Teologia Militar

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Copyright©2017 por Edmar dos Santos Pedrosa Todos os direitos reservados por: A. D. Santos Editora Al. Júlia da Costa, 215 80410-070 Curitiba – Paraná – Brasil +55(41)3207-8585 www.adsantos.com.br editora@adsantos.com.br

Capa: Alex Shiroma Finalização da capa: APS Editoração: Manoel Menezes Fotos: Envato Elements Coordenação editorial: Priscila Laranjeira Impressão e acabamento: Gráfica Patras

Conselho Editorial: Reginaldo P. Moraes, Dr.; Gleyds Domingues, Dra.; Antônio Renato Gusso, Dr.; Sandra de Fátima Gusso, Dra.; Priscila R. A. Laranjeira, Editorial; André Portes Santos, Diretoria; Adelson Damasceno Santos, Diretoria; Adelson Damasceno Santos Jr., Diretoria. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) PEDROSA, Edmar dos Santos Teologia Militar, o uso da linguagem do militarismo nas Escrituras Sagradas / Edmar dos Santos Pedrosa – A.D. Santos Editora, Curitiba, 2017. 320 páginas. ISBN – 978.85.7459-468-2 1. Bíblia, Teologia

CDD 234.12

1ª edição: Março de 2018. Proibida a reprodução total ou parcial, por quaisquer meios a não ser em citações breves, com indicação da fonte.

Edição e Distribuição:


Dedicatória

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com muita alegria e satisfação que dedico esta obra à especial tropa que marcha ao meu lado rumo ao reino celestial – minha família. Minha leal esposa e batalhadora Valdirene e meus filhos, preciosos escudeiros, Lucas e Isaac. Que as suas vidas sejam revestidas da armadura dos céus e que as vitórias venham a cada batalha combatida. A vitória é certa para quem luta do lado certo da peleja. É uma honra marchar ombro a ombro com vocês. Por ti (vocês) daria, a vida minha!

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Prefácio

A

obra brilhantemente produzida pelo Capitão de Polícia Militar Pedrosa nos leva para um momento de rica reflexão acerca do cristianismo e do militarismo, conceitos presentes em nossa vida na sociedade. Deus sempre foi um “general à frente de um exército” que guerreou em prol dos homens, Sua mais perfeita criação. O autor, em seu texto, nos mostra esse Senhor dos Exércitos que dirige o caminho de famílias inteiras - uns aguardando o retorno de seus entes queridos, que estavam lutando nas guerras, e outros, que estavam nas batalhas, as quais esperavam vencer para poder retornar aos seus lares, sempre orando para que Ele promovesse esse reencontro. Para nós, militares, “disciplina, hierarquia, lealdade, constância, respeito às autoridades, cumprimento de ordens entre outros” sempre foram e serão temas recorrentes, os quais o Capitão de Polícia Militar Pedrosa apresenta com toda sua sensibilidade e conhecimento trazendo-os das escrituras sagradas para nosso cotidiano. Essa é, portanto, uma obra que vai nos enriquecer quanto à necessidade de enxergar nosso Deus como o guia de nossas ações, pois sempre vivemos de uma forma ou de outra, inseridos na necessidade das ações e intervenções militares com intuito de promover a paz entre os povos. Os militares, como o próprio autor coloca, são “uma classe especial de pessoas”, sempre preparados e dispostos a dar sua vida para o bem da coletividade, inclusive daqueles que não conhece. Para que sejamos livres, independente de ter ou não formação militar, precisamos de regras e essas

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se fazem através da hierarquia, tão prezada e difundida em nosso meio militar. Sejamos ou não militares sem elas não conseguiremos viver com nossos pares. Para finalizar, tal como fez o Capitão de Polícia Militar Pedrosa, cito o trecho da canção da Infantaria: “Nós somos estes infantes, cujos peitos amantes nunca temem lutar; Vivemos, morremos, para o Brasil nos consagrar!” porém por ser o Brasil um País abençoado por Deus, muito bem podemos dizer no final do trecho acima “...Vivemos, morremos, para aos céus nos consagrar!”. Dito isso, com pureza de minha alma, tenho certeza de que essa leitura será enriquecedora e proveitosa para qualquer pessoa que tenha amor em seu coração. Marcelo Nagy

Coronel de Polícia Militar do Estado de São Paulo

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Sumário Dedicatória_______________________________________ iii Prefácio___________________________________________v

Sumário__________________________________________vii Introdução_______________________________________ 11 Capítulo I – O Evangelho Militar de Marcos___________ Uma justificativa teórica__________________________ Pano de fundo militar do evangelho de Marcos________ A elite militar romana na Palestina__________________ Conceitos militares fundamentais___________________ Autoridade militar_______________________________ Coragem e ousadia______________________________ Insubordinação_________________________________ Voz de Comando_______________________________ A autoridade da farda____________________________ A entrada triunfal em Jerusalém____________________ Jesus morreu tão rápido!__________________________ A linguagem militar em Marcos____________________ Capítulo II – O Contexto Militar em Torno Do Apóstolo Paulo________________________________ Sua formação cívico-militar_______________________ Sua cidade natal_________________________________ O envio a Jerusalém______________________________ Paulo foi um militar da reserva?____________________ Seu profundo saber jurídico militar__________________ Suas prerrogativas legais__________________________ A Menagem de Paulo ___________________________ A forma da execução da sua pena de morte___________

17 18 19 22 24 25 29 31 33 34 35 40 42 45 48 50 52 53 55 56 59 61

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Capítulo III – A Disciplina como Alicerce Fundamental__ Serviu de escusa de consciência_____________________ Disciplina Militar_______________________________ Datum Perficiemus Munus________________________ Estrito cumprimento do dever militar_______________ A mais ignóbil das mortes_________________________ Jesus sabia que seria assim_________________________ Estevão, o discurso do “protomártir” _________________ Teologia da disciplina____________________________ João Batista interpretou o que vem a ser disciplina______ Escusa não significa absolvição_____________________ Jesus condenou a hipocrisia________________________ Capítulo IV – A Hierarquia como Valor Cristão________ Alguns precedentes históricos_____________________ Uma definição basilar da hierarquia________________ Primórdios da hierarquia no direito romano__________ A hierarquia na religião__________________________ Precedência hierárquica hereditária_________________ O grau hierárquico de Jesus ______________________ Reflexos da autoridade hierárquica de Jesus__________ Mestres da lei reconheceram sua posição hierárquica___ Jesus e a criação de seus irmãos____________________ A hierarquia condenada _________________________ Hierarquia em tropas militares____________________ Hierarquias nas Forças Armadas___________________ A hierarquia celestial____________________________ Jesus e seu Estado Maior_________________________

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Capítulo V – Um Só por Todos, Todos por Um_________ O espírito de corpo cristão_______________________ Espírito de corpo ou acepção?_____________________ Lutero e a cultura alemã_________________________ Sobre os Judeus e suas mentiras___________________ O inegável legado de Lutero______________________

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Atitudes geram consequências: ação e reação_________ A humilhação provocou acepção___________________ A acepção provocou destruição____________________ Posturas cristãs sem acepção ______________________ O Apóstolo João _______________________________ Karl Barth____________________________________ Dietrich Bonhoeffer____________________________ Servir e proteger, essa é a missão.___________________

Capítulo VI – O Direito Militar ao Espólio____________ Na partilha das vestes de Jesus____________________ O primeiro direito militar concedido_______________ Um paradigma histórico_________________________ O aspecto sagrado do direito ao espólio_____________ A exacerbação do direito_________________________ O dever de não vilipendiar um corpo _______________ O dever de não subtrair bens alheios________________ Por que lançaram sortes sobre suas vestes?___________ Tomar o espólio é justo ou injusto?_________________ O direito ao espólio hoje em dia___________________ O ensino do amor______________________________ Sentimento de Culpa___________________________ O contentamento como despojo___________________

Capítulo VII – Ave César, Ave Jesus!_________________ Homem e/ou divino?___________________________ Seu senso de justiça_____________________________ O domínio universal____________________________ Festas e eventos________________________________ Sentimentos bem humanos_______________________ Ser ou parecer?________________________________ As armas e a Bíblia_____________________________

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171 172 174 176 180 181 182 186 187 191 194 194 196 200 203 205 211 214 215 217 221 227

Capítulo VIII – Pena de Morte – Uma Criação Militar ou Religiosa?____________________________________ 233 Pena de morte no contexto bíblico_________________ 233

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Antecedentes bíblicos e históricos__________________ Alguns ilustres e santos condenados a esta pena_______ Pena de morte no direito militar___________________ No direito militar brasileiro_______________________ O processo e julgamento judaico de Jesus____________ O processo e julgamento romano__________________ A necessidade de testemunhas____________________ Direitos de Jesus como réu_______________________ O túmulo de Jesus______________________________ A pena de morte a inocentes______________________ A “evolução” histórica___________________________ Aborto como expressão de liberdade________________ Uma questão ética______________________________ A opção pela vida______________________________ O tratamento legal sobre o assunto_________________ A legalidade bíblica sobre o assunto________________ A definição quanto ao início da vida________________ O Aborto é um direito de quem afinal de contas?_____ A vida e a morte são eternas______________________

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Capítulo IX – Estratégia é Tudo na Batalha____________ 281 O mistério sobre a origem dos gigantes_____________ 282 Quem era o gigante afinal? Davi ou Golias?__________ 284 A estratégia de Golias___________________________ 287 Muita intimidação sem nenhuma ação______________ 289 Guerreiro militar ou acometido de patologia_________ 293 Sua maior qualidade foi seu maior defeito – seu tamanho_ 294 A hora da verdade – sua estratégia falhou.___________ 299 Só uma estratégia funcionou______________________ 303

Conclusão______________________________________ 307 Referências Bibliográficas__________________________ 315 x


Introdução

T

emas militares são, por excelência, assuntos recorrentes nas páginas das Sagradas Escrituras. Muitas razões podem ser suscitadas para isso, no entanto, uma bastante provável é o fato da linguagem humana não ser, completamente, capaz de definir, tratar e transmitir os valores espirituais que Deus almeja. A linguagem é um abismo, deveras difícil de ser transposto, justamente por isso, para retratar Deus e suas obras na humanidade, foi necessário usar de temas, símbolos e expressões conhecidas pelas pessoas, e nesse sentido, o militarismo encaixou-se muito bem para essa missão. Deus vai apresentar-se à humanidade em forma e linguagem por ela conhecida. Ora por antropomorfismos, ora por antropopatismos,1 todavia, o que se pretende abordar doravante é a forma recorrente de Deus se fazer conhecido aos homens essencialmente por meio de linguagem e figuras militares. O próprio Cristianismo, segundo Paul Veyne2, foi organizado militarmente: “É a única religião do mundo, que eu saiba, que está organizada como um exército. Tem um general, o Papa, bispos, arcebispos, sacerdotes. É uma religião em que é 1

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Antropomorfismo e antropopatismos referem-se a descrições de Deus por meio de suas ações ou de suas emoções, respectivamente, em termos humanos. Deus é invisível, infinito e incorpóreo, mas suas características humanas são frequentemente usadas para comunicar sua natureza ou atos. (FERGUSON, 1998, p.30). Paul Veyne, tradutor de Virgílio e autor de numerosos ensaios, refletindo aos 86 anos sobre sua vida dedicada aos clássicos e a validade de seus textos. Disponível em http://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/20/cultura/1476973040_431151. html. Acesso em 10 nov. 2016.


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preciso obedecer. Por isso, o Cristianismo deu um marco muito claro para a população”.3 Como se espera que seja óbvio o entendimento, esta forma de linguagem apresenta Deus de maneira figurada, e isso é bom que se aponte desde já uma vez que muitos tendem a achar e até mesmo afirmar que Deus realmente possui emoções à semelhança dos homens ou chegou a ocupar posições humanas às vezes. Nos tempos bíblicos, o militarismo era algo presente, real e extremamente atuante na sociedade de forma que fazia parte da vida cotidiana das pessoas envolvidas no contexto dos relatos sacros. Consequentemente, usar linguagem militar era, não só recorrente, como esperado naquelas sociedades antigas. À guisa de exemplo, no livro bíblico de Josué 5.1315 Deus se manifestou a humanidade em forma militar. É comum observar Deus sendo personificado em linguagem humana como um general à frente de um exército e guerreando em prol de seu povo. Outras tantas vezes Ele será descrito como Senhor dos Exércitos emitindo ordens em formas imperativas e, por vezes, punindo transgressores sumariamente. O próprio povo de Israel tem sua história ligada ao militarismo tão intrinsecamente que é impossível separá-los. David Ben Gurion4, responsável direto pela fundação do Estado de Israel reconheceu esse fato quando associou acontecimentos políticos e militares contemporâneos com a visão bíblica da história, afirmando: 3 4

Disponível em http://brasil.elpais.com/brasil/2016/10/20/cultura/147697304 0_431151.html. Acesso em 10 nov. 2016. David Grin foi um camponês que se transformou no jornalista David Ben Gurion, nome este tomado de empréstimo de um dos últimos defensores de Jerusalém contra as legiões romanas, pois foneticamente esse nome soa muito bem, conforme ele mesmo afirmou. (ALZUGARAY, 1986, p.55).


Superioridade se demonstra com valores e Israel os expressou por meio da vida militar. Uniram-se disciplinadamente em torno de um espírito de corpo tão forte que culminou no reconhecimento do tão almejado Estado de Israel. O militarismo é e sempre foi fundamental na história daquele povo. Para Ben Gurion, esses valores inalienáveis e transcendentais encontram-se descritos na Bíblia, que ele chamava de Sefer Hasefarim, isto é, o livro dos livros, pois na sua visão, esse livro sagrado era a força vital que havia guiado seu povo em sua longa história, sendo ela a essência de tudo e o grande transmissor dos valores morais, espirituais e éticos do povo judeu.6 O próprio termo evangelista que se refere àquela pessoa que transmite o evangelho aos outros, é também oriundo do meio militar. O evangelho é uma boa notícia e o evangelista é um cargo militar exercido por uma pessoa que tinha como incumbência transmitir essa boa notícia, vinda direto do campo de batalha a sua nação, que por ela aguardava ansiosamente. Pais, mães, filhos e esposas aguardavam com expectativa pela volta de seus entes queridos enviados à guerra. A visão mais aguardada por eles era a do evangelista, aquele militar mensageiro, adentrando a cidade e trazendo con5 6

ALZUGARAY, 1986, p.27. ALZUGARAY, 1986, p.25.

13 Introdução

No estabelecimento do nosso Estado, a vitória das armas judaicas sobre as armas árabes representou um grande e decisivo papel. A fonte desta vitória encontra-se na superioridade espiritual e moral da nação judaica. Foi o espírito judeu que tornou possível o triunfo. A crença e a inabalável convicção na superioridade do espírito estão com os judeus na longa jornada de sua história, do monte Sinais à edificação de Israel de nosso tempo.5


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sigo a tão sonhada boa notícia, ou boa nova. Por isso o profeta Isaías retratou essa cena tão marcante na cultura bélica judaica, afinal de contas a visão daquele homem correndo rumo à cidade era deveras, bela.7 João Calvino, cônscio da relevância bíblica quanto à aplicação de princípios militares na humanidade, posicionou-se quanto à verdade a ser levada as pessoas. Ele disse que devemos, certamente, fazer que a nossa preocupação primária cuide para que a verdade de Deus seja mantida em qualquer controvérsia; porém, se os incrédulos resistirem, devemos terçar armas contra eles, e não devemos temer sermos responsabilizados pelos distúrbios.8 Para militares, certos verbetes, expressões e ações são bastante singulares, como falar de disciplina, hierarquia, lealdade, constância, respeito as autoridades, cumprimento de ordens, entre outros. Tantas vezes esses temas são abordados nas Escrituras Sagradas para mostrar a forma da ação divina na história da humanidade e o que Ele espera dos homens, seus leais subordinados. Muitos usaram dos princípios militares de forma completamente indevida tentando justificar ações cruéis e equivocadas como é caso de romanos e judeus. Outros, sabiamente, fizeram uso deste conhecimento para exigir direitos e assim cumprir sua missão como é o caso do apóstolo Paulo, um militar de corpo e alma como se verá. Enxergar Jesus sob as lentes militares da época não foi tarefa árdua para seus contemporâneos como é para nossa geração hoje. Os autores bíblicos usaram amplamente deste artifício. Conhecer do conteúdo militar nas Sagradas Escrituras permitirá ao leitor contextualizar melhor temas rele7 8

Cf. Isaias Cap. 52.

J. Calvino, Exposição de 1 Coríntios, (1Co 14.33), p. 437.


Introdução

vantes para assim garantir uma boa interpretação bíblica. Também ajudará a entender textos polêmicos e controversos, habilitando-o a adotar posições sóbrias respondendo racionalmente dilemas pós-modernos como pena de morte, aborto, porte de armas entre tantos com base histórica e acima de tudo teológica. É uma obra que vai, por um lado, sanar muito de nossa curiosidade sobre temas até então pouco ou nada explorados sob a vertente militar, e por outro, nos desafiar a adotarmos uma hermenêutica séria da palavra inspirada e revelada por Deus buscando seu real significado para assim aplicá-lo aos nossos dias. Preparado? Vamos avante! Parafraseando a esplêndida canção da Infantaria, sigamos firmes, afinal de contas: “Nós somos estes infantes, cujos peitos amantes nunca temem lutar. Vivemos, morremos, para aos céus nos consagrar!”.

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Capítulo I Menina, eu te mando, levanta-te! Marcos 5.41

O EVANGELHO MILITAR DE MARCOS

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xplorar as riquezas dos evangelhos é desafio a todo intérprete sincero das escrituras. O evangelho de Marcos traz uma característica especial que o diferencia dos demais, qual seja, linguagem clara, direta e dinâmica. Deixa a impressão de ter sido elaborado com uma intenção bastante específica e voltado a um público alvo bem direcionado. Embora não tenha sido escrito obedecendo a uma ordem cronológica de ações, é rico em apontar para a divindade de Jesus e para seu papel de servo sofredor entre os homens. Seus milagres e atitudes heroicas são capazes de convencer e motivar os ouvintes de Pedro nas palestras proferidas por ele em Roma. Não se tem notícia exata do resultado que aquele evento provocou na atual capital italiana, mas é possível deduzir que vidas foram transformadas ali, uma vez que Pedro, com seu jeito simples e prático, conseguiu transmitir a mensagem do Reino de forma ímpar e impactante.


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Sendo verdade que seu discurso foi realizado no pretório romano a várias e importantes autoridades, certamente Roma nunca mais foi a mesma a partir daquele momento, pois o maior poder militar da antiguidade teve a oportunidade de ser apresentado ao seu maior general – Jesus, que passou aquela tropa em revista.

Uma justificativa teórica Este capítulo está amparado em uma análise hipotética. Não se propõe a fazer um estudo exegético ou mesmo sistemático dos textos bíblicos que serão mencionados, mas tão somente ilustrar a possibilidade de serem verdadeiros os argumentos doravante apresentados. Será amparado, portanto, em alguns pressupostos fundamentais. O primeiro pressuposto que será empregado neste capítulo é que Pedro estava em Roma palestrando no pretório9 para a elite romana e que Marcos o acompanhava como seu fiel amanuense, ou mesmo intérprete, já que Pedro não devia dominar o latim.10 Assim, traduziu e anotou o quanto pôde do discurso para mais tarde o apresentar na forma escrita como é conhecido ainda hoje. Corrobora com esta hipótese, a possibilidade real de a plateia ter ficado tão fascinada com o que ouviu que lhe pediu cópias dos apontamentos da palestra, escritas por ele.11 Outro pressuposto importante a ser relevado neste capítulo, é a consideração de que o Evangelho de Marcos 9 Originalmente significava a tenda do comandante ou praetor, e, em consequência, os quartéis do exército. Por extensão, a palavra veio a significar a residência de um governador provincial, conforme relatos dos evangelhos. DOUGLAS, 1991, p.1314. 10 DEBARROS, 2006, p.459. 11 BLACK, 2004, p.33.


Pano de fundo militar do evangelho de Marcos Roma, a capital do império mais espetacular da antiguidade, será o cenário para os eventos que envolvem a escrita do evangelho. Para entender um pouco da grandeza daquele império, basta um olhar criterioso para a história: O Império Romano, ao qual os judeus e os primeiros cristãos estavam submetidos, representou um dos mais contundentes avanços no desenvolvimento da civilização humana até aquele momento. Ainda no período republicano, que antecedeu a era cristã, Roma construiu boa parte de seu magnífico território. Estendia-se por cerca de 5.000 quilômetros, desde os rincões gélidos da Escócia até o calor desértico da Síria, desde a costa atlântica

12 MAUERHOFER, 2010, p.229. 13 BLACK, 2004, p.30.

I. O Evangelho Militar de Marcos

foi o terceiro dos sinópticos a ser escrito, adotando para isso a posição, nada unânime de alguns historiadores cristãos.12 O terceiro e não menos importante pressuposto aqui utilizado, será que Marcos transcreveu o discurso de Pedro proferido em Roma e que o apóstolo fazia uso durante sua palestra, de uma via do evangelho de Mateus escrito em hebraico e uma do evangelho de Lucas escrito em grego, apenas mencionando-os de forma direta e objetiva em razão das peculiaridades do público ali presente.13 Assim, Pedro os utilizou como fonte secundária em seu discurso, já que, primariamente, fez uso de sua experiência pessoal com Jesus. Isso explicaria com tranquilidade o fato de que muitas histórias, palavras e termos militares contidos em Marcos, também são encontrados nos outros sinópticos e também no evangelho de João.

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de Portugal até as regiões balcânicas do Oriente Europeu, abrangente o equivalente a mais de 40 nações atuais.14

Durante o período da vida de Jesus Cristo e de seus 12 apóstolos, reinava na Palestina a Pax15 Romana (Paz Romana), o que possibilitava àqueles homens expressarem e divulgarem sua fé livremente.16 Durou cerca de 250 anos e garantiu tranquilidade e riqueza suficientes para uma estabilidade política. A imposição e manutenção desta paz só foram possíveis em razão da presença militar romana em massa naquele local. Formavam um exército forte e temido em todo mundo antigo. Tinham preparo inigualável, coragem acima da média e um espírito guerreiro capaz de dominar reinos e nações na antiguidade. Todo militar, sabia de onde vinha todo glamour e devoção por sua força armada e disciplinada: de Júlio César (100–44 a.C.). Ele foi exímio comandante militar e hábil administrador ao ponto de, segundo muitos historiadores, dormir com seus soldados ao ar livre, marchar com eles e lutar bravamente como se fosse um deles. Era um líder nato.17 Júlio César sabia como poucos que era necessário ganhar o respeito e devoção da maior força de Roma - o Exército. Ele sabia que quem controlasse o exército controlaria Roma18. Certa vez ele disse: [...] teria sido condenado caso não houvesse pedido auxílio ao meu exército. Outros acreditam que levado pelo hábito do comando militar, soube medir muito bem suas forças e as do inimigo e aproveitar-se da ocasião 14 DEBARROS, 2006, p.21.

15 Pax é uma antiga divindade feminina do panteão romano. (PALMA, 2010, p.77). 16 BLACK, 2004, p.18. 17 FILHO, 2004, p.25. 18 FILHO, 2004, p.25.


Pedro, como se pode deduzir, sabia muito bem disso, logo, foi um estrategista ao palestrar para aquele público alvo, justamente na casa do Pretor.20 Mas ele precisava impactá-los, pois certamente davam muito valor a uma boa oratória, sem esquecer que Júlio César era lembrado por seu exército pelo exemplo de coragem e paixão pela causa que defendia. O evangelho de Marcos, o último dos três sinópticos a ser escrito, foi produzido a partir de discursos feitos por Pedro quando estava em Roma.21 E não estava em um lugar qualquer, mas exatamente no interior do Pretório, de onde proferiu uma série de palestras para vários patrícios,22 principalmente para membros do próprio pretório, ou seja, para militares, que não eram quaisquer militares. Isso significa dizer que seus discursos foram voltados essencialmente para autoridades militares da época, pessoas de alta patente, e dentro do Quartel General delas.23 Desta forma, os discursos tiveram que ser pronunciados em grego, linguagem comercial e diplomática da época. Precisava ser feito de forma clara e direta, com linguagem altamente objetiva, pois o público, que era formado na maioria por militares, não era dado a filosofias, linguagem histórica ou genealógica. Tinha que usar termos linguísticos que contextualizassem a mensagem aos ouvintes. Resu19 SUETÔNIO, 2004, p.32.

20 Uma espécie de Juiz de Estado, posição de muito prestígio. (FILHO, 2004, p.24). 21 BLACK, 2004, p.49.

22 Os patrícios eram grandes proprietários de terras, rebanhos e escravos. Desfrutavam de direitos políticos e podiam desempenhar altas funções públicas no exército, na religião, na justiça ou na administração. Eram os cidadãos romanos. (COTRIN, 2005, p.83). 23 BLACK, 2004, p.30.

21 I. O Evangelho Militar de Marcos

para lançar mão de um poder que ele cobiçava desde a mocidade.19


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mindo, tinha que falar na língua dos ouvintes, de maneira objetiva e em termos corriqueiros à vida em caserna.24 Esta pode ser a razão pela qual, no Evangelho de Marcos, são tão comuns alguns termos latinos. Podem ser encontrados latinismos como: centurião (15.39,44s), jarro (7.4), carrasco (6.27), estar nas últimas (5.23), fazer um agrado (15.15), dobrar os joelhos (15.19), açoitar (14.65), pátio e pretório (15.16), tributo (12.14), denário (6.37), legião (5.9,15), flagelo (15.15). Apesar de alguns destes termos também serem encontrados nos outros sinóticos, pelo menos aponta para o fato de serem termos técnicos militares.25

A elite militar romana na Palestina A título de exemplo, para confirmar a competência e capacidade dos militares presentes em Jerusalém, onde se desenvolvem os momentos finais da vida de Jesus, convém lembrar que a sua ressurreição aconteceu no primeiro dia da semana, domingo. Foram designados nove soldados encarregados de guardarem seu túmulo. Eles formavam uma “cúria” da melhor linha da Terceira Legião Romana, composta ao todo por 4.500 homens, que estavam presentes na Palestina. Uma tropa com aquelas credenciais, a título de exemplo, não teria a menor condição de ter dormido durante seu turno de guarda junto ao túmulo de Jesus, permitindo que seu corpo fosse furtado, como alguns alegaram para colocar em dúvidas a veracidade da ressurreição de Cristo. Dormir em Serviço e Abandonar o Posto de Vigia, até hoje na legislação castrense (militar), é considerado crime grave 24

s.f Construção destinada ao alojamento de soldados; Quartel. A carreira militar. Fig. Vida de caserna, vida submetida a obrigações imperativas. Disponível em www.dicio.com.br/caserna/. Consultado em 03/09/2014.

25 MAUERHOFER, 2010, p.141.


26 Decreto-Lei nº 1.001, de 21 de Outubro de 1969. Artigos 203, 195 e 355 respectivamente. 27 MCDOWELL, 1999, p.124. 28 MCDOWELL, 1999, p.125.

I. O Evangelho Militar de Marcos

punido até mesmo com pena de morte em caso de estado de guerra e quando a atitude for considerada traição26. Talvez por isso, os ouvintes são convocados a se manterem alertas, o que para eles era algo muito lógico e natural quando estavam em serviço. Eles, como militares, lutavam contra inimigos externos e internos, contra combatentes, revolucionários e também contra criminosos. Sabiam que estas pessoas agiam sempre à surdina e aproveitando-se da escuridão da noite. Não podiam dormir, justamente para não serem surpreendidos. A pior coisa que poderia acontecer era o militar ser surpreendido, pois não teriam a menor chance de reação. Comparativamente, na volta de Cristo, devem vigiar (13.33-37) e ficar de sobreaviso, o que quer dizer: atentos, prontos e preparados. Esse medo de sofrer uma punição exemplar, com certeza produzia nos soldados uma irrepreensível atenção ao dever, especialmente nas vigílias da noite, quando, certamente, o risco de algum incidente era bem maior.27 Outro fator de destaque era que esta tropa presente na Palestina, era uma verdadeira máquina de guerra, capaz de frustrar os planos de qualquer tropa inimiga, principalmente de discípulos de Jesus ou populares sem qualquer treinamento militar, desarmados ou precariamente armados. No caso do evento envolvendo a ressurreição de Jesus, Mcdowell afirma que em caso de um combate, para roubar o corpo inerte do Senhor: Seria uma batalha de seis segundos. Um só soldado teria dado cabo do grupo inteiro dos discípulos. Ele poderia, com uma só mão, pô-los a correr.28

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Esse era o perfil da tropa que ali estava. Era para ser temida a todo custo, pois colocavam ordem no local no melhor estilo militar romano: pela coação e/ou pela violência. Alguns conceitos bem típicos da vida militar devem ser conhecidos.

Conceitos militares fundamentais Ao discursar para uma plateia militar, alguns conceitos e situações têm um peso bastante particular. Levando em consideração que entre os ouvintes de Pedro estavam presentes muitos militares de alta patente, verdadeiros comandantes de tropas e de frações delas, o apóstolo vai abrir sua fala mostrando exatamente de quem ele estava falando: da maior autoridade sobre a Terra, daquele que ocupa o topo da pirâmide hierárquica, a quem todos devem se subordinar, exatamente como faziam a César. O simples fato de mencionar João Batista inaugurando o evangelho tem muita importância. Foi o próprio João enquanto batizava e pregava sobre Jesus e a salvação trazida por Ele, que aconselhou alguns soldados sobre como poderiam ser salvos.29 Naquele momento, ele abordou as três questões mais comuns que eram praticadas por um militar ou que os influenciava negativamente. Disse para que não maltratassem ninguém, para que não fizessem denúncia falsa, pois isso prejudicaria muito uma pessoa inocente e também que se contentassem com o seu salário (soldo). Aliás, sobre a questão financeira, ao retratar a história do jovem rico (10.17-22) Jesus vai enfatizar esta questão ao mostrar o grande perigo que as riquezas representam ao tirarem da pessoa a possibilidade de entrada no reino de Deus (10.23). 29 Cf. Lucas Cap. 3.


Autoridade militar Com certeza os ouvintes entendiam bem deste assunto. Sabiam o que representava uma autoridade e como deveriam tratá-la. Pedro começou mostrando que a vinda de Jesus foi o cumprimento de uma profecia do Antigo Testamento31 e que o profeta que o precedeu, João Batista, reconheceu prontamente sua autoridade suprema ao afirmar que aquele que viria após si era muito maior do que ele, de maneira que ele não era digno de sequer curvar-se diante dele para desatar suas sandálias.32 Isso representava um grande ato de humildade e reconhecimento da autoridade de Jesus. Autoridade era algo tão importante para os membros do pretório que aparece pelo menos onze vezes em todo o evangelho de Marcos. O evangelista quer deixar bem claro aos ouvintes quem era de fato Jesus e que, como Deus, tinha a soberana autoridade sobre todas as coisas. Só assim eles poderiam entender de quem se estava falando e de uma maneira bastante prática, poderem se submeter a ele. 30 BARRETO, 1999, p.40. 31 Cf. Isaias Cap. 40.

32 Cf. Marcos Cap. 1.

I. O Evangelho Militar de Marcos

Parece que João estava dizendo aos soldados que o soldo que ganhavam podia não ser muito, mas era o suficiente para terem uma vida digna sem que precisassem se corromper, extorquir ou usarem de alguns meios ilegais em prejuízo de outras pessoas.30 Um militar tinha que ser honesto acima de tudo. Parece confirmar uma frase típica de caserna em que se diz: o ingresso na carreira militar fecha pelo menos duas portas ao homem – uma é a da riqueza e a outra, da miséria.

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Um militar só se submeteria a outro homem caso fosse superior a si, uma pessoa com autoridade e, para ser assim, necessitaria ter poder de mando. É pura questão de precedência hierárquica. Um superior nunca se submete a um subordinado, porém o inverso é obrigação legal e moral inquestionável. Jesus é representado em Marcos como o grande servo sofredor que ao mesmo tempo era Deus. Por isso, essa distinção tinha que ficar clara inicialmente, para que os militares entendessem que todos eram subordinados a Ele e por esta razão, como Ele tinha precedência hierárquica, deviam-lhe honras e reconhecimento. Portanto, Jesus aparece no evangelho como alguém superior ao próprio César. Só Ele tinha autoridade, por exemplo, sobre demônios e doenças, e isso precisa ficar bem claro33. Para um militar, autoridade não se exige, autoridade se impõe. Quando Jesus ensinava, Ele deixava notório que tinha autoridade (1.22). Jesus tinha autoridade inclusive sobre o reino espiritual. Ele manda de forma imperativa: cala-te e sai! (postura bem militar por sinal) aos demônios e estes não só se submetem a Ele obedecendo a sua ordem imediatamente, como também reconhecem publicamente sua autoridade (1.24-26). O mesmo vai acontecer outras vezes (1.34) em que novamente não permitiu que eles falassem. Quando o encontravam, “autoridades” espirituais se prostravam e publicamente reconheciam sua divindade (3.11-12), pois a simples presença de Jesus impunha autoridade sobre os que estavam por perto. Uma legião romana era uma tropa a ser temida e respeitada. Muitos que ousaram enfrentá-las pagaram um alto preço, normalmente com a própria vida. Mas Jesus tinha 33 SAYÃO, 2009, p.63.


34 FILHO, 2004, p.27.

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autoridade até sobre uma legião. Isso mesmo, uma legião! Usando de uma figura de linguagem para que o público entendesse, Marcos mostrou Jesus chegando a uma cidade e sendo recebido por uma pessoa endemoninhada, a qual ninguém conseguia deter (5.1-14). O homem possesso correu e adorou reconhecendo-o. Outra vez Jesus falou em imperativos (5.8), pois tinha toda autoridade para isso, e ainda perguntou o nome daquele espírito. Para surpresa da plateia, não era um único demônio, mas uma legião, um verdadeiro exército espiritual do mal. Legião era uma palavra bem comum para um militar (legionário) romano. Dava uma conotação de poder. Jesus também tinha autoridade sobre as forças da natureza. Disso um militar entende muito bem. Sabe que a natureza é um grande e cruel combatente que muitas vezes, não só vence batalhas como define o resultado de guerras inteiras. Napoleão Bonaparte e Adolf Hitler que o digam, pois sonharam em repetir o feito de Júlio César quanto a dominar toda a Europa, mas foram tolos em não seguir as ações mais básicas de seu ídolo romano, qual seja, ter retirado suas tropas do front quando percebeu os rigores do clima.34 Frio ou calor excessivo são terríveis, tempestades e terremotos são desastrosos e um militar que se preza, desvia destes eventos sempre que possível, pois sabe que morto, não terá condições de atingir seu objetivo. Mas, Jesus não temia a natureza. Ele tinha autoridade absoluta sobre ela e isso precisava ser dito aos ouvintes. Em Marcos 4.35-41 Jesus simplesmente exerce sua autoridade sobre uma tempestade dizendo, como sempre em imperativos: Acalma-te, emudece! (4.39). O vento não só obedeceu como todos os presentes ficaram atemorizados (4.41). Não

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seria nada difícil para Jesus andar sobre as águas, tanto que o fez (6.46). Talvez Pedro conhecesse uma história que circulava entre os militares a respeito da coragem de César e usou bem este argumento em sua fala. Conta-se que César estava sendo levado de barco para Roma por conta da morte de Caio Cotta, homem de alta patente e prestígio. No caminho formou-se uma grande tempestade (assim como no caso envolvendo Jesus). O marinheiro que conduzia o barco não queria prosseguir por medo (assim como no caso de Jesus), mas César lhe disse com vigor: “Prossegue corajosamente: estás levando César e o destino de César”35, (assim como no caso envolvendo Jesus). Outro inimigo reconhecido e temido pelos militares, certamente o pior deles, é a morte. Contra esta nem os Césares tinham o menor poder, no entanto, Jesus, sim. No evento envolvendo a filha de Jairo, este que era uma autoridade religiosa, mas que reconheceu a autoridade superior de Jesus sobre si ao se prostrar aos seus pés quando o encontrou (5.22). Cristo demonstrou toda sua autoridade sobre a morte, dizendo em imperativo: Menina, eu te mando, levanta-te! Ela não só ressuscitou a menina, como todos os presentes, que duvidaram do seu poder anteriormente, ficaram muito admirados (5.41-43). Marcos faz questão de demonstrar também que Jesus tem autoridade sobre doenças e vai mostrar em diversos momentos no evangelho, Jesus curando pessoas e dizendo imperativamente frases do tipo Levanta-se e anda! (2.9), fica livre do teu mal (5.34), abre-te (7.34). Também bastava tocar em pessoas e estas eram curadas. Apenas tomou a sogra de Pedro pela mão (1.31). 35 FILHO, 2004, p. 22.


Coragem e ousadia A coragem é realçada à categoria de valor essencial a todo militar. Para Jesus ser reconhecido como o grande líder que foi, os ouvintes militares precisavam reconhecer nele essa qualidade fundamental - a coragem. Coragem é algo tão respeitado quanto exigido de um militar, seja em combate ou fora dele. Já no antigo código de Hamurabi datado de 1694 a.C. em seu artigo ou parágrafo 26 faz clara menção a este valor inegociável: Se um soldado36, cuja ida a uma expedição militar do rei tinha sido ordenada, não partiu, mas contratou um substituto e (o) enviou em seu lugar: esse soldado será morto; seu denunciante receberá 36 Tanto ba´irum como redum são títulos militares cujos significados exatos nos são hoje desconhecidos. O redum e o ba´irum recebiam do rei o usufruto de um terreno da Coroa, mas eles tinham a obrigação de partir de participar pessoalmente dos empreendimentos militares. A lei previa pena capital para qualquer fuga a essa obrigação. (CARLETTI, 1986, p.83).

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Tudo isso para demonstrar que Jesus tinha autoridade completa, inclusive, para curar a doença da alma humana, o pecado. Ele tinha autoridade para perdoar os pecados. No caso mais marcante do evangelho ele disse ao paralítico: Filho, os teus pecados estão perdoados (2.5). Por fim, a autoridade de Jesus foi reconhecida pelo próprio apóstolo que discursava (8.29) ao afirmar: Tu és o Cristo! E também foi reconhecida pelo próprio Deus (9.7) quando disse dos céus: Este é o meu filho amado, a ele ouvi. Não deve ter ficado qualquer dúvida na mente daquela plateia presente no pretório naqueles dias de palestra de que Pedro os apresentava Jesus, aquele que tinha a maior autoridade que todos jamais conheceram. Apontou-lhes a maior autoridade hierárquica que existia, deixando a eles a opção de se reconhecerem como subordinados a Ele.

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a sua casa.37 Era um crime equivalente à moderna Deserção, uma forma de insubmissão tão imperdoável quanto era naquela época, principalmente caso o país estivesse em guerra declarada. Um homem só tinha valor, intrinsecamente falando, se estivesse vinculado a sua pátria e por ela lutasse. A pátria por sua vez era representada por sua bandeira. Alguém que rompesse com esse compromisso, não teria razão para continuar vivo, pois deixava de ser alguém sujeito a direitos e deveres, para ser um ninguém, sujeito unicamente à morte. Coragem era, portanto, um valor incondicional e, fugir, não era uma opção. Na mesma seara, os espartanos valorizavam três qualidades fundamentais a um homem – “a disciplina”, “o patriotismo” e o “espírito de sacrifício” e que “os soldados que fugissem ou atirassem fora o escudo, eram desonrados e excluídos do corpo de cidadãos.38 Jesus, como autoridade que era, tinha um claro compromisso com a verdade. Por esta razão, precisava se impor contra a mentira, a hipocrisia e a desonestidade.39 Fez isso, enfrentando as autoridades religiosas de sua época, mesmo sabendo que aqueles homens poderiam tramar contra sua vida, como de fato o fizeram (3.6). Ele adotou uma postura corajosa, digna de admiração, ao se posicionar contrário as contradições apresentadas pelos principais religiosos que o cercavam. Mostrou que viver com base só em regras não era suficiente. Não basta curar somente o corpo e não a alma (2.112), não basta andar só com pessoas santas (2.15-17), da mesma forma, fazer jejum só para se mostrar não serve 37

CARLETTI, Amílcare. Brocardos Jurídicos. São Paulo: Leud, 1986. v.III, p.82.

38 PALMA, 2010, p.67. 39 SAYÃO, 2009, p.64.


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