O Reino de Deus e a missão da Igreja | Evandro R. Rojahn

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Evandro R. Rojahn


Copyright©2018 por Evandro Roque Rojahn

Todos os direitos reservados por: A. D. Santos Editora Al. Júlia da Costa, 215 80410-070 Curitiba – Paraná – Brasil +55(41)3207-8585 www.adsantos.com.br editora@adsantos.com.br

Capa:  APS Diagramação e projeto gráfico:   Manoel Menezes Coordenação editorial:   Priscila Laranjeira Impressão e acabamento: Gráfica Patras

A imagem da capa é “A expulsão de Adão e Eva do paraíso”; vitral na igreja de Dinant na Bélgica e retrata o momento em que o Plano de Salvação foi instituído. Desde a queda Deus sempre intencionou reconduzir o homem a Deus e, ainda que lhes negasse o acesso ao Paraíso, providenciou, através de Jesus Cristo, a salvação. O caminho para o Reino de Deus é Cristo e a missão da Igreja é levar o homem a conhecê-lo.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) ROJAHN, Evandro Roque O Reino de Deus e a missão da igreja / Evandro Roque Rojahn – A.D. Santos Editora, Curitiba, 2018. 296 páginas. ISBN – 978.85.7459-500-2 CDD 262.1 1. Igreja 2. Liderança Crista 3. Eclesiologia CDD 152.46 1. Aspectos Religiosos – Cristianismo 2. Vida Espiritual I. Título

1ª Edição: Dezembro / 2018.

Proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios a não ser em citações breves, com indicação da fonte.

Edição e Distribuição:


Dedicatória

À minha esposa Luciana, por seu amor, paciência e sacrifício. À Júlio Mastella, companheiro no labor teológico. À Claiton Kunz, estimado professor. Ao meu Deus, Rei dos Reis e Senhor dos Senhores.

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Apresentação

Perdi as contas de quantas vezes li a Bíblia desde que fui alcan-

çado pelo Rei. Em todas as vezes que lia, o tema do Reino de Deus parecia tão claro e simples de se entender. Não parecia algo complexo. Até que, no início do ano de 2015, durante uma aula do curso de teologia, o professor mencionou o Reino de Deus como sendo já e ainda não. Como assim? Fiquei curioso. Até o momento, estava em busca de um tema para meu trabalho final e não havia encontrado nada que me despertasse o interesse. Mas, voltei ao texto da Bíblia, me ative às passagens que mencionavam o Reino de Deus. Não é apenas o paradoxo da temporalidade, mas o Reino de Deus, agora parece ser um tema mais complexo. Naquele instante eu soube o que realmente queria. Desde então tenho me dedicado a estudá-lo. A Teologia do Reino de Deus foi minha inspiração na pós-graduação, foi tema central em minhas pesquisas. Rendeu diversos artigos incluindo o trabalho final de pesquisa no mestrado. A obra que você tem em mãos é resultado de minhas pesquisas nos últimos três anos. Nos dias em que não estava lecionando no colégio minhas aulas de Filosofia, me dedicava aos estudos das oito da manhã até as onze da noite. Perdi as contas, de quantas vezes estudei o dia todo, e quando me deitava para dormir o Reino de Deus me fascinava e me tirava completamente o sono. Durante o dia, pesquisava e durante a noite meditava e sonhava com este Reino. Essa obra é resultado de muita dedicação. Meu desejo a você, é que seja tocado pelo Rei e desperte para a realidade do Reino de Deus e a Missão da Igreja. Evandro Roque Rojahn Prof. Me

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Prefácio

O Reino de Deus, com toda certeza, é um dos temas mais fas-

cinantes no estudo das Escrituras Sagradas. Não é possível compreender a Bíblia sem entender minimamente o conceito do que vem a ser o Reino de Deus. É imprescindível, portanto, debruçar-se sobre este assunto e ampliar o entendimento sobre o mesmo. O professor Evandro Roque Rojahn nos auxilia grandemente nesta tarefa de compreensão, presenteando a comunidade acadêmica e eclesiástica com a sua obra “O Reino de Deus e a Missão da Igreja”. Estudioso dedicado das Escrituras e de obras acadêmicas, bem como talentoso na habilidade de escrever, o autor oferece um valioso estudo sobre este tema central na Bíblia. Como professor do mestrado da FABAPAR, fui testemunha pessoal da dedicação do Evandro em seus estudos. O autor transita facilmente entre grandes teólogos como Rudolf Bultmann, Joachim Jeremias e George Ladd, sintetizando e sistematizando seus ensinos sobre o Reino, bem como percorre os textos bíblicos que são a principal fonte sobre o tema, nos Salmos, nos Profetas, nos Evangelhos e nas Cartas Paulinas. Outra característica importantíssima da obra é a relação do Reino com Igreja e a missão que esta tem para com o Reino de Deus. Destaca ainda a temporalidade do Reino, sua irrupção na história humana e a conhecida expressão do “já e ainda não”. As quase duas centenas de obras consultadas e as quase mil notas de rodapé demonstram o exercício incansável de expor o tema da melhor forma possível. A linguagem fluente e precisa torna a leitura vii


da obra agradável e proveitosa. Recomendo tranquilamente tanto para acadêmicos de teologia quanto para leigos das igrejas. Desejo que esta obra possa edificar a vida e o ministério de cada um dos seus leitores, assim como edificou a mim. Uma ótima leitura a todos. Dr. Claiton André Kunz Diretor da Faculdade Batista Pioneira Professor do Mestrado da FABAPAR

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Sumário Dedicatória_________________________________________________ iii

Apresentação_________________________________________________ v Prefácio____________________________________________________ vii Prolegômenos_______________________________________________ 13

I. O REINO DE DEUS NO SÉCULO XX______________________ 47 1. A Teologia do Novo Testamento de Rudolf Bultmann_____________ 48

2. A Teologia do Novo Testamento de Joachim Jeremias______________ 55 3. A Teologia do Novo Testamento de George Eldon Ladd___________ 60 II. A DEFINIÇÃO DO CONCEITO DE REINO DE DEUS______ 73 1. O Reino de Deus na Perspectiva de Bultmann____________________ 74 2. O Reino de Deus na Perspectiva de Joachim Jeremias______________ 76

3. O Reino de Deus na Perspectiva de George Eldon Ladd____________ 77 4. Definições e Sinônimos______________________________________ 78 5. Definição Multidimensional do Reino de Deus___________________ 87 III. A PROCLAMAÇÃO DO REINO DE DEUS________________ 99 1. Jesus, o proclamador do Reino de Deus________________________ 100 2. A igreja Proclamadora do Reino de Deus_______________________ 110 2.3 A Proclamação do Reino de Deus___________________________ 116 IV. PROCLAMAR O REINO DE DEUS É A MISSÃO DO POVO DE DEUS__________________________________________ 129

1. A Missão do Povo de Deus no Antigo Testamento_______________ 130 1.1. A formação do Povo de Deus_______________________________130 1.2. O Povo Servindo a Deus no Deserto_________________________134 1.3. O Fracasso de Israel como Povo de Deus______________________138 ix


2. A Missão do Povo de Deus no Novo Testamento________________ 143 2.1. A Nova Formação Povo de Deus____________________________143 2.2. A Missão do Novo Povo de Deus____________________________146 2.3. O Cumprimento da Missão________________________________148 V. O REINO DE DEUS – UMA INTERPRETAÇÃO DOS SALMOS DE ENTRONIZAÇÃO____________________________ 153 1. Uma Interpretação do Salmo 47______________________________ 154 2. Uma Interpretação do Salmo 93______________________________ 158 3. Uma Interpretação do Salmo 96______________________________ 161 4. Uma Interpretação do Salmo 97______________________________ 162 5. Uma Interpretação do Salmo 99______________________________ 165 VI. O REINO DE DEUS NOS PROFETAS MAIORES__________ 169 1. O Reino e o Governo de Deus em Isaías_______________________ 170 2. O Reino de Deus em Jeremias_______________________________ 176 3. O Reino de Deus em Ezequiel_______________________________ 178 4. O Reino de Deus em Daniel_________________________________ 180

VII. JOÃO BATISTA – MAIS QUE PROFETA E NO LIMIAR DO REINO DE DEUS_____________________________________ 189 1. O Surgimento do Batista___________________________________ 190 2. A Mensagem do Batista____________________________________ 192 2.1. O Arrependimento_______________________________________192 2.2. A Irrupção do Reino______________________________________194 3. O Lugar do Batista no Reino________________________________ 196 3.1. O Maior Entre os “Nascidos de Mulheres”_____________________196 3.2. O Menor no Reino é Maior que João_________________________197 3.3. No Reino e Fora Dele_____________________________________199

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VIII. A IRRUPÇÃO DO REINO DE DEUS NA TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO DE RUDOLF BULTMANN___________ 203

1. Apresentação do Teólogo Alemão_____________________________ 204 1.1. Breve Biografia de Rudolf Bultmann_________________________204 1.2. Destaques da Teologia de Rudolf Bultmann____________________206 1.3. Bultmann e Sua Teologia do Novo Testamento_________________210 2. A Irrupção do Reino Segundo Bultmann_______________________ 212 2.1. A Pregação Escatológica em Bultmann_______________________212 2.2. A Hora da Decisão na Teologia de Bultmann__________________215 2.3. Um Engano do Próprio Cristo?_____________________________217 IX. A EXIGÊNCIA ÉTICA DO REINO DE DEUS NA TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO DE RUDOLF BULTMANN_______ 221 1. Apresentação do Teólogo___________________________________ 222 2. A Exigência Ética_________________________________________ 224 X. A TEMPORALIDADE DO REINO DE DEUS______________ 229

1. O Conceito de Reino ou Reinado de Deus______________________ 230 2. A Irrupção do Reino na Proclamação De Jesus__________________ 232 3. A Dualidade Temporal do Reino de Deus______________________ 234 4. O Reino Presente_________________________________________ 235 5. O Reino Futuro___________________________________________ 240 XI. UMA ANÁLISE DO REINO DE DEUS NA TEOLOGIA DE PAULO___________________________________________________ 247 1. Aquilo que o Reino de Deus não é____________________________ 248 1.1. Não seria o Tema Central__________________________________248 1.2. Não é Comida nem Bebida_________________________________250 1.3. Não Consiste em Palavras__________________________________252 1.4. Não é para Carne e Sangue_________________________________253 2. Aquilo que o Reino de Deus é_______________________________ 255 2.1. O Reino de Deus é Justiça, Paz e Alegria no Espírito Santo_______255 xi


2.2. O Reino de Deus é Moral__________________________________257 2.3. O Reino é de Deus e de Cristo______________________________258

3. A Temporalidade do Reino de Deus na Teologia de Paulo__________ 259 3.1. O Reino de Deus é Presente________________________________260 3.2. O Reino de Deus é Futuro_________________________________260 Considerações Finais_________________________________________ 263 Referências________________________________________________ 283

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Prolegômenos

A relevância da proclamação do Reino de Deus pode ficar ainda

mais evidente quando se observar a forma como Deus se apresenta para a humanidade. Deus é compreendido pela sabedoria humana a partir de paradigmas humanos, como por exemplo, Pai.1 Deus é compreendido como Pai a partir de um paradigma humano de pai, com uma grande diferença, Ele é o padrão mais elevado de Pai, o Pai perfeito em todos os aspectos. Segundo Zuck, nos mais calorosos termos humanos, o Senhor é um Pai para seu povo.2 Com relação ao seu Reino, Deus pode ser compreendido como o Soberano, o Rei, o Dominador absoluto e supremo, o Rei dos Reis, o Senhor dos Senhores. Deus é o Soberano mais elevado e exaltado, o qual reina com majestade, poder e autoridade incalculáveis.3 A Escritura de forma geral apresenta este tema desde seu primeiro livro, Gênesis, culminando na apresentação do Reino eterno, pleno que é revelado no final de Apocalipse. O Pentateuco sugere a separação de um povo especial, peculiar sobre o qual, Deus deveria ser o Soberano. Com a morte de Moisés, a liderança do povo israelita esteve nas mãos de Josué. Por meio de Josué, as nações cananeias foram, em sua grande maioria, destituídas, e os israelitas entraram

1 BRUEGGMANN, Walter. Teologia do Antigo Testamento. Tradução de Jonathan Luis Hack. – São Paulo: Academia Cristã; Paulus, 2014, p. 340. 2 3

ZUCK, Roy B. Teologia do Antigo Testamento; tradução de Luís Aron de Macedo. – Rio de Janeiro: CPAD, 2009, p. 81. KISTEMAKER, Simon. Apocalipse; Tradução de Valter Martins. - São Paulo: Editora Cultura Cristã, 2004, p. 660.

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O Reino de Deus e a Missão da Igreja

em uma fase de conquistas grandiosas. Após a morte de Josué, a necessidade de um líder parece ficar ainda mais evidente.4 Israel, que ainda não era considerada uma nação, um Estado, politicamente organizada como as demais nações, sofre ascensões e quedas, períodos de glória com as conquistas de Josué e as vitórias dos juízes, e momentos de declínio moral e desprezo total da vontade de Deus. O povo então, clama por um Rei, que possa sair à frente do povo, como fazem as demais nações. Com a instituição da monarquia israelita, Deus é “aparentemente” rejeitado, pois seu povo desejava ser como as nações ao seu redor, politicamente organizadas e dominadas por um soberano, um monarca. No primeiro livro de Samuel, fica claro que, o povo estava equivocado com relação ao Governo de Deus, pois Ele, já reinava5 sobre eles, mas eles não perceberam. Os salmistas fizeram alusões diversas ao Senhor como Soberano, Dominador, Rei.6 Por diversas vezes os salmistas clamam ao seu Deus, chamando-o de melek,7 Rei.8 Em cada uma dessas passagens, um aspecto da Realeza divina pode ser observado, tornando-se simultaneamente um apelo imbuído de arrependimento, pois anelam ardentemente que Deus torne a ser o seu melek, o seu Rei. Nisto é possível perceber, que Deus sempre cuidou de seu povo, esteve à frente, liderando, guerreando e protegendo, legislando amoro4 MULDER, Chester O. et al. Comentário Bíblico Beacon – Volume 2. -Rio de Janeiro: CPAD, 2016, p. 96. 5 6

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HENRY, Matthew. Comentário Bíblico – Antigo Testamento – Josué a Ester; tradução de Valdemar Kroker, Haroldo Janzen e Degmar Ribas Júnior. 1 ed. – Rio de Janeiro: CPAD, 2010, p. 91. Salmo 29.10.

HARRIS, R. Laird. (Org.). Dicionário Internacional de Teologia do Antigo Testamento. Tradução de Márcio Loureiro Redondo, Luiz Alberto T. Sayão, Carlos Osvaldo C. Pinto. – São Paulo: Vida Nova, 1998, p. 840. BÍBLIA. Português. Bíblia de Estudo Plenitude. Almeida Revista e Corrigida. – Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2001, p.552.

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Prolegômenos

samente, mas foi rejeitado, pois seu povo ambicionou ser como as nações pagãs. A monarquia foi instituída e, mais adiante, não restarão dúvidas de que, o problema não era a falta de um rei humano,9 mas o desprezo que os israelitas nutriam pela lei10 de Deus. Os profetas Isaías e Jeremias proclamam Aquele que sempre foi o verdadeiro Rei, aquele que reina absolutamente acima de todos os monarcas e governantes, a Deus, cujo domínio desabsolutiza qualquer governo.11 Os profetas maiores anunciam o grande erro cometido pelo povo, rejeitar o domínio do Senhor. Os exílios dos reinos do Norte12 e do Sul13 são evidências do declínio moral e espiritual de um povo que pediu para si um rei e rejeitou o domínio de um Deus amoroso e justo. No Antigo Testamento o Reino de Deus aparece de forma muito discreta, isto é, sua revelação é bastante singela. Richards afirma que o poder, por meio do qual Deus reinava estava oculto14 até então, e que, a vinda do Messias exercitaria esse poder abertamente. O Novo Testamento vai deixar a mensagem do Reino evidente. Ela é o tema principal da pregação de João Batista.15 A mensagem da proximidade do Reino de Deus é acentuada no ministério de Jesus e dos apóstolos. Ela é evidente e largamente recorrente nos sinóticos, embora 9

RADMACHER, Earl. ALLEN, Ronald B. HOUSE, H. Wayne. Org. O Novo Comentário Bíblico Novo Testamento, com recursos adicionais – A Palavra de Deus ao Alcance de Todos; tradução de Bruno Destefani. 1ª ed. – Rio de Janeiro: Editora Central Gospel, 2010, p. 440.

10 ELLISEN, Stanley A. Conheça Melhor o Antigo Testamento; tradução de Emma Anders de Souza Lima. – São Paulo: Editora Vida, 1993, p. 78. 11 BRUEGGEMANN, 2014, p. 334.

12 SMITH, Gary. Comentário do Antigo Testamento: Amós; tradução Valdeci da Silva Santos e Susana Klassen. - São Paulo: Cultura Cristã, 2008, p.353.

13 WIERSBE, Warren W. Comentário Bíblico Expositivo: Antigo Testamento: volume II, Histórico; traduzido por Susana E. Klassen. - Santo André: Geográfica editora, 2006, p. 582. 14 RICHARDS, Lawrence C. Comentário bíblico do professor: um guia didático completo para ajudar no ensino das Escrituras Sagradas do Gênesis ao Apocalipse; tradução de Valdemar Kroker e Haroldo Janzen. – São Paulo: Editora Vida, 2004, p. 620.

15 STERN, David H. Comentário Judaico do Novo Testamento; tradução de Regina Aranha, et al. – São Paulo: Editora Atos, 2008, p. 41.

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O Reino de Deus e a Missão da Igreja

apareça de forma sinônima no quarto evangelho, onde, nas palavras de João, o Reino de Deus assume a expressão Vida, pois não coincidentemente ambos se revelam e podem ser experimentados antes do fim.16 Reid sugere que a noção de Reino em João tomou uma forma mais intelectualista como se deu também a noção de vida.17 Além de diversas referências diretas e indiretas nas epístolas.18 O Reino de Deus foi, e ainda é, um dos temas mais problematizados e abrangentes principalmente em teologia do Novo Testamento. A dificuldade primária a respeito do Reino de Deus, se refere ao objeto de pesquisa. O conceito de Reino de Deus, por sua frequência, recorrência e importância deve ser considerado um objeto digno de ser investigado e suscetível a formulação e delimitação em função da pesquisa.19 Se o Reino de Deus é um tema tão frequente na Escritura e consequentemente importante para Deus, logo deve ser também algo de extrema relevância para o cristianismo de modo geral! A mensagem da proximidade do Reino não possui paralelos idênticos no Antigo Testamento e é extremamente rara no Judaísmo contemporâneo a Jesus.20 A mensagem do Reino de Deus assume uma importância significativa na Era Messiânica. Jesus faz daquilo que aparentemente não era “importante” o tema principal de sua mensagem.21 16 CARSON, D. A. O Comentário de João; tradução de Daniel de Oliveira e Vivian do Amaral Nunes. – São Paulo: Shedd Publicações, 2007, p. 203.

17 REID, Daniel G. Dicionário Enciclopédico da Bíblia. Tradução de Frederico Stein. – Santo André: Academia Cristã; São Paulo: Paulus, 2014, p. 1295.

18 Romanos 14.17, 1 Coríntios 4.20, 6.9, 10, 15.24, 50, Gálatas 5.21, Efésios 5.5, Colossenses 4.11, 1 Tessalonicenses 2. 12, etc.

19 LAKATOS, Eva Maria. Fundamentos de metodologia científica. – 7. ed. – São Paulo: Atlas, 2016, p. 26. 20 JEREMIAS, Joachim. Teologia do Novo Testamento; tradução de João Rezende Costa. – São Paulo: Hagnos, 2008, p. 160. 21 WILLIAMS, Derek. Dicionário Bíblico Vida Nova; tradução de Lucy Yamakami. et al. - São Paulo: Vida Nova, 2000, p. 315.

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Prolegômenos

Com base nesse problema do Reino de Deus, a pergunta norteadora é: qual a importância da compreensão e da proclamação do Reino de Deus na missão do povo de Deus da atualidade? Responder a essa questão será de fundamental importância. Já fora afirmado anteriormente que o Reino é o tema principal da proclamação pública e do ensino de Jesus. Isto inicialmente parece ser uma característica da era messiânica, um cumprimento de profecias antigas22 que descrevem o Messias e sua relação com a proclamação e inauguração do Reino de Deus. Será possível encontrar sua forma primária na Teologia do Antigo Testamento enquanto se trata de algo totalmente novo no que diz respeito à sua forma. Os salmos anunciaram sem oscilar que Deus é Rei e Reina soberana e absolutamente sobre toda a terra. No Antigo Testamento, Deus não é compreendido como Rei de um pequeno território ou mesmo de uma grande nação. Seu reinado é primeiramente espiritual, em seguida revela alguns de seus aspectos dinâmicos por meio da postura de alguns monarcas. Mas é o Messias em sua pessoa e missão que inaugurará esse novo tempo histórico, o novo éon. Jesus acredita que sua chegada, sua presença significa teologicamente o fim de uma era e o início de outra que perdurará até seu retorno, sua segunda vinda. Jesus empregava seu tempo particular ensinando aos seus seguidores sobre o mistério do Reino de Deus. Jesus desejava esclarecer o significado do Reino de Deus, seus discípulos, porém, insistiam que o reino fosse político e que deveria ser restaurado a Israel.23 Isso significa que a compreensão do Reino de Deus anunciado por Jesus ainda não estava clara para os seus seguidores. Para dissipar as confusões sobre o tema, compreender o significado do conceito do Reino e sua importância para a missão do povo de Deus é primordial para este estudo. 22 BÍBLIA. Isaías 52.7. 2011, p. 1233. 23 BÍBLIA. Atos 1.6. 2012, p. 1136.

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O Reino de Deus e a Missão da Igreja

Diversas passagens que revelam Deus como Rei nos livros históricos, nos salmos e profetas tomam sua última forma no querigma neotestamentário. Elas se afunilam no anuncio da irrupção do Reino de Deus primeiramente em João Batista. A constante utilização do conceito de Reino como tema central da proclamação de Jesus já fornece uma pista de sua elevada importância. João Batista anuncia a proximidade do Reino de Deus, sendo que, para alcança-lo, o requisito primário é o arrependimento e logo em seguida a confirmação pública por meio do batismo. A princípio poderia ser aceito simplesmente, que João Batista estivesse se referindo à chegada de Jesus, que era mais poderoso que ele. Mas o Messias se manifesta e começa a anunciar a mesma mensagem do Batista, a proximidade do Reino de Deus, diante da qual, os ouvintes deveriam se arrepender dos pecados. Os discursos de Jesus, seus ensinos e parábolas,24 giram em torno do Reino de Deus. A igreja proclama o Reino de Deus e as epístolas tratam dos preceitos fundamentais deste Reino. Não se pode ignorar que Lucas enfatiza o valor do Reino para a igreja do século primeiro. Isso pode ser percebido com clareza em seus escritos. No livro de Atos por exemplo, o autor afirma que, após a ressurreição, Jesus passou quarenta dias entre os discípulos ensinando sobre o Reino de Deus, e conclui o mesmo livro escrevendo que Paulo, quando em prisão domiciliar, ensinava também sobre o Reino de Deus. A partir desta pesquisa se verificará a plausibilidade da importância da compreensão do conceito de Reino de Deus também para a igreja da atualidade. Analisar o conceito de Reino a partir do pressuposto de que este, deve ser considerado a espinha dorsal25 da missão da igreja. Conhecer e se engajar na discussão histórica sobre o conceito de Reino de 24 KUNZ, Claiton André. As Parábolas de Jesus e seu Ensino sobre o Reino de Deus. – Curitiba: A. D. Santos Editora, 2014, p. 35. 25 STERN, 2008, p. 41.

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Prolegômenos

Deus no século XX. Observar e analisar o significado apresentado sobre o conceito de Reino na perspectiva de três teólogos do Novo Testamento do século XX, a saber, Rudolf Bultmann, Joachim Jeremias e George Eldon Ladd. Identificar e descrever o conceito de Reino de Deus a partir de suas dimensões principais. Correlacionar o significado e a importância do conceito de Reino de Deus para o cristianismo da atualidade. Para realizar tal empreendimento, será realizada uma pesquisa diretamente nas fontes existentes, pois “sempre é necessário saber se há outras fontes que reforçam o ponto de vista da fonte utilizada”.26 Será necessário usar o método da revisão bibliográfica, na qual “explica um problema a partir de referências teóricas publicadas em documentos”.27 Um segundo aspecto metodológico a ser usado é a pesquisa descritiva, onde se observa, registra, analisa e correlaciona fatos ou fenômenos variáveis sem manipulá-los.28 Sem a devida revisão bibliográfica não será possível realizar uma produção própria.29 Antônio Carlos Gil aponta que a pesquisa bibliográfica deve ser elaborada com o propósito de fornecer fundamentação teórica ao trabalho, bem como a identificação do estágio atual do conhecimento referente ao tema.30 A revisão bibliográfica é considerada a base de sustentação de qualquer pesquisa científica31 e será elaborada com base em material já publicado.32 A pesquisa bibliográfica não pode ser considerada uma simples repetição do que já foi dito ou escrito sobre certo assunto, visto que, 26 FLUCK, Marlon Ronald. Manual de elaboração de TCC e Dissertação. – Curitiba: Editora Cia de Escritores/Fabapar, 2014, p. 22. 27 FLUCK, 2014, p. 37. 28 FLUCK, 2014, P.37.

29 FLUCK, 2014, p. 43.

30 GIL, Antônio Carlos. Como elaborar projetos de pesquisa. – 5. ed. – São Paulo: Atlas, 2016, p. 30. 31 FLUCK, 2014, p. 48. 32 GIL, 2016, p. 29.

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O Reino de Deus e a Missão da Igreja

propicia o exame de um tema sob novo enfoque ou abordagem, chegando a conclusões inovadoras.33 Por se tratar de uma dissertação, implica em algo mais sério, e isso exige uma metodologia própria do trabalho científico.34 Será também uma pesquisa expositiva e argumentativa. Expositiva porque reunirá e relacionará material obtido de diferentes fontes, expondo o assunto com fidedignidade e demonstrando habilidade não só de levantamento, mas também de organização.35 Também argumentativa, pois requer interpretação das ideias apresentadas e posicionamento do pesquisador.36 Bibliografia é o conjunto dos livros escritos sobre determinado assunto, por autores conhecidos e identificados ou anônimos, pertencentes a correntes de pensamento diversas entre si, ao longo da evolução da humanidade.37 Assim, serão analisadas algumas bibliografias que discorrem sobre o Reino de Deus desenvolvidas no século XX e atualmente por três principais estudiosos já escolhidos. Como a quantidade de bibliografias específicas sobre os escritos do Novo Testamento é ampla, será dada mais atenção àquelas mais abrangentes que realmente dedicam atenção ao tema do Reino de Deus, as mais esclarecedoras, exaustivas e influentes histórica e atualmente. Para que uma pesquisa seja caracterizada como científica é necessária a utilização de métodos científicos, pois “não há ciência sem o emprego de métodos científicos”.38 O método é basicamente o conjunto de atividades sistemáticas e racionais que, com maior segurança, permite alcançar o objetivo, pois, traça o caminho a ser seguido, detecta os erros e auxilia nas decisões do cientista.39 33 LAKATOS, 2016, p. 166. 34 LAKATOS, 2016, p. 223. 35 LAKATOS, 2016, p. 223. 36 LAKATOS, 2016, p. 223.

37 RUIZ, João Álvaro. Metodologia científica: guia para eficiência nos estudos. – 6. ed. – São Paulo: Atlas, 2014, p. 58. 38 LAKATOS, 2016, p. 65. 39 LAKATOS, 2016, p. 65.

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Prolegômenos

O método dedutivo será utilizado para a realização desta pesquisa. Esse método parte de uma preposição condicional e pressupõe a utilização de uma premissa que poderá ser afirmada ou negada.40 O Reino de Deus possui um significado que deve ser definido, pois constitui a mensagem central da pregação e ministério de Jesus e, por meio disso, configura-se de altíssima relevância e que, a partir de sua compreensão poderá e deverá ser rebuscado pela igreja contemporânea. Também serão analisadas, aquelas bibliografias que abordam ambos os Testamentos de forma panorâmica, das quais é possível destacar, Teologias gerais/abrangentes dos Antigo41 e Novo Testamentos,42 comentários bíblicos gerais43 e específicos44 dos evangelhos, bem como, dicionários45 teológicos46 e léxicos47 da língua hebraica e grega, versões bíblicas48 variadas e obras que abordam o Reino como tema específico. O Reino de Deus aparece muitas vezes de forma sistematizada nos autores pesquisados, mas é apenas o ponto inicial da Teologia do Novo Testamento. Algumas teologias mais recentes analisam livro a livro do Novo (também o Antigo) Testamento e dividem os temas da mesma forma, o que pode resultar em redundância caso não haja o devido cuidado. As teologias do Novo Testamento de 40 LAKATOS, 2016, p. 75,76.

41 Walter Brueggemann, Roy B. Zuck, etc.

42 Dentre as principais teologias do Novo Testamento podemos destacar, Bultmann, Schnelle, Jeremias, Ladd e Zuck, etc. 43 Dentre os comentários bíblicos destacamos; Comentário Bíblico Vida Nova, Comentário Bíblico Beacon, Esperança, Introdução e Comentário, Wiersbe, Africano, etc.

44 As pesquisas mais recentes de D. A. Carson são de grande valia para compreender o Novo Testamento, são elas: Comentário De Mateus e Comentário de João, Uso do Antigo Testamento no Novo Testamento, etc. 45 Wycliffe, Dicionário de Teologia do Novo Testamento, Dicionário Ilustrado da Bíblia, etc. 46 Dicionário Internacional de Teologia dos Antigo e Novo Testamentos. 47 Dicionário Vine, Dic. Int. de Teologia, etc.

48 Almeida séc. 21, NVI, NTLH, ARC, ARA, etc.

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Zuck e Thielman seguem a teologia bíblica livro a livro, o que torna seus escritos mais resumidos. Bultmann entende o tema do Reino de Deus como premissa para uma Teologia do Novo Testamento. Para Bultmann, o Reino de Deus é o querigma principal da igreja. Bultmann denomina a proclamação do Reino de Deus de “pregação escatológica”. Este conceito será analisado a partir da perspectiva de Bultmann. Essa pregação escatológica põe o indivíduo diante de uma decisão. A decisão exige do indivíduo uma postura reativa, uma resposta radical. Diante do anúncio de Jesus, o indivíduo deve escolher entre o Reino de Deus e os bens terrenos, entre Jesus e as riquezas. Essa decisão deve ser radical. O segundo teólogo tradicionalmente conhecido a construir uma Teologia do Novo Testamento a partir da compreensão do Reino de Deus é Joachim Jeremias. Esse teólogo, opostamente a Bultmann que rejeitava a ideia de um “Jesus histórico”, parte da análise histórica de Jesus, e assim, constrói sua Teologia do Novo Testamento. Jeremias parte justamente da questão histórica da tradição e dos ditos de Jesus, para justificar sua teologia. Com relação ao Reino de Deus, Jeremias o chama de “Reinado de Deus”, pois segundo ele, isso define mais amplamente o conceito de Reino. Jeremias entende o Reinado de Deus dentro de um aglomerado de acontecimentos que ele denomina “Tempo Salvífico”. O terceiro teólogo a ser pesquisado é George Eldon Ladd. Talvez o mais profícuo escritor e pesquisador do Reino de Deus até o momento. Ladd é o autor que mais dedicou atenção ao tema do Reino. Ele desenvolve sua Teologia do Novo Testamento, sua obra mais conhecida, a partir da perspectiva dispensacionalista. Ele é pioneiro em fazer a divulgação do conceito de Reino de Deus por essa perspectiva. Além destes pesquisadores também serão analisadas algumas teologias do Antigo Testamento, Dicionários e Léxicos, bem como, uma grande variedade de comentários bíblicos específicos e gerais sobre todos os tópicos que serão elencados ao longo da pesquisa. ∙ 22 ∙


Prolegômenos

Para esclarecer o tema e abordá-lo com mais profundidade e precisão, é necessário apresentar uma definição mais adequada do conceito de Reino de Deus. Para isso será importante analisar algumas definições e sua base, para com isso construir uma definição mais abrangente. Feito isso, é hora de conectar esse conceito com a importância da proclamação do Reino de Deus. Será importante destacar a importância profética de Jesus como o “proclamador e inaugurador do Reino de Deus”. A partir disso será importante constatar os pilares principais da missão do cristianismo na atualidade. A Escritura de forma geral apresenta o Reino de Deus desde seu primeiro livro, Gênesis, culminando na apresentação do Reino eterno, pleno que é revelado no final de Apocalipse. No Antigo Testamento o Reino de Deus aparece de forma muito discreta, isto é, sua revelação é bastante singela. O Novo Testamento vai deixar a mensagem do Reino evidente. Ela é o tema principal da pregação de João Batista. A mensagem da proximidade do Reino de Deus é acentuada no ministério de Jesus e dos apóstolos. Ela é evidente e largamente recorrente nos sinóticos, embora apareça de forma sinônima no quarto evangelho, onde, nas palavras de João, o Reino de Deus assume a expressão Vida, pois não coincidentemente ambos se revelam e podem ser experimentados antes do fim. Além de diversas referências diretas e indiretas nas epístolas. O Reino de Deus é um dos temas mais estudados da história da teologia, principalmente após a reforma. De tempos em tempos surge alguma nova observação que acaba enriquecendo ainda mais esse tema, já largamente desenvolvido. As ocorrências da expressão, da ideia contida nela e dos aspectos multidiversificados do Reino de Deus tornam o conceito extremamente abrangente. As passagens que falam do Reino são inúmeras e cada uma pode acabar revelando um pouco sobre ele. Não se pode compreender o Reino de Deus apenas baseando-se no Novo Testamento, pois sua revelação está presente por toda a narrativa bíblica. ∙ 23 ∙


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Os debates mais acalorados sobre o Reino de Deus serão encontrados a partir do século XIX, mas as posições mais amadurecidas surgirão no século XX. Do século XX, três eruditos serão apresentados como possíveis soluções ao problema temporal do Reino de Deus e abordarão o conceito a partir de análises mais desenvolvidas. Esses três principais teólogos são Rudolf Bultmann, Joachim Jeremias e George Eldon Ladd. Eles são importantes para esta pesquisa, não apenas pelas definições do conceito de Reino, mas por suas significativas contribuições para a construção da Teologia do Novo Testamento. De acordo com a perspectiva de Bultmann, o Reino de Deus será apresentado como a Pregação Escatológica de Jesus. Como o nome sugere, tratar-se-á de um anúncio a respeito do Reino escatológico. A abordagem de Bultmann demonstrará a pregação de Jesus sobre o Reino de Deus com importância elevadíssima para a construção da Teologia do Novo Testamento. Na compreensão de Bultmann, o Novo Testamento não pode ser inerrante, mas é possível que esteja repleto de mitos e lendas, isto é, construções narrativas da igreja que poderão ter sido colocadas na boca de Jesus. A pregação escatológica de Bultmann poderá ter forte influência do apocalipsismo judaico de um fim catastrófico que precede o estabelecimento Reino de Deus (concepção partilhada também por Joachim Jeremias). Essa crença de Bultmann guiará sua concepção existencialista do Reino de Deus a um desfecho extremamente negativo, mas nem por isso deve ser menosprezado. Diante da iminência de um evento de proporções catastróficas, qual deve ser a postura reagente daqueles que ouvem a mensagem de Jesus? Bultmann irá responder a essa questão apresentando uma nova concepção de conversão, a qual ele denomina Decisão. Esse conceito de Decisão sugerido por Bultmann é algo que, em sua concepção poderá se mostrar mais adequado quando se tentar descrever a disposição do indivíduo diante da pregação escatológica de Jesus. ∙ 24 ∙


Prolegômenos

Logo após Bultmann, Joachim Jeremias aparece no cenário histórico do século XX com uma nova abordagem da Teologia do Novo Testamento. Suas pesquisas partirão de um ponto oposto às de Bultmann, mas poderão, infelizmente, chegar a mesma conclusão negativa. A despeito disso, Joachim Jeremias se mostrará incisivo na apresentação de sua concepção teológica a respeito do Novo Testamento. Na busca pela ipsissima vox de Jesus, Jeremias se colocará dentro da discussão apresentada por Bultmann sobre a tradição dos ditos atribuídos a Jesus e aquilo que Ele realmente tenha falado. O Reino de Deus na perspectiva de Jeremias muda de lugar, ele fará parte da manifestação da era messiânica, a qual Jeremias denomina Tempo salvífico. Segundo Jeremias o Reinado de Deus é partícula significativa que marcará a irrupção do Tempo Salvífico, isto é, a Era Messiânica. Mas Jeremias se afastará um pouco de Bultmann ao sugerir que o Reino de Deus está se realizando, e assim torna-se uma ponte para as pesquisas de George Eldon Ladd. Ladd, por sua vez, elabora uma extraordinária quantidade de material a respeito do conceito de Reino de Deus, o qual ele denomina, Domínio de Deus. Ladd, diferentemente de seus antecessores, partirá de um conceito já mencionado por Bultmann e Jeremias, os dois éons. Ele dividirá o tempo em dois períodos para se poder compreender mais abrangentemente o conceito de Reino de Deus. Ladd conceberá o Reino como o Domínio de Deus e sua pesquisa seguirá por caminhos diferentes de seus antecessores, chegando a uma conclusão completamente distinta. A maioria dos dicionários e enciclopédias de Teologia e Bíblia apresentam uma definição do termo Reino, uns mais abrangentes e detalhados, outros menos, mas todos certamente com o objetivo de tornar clara a compreensão deste conceito. Alguns dicionários apresentam uma definição curiosa sobre a possibilidade de distinção entre as expressões Reino de Deus e Reino dos Céus. O que acabará sendo deixado de lado mais adiante nas pesquisas, pois a maioria entenderá que não pode ∙ 25 ∙


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haver distinção nas expressões, tratando-se apenas de uma preferência ao escrever para destinatários judeus. Goppelt apontará a forma diferenciada de Lucas ao narrar o início do ministério de Jesus. Enquanto Mateus e Marcos falarão do anúncio de proximidade do Reino de Deus, Lucas prefaciará o ministério de Jesus com a narrativa de cumprimento do Ano Aceitável do Senhor. Alguns poderão sugerir que esse ano aceitável será uma referência ao ano do Jubileu, mas ainda faltarão maiores explicações. Em João a expressão Reino de Deus ocorrerá pouquíssimas vezes. Não por desconhecimento, antes, pelo uso de sinônimos, como por exemplo, Vida Eterna, dentre outros que serão apresentados. Para se definir o conceito de Reino de Deus será necessário observar os aspectos principais e dividi-los em dimensões distintas para saber de que característica do Reino está tratando tal passagem da Escritura. Para isso será apresentada uma fórmula nova de definição baseada em Teologia Sistemática e elaborada a partir de alguns atributos divinos que se estendem ao Reino como será sugerido por Paul Hiebert. Dentre os atributos divinos, serão analisados a natureza divina, sua substância, a infinitude, a onipotência de Deus e as implicações destes na definição do conceito de Reino de Deus. Para que se tenha uma ideia mais abrangente da importância da proclamação do Reino de Deus como a missão primordial do povo de Deus, será necessário analisar as raízes proféticas do Messias como o proclamador e inaugurador do Reino de Deus dispostas no Antigo Testamento. Chama a atenção do leitor a declaração neotestamentária de que “multidões” afluíam de todos os lugares para ouvir a proclamação de João Batista sobre a proximidade do Reino de Deus e para ser batizadas por ele. Será constatado que a pregação de João Batista estava carregada de aspectos judaicos que caracterizavam a chegada do Messias e o estabelecimento do Reino de Deus. Por isso fará tanto ∙ 26 ∙


Prolegômenos

sucesso. Será observada a importância das profecias messiânicas e basilaicas de Isaías e Daniel, pois seus vaticínios criaram a expectativa judaica da destruição dos reinos humanos que oprimiam Israel e o estabelecimento da glória da nação como foi nos dias de Davi e Salomão. Será apresentada uma análise das profecias que descrevem o Messias como proclamador e inaugurador do Reino de Deus. A partir disso, a proclamação do Reino de Deus por Jesus fará mais sentido para o leitor moderno. As declarações de Jesus sobre a proximidade do Reino de Deus deixarão definida sua missão de inaugurar o Reino de Deus por meio de si mesmo. Jesus também será descrito como o comissionador dos discípulos. A importância de Jesus como comissionador se dá pelo fato de estabelecer um centro, um fundamento que abalizará a missão dos discípulos. Será importante apresentar os argumentos descritos nas narrativas da grande comissão, pois eles descreverão a identidade e a missão dos discípulos após a ascensão de Jesus. Também será possível traçar os dois eixos principais da missão apostólica no século primeiro ao dar continuidade ao legado de seu Mestre. A missão da igreja estará centrada em Testemunhar e Proclamar o Reino de Deus. Quando se fala em proclamar o Reino de Deus como sendo a missão mais relevante do povo de Deus, deve-se ter em mente qual é a identidade desse povo de Deus. Ao mencionar “povo de Deus”, logo é possível associar esse conceito ao de igreja. E a partir disso, alguns já poderiam concluir que esse “povo de Deus” é aquela igreja, que Jesus disse que edificaria. A mesma que se iniciou no dia de pentecostes e que fora comissionada a ir e anunciar o Evangelho. Essa não seria uma ideia de todo errada. Porém, o conceito de povo de Deus tem raízes mais profundas que isso. O povo de Deus é chamado de igreja quando assume uma continuidade na missão do antigo Israel, que também era povo de Deus. ∙ 27 ∙


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Para que se tenha uma ideia mais abrangente da missão do povo de Deus, é necessário analisar a formação do povo de Deus desde o início. Primeiramente será pesquisado o início do povo de Deus, que não é apenas a igreja, mas o salvos de todas as épocas.49 Será importante conhecer as promessas de Deus a Abraão e demonstrar a grande importância que seu chamado tem para o povo de Deus no que diz respeito à sua identidade e missão. Na sequência, o povo de Deus está no deserto, onde poderá se estabelecer, dessa vez, porém, será esclarecido o motivo de sua eleição dentre as outras nações e o propósito para o qual foram chamados por Deus. Para concluir o primeiro capítulo será importante pensar um pouco sobre a monarquia de Israel. O que parece ser promissor, acabará levando a nação toda a um destino cruel. Será importante analisar e refletir sobre a questão de Israel, como povo de Deus, ter ou não cumprido sua missão e estabelecido sua identidade. Isso será de importância ímpar para compreender a necessidade de um desdobramento especial para o Novo Testamento, a escolha dos doze como núcleo do novo povo de Deus. Será interessante conhecer as implicações do chamado dos doze e o estabelecimento de sua missão e identidade comparadas ao povo de Deus do Antigo Testamento. Outro fator de alta relevância será descrever os dois eixos da missão do povo de Deus no Novo Testamento. Após delinear esses dois eixos ficará mais fácil de determinar, por meio de comparação, se o povo de Deus da atualidade está ou não, cumprindo sua missão e evidenciando sua identidade como a geração eleita, o sacerdócio real, a nação santa, o povo adquirido, para que anuncieis as virtudes daquele que vos chamou das trevas para a sua maravilhosa luz (1 Pedro 2. 9). Em Teologia do Novo Testamento se entende que a expressão completa “Reino de Deus” não possui equivalente no Antigo Testa49 STRONG, Augustus Hopkins. Teologia Sistemática; tradução de Augusto Victorino. – 2 Ed. – São Paulo: Hagnos, 2007, p. 1559.

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Prolegômenos

mento.50 Isso não significa que a idéia ou conceito está totalmente ausente, pelo contrário, está mais presente que se poderia imaginar. O Reino de Deus pode ser percebido não apenas em passagens onde Deus é declarado como Rei ou que declaram a glória do seu Reino, mas em todo o relacionamento entre Ele e Israel,51 seu povo. Ao falar sobre o Reino de Deus, Jesus não está anunciando a existência de um Reino, mas o fato de que ele agora vem.52 Quando ouvem a proclamação da aproximação do Reino de Deus, os judeus vão de Jerusalém, de toda a Judéia e de toda a região ao redor do Jordão (Mt 3.5)53 para verificar o que está acontecendo. Essa atitude dos judeus seria difícil de compreender se não houvesse expectativa aguda em seus corações acerca de tal proclamação. A expectativa dos judeus corresponde aos prenúncios messiânicos proferidos principalmente no livro de Daniel a respeito do estabelecimento do Reino de Deus (Dn 2.44). Assim, a pregação de João Batista sobre o Reino de Deus não deve ter caído sobre ouvidos desprevenidos.54 A ideia/conceito de Reino de Deus está presente em todo o período do Antigo Testamento e pode ser constatado em todas as seções deste. Graeme Goldsworthy fez um estudo sobre o tema do Reino de Deus presente nas seções55 do Antigo Testamento. Em sua busca pela unidade teológica da Bíblia Goldsworthy questiona; “se há um tema unificador em toda a bíblia, então, a estrutura de sua men50 GOPPELT, Leonhard. Teologia do Novo Testamento; tradução de Martin Dreher e Ilson Kayser. 3. Ed. – São Paulo: Editora Teológica, 2002, p. 82. 51 CARAGOUNIS in REID, Daniel G. Ed. Dicionário Teológico do Novo Testamento; tradução de Márcio L. Redondo e Fabiano Medeiros. – São Paulo: Vida Nova, 2012, p. 1062. 52 GOPPELT, 2002, p. 81.

53 BÍBLIA. Português. Bíblia Do Ministro Com Concordância. Nova Versão Internacional. São Paulo. Editora Vida, 2007, p. 768.

54 GUTHRIE, Donald. Teologia do Novo Testamento; tradução de Vagner Barbosa. – São Paulo: Cultura Cristã, 2011, 416.

55 GOLDSWORTHY, Graeme. Trilogia; tradução de Vivian do Amaral Nunes. – São Paulo: Shedd Publicações, 2016, p. 38. Costuma-se dividir o Antigo Testamento em quatro seções principais: Lei, História, profecia e Poesia.

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sagem torna-se de primordial importância para a interpretação”.56 Goldsworthy sugere que a ideia/conceito de Reino de Deus é um dos elementos principais do que ele chama de “Estrutura Bíblica”57. Ele entende o Reino de Deus a partir de uma análise da relação aliancística entre Deus e Abraão. Essa relação exige um povo, uma terra e um tipo de relação. Assim, se pode inferir que o Reino de Deus envolve o povo de Deus, no lugar de Deus, sob o domínio de Deus.58 A partir dessa concepção de Reino de Deus se torna fácil perceber a mudança de povo de Deus, de lugar de Deus e de governo de Deus sem alterar sua estrutura. Dito isso, Goldsworthy aponta a presença desse tripé estrutural do Reino de Deus desde o jardim do Éden, passando por Abraão, os patriarcas, Moisés, o povo em Canaã, a monarquia, a profecias, e por último, em Jesus Cristo e no Novo Testamento.59 Caragounis fala dos antecedentes veterotestamentários do Reino de Deus, apontando para as seções principais do Antigo Testamento como portadores da ideia/conceito e Daniel, cujo tema principal é o Reino de Deus.60 Dita a importância da ideia/conceito de Reino de Deus para o Antigo Testamento, é preciso voltar a atenção para sua relevância nos Salmos. Nos Salmos há muitas referências a respeito da Soberania de Deus.61 O Saltério (Livro dos Salmos) é composto por diversos tipos de Salmos que são constituídos por diversos temas. 56 GOLDSWORTHY, 2016, p. 33.

57 GOLDSWORTHY, 2016, p. 47. Ele sugere também os estilos literários, o quadro histórico e as estruturas teológicas como unificadores do Antigo Testamento. O Reino de Deus seria uma estrutura teológica. 58 GOLDSWORTHY, 2016, p. 55.

59 GOLDSWORTHY, 2016, p. 111. O autor cria uma tabela onde descreve o Reino por meio desta estrutura tríplice em todos os períodos de Israel e todas as seções da bíblia. 60 CARAGOUNIS in REID, 2012, p. 1062.

61 KUNZ, Claiton André. As Parábolas de Jesus e seu Ensino sobre o Reino de Deus. – Curitiba: A. D. Santos Editora, 2014, p. 37.

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Prolegômenos

Existem salmos de lamentação, petição e cânticos de louvor. Muitos salmos tratam de temas mais pessoais, como os salmos régios, os salmos de entronização, os cânticos de Sião e os salmos sapienciais. Há uma comumente divisão do livro dos Salmos em cinco livros menores.62 Trata-se basicamente de Hinos de Louvor,63 exaltando quem Deus é e o que ele faz; Lamentos Comunitários64 inspirados por um desastre natural; Salmos Reais,65 originários de alguma ocasião especial na vida do rei; Lamentos individuais;66 Ações de graças individuais.67 Dentro da seção denominada Salmos Reais68 ou Salmos Régios há alguns Salmos comumente chamados Salmos de Entronização.69 A diferença básica entre os salmos reais e os salmos de entronização é que estes declaram diretamente Deus como Rei enquanto aqueles enfatizam o rei e a sua relação com Deus.70 Os salmos de entronização são aqueles que apresentam expressões diretas de Deus como sendo o Rei. São considerados cânticos de entronização os salmos 47, 93, 96, 97 e 99.71 Esses salmos declaram abertamente “Deus Reina” (Sl 47.8). Portanto, serão analisados os salmos de entronização e sua contribuição para entender o Reino de Deus.

62 A divisão está disposta da seguinte forma: 1: Salmo 1-41; 2: Salmo 42-72; 3: Salmo 73-89; 4: Salmo 90-106; 5: Salmo 107-150. Cada seção termina com um cântico de louvor. 63 Salmos 8, 19 e 29. 64 Salmos 44 e 74.

65 Salmos 2, 18, 20, 45.

66 Salmos 3, 7, 13, 25, 51. 67 Salmos 30, 32, 34.

68 KIDNER, Derek. In ALEXANDER, Pat. ALEXANDER, David. Manual Bíblico SBB; tradução de Lailah Noronha. – Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2 Edição Revisada: 2010, p. 359. 69 CHISHOLM JR, Robert B. in ZUCK, Roy B. Teologia do Antigo Testamento; tradução de Luís Aron de Macedo. – Rio de Janeiro: CPAD, 2009, p. 228. 70 CHISHOLM JR, Robert B. in ZUCK, 2009, p. 228.

71 GOPPELT, 2002, p. 82. São chamados por Goppelt de Salmos de ascensão ao trono.

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O Reino de Deus é uma verdade explícita no Novo Testamento e implícita no Antigo.72 O Reino de Deus está presente em praticamente todos os livros do Antigo Testamento. Aqui, o importante será analisar apenas as passagens explícitas (e algumas implícitas) que tratam claramente do Rei e do Reino (de Deus ou do Messias) conforme aparece nos Profetas Maiores. Será empregada a mesma sequência em que os livros se encontram, isto é, de Isaías, Jeremias, Ezequiel e Daniel. O Reino de Deus é uma realidade bíblica que não pode ser ignorada. Da compreensão do Reino de Deus emerge a interpretação de outros temas. Daí a necessidade de se ter uma noção mais abrangente sobre esse tema. Como o Reino de Deus é tratado nos profetas maiores? A resposta para essa pergunta poderá ampliar a compreensão da multidimensionalidade do Reino de Deus e contribuir para a construção de sua teologia. Isaías é considerado um profeta messiânico, pois seus escritos apontam significativamente para o ministério de Jesus. Sendo o Reino de Deus um tema importantíssimo para Jesus, logo seria evidente a possibilidade de encontrar referências deste no livro de Isaías. Como Isaías aborda o Reino de Deus? Em Isaías será possível perceber referências ao Rei, ao Reino e ao Governo. Será necessário esclarecer que Reino e Governo são evidentemente conceitos e abordagens distintas. O segundo ponto importante a ser apresentado em Isaías diz respeito ao Reino Milenar. Esse Reino Milenar ainda não começou,73 mas certamente começará em breve. O Reino Milenar não é utopia, antes, será um período necessário de Governo Divino com fins específicos. Visto que, primeiramente o Milênio diz respeito ao controle 72 GUTHRIE, Donald, MARTIN, R. P. in REID, Daniel G. Dicionário Teológico do Novo Testamento; tradução de Márcio L. Redondo e Fabiano Medeiros. – São Paulo: Vida Nova, 2012, p. 382.

73 LADD, George Eldon. Esperança abençoada: um estudo bíblico da segunda vinda de Jesus e do arrebatamento; tradução de Regina Aranha. – São Paulo: Shedd Publicações, 2016, p. 121.

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Prolegômenos

absoluto74 de Cristo neste período específico. Há promessas proféticas que se cumprirão especificamente no Milênio. O Milênio ainda é uma demonstração da glória de Cristo75 e tem como propósito preparar a terra para o estabelecimento do Reino Eterno de Cristo.76 Jeremias, apesar da abrangência de seu livro, além da evidente importância, não trará tantos apontamentos sobre o tema do Reino de Deus. Contudo, isso não diminui em nada a relevância do livro. Ezequiel, trará uma contribuição altamente significativa para a compreensão da expansão do Reino de Deus até encher toda a terra. Por fim, Daniel será de suma importância para a compreensão do Reino e do Governo de Deus no Antigo Testamento. Daniel não apenas apresentará o tema do Reino de forma descritiva, irá esplendidamente mais além, mais precisamente até a visão da eternidade. Daniel apresentará uma visão mais completa da soberania de Deus em seu Reino de forma que todos os sistemas políticos humanos são dependentes dele. Daniel ainda contribuirá para a mudança de paradigma do Reino de Deus que afetará significativamente o judaísmo posterior. Se fosse apenas isso, já seria satisfatório, mas Daniel vai além, e apresentará ainda uma concepção importantíssima sobre a Escatologia do Reino de Deus. O Novo Testamento possui abrangência e diversidade em seus temas. Alguns destes temas são bem delineados, outros, porém, são menos esclarecidos. Aquelas passagens que são claras e inteligíveis podem servir de base para a interpretação correta daquelas mais obscuras e difíceis. Os contextos, imediato, próximo e geral, também devem ser valorizados na hora de emitir uma sentença interpretativa. 74 ERICKSON, Millard Jr. Escatologia: a polêmica em torno do milênio; tradução de Gordon Chown e Márcia Pekkala Barrios Medeiros. – São Paulo: Vida Nova, 2010, p. 124.

75 PRATTIS, Orivaldo. Escatologia: uma visão panorâmica das profecias bíblicas. Rio de Janeiro: Editora Betel, 2015, p. 80. 76 ZIBORDI, Ciro Sanches. Erros Escatológicos que os pregadores devem evitar. – Rio de Janeiro: CPAD, 2012, p. 173.

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Nos sinóticos existem passagens aparentemente controversas que exigem do interprete maior atenção. Uma dessas passagens se encontra em Lucas 7.28, e pode gerar algumas dúvidas que dificultam muito a interpretação. Pode-se ler na passagem de Lucas (e paralelamente Mateus 11.11) o momento que pareceu indicar certa fraqueza e dúvida do Batista. João está preso e ouvindo falar dos feitos do Senhor, lhe envia alguns discípulos para esclarecer uma dúvida crucial, era Jesus aquele que haveria de vir, ou deve-se aguardar outro? Jesus, além de responder à pergunta do Batista, vai reconhecer nele o cumprimento de profecias antigas, vai revelar a identidade profética do Batista, sua renúncia ao mundanismo, sua posição de grandeza ministerial, e sua missão cumprida. Mas ao final dos elogios, Jesus emite uma sentença estranha ao leitor, na qual afirma que o menor no Reino é maior que João Batista. Apesar de toda a importância do Batista, qualquer indivíduo membro do Reino estaria em uma posição melhor que ele. Mas o que significa essa afirmação de Jesus? O que o Messias quer dizer com isso? João estaria no Reino ou fora dele? O objetivo principal deste estudo é esclarecer esta passagem e desvendar sua interpretação por meio da análise dos contextos, verificação dos mais variados pontos de vista, classificar a missão do Batista, distinguir seu ministério com relação aos Antigo e Novo Testamentos, investigar a importância dele como o “Elias”, dentre outras questões. De que forma pode-se classificar a importância do ministério do Batista e o que significa a afirmativa de Jesus sobre o menor no Reino ser maior que João? A passagem de Lucas 7.28 é aparentemente misteriosa, mas não menos digna de atenção. Apesar de ser uma passagem de difícil interpretação, deve ser interpretada. Esclarecer essa passagem poderá facilitar a compreensão da importância do Batista, bem como a relevância do Reino e sua superioridade. Para tanto, se fará uma pesquisa bibliográfica, descritiva e exploratória. A missão do Batista era anunciar o Reino, batizar ou preparar ∙ 34 ∙


Prolegômenos

o caminho do Senhor? Isso será analisado em uma variedade de bibliografias, dicionários de referências, de profecias, e principalmente dos temas teológicos do Novo Testamento. A passagem será verificada à luz de seus contextos, imediato, próximo e geral, bem como, será comparada com a passagem paralela de Mateus. Comentários bíblicos, dicionários bíblicos, versões e traduções bíblicas diversas, livros específicos, todos servirão para ampliar a compreensão da passagem ponderando sua genuinidade e aplicabilidade por meio da análise contextual. João Batista surge nos primeiros textos do Novo Testamento como uma figura misteriosa. O evangelho de Lucas foi escolhido devido a sua riqueza de detalhes sobre o início do ministério do Batista, bem como seu nascimento profetizado, o que acentua sua importância. A citação de sua origem em uma família sacerdotal e a pureza moral dos seus pais apontam para a escolha divina. João Batista foi enviado para preparar o caminho do Senhor, mas além disso, ele vive como asceta no deserto, anuncia a irrupção de um Reino de Deus e batiza as pessoas ousadamente. Tenney77 apontará que, por certo tempo se acreditava que o Batista pudesse ter sido membro de um grupo conhecido como Essênios. João traz a prática sem precedentes do batismo. Seu batismo era diferente do batismo cristão, pois este último visava a confissão pública e o estabelecimento do indivíduo na comunidade cristã, enquanto aquele era para/por causa do arrependimento dos pecados78. João é apontado por Jesus como o “Elias” vaticinado no Antigo Testamento. Isso não aponta para algum tipo de misticismo espírita, mas sugere que João vivia e possuía a mesma virtude e propósito de Elias, o tisbita que viveu e profetizou nos dias do rei Acabe. 77 TENNEY, Merrill. Tempos do Novo Testamento; tradução de Degmar Ribas Júnior. 1ª ed. – Rio de Janeiro: CPAD, 2010, p. 114.

78 REID, Daniel G., ed. Dicionário teológico do Novo Testamento; tradução Márcio L. Redondo, Fabiano Medeiros. - São Paulo: Vida Nova, 2012, p. 162.

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A grandeza ministerial de João era tal, que teve de ser questionado sobre sua identidade. No evangelho de João ele responde aos que lhe perguntam sobre sua identidade. Ele nega ser o Messias e afirma ser apenas uma voz79 que vai adiante do Senhor preparando o caminho e endireitando as veredas tortuosas. O arrependimento anunciado pelo Batista sugere não apenas um remorso sentimental por um erro cometido no passado, mas uma mudança radical na mente e na vida. A mensagem que interliga o Novo Testamento é a irrupção do Reino de Deus. João acredita que o Reino será manifestado com a chegada daquele que é mais poderoso, o ilustre, do qual, o Batista não se acha digno de desatar as sandálias. O elogio de Jesus ao Batista e sua missão é generosa e excelente. O Messias ratifica a missão importantíssima do Batista afirmando que dentre os nascidos de mulheres, isto é, nascidos naturalmente, não há ninguém maior que João. Isto significa que o Batista cumpriu sua missão e foi um servo fiel de Deus80. A menção misteriosa de que, o menor no Reino é maior que João logo depois de um elogio excelente, traz à tona a nova realidade principalmente cognoscitiva do Reino, isto é, os que vivem e seguem o Messias, possuem um conhecimento mais amplo sobre o Reino que João Batista. João, na verdade é o elo entre duas eras distintas. Ele interliga os tempos antigos aos novos. Ele é um tipo de articulador entre o Antigo e Novo Testamento. Muitas coisas de Rudolf Bultmann são altamente relevantes para a compreensão de temas centrais do Novo Testamento, dentre eles, merece destaque a Irrupção do Reino de Deus em sua Teologia do Novo Testamento. Será analisada sua Teologia do Novo Testamento primeiramente, depois comparada com outros escritos. Tudo isso, 79 RADMACHER, Earl, ALLEN, Ronald B. e HOUSE, H. Wayne, ed. O novo comentário bíblico NT, com recursos adicionais - A Palavra de Deus ao alcance de todos; tradução de Bruno Destefani, et al. - Rio de Janeiro: Central Gospel, 2010, p.225 80 RADMACHER, 2010, p. 164.

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Prolegômenos

por meio de pesquisa bibliográfica, explorando e descrevendo esse tão sublime tema na visão do teólogo. Não se tentará provar se ele está certo ou errado em suas proposições, mas serão analisadas mais a fundo suas afirmativas sobre a irrupção do Reino de Deus para que sejam elucidadas algumas dificuldades de sua posição. Essa Teologia do Novo Testamento foi escolhida dentre as obras do autor, justamente por revelar o pensamento mais maduro de Bultmann no intento de promover outros temas analisados pelo teólogo alemão, para que não seja lembrado apenas por um aspecto de sua teologia. A justificativa de Bultmann para a composição de uma Teologia do Novo Testamento recai sobre um tema principal, o Reino de Deus. Este tema, na visão do teólogo não deve ser parte da Teologia do Novo Testamento, mas pressuposto dela. A pessoa histórica de Jesus não faz parte da Teologia do Novo Testamento de Bultmann. Para ele, este Jesus histórico é secundário ao querigma da comunidade e surge deste. À mensagem do Reino de Deus Bultmann denomina “pregação escatológica”,81 e essa se revelará importantíssima para Teologia do Novo Testamento. Desta mensagem derivam todos os demais temas neotestamentários e toda a práxis da comunidade pós-Pascal. E Bultmann iniciará deixando isso muito claro, como considerações preliminares, tudo se inicia a partir da pregação escatológica.82 O Reino de Deus chegaria ao povo na pessoa e mensagem do Messias para, aparentemente cumprir a expectativa judaica do final dos tempos. Bultmann concebe isso como uma atuação bastante reduzida do ministério de Jesus. Essa expectativa judaica se refere a um

81 BULTMANN, 2008, p. 59.

82 BULTMANN, 2008, pp. 60-61.

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evento de proporções catastróficas, extraordinárias.83 Segundo Bultmann, isso não ocorre no ministério de Jesus.84 A Decisão como exigência ética de Jesus, é o conceito que Bultmann irá preferir quando se refere à disposição do indivíduo com relação ao Reino de Deus. A partir daí o teólogo concluirá que, a concepção que Jesus tinha sobre Deus poderia ser fantasia de sua cabeça, ou, nas palavras dele, um engano, pois tal expectativa não ocorreu. Havia apenas um homem simples, que pregava o arrependimento e fazia exigências radicais aos seus seguidores, mas o Reino, este ficou apenas no anúncio, isto é, foi simploriamente um discurso que no fim das contas não aconteceu.85 O Reino de Deus como apresentado na mensagem do Novo Testamento, é denominado “pregação escatológica” pelo teólogo alemão, Rudolf Karl Bultmann. Esta pregação escatológica se refere, segundo ele, à expectativa que os judeus tinham acerca de um evento glorioso que surgiria repentinamente na história, e que, colocaria um fim ao atual curso do mundo de forma catastrófica, e daria início à uma nova era, a messiânica. Esta nova era é revelada na pessoa e missão de Jesus quando proclamou e demonstrou os valores do Reino de Deus/Céus. Esse chamado ao Reino trata-se de um chamado à decisão, isto é, uma decisão radical. Essa decisão exige do indivíduo uma nova disposição, a qual Bultmann chama de “exigência ética do Reino de Deus”. O objetivo principal deste estudo é refletir e analisar esta expressão de Bultmann a partir da sua Teologia do Novo Testamento. Bultmann aponta para a exigência ética do Reino de Deus de forma acertada e explicita a forma como ocorre o processo desta ética. Para chegar a tal propósito é necessário primeiramente conhecer um pouco sobre a vida do teólogo. Quem, afinal, foi Rudolf Bult83 BULTMANN, 2008, p. 41. 84 LOPES, 2013, p. 208. 85 LOPES, 2013, p. 208.

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mann? Como era sua teologia? Como ele vê a irrupção do Reino de Deus? E, por fim, o que ele quer dizer com “exigência de Deus”? Bultmann foi um teólogo alemão, professor da disciplina do Novo Testamento por muitos anos e em diversas universidades. Bultmann era crítico da forma textual. Ele interpretava o Novo Testamento pelo prisma da filosofia existencialista e por meio de uma teoria própria, a demitização, ele “detectou” que o Novo Testamento estava repleto de “mitos” e “lendas”, e que, por fim, era praticamente impossível afirmar por esse meio, quem foi a pessoa de Jesus de Nazaré. Bultmann pode ter se equivocado em sua teoria demitizadora, que consequentemente negava a inerrância, infabilidade e inspiração das Escrituras, bem como, tratava todos os relatos sobrenaturais como mitos e lendas da comunidade. Para Bultmann, a igreja primitiva, em seu querigma, “colocou palavras na boca de Jesus”. Bultmann era cético e crítico do Novo Testamento. Mas isso não significa que deve-se desprezar seus escritos, ou que os mesmos devam ser deixados de lado. De forma alguma. Bultmann aborda temas de alta relevância para a pesquisa teológica atual. A ética, abordada nesse estudo é um destes temas. Em que medida, Bultmann acerta sobre a pregação escatológica e como é possível identificar e sintetizar seus apontamentos sobre a exigência de Deus? Será analisado principalmente a obra que revela o pensamento mais maduro de Bultmann, sua Teologia do Novo Testamento. Essa obra foi publicada na época da aposentadoria de Bultmann, por volta de 1951. Esta é resultado de uma vida de dedicação ao ensino e pesquisa em Teologia do Novo Testamento. Esta teologia do Novo Testamento representa o pensamento teológico mais complexo e elaborado do teólogo alemão. Suas afirmações serão comparadas com outros pontos de vista, principalmente sobre os textos escolhidos por Bultmann para estabelecer seus apontamentos. Como Bultmann trata da exigência ética de Deus em sua Teologia do Novo Testamento será o cerne desse estudo. ∙ 39 ∙


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A ética faz parte da vida e caráter humano. O Reino de Deus exige dos seus ouvintes uma postura reativa, isto é, a pregação escatológica de Jesus chama o indivíduo à decisão, e essa decisão exige do indivíduo uma nova ética, a ética radical do Reino de Deus. Primeiramente é necessário esclarecer que a ética do Reino de Deus está acima das demais, pois visa direcionar a vida do indivíduo em meio à realidade do Reino de Deus. Sendo assim, compreender a abrangência e os aspectos característicos desta ética é um empreendimento necessário. A ética apontada por Bultmann como uma exigência de Deus demonstra um caráter mais versátil de ética, como será apresentado mais adiante. Por fim, compreender essa ética pode levar o leitor a se posicionar de forma mais radical, ou pelo menos fará uma abordagem mais complexa da ética do Reino de Deus. Por meio da análise bibliográfica, serão explorados os apontamentos de Bultmann, visando descrever de forma concisa seu pensamento sobre a exigência ética de Deus. Um dos temas mais importantes presente na proclamação pública de Jesus é sem dúvida “O Reino de Deus”. Nos escritos de Mateus é pode-se encontrar com mais frequência a expressão “Reino dos Céus”, possivelmente por uma preferência do autor. Justamente por ser um tema tão frequente e importante, a compreensão deste pode elucidar o objetivo da missão de Jesus bem como abalizar o Novo Testamento em geral. O Reino é tema presente principalmente nos Sinóticos (Mateus, Marcos e Lucas). Para os seguidores e discípulos do Mestre certamente é assaz importante a compreensão deste tema, bem como aquilo que o Reino pode significar nos discursos atribuídos ao Senhor Jesus. No Antigo Testamento não é possível encontrar esta expressão, embora o conceito esteja implícito. Algumas passagens86 sugerem que Deus Reina, ou seja, Ele é o Dominador de um Reino. Este Reino é compreendido em um sentido espacial e acrônico. O Reino 86 Êxodo 15.18, 1 Crônicas 16.31, Salmos 93.1

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de Deus é apresentado ao leitor por meio dos evangelhos como presente e futuro simultaneamente. É algo que já está entre a humanidade e ao mesmo tempo algo que ainda virá. Para entender este aspecto de presente e futuro do Reino se faz necessário analisar os escritos de alguns estudiosos do Novo Testamento que ao longo da história pesquisaram e comentaram o texto sagrado. O Reino presente é entendido como atemporal. Para se fazer parte deste reino já manifestado, o indivíduo deve se tornar discípulo de Cristo, assim fará seu ingresso no reino presente. O Reino apresentado como escatológico se refere, segundo os dispensacionalistas87, tanto ao domínio territorial de Deus, quanto escatológico. O reino escatológico é aquele que se revelará ainda em toda a sua plenitude. É no reino escatológico que veremos o Senhor face a face e todas as dúvidas serão esclarecidas. Este reino é eterno. A Teologia do Novo Testamento abrange os mais diversos temas, cada um com sua complexidade e variedade (como ética, oração, discipulado, etc.). Diversos são os autores que ao longo da história estudaram e analisaram os principais aspectos dessa teologia. Os autores que abalizam esse artigo são nomes que, além de conhecidos e bem-conceituados, estão presentes em discussões atuais de Teologia do Novo Testamento. Com base nestes referenciais é possível partir para a análise da contribuição de cada um dentro da perspectiva abordada, os aspectos temporais do Reino apresentados nos Sinóticos.

87 Muitos teólogos dispensacionalistas chegam a conclusão de que há sete dispensações, isto é: 1. Inocência – que vai até a queda do homem; 2. Consciência – da queda até Noé; 3. Do governo humano – De Noé até Abraão (Gn 8.20-9.27); 4. Promessa – de Abraão até Moisés (Gn 12.1-Êx 19.8); 5. Da Lei – de Moisés até Cristo (Êx 20.1-31.18); 6. Graça- da morte de Cristo até sua segunda vinda (Rm 3.24-26, Ef 3.1-10); 7. Reino – o reino milenial de Cristo na terra (Ap.20.4ss, 2 Sm 7.8-17, Lc 1.31-33). PFEIFFER, Charles F., VOS, Howard F., REA, John. Dicionário Bíblico Wycliffe. Tradução de Degmar Ribas Junior. CPAD-Rio de Janeiro: 2013, p.566.

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Os autores analisados neste artigo, são, tradicionais em temas neotestamentários (Bultmann88 e Jeremias89), com experiência de análise na Teologia do Novo Testamento (Ladd90) e mais contemporâneos e com análises mais pertinentes aos questionamentos levantados no século XXI (Schnelle91 e Zuck92). Outros impor-

88 Rudolf Bultmann nasceu em 1884 em Wiefelstede no norte da Alemanha. Filho de pastor luterano e neto de missionário, iniciou seus estudos em Teologia em 1903. Em 1910 defendeu sua tese de doutorado e em 1912 habilitou-se ao magistério com um estudo em exegese de Teodoro de Mopsuéstia. Em 1916 recebeu um convite para docência extraordinária na disciplina do Novo Testamento em Breslau. Em 1920 se tornou professor catedrático e um ano mais tarde foi para a Universidade de Marburg onde lecionou até se aposentar em 1951. Bultmann faleceu em Marburg no ano de 1976 aos 92 anos de idade. (Bultmann, 2008, pp.15,16)

89 Joachim Jeremias nasceu em 20 de setembro de 1900 na cidade alemã de Dresden. Viveu de 1910 até 1915 na cidade de Jerusalém. Em 1922 e 1923 ele concluiu seus estudos de Teologia e línguas orientais com um doutorado em cada disciplina. Em 1925 ele obteve livre docência na área do Novo Testamento em Leipzig. A partir de 1935 até sua aposentadoria em 1968, exerceu a atividade de professor de teologia na Universidade Georgia Augusta de Göttingen. Faleceu em 6 de setembro 1979 na cidade de Tübingen.

90 George Eldon Ladd (1911-1982) era um estudioso e professor de exegese do Novo Testamento e Teologia no Seminário Teológico Fuller em Pasadena, Califórnia. Obra magistral de Ladd, Teologia do Novo Testamento, tem servido milhares de alunos do seminário desde a sua publicação em 1974. Ladd se converteu ao cristianismo em 1929 depois de ouvir um jovem graduado da faculdade de Gordon pregar em sua igreja. Em 1933 foi ordenado na Convenção Batista do Norte (agora Batista Americana) e pastoreou três congregações. Quando pastoreava na última congregação, Ladd ensinou no Gordon College. Mais tarde, ele recebeu um Bacharel em Teologia no Gordon College (1933) e participou de Gordon Divinity School. Ladd, em seguida, passou dois anos na Universidade de Boston antes de se matricular na Universidade de Harvard, onde foi supervisionado por Henry J. Cadbury e recebeu seu PhD em bíblica e patrística grega em 1949. Juntou-se à faculdade de Seminário Teológico Fuller , em Pasadena, em 1950, onde permaneceu durante os últimos trinta anos de sua carreira acadêmica. Ladd teve um derrame em 1980, e morreu em 1982. Ladd “foi sem dúvida o mais importante estudioso do Novo Testamento sobre o ressurgimento evangélico do pós-guerra na América do Norte. 91 Udo Schnelle nasceu em 8 de Setembro 1952 em Nauen. É professor do Novo Testamento na Faculdade de Teologia Protestante da Universidade de Halle-Wittenberg e conhecido como o autor de várias obras teológicas. Ele estudou 1974-1979 na Universidade de Göttingen , onde recebeu seu doutorado em 1981 e habilitado em 1985. De 1986 a 1992 foi professor de Novo Testamento na Universidade de Erlangen-Nuremberg . Desde 1992, ele ensina em Halle . De 2014 a 2015, ele era o presidente do Novo Testamento Research Society Studiorum Novi Testamenti Societas (SNTS).

92 Roy nasceu 20 de janeiro de 1932, e cresceu em Phoenix, Arizona. Dr. Zuck serviu na faculdade e lecionou em Dallas Theological Seminary de vinte e três anos, de 1973 a 1996. Logo após o início da sua carreira docente em DTS, ele foi convidado para ser o editor associado

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tantes autores ainda foram deixados de fora, pois, se trata de uma área da teologia demasiadamente grande para encaixar todos os especialistas dentro do espaço de um artigo. Esses autores também foram escolhidos por apresentarem a maior quantidade de material e comentários bem articulados sobre este importante tema que é o Reino de Deus. Certamente o Reino de Deus é o tema preferido do ministério messiânico, mas isso aparentemente não ocorre na teologia de Paulo (nem no restante do Novo Testamento). O uso completo da expressão “Reino de Deus” ocorre na teologia paulina pelo menos treze vezes.93 Ao falar do Reino de Deus em Paulo é importante analisar o uso do termo em sua teologia e aplicação, isso não significa de forma alguma que a concepção que o apóstolo possui sobre o Reino esteja encerrada em apenas treze passagens.94 Aqui serão analisadas as treze passagens visando sintetizar a teologia presente nelas, isso não significa encerrar a concepção de Paulo sobre o Reino, apenas captar as questões principais do apóstolo sobre sua compreensão deste tema. Para se analisar o Reino de Deus na teologia paulina é importante atentar para as passagens explícitas primeiramente, isto é, aquelas que falam claramente do Reino de Deus. Mas não se deve ficar apenas nelas, pois Paulo usa outros termos em relação direta ao conceito de Reino de Deus. Por se tratar de um artigo breve, serão analisadas apenas as passagens explícitas. Paulo demonstra sua concepção de Reino de Deus em termos do que o Reino é e do que da revista teológica do seminário, Bibliotheca Sacra . ele tornou-se seu editor sênior em 1986 e serviu nessa função até sua morte. Roy B. Zuck, professor emérito sênior da exposição da Bíblia no Seminário Teológico de Dallas e editor da Bibliotheca Sacra, foi estar com o Senhor, na noite de sábado, 16 de março de 2013.

93 Rm 14.17, 1 Co 4.20, 6.9-10, 15.24,50, Gl 5.21, Ef 5.5, Cl 1.13, 4.11, 1 Ts 2.12, 2 Ts 1.5, 2 Tm 4.1,18 e uma fala de Paulo registrada por Lucas em Atos 14,22. 94 HÖRSTER, Gerhard. Teologia do Novo Testamento; tradução de Roland Körber. – Curitiba: Editora Evangélica Esperança, 2009, p. 142.

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o Reino não é. Visto que, Paulo entendia o Reino de Deus, porém, seus destinatários estavam provavelmente confusos com aquilo que consistia em vida cristã, Paulo lhes diz aquilo que o Reino não é, enfatizando suas concepções equivocadas do conceito de Reino de Deus. Primeiramente alguns poderão sugerir que o Reino de Deus não é o tema preferido de Paulo quando comparado aos sinóticos. De fato, as expressões do Reino em Paulo serão poucas, mas isso não será importante, pois o apóstolo entende o Reino e o descreverá empregando termos ligados ao conceito de Reino. Em Romanos 14.17, Paulo afirma primeiramente aquilo que o Reino de Deus não é. O Reino de Deus não é comida nem bebida. Paulo sabe que alguns cristãos piedosos e até bem-intencionados visavam se abster de comer carne como meio de tornar-se mais “santos” que os demais. Na contrapartida havia aqueles que se consideravam “fortes” e comiam de tudo. Em meio a troca de farpas entre fortes e fracos, Paulo declarará que o Reino de Deus não diz respeito a tabus alimentares. Essa não é a essência do Reino de Deus. O Reino de Deus tem outras prioridades. Coisas mais importantes que ficar discutindo quem comeu ou quem bebeu demais. Paulo também encontrará problema semelhante na igreja de Corinto. Alguns cristãos estão acreditando que a vida cristã é apenas uma confissão simples. Mas Paulo lhes dirá que o Reino de Deus não consiste apenas de palavras ou confissões arrogantes e vazias, mas em poder, isto é, virtude. Em 1 Co 15.50, Paulo declarará que carne e sangue não podem herdar o Reino de Deus. Ao que parece, alguns cristãos estavam em grande dúvida acerca da ressurreição dos mortos e a continuidade ou descontinuidade dos hábitos terrenos. Paulo lhes esclarecerá o verdadeiro significado da ressurreição por meio do conceito de Reino de Deus. Também serão apresentados os aspectos que demostram a compreensão paulina de Reino de Deus, isto é, o que de fato o “Reino é” ∙ 44 ∙


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para o apóstolo. A posição de Paulo sobre o conceito de Reino trará alguns aspectos inéditos, ou minimizados nos sinóticos. Esses aspectos ajudarão a compreender o Reino de Deus com mais amplitude. Na segunda parte da passagem de Romanos 14.17, Paulo declarará aquilo que o Reino de Deus é; justiça, paz e alegria no Espírito Santo. A compreensão disso implicará na relação entre o cristão e Deus e com outros cristãos. A relação se dará por meio da ação do Espírito Santo. Em Paulo o Reino de Deus implicará em uma exigência ética. O indivíduo inserido na realidade do Reino deverá viver de forma condizente com a santidade de Deus e de seu Reino, do contrário poderá ser deserdado das bênçãos futuras. Em Paulo o Reino de Deus também será chamado de Reino de Cristo. Pode parecer em uma leitura superficial que se trata de dois Reinos, porém, Paulo demonstrará o lugar de Cristo no Reino de Deus e sobre ele. Outro aspecto que não poderá ser ignorado na teologia do Reino de Deus segundo Paulo, é a dualidade temporal. A dualidade temporal do Reino de Deus é largamente apresentada nos sinóticos. Em Paulo a mesma dualidade permanece, mas Paulo declara a necessidade do cultivo de valores éticos com vistas ao Reino de Deus que se revelará no futuro, do qual, os imorais serão excluídos.

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Onde se manifesta o Reino de Deus, ali igualmente existem revelação e salvação. — Paul Tillich Falarão da glória do teu Reino e relatarão o teu poder. — Salmo 145.11


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ntes de analisar os conceitos de Reino de Deus especificamente, é necessário conhecer um pouco da discussão teológica do século XX em torno dos conceitos. No século XX, três teólogos praticamente dominam o assunto e possuem dois aspectos comuns, a) escreveram suas teologias do Novo Testamento a partir de uma compreensão significativa da importância do Reino de Deus e b) representam as ideias mais radicais e diversificadas sobre o Reino de Deus e o Novo Testamento em geral. Há outros teólogos de alta relevância para o tema, porém, suas interpretações estão interligadas a essas três concepções.

1. A Teologia do Novo Testamento de Rudolf Bultmann Rudolf Karl Bultmann foi um erudito protestante.95 Nasceu em 20 de agosto96 de 1884, na pequenina cidade de Wiefelstede, no norte da Alemanha. Era filho e neto de pastores luteranos. Cresceu em um ambiente profundamente religioso.97 Também era diácono 95 GONZÁLEZ, Justo L. Dicionário Ilustrado dos Intérpretes da Fé; tradução de Reginaldo Gomes de Araújo. – São Paulo: Hagnos, 2008, p.134.

96 HIGUET, Etienne A. Org. Teologia e Modernidade. – São Paulo: Fonte Editorial, 2005, p. 102. 97 MONDIN, Battista. Os grandes teólogos do século vinte; tradução José Fernandes: revisão de Luiz Antônio Miranda. Reedição. — São Paulo: Editora Teológica, 2003, p.176.

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de uma igreja luterana.98 Iniciou sua carreira teológica em 1903. Em 1910 defendeu sua tese de doutorado e dois anos depois se habilitou ao magistério. Em 1916 iniciou na universidade de Breslau ensinando a disciplina de Teologia do Novo Testamento. Permaneceu ali apenas quatro anos. Em 1920 se tornou professor catedrático em Gieben, seguiu um ano mais tarde para a universidade de Marburg, Alemanha, onde lecionou até se aposentar em 1951. Bultmann faleceu em Marburg em 1976, aos 92 anos de idade.99 Para Bultmann, tanto o Antigo quanto o Novo Testamento está repleto de mitos, e se faz necessário permear o texto para extrair a essência do Sagrado Livro.100 É possível que Bultmann tenha desconsiderado uma verdade tradicional e central da fé cristã; a inspiração, inerrância e infabilidade das Escrituras, as quais, na verdade, ele rejeitava completamente.101 Ele não compreendia os textos que revelam elementos sobrenaturais da Bíblia como verídicos, ignorava as evidências externas e internas, e defendia que tudo aquilo que tivesse roupagem espiritual, miraculosa e sobrenatural, deveria ser reinterpretado à luz de uma teologia existencialista,102 e não como fato. Rudolf Bultmann, ao redigir sua Teologia do Novo Testamento, não era um indivíduo desconhecido. Estava concluindo sua carreira de professor acadêmico.103 Sua Teologia do Novo Testamento foi 98 LOPES, Augustus Nicodemus. A Bíblia e seus Intérpretes. – São Paulo: Cultura Cristã, 3ª ed. 2013, p. 207. 99 BULTMANN, Rudolf. Teologia do Novo Testamento; Tradução de Ilson Kayser. Santo André: Editora Academia Cristã, 2008, pp. 15,16.

100 ANDRADE, Claudionor Corrêa de. Dicionário Teológico – Nova Edição Revista e Ampliada e Suplemento Bibliográfico dos Grandes Teólogos e Pensadores. – Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2006, p. 132. 101 LOPES, 2013, p. 208.

102 RUPPENTHAL NETO, Willibaldo. in. Demitologizando o Demitologizador: Em Busca da Teologia de Rudolf Bultmann. Revista Ensaios Teológicos. v. 01, n. 01, jun. 2015, p. 112131. - Ijuí: Faculdade Batista Pioneira, 2015 p.123. 103 BULTMANN, 2008, p. 15.

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publicada no período de sua aposentadoria, é resultado de longos anos de dedicação à disciplina. É caracterizada por uma “colheita teológica”, que foi precedida de intenso trabalho, que é o cultivo do texto bíblico e sua exegese.104 Houve certa relutância em publicar essa Teologia do Novo Testamento no Brasil possivelmente por suas afirmações de que a mensagem do Novo Testamento estivesse repleta de linguagem mítica.105 A Teologia do Novo Testamento de Bultmann está articulada em três questões fundamentais. A primeira questão está relacionada ao objeto da Teologia do Novo Testamento. De acordo com Bultmann, o objeto legítimo de uma Teologia do Novo Testamento só pode ser o querigma das primeiras comunidades cristãs,106 isto é, sua pregação, suas formulações sobre Jesus. A segunda questão da Teologia do Novo Testamento diz respeito à sua formulação principal, ou seja, qual é realmente o fio condutor da pregação da igreja primitiva, sob o qual perpassa e unifica seus vinte e sete livros.107 Bultmann não tenta harmonizar a mensagem neotestamentária, visto que sua variedade é evidentemente relevante. Bultmann entende a multiplicidade de formas apresentadas no Novo Testamento e não tenta unifica-las. Defende que a compreensão da existência humana é basicamente a mesma em todas as suas porções. Para Bultmann, é justamente essa compreensão existencial humana que interliga a variedade de temas do Novo Testamento. Bultmann parte da análise do querigma, pois para ele, aí reside a unidade e multiformidade teológica do Novo Testamento. A terceira questão recai sobre um problema de sua época, o Jesus histó104 BULTMANN, 2008, p. 16.

105 GRENZ, Stanley J., OLSON, Roger E. A Teologia do Século 20 e os Ano Críticos do Século 21 – Deus e o Mundo Numa Era de Transição. Tradução de Susana Klassen. – São Paulo: Cultura Cristã, 2003, p. 106. 106 BULTMANN, 2008, p. 22. 107 BULTMANN, 2008, p. 23.

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rico, o qual ele despreza completamente.108 Bultmann aponta para o querigma como a práxis da fé na comunidade cristã do primeiro século. Cristo, segundo ele, é anterior ao querigma, mas não o querigma em si mesmo. Bultmann denomina a proclamação do Reino de Deus (βασιλεια του θεου)109 de “pregação escatológica”.110 Ele entende a proclamação do Reino de Deus como um conceito predominante na pregação de Jesus.111 Trata-se de uma mensagem altamente relevante para a Teologia do Novo Testamento bultimaniana. Bultmann compreende a pregação escatológica como pressuposto para a Teologia do Novo Testamento. Esta proclamação da irrupção do Reino de Deus é sublinhada por Bultmann como um evento de proporções extraordinárias, que segundo ele, encerraria um tempo exato e daria início à um novo éon.112 Ele aponta o Reino de Deus como um evento que destrói tudo o que é satânico, contrário a Deus, tudo o que faz o mundo gemer,113 pondo assim, um fim a todo sofrimento e dor e estabelecendo o governo de Deus. Segundo Bultmann, o povo judeu tinha certa expectativa com relação ao estabelecimento do Reino de Deus. A esperança dos judeus era que Deus estabelecesse o reino davídico, isto é, um reino político, econômico e monárquico, no intuito de renovar a glória dos israelitas com era nos dias de Davi e Salomão. Sobre isto, Kunz afirma que no tempo em que Jesus exerceu seu ministério neste mundo, o povo tinha um determinado conceito sobre o Reino de 108 BULTMANN, 2008, p. 24.

109 BÍBLIA. Grego-português. Novo Testamento Interlinear Grego-Português. The Greek New Testament, Tradução Literal em Português, Almeida Revista e Atualizada, Nova Tradução da Linguagem de Hoje. Barueri, SP: Sociedade Bíblica do Brasil, 2004, p. 23. 110 BULTMANN, 2008, p. 40. 111 BULTMANN, 2008, p. 41. 112 Tempo.

113 BULTMANN, 2008, p. 41.

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Deus, que fora formado lentamente ao longo dos séculos, porém, o conceito de Jesus sobre o Reino de Deus era bem diferente.114 Mas Jesus não fala de um Messias-Rei político, econômico ou monárquico. Os judeus também esperavam que, no estabelecimento do Reino de Deus, todos os inimigos de Israel fossem destruídos, porém, Jesus não pronuncia palavra alguma sobre a destruição dos inimigos de Israel, nem de um governo de Israel sobre as nações, nem sobre um governo das doze tribos.115 Bultmann aponta a esperança messiânica como escatológica. A pregação escatológica de Jesus se refere a um evento catastrófico, um evento sem precedentes, maravilhoso, que põe fim a todas as condições de sofrimento no âmbito do atual curso do mundo.116 Bultmann compreende a vinda do Filho do Homem como o momento em que ocorre o final de uma era. Este filho do homem vem nas nuvens do céu, os mortos são ressuscitados, as obras de todos serão submetidas a julgamento. Isso não se refere a um evento nacionalista, a uma glória transitória e humana, mas, numa vida maravilhosa e paradisíaca.117 Bultmann, a partir disso, entende o tempo ao qual Jesus se refere como um período que foi determinado por Deus, mas que agora, se completou. Em Jesus, pela pregação escatológica, há um novo tempo, mas não um kairós e sim um chronos. Esse vocábulo se refere à uma sucessão de tempos menores.118 Assim são os “tempos eternos”.119 Esse ponto da pregação escatológica também é digno de nota. Ele parece ser, em certo sentido, uma contagem regressiva de Deus 114 KUNZ, 2014, pp. 11,12.

115 BULTMANN, 2008, p. 41. 116 BULTMANN, 2008, p. 41. 117 BULTMANN, 2008, p. 42.

118 VINE, William Edwy. UNGER, Merril F. WHITE JR, William. Org. Dicionário Vine. Significado Exegético e Expositivo das Palavras do Antigo e do Novo Testamento. Tradução de Luís Aron de Macedo. – Rio de Janeiro: CPAD, 2012, p.1013. 119 BÍBLIA. Romanos 16.25. 1997, p. 1605.

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para a inauguração de seu Reino. A revelação deste Reino seria a mensagem e a pessoa de Jesus.120 Jesus pregava um Reino que chegaria em sua pessoa e depois seria explicitado na mensagem das boas novas.121 A contagem regressiva de Deus havia terminado, e o tempo para o lançamento122 do Reino de Deus havia chegado. Este Reino de Deus estava prestes a irromper na história. Pode-se considerar a probabilidade de que, o Reino tenha sido primeiramente apresentado na pessoa de Jesus, em sua mensagem,123 e em seguida, aparece na vida de seus discípulos. Pois, a missão de Jesus na terra é a manifestação inicial do Reino de Deus.124 Além disso, o Rei do Reino afirmava estar no mundo com um propósito bem específico – levar o homem a fazer parte do Reino.125 Se o Reino de Deus chegaria aos homens em Jesus, em seu aparecimento, e sua missão, sua pregação, um evento do qual não se pode escusar, qual deve ser a postura diante de um ato de tais proporções? Bultmann, aponta a prontidão, a disposição interna do homem, como a reação necessária diante do Reino. Mas não apenas uma disposição mecânica, neutra, mas a Decisão. A Decisão, na Teologia do Novo Testamento de Bultmann, é o termo que parece denotar a conversão do indivíduo. Bultmann entende que diante da irrupção do Reino de Deus, tudo que o ser humano pode fazer é estar de prontidão, ou preparar-se.126 Isto, em Bultmann, é a verdadeira conversão. 120 BOST, Bryan J. O Mistério do Reino de Deus. – São Paulo: Editora Vida Cristã, 2007, p. 18. 121 Bíblia do Ministro com Concordância: Nova Versão Internacional; traduzida pela Comissão de Tradução da Sociedade Bíblica Internacional. – São Paulo: Editora Vida, 2007, p. 797.

122 CARSON, D.A. [et al.]. Comentário Bíblico Vida Nova. – São Paulo: Vida Nova, 2009, p. 1430. 123 BALCHIN, John. et al. Guia Cristão de Leitura da Bíblia; tradução de Lena Aranha. – Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2013, p. 45.

124 LADD, George Eldon. O Evangelho do Reino: Estudos Bíblicos sobre o Reino de Deus; tradução de Hope Gordon Silva. – São Paulo: Sheed Publicações, 2008, p. 131. 125 KUNZ, 2014, p. 43.

126 BULTMANN, 2008, p. 46.

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O Reino de Deus e a Missão da Igreja

Partindo do fato de que a teologia de Bultmann possui conotação existencialista e sua interpretação se dá em moldes existenciais, ele entende que toda a imagem apocalíptica da pregação escatológica está revelada em Jesus, mas de forma “bastante reduzida”.127 Com isso Bultmann quer dizer que, o Reino não chegou conforme a expectativa de uma catástrofe que precederia o Reino, pois aquilo que era para ser um evento de proporções catastróficas não ocorreu. Bultmann afirma, ‘pois ante o fato de não se ter cumprido o anúncio da irrupção do reino de Deus, e que, portanto, a expectativa de Jesus do fim próximo deste mundo velho se revelou um engano, surge a pergunta se a concepção de Deus não foi uma fantasia”.128 Bultmann entende que Jesus esperava o estabelecimento do Reino de Deus por meio de uma catástrofe, “está claro, antes, que Jesus espera a irrupção do reino de Deus como acontecimento maravilhoso que transforma o mundo – como fez o judaísmo e mais tarde sua comunidade”.129 Após essa conclusão, Bultmann afirma que duas coisas são decisivas para a compreensão da pregação escatológica “a concepção de Deus atuante aí e a compreensão da existência humana nela contida”.130 Em contraponto a Bultmann, o Reino de Deus é tanto um estado como um lugar.131 O Reino, de fato, chegou e teve seu início em Jesus, mas não de forma absoluta, plena, nem de forma irresistível.132 Ele vem silencioso, discreto e em segredo.133 Para se compreender 127 BULTMANN, 2008, p. 43.

128 BULTMANN, 2008, pp. 60,61. 129 BULTMANN, 2008, p. 61. 130 BULTMANN, 2008, p. 61

131 ANDRADE, Claudionor de. Dicionário de Profecia Bíblica – os vocábulos e expressões mais significativos da doutrina das últimas coisas. – Rio de Janeiro: Casa Publicadora das Assembleias de Deus, 2015, p. 212. 132 LADD, 2008, p. 57. 133 LADD, 2008, p. 56.

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I. O Reino de Deus no Século XX

melhor o Reino de Deus é necessário apelar para outras concepções, outros pontos de vista que possam lançar luz sobre esse assunto.

2. A Teologia do Novo Testamento de Joachim Jeremias Joachim Jeremias nasceu em 20 de setembro134 de 1900, na cidade alemã de Dresden. Viveu em Jerusalém de 1910 a 1915. Nesse período de cinco anos, seu pai foi pastor na comunidade luterana alemã em Jerusalém. Esse tempo que Jeremias passou em Jerusalém influenciou drasticamente sua pesquisa posterior. A pesquisa de Joachim Jeremias sobre o Novo Testamento é caracterizada pela investigação minuciosa da história e da proclamação de Jesus,135 tendo como pano de fundo as condições sociais e culturais do ambiente daquela época. Sua Teologia do Novo Testamento, foi publicada em 1970, nove anos antes de falecer. É resultado de todas as suas investigações anteriores. Foi elaborada em Göttingen durante o período de sua aposentadoria. O propósito principal de sua pesquisa é desvendar o que ele chama de ipsissima vox,136 isto é, esclarecer quais ditos podem ser de fato palavras de Jesus, sua “voz real”. Para isso, Jeremias tem como objeto de pesquisa a proclamação de Jesus. Ele propõe a possibilidade de identificar os ditos de Jesus a partir de sua língua materna, o aramaico. A base dos seus estudos está sob a análise linguística das palavras de Jesus dispostas nos evangelhos137 e outras fontes. 134 JEREMIAS, 2008, p. 17. 135 JEREMIAS, 2008, p. 19.

136 JEREMIAS, 2008, p. 193.

137 Mateus, Marcos, Lucas e João, porém há outras fontes dentro do Novo Testamento.

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