácio............................................................................................. vii A opinião de quem leu antes......................................................... xii Introdução........................................................................................ 17 Capítulo 1........................................................................................ 19 1.1 A realidade do sofrimento na vida humana..................... 21 1.2 A necessidade da experiência do sofrimento................... 22 Capítulo 2........................................................................................ 33 2.1 O presente foi construído no passado.............................. 34 2.2 O futuro é construído do presente.................................... 35 2.3 Aceitar a realidade é acertar no futuro.............................. 37 2.3.1 Aceitar a realidade é sinal de crescimento.................. 37 2.3.2 Decidir mudar a realidade é crescer............................ 39 2.3.3 Decidir mudar a realidade é lição de vida................... 40 2.3.4 Realidade trabalhada: futuro de sucesso .................... 41 2.4 Entendendo o passado........................................................ 42 2.4.1 Trabalhando o passado no presente............................ 44 2.4.2 Perdoando o passado.................................................... 48 Capítulo 3........................................................................................ 53 3.1 Conformado ou com medo de mudar?............................ 54 3.1.1 Mudar: parte do desenvolvimento do ser.................. 56 xv


3.1.2 Autoestima: uma joia em nosso ser............................. 59 3.1.3 Investindo na autoestima.............................................. 62 3.2 Autoestima em processo de reconstrução........................ 64 3.2.1 Nada acontece da noite para o dia.............................. 65 3.2.2 Redescobrir o entusiasmo pela vida ........................... 68 Capítulo 4........................................................................................ 73 4.1 Conhecendo um pouco de nossa raça ............................. 74 4.1.1 No Início um divórcio com a vida.............................. 74 4.1.2 Separação da comunhão entre o homem e Deus..... 75 4.1.3 Quebra de comunhão do homem para com o homem................................................................................... 80 4.1.4 Quebra de comunhão do homem para com a natureza.................................................................................. 84 4.1.5 Quebra da comunhão do homem consigo mesmo....................................................................................... 88 4.2 O caos tomou conta da criação.......................................... 94 Capítulo 5...................................................................................... 101 5.1 O quebra-cabeça................................................................. 102 5.1.1 Peça fora do lugar perde a razão de ser.................... 103 5.1.2 Currículo humano do escolhido de Deus................ 106 5.1.3 Currículo divino do escolhido de Deus.................... 111 5.2 Montando o quebra-cabeça.............................................. 115 5.2.1 Separando os papéis.................................................... 115 5.2.2 Encaixando os papéis.................................................. 119 5.2.3 Quebra-cabeça montado............................................. 121 Conclusão....................................................................................... 127 Para refletir..................................................................................... 131 Bibliografia..................................................................................... 135 Sites da internet............................................................................. 136 xvi


Introdução

endo em vista a grande necessidade de se encontrar o verdadeiro sentido da vida e, consequentemente, recuperar o brilho de viver, proponho a leitura deste livro onde você encontrará princípios e condutas de pessoas comuns como nós que não se conformaram com suas histórias e reverteram a situação a partir de uma nova forma de perceber a vida.

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Nem sempre notamos que o mundo em que fomos criados mudou. As crianças de hoje não brincam mais com os mesmos brinquedos que brincávamos quando éramos crianças; o modelo de família, nem se fala. Há poucos anos atrás as famílias eram orientadas pelos pais que, mesmo ficando pouco tempo com seus filhos, tinham um elo forte que os ligava; hoje em virtude da própria dinâmica do mundo pós-moderno, ou seja, período em que cada um corre atrás da sua própria verdade1 a distância entre eles ficou maior. Entender o mecanismo e a forma com que as coisas se apresentam é parte importante do todo. Pense em alguém doente que no início da semana procurou um médico. Antes de mais nada, durante a consulta, o profissional da saúde entrevista o paciente procurando entender sua história, perguntando coisas como: onde dói? O que você 1

MACARTHUR JR, John – Princípios para uma Cosmovisão Bíblica, São Paulo, Ed. Cultura Cristã, 2003, p.19.

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está sentindo? Você foi a alguma festa no fim de semana? Você comeu algo diferente nos últimos dois dias? Desde quando está se sentindo mau? Esta parte preliminar da consulta nada mais é do que o médico tentando entender o passado mais remoto do paciente, procurando identificar as últimas mudanças em que o paciente esteve envolvido, a fim de compreender o presente momento, e, de forma prudente, diagnosticar a enfermidade para assim prescrever a medicação adequada. É um desafio pessoal entendermos nossa história se realmente queremos construir um futuro melhor. O bem-estar e a felicidade não são obras do acaso, eles são construídos paulatinamente e refletem a benesse ou a nocividade da somatória das decisões que tomamos durante a vida, na verdade, tudo que plantamos haveremos de colher. Você pode realinhar sua vida e escrever uma nova história, basta entender alguns princípios, considerá-los, focar sua atenção em seus objetivos, trabalhar como se tudo dependesse de você e esperar com paciência, pois os resultados sempre dependem de Deus. Meu sincero desejo é que no fim da leitura você seja enriquecido pelos exemplos apresentados neste livro e esteja pronto para decidir sobre as mudanças que pretende para sua vida ou se continuará no conforto de seu status quo2. Boa leitura!!

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“Manter o estado atual das coisas”, de forma geral em documentos e textos emprega-se a expressão “manter o status quo”. Se você pretende mudar tal situação, você pretende mudar o status quo. http://www.infoescola.com/curiosidades/status-quo/

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Sofrimento e crises são oportunidades de crescimento, pois à luz da experiência da borboleta, quanto mais ela sofrer para passar pelo orifício, mais limpa da experiência anterior ela ficará e mais preparada para enfrentar a vida que acabou de chegar.



Capítulo

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“As tristezas não foram feitas para os animais, mas para os homens; mas se os homens as sentem muito, tornam-se animais” 3

unto com você quero pensar sobre o sofrimento! Quem é aquele que nunca viveu um período na vida marcada pelo sofrimento? Pode o sofrimento ser visto como sendo importante para o desenvolvimento humano? É possível aprender alguma coisa com o sofrimento? Estas e outras perguntas creio que já passaram na mente da maioria das pessoas que se dizem normais.

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1.1 A REALIDADE DO SOFRIMENTO NA VIDA HUMANA O sofrimento é real e quando chega nos arrebata para um mundo que parece que o pessimismo passa a ser nosso companheiro, nesse momento o sol parece não bri3

Miguel de Cervantes (escritor espanhol, 1547-1616), Dom Quixote

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lhar mais, o amor fica pálido e a esperança se transforma num elemento presente só nos filmes e novelas e, diferente do dito popular, a esperança costuma ser a primeira que morre. É possível aprender Algumas pessoas reagem ao sofrialguma coisa com o mento entregando-se a ele, outras sofrimento? perdem o desejo de viver e desistem da vida, vivem por viver, mas deixam de sonhar, ao passo que nossos sonhos e novos projetos são responsáveis pela alegria de nos sentirmos vivos. Há aquelas que acreditam que podem fugir do sofrimento e buscam em vícios e coisas do gênero uma forma de criar outra realidade; entretanto só pioram as coisas construindo uma realidade paralela pior do que o sofrimento original instalado no primeiro momento.

1.2 A NECESSIDADE DA EXPERIÊNCIA DO SOFRIMENTO Uma pergunta salutar que nos ajuda a entender o sofrimento seria: É possível aprender alguma coisa com o sofrimento? A resposta a esta pergunta pode variar de pessoa para pessoa, contudo posso afirmar com toda certeza que na experiência do sofrimento podemos aprender muitas coisas, porque sempre depois do sofrimento nossa maturidade e experiência pessoal aumentam e o solo de nossa existência fica preparado para nascer algo novo, belo e forte. O americano do mundo corporativo William Bridges (1933-2013) depois de sobreviver várias crises e sofrimentos na América do Norte, concluiu que: “Os tempos de sofrimento são tempos de aprendizado”. Em uma estrofe do poema épico francês de nome La Chanson de Roland 22


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que narra o final heroico do Conde Rolando, sobrinho de Carlos Magno, fica refletido que: “Quem muito sofreu muito aprendeu” 4. Como é bonita a percepção de sofrimento visto pela perspectiva de alguém que já esteve cara a cara com ele; notem outra conclusão de quem passou por uma guerra e sobreviveu, vejam o que o poeta norte americano deixa para refletirmos: “A alma não teria arco-íris se os olhos não tivessem lágrimas” John Vence Cheney (1848-1922). As argumentações que tenho apresentado não é para promover o sofrimento, mas tentar devolver a ele a imagem, de que, sem ele não teríamos chance de nos desenvolvermos completamente, ele em si não é uma companhia agradável e “A alma não teria ao mesmo tempo cobiçada, mas sua arco-íris se os presença favorece muitas oportuniolhos não tivessem dades de crescimento. lágrimas.” (John O sofrimento quando visto por Vence Cheney) uma ótica otimista oferece para as pessoas uma oportunidade de descobrirem verdades sobre si mesmas escondidas nesta experiência. O sofrimento revela muito sobre nós mesmos; é através dele que notamos nossas limitações mais íntimas; é na experiência do sofrimento que aprendemos a importância das pessoas e dos relacionamentos. É na situação de sofrimento que ficamos sensíveis e valorizamos mais a vida, a convivência, a família, os amigos, o trabalho, os estudos, os relacionamentos, etc. Valores egoístas tendem a ser minimizados quando no sofrimento enxergamos novos horizontes e onde realmente estamos em relação a eles. O sofrimento, a dor, as tribulações que 4

https://pt.wikipedia.org/wiki/A_Can%C3%A7%C3%A3o_de_Rolando

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compõem o quadro refletido até agora, precisam ser bem reavaliados para não perdermos oportunidades singulares de transformação entre a fase vivida e a que está às portas para ser vivida. O fim de um sofrimento é prenúncio da nova etapa que está se mostrando, penso que o mais importante no sofrimento não é o passar por ele, mas sim em que estado saímos dele depois da experiência com ele; sobre a experiência do sofrimento veja o que o escritor Henry Miller (1891-1980) considerou: “Se chamares experiências às tuas dificuldades e recordares que cada experiência te ajuda a amadurecer, vais crescer vigoroso e feliz, não importam quão adversas pareçam as circunstâncias”.

O sofrimento é necessário para nosso desenvolvimento e manutenção do nosso ser. Em linha gerais considere comigo quais seriam as chances de sobrevivência de uma pessoa que estivesse sofrendo de uma úlcera já estuporada, e a mesma, não provocasse nela nenhum tipo de dor? Uso nesta hipótese a dor como sendo a “personificação” do sofrimento. A dor, via de regra, produz desconforto que não gostamos e não suportamos, contudo sem ela o paciente no quadro citado, não teria a mínima chance de ser submetido a tratamento nenhum que culminasse na cura; a dor é para o paciente o mesmo que uma roupa apertada é para o corpo, ou seja, sinal de que há alguma coisa precisando de atenção, como bem ponteou o padre anglicano G. A. Studdert Kennedy (1883-1929) ao refletir sobre a falta de atenção em relação ao sofrimento: “Se alguém não se importa com o problema do sofrimento, isto se deve a uma razão entre as duas: ou tem o coração duro ou é cabeça dura”. Acredito que a partir daqui começa a ficar 24


Capítulo 1

um pouco mais claro que os desconfortos causados pelo sofrimento devem ser vistos realmente como uma nova oportunidade de sairmos do estado atual e inaugurarmos outro com mais saúde. Outra forma de perceber que o sofrimento faz parte da vida é notarmos o desconforto vivido por uma borboleta ao sair do casulo. Tudo é muito apertado, desajeitado, muita energia é despendida pela borboleta ao passar pelo orifício que lhe garante uma nova forma de vida. Pensando um pouco na dimensão do orifício diante do corpo da nova vida prestes a nascer, poderíamos dizer que é apertado demais, contudo na verdade não é. O aparente aperto funciona na hora do nascimento como uma membrana ou diafragma, elástico que faz precisamente a limpeza do corpo e asas da borboleta permitindo que o líquido concentrado dentro do casulo permaneça dentro, pois caso contrário, ele sairia junto com o corpo e asas, e, secaria sobre as asas evitando assim que as asas da borboleta se desenvolvessem e a Para muitos, mesma voasse. Sofrimento e crises são oportunidades de crescimento, o aperto e o pois à luz da experiência da bordesconforto, pode boleta, quanto mais ela sofrer para ser sinônimo de passar pelo orifício, mais limpa da sofrimento, para experiência anterior ela ficará e mais outros é uma preparada para enfrentar a vida oportunidade de que acabou de chegar. Para muiser purificado da tos, o aperto e o desconforto, pode forma de pensar e ser sinônimo de sofrimento, para agir do passado.

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Ainda Posso Ser Feliz

outros é uma oportunidade de ser purificado da forma de pensar e agir do passado. O lado negativo do sofrimento reside no fato de que muitos não conseguem reagir de forma adequada diante da realidade, penso que foi neste aspecto do tema que Miguel de Cervantes disse em seu livro Dom Quixote: “as tristezas não foram feitas para os animais, mas para os homens; mas se os homens as sentem muito, tornam-se animais”. Esta forma colocada pelo escritor espanhol aponta para o lado dos que não conseguiram lidar com o sofrimento, fazendo dele seu adversário. A autoconsciência do próprio sofrimento ajuda a diminuir o sofrimento. Pessoas que sofrem não podem sentir pena de si mesmas, elas precisam lutar com as armas que possuem e ao olharem para dentro de si devem buscar razões para saírem da situação; e isto é um exercício que ninguém pode fazer por ela. Foi nesta linha de pensamento que Abraham Lincoln registrou a seguinte frase: não se pode ajudar as pessoas fazendo por elas o que elas devem fazer a si próprias5. “Não se pode ajudar as pessoas fazendo por elas o que elas devem fazer a si próprias.” (Abraham Lincoln ) 5

Ninguém poderia sofrer no lugar da borboleta, a não ser ela mesma. O sofrimento não pode ser visto como um fato que justifique a estagnação da vida a ponto de determinar um novo padrão de comportamento. O comportamento não

RIBEIRO, Lair – O Sucesso Não Ocorre Por Acaso, Editora Leitura, Belo Horizonte, 2002, pag. 36

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pode ser moldado a partir do estado de sofrimento, pelo contrário, um comportamento otimista que confronta o sofrimento produz paulatinamente um sentimento de luta que ajudará a pessoa a mudar o pensamento sobre a situação, colocando-a assim numa posição de equilíbrio acima do problema a ponto de vislumbrar o controle do momento.

O sofrimento não pode ser visto como um fato que justifique a estagnação da vida a ponto de determinar um novo padrão de comportamento.

Um exemplo deste conceito é o caso de alguém que se feriu numa queda de bicicleta onde as escoriações são inevitáveis. Quando o acidentado tem consciência de que não tem controle sobre as dores, e consegue entender que aquela dor vai passar ao passo que o tecido atingido vai sendo cuidado naturalmente durante o processo de reconstrução previsto por Deus em nosso próprio corpo; a vítima exerce um tipo de administração positiva sobre o problema, não se deixando ser consumido pelo sofrimento e muito menos ser induzido a mudar seu padrão de comportamento por causa do sofrimento que em tempo oportuno chegará ao fim. Esta “impotência” sobre o processo natural de recuperação sobre as áreas afetadas fazem-me lembrar as palavras de meu saudoso avô Adelino Gonçalves Fagundes, quando dizia: “ninguém pode fazer o sol nascer mais cedo e ir embora mais tarde”. Isto é sabedoria dos antigos quando souberam entender que diante do que é natural somos passivos e a melhor atitude que nos cabe assumir é deixar as coisas acontecerem naturalmente. 27


Ainda Posso Ser Feliz

O sofrimento em alguns casos especiais funciona como uma forma do Criador evitar que seus filhos se percam dentro da própria natureza. Um caso bíblico, digno de ser citado, foi a experiência do Apóstolo São Paulo narrada na Segunda Carta aos Coríntios, capítulo doze entre os versos sete até o dez. Minha pretensão aqui não é fazer uma exposição teológica do fato, mas sim, apontar que nem sempre o sofrimento pode ser visto como um castigo de Deus. O Apóstolo São Paulo foi um dos homens mais usados por Deus no Novo Testamento e em certo momento, mais precisamente no início de sua carreira, Deus manifesta a magnitude do serviço que estava preste a designar ao Apóstolo, nada menos do que ser seu representante entre os judeus e povos não judeus: “Ananias, porém, respondeu: Senhor, de muitos tenho ouvido a respeito desse homem, quantos males tem feito aos teus santos em Jerusalém; e para aqui trouxe autorização dos principais sacerdotes para prender a todos os que invocam o teu nome. Mas o Senhor lhe disse: Vai, porque este é para mim um instrumento escolhido para levar o meu nome perante os gentios e reis, bem como perante os filhos de Israel; pois eu lhe mostrarei quanto lhe importa sofrer pelo meu nome. Então, Ananias foi e, entrando na casa, impôs sobre ele as mãos, dizendo: Saulo, irmão, o Senhor me enviou, a saber, o próprio Jesus que te apareceu no caminho por onde vinhas, para que recuperes a vista e fiques cheio do Espírito Santo. Imediatamente, lhe caíram dos olhos como que umas escamas, e tornou a ver. A seguir, levantou-se e foi batizado. E, depois de ter-se alimentado, sentiu-se fortalecido. Então, per28


Capítulo 1

maneceu em Damasco alguns dias com os discípulos.” Atos 9.13-196

Certa ocasião, depois de vários anos de caminhada cristã, Paulo declara ser portador de um sofrimento o qual comparou a uma lasca de madeira cravada permanentemente em seu ser, e por várias vezes clamou a Deus que o livrasse daquela situação; a resposta divina sobre aquele clamor foi aparentemente desapontadora, como que se Deus não se preocupasse com o pedido daquele homem tão importante para Seu reino. Deus respondeu que Sua graça bastava na vida de Paulo e afirmou que o poder do Criador se aperfeiçoava quando o Apóstolo se sentia fraco7. “E, para que não me ensoberbecesse com a grandeza das revelações, foi me posto um espinho na carne, mensageiro de Satanás, para me esbofetear, a fim de que não me exalte. Por causa disto, três vezes pedi ao Senhor que o afastasse de mim. Então, ele me disse: A minha graça te basta, porque o poder se aperfeiçoa na fraqueza. De boa vontade, pois, mais me gloriarei nas fraquezas, para que sobre mim repouse o poder de Cristo. Pelo que sinto prazer nas fraquezas, nas injúrias, nas necessidades, nas perseguições, nas angústias, por amor de Cristo. Porque, quando sou fraco, então, é que sou forte.” 2 Coríntios 12.7-10

Uma conclusão que se pode tirar desta faceta do sofrimento vivida por aquele homem tão ilustre é que, em alguns casos o sofrimento se torna uma garantia de que a graça de Deus não faltará na vida da pessoa. Foi 6

Bíblia Sagrada

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Bíblia Sagrada

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Ainda Posso Ser Feliz

Em alguns casos o sofrimento se torna uma garantia de que a graça de Deus não faltará na vida da pessoa.

o sofrimento experimentado por Paulo que o manteve lúcido e consciente para não se desviar da missão gloriosa recebida por Deus. A falta desse sofrimento poderia produzir em Paulo arrogância e orgulho exacerbado diante da grandeza do ministério recebido por Deus.

Acredito que em nossos dias a falta de sofrimento na vida de diversos líderes, cristãos ou não, tem sido responsável por muitos escândalos que acompanhamos pela mídia. O ministério cristão é maravilhoso, mas ao mesmo tempo sedutor, de maneira tal que alguns demonstram que nem precisam da presença do Espírito Santo para darem conta daquilo que Deus espera. Pensam que se bastam por si só. Sofrimento não é “bicho papão” ele encontra-se inserido em nossa natureza e são ferramentas naturais que Deus faz uso para evitar que nos percamos. Na verdade, a vontade de Deus para a vida humana é que nos achemos e não nos percamos. Alguém escreveu que: “ninguém conhece as próprias capacidades enquanto não as colocar à prova” 8.

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BARELLI, Ettore e PENNACCHIETTI, Sergio – Dicionário das Citações, Ed. Martins Fontes, São Paulo, 2001, Pag. 587

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