Introdução A vida está repleta de surpresas. Nada acontece na vida de um cristão por acaso. Assim, fica evidente que o cristão, ao passar pelo moinho de Deus1, deve entender que o Senhor estabeleceu algum propósito, cujos resultados, às vezes, não são compreensíveis. Afinal de contas, almejamos sucesso e não fracasso. Fomos criados para vencer e reinar em vida e não para amargar derrotas. Fomos criados à imagem e semelhança de Deus, portanto, vencedores e não derrotados (Gênesis 1:26). A vida, porém, tem nos ensinado que, independentemente da nossa fé, o moinho de Deus é inevitável. Aliás, Deus nos livra de muitas aflições, mas não nos poupa de provações (Salmos 34:19). Vale lembrar que Deus não poupou nem o Seu único Filho das provações, quanto mais nós, homens pecadores? Vale ressaltar, entretanto, que passar pelo moinho de Deus não significa punição, mas uma oportunidade para que o cristão possa crescer espiritualmente. “Foi-me bom ter eu passado por aflições, para que aprenda os teus decretos”, afirma o salmista (Salmos 119:71). Isso significa dizer que os desertos da vida fazem parte do desafio da fé, ou seja, Deus permite algumas situações-limites1, visando a aproximar de Si o pecador. Isso implica dizer que enfrentar as dificuldades pode ter como propósito aprender os decretos de Deus. Foi dessa maneira que eu 1
Denomina-se moinho de Deus as situações que o homem enfrenta e que, de certo modo, lhe parecem insuperáveis. Segundo a concepção de Paulo Freire, moinho de Deus são as situações-limites que o homem enfrenta sem perspectivas de superá-las.
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passei a entender os desígnios de Deus nos longos anos do meu pastorado. Hoje, tenho convicção de que o Senhor jamais pensou em abandonar o homem criado por Ele, embora este O desobedecesse. A origem deste livro nada mais é senão o resultado de ter passado pelos desertos de vida. Confesso que ninguém gosta de passar pelo moinho de Deus, porque, nessa hora, a nossa alma se vê abatida e desamparada pelos homens, restando-nos apenas o apoio do Senhor que, pela Sua infinita misericórdia, nos acolhe e nos sustenta, mesmo não sendo merecedores de nada. Diz o salmista: “Ainda que meu pai e minha mãe me desamparem o Senhor me acolherá” (Salmos 27:10). Ora, o homem sem a proteção de Deus está, sem dúvida, desamparado. Está sem direção e sem rumo. Seu aparente carisma e poder não lhe garantem segurança alguma e seus melhores amigos tendem a deixá-lo só, como foi o caso de Jó, abandonado por Zofar, Elifaz e Beldade, seus melhores amigos. Aliás, não é de admirar quando pais abandonam seus filhos (e vice-versa), esposas questionam o Deus de seus maridos, a exemplo da mulher de Jó: – “Ainda conservas a tua integridade? Amaldiçoa a Deus, e morre” (Jó 2:10). Deve-se ressaltar ainda que, na vida cristã, por mais que as coisas pareçam espinhosas, perseverar em Deus é muito importante. Para o nosso consolo Tiago diz: “Bem-aventurado o homem que suporta com perseverança a provação, porque, depois de ter sido aprovado, receberá a coroa de vida, a qual o Senhor prometeu aos que O amam” (Tiago 1:12). Assim, ao passar pelas provações, isto é, pelo moinho de Deus, o cristão deve aprender a glorificar a Deus: “Louvarei ao Senhor duran2
te a minha vida; cantarei louvores ao meu Deus, enquanto eu viver” (Salmos 146:1,2). Enfim, servir a Deus torna-se a condição sine qua non para a esperança humana. O Senhor Deus nos ensina a adorá-Lo e a glorificá-Lo em todo o tempo, a fim de que o Seu reino seja manifesto nos céus e na terra, hoje e sempre.
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1. COMO
TUDO
COMEÇOU?
O moinho de Deus tritura sem deixar escapar um grão sequer. Isso significa que enquanto o Senhor Deus não cumprir o Seu propósito em nós, o moinho é interminável (Zambissa, 2005).
udo na vida tem começo e fim. O surgimenT reflexões não seria diferente. Ao compartilhar
to destas minhas experiências ministeriais, espero poder ajudar de maneira simples, porém prática, na superação de situações que, talvez, entristeceram o seu coração. Proponho-me, aqui, a apresentar lições úteis decorrentes da prática pastoral de longos anos. Há momentos em que na vida tudo parece estar muito bom. O nosso ego se envaidece, pensando ser insubstituível. Engano nosso. Todos são substituíveis. Aprendi essa lição de vida depois de ter passado por uma cirurgia de hérnia de hiato, descoberta de maneira abrupta. Nessa hora, assustado e sem palavras, fui obrigado a suspender todas as minhas atividades pastorais e terapêuticas. É bom que se diga que me restavam alguns dias para terminar na igreja de Sertanópolis o tempo do 5
Passando pelo moinho de Deus
meu pastorado de nove anos. Para ser preciso, restavam-me apenas quinze dias para mudar para Curitiba, meu novo campo de trabalho para o ano seguinte (2006). Por motivos de saúde, as honrarias humanas (os elogios, a fama e a admiração), alcançadas com muito trabalho naquela igreja durante nove anos foram, de uma hora para outra, ceifados. Até então meus admiradores extrapolaram limites. Era admirado não só por membros das igrejas evangélicas, mas também pelos moradores de Sertanópolis. O Dr. Zamba, como muitos carinhosamente preferiam chamar-me, num piscar de olhos estava completamente esquecido pelo público. Onde estaria, então, o carinho dos meus admiradores, indagava-me inúmeras vezes e nada de resposta. Estava vivendo o silêncio de Deus. Nessas horas só me restava pensar que Deus se esquecera de mim, compactuando com as atitudes de homens ingratos. Deus estava sendo muito injusto comigo. Como Ele permitiu que os meus irmãos de longa convivência se esquecessem de mim? – “Você nunca se viu diante dessa triste realidade?” Acredito que muitos tenham passado por uma experiência como essa e, consequentemente, tenham questionado Deus como eu o fizera muitas vezes. Felizmente, quando me volto para o ocorrido, tenho a plena certeza de que, no Seu silêncio, Deus estava trabalhando a meu favor. Hoje posso dizer que foi naquele momento que Deus começou a realizar algo novo e envolvente no meu ministério. Estava, sim, passando pelo moinho Deus, para que o propósito de Deus se cumprisse na minha vida e em meu ministério. O distanciamento de todos aqueles que conviviam comigo 6
1. Como tudo começou?
transformou-se em um recurso pedagógico de que Deus se valera para me ensinar que quem depende dos homens, frustra-se (Jeremias 17:5). Mas aquele que crê e deposita sua confiança no Senhor, jamais será desamparado. Apesar das dificuldades, Deus também me ensinou a valorizar minha família que, por inúmeras vezes, releguei ao segundo plano, embora vivêssemos muito bem. Até, então, Deus ocupava o primeiro lugar e, em seguida, o pastorado, enquanto a família amargava a última posição. Você deve conhecer alguém que age dessa maneira. Eu era um deles. Quantas vezes deixei minha esposa e meus filhos em segundo plano, correndo atrás de tudo e de todos? Não deixe que isso aconteça com você. Com esse episodio, aprendi que o primeiro rebanho de um pastor é a própria família. Aprendi essa lição e não abro mão dela. O tempo de minha família é inegociável, salvo quando alguém está morrendo. Minha decepção comigo mesmo foi saber que não foram poucas as vezes que eu ouvi dos meus filhos: – “O Pai, para fazer as coisas da igreja e dos irmãos, age com prontidão, mas quando é para fazer coisas para nós, sua resposta sempre é: esperem. Vamos ver! Quando sobrar tempo”. Se é assim que as coisas funcionam na sua casa, não demore em rever os seus conceitos e valores, porque aquilo que você não fizer para sua família ninguém fará em seu lugar. Cuide de sua família. Cuidar da família é, de fato, cuidar do projeto de Deus, pois família é sonho e projeto de Deus.
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Passando pelo moinho de Deus
1.1 Moinho de Deus: é tempo de aprender Foi-me bom ter eu passado pela aflição para que aprendesse os Teus decretos (Salmos 119:71).
Como disse anteriormente, o passar pelo moinho
de Deus foi para mim uma lição que levarei para a vida toda. Com o moinho de Deus aprendi a me aproximar de maneira íntima do Pai Celeste e da minha família e, também, a rever meus conceitos e valores. Foi ao passar pelo moinho de Deus que aprendi a enxergar minha família como sendo minha prioridade. Obrigado, meu Deus! Espero que você não pense que, hoje, tenha relaxado as minhas obrigações pastorais. Pelo contrário, aprendi a não confundir as coisas, isto é, a estabelecer as prioridades das coisas sem prejudicar uma parte e outra. O início pelo meu moinho foi a cirurgia que ocorreu no dia 15/12/2005, no Hospital Evangélico de Londrina. Quatro dias após a cirurgia, exatamente no dia 19/12/ 2005, eu, ainda com o curativo cirúrgico, acordei com uma inquietação de Deus que enfaticamente falava do Seu moinho. Triste, desanimado e com várias interrogações não respondidas, comecei a pensar por que isso acontecera comigo. Sempre andei na integridade ministerial e Deus permitiu que isso acontecesse comigo? Por que razões? Essas e outras perguntas inquietavam o meu coração. Quando me dei conta, já estava escrevendo sobre o moinho de Deus. O mover de Deus foi tão impactante em minha vida ao ponto de eu escrever os dois primeiros capítulos, compartilhando minhas experiências com Deus, a fim 8
1. Como tudo começou?
de poder ajudá-lo a enfrentar os desertos da sua vida em qualquer situação. Diante do abandono em que estava vivendo, meu primeiro desejo foi o de amaldiçoar o dia em que nasci, como fizera Jó: “Pereça o dia em que nasci e a noite que disse: foi concebido um homem. Converta-se aquele dia em trevas; e Deus, lá de cima, não tenha cuidado dele, nem resplandeça sobre ele a luz” (Jó 3:3, 4). Cumpre ressaltar que em meus aconselhamentos pastorais, inúmeras vezes senti-me no dever de recorrer ao texto: “Tudo posso Naquele que fortalece” (Filipenses 4:13). Mas quando a angústia afligiu meu coração, minhas esperanças foram embora, restando-me apenas o desespero, isto é, afloraram as lamentações e as perguntas não respondidas devido ao meu estado de saúde. Na condição em que me encontrava, parecia que Deus tinha se esquecido de mim. Será? Com certeza, não! Essa é a impressão que temos ao passar pelo moinho de Deus ou pelos desertos de vida. Você também já se sentiu dessa maneira? Creio fielmente que Deus não nos poupa de provações e aflições. Por esse motivo, sou da opinião de que desertos de vida não constituem lugar de punição, mas de tratamento de Deus. Assim, quando você estiver passando pelos desertos de vida, não pense que Deus o esteja punindo. Pelo contrário, nos desertos de vida Deus dedica maior atenção aos Seus eleitos. Levante sua cabeça e prossiga em sua caminhada de fé, pois “[...] agindo Deus, ninguém impedirá” (Isaías 43:13).
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Passando pelo moinho de Deus
1.2 Moinho de Deus requer a compreensão dos familiares
Quando se passa pelo moinho de Deus, a palavra de
sabedoria e amiga da família faz muita diferença. Se eu amava minha família, o moinho de Deus me ensinou a amá-la muito mais. Vendo meu estado de saúde e a aflição que tomava conta de mim, minha esposa e meus filhos diziam-me: “Coma para que a sua saúde se restabeleça”. Mas enfurecido com o comportamento dos irmãos, o meu interesse pelo alimento físico era cada vez mais insignificante, embora soubesse que a minha rápida recuperação dependia de uma boa alimentação, portanto, deveria alimentar-me em horários certos. Confesso que até então eu nunca havia pensado em escrever, mas passando pelo moinho de Deus as ideias fluíam velozmente à mente e passei a ter a sensação do novo de Deus que estava acontecendo em meu ministério. Foi aí que passei a entender que as dificuldades, sejam elas de quais ordens, trazem consigo um aprendizado. Dessa forma, busquei orientação nas epístolas de Paulo a quietude para as minhas aflições, pois entendia nitidamente que “todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Romanos 8:28). O interessante é saber que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus. O texto não diz que as coisas boas cooperam e, sim, todas as coisas. Sendo elas boas ou ruins, devemos agradecer a Deus. Aliás, Deus é conhecedor de todas as coisas. “Até os cabelos da nossa cabeça, todos estão por Ele contados” (Lucas 12:7). Não há sombra 10
1. Como tudo começou?
de dúvida nisso de que Deus tem em Suas mãos nossas virtudes e fraquezas. Segundo Strong, o Universo criado por Deus já tem seus propósitos pré-estabelecidos. Portanto, o homem não tem capacidade para contrariar a vontade soberana de Deus: Desde a eternidade Deus previu todos os acontecimentos do universo como estabelecidos e certos. Essa fixidez e certeza não podem ter uma base nem sorte cega nem nas vontades variáveis dos homens, visto que então nenhuma dessas, pois, existiam ainda. Não podia ter seu fundamento em cousa alguma fora da Mente Divina, pois, na eternidade, nada existia senão a Mente Divina [...] (Apud BANCROFT, 1998, p. 81). Para os amantes da pura Teologia, não apresento aqui reflexões científicas. Enganam-se aqueles que assim pensarem. Aliás, segundo o ensino das Escrituras Sagradas, é nas coisas simples e desprezíveis desse mundo que Deus age. Portanto, esta leitura pode significar o começo de um ministério profícuo, pois para mim o passar pelo moinho de Deus trouxe ensinamentos divinos outrora lidos e compreendidos de maneira superficial. Isso significa dizer que depois de muitos anos no pastorado, Deus trouxe ao meu coração uma ministração simples, mas profunda e direta. Para isso, ao compartilhar as minhas experiências ministeriais sinto-me profundamente realizado, pois sei que elas o ajudarão a enfrentar o moinho de Deus ou os desertos da vida. Assim, ao enfrentá-los, que Deus lhe conceda força, fé, ousadia, perseverança, paciência, esperança e obediência. 11
Passando pelo moinho de Deus
Seja um guerreiro destemido! Não desista de lutar e de sonhar! Passe pelo moinho de Deus de maneira consciente e sem murmurações. Nele, Deus quer restaurar sua vida, seu ministério e até mesmo sua comunhão com a família. Não desperdice essa rica oportunidade que Deus lhe concede. Acredito ser hoje o tempo de restauração ministerial, conforme lembra-nos o sábio Salomão: Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo propósito debaixo do céu; há tempo de nascer e tempo de morrer; tempo de plantar e tempo de arrancar o que se plantou; tempo de matar e tempo de edificar; tempo de chorar e tempo de rir; tempo de prantear e tempo de saltar de alegria; [...] tempo de amar e tempo de guerra, e tempo da paz (Eclesiastes 3:1-8). Com fé, temor e humildade de coração repito: o moinho de Deus na sua vida constitui-se num tempo de aprender os decretos de Deus. Á exemplo do que aconteceu comigo, espero que você reveja conceitos e valores que, talvez, estejam adormecidos e/ou esquecidos dentro de si.
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