O Jovem Mensageiro - ROMANCE

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Copyright©2018 por Paulo Roberto de Araujo

Coordenação editorial: Priscila Laranjeira

Todos os direitos reservados por: A. D. Santos Editora Al. Júlia da Costa, 215 80410-070 Curitiba – Paraná – Brasil +55(41)3207-8585 www.adsantos.com.br editora@adsantos.com.br

Capa: Rogério Proença Projeto gráfico: Manoel Menezes Impressão e acabamento: Gráfica Exklusiva Revisão ortográfica: Ana Sueli Vandresen Karolina Becjer Trápaga Consultoria sobre tema e elementos da cultura hebraica: Sheila Wies

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Araujo, Paulo Roberto de O Jovem Mensageiro / Paulo Roberto de Araujo, A.D. Santos Editora, Curitiba, 2018. 288 páginas. ISBN – 978.85.7459-496-7 CDD 221 1. Antigo Testamento CDD: 028.5 1. Romance

I. Ficção

1ª edição: Novembro de 2018. Proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios a não ser em citações breves, com indicação da fonte. Edição e Distribuição:


Nota ao leitor

É

indispensável dizer e deixar registrado que os episódios narrados neste livro, os quais não se encontram no texto bíblico original, são produtos da imaginação do autor, ou seja, não são literais, mas sim ficcionais. É importante frisar que estes episódios não são produtos de pesquisa do autor do livro e que jamais, sob qualquer hipótese poderão ser considerados como possíveis acréscimos ao texto bíblico.

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Sobre o livro

T

enho a satisfação de apresentar a você meu quarto livro. Este foi, sem dúvida, bem mais difícil de construir do que os dois primeiros. A Bíblia e a Gestão de Pessoas – trabalhando mentes e corações (2012) e A Bíblia e a Administração de Conflitos – uma ferramenta para as relações interpessoais (2013), A Bíblia e as Competências Comportamentais – a influência da espiritualidade cristã sobre o comportamento humano (2017), possuem uma abordagem mais técnica, voltada para o comportamento humano nas organizações. Já, este que agora chega às suas mãos é uma ficção baseada em fatos reais. O Jovem Mensageiro é uma obra ficcional que se baseia na história real de Jacó, terceiro patriarca do povo hebreu; sua narrativa está registrada no livro de Gênesis do capítulo 26 ao 33. O enredo envolve aventura, drama, romance e espiritualidade e tem por objetivo mostrar ao leitor que as mazelas e alegrias humanas estão presentes na vida de todas as pessoas, mesmo aquelas cuja história compõem o Cânon Sagrado. A ideia de escrever um livro com um formato literário completamente diferente dos anteriores, surgiu a parv


tir do desejo de explorar ao máximo as habilidades que Deus me deu. Evidentemente, não sei se esta obra conquistará a preferência dos leitores, porém acredito que as biografias sempre despertam o interesse das pessoas, isto porque tratam de experiências humanas vivenciadas no mundo real. Ainda que, nem todos os episódios narrados a respeito da história de Jacó, tenham de fato acontecido, eles foram imaginados e construídos dentro do universo do possível. Meu mais profundo desejo é que todos quantos lerem este livro sejam estimulados a ler a Bíblia Sagrada. Ela é a Palavra revelada de Deus. Ele nunca esteve alheio à vida dos homens, pelo contrário, sempre se fez presente e atuante. Na verdade, nós, os cristãos, acreditamos que o Senhor Deus Eterno está no controle de tudo o que nos sucede, ainda que, por sua soberana vontade, tenha nos dado o livre arbítrio, ou seja, estamos sujeitos aos desígnios de Deus, e o principal deles é que podemos decidir se nos submetemos à sua vontade ou não. Desejo a você uma leitura agradável e construtiva. Abraços do autor. Paulo Roberto de Araujo

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Dedicatória

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edico esta obra a todos quantos fazem dos bons livros seus companheiros de caminhada.

Dedico, também, aos meus apoiadores; àqueles que acreditam quando eu não acredito e me ajudam a acreditar como eles acreditam. Dedico à minha maravilhosa família. À Márcia, esposa, amiga, cúmplice, mãe dos meus queridos filhos, companheira e fiel amante desta viagem tão surpreendente que é a vida. Ao Daniel, meu primogênito, jovem que prima pelos valores cristãos, comprometido com suas convicções, altruísta e que vive muito bem o modo de vida que escolheu para si. Ao Guilherme, meu caçula, jovem de grande inteligência, sensibilidade, capaz de demonstrar o amor que sente, e assim como seu irmão mais velho, vive muito bem o modo de vida que escolheu para si.

Dedico, ainda, aos meus amados irmãos em Cristo. A todos quantos amam a Palavra de Deus e fazem dela seu livro de cabeceira.

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Dedico a vocĂŞ que comprou ou foi presentado com este exemplar do meu livro. Dedico a Deus, acima de tudo e de todos!

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Agradecimentos

À

Sheila Wies, judia da Tribo de Levi, convertida ao Cristianismo há 19 anos – pela consultoria sobre temas e elementos da cultura hebraica citados nesta obra. À professora Ana Sueli Vandresen pela correção ortográfica. À A.D. Santos Editora por acreditar em mais esta obra.

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Prefácio

O Jovem Mensageiro é uma obra que muito inspirada cumpre seu papel de nos manter conectados com as histórias bíblicas, narradas em Gênesis. De uma maneira criativa o autor nos leva a viajar no tempo e imaginar o cenário onde o embate entre Esaú e Jacó, em torno da chamada Lei da Primogenitura, faz explodir e expor conflitos que em muito nos fazem lembrar os do nosso tempo, apesar do tema ser de cunho diferente. Diante dos nossos olhos se desenrola as nuances da natureza humana, o que vai lá dentro da alma, as traiçoeiras segundas intenções, enquanto Deus a tudo observa. O Jovem Mensageiro traz consigo a brilhante missão de informar, sem que sequer sejamos levados a perceber, que envolvidos no drama já fazemos parte da história que também é um pouco nossa, pois a mensagem de que Deus trabalha até mesmo dentro e através do pecado humano é certeira! Sheila Wies: Bacharel em Direito, judia da Tribo de Levi, convertida ao Cristianismo há 19 anos.

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Apreciei muito a leitura. A introdução dos personagens Heber, Sete e Malaquias enriqueceu o material. Senti-me dando um passeio bem mais alargado na empolgante saga de Jacó. O que é relatado, pelos lábios de Malaquias, bem poderia ter acontecido nos mesmos termos. Não é uma história fantasiosa; o leitor poderá constatar isto depois de ler. Reverendo Juarez Marcondes Filho: Pastor da Igreja Presbiteriana do Brasil, em Curitiba. Presidente do Conselho, Ensino, Supervisão Geral.

Paulo Roberto de Araujo nos surpreende com O Jovem Mensageiro. Ele nos brinda com uma maravilhosa ficção de uma parte da vida de Jacó, o progenitor do povo de Israel, nome especial que recebeu de Deus após a sua luta com Ele no Vale de Jaboque. As passagens bíblicas são breves, as histórias dos heróis da fé nos apresentam poucos detalhes, são descrições objetivas, diretas. Paulo tece criativamente uma envolvente e gostosa descrição dos pormenores desta porção das Escrituras. Em seus livros anteriores, Paulo apresenta o seu conhecimento e expertise técnico, vivência profissional e acadêmica, livros úteis, práticos e inspiradores. Em O Jovem Mensageiro, ele se desafia e consegue resultado brilhante. Toda ficção tem a propriedade de prender a atenção do leitor, pois a história é desconhecida e a trama geralmente instiga em direção ao desfecho. O melhor fica sempre para o final. xii


A história de Jacó é conhecida, sabemos o seu desenrolar e final. Daí o mérito desta obra. Ainda que conheçamos a sequência dos fatos, a leitura agradável e envolvente nos prende, nos desperta o desejo da continuidade. Como pano de fundo, vemos a nossa história na vida de Jacó, descobrindo e conhecendo a Deus. As lutas e batalhas da vida são os momentos em que invariavelmente vacilamos, fraquejamos. Mas Deus, com o Seu amor e graça, nos conduz, nos trata individualmente e, apesar de nossas imperfeições, Ele nos transforma, produz em nós vida nova e nos leva a viver histórias singulares e especiais. O seu final é sempre melhor e perfeito. A grande história que Deus tem para você ainda está em curso. Viva com Ele, caminhe e descubra a grandeza de Deus para a qual você foi destinado. Walter Quintana – Coach e Consultor Empresarial

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Sumário

Nota ao leitor____________________________ iii Sobre o livro______________________________v Dedicatória_____________________________vii Agradecimentos__________________________ ix Prefácio________________________________ xi Sumário_______________________________ xv Capítulo 1 – Toda história tem um começo________ 17 Capítulo 2 – Uma experiência sobrenatural_______ 47 Capítulo 3 – Para viver um grande amor_________ 61 Capítulo 4 – A chegada dos filhos_____________ 123 Capítulo 5 – Hora de partir_________________ 203 Capítulo 6 – Os dois encontros_______________ 259

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CAPÍTULO 1

TODA HISTÓRIA TEM UM COMEÇO


O Jovem Mensageiro

O primeiro episódio

J

acó era uma dessas pessoas cuja história de vida mistura fascínio e reflexão. Ele tinha marcas físicas e emocionais que o acompanharam por toda a sua existência. Seu comportamento era um tanto imprevisível. Às vezes se mostrava tão falante e às vezes ficava calado por horas. Lembro-me de ouvi-lo contar histórias antigas, falando de seu avô Abraão e seu pai Isaque. De Rebeca, sua mãe, sempre falava com emoção. Dizem os empregados mais antigos que ela era uma mulher lindíssima. Sobre seu irmão Esaú, evitava falar. O que se sabe dele é que desde o seu nascimento fatos sui generis aconteceram. Jacó e Esaú eram gêmeos. Aliás, o nascimento deles foi um milagre: Rebeca era estéril, mas milagrosamente conseguiu gerar seus filhos e dá-los à luz. Isaque reconheceu ter sido Deus o abençoador dele e de sua esposa. Quando os meninos nasceram Isaque já tinha sessenta anos. Diz a história que os gêmeos se empurravam no ventre de Rebeca e isto intrigou o pai deles. Ao consultar ao Deus Eterno o porquê disto, já que Rebeca corria risco de vida por causa desta situação, recebeu como resposta que no ventre de sua esposa tinham duas nações e que o mais velho serviria ao mais novo. O velho Isaque não sabia se comemorava ou se se preocupava; afinal seria o patriarca de dois povos. Porém, aquela resposta do seu Deus não era exatamente uma promessa, mas sim, um aviso de que problemas viriam pela frente. 18


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No momento de Rebeca dar à luz, Esaú veio primeiro e Jacó logo atrás agarrado ao calcanhar dele. Esaú, dizem, era tão peludo que parecia um manto de pêlos, por isso lhe deram este nome e seu irmão gêmeo, devido à sua façanha de sair do ventre agarrado ao seu calcanhar, deram-lhe o nome de Jacó (usurpador). O primeiro tornou-se caçador e o segundo cuidava dos rebanhos e andava pelas tendas, sem se preocupar com muita coisa. O relacionamento entre os irmãos não era muito amistoso. Isaque declaradamente preferia a Esaú, o filho caçador. Rebeca nunca escondeu sua preferência por Jacó, o filho caseiro que andava pelas tendas. Essa atitude dos pais tornou o relacionamento entre os filhos bastante tenso. Jacó era extremamente ardiloso. Ele desenvolveu uma forte habilidade em termos de negociação. Tinha respostas prontas na ponta da língua, sabia argumentar como ninguém; era um estrategista, sabia esperar o momento certo para agir. Captava facilmente o ponto fraco das pessoas e a partir disto as envolvia, levando-as na direção que desejava. Esaú era homem do campo, da caça, das aventuras. Aos quarenta anos escolheu para serem suas esposas Judite e Basemate, descendentes dos heteus. Estas duas mulheres trouxerem muito desgosto a Isaque e Rebeca. Devido às constantes saídas de Esaú para caçar, estas mulheres aproveitando-se de sua ausência exploravam os servos de Isaque e viviam a provocar Rebeca. A família se dividiu por causa delas. Elas acabaram por distanciar 19


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ainda mais a Esaú de sua mãe, o que fortaleceu sua preferência por Jacó. Dois episódios se tornaram cruciais nesta história. O primeiro deles ocorreu quando Esaú voltou de uma longa caçada. Ele costumava ficar dias fora de casa e quando voltava chegava exausto. Jacó ficava no acampamento perto de sua mãe. Com ela aprendeu muitas coisas, entre elas, cozinhar. Não foi difícil para o preferido de Rebeca perceber que seu irmão retornava das caçadas cansado e faminto. Num determinado dia Jacó se pôs a preparar uma daquelas sopas cujo aroma domina o ar. Carne de ovelha, lentilhas e ervas aromáticas eram cozidas numa grande panela de ferro. Esaú chega, possuído de fome e de cansaço, sente o cheiro da comida e quase que suplicante, pede a Jacó um prato daquele preparado extraordinário. O ardiloso filho de Isaque percebe que a necessidade deixou seu irmão vulnerável. Para ele aquela era uma oportunidade de conseguir uma das maiores vantagens de sua vida. Ele não titubeia e diz: – Eu te dou desta sopa em troca de seu direito de primogenitura. Do lado de fora, atrás da tenda, Raquel acompanhava os acontecimentos. Esaú, enfraquecido pela fome, ainda mais aguçada pelo cheiro oriundo da panela, reage e diz a Jacó: – Você é mesmo um oportunista sem escrúpulos. Antes que terminasse de falar Jacó sarcasticamente contestou: 20


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– Não se sinta obrigado a aceitar minha proposta nem a comer do meu preparado. Se isto te ofende eu vou embora. – E quanto a comida... Vai deixá-la aqui ou vai levá-la? Perguntou Esaú. – Bem... Vou levá-la, já que você não está disposto a compartilhar de algo preparado por um oportunista sem escrúpulos, disse Jacó. Quando este fez menção de sair, Esaú o chama: – Espere... Que seja... Pode ficar com o direito de primogenitura. A questão é que o direito de primogenitura se constitui numa das tradições mais significativas da cultura hebraica. Ainda que Esaú e Jacó fossem gêmeos, o fato de Esaú ter sido o primeiro a sair do ventre, lhe conferia os direitos e privilégios de primogênito. Ninguém em sã consciência negociaria isto, desde que não encontrasse um Jacó pela frente, é claro. Diante do clamor do organismo para saciar a fome, Esaú racionalizou: – De que me adianta manter a primogenitura e morrer de fome? Sendo assim, “fechou negócio” com seu irmão. Jacó sorriu cinicamente para Esaú. Rebeca vibrou; seu preferido herdaria a fortuna do pai! A partir daquele dia o clima entre os irmãos piorou e muito. Dificilmente se falavam e quando o faziam as conversas se transformavam em sérios conflitos, quase chegando à agressão física. Esaú sabia que fizera um péssimo 21


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negócio e as consequências de sua atitude seriam impagáveis. Bem que tentou reverter a situação, porém, não obteve êxito. Seu irmão Jacó o induziu a erro, e o que é pior, com o apoio da mãe de ambos.

O segundo episódio O segundo episódio envolvendo Jacó, Esaú, Rebeca e Isaque foi, sem dúvida, o mais ardiloso de que se tem notícia na história dos descendentes de Abraão. Isaque estava velho e muito doente. A doença o deixara praticamente cego. Dizem que tinha muita sede e urinava sem parar; sua urina tinha um cheiro adocicado e onde ela caía juntava formigas. Não podia mais sair da cama sem que alguém o amparasse; mal podia dar alguns poucos passos – ficava ofegante facilmente. Sua voz era fraca e embargada; falava pausadamente. Por alguns momentos perdia a lucidez. Certa vez Rebeca o encontrou caído no chão da tenda chorando e se lamentando. Ela se compadeceu dele, tomou-o pelas mãos e o levantou. Deu-lhe um abraço emocionado e chorou em seus ombros. Numa noite de outono, quando o vento soprava com intensidade e varria as areias do deserto, Isaque acordou gemendo, trêmulo, molhado de suor. Balbuciava algumas palavras incompreensíveis, sem sentido. Rebeca despertou assustada: – Isaque, o que você está sentindo?

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Colocando-lhe a mão à testa percebeu que seu marido ardia em febre, algum tipo de infecção se instalara eu seu organismo. Chamou pelas criadas e pediu que lhe fizessem um chá. Enquanto aguardava, umedecia um pano e aplicava-o em Isaque, tentando refrescá-lo. Vez por outra ele perdia os sentidos. Desesperada diante da persistência da febre decidiu mergulhá-lo em um recipiente com água fria. Durante toda aquela noite Rebeca permaneceu acordada administrando banhos e chás em Isaque. Ele convulsionou quatro vezes durante a madrugada. Esaú e Jacó foram chamados à tenda de seus pais. Cercado de cuidados e orações, o velho Isaque começou a melhorar por volta das quatro e trinta da manhã. Sua face sulcada pela muita idade estava empalidecida. A pele murcha pelas muitas imersões em água fria conferia-lhe um aspecto cadavérico. Rebeca e suas criadas estavam exaustas; adormeceram vencidas pelo cansaço e pelo estresse. Os filhos velaram o sono de seus pais. O som do vento intermitente e o estalar dos panos das tendas contrastavam com o silêncio do acampamento. A morte combinava com aquela noite, porém decidiu não ficar, apenas passou perto, muito perto.

A chegada de Malaquias Socorrido pelo poder do Deus Eterno, Isaque se recuperou, porém permanecia muito debilitado. Numa tarde, quando o sol já se punha, ele pediu a presença de Héber, 23


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um de seus servos mais confiáveis. Héber adentrou a tenda, cumprimentou a Isaque dizendo: – Shalom, Filho da Promessa (era assim que ele se dirigia a ele, fazendo menção de Abraão, seu pai). Héber era um ancião, dez anos mais jovem do que Isaque. Seu pai havia sido um mensageiro a serviço de Abraão. Agora, estava velho também, porém continuava fiel a Isaque como seu pai fora fiel a Abraão. Isaque o havia nomeado mensageiro do acampamento. Isto já era uma tradição na família de Héber. Na verdade, era mais do que uma relação de servo e senhor; eles eram amigos desde a infância. – Soube que você é avô mais uma vez, Héber – disse Isaque. – Sim é verdade, há dois dias nasceu Malaquias, meu décimo neto. – Não faltarão mensageiros em nosso acampamento – completou Isaque. – Mande minha bênção ao jovem mensageiro. – Farei isto, Filho da Promessa, meu senhor. – Agora preciso que você encontre Esaú e diga-lhe que venha à minha tenda. Tenho uma missão para ele. – Sim, farei isto, imediatamente. Shalom, Filho da Promessa. – Shalom, avô de Malaquias; sorriu Isaque.

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Não esqueça do acordo Héber foi à tenda de Esaú, mas não o encontrou. Suas esposas disseram que ele saíra pela manhã para caçar e que voltaria ao anoitecer. Héber sabia que a saúde de Isaque era frágil e percebeu em suas palavras que o velho patriarca estava se preparando para a morte. Encontrar Esaú não era apenas importante, era urgente. Pensou em seguir a trilha por onde Esaú costumava andar e tentar apressar sua volta ao acampamento. Contudo, tinha consciência de que era arriscado; poderiam se desencontrar. Era melhor esperar. Buscando tranquilizar-se disse para si mesmo – Deus sabe o que é melhor. Quando o sol já havia se posto e no céu do deserto as estrelas expandiam sua luz, Héber saiu de sua tenda e pôs-se a observar o ciclo encantador da natureza. Ao longe, na linha tênue do horizonte, sobrava um pouco do azul do dia. O contorno dos picos das montanhas parecia ter sido desenhado à mão. Não havia nuvens no firmamento, só astros inumeráveis, incontáveis e fascinantes. O ar era fresco, o frio da noite pedia proteção. A visão tomada pelas nuances das dunas de areia fazia Héber refletir sobre o sentido da vida, a própria existência. – Assim como elas somos mutáveis. O que determina é o tempo e os acontecimentos que nele transitam. Hoje somos altos, estamos elevados acima de outros; amanhã não passamos de um pequeno monte. O vento da vida nos desloca para lugares que não queremos ir. Quem hoje nos vê amanhã não saberá onde estaremos. 25


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Héber foi à tenda de Isaque, mais uma vez. Queria dizer que aguardava a chegada de Esaú para avisá-lo. Quando se aproximava notou a agitação e logo imaginou que algo não estava bem com o Filho da Promessa. As recaídas de Isaque haviam se tornado constantes nos últimos meses. Hesitou em entrar, achou que sua presença não iria ajudar em muita coisa, talvez até atrapalhasse. Sentou à entrada da tenda e elevou seu pensamento e suas orações ao Deus dos hebreus. Pediu ao Eterno que conservasse Isaque entre eles, pelo menos, até que Esaú voltasse. A bênção da primogenitura tinha que acontecer. Era madrugada quando Esaú voltou ao acampamento. A caçada fora infrutífera, por isso ele demorou a voltar. Insistiu até que obtivesse sucesso, porém não o obteve. Cansado e exalando mau odor decidiu dormir fora da tenda. Acendeu uma fogueira a fim de proteger-se do frio. Esaú estava acostumado a fazer isto. Durante seus longos períodos de caça passava as noites ao relento. Amanheceu. A luz do dia despertou Esaú. Enquanto se banhava, Héber se aproximou e disse que Isaque desejava vê-lo. Era bom que não se demorasse. Contou-lhe que mais uma vez a morte rondou a tenda de seu pai. Esaú se apressou. Na tenda estavam Rebeca e Jacó. Sentados um à direita e outro à esquerda da cama, expressavam cansaço. Isaque dormia; a boca entreaberta e as mãos cruzadas sobre o peito deram a Esaú a sensação de que havia chegado tarde. Rebeca fez sinal de que queria falar-lhe em particular. Saíram da tenda, apenas Jacó ficou. 26


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– A hora de seu pai está próxima – disse Rebeca. Esaú sabia que as palavras de sua mãe queriam dizer mais do que um aviso sobre a morte de seu pai. Ela continuou: – Eu sei sobre o acordo entre você e Jacó e que a bênção da primogenitura será de seu irmão. Esaú irritou-se: – Não acredito que a senhora tenha levado a sério este acordo. Acha mesmo que eu venderia minha bênção por um prato de sopa? Aquilo foi algo do momento que não tem valor algum. Mas, eu entendo, Jacó é seu preferido, e eu sou o filho rude que vive da caça e se casou com mulheres que a senhora não aprova. Rebeca permaneceu calada. Esaú retirou-se.

A hora está próxima Três dias se passaram, depois desta última crise. Isaque se recuperou, mas não como das últimas vezes. Perdera totalmente a visão; sua audição ficou bastante comprometida; não podia mais levantar-se da cama, nem mesmo apoiado por outros. Héber entrou na tenda para visitá-lo e como sempre fazia, saudou-o: – Shalom, Filho da Promessa, como está se sentindo hoje?

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O velho patriarca hesitou por um instante, porém, a forma como seu amigo se dirigiu a ele o fez saber que era Héber. Com a voz embargada e muito rouca, perguntou: – Mensageiro, onde está Esaú? Preciso falar com ele. – Ele está no acampamento, vou chamá-lo. – Sim, faça isto imediatamente. Havia um tom de urgência na voz do velho patriarca. Héber foi à tenda de Esaú e lhe deu o aviso: – Isaque deseja falar com você imediatamente, Esaú. – Sim, vou agora mesmo. No caminho em direção à tenda Jacó surpreendeu a seu irmão; segurou-lhe pelo braço e em tom agressivo lhe disse: – Lembre-se, temos um acordo! Esaú enraivecido puxou o braço para se soltar de Jacó. Fitou-lhe firmemente nos olhos, segurou-o pelas vestes e extravasou: – O que é meu ninguém vai tirar. Largou Jacó e apressadamente foi à tenda de seu pai. Antes de entrar procurou acalmar-se. As emoções o dominavam naquele momento. Esaú precisava transmitir tranquilidade a seu pai. Aquele momento era único e deveria ser cercado de profunda espiritualidade e companheirismo entre pai e filho. – Shalom, meu pai. – É você, Esaú? Perguntou Isaque. – Sim, sou Esaú, seu primogênito. 28


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– Meu filho, não sei qual será o dia de minha morte, mas parece que ele está próximo. Você é um grande caçador. Pegue suas armas, o arco e a aljava e vá ao campo. Antes de abençoá-lo com a bênção da primogenitura quero que você saia para caçar e traga a melhor caça que encontrar. Prepare-me aquele guisado saboroso que tanto gosto com sua caça. Depois que me alimentar vou proferir sobre você a bênção da primogenitura. – Sim, meu pai, irei agora mesmo. Estou ansioso por este momento. Sua bênção me é mais importante do que qualquer outra coisa. Rebeca estava na tenda cuidando de Isaque e ouviu toda a conversa. Esaú, antes de sair olhou para sua mãe com olhos de amargura e decepção. Ele sabia que Rebeca amava mais a Jacó do que a ele.

Já tenho tudo preparado Apressadamente foi preparar-se para sair à caça. Ao entrar em sua tenda suas mulheres estavam curiosas para saber se Isaque já havia dado a bênção da primogenitura a Esaú. Elas sabiam que a herança de seu sogro faria de Esaú um homem rico e poderoso. Basemate, a mais atrevida das duas se antecipou: – E então Esaú, como foi...o velho o abençoou? Esaú estava visivelmente ansioso e inquieto; nem prestou muita atenção ao que sua mulher falava. Ela, sentindo-se ignorada reagiu: 29


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– Eu estou falando com você, Esaú.... Antes que ela continuasse, ele a interrompeu e elevando o tom de voz, disse: – Fique quieta! Não tenho tempo para você agora! Basemate se retirou. Esaú saiu apressadamente da tenda, pegou sua montaria e foi à busca da caça que seu pai pedira. Rebeca pediu a Héber que a avisasse quando Esaú tivesse saído para caçar. Ela tinha tudo planejado. Estava determinada a fazer o que fosse necessário para que seu filho preferido herdasse os bens de seu pai. Héber, mensageiro e amigo de Isaque tinha conhecimento das mazelas familiares dos descendentes de Abraão. Ele queria poupar seu velho amigo das tramoias de Receba e Jacó, porém, era servo deles. A ele cabia cumprir ordens. Assim que Esaú se ausentou do acampamento ele avisou a Rebeca. – Agora diga a Jacó que quero falar com ele imediatamente – disse Rebeca. Héber o avisou. Jacó foi ao encontro de sua mãe na tenda de seus pais. Do lado de fora da tenda Rebeca o aguardava. Ela demonstrava estar inquieta e quando viu Jacó aproximar-se fez-lhe sinal para que andasse mais rápido. Ela tinha pressa. – E então... Como ele está? Perguntou Jacó. – Não sei dizer ao certo – respondeu Rebeca. E acrescentou: – Está chegando a hora meu filho, disso eu tenho 30


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certeza. Precisamos conversar. Temos que tomar uma decisão, juntos. Jacó sabia do que se tratava. Saíram juntos e caminharam a oeste do acampamento. Nesta direção ficavam os currais. Só os animais os ouviriam. – Em breve seu pai se juntará a seu avô. Esaú vendeu a você o direito de primogenitura, mas seu pai não sabe disto. Está na hora dele abençoar o primogênito e passar a herança. Você deve se preparar agora para receber a bênção, antes que seu irmão volte ao acampamento. Jacó expressa sua dúvida e preocupação: – Mas, como faremos isto? Rebeca lhe diz: – Seu pai pediu a seu irmão que fosse caçar e trouxesse algo para lhe preparar o guisado de que tanto gosta. Depressa, Jacó, mate dois cabritos do rebanho. Vou preparar a comida que Isaque quer e você irá levar para ele no lugar de Esaú. Assim você receberá a bênção da primogenitura. – Não é tão simples assim – argumenta Jacó. – Meu irmão é homem peludo e eu tenho pele lisa. Quando nosso pai me apalpar saberá que não é Esaú. – Sua mãe já pensou em tudo, meu filho – diz Rebeca expressando um sorriso ardiloso. – Separei algumas roupas de Esaú para você vestir. Elas exalam cheiro do campo; isto confundirá seu pai. A pele dos cabritos que você irá matar para eu preparar a 31


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comida usarei para cobrir suas mãos e seu pescoço. Ele pensará que é Esaú e te abençoará. – Minha mãe, e se meu pai descobrir que o estamos enganando? Isto trará maldição e não bênção sobre mim! – Não tenha receio Jacó, seu pai está velho e muito doente. Não enxerga mais e sua audição está também comprometida. Quando você for até ele apresente-se como Esaú; ele não vai perceber a diferença. Rebeca o segura pelos ombros, fita-lhe nos olhos e diz: – Não tenha medo Jacó. A bênção é sua. Você será um dos homens mais poderosos destas terras. E eu terei orgulho de você. Apesar da hesitação Jacó gostou do plano. Ele sempre foi dado à uma boa trama. A ideia de sua mãe mexeu com ele. Este seria um desafio perigoso, mas, era justamente isto que o motivava. Sobre tudo, o fato de receber a bênção mais importante da tradição familiar iria conferir a ele a fortuna de seu pai. Para quem andava pelas tendas sem muita preocupação esta seria uma oportunidade de “ouro”. Héber, o velho mensageiro, percebeu a movimentação no acampamento. Dois empregados mataram os cabritos, sob ordem de Jacó. Arrancaram a pele dos animais e as expuseram ao calor do fogo para que secassem rapidamente. Retiraram as vísceras, separaram as partes e colocaram na panela; Rebeca acrescentou os temperos e ordenou que o fogo fosse apurado; o guisado precisava 32


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estar pronto antes do anoitecer. Héber, tendo ao colo seu neto Malaquias, aquele que Isaque abençoou, observava com olhos de tristeza e preocupação. Apesar de o menino ser ainda um bebê ele desabafou: – Malaquias, espero que quando chegar sua vez de ser o mensageiro desta tribo você não passe por momentos como este.

Isaque é enganado Antes que anoitecesse mãe e filho se prepararam para enganar o velho e moribundo Isaque. Eles se encontraram na tenda de Jacó. Rebeca colocou o guisado numa panela pequena, separou duas vasilhas de barro e duas colheres. Jacó iria jantar com seu pai, ou seja, disfarçado de Esaú, Jacó iria jantar com seu pai e usurpar de seu irmão o direito de primogenitura. Ambos estavam ansiosos e tensos. Rebeca começou a vestir Jacó com as vestes de Esaú. Ele reclamou do cheiro das roupas. Um silêncio incômodo acompanhava o ritual. As mãos dela estavam trêmulas. Jacó percebeu isto enquanto suas mãos eram cobertas pela pele dos cabritos. A pele dos animais não estava totalmente seca por isso o cheiro era tão forte. Tenso, Jacó desabafava respirando profundamente. – Será que estamos fazendo a coisa certa? Tenho a sensação de que não estamos agindo conforme o que é direito – argumentou ele.

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– Às vezes temos que fazer o que se deve fazer, mesmo que não seja direito – contestou Rebeca. Com um recorte da pele, em forma de meia lua, ela rodeou o pescoço de Jacó. Os fios da pele dos animais eram tenros, isto disfarçaria melhor, dando a Isaque a impressão de que era pêlo humano. À medida em que se aproximava o instante de ir à tenda de Isaque, Jacó se sentia mais tenso. Esteve prestes a desistir. Rebeca notou em seus olhos uma expressão de arrependimento. Ela sentou-se sobre a cama de Jacó, fez sinal para que ele sentasse a seu lado. Jacó, sempre tão ardiloso e inclinado a um bom jogo de medição de força e inteligência, desabou em lágrimas. Chorou tão intensamente que Rebeca achou que ele iria se descontrolar. Ela reclinou a cabeça de Jacó sobre seu colo e cantou uma das músicas de sua infância. As lágrimas de Jacó umedeceram as roupas de Rebeca. Ele estava trêmulo e pedia perdão ao Deus Eterno pelo que estava prestes a fazer. Sua mãe esperou o tempo que julgou necessário para que seu filho se acalmasse, porém, Esaú poderia chegar a qualquer momento. Não havia mais tempo a perder; a hora era agora. Ela ergueu Jacó, o pôs de pé, olhou firmemente para ele e disse: – Este é o dia mais importante de sua vida, Jacó. Tenha isso em mente: foi seu irmão que decidiu vender a primogenitura por um prato de sopa; ele foi fraco e você foi forte. Quem fará melhor uso da bênção de Isaque? O que você receberá te acompanhará por toda a vida e se 34


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estenderá aos teus filhos, depois de você. E, além do mais, não será esta a própria vontade de nosso Deus? Os dois saíram da tenda de Jacó e se encaminharam na direção da tenda de Isaque. Alguns servos da família observaram os dois caminhando juntos. Jacó vestia uma roupa que não lhe era comum e carregava uma panela às mãos com um aroma de guisado. Não entenderam do que se tratava, no entanto não se atreveram a perguntar o que estava acontecendo. Ao chegarem à porta da tenda Rebeca pediu a Jacó que aguardasse; ela iria conferir se estava tudo bem. Ao entrar na tenda viu Héber sentado ao lado de Isaque. Rebeca arregalou os olhos e expressou fúria ao olhar para Héber. Fez um sinal acintoso ordenando a Héber que saísse. Ela foi atrás dele. Olhando fixamente para o velho mensageiro, perguntou: – O que você está fazendo aqui Héber? – Nada de especial, senhora. Apenas fazendo companhia ao Filho da Promessa – respondeu ele. – Não me subestime, Héber. Eu sei que você veio até minha tenda porque pretendia dizer algo a Isaque. – E o que a senhora julga que eu poderia querer dizer a seu marido? – Héber, eu reconheço que é impossível guardar segredos de família, escondendo-os de empregados antigos como é o seu caso. Só quero deixar bem claro que se alguma coisa der errada e Jacó for prejudicado por algo

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O Jovem Mensageiro

que você tenha dito a Isaque, eu mesma expulsarei toda a sua família deste acampamento, fui clara? – Sim senhora, eu entendi perfeitamente. Gostaria de ser-lhe sincero: bem que desejei alertar seu marido do que está para acontecer, porém cerrei meus lábios; não lhe disse nada. – Ótimo! Tenha certeza de que você fez a coisa certa. Héber se retirou cabisbaixo. Foi para sua tenda elevar uma oração ao Deus dos hebreus. Rebeca entrou na tenda novamente, sozinha. Havia uma pequena lamparina próximo à cabeceira de Isaque; ela tratou de substituí-la por outra que oferecesse mais luz. Acariciou os cabelos esbranquiçados de Isaque e foi acordando-o lentamente. Ele abriu os olhos, olhou para ela, porém não a reconheceu de imediato. – Isaque, seu filho está aqui para vê-lo e está ansioso para falar com você – disse ela. Com voz rouca e embargada o velho patriarca perguntou: – Esaú voltou da caçada? Trouxe-me o guisado que lhe pedi que preparasse? – Sim, meu marido, é isto mesmo. Isaque segurou as mãos de Rebeca; uma lágrima escorreu pela face. Rebeca inquietou-se; por um momento chegou a pensar que seu plano fora descoberto por seu marido. Ele disse:

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Toda história tem um começo

– Rebeca, minha hora está chegando. Não sei quantos dias ainda tenho para viver. Hoje vou abençoar Esaú com a bênção da primogenitura; é direito dele; é assim que determina nossa tradição. O Eterno será com Esaú; nosso filho é valente guerreiro, hábil caçador e será o líder de nosso povo quando eu não estiver mais entre vocês. – E para Jacó, você tem também uma bênção, meu marido? – Jacó também é herança do Senhor. Deus saberá como abençoá-lo. Não posso dar a Jacó o que pertence a Esaú. Rebeca levantou-se; pela primeira vez sentiu-se culpada pelo engodo que havia arquitetado a fim de favorecer Jacó em prejuízo de Esaú, que também era filho de seu ventre. Ela pensou em desistir, porém, Jacó era seu preferido. Foi à porta da tenda e fez sinal a Jacó para que entrasse. Abraçou-o, beijou-lhe a face e sussurrou aos seus ouvidos: – Lembre-se, a partir de agora você é Esaú. Jacó adentrou à tenda relutante. De todas as tramoias com os quais se envolveu aquela, sem dúvida, superaria a todas. Pé por pé, passo a passo se aproximou da cama de seu pai. Isaque sentindo o aroma do guisado, falou: – Que cheiro delicioso! É você Esaú, meu primogênito? Jacó demorou um pouco a responder. O medo e uma crise muito rápida de consciência o fizeram hesitar; contudo foi em frente: 37


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– Sim, meu pai, sou eu, Esaú seu filho. Isaque ficou em silêncio por um instante. Jacó sentiu seus joelhos trêmulos; começou a transpirar pelas mãos. Percebendo que algo poderia dar muito errado, tratou de colocar a panela no chão e aguardou calado a reação de Isaque. – Chegue mais perto, meu filho. Jacó, vestido de Esaú, se ajoelhou ao lado de seu pai. Isaque o abraçou e o beijou. Jacó percebeu a dúvida de seu pai e isto o fez ficar muito tenso. O velho patriarca então se manifestou: – Meu filho, me perdoe, mas não consigo mais enxergar e minha audição está fraca. Preciso ter certeza de que é mesmo Esaú. Jacó voltou a dizer: – Sou eu, Esaú, seu primogênito. Fiz o que o senhor me pediu: fui à caça e lhe preparei o guisado de que tanto gosta. – Vamos comer juntos, meu filho. Sirva-me um prato deste guisado que você preparou. E você também se sirva; esta é uma das refeições mais importantes para nós. Jacó ajudou seu pai a se sentar. Colocou almofadas grandes à suas costas. Pôs um pano como forro para que Isaque não se sujasse, caso derramasse a sopa. O velho pai dos gêmeos não conseguia levar a colher à boca, estava trêmulo, muito fraco. Jacó colocou seu prato de lado e passou a alimentar seu pai. Isaque comeu toda a comida que estava no prato e pediu a seu filho que lhe servisse um 38


Toda história tem um começo

pouco mais. Um silêncio que doía aos ouvidos se fez entre os dois. Apenas o som da colher que raspava o prato e o engolir da comida por Isaque quebrava aquele silêncio. Jacó percebeu que Isaque buscava ter certeza de que era Esaú quem estava com ele. Do lado de fora Rebeca procurava ouvir o que se passava no interior da tenda. Isaque fez sinal com a mão dizendo que não queria mais sopa, estava satisfeito. Jacó colocou o prato de seu pai ao lado do seu, que permaneceu cheio e esfriou-se. Isaque retomou a conversa: – Meu filho, preciso confessar algo. Jacó, que já havia relaxado voltou a ficar tenso. – Sua voz parece a de Jacó, mas o cheiro do campo, da caça e o corpo peludo me faz acreditar que é Esaú. – Sim, meu pai. Entendo que seja difícil para o senhor perceber as diferenças. – Você tem razão. Esaú, meu filho, prepare-se para receber a bênção da primogenitura. Conforme a tradição, Jacó, fazendo-se passar por Esaú, ajoelhou-se e colocou sua mão sob a coxa de seu pai. Isaque, então passou a abençoá-lo com a bênção que era para ser de Esaú: – “Assim, pois, te dê Deus do orvalho dos céus, e das gorduras da terra, e abundância de trigo e de mosto. Sirvam-te povos, e nações se encurvem a ti; sê senhor de teus irmãos, e os filhos da tua mãe se encurvem a ti; malditos sejam os que te amaldiçoarem, e benditos sejam os que te abençoarem”. 39


O Jovem Mensageiro

Estava feito. O plano de Rebeca deu certo. Jacó se levantou vagorosamente, beijou seu pai, pegou a panela, os pratos e se retirou da tenda. Antes de sair, olhou para seu pai e se entristeceu. Ele era um bom homem, estava velho e doente, mas permanecia fiel às tradições de sua família. Jacó percebeu que havia ido longe demais ao concordar com a trama de sua mãe. Porém, o que havia sido feito não teria mais como ser desfeito. O tempo mostraria as consequências dos atos daquele dia. Do lado de fora sua mãe o aguardava. Eles se abraçaram e caminharam assim, em direção à tenda de Jacó. No caminho Héber os encontrou e relatou que Esaú havia chegado da caça; estava em sua tenda preparando o guisado para Isaque. Mãe e filho apressaram o passo. Encontrar com Esaú naquele momento seria a pior coisa que poderia acontecer.

Tarde demais O primogênito de Isaque, o legítimo, correu à tenda de seu pai. Lá, o encontrou acordado e um pouco mais fortalecido, graças ao preparado que acabara de comer com Jacó. Sem demora Esaú se apresentou: – Meu pai, trouxe-lhe o guisado de que tanto gosta. Deus esteve comigo e realizei uma de minhas melhores caçadas. Anime-se, vamos comer juntos e depois receberei sua bênção. Isaque perguntou: 40


Toda história tem um começo

– Mas, quem é você? – Eu sou Esaú, o teu primogênito. Isaque se abalou. Começou a tremer como quem é tomado de assalto por uma notícia trágica. – Quem esteve comigo até há pouco? Ele me trouxe da caça, comemos juntos e eu o abençoei. Ele será bendito. Isaque entendendo que foi enganado por Jacó, disse: – Sem dúvida, seu irmão me enganou e ardilosamente tomou de você a bênção, Esaú. – Não é sem razão que seu nome significa usurpador. É isto que ele sabe fazer de melhor: mentir, enganar e tramar contra os membros de sua própria família – desabafou Esaú. Decepcionado, indignado e sentindo-se desamparado ajoelhou-se aos pés de seu pai e suplicou em alta voz. Seus gritos foram ouvidos por todo o acampamento. – Por favor, meu pai me abençoe! Eu preciso da sua bênção; conceda-me pelo menos uma bênção. Isaque, diante do desespero de seu verdadeiro primogênito, chorou. Estas foram as palavras do velho patriarca: – “Eis que a tua habitação será nas gorduras da terra e no orvalho dos altos céus. E pela tua espada viverás, e ao teu irmão servirás. Acontecerá, porém, que quando te assenhoreares, então sacudirás o seu jugo do teu pescoço.” Esaú levantou-se frustrado com a bênção que o pai lhe conferira. Um ódio mortal contra Jacó se apoderou de 41


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seu coração. Ele saiu da tenda transtornado; punhos cerrados. Um sentimento de vingança o possuiu e ele queria executá-la naquela noite. Enquanto se dirigia à sua tenda, a passos largos e pesados, Héber veio ao seu encontro. Ele deteve Esaú; segurou-lhe com toda a força que tinha. Não foi nada fácil; Héber era um ancião e Esaú um caçador de braços fortes e ligeiros em seus movimentos. Percebendo o esforço do velho mensageiro em procurar impedir que uma loucura fosse feita no acampamento hebreu, Esaú conteve-se. Consciente de sua dominação o primogênito do Filho da Promessa buscou o equilíbrio. Sentou-se no chão de areia e caiu em prantos. Héber não disse palavra alguma. Apenas esperou. Depois de muito choro Esaú olha para o servo mais considerado de seu pai; enxuga a face molhada e diz: – Chegará o dia em que meu pai será sepultado. Depois disto vou acabar com a vida de Jacó. Vou matá-lo com minhas próprias mãos. Vingarei a minha dor até o último suspiro desse crápula, do meu irmão. Suas memórias serão apagadas; ele será esquecido por todas as gerações. Héber tenta levá-lo a refletir: – Não esqueça sua mãe, Esaú. Se fizer isto você a fará sofrer muito. Em tom de desprezo e dor ele olha para o céu como quem busca uma resposta:

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– Minha mãe... Rebeca... Já escolheu um filho para amar e este filho não sou eu, Héber. O que sobrou para mim? Esaú levantou-se do chão. Decidiu voltar à sua tenda. Héber o acompanhou; teve receio do que Esaú pudesse fazer. O velho mensageiro, amigo de Isaque, foi ao encontro de Rebeca naquela mesma noite. Contou a ela sobre o profundo rancor e a intenção declarada de vingança de Esaú contra Jacó. Alguma coisa precisava ser feita, e rápido; caso contrário uma desgraça iria acontecer. Imediatamente Rebeca mandou chamar Jacó. Ele estava em sua tenda, reflexivo, ainda sob o efeito das fortes emoções vividas. Foi ao encontro de sua mãe que lhe contou sobre as intenções de seu irmão: – Ele está se consolando com a ideia de matá-lo– disse ela. Você deve fugir imediatamente, Jacó. Rebeca decidiu que seria melhor Jacó ir e refugiar-se em Harã, na casa de Labão, seu tio, irmão de Rebeca. A fim de obter a aprovação de Isaque, ela disse que seria melhor Jacó ir procurar uma esposa junto à sua família e que não fizesse como seu irmão Esaú que se casou com mulheres heteias, afinal, quantos problemas elas causaram aos hebreus. Isaque concordou. Os preparativos foram feitos às pressas. Ela chamou Héber e sua família. Deu ordens para que Sete, o filho de Héber, sua nora e seu neto fossem com Jacó. Eles passariam a servi-lo daquele dia em diante. 43


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Héber foi tocado por um sentimento de profunda tristeza. Seria difícil despedir-se de seu neto Malaquias. Ele tinha outros netos e netas, todos lhes eram importantes e a todos ele amava, porém Malaquias, o recém-chegado à família, ocupava um espaço especial no coração de Héber. Enquanto Sete e sua esposa preparavam a bagagem para partir a caminho de Harã com Jacó, o velho mensageiro pegou seu neto nos braços e saiu da tenda. Ele sabia que talvez não fosse ver seu neto novamente. Uma lágrima correu sobre sua face. Abraçou Malaquias aconchegando-o a seu peito. Olhou nos olhos de seu neto, suspirou profundamente e disse: – Não sei se o verei outra vez, mas quero abençoá-lo agora. Malaquias, seu nome significa mensageiro de Deus. Você será o mais importante mensageiro de nossa família. Passo a você o dom e a missão que recebi. Torne-se um homem de valores inegociáveis. Determinação, honestidade, fidelidade, humildade, coragem e perseverança, sejam teus companheiros na jornada. Faça, sempre, o seu melhor. O bom mensageiro sabe que não importa se as notícias são boas ou ruins, cabe ao mensageiro fazê-las chegar a quem delas precisa. Malaquias permaneceu com os pequeninos olhos bem abertos, enquanto seu avô falava. Parecia estar entendendo as palavras do velho mensageiro. Héber voltou à tenda. Entregou seu netinho aos cuidados de sua mãe. Ficou por ali, aguardando o momento da despedida.

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Esaú, desolado pelo que acabara de lhe acontecer, foi buscar consolo junto às suas esposas heteias, Judite e Basemate. Ele sabia que estas mulheres eram, em parte, a causa de seu conflito com Rebeca, sua mãe e Isaque, seu pai. Por algumas horas, naquela noite ele ficou a refletir sobre o que aconteceu. Ainda que tentasse negar para si que não tivesse culpa pelo infortúnio que viveu, admitiu que negociar sua primogenitura foi uma atitude impulsiva e tola. Esaú sempre se achou melhor do que seu irmão. Ele via a si próprio como um homem corajoso, capaz de passar dias caçando. Não temia enfrentar animais ferozes; aquilo lhe parecia um grande desafio. Era sua maneira de demonstrar força, perspicácia, estratégia e capacidade de suprir as necessidades de sobrevivência de sua casa. O fato de, a contragosto de seus pais, casar-se com mulheres pagãs era uma forma de demonstrar independência. A imagem que ele tinha de seu irmão Jacó era a de um homem fraco e sempre dependente. Para ele seu irmão gêmeo não passava de um acomodado vivendo às custas dos pais. Enquanto ele se via como um futuro líder, a Jacó via como um subserviente sem grandes perspectivas. Em sua opinião o usurpador tinha muito tempo ocioso, por isso gastava seus dias engendrando coisas ruins. O outro lado, que Esaú não enxergou, era que enquanto ele se afastava de seus pais Jacó construía laços familiares mais estreitos, uma vez que passava mais tempo com eles. Enquanto seu irmão vivia as tradições familiares, Esaú não dava a elas grande importância. O que Jacó 45


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fez nĂŁo pode ser justificado, mas pode ser explicado e compreendido. O tempo iria mostrar nĂŁo quem estava certo, mas o que cada um iria colher das sementes que espalhou na lavoura da vida.

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CAPÍTULO 2

UMA EXPERIÊNCIA SOBRENATURAL


O Jovem Mensageiro

E

ra madrugada quando Jacó se preparou para ir à Mesopotâmia, mais especificamente a Padã-Harã, terra de Labão, seu tio. A noite calma contrastava com a urgência da fuga do preferido de Rebeca. Havia muitas estrelas no céu do deserto; uma brisa leve, um tanto fria, soprava naquela hora. Rebeca orientava a esposa de Sete quanto as coisas que deveriam carregar. Água, comida, agasalhos – eram indispensáveis para a jornada. Do lado de fora da tenda o velho Héber se despedia de seu filho; entre abraços e lágrimas disse à Sete: – Cuide bem de Jacó! Não o julgue mal, nem precipitadamente. Os caminhos do Deus Eterno não são como os nossos – são muito mais elevados. Há promessas de Deus para a família de Abraão. Não importa o que aconteça, a vontade do Deus Eterno é soberana. Tudo irá se cumprir e Ele próprio se encarregará de dar o rumo que as coisas devem tomar. Na tenda, Rebeca abraça seu filho e lhe deseja uma viagem tranquila e bem-sucedida. Jacó pranteou aos ombros de sua mãe como se fosse uma criança que estava sendo retirada de seus pais. Ele estava inseguro! Não tinha certeza sobre o que o futuro reservava para ele. Chegou o momento de dar conta de sua própria vida, fazer suas próprias escolhas e ter que lidar com as lembranças do tempo que viveu no acampamento de sua família. Ainda, viveria em sua mente com a imagem do momento em que enganou a seu pai e com a dura expectativa de ser perseguido por seu irmão Esaú. A vida de Jacó iria mudar! 48


Uma experiência sobrenatural

Três mulas carregadas, uma família de servos e um homem em fuga que esperava herdar os bens de seu pai, formavam a pequena caravana. Eles iniciaram a marcha noite adentro. Rebeca os observou até que a escuridão os escondeu de seus olhos. Muitos sentimentos diferentes a assombraram naquele momento: saudade, arrependimento, medo, esperança, angústia.

No deserto... Jacó e sua pequena caravana empreenderam uma marcha que duraria aproximadamente quarenta dias. Ele decidiu que a cada três dias de caminhada ficariam um dia inteiro acampados. Completados os primeiros três dias acamparam próximo a uma pequena comunidade de beduínos que havia se instalado na rota de viagem deles. Era fim de tarde. Jacó pediu a Sete que fosse até eles e lhes entregasse mensagem de apresentação e cordialidade. Era necessário para que não suspeitassem do pequeno grupo que passava por ali. Sete retornou com uma mensagem que tranquilizou a Jacó. O líder deles não só permitiu que se estabelecessem ali pelo tempo que precisassem, mas também ofereceu água e alimento para os viajantes. Desde que saíram de Berseba Jacó pouco falou. Passava horas em completo silêncio. Parecia meditar sobre seu momento de vida. Sete e sua esposa, atendendo as orientações de Héber, procuravam suprir-lhe as necessidades. Porém, há momentos em que a única companhia 49


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