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Copyright©2014 por Silvia Cristina Machado
Coordenação editorial: Priscila Laranjeira
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A.D. SANTOS EDITORA Al. Júlia da Costa, 215 80.410.070 – Curitiba – Paraná – Brasil 55 (41) 3207-8585 www.adsantos.com.br editora@adsantos.com.br
Diagramação e projeto gráfico: Adilson Proc Impressão e acabamento: Gráfica Impressul
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) MACHADO, Silvia Cristina Diálogo Inter-religioso / Silvia Cristina Machado – Curitiba : A.D. Santos Editora, 2014. 14x21 cm. ; 80p. ISBN 978-85.7459-334-0 1. Teologia Social Cristã. 2. Cristianismo e sociedade. I. Título.
CDD 261
1ª Edição: Fevereiro / 2014 – 2.000 Exemplares
Proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios a não ser em citações breves, com indicação da fonte.
Edição e Distribuição:
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Dedicatória Aos melhores pais do mundo, José Geraldo Machado (in memorian) e Elda Guedes Machado que sempre foram a minha força, acreditaram em mim e me ajudaram nos mais difíceis momentos. Obrigada por investirem conhecimento e sabedoria em minha vida, por me ensinarem o caminho da fé onde aprendi amar a Deus. Por me incentivarem e investirem em minha educação para ser uma pessoa melhor e inserida de forma útil à sociedade. Minha gratidão e todo meu amor àqueles que escolheram me amar.
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Prefácio Silvia tem marcado sua vida por uma profunda convicção de que é direcionada por Deus para o envolvimento com pessoas, sobretudo, quando se trata de compartilhar sua fé doando-se, principalmente, ao que costumo chamar de ministério de misericórdia: servir sem esperar nada em troca. Essa motivação a impulsionou em servir o Reino de Deus como missionária em diversas situações, culminando em aprofundamento teológico e consequente curso de Graduação em Teologia. Foi aí que nos conhecemos. Por ocasião da preparação de seu TCC, Silvia me procurou comprometida com o ideal de estabelecer um diálogo entre Cristãos e Mulçumanos. Ultrapassando o lugar comum de viés apologético, sua intenção era buscar alternativa ao diálogo entre ambas confissões. Para Silvia, Cristianismo deve ser sinal de aproximação, de diálogo, de convergência. Nesse sentido, sem negar suas raízes, ela procurou possibilidades de encontro entre o Cristianismo e o Islamismo. Mesmo sabendo que seu olhar seria sempre um olhar de cristão, Silvia se esforçou bastante para tentar entender, a partir da literatura selecionada, caminhos que lhes possibilitasse o diálogo. Como o próprio conceito de diálogo sugere, o outro tem sua decisão, precisa aprovar ou não, iniciar ou não a convergência. Entretanto, Silvia não considera isso um obstáculo, pois, seu interesse maior é incentivar cristãos ao diálogo.
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Busca de convergência define a trajetória desse livro, pontos de aproximação confirmam seu esforço nesse sentido, amor ao ser humano caracteriza sua linha de chegada. Deus, que seu nome seja sempre sagrado. Permita que esse desejo de Silvia torne nosso mundo melhor, mais humano, mais solidário. Com alegria, Uipirangi Câmara Doutor em Ciências da Religião, Teólogo e Filósofo, amigo da Silvia.
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Agradecimentos A Deus por me chamar a produzir tal obra, pela inspiração e capacitação. Ao Mestre dos mestres e Senhor dos senhores. Amigo em todas as horas e quem nos destina a caminhos nunca imaginados. Agradeço por fazer de mim um ser humano produtivo, por vencer comigo as grandes batalhas da vida e me instruir nos caminhos da fé. Sempre confiarei em Ti, pois me tens dado prova do quanto és comigo. A Jesus Cristo, minha homenagem! Aos meus pais que em momentos de desafios financeiros me diziam: “Deus vai completar o valor”. Firmados nesta fé, como família, experimentamos a fidelidade de Deus. Por serem dignos do exemplo que são como pessoas guerreiras, bondosas, honestas, generosas. Firme nesta convicção a mim cabe seguir seus exemplos. A meu professor Uipirangi Câmara que como um olheiro conseguiu enxergar em mim potencial para poder através desta obra, glorificar o nome de Deus e trazer ao leitor uma nova forma de pensar, tendo em vista as mudanças sociais. Agradeço às pessoas consagradas a Deus que passaram por minha vida e que contribuíram com meu desenvolvimento espiritual e conhecimento de Deus. Que privilégio ter sido instruída com excelência, com amor! A você, que é extensão desta obra, sem o qual jamais haveria a possibilidade da mesma se tornar conhecida. Silvia Cristina Machado
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Sumário
Introdução
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1 Perspectiva histórica do Islamismo 1.1. O 11 de Setembro de 2001 e o Alcorão 1.2. A descendência de Ismael
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2 Perspectiva doutrinária do Islamismo 2.1. Sunitas e Xiitas as diferenças políticas e religiosas 2.2. Uma breve abordagem sobre a presença feminina no Islã
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Afinidades entre Islamismo e Cristianismo e a perspectiva de diálogo inter-religioso entre as tradições 3.1. Uma breve explanação sobre a escatologia islâmica e cristã 3.2. Caminhos para o diálogo entre Cristianismo e Islamismo Considerações Finais Referências Bibliográficas
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Introdução Existem pontos convergentes entre as tradições religiosas dos cristãos e dos muçulmanos? Sim. E é nossa intenção mostrar que é possível haver diálogo inter-religioso entre cristãos e mulçumanos e que esse diálogo deverá favorecer o reconhecimento do que são as duas religiões, proporcionando a aproximação. Será imprescindível em pleno século 21 marcado por grandes transformações, a valorização da relação dialogal entre Islamismo e Cristianismo, sendo que as duas seguem a mesma linha. Dessa forma, haverá a possibilidade de coexistir em um mundo mais fraterno. Nossa é a compreensão do panorama histórico e doutrinário do Islã como fundamental para que cristãos entendam a possibilidade de construção de caminhos de respeito mútuo, tolerância e coexistência pacífica. Para que isso aconteça, será necessária a observância das afinidades existentes entre Islamismo e Cristianismo, pois haverá a possibilidade de se perceber no outro, semelhanças. No momento em que as religiões cristãs e islâmicas buscarem pontos em comum para tornarem o ambiente em que vivem um ambiente mais fraterno, haverá a possibilidade de se construir caminhos que as conduzirão ao diálogo. Por isso, se faz necessário conhecer a história do Islamismo e sua doutrina e compreender valores existentes nesta religião. Assim como no Cristianismo, o Islã teve como finalidade levar pessoas a crerem na existência de um único Deus através do seu líder religioso, contribuindo para a propagação do monoteísmo.
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Em nome da religião, o cristão e o muçulmano necessitarão focar-se no exemplo de seus líderes, pois como ocorreu no passado, Maomé e Jesus continuam sendo exemplos de pessoas que mantiveram diálogo com seus dessemelhantes apesar de qualquer diferença religiosa e social. Maomé por ter mantido contato com judeus e cristãos em sua época e Jesus por sempre ter estado à disposição do diálogo e acessível a qualquer pessoa que Dele se aproximasse sem qualquer discriminação. Ambos tiveram como meta, conduzir pessoas à presença de um único Deus, dedicando-se a Ele. Porém, no início de suas vidas como anunciadores da mensagem de Deus, não foram compreendidos pelas pessoas de seu convívio, sendo estas, até seus próprios familiares. No entanto, a convicção desses líderes religiosos em suas crenças, possibilitou o crescimento tanto do Islamismo como do Cristianismo. Igualmente tinham em comum a proposta de um caminho de fraternidade, sendo que este, deverá transpor um simples desejo humano de alcançá-lo para a real necessidade de uma coexistência pacífica ultrapassando barreiras e sobrepondose aos conflitos ideológicos existentes no contexto atual. É verídico que as diferenças existem, não há como ocultá-las. Porém, de uma maneira sábia, cristãos e muçulmanos deverão se posicionar empenhando-se para que prevaleça o amor ao próximo, pois tanto no Cristianismo como no Islamismo há pontos enriquecedores de aproximação. No primeiro capítulo você encontrará um panorama histó rico onde será possível compreender o surgimento do Islamismo como religião monoteísta sendo este acontecimento vinculado ao profeta Maomé. A pesquisa abordará algumas questões relacionadas à vida do profeta e sua influência iniciando-se na Arábia, e se expandindo às regiões vizinhas, sendo que a maior contribuição de Maomé foi o ensino religioso. Notar-se-á que essa mudança na crença do povo árabe, que anteriormente era politeísta, é iniciada pelo profeta do Islã assinalando um crescimento da religião islâmica não somente na península arábica, mas trans-
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pondo-se a outros continentes. Outro ponto a ser abordado será o surgimento de correntes ideológicas dentro do Islamismo. Não seria essa a pregação de Maomé dentro do Islã, pois o mesmo propõe a unidade do povo, entretanto, é inevitável a ocorrência da divisão, sendo que, o enfoque deste acontecimento se dá por causa da luta pela liderança na representatividade da comunidade islâmica após a morte do profeta. Vamos tratar do assunto que envolve o histórico 11 de Setembro de 2001 e mostrar que não é pela violência que o Islamismo deseja ser lembrado, pois o Alcorão não aprova a prática do terror, sendo essas atitudes provenientes de líderes radicais religiosos, pessoas que “em nome de Deus” e por causa do poder político querem se posicionar diante da sociedade mundial pela força. Não é essa imagem que o Islã quer propagar e, sim, o conceito de uma religião que prega a paz, sendo as atitudes terroristas contrárias à proposta do Islamismo induzindo pessoas a um julgamento errôneo da religião. Abordaremos ainda um assunto que causa certa tensão no que diz respeito à descendência de Ismael, pois segundo a Bíblia, Deus tinha promessas feitas ao filho primogênito de Abraão de torná-lo uma grande nação. A possibilidade de isso ser verdade, sendo que, os muçulmanos creem serem da descendência de Ismael, porém este enfoque será restringido à nação árabe. O segundo capítulo discorre sobre a temática doutrinária onde serão tratados assuntos ligados à crença islâmica. Uma das tais crenças se refere à adoração a um único Deus pelos muçulmanos. O Islamismo anuncia uma mensagem monoteísta para que os seus seguidores abandonem a idolatria. A intenção é mostrar a importância do Alcorão, o livro sagrado no Islã, que rege toda a vida do muçulmano desde questões religiosas até mesmo morais, éticas, sociais e políticas, sendo este livro revelado ao profeta Maomé de acordo com os escritos alcorânicos. Apontará também os princípios que conduzem o muçulmano às práticas religiosas que o ajudam a tornar-se submisso a Deus e ser melhor consigo mesmo e no relacionamento para com o próximo.
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Apontamos os lugares sagrados e acessíveis aos muçulmanos, sendo que um dos tais passa a ser igualmente de grande significância para outras religiões. Destacar-se-á também alguns ramos do Islamismo dentro das questões doutrinárias que influenciam a fé dos muçulmanos, sendo que apesar destas divisões, todos os fiéis islâmicos compartilham do mesmo livro sagrado e dos mesmos centros espirituais. Ainda trataremos sobre a temática feminina, onde abordaremos alguns direitos das mulheres no Islã. Serão apresentadas passagens do Alcorão sobre o que a religião pensa à respeito da mulher, se estas disposições não são observadas por alguns, então contradizem os escritos do Alcorão. É necessário ressaltar que assim como o Cristianismo, o Islamismo está em processo evolutivo no que diz respeito à conquista feminina. No terceiro capítulo apontaremos as afinidades existentes entre as religiões monoteístas, Cristianismo e Islamismo, sendo que, através destas semelhanças, haverá a possibilidade de aproximação entre as religiões. São notáveis algumas similitudes existentes nas duas religiões, ressaltando os elementos de unidade. Apresentaremos também a pessoa de Jesus com atributos especiais tanto no Islamismo como no Cristianismo, pois ambas as religiões mantêm respeito e profunda admiração por sua pessoa. Apesar da representatividade que Jesus tem sua conotação para os cristãos é diferente da conotação para os muçulmanos. No entanto, Ele é tratado de forma especial pelas duas religiões. Trataremos também de assuntos que dizem respeito ao ato da criação, o pecado da humanidade, dentro do conceito bíblico e do alcorânico. Partindo da realidade de que a afinidade é algo concreto e que promove a aproximação, sugerimos um diálogo inter-religioso, no entanto, estamos cientes de que é necessário haver condições de coexistência, tolerância e respeito mútuo. A tolerância conduz a uma coexistência pacífica. O diálogo entre Cristianismo e Islamismo proporcionará um processo de aprendizagem onde um perceberá o mundo do outro e poderá inserir-se nele. Para haver diálogo será necessário que cada um venha a despojar-se
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de posturas exclusivistas. A busca pela paz deve ser muito maior que as características próprias de cada tradição. Mostraremos que a liderança eclesiástica de ambas as religiões tem dado passo para o caminho do diálogo, promovendo encontros para que se estabeleçam posições que as satisfaçam, pois, tão somente a partir de propostas de uma melhor coexistência será possível viver num mundo harmonioso. Em pleno século 21, marcado por expressivas transformações, é necessário valorizar o dessemelhante, pois diante de um mundo globalizado, a informação só pode ser vista como meio de transpor barreiras com relação ao próximo respeitando seus valores e compreendendo que por trás de uma religião, se encontram pessoas. Será necessário se aproximar delas para compreendê-las. Só é possível adentrar o mundo do dessemelhante com uma visão construtiva, através do real conhecimento e não do ponto de vista da mídia que se focaliza em uma minoria dos que se enquadram numa postura extremista.
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Perspectiva histórica do Islamismo O surgimento do Islamismo está vinculado a vida do profeta Maomé, seu fundador. Maomé nasceu no ano 570 d.C, na cidade de Meca, um importante centro comercial que situava-se na encruzilhada das rotas de comércio internacional o qual ligava a África à Ásia e o Golfo Pérsico à Europa, sendo essa região conhecida hoje como Arábia Saudita. Maomé era filho de uma família de comerciantes sendo o pai Abdulah bin Abdu L’Muttalib e a mãe Aminah. Ficou órfão aos seis anos de idade, sendo adotado por seu tio Abu Talib que era mercador. Aos doze anos, fez, ao lado do tio, a sua primeira caravana à Síria, onde foi vender e comprar mercadorias. De acordo com historiadores, através de suas viagens, teve contato com o Judaísmo e o Cristianismo, religiões essencialmente, monoteístas. Seu tio não pôde dar condições melhores ao sobrinho, que teve que cuidar de si bem cedo. Dependia do comércio e viajava em caravanas para as áreas de fronteiras com a Arábia. Naquela época “mais importante do que o comércio com todas as suas preciosidades passa a ser para ele, com o correr do tempo, a oração e a meditação”. Aos vinte e cinco anos, Maomé, por indicação do tio, passou a trabalhar para Khadija, uma viúva, rica comerciante de Meca. Khadija se apaixonou por ele e propôs casamento. Deu a Maomé seis filhos e o prestígio dele cresceu muito em Meca. Na concepção de KAMEL:
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Depois da morte de Khadija, Maomé, ao longo de sua vida, casou-se outras dez vezes, uma delas com uma mulher judia, que se converteu ao Islã. Tinha também suas concubinas, uma cristã e outra judia. Alguns casamentos foram por afinidade pessoal, outros para proteger viúvas de companheiros e alguns em decorrência de alianças políticas. Segundo o mesmo autor, no Alcorão, o muçulmano pode obter até quatro mulheres, porém, deve ter equidade, do ponto de vista afetivo, sexual e financeiro, em relação às mesmas para não cair em pecado. Assim estabelece o Alcorão: E, se temeis não ser equitativo para com os órfãos, esposai aos que vos aprazam das mulheres: sejam duas, três ou quatro. E se temeis não ser justos, esposai uma só, ou contentai-vos com as escravas que possuís. Isso é mais adequado, para que não cometais injustiça (Surata 4.3). Somente a Maomé era concedido o direito de se casar com mais de quatro mulheres, o Alcorão afirma: Ó Profeta! Por certo, tornamos lícitas, para ti, tuas mulheres, às quais concedeste seus prêmios; e as escravas que possuís, entre as que Allah te outorgou... se o Profeta deseja esposá-la, sendo isto privilégio, com exclusão dos demais crentes - com efeito, sabemos o que lhes preceituamos em relação às suas mulheres e às escravas que possuis, para que não haja constrangimento sobre ti. E Allah é Perdoador, Misericordiador (Surata 33.50). Além dessa permissão especial de ter várias mulheres dentro do Islamismo, Maomé também teve o privilégio de ser considerado o profeta mais importante que surgiu.
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Seguindo a linhagem de Ismael na Arábia, chegamos, na segunda metade do século VI d.C, até Maomé, o profeta, por meio de quem o Islamismo alcançou sua forma definitiva, acreditam os muçulmanos. Houve autênticos profetas antes dele, mas ele foi o apogeu; por isso é chamado de “O Selo dos Profetas”. Nenhum profeta genuíno surgirá depois dele (Smith). Maomé chamou os seus compatriotas para um novo modo de vida, sendo que no começo o movimento evoluiu lentamente, e mais tarde obteve um público maior alcançando toda a Arábia. Maomé deu início ao monoteísmo, encontrando oposição muito forte em Meca até de sua família e da tribo coraixita à qual pertencia. Para alguns, tão importante quanto aceitar a alegação de Maomé de ser um mensageiro de Deus, seria aceitá-lo também como governante de Meca, algo que a oligarquia dos ricos mercadores de Meca não queria. A Caaba, local sagrado dos muçulmanos, localizada na cidade de Meca, era centro de adoração politeísta. Abraão e seu filho Ismael levantaram a Caaba e purificaram o lugar de culto aos deuses. É preciso contornar por sete vezes aquele antiquíssimo santuário de Meca e, enquanto isso, saudar, tocar ou mesmo beijar a Pedra Negra, certamente um meteorito basáltico. A Caaba é considerada pelos muçulmanos como um lugar de presença especial de Deus (Küng). Ela é o templo primordial erigido por Abraão, os muçulmanos acreditam ser o local onde Ismael foi levado para ser sacrificado a Deus em obediência. Segundo o islã, este santuário passou a ser lugar de adoração a um único Deus, Alá. Na compreensão do Islamismo, Maomé começou a pregar o monoteísmo, aos 40 anos de idade, apesar de ser um homem iletrado. Isto se encontra no Alcorão: Os que seguem o Mensageiro, O Profeta iletrado – que eles encontram escrito junto deles, na Tora e no Evangelho – o qual lhes ordena o que é conveniente e os que coíbem do reprovável, e torna lícitas, para eles,
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as cousas benignas e torna ilícitas, para eles, as cousas malignas e os livra de seus fardos e dos jugos a eles impostos. Então, os que creem nele e o amparam e o socorrem e seguem a luz, que foi descida, e está com ele, esses são os bem-aventurados (Surata1 7.157). Segundo a tradução do sentido nobre do Alcorão, a palavra luz se refere ao Alcorão. Na visão islâmica, os escritos alcorânicos são revelações provenientes de Deus ao anjo Gabriel que as apresentava a Maomé quando o visitava. “E, este, mesmo sendo iletrado, de forma milagrosa, reteve o ensino transmitido a seus idôneos seguidores, transformando a revelação em livro” (Abdalla). Esses escritos virão a constituir-se no livro sagrado dos muçulmanos o chamado Alcorão, palavra que significa “A Leitura”. As tribos árabes seguiam até então uma religião politeísta. Por causa de sua pregação, Maomé começou a ser perseguido em Meca e teve que emigrar para a cidade de Medina no ano de 622. Este acontecimento é conhecido como Hégira e marca o início do calendário muçulmano. Em Medina, o profeta foi bem acolhido e reconhecido como líder religioso e conseguiu unificar e estabelecer a paz entre as tribos árabes. Milhões de muçulmanos memorizam o Alcorão completo; assim são educados desde cedo. O profeta do Islã era um homem reflexivo que cultivava o hábito da meditação, vigílias solitárias e jejuns. De acordo com o Alcorão, Maomé foi o primeiro a se islamizar: “Dize: Tomarei eu por protetor outro que Allah, O Criador dos Céus e da Terra, enquanto Ele é quem alimenta e não é alimentado? Por certo, foi-me ordenado ser o primeiro dos que se islamizam! E não sejas de modo algum, dos idólatras” (Surata 6.14).
Equivale a capítulo segundo (KAMEL, 2007, p.74).
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Segundo Kamel, após a morte do profeta em 632, aos 62 anos, seus seguidores se espalharam rapidamente pelas regiões vizinhas. Abu Bakr foi o primeiro califa ou sucessor do profeta. Maomé tinha unido toda península arábica sob o seu domínio, algo jamais feito antes. Sua gestão estabelecera as bases de um império brilhante cujo desenvolvimento se daria ao longo dos quatro séculos seguintes. A primeira expansão árabe ocorreu com muitas conquistas. Enormes regiões passam a ser muçulmanas: a Síria, antes cristã, com Damasco e Jerusalém; o reino persa sassânidas, com a Mesopotâmia e o Azerbaijão e, por último, o Egito cristão. Nenhuma outra religião teve tão grande difusão em tão pouco tempo e de forma tão duradoura como o Islã. Mas, a maior contribuição de Maomé foi o ensinamento religioso que dá a base para tudo o que vem depois. Maomé trouxe uma visão de mundo totalmente nova de onde surgiu uma das tradições espirituais mais ricas e dinâmicas da história. Para os muçulmanos, profecia é um meio pelo qual Deus comunicou Sua vontade e orientação à humanidade ao longo das eras e o fez por intermédio de seu profeta. Para os crentes islâmicos, sua religião não é apenas a revelação ao derradeiro dos mensageiros, Maomé, mas a todos eles: Adão, Noé, Abraão, Moisés e Jesus. A palavra Islã é árabe, originada de um radical que significa “paz, solidez, segurança” e também é uma expressão religiosa que se refere ao estado da alma, significando assim uma atitude interna de obediência inequívoca a Deus, rendição, submissão, resignação. Muçulmano é aquele que se submete à vontade de Deus. A misericórdia de Deus não se limita a um lugar, a uma época, ou a um povo determinado. “Ó homens! Por certo, nós vos criamos de um varão e de uma varoa, e vos fizemos como nações e tribos, para que vos conheçais uns aos outros...” (Surata 49.13).
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Os séculos XV a XVII viram surgir no mundo islâmico três impérios enérgicos e bem-sucedidos. Governando de Istambul (antes Constantinopla, a capital bizantina), os sultões otomanos, no auge de sua autoridade, controlaram um domínio que abarcava o norte da África, o Oriente Próximo, a Anatólia e a maior parte do sudeste europeu. A dinastia de xás sefévidas trouxe uma transformação fundamental com a conversão da sociedade iraniana do Islamismo sunita para o xiita duodecimano. Na Índia, o império igualmente centralizado da dinastia mongol foi oficialmente um Estado islâmico, mas resultou sua legitimação do apoio da cultura hindu. O período entre o século XVIII e o atual, contudo, testemunhou uma mutação rápida e frequentemente árdua no mundo islâmico. Os três, dos otomanos, sefévidas e mongóis, foram perturbados por problemas internos e pela consternação dos Estados crescentemente imperialistas da Europa, sobretudo Grã-Bretanha, França e Rússia. O confronto entre Europa cristã e o mundo islâmico remonta no mínimo às Cruzadas realizadas pelas forças cristãs latinas, que iniciaram no século XI, um conflito que levou ao fim determinante do domínio muçulmano na Espanha em 1492. Mais recentemente, várias fases de imperialismo europeu induziram à ocupação, na década de 1920, de quase todo o mundo islâmico, do oeste e do norte da África até as Índias Orientais, atual Indonésia. Movimentos de renovação social e política ajudaram a assentar as bases de um ressurgimento do islã no século XX. “Em 1923, Kemal Ataturk declara o Estado turco secular; em 1932 ocorre a criação da Arábia Saudita; em 1947, há a criação do Estado muçulmano do Paquistão” (Coogan). “Após a Primeira Guerra Mundial, à medida que as novas nações árabes foram alcançando sua independência, cresceu o sentimento nacionalista e a reafirmação dos valores islâmicos” (Winter). Após a Segunda Guerra Mundial os países muçulmanos declararam sua independência e afirmaram sua soberania com: a
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libertação política dos paises islâmicos da dominação colonial das décadas de 1950 e 1960 e na década de 1970, os êxitos militares e econômicos alcançados a partir da guerra árabe-israelense, do embargo do petróleo e da vitória do aiatolá Khomeini sobre o xá e sobre os Estados Unidos em 1979. Contando com mais de 900 milhões de fiéis numa população global de seis bilhões, [...] uma pessoa em cada cinco ou seis pertence a religião islâmica que direciona o pensamento humano e a vida prática com uma riqueza de detalhes que não encontra paralelos no mundo. E a proporção de muçulmanos está aumentando (SMITH, 1991, p.256). Um fator de crescimento do Islã é o aumento natural da população nos países muçulmanos. O maior número de muçulmanos está no subcontinente indiano, formado por Índia, Paquistão e Bangladesch. A nação com maior número de muçulmanos é a República da Indonésia, onde mais de 100 milhões de pessoas, ou seja, 90% da população professam a fé islâmica. ”Maomé colocou toda a península arábica sob seu controle, fazendo da Arábia o coração do islã”. Atualmente a maioria da sua população é muçulmana. No século XX a vasta maioria dos muçulmanos vivia no sul e sudeste Asiático, dentro ou ao leste do Paquistão. “Com mais de um bilhão de pessoas, os muçulmanos são hoje maioria em 50 países e uma minoria considerável em muitos outros. Na Europa e nas Américas do Norte e do Sul há vibrantes comunidades em expansão”. A maioria dos muçulmanos vive em regiões como: norte da África, Oriente Próximo e Ásia. “A comunidade islâmica cresce tanto em regiões onde existe há muito tempo, quanto naquelas em que sua presença é mais recente, sobretudo, na Europa e na América do Norte”. Na Europa os muçulmanos formam a maior comunidade religiosa depois dos cristãos. Dentro da expressiva comunidade muçulmana há uma divisão importante entre os que se denominam sunitas e xiitas.
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Geograficamente os xiitas se agrupam no Irã e no Iraque, enquanto os sunitas os flanqueiam pelo oeste (Oriente Médio, Turquia, África) e pelo leste, em todo subcontinente indiano, que inclui o Paquistão e Bangladesh, passando pela Malásia e chegando até a Indonésia, onde há mais muçulmanos do que em todo mundo árabe. Essa divisão surgiu de lutas pela liderança após a morte de Maomé, alguém que na ausência do profeta, o representaria legitimamente como dirigente na comunidade islâmica. No espaço de 28 anos após a morte de Maomé, ocorre o irremediável: a divisão do islã. Segundo os sunitas, o profeta jamais indicou quem seria o seu sucessor. Segundo os xiitas, Maomé teria deixado seu primo Ali como sucessor. Com a morte de Ali, essa divisão no Islã consolidou-se. Os sunitas, a maioria naquela época, acreditam que a revelação acabou com a morte de Maomé e o que deveria ser feito era viver o Alcorão seguindo os ditos do profeta. “Algumas destas divisões podem ter suas raízes em questões políticas e lutas pelo poder, outras podem ter raízes étnicas, e algumas podem ser simplesmente resultado de diferentes maneiras de entender Deus, o Profeta, revelação e tradição. Ou podem ser o resultado da combinação de qualquer um destes”. Depois de grandes lutas contra o partido xiita, com graves perdas, termina se impondo a família dos omíadas de Meca, originalmente contrária a Maomé. Com eles o partido majoritário dos sunitas sai vencedor. Os omíadas transferem a residência do califa para Damasco e fazem da Síria a potência islâmica predominantemente. O partido xiita de Ali, primo e genro de Maomé constituiu-se a minoria dos muçulmanos. No entanto, no Alcorão não há base para nenhuma divisão, mas promove o vínculo uns aos outros e todos a Deus, assim diz: E agarrai-vos todos à corda de Allah, e não vos separeis. E lembrai-vos da graça de Allah para convosco, quando éreis inimigos e Ele vos pôs harmonia entre os corações, e vos tornastes irmãos, por Sua graça. E estáveis à beira
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