Apocalipse Comentário versículo por versículo

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Copyright©2017 por Neemias Carvalho Miranda Todos os direitos reservados por: A. D. Santos Editora Al. Júlia da Costa, 215 80410-070 Curitiba – Paraná – Brasil +55(41)3207-8585 www.adsantos.com.br editora@adsantos.com.br

Capa:   Igor Braga Editoração:   Manoel Menezes Revisão ortográfica:   Vânia Gusmão Acompanhamento Editorial:   Priscila Laranjeira Impressão e acabamento: Gráfica Exklusiva

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) MIRANDA, Neemias Carvalho Apocalipse – Comentário versículo por versículo – Curitiba: A.D. Santos Editora, 2017 – 456 páginas. ISBN – 978.85.7459-316-6 CDD – 235 1. Seres imateriais, os santos, os anjos, os demônios, os arcanjos, Satanás CDD – 236 1. Escatologia  2. Céu, inferno e ressurreiçao dos mortos 3. Juízo Final  4. Morte e vida após a morte  5. Imortalidade 6. O Apocalipse de São João 1ª Edição: Maio de 2017. As citações bíblicas, bem como os textos relacionados foram extraídos da Bíblia Almeida Revista e Atualizada, Sociedade Bíblica do Brasil, 2ª edição. Há outros textos usados e estão identificados no contexto. Proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios a não ser em citações breves, com indicação da fonte.

Edição e Distribuição:


Reconhecimento

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inha esposa Erenice e minhas filhas Vanessa e Jennifer me prestaram insubstituível apoio na realização desse projeto. O jovem Diogo ofereceu preciosa colaboração na integralização final da pesquisa. A senhora Vânia Gusmão leu todo o original, procedendo a correções de gramática e de estilo. O colégio de pastores da Igreja Presbiteriana de Brasília esteve sempre comigo, especialmente o Rev. Valter Moura, que leu diversos originais, fornecendo valiosas sugestões.

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Apresentação

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scolher o livro de Apocalipse para escrever um comentário é um ato possível. Acho que alguns leitores podem pensar diferente, quem sabe, afirmando que um empreendimento como este seja mais um ato de coragem, dado ao fato de que tal livro é estigmatizado por ser o texto mais complexo da Bíblia. Não podemos negar que o Apocalipse seja realmente um livro não muito popular, por causa da complexidade de sua linguagem altamente simbólica. Embora isso precise ser considerado, o Apocalipse é um desafio para a igreja cristã já que como qualquer outro livro da Bíblia, ele também fala do evangelho. O Apocalipse, livro escolhido pelo Prof. Neemias, traz uma mensagem fortíssima sobre o evangelho – sua obra, sua glória e seu triunfo eterno. A pessoa de Jesus está clara e obrigatoriamente presente do início ao fim em todo o livro, pois ele é o “alfa” e o “ômega”. Cristo é vividamente caracterizado como aquele que triunfa no movimento da história humana e no meio da igreja, encorajando a todos quantos nele creem a viverem com esperança na vitória do Filho de Deus e, consequentemente, no triunfo do próprio povo de Deus. Assim, o Apocalipse cristaliza o que significa seguir a Cristo neste mundo. Infelizmente, o tema Apocalipse soa de forma pessimista para a maioria dos leitores, já que comunica a ideia de que algo ruim e tenebroso está para acontecer. Considerando que o texto nos fala sobre a “Revelação de Jesus Cristo”, deveríamos ter uma atitude mais otimista acerca do livro. Tudo que trata sobre Jesus Cristo é bom, eterno e triunfante. Assim, não devemos ter receio de ler a mensagem entusiástica e de esperança desse livro, pois sua mensagem central é sobre o Filho de Deus.

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O que o Prof. Neemias oferece aos leitores é uma exposição do texto do Apocalipse sem estar preso a uma das principais linhas apocalípticas, seja ela futurista, preterista, historicista ou idealista. O que o Prof. Neemias oferece é fruto de uma leitura devocional e pessoal, sem deixar de lado a análise teológica dos aspectos associados ao triunfo de Cristo na história e a relação do Senhor com a sua igreja, a quem é também assegurada a vitória. Pessoa cristã, sensível à história e à cultura humana, o Prof. Neemias vale-se de sua sensibilidade de mestre e da sua piedade cristã para colocar nas mãos dos leitores um obra que é fruto de sua própria interação com o texto, mas que sobretudo resulta da sua vivência com Jesus Cristo, Senhor do tempo e da vida. O livro, portanto, deve fazer parte da tarefa de todo cristão que se interesse por uma caminhar mais profundo com Cristo. Minha sugestão ao leitor: leia o livro do Apocalipse à medida que você lê o comentário do Prof. Neemias, fazendo duas perguntas: (1) “o que chama a minha atenção?”; (2) “quais desafios o texto apresenta a mim?”. Uma última palavra. Lembre-se que o Apocalipse é o livro da Bíblia que se inicia com uma promessa (1:3) e se encerra com uma chamada (22:8-19). Inicie, portanto, a sua leitura com uma atitude de esperança, de alegria e triunfo. Encerre a sua leitura com um ato de louvor e gratidão a Deus. É essa a proposta do Prof. Neemias. Boa leitura! Valter Moura

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Prefácio

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e entendido como uma verdade transmitida diretamente do céu ao homem, por meio do apóstolo João, e não como uma obra literária deste, o Apocalipse veio complementar, esclarecer e tornar visíveis aos cristãos todas as revelações, fatos e declarações contidas no restante das Escrituras. Antes de ser desvendada a existência daquele livro com sete selos no capítulo 5, a humanidade vivia perplexa por causa da proliferação de religiões incoerentes, escolas filosóficas conflitantes, catástrofes naturais recorrentes e fenômenos sobrenaturais inexplicáveis. Aberto o livro, ficou explicitado que todos aqueles fenômenos têm causas, motivações, consequências terrenas e resultados no mundo porvir, pois são meros desdobramentos da execução de um plano divino. O elemento central desse plano é o aperfeiçoamento do homem como principal criatura, a quem está destinada a eterna administração do universo, em co-regência com o Cristo glorificado. Entrar no céu, portanto, é, no dizer da Teologia Sistemática de Franklin Ferreira, “tornar-se mais humano do que jamais se foi na Terra”. Querubins, Serafins, Seres Vivos e Arcanjos não receberam a tarefa de reinar. Eles integram a estrutura do trono de Deus e foram criados para expressar seus atributos como verdade, justiça, bondade, poder, majestade e soberania. Segue-se então que todas as criaturas, inteligentes ou não, que há nesta parte conhecida do universo ou nas que vierem a ser descobertas, bem como naquelas que vierem a existir, neste ou eventualmente em outros universos reais, alternativos ou virtuais, estarão logicamente vii


subordinadas a Cristo e seus assessores humanos, pois isso é o que nos foi revelado conforme está no verso 13 capítulo 5. O comentário a seguir oferece uma interpretação de todos os versículos do Apocalipse, com a característica principal e única entre os demais, de não estar subordinado a nenhuma escola escatológica de interpretação.

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Sumário

INTRODUÇÃO.....................................................................................................................11 1. Situação Atual...................................................................................................................12 2. Método.............................................................................................................................12 3. Premissa Interpretativa Básica...........................................................................................13 4. Sistemas de Interpretação..................................................................................................13 5. Autoria..............................................................................................................................15 6. Data..................................................................................................................................17 7. Conteúdo..........................................................................................................................17 8. Objetivo............................................................................................................................18 9. O Fim do Mundo?............................................................................................................18 10. Glossário Básico..............................................................................................................18 CAPÍTULO I. Ap 1 versos 1 a 3..............................................................................................21 CAPÍTULO II. Ap 1 versos 4 a 5a...........................................................................................24 CAPÍTULO III. Ap 1 versos 5b e 6.........................................................................................28 CAPÍTULO IV. Ap 1 versos 7 e 8............................................................................................31 CAPÍTULO V. Ap 1 versos 9 a 11...........................................................................................34 CAPÍTULO VI. Ap 1 versos 12 a 16.......................................................................................37 CAPÍTULO VII. Ap 1 versos 17 a 20......................................................................................41 CAPÍTULO VIII. Ap 2 versos 1 a 7.........................................................................................45 CAPÍTULO IX. Ap 2 versos 8 a 11..........................................................................................51 CAPÍTULO X. Ap 2 versos 12 a 17.........................................................................................54 CAPÍTULO XI. Ap 2 versos 18 a 29........................................................................................65 CAPÍTULO XII. Ap 3 versos 1 a 6..........................................................................................71 CAPÍTULO XIII. Ap 3 versos 7 a 13.......................................................................................78 CAPÍTULO XIV. Ap 3 versos 14 a 22.....................................................................................87 CAPÍTULO XV. Ap 4 versos 1 e 2...........................................................................................96 CAPÍTULO XVI. Ap 4 versos 3 a 5.......................................................................................101 CAPÍTULO XVII. Ap 4 versos 6 a 11...................................................................................107 CAPÍTULO XVIII. Ap 5 versos 1 a 14..................................................................................117

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CAPÍTULO XIX. Ap 6 versos 1 e 2.......................................................................................129 CAPÍTULO XX. Ap 6 versos 3 a 8........................................................................................137 CAPÍTULO XXI. Ap 6 versos 9 a 17.....................................................................................142 CAPÍTULO XXII. Ap 7 versos 1 a 17....................................................................................152 CAPÍTULO XXIII. Ap 8 versos 1 a 13..................................................................................166 CAPÍTULO XXIV. Ap 9 versos 1 a 21...................................................................................178 CAPÍTULO XXV. Ap 10 versos 1 a 11..................................................................................186 CAPÍTULO XXVI. Ap 11 versos 1 e 2..................................................................................194 CAPÍTULO XXVII. Ap 11 versos 3 a 14...............................................................................200 CAPÍTULO XXVIII. Ap 11 versos 15 a 19...........................................................................210 CAPÍTULO XXIX. Ap 12 versos 1 a 6..................................................................................217 CAPÍTULO XXX. Ap 12 versos 7 a 18..................................................................................228 CAPÍTULO XXXI. Ap 13 versos 1 a 4..................................................................................235 CAPÍTULO XXXII. Ap 13 versos 5 a 18...............................................................................243 CAPÍTULO XXXIII. Ap 14 versos 1 a 5................................................................................252 CAPÍTULO XXXIV. Ap 14 versos 6 a 12..............................................................................260 CAPÍTULO XXXV. Ap 14 versos 13 a 20.............................................................................267 CAPÍTULO XXXVI. Ap 15 versos 1 a 8................................................................................273 CAPÍTULO XXXVII. Ap 16 versos 1 a 9..............................................................................285 CAPÍTULO XXXVIII. Ap 16 versos 10 a 21.........................................................................292 CAPÍTULO XXXIX. Ap 17 versos 1 a 3................................................................................302 CAPÍTULO XL. Ap 17 versos 4 a 10.....................................................................................310 CAPÍTULO XLI. Ap 17 versos 11 a 18.................................................................................318 CAPÍTULO XLII. Estudo sobre a Babilônia..........................................................................324 CAPÍTULO XLIII. Ap 18 versos 1 a 11.................................................................................332 CAPÍTULO XLIV. Ap 18 versos 12 a 24...............................................................................338 CAPÍTULO XLV. Ap 19 versos 1 a 10...................................................................................343 CAPÍTULO XLVI. Ap 19 versos 11 a 21...............................................................................352 CAPÍTULO XLVII. Estudo sobre o Milênio.........................................................................363 CAPÍTULO XLVIII. Ap 20 versos 1 a 15..............................................................................374 CAPÍTULO XLIX. Ap 21 versos 1 a 8...................................................................................386 CAPÍTULO L. Ap 21 versos 9 a 27.......................................................................................403 CAPÍTULO LI. Ap 22 versos 1 a 21......................................................................................412 BIBLIOGRAFIA....................................................................................................................439

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Comentário sobre o Apocalipse O contexto de onde surgiu a ideia do comentário. As diversas escolas de interpretação. Argumentos a favor da autoria apostólica do livro. Data, objetivo e glossário de termos básicos.

Introdução

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Apocalipse é, a um só tempo, o livro do Novo Testamento sobre o qual mais se escreve e o mais negligenciado dentre eles. Julgo serem dois os motivos que nos levaram a esse paradoxo: primeiro, a ideia generalizada de que o livro é difícil, motivo alegado por Calvino para não comentá-lo; segundo, quase todos os comentários se filiam a determinada escola de interpretação, fato que tem desnorteado seus leitores e levado muitos à desistência. Sobre o primeiro motivo, tenha-se em mente, também, o fato inquestionável de que o livro tem sido veículo de bênçãos, conforto e refrigério a milhões de cristãos em todas as épocas. No que respeita às escolas de interpretação, ofereço ao usuário uma experiência recente. Durante três anos, estudou-se o Apocalipse, versículo por versículo, em reuniões dominicais, média de setenta pessoas por aula. Desde o primeiro encontro os alunos foram cientificados do desafio que consistia em ler e analisar o livro todo, auferindo as bênçãos dessa leitura, sem o arrimo de nenhuma das conhecidas doutrinas interpretativas. São, basicamen11


COMENTÁRIO VERSÍCULO POR VERSÍCULO

te, os resultados dessa experiência que queremos compartilhar por meio deste comentário.

1. Situação Atual • Uma humanidade angustiada e sem perspectiva; • Fome, guerras, degradação do ambiente, terrorismo, criminalidade; • Fenômenos assustadores como a clonagem humana, a possibilidade de vida fora da Terra, a possível existência de outros universos; • O crescente interesse dos povos por assuntos esotéricos, místicos, transcendentais; • A proliferação de falsos profetas, apóstolos e mestres.

2. Método Durante 3 anos foi ministrado na Igreja Presbiteriana de Brasília um curso de leitura e interpretação do Apocalipse, versículo por versículo, no contexto de um curso de leitura integral da Bíblia que havia se iniciado com o Gênesis. O presente comentário tomará por base as conclusões daquela classe sobre cada assunto discutido, a leitura de, aproximadamente, trezentos comentários sobre o Apocalipse, de textos sobre escatologia, em tratados de teologia sistemática e em monografias, os resumos de seminários, simpósios, conferências, acrescidos das necessárias atualizações e da realimentação promovida pelos frequentadores do site e do apanhado em produções disponíveis na web. Considerando todos os comentários que se publicaram sobre o Apocalipse, nosso método consistiu em avaliar tudo o que chegou ao nosso conhecimento, tendo em vista o potencial desses textos na edificação espiritual de um membro típico de uma igreja evangélica brasileira.

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3. Premissa Interpretativa Básica A BÍBLIA TEM ORIGEM TRANSCENDENTAL Instituições como o Discovery Channel, o National Geographic e o History Channel têm produzido inúmeros programas sobre temas bíblicos. A quase totalidade dessas séries parte do pressuposto de ser a Bíblia uma realização inteiramente humana, colocando-a no mesmo nível de qualquer outra produção literária. A tentativa de explicar fenômenos de origem transcendental por uma visão materialista da história, por sua vez, explica a coleção de disparates e incoerências expendidas por aqueles programas, assim como caíram no ridículo as tentativas de explicações materialistas para os milagres de Jesus, urdidas pela literatura iluminista, principalmente entre 1750 e 1850. A Bíblia, portanto, na perspectiva deste comentário, contém a vontade do Deus criador para a humanidade. Homem algum, neste mundo, poderia tê-la escrito, se não houvesse recebido de fora motivação, inspiração e meios para produzir e preservar os seus textos. Esse fato, inclusive, salta evidente a todo aquele que se aplica à sua leitura, desprovido de qualquer preconceito ou outro condicionamento.

4. Sistemas de Interpretação Através dos tempos, têm sido elaborados diversos sistemas de interpretação do Apocalipse. Os principais, e com maior ou menor influência nos nossos dias, são: • Interpretação Pretérita • Interpretação Histórica • Interpretação Futurista • Interpretação Alegórica E, tendo em vista o fenômeno específico chamado Milênio, temos: • Premilenismo Histórico • Premilenismo Dispensacionalista 13


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• Amilenismo • Pós-milenismo A Bíblia, como se sabe, é o livro mais comentado e, dentro dela, a porção sobre a qual mais se escreve é o Apocalipse. Aquelas oito correntes interpretativas aparecem, explícita ou implicitamente, na maioria dos livros sobre este assunto. A escola de interpretação chamada Pretérita sustenta que o livro do Apocalipse foi destinado aos cristãos do primeiro século e que as profecias nele contidas se cumpriram, basicamente, também naquele período. A escola Histórica vê o livro como um paralelo da História, procurando ligar a cada uma de suas profecias um determinado fato ocorrido no tempo. A escola Futurista preconiza que os fenômenos narrados a partir do capítulo 4 ainda não aconteceram. A escola Alegórica tende a interpretar as visões do livro, não como realidades, mas como alegorias a respeito da luta cósmica entre o bem e o mal. O Pré-Milenismo histórico afirma ser provável que, após a sua volta a este mundo, que é certa, Jesus implante aqui um reino pessoal por um certo período, antes dos “novos Céus e nova Terra” previstos no livro. O Pré-Milenismo dispensacionalista diz ser absolutamente certo aquele reino pessoal de Cristo na terra, e que ele durará exatos mil anos. O Amilenismo não nega, ao contrário do que o nome sugere, o fenômeno milênio. A corrente interpreta que o seu período de tempo é indeterminado e que o milênio já está em pleno desenvolvimento. O Pós-Milenismo entende que “mil anos” é uma expressão usada no livro para representar o governo da igreja sobre o mundo, e que Jesus voltará apenas quando aquele governo tiver completado a tarefa a ele reservada. Este comentário não se filia a nenhuma das oito escolas mencionadas, com base em três argumentos principais: 1. Elas são fruto do espírito humano; 14


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2. Elas restringem a liberdade do cristão de interpretar; 3. Se uma delas encerrasse a verdade, de modo absoluto, teria se imposto a todo o povo; ao contrário, todas elas, ainda que urdidas por grandes servos de Deus, são amplamente contestadas por outros igualmente grandes servos de Deus. Ao longo do comentário haverá menções a essas escolas a título de esclarecimento.

5. Autoria Justino de Roma, em seu “Diálogo com Trifo”, escrito por volta de 155, diz, a respeito do Apocalipse: “Além disso, houve entre nós um homem chamado João, um dos apóstolos de Cristo, que numa revelação que lhe foi feita...”. Esse livro de Justino integra um grupo de obras suas de autenticidade comprovada e que chegaram até nós. Por volta de 170, surgiu, no seio do cristianismo, um grupo de filósofos cristãos que se auto denominavam álogos. O prefixo “a” indica negação, e isto significa dizer que eles contestavam o primeiro versículo do Evangelho de João, por sua afirmação de que no princípio, era o logos (verbo, ação, organização, palavra, comunicação), caracterizando, assim, Jesus como a ligação entre Deus e os homens, sendo ele, portanto, o filho de Deus. 2 Pe 2.12 e Jd 10 empregam álogos no sentido de homens brutos, irracionais ou, na NTLH, animais selvagens. O “Theological Dictionary of the New Testament” de G. Kitel, vol IV, p.141 registra que álogo veio a ser usado frequentemente para denotar a irracionalidade da besta (irrationality of the beast). Entretanto, aquele grupo de neo-platônicos movidos por sua cegueira espiritual, só queria reconhecer em Jesus a posição de um dos muitos eons (emanações da divindade) que intermedeiam o contato do homem com o mundo transcendental. O Apocalipse, assim, não podia ser aceito por eles porque do mesmo modo como o quarto evangelho, veio a nós com a principal função de declarar e demonstrar ser Cristo o filho unigênito do Deus Eterno. Procurou-se, então, desacreditar o livro e o primeiro passo nesse sentido 15


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foi a tentativa de desvincular o Apocalipse de sua autoridade apostólica. Forjou-se a hipótese de que um outro João pudesse ter sido autor do livro. Um século depois, Dionísio de Alexandria, adepto da mesma corrente filosófica, disse que, talvez, tenha vivido em Éfeso um outro João que possa ter escrito o Apocalipse. Mais outro século e Eusébio, em 340, baseado, unicamente, naquela suposição, afirma que havia em Éfeso dois túmulos de João e que o outro, um presbítero, poderia ser o autor do livro em questão. Se alguém pretende negar ao apóstolo João a autoria do Apocalipse, ofereça dados, fatos e argumentos irrefutáveis. De tudo o que se apresentou até hoje contra essa autoria, há, apenas, um fato real que merece consideração: o grego do Apocalipse apresenta algumas diferenças significativas de estilo e gramática em relação ao Evangelho de João. Tais diferenças, no entanto, podem ser explicadas pelas seguintes circunstâncias: 1 – Quando da composição do evangelho, João era um cidadão influente na cidade de Éfeso, que era a sede cultural do império naquela região, onde estava, inclusive, a terceira maior biblioteca do mundo. Tinha amanuense, como era comum a pessoas de seu nível. O Evangelho, então, foi ditado a um escriba profissional. Na época do Apocalipse, ele estava desterrado em Pátmos, tendo registrado suas visões de modo precaríssimo. 2 – Conquanto motivado e inspirado por Deus, João procedeu a pesquisas e fez anotações a respeito de fatos, que foram acrescidos a sua experiência pessoal, quando da produção do Evangelho; o Apocalipse veio de súbito: “O que vês, escreve”. 3 – Tendo recebido revelações em uma extensão jamais experimentada por outro ser humano, com ordens de transmiti-las de imediato à igreja, e encontrando-se em condições materiais desfavoráveis, sua preocupação primária foi transmitir o conteúdo teológico do que viu e não burilar frases literárias, como faz todo escritor. 4 – João era um judeu que estava escrevendo em grego. Em diversos passos no Apocalipse, vê-se que ele pôs de lado regras gramaticais, construindo frases que expressassem sua teologia, pensada em termos hebraicos. Por isso a leitura do livro resultou mais fácil, porque o nível literário de seu texto é menos elevado. 5 – A cristologia do livro é a mesma daquela exposta no Evangelho de João. Em ambos os 16


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textos, são-nos reveladas a divindade e a glória de Cristo em dimensões não encontradas em nenhum outro lugar nas Escrituras. 6 – Em Apocalipse 19.13, é usado o termo logos para identificar a Pessoa de Cristo, já em sua glória e majestade, no momento em que está prestes a infligir derrota cabal às forças cósmicas do mal. Somente o Evangelho de João, em 1.1,14, e a carta de 1 João, em 1.1, empregam logos nesse sentido, uma evidência de que os três textos provêm da mesma pena. Quanto à questão sobre se ele escreveu enquanto estava na ilha ou depois de seu retorno, o próprio texto nos dá uma resposta, no episódio dos sete trovões, no cap. 10, v. 4: “Logo que falaram os sete trovões, eu ia escrever, mas ouvi uma voz do céu dizendo: Guarda em segredo as coisas que os sete trovões falaram e não as escrevas.” Afinal, a quem Jesus concederia o privilégio de tão importante revelação? Naturalmente, a alguém a quem muito amava. Grandes revelações foram trazidas, invariavelmente, a pessoas que gozavam de muita proximidade com Deus: Moisés, Jacó, Davi, Isaías, Ezequiel, Daniel, Pedro, Paulo. Este fato, no entanto, nunca é mencionado por aqueles que procuram questionar a autoria apostólica desse livro.

6. Data Domiciano foi imperador de 81 a 96. João foi desterrado para Pátmos por ele, tendo voltado a Éfeso após a sua morte, de acordo com Eusébio na sua História Eclesiástica. João afirma que recebeu a visão lá. Por esses dados, somados a outras circunstâncias, estima-se que o registro da visão ocorreu por volta do ano 95, sendo este o último livro composto dentre aqueles que formam o canon das Escrituras.

7. Conteúdo A manifestação da Pessoa de Cristo é o seu conteúdo. Ele comunica a nós diversos aspectos de Cristo que ainda não haviam sido revelados, ou o foram de modo parcial, em especial, sua majestade, seu poder e sua 17


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glória. A igreja, por exemplo, só aparece no livro quando relacionada a ele, como suas testemunhas, sua noiva, sua esposa ou seus herdeiros.

8. Objetivo Trazer a todos os homens, desde os primeiros leitores e ouvintes, até os que presenciarem a sua volta, uma mensagem de conforto, confiança, estímulo e regozijo.

9. O Fim do Mundo? Prevalece no ideário popular o conceito de que o Apocalipse é um livro sobre o fim do mundo. Na verdade, o que se vê nele são as etapas da dramática transformação deste universo num outro definitivo, compatível com a perfeição divina, e que abrigará uma humanidade também aperfeiçoada ao máximo, como etapa final da obra criadora de Deus.

10. Glossário Básico Os termos reunidos neste tópico permeiam todo o livro e são de grande importância para a compreensão de sua mensagem. Por outro lado, sem o entendimento correto deles, o livro poderá parecer um amontoado de visões grotescas e desprovidas de uma mensagem clara e coerente. Espada Chifre Olho

• Um objeto metálico cortante; • Julgamento • Apêndice ósseo de alguns animais; • Poder • Órgão da visão; • Ciência, conhecimento, sabedoria

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Água

Essa é uma palavra de significação complexa no Apocalipse. Além do sentido normal do termo, água é vista no livro como símbolo de povos, multidões, sendo que mar, um rio largo, um rio estreito e, às vezes, um mar específico ou um rio determinado trazem significações próprias. Monte, Alguém se referiu a Roma como “A Cidade das Sete ColiMontanha nas”. Essa despretensiosa frase literária (não são apenas sete), tem sido tomada como base argumentativa de certas escolas de interpretação que restringem o entendimento e desviam o leitor do verdadeiro significado que, na maioria das vezes, essas palavras têm no Apocalipse e, em geral, nos textos bíblicos proféticos. Eis que sou contra ti ó monte que destrói. Jr 51.25. Por que olhais com inveja ó montes elevados, o monte que Deus escolheu para a sua habitação? Sl 68.16. Monte aí não é sinônimo de acidente geográfico, mas de entidades vivas e dinâmicas. No capítulo I, iniciaremos a leitura comentada do texto. Tenhamos redobrado cuidado com seus muitos símbolos. Uma besta com sete cabeças, frequentemente desenhada, pintada e esculpida, nunca existiu, nem na mente de Cristo que se revelou a João, nem na mente de João que entendeu a mensagem. Sendo assim, essas representações apenas aterrorizam alguns, confundem todos e não trazem mensagem positiva a ninguém. Símbolo é um signo de reconhecimento. Jung diz: “O símbolo ... é a melhor expressão possível de um conteúdo inconsciente unicamente pressentido mas ainda não reconhecido”. Por meio daquele símbolo, João percebeu, os leitores originários também, e os leitores atuais devem fazê-lo, a verdadeira extensão da bestialidade dos reinos do mundo, especificamente dos seus sucessivos impérios mais poderosos.

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Capítulo I A origem transcendental do livro, declarada no primeiro versículo, ao contrário do que acontece na apocalíptica judaica. O verso 3, também de modo incomum em relação aos outros textos bíblicos canônicos, assegura bem-aventurança a seus leitores e ouvintes.

Capítulo 1, versos 1 a 3. Revelação de Jesus Cristo, que Deus lhe deu para mostrar aos seus servos as coisas que, em breve, devem acontecer, e que ele, enviando por intermédio do seu anjo, notificou ao seu servo João, 2 o qual atestou a palavra de Deus e o testemunho de Jesus Cristo, quanto a tudo o que viu. 3 Bem-aventurados aqueles que lêem e aqueles que ouvem as palavras da profecia e guardam as coisas nela escritas, pois o tempo está próximo. 1

Jesus Cristo. A palavra Cristo, que em grego significa ungido, foi posta aqui com um propósito definido. O texto declara que o Jesus de Nazaré histórico é o mesmo Cristo, cuja unção por Deus fora decidida e prevista séculos antes, fato que o diferencia de todos os outros profetas em qualquer época. Deus lhe deu. Deus decidiu contemplar os humanos com certos dados sobre seu Filho Jesus, principalmente aqueles relativos ao seu poder e à sua majestade, aspectos esses até então desconhecidos da humanidade. O Filho, assim, convocou um anjo e determinou-lhe que repassasse aquele conteúdo ao apóstolo João, à época desterrado na ilha de Pátmos. 21


COMENTÁRIO VERSÍCULO POR VERSÍCULO

Por intermédio de seu anjo. Por que a necessidade da intermediação do anjo? Porque após a glorificação de Jesus, depois de haver assumido a condição de opróbrio, de ser considerado maldito pelos homens, uma barreira de santidade impede um contato seu com a humanidade corrompida, mesmo em se tratando de um homem que fora seu amigo íntimo enquanto aqui viveu. Veja-se outro exemplo no encontro do mesmo Jesus com Paulo na estrada de Damasco. O homem só terá contato natural com Jesus após a própria restauração e glorificação, a partir do que viverá com ele em estado de comunhão íntima e eterna. Atestou a palavra. Com essa declaração, João pretendeu caracterizar este apocalipse como sendo único, fundamentalmente diferente dos muitos que surgiram entre os séculos II a. C. e II d. C., a exemplo dos “Apocalipse de Baruc” e “Apocalipse de Pedro”, escritos por anônimos que usaram nomes de personagens conhecidos com o fito de obter divulgação para seus escritos. A palavra aqui é verdadeira, vem de Deus, diz João, porque ela fala a respeito da glória celestial de Jesus, um personagem histórico de quem João fora testemunha ocular e a quem conhecia mais que qualquer outra pessoa. Esse apocalipse vem de Deus porque tem o testemunho do Jesus real. Bem-aventurados. A palavra grega makários, traduzida bem-aventurados, era usada originalmente na literatura em relação aos deuses, por estarem estes livres dos cuidados e aflições humanas. Foi aplicada, ainda, às pessoas que já morreram, por estarem agora a salvo daquelas vicissitudes. Aqui, entretanto, é prometido um estado de graça aos vivos, ainda sujeitos aos labores e percalços desta existência. Sucede, na verdade, o mesmo que ocorria aos seguidores de Jesus quando ouviam as suas palavras. Ele foi um mestre no uso de figuras de estilo, principalmente comparações, metáforas e parábolas. Parábola é uma exposição que leva o ouvinte a formar uma imagem por meio da qual percebe uma verdade antes oculta. “O reino dos céus é semelhante”... dizia Jesus. Após a estória, o ouvinte saía dali percebendo dados sobre a 22


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estrutura e o funcionamento do Reino de Deus, realidade sobre a qual jamais ouvira uma palavra revestida de total autoridade e coerência. Ler, ouvir e guardar esta profecia, que contém todas aquelas figuras, tem o efeito de transportar a mente humana a um ambiente onde se destaca a figura majestática de Jesus, agora com vestes resplandecentes e rosto como o sol; em seguida, aparece um séquito de entes celestes que lhe prestam honra; depois, uma legião de milhões de anjos a lhe servir; por último, um coro de todas as criaturas visíveis e invisíveis reunidas em seu louvor. Ora, a percepção destas realidades que o livro descortina é efetivamente capaz de conferir conforto, alegria e esperança às pessoas, mesmo em face das maiores dificuldades humanas. Por isso tais pessoas são vistas como bem-aventuradas. Pois o tempo está próximo. O grego tem duas palavras para tempo: cronos, de onde vêm as nossas crônico, crônica e cronologia e significam divisão, marcação e contagem de tempo; a outra é kairós, e tem o sentido de um momento oportuno ou um tempo de decisão. Este segundo termo foi o que João utilizou no verso seis. O tempo que se iniciou com a ressurreição de Cristo é chamado em diversos textos proféticos bíblicos de “Dia do Senhor”. É porque, antes, o mundo jazia em trevas absolutas. Chegou o momento, a ocasião propícia em que Jesus invadiu os domínios de Satanás e passou a saquear os seus bens mais preciosos, que são as almas humanas, sendo essa uma das atividades que ele está exercendo continuamente. Do ponto de vista dos leitores e ouvintes do Apocalipse, tanto os originais como os atuais, sua mensagem representa um kairós, ou seja, uma oportunidade para decisão de guardar as palavras desta profecia. O kairós de todas as pessoas está próximo, pois o seu limite é o dia da morte de cada um.

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Capítulo II Por meio da expressão sete igrejas, João chama a atenção do leitor para o fato de que o destinatário real de seu texto é a igreja visível inteira, desde o seu estabelecimento até o dia de seu encontro com Cristo.

Capítulo 1, versos 4 e 5a. João, às sete igrejas que se encontram na Ásia, graça e paz a vós outros, da parte daquele que é, que era e que há de vir, da parte dos sete Espíritos que se acham diante do seu trono 5a e da parte de Jesus Cristo, a Fiel Testemunha, o Primogênito dos mortos e o Soberano dos reis da terra. 4

Você já deve ter lido ou ouvido de alguém, que o Apocalipse foi escrito para os cristãos perseguidos do primeiro século, ou, principalmente, para eles. Vamos alinhar agora sete fatos que dissolvem essas duas afirmações, pois elas são apenas suposições, repetidas, mais por inércia, que por reflexão. 1 – Havia à época, na mesma região, outras igrejas, como as de Jerusalém, Antioquía, Roma, Colossos, podendo ser identificadas cerca de vinte naquela área. Esse fato, por si só, já demonstra que o número sete da primeira parte do verso 4 é simbólico, representativo. Sete, na profecia bíblica, como é de entendimento pacífico, indica totalidade, completude. Agora, indaguemos: o número sete, em questão, é representativo de quê, senão da igreja de Cristo em qualquer época ou latitude? A dedicatória é àquelas nomeadas por João, como o livro que você dedica à sua família, mas se destina a todas as pessoas; 24


APOCALIPSE

2 – Não há nada na carta a Laodiceia que indique estar a igreja de lá sob perseguição; 3 – O Império Romano maltratou cristãos por diversos motivos e em distintas ocasiões, contudo perseguição a todos os cristãos em todo o império, como parte de uma política oficial de extermínio de pessoas por confessar a Cristo, só veio a ocorrer sob os dominatos de Décio (249-251), de Valeriano (253-260), e a última e mais grave, com Diocleciano (284-305), período em que os cristãos foram caçados até mesmo no esconderijo das florestas. Não havia como escapar, a não ser por intervenção divina; 4 – Em todas as épocas, houve perseguição e morte de cristãos e, no século XX, muito mais cristãos foram perseguidos ou mortos que no século primeiro. No Cambodja, o regime de Pol Pot (1975-79) decidiu eliminar todos. Idi Amin, na Uganda dos anos 70, exterminou todos os que encontrou. Pelas informações de missionários e publicações diversas, sabemos que, todos os dias, morrem cristãos por causa de sua fé; 5 – E por que o livro seria destinado apenas a perseguidos? Um cristão de hoje, rico e poderoso, longe de perseguição, não teria acesso às suas bênçãos? 6 – Se a Bíblia é a Palavra de Deus aos homens e tem o Apocalipse como o seu fecho, como nos atrevemos a escolher-lhe uns como destinatários e outros não? 7 – O livro é o único do Novo Testamento que anuncia, expressamente, bem-aventurança a todos os seus leitores e ouvintes, sem nenhuma primazia ou distinção. João transmite à igreja uma saudação da parte da Trindade, nomeada aí na ordem Pai, Espírito Santo, Filho. O original diz: ... graça e paz a vós outros da parte de o que é, que era e que há de vir. A ordem gramatical e lógica exigiria a frase: graça e paz a vós outros da parte daquele que é, que era e que será. 25


COMENTÁRIO VERSÍCULO POR VERSÍCULO

Esse é um dos casos em que se constata que o Apocalipse desconsidera a gramática e a lógica. João preferiu a profundidade teológica da declaração de que o Deus Pai há vir aos homens na pessoa do Deus Filho, o qual, ao vir ao mundo em carne, recebera já o nome de Emanuel, que quer dizer Deus conosco. Fatos de natureza teológica nem sempre se amoldam a fórmulas gramaticais estabelecidas. Sete Espíritos. O Espírito Santo aparece várias vezes nesse livro nomeado pela expressão Sete Espíritos. A palavra sete indica que ele é uma entidade definida, e o plural Espíritos quer denotar a diversidade com que a segunda pessoa atuou e atua na formação da igreja de Cristo. No Pentecostes, ele apareceu como línguas de fogo, uma sobre cada uma dos discípulos; nas igrejas locais, ele opera variegada distribuição de dons aos cristãos; em Isaías 11.2, são-lhe distinguidas sete características: 1 – É o espírito do Senhor; 2 – Ele confere aos homens Sabedoria, ou seja, conhecimento geral, razão, prudência, habilidade, sabedoria prática; 3 – Entendimento, isto é, inteligência, compreensão, percepção, discernimento; 4 – Conselho, quer dizer, aviso, advertência, determinação, resolução, capacidade de levar um programa adiante, capacidade de tomar as decisões corretas; 5 – Poder. O Espírito Santo é a fonte de poder que originou o universo, e também do poder especial com que envolve os seguidores de Cristo; 6 – Conhecimento. Sinônimo, aqui, de informação, saber, ciência; 7 – De nada aproveita o portador de tais dons quando desacompanhados do temor do Senhor, no sentido não de medo mais de busca, reconhecimento e dedicação. Primogênito dos mortos. É preciso cuidado com a palavra Primogênito, atribuída a Jesus no verso 5. A Bíblia é um todo. No entanto dezenas de heresias têm surgido pelo fato de alguém se apegar a uma palavra, a uma frase bíblica, tirá-la de seu contexto, e construir sobre ela uma doutrina, mesmo em se tratando de um bispo, como foi Ário, fundador do arianismo. A palavra em questão foi uma das bases sobre as quais ele esboçou a doutrina de que Jesus seria um ser criado e, portanto, não seria eterno como Deus Pai. Em Colossenses 1.18, Paulo diz que Jesus é o primogênito de entre os mortos. Ele é o primeiro e mais importante 26


APOCALIPSE

dos seres humanos que, havendo provado a morte, ressuscitou. A Bíblia afirma que todas as pessoas que ressuscitaram em qualquer época, o fizeram pelo poder de Cristo, o vencedor da morte. 1 Corintios 15.20 proclama Jesus como as “primícias dos que dormem”. Agora, vejamos o Salmo 89.27: “Fá-lo-ei, por isso, meu primogênito, o mais elevado entre os reis da terra”. Na eternidade, o eterno Deus Pai disse ao eterno Deus Filho: Eu vou ingressar você no tempo e no espaço e lá farei de você um primogênito. Qual o motivo dessa sistemática? “...a fim de que ele seja primogênito entre muitos irmãos”. Rm 8.29. O eterno Jesus passou a ser também primogênito entre os mortais humanos. O termo, portanto, se refere apenas ao mundo visível. Soberano dos reis da terra. Os selos que Jesus quebrou, quando bem entendidas as mensagens deles, são um demonstrativo desta soberania, pois, num mundo impregnado de desgraças e injustiças, em razão de os seus dirigentes se deixarem influenciar por forças satânicas, ele tem perpetrado diversas intervenções, umas visíveis, outras não, como o livro revela, de modo a convencer o leitor-ouvinte de que Satanás realmente tem sua posse, mas o seu domínio permanece com ele.

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Capítulo III A participação do cristão no reino de Deus já existente, de acordo com a doutrina que percorre todo o Novo Testamento.

Capítulo 1, versos 5b e 6. Àquele que nos ama, e, pelo seu sangue, nos libertou de nossos pecados, 6 e nos constituiu reino, sacerdotes para seu Deus e Pai, a ele a glória e o domínio pelos séculos dos séculos. Amém! 5b

Muitos duvidam de que um Deus infinitamente grande tenha motivos para se preocupar com os habitantes deste minúsculo planeta. Essa posição é conhecida como deísmo. Significa que Deus pode ter criado este mundo, mas, por motivo desconhecido, não mantém controle sobre ele. Depois de declarar que o Deus-Filho mantém o domínio sobres os grandes desta terra, João afirma que, mais ainda que se preocupar com os pequenos, ele os ama tão profundamente que verteu seu sangue por eles. Nos constituiu reino. A palavra grega basileia (reino) aparece cento e quarenta e quatro vezes no Novo Testamento na expressão Basileia tou Theou (reino de Deus), e mais treze vezes em expressões que significam “os reinos do mundo”, o “reino de Satanás” e o “reino da Besta”. Basileia é, também, empregada para descrever o ofício de reinar, a área de um reino, ou todo o aparato de um reino, incluindo o território, o povo e o governo.

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APOCALIPSE

Com uma gama tão ampla de significados, o termo requer um esforço reflexivo também intenso para sua total e útil compreensão. Contribuo, oferecendo o roteiro abaixo. 1 – Primeiro as palavras da boca de Jesus: “Venha o teu reino” Mt 6.10; “O reino de Deus está próximo” Mc 1.15; “O reino de Deus é chegado sobre vós” Mt 12.28; “O reino de Deus está dentro em vós” Lc 17.21; “Entrai na posse do reino” Mt 25.34. 2 – O reino é implantado por Deus exclusivamente. Por isso todas as investidas históricas do homem para realizá-lo pela força do seu próprio braço falharam inexoravelmente. 3 – O reino é sobre toda a criação, salmo 103.19, não se circunscrevendo apenas à igreja, como pensavam Agostinho e a maioria dos teólogos até recentemente. A igreja é, sim, uma agência do reino na terra. “Somos embaixadores” 4 – O reino de Deus é o domínio de Cristo no coração do homem, na história e no mundo espiritual. Por isso ele é interior e exterior, material e espiritual, atual e escatológico. 5 – Na dimensão presente, Jesus limita o poder de Satanás; na dimensão futura, Jesus o destruirá. 6 – Três sinais inequívocos da dimensão presente do reino são: a) a expulsão de demônios; b) a realização de milagres; c) a oferta do Evangelho aos pobres. 7 – Antes da consumação escatológica do tempo, antes da precipitação de Satanás no lago de fogo, o reino de Deus irrompeu na história, invadindo os seus domínios, curando, ressuscitando e fazendo justiça aos pobres, conferindo antecipadamente aos homens o conforto do perdão dos pecados, a alegria da justificação e o dom da vida eterna. Creio que esses pontos orientam no sentido de uma compreensão satisfatória deste assunto crucial em escatologia. Ao mesmo tempo, já se 29


COMENTÁRIO VERSÍCULO POR VERSÍCULO

pode perceber que ele não cabe por inteiro nos esquemas de nenhuma das conhecidas escolas de interpretação do Apocalipse. Sacerdotes para o seu Deus e Pai. Ao longo da história, o homem tem buscado intermediários que lhe abram acesso à divindade. Dois têm sido os tipos de pontes para o céu que o homem tenta construir: a) criando deuses intermediários; b) elegendo pessoas que já morreram. João, aqui, diz que Deus, e não o homem, nos investiu nessa condição sacerdotal, a partir do que cada um de nós tem acesso direto a ele a fim de praticar a intercessão, por si, pelos irmãos e pelo mundo.

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Capítulo IV A volta futura, pessoal e visível de Cristo a esta terra. A dependência de todas as coisas que existem em relação a um Criador eterno e onipotente.

Capítulo 1, versos 7 e 8. Eis que vem com as nuvens, e todo olho o verá, até quantos o traspassaram. E todas as tribos da terra se lamentarão sobre ele. Certamente. Amém! 8 Eu sou o Alfa e Omega, diz o Senhor Deus, o Todo-Poderoso, que é, que era e há de vir. 7

Vem com as nuvens. Essa descida de Jesus à terra, com as nuvens, difere do episódio visto e narrado por Daniel em Dn 7.13.”...Eis que vinha com as nuvens do céu um como o Filho do Homem, e dirigiu-se ao Ancião de dias, e o fizeram chegar até ele.” João está na terra e vê profeticamente Jesus descer a ela em nuvens; Daniel, ao contrário, está no céu, ao lado do trono de Deus e vê Jesus chegar com a sua Igreja, após recolhê-la na terra e ingressar nas dependências do Trono, apresentando-se, noivo e noiva, ao Deus-Pai (Ancião de Dias). É como num casamento cristão. O noivo sai do ambiente onde estão os celebrantes, desce degraus, encontra-se com a noiva e volta-se para apresentá-la ao dirigente da celebração. Alguém que estiver no topo do estrado, ao lado da autoridade celebrante, narra o fato do modo como o fez Daniel: vi o noivo que vinha envolto em grande aparato, subiu os degraus e apresentou-se, com sua noiva, à autoridade eclesiástica, para a proclamação do seu casamento. 31


COMENTÁRIO VERSÍCULO POR VERSÍCULO

Por ocasião da ascensão de Jesus, dois anjos afirmaram a seus discípulos extasiados que ele retornaria à terra “do modo como o vistes subir.” At 1.11. Durante o seu ministério terreno, ele afirmou, várias vezes, que voltaria à terra, pessoalmente. Por todo o Apocalipse encontram-se afirmações de que Cristo retornará à terra em pessoa e de forma visível a todos os seus habitantes. A esses três fatos podem-se acrescentar dois, para uma reflexão global sobre o assunto volta de Cristo: 1º – Deus tem poder para operar esse fenômeno? Sim; 2º – Ele tem motivos para fazê-lo? Sim, pois a Bíblia toda revela ser esse o seu desiderato. Nesse caso, afirmar que a volta de Cristo à terra deve ser entendida no sentido apenas espiritual e não real, além de afrontar elementares princípios hermenêuticos, implica negar o atributo divino da onipotência. Todo olho o verá. O Jesus que virá em glória, por sua onipotência e sua onisciência, promoverá o milagre consistente na percepção de seu aparecimento por todas as pessoas que já viveram, e todas as que estiverem vivas naquela ocasião. A expressão “até quantos o traspassaram” não precisa ser entendida como se referisse somente às poucas pessoas que o feriram com cravos e lança. Em relação a Jesus, as pessoas se dividem basicamente em três grupos: seguidores, indiferentes e inimigos. Em todas as épocas, seus inimigos lhe têm infligido ataques que são espiritualmente mais dolorosos que os cravos de sua crucificação. O verso sete nos revela que todas essas pessoas o verão, em sua majestade e glória. Estarão ali para reconhecer, principalmente, a sua soberania e a sua justiça. Em Fp 2.10-11, Paulo revela que, um dia, todo joelho se dobrará a ele e que toda língua confessará que Jesus Cristo é o Senhor. A palavra tribo foi empregada aí, não no seu sentido técnico, mas genérico. A versão NTLH, em vez de tribos, diz “todos os povos do mundo”. Note-se a solenidade com que João fecha essa declaração. Jesus, por vezes, iniciava declarações solenes de maneira especial, como em sua conversa com Nicodemos: “Amém, amém, digo a ti...”. João, no fecho do verso sete, usou duas palavras diferentes: a primeira significa sim, ou certamente que sim, uma expressão idiomática grega; a segunda foi amém, uma expressão idiomática 32


APOCALIPSE

hebraica. Assim, o apóstolo escritor insere a doutrina da volta pessoal de Cristo à terra no elenco daquelas verdades fundamentais, transmitidas por ele aos homens. Ao cantar do galo, quando os olhos de Pedro encontraram os de Jesus, o dedicado apóstolo tomou consciência de que havia rejeitado o Salvador. O arrependimento pesou e ele se derramou em lágrimas. Assim será no dia da volta de Jesus. Seus olhos, agora na função de juiz dos pecadores, se fixarão neles, e o olhar do Filho de Deus despertará suas memórias adormecidas e revelará a carga de pecado e vergonha de cada um – maus desígnios, furtos, fornicação, homicídios, avareza, inveja, blasfêmia, soberba, mentiras, corrupção, egoísmo – dos quais não se arrependeram, tudo isso há de traspassar o coração de cada ímpio quando contemplar o olhar de Jesus. Alfa e Ômega. A expressão “Eu sou o Alfa e Omega” ocorre três vezes no Apocalipse: aqui e em 21.6, é Deus-Pai quem a profere; em 22.13, é Jesus quem se declara tal. Sendo a primeira e a última letras do alfabeto grego, Deus, com isso, está se auto-proclamando, não apenas o princípio e o fim de todas as coisas, como frisam alguns, mas o princípio, o decurso e o fim de todas as coisas. Se o big bang é uma explosão de energia cujo resfriamento propiciou a sintetização dos elementos, Deus está aqui dizendo que esse mesmo big bang é a energia do som de sua voz quando proclamou “haja luz”, ou, na linguagem do Salmo 33.6 “as coisas se fizeram pelo sopro de sua boca.”Alfa e Ômega equivalem, então, à afirmação de que ele é a causa inicial e a causa final de todas as coisas, incluindo, aí, o tempo, o espaço e as outras dimensões que a ciência procura identificar. Ele é a origem, o sentido e o propósito de todas as coisas. Tudo o que o homem pôde conceber até hoje para explicar a origem do universo se resume a essas três hipóteses: Uma inexistência eterna e onipotente, o que implica uma contradição; Uma matéria eterna e onipotente, o que denota um contra-senso; Um Criador eterno e onipotente, uma proposição lógica. 33


Capítulo V As circunstâncias que envolveram o primeiro contato de João com o Jesus glorificado. As primeiras palavras que o Senhor lhe dirigiu.

Capítulo 1, versos 9 a 11. Eu, João, irmão vosso e companheiro na tribulação, no reino e na perseverança, em Jesus, achei-me na ilha chamada Pátmos, por causa da palavra de Deus e do testemunho de Jesus. 10 Achei-me em espírito, no dia do Senhor, e ouvi, por detrás de mim, grande voz, como de trombeta, 11 dizendo: O que vês escreve em livro e manda às sete igrejas: Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia. 9

Devido ao inusitado e à grandiosidade assustadora da revelação, João começa por tranquilizar seus leitores e ouvintes. O senhor Jesus, agora glorificado, está se revelando a vocês por meio de um humilde companheiro de todas as horas. Não é um desconhecido, não é um fantasma, não é um anjo. É o seu velho líder e amigo João. Achei-me na ilha chamada Pátmos. A expressão achei-me, no passado, se coaduna com o registro de Eusébio dando conta de que, após a morte de Domiciano, João teria voltado a Éfeso e reassumido a liderança da igreja local. Essa informação tem mais credibilidade que aquela atribuída a Papías, no sentido de que João também teria sofrido martírio. A história registra que Nerva, sucessor de Domiciano, revogou todos os decretos de banimento e confisco, baixados por seu abominável antecessor. Sendo assim, João seria o único dos apóstolos a não sofrer morte violenta. 34


APOCALIPSE

Pátmos é uma pequena ilha rochosa, à época quase desabitada. Hoje, é um balneário grego, ao lado da costa da Turquia. Achei-me em espírito, no dia do Senhor. Em todas as grandes visões e revelações registradas na Bíblia, o contemplado se viu despojado de suas faculdades humanas. É porque a mesma Bíblia estabelece que “carne e sangue jamais poderão ver o reino de Deus”. A corrução humana e a santidade divina não podem entrar em comunhão. Aqui, não se trata de um êxtase místico. É uma intervenção direta de Deus requisitando a personalidade humana. A expressão dia do Senhor, no original, está kuriaké heméra. Há uma diferença entre essa grafia e aquela traduzida por “Dia do Senhor” em Joel 2. Nesta, no texto da Septuaginta, está kuriou heméra, onde o profeta quis, inequivocamente, se referir ao futuro julgamento final do mundo, o dia do juízo. O termo kuriaké, usado por João, tem o sentido mais adjetivador, que serve para distinguir um dia normal de entre os outros dias normais. Portanto, em que pesem as opiniões de alguns, como Arthur Bloomfield, no sentido de que João quis se referir ao seu arrebatamento ao último dia, à época do julgamento final, a exegese dá mais apoio à hipótese de que ele tivesse em mente dizer apenas que a visão ocorreu em um domingo. Por detrás de mim. O episódio constitui para João uma total surpresa. Vindo de trás, essa voz nada tinha a ver com a sua voz, seus ouvidos, seus olhos, sua mente, suas expectativas, sua experiência, sua atividade, enfim, sua realidade. Não era resultado de nada que pudesse ser relacionado com a sua pessoa. Grande voz. Consideremos estes três sons: uma trombeta, um trovão e o barulho de muitas águas. Nenhum dos três é igual à voz do Jesus glorificado. Note-se que aqui, e em outras setenta vezes no Apocalipse, João diz como, isto é, uma maneira aproximada, mas não igual, de descrever o que viu e ouviu. Surge, então, a seguinte questão: a constituição física de um ser humano poderia permitir-lhe falar com uma voz assim? De modo algum. Mas Jesus, agora, é um Deus-homem. Chamo a atenção para esse fato porque, em enquetes entre cristãos, quando se 35


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pergunta: ouvindo a expressão Jesus Cristo, o que lhe vem à mente, em primeiro lugar: o Cristo glorificado, ou aquele Jesus de Nazaré? A grande maioria responde: Jesus de Nazaré. O Apocalipse tem o efeito de mudar essa realidade. Quem se dirigiu a João foi a Majestade das Alturas, o Rei dos Reis, o Senhor do Universo. Aquela voz, portanto, lhe é compatível e apta a alcançar a todos, como disse Isaías: “Por toda a terra se fez ouvir a sua voz”. João a percebeu e entendeu porque estava “em Espírito”. O que vês escreve em livro. No Antigo Testamento, Moisés recebera ordem semelhante. A maioria dos profetas, também. No Novo Testamento, apenas o Apocalipse é resultado de tal circunstância. Durante o século XX, mais de mil comentários sobre o Apocalipse foram publicados. A maioria dos que chegaram ao nosso conhecimento parte da premissa de que o homem João compôs uma obra literária. É uma má postura metodológica que, fatalmente, dificultará a compreensão do verdadeiro significado do livro. João não compôs obra literária alguma. Ele, tão somente, descreveu o que viu e registrou palavras proferidas por Deus, Cristo, santos redimidos, anjos ministradores e homens rebeldes. Em livro. A ordem para o registro em livro produziu os seguintes efeitos: 1. Deus se comprometeu com a mensagem; 2. Os leitores-ouvintes também ficaram comprometidos; 3. Ficou assegurada a publicidade do decreto (o cristianismo não comporta doutrinas secretas); 4. Garantiu para a posteridade a integridade da mensagem. E manda às sete igrejas. Já abordamos na capítulo IV o significado do número sete empregado aqui. A mensagem é para toda a igreja de Cristo, por igual, em todas as épocas. Essas sete cidades eram todas sedes postais ao longo da estrada que interligava a, então, província romana da “Ásia Menor” em seus aspectos político, econômico e religioso. Embora fundadas por outros apóstolos e discípulos, aquelas igrejas estavam, nessa época, sob influência do apóstolo João. Presume-se que, após seu retorno a Éfeso, João teria providenciado de pronto as primeiras sete cópias de seu autógrafo, para a remessa. 36


Capítulo VI Jesus em sua glória, e rodeado pela sua igreja, manifesta a João o poder com que esmagará o império do mal.

Capítulo 1, versos 12 a 16. Voltei-me para ver quem falava comigo e, voltado, vi sete candeeiros de ouro, 13 e, no meio dos candeeiros, um semelhante a filho de homem, com vestes talares e cingido, à altura do peito, com uma cinta de ouro. 14 A sua cabeça e cabelos eram brancos como alva lã, como neve; os olhos, como chama de fogo; 15 os pés, semelhantes ao bronze polido, como que refinado numa fornalha; a voz, como voz de muitas águas. 16 Tinha na mão direita sete estrelas, e da boca saía-lhe uma afiada espada de dois gumes. O seu rosto brilhava como sol na sua força. 12

Voltei-me. Para encontrar-se com Jesus, para percebê-lo, para estabelecer contato com ele, você precisa parar o que está fazendo, voltar-se para as coisas que transcendem este mundo material, separar-se de suas preocupações diárias, por algum tempo. Com efeito, milhares de pessoas têm atentado para aquela voz, com o mesmo resultado de sempre, ou seja, uma mudança revolucionária, completa e positiva em suas vidas. Vi sete candeeiros. João voltou-se, esperando ver uma pessoa; entretanto, o que viu, primeiro, foi um candelabro formado por sete candeeiros. Muitas pessoas, no mundo presente, têm intentado ver, ou perceber a 37


COMENTÁRIO VERSÍCULO POR VERSÍCULO

pessoa de Cristo. Mas, em vez de Cristo, essas pessoas só vêem a igreja, os sete candeeiros. Na era presente, a providência divina decidiu que Cristo só é visto na pessoa de seus seguidores, no comportamento e nas atitudes dos cristãos verdadeiros. Em diversas ocasiões, Paulo diz serem os cristãos cartas de Cristo, o perfume de Cristo, embaixadores do seu Reino. A missão da igreja, hoje, é mostrar Cristo ao mundo. No meio dos candeeiros. Somente é igreja aquela que tem Cristo no seu centro, na teoria e na prática. Temos presente em nosso mundo muitos clubes, associações, confrarias, partidos, entidades terroristas que se auto-denominam cristãs. Jesus, entretanto, os ignora. “Não vos conheço.” Filho do homem. Essa expressão, epíteto do profeta Ezequiel, e que Jesus costumava aplicar a si mesmo, significa, basicamente, representante da humanidade. Com a encarnação, Jesus incorporou a humanidade à sua pessoa. O homem, assim, passou a ter presença definitiva e eterna nos arcanos celestes. Algumas pessoas perguntam porque Deus se preocuparia com este minúsculo planeta. A resposta: porque nenhum outro ser, espiritual ou material, no céu, na terra ou em qualquer outro lugar imaginável, está presente, incorporado à própria pessoa de Cristo, o filho de Deus e pelo qual todo universo existe. O tabernáculo e o templo eram figurações de estruturas celestes; o culto, no Tabernáculo, no Templo, assim como hoje, na era cristã, é também figura de atividades que se desenvolvem no mundo transcendental, conforme J.J. Von Allmen em “O Culto Cristão”, Aste, 1968, p.245. A aparência física do homem, bem como sua estrutura mental, foram também definidas como representações daquela outra realidade. João viu um ser parecido com um homem, na versão NTLH. Deus-Pai é espírito e não tem corpo; o Deus-Filho, entretanto, tem: Um corpo me formaste, Hb 10.5. E não foi um corpo em forma de querubim, serafim, grifo, medusa, chacal, besouro ou ET. Foi em forma de homem. “Isto é o meu corpo”; “vede as minhas mãos”; não asas, nem bico, nem garras. São mãos, e apenas duas. Por isso Jesus se auto-proclamava Filho do Homem.

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APOCALIPSE

Vestes talares. Vestes longas são régias, sacerdotais ou de honra. As de Arão eram mantidas ao justo por meio de uma cinta bordada de ouro. Note-se que a cinta em Jesus já é de ouro maciço e puro, significando poder, dignidade, retidão e veracidade. Arão era apenas um tipo. Jesus se tornou o sacerdote verdadeiro e definitivo a favor de todos nós. Cabelos como lã e neve. Aqui, Jesus aparece ornado de atributos próprios do Ancião de Dias, o Deus Pai em Daniel 7. Ele é ancião, mas não velho. Lã e neve são brancas por natureza e não por envelhecimento. As ideias que João quis transmitir aqui são: sabedoria, estabilidade, serenidade, eternidade. Olhos como chama de fogo. Sua visão é penetrante. Ele vê o mais profundo do nosso ser. Diante dele de nada aproveita a hipocrisia. Ele vê nossas intenções e nossas segundas intenções. Na sua presença, somos o que somos e não o que queremos ou pensamos ser. Pés semelhantes ao bronze refinado e polido. A ideia de juízo, sempre ligada a esses pés de bronze, advém dos utensílios de sacrifício utilizados no tabernáculo e no Templo, da serpente de bronze do deserto e do fogo, indispensável à produção do bronze. A Idade do Bronze marca o início do progresso. A humanidade começou a andar, a evoluir. O bronze foi a primeira liga produzida, resultante da fundição do cobre com estanho. Em sua caminhada por este mundo, Jesus, como nós, foi submetido a uma sucessão de momentos de sofrimento. Os pés do Jesus glorificado recordam o processo de transformação em que o cristão está envolvido, e que, muitas vezes inclui aquilo que Davi chamava de “fornalha da aflição”. Voz de muitas águas. É aquela voz, como o trovão, capaz de atingir a todos, independentemente de que haja intenção de ouvi-lo. Mas, também, é a voz ouvida por João em Ap 14.2., com dois acréscimos em relação ao capítulo 1: 1º – a igreja está presente, cantando com Cristo, e com voz semelhante à dele; 2º – da imagem do trovão, só aproveitam a intensidade e a abrangência, porque ali há harmonia e perfeição. Sete estrelas. No glossário inicial foram dados os vários sentidos dessa palavra, asteroi, no original. Acrescento aqui as expressões comuns estrela 39


COMENTÁRIO VERSÍCULO POR VERSÍCULO

do cinema e astro da televisão. Creio que João, aqui, quis se referir aos líderes das igrejas, chamando a atenção para o fato de que a mão do Senhor os sustenta, protege e guia. Afiada espada de dois gumes. Na Idade Média muitas vezes se retratou Jesus ressuscitado segurando uma adaga entre dentes. É estreiteza de visão e incapacidade de perceber o sentido da mensagem. João usou essa metáfora referindo-se às palavras do Cristo glorificado. Em Hebreus 4.12, se diz que a palavra de Deus “é viva, é eficaz e mais cortante que qualquer espada de dois gumes.” Qual a serventia então de uma espada de metal nas mãos ou na boca de Jesus? Nenhuma. Em Efésios 6.17, Paulo instruiu os cristãos daquela igreja na sua luta contra as forças do mal: “Tomai...a espada do Espírito, que é a palavra de Deus.” Afinal, Jesus destruirá o Anticristo “com o sopro de sua boca”, conforme 2 Ts 2.8. O verbo grego traduzido por saía-lhe, no verso 16, está num tempo que guarda o sentido de movimentação, fluência, continuidade, vida, ao contrário do metal, que é estático, estéril, morto. Como o sol na sua força. O objetivo mais primário e direto deste comentário será atingido se, ao final, e daí por diante, o leitor, ao ouvir o nome Jesus Cristo, visualizar sempre essa figura de vestes talares, olhos de berilo e rosto como o sol. A glória, a majestade e o poder de Cristo são os três fatores mais eficazes a alimentar a perseverança cristã, sua alegria e crescente motivação.

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