Salvador 461 Anos

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SALVADOR 460 ANOS SALVADOR, BAHIA DOMINGO, 29/3/2009

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ESTE CADERNO É PARTE INTEGRANTE DO JORNAL A TARDE. NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE

No dia 29 de março de 1549, chegava à terra colonizada a frota de Tomé de Sousa para fundar Salvador. Hoje, passados 460 anos do feito, multiplica-se neste lugar um povo orgulhoso. Nascido na cidade ou por ela adotado, o ser soteropolitano povoa recantos e mentes, marcando fortemente sua presença na história.

2/3. Os habitantes da terra onde não se morre; Canibalismo era ritual sagrado e de vingança 4. O centro do mundo se lança ao mar 5/6. Na rota de um feito histórico; Portugal e seus ritos chegam à nova terra 7. Salvador surge para proteger os lucros do rei 8/9. Viagem para a escravidão; Africanos de todo o continente na colônia 10. O poder muda de cidade 11. Força diante das dificuldades 12/13. Origem de contradição mantida na atualidade; Cidade pede um novo urbanismo 14. Salvador em formas e cores 15. A TARDE registra história 16. Olhar em direção ao futuro da cidade


THEODORE DE BRY/1592

A aldeia Curupeba (na Ilha de Madre de Deus) era ponto de apoio no transporte do açúcar vindo dos engenhos do Recôncavo com destino ao Porto de Salvador.

Onde hoje fica Salvador existiam 15 grandes aldeias

Kirimuré era a Baía de Todos-os-Santos para os índios

Sugestão de uso didático A reserva indígena Thafene (tha = semente; fene = vida), criada há cerca de 15 anos no município de Lauro de Freitas pelos índios kariri-xocós (Alagoas) e fulni-ôs (Pernambuco), recebe estudantes para conhecer a cultura índigena.

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Calvário Este foi o nome dado pelos jesuítas à primeira aldeia missionária. O local (atual Convento do Carmo) foi escolhido por ser próximo ao portão norte da cidade.

Em 1500, no Brasil, havia nações dos tupis, dos jês e dos kariris

++ saiba mais Livro: Espelho índio, de Roberto Gambini, Axis Mundi/Terceiro Nome. Internet: www.museudoindio.org.br

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ÍNDIOS ❚ Quando os portugueses chegaram, tupinambás

moravam onde hoje está localizada a cidade de Salvador

AMÉLIA VIEIRA avieira@grupoatarde.com.br

De felizes habitantes da “terra onde não se morre” à condição de explorados, escravizados e massacrados. Habitantes da “Terra Brasilis”, estima-se que há pelo menos 12 mil anos antes da chegada dos portugueses, os povos originários, chamados de índios pelos portugueses, foram à quase dizimação num curto intervalo de cerca de um século, o XVI. Sua trajetória, marcada de capítulos de dor e sofrimento não impediu, contudo, que imprimissem uma forte marca na identidade do soteropolitano contemporâneo. Eles eram, no Brasil, entre cinco e dez milhões, de cerca de mil diferentes povos e línguas. No trecho litorâneo da Baía de Todos-os-Santos, onde futuramente viria a ser encravada a cidade de Salvador, não se sabe quantos índios havia. O que há de concreto é que o povo da tribo Tupinambá que aqui morava usufruía de uma privilegiada e cobiçada terra. O fértil solo da floresta de mata atlântica que se estendia até o Recôncavo baiano, favorável à agricultura, o manguezal da Baía de Aratu, a enseada dos Tainheiros, as águas tranquilas e propícias para a pesca forneciam alimentação abundante e todas as

condições de subsistência e, por isso, foi batizada pelos índios de “terra onde não se morre”. “Eram cerca de 15 grandes aldeias circulares. Locais onde hoje estão avenidas de vale, como Bonocô e Vasco da Gama, eram hortas”, observa o antropólogo e professor da Universidade do Estado da Bahia (Uneb) José Augusto Sampaio. As rivalidades interétnicas, entretanto, existiam. E o principal motivo das guerras entre as tribos era a disputa pelo território do qual brotava alimentação abundante. ESCAMBO – A posição geográfica ocupada pelos tupinambás fez deles os primeiros a terem contato com o “homem branco”. A aproximação inicial se deu com o escambo. Experientes na prática colonizadora usada na Índia e na África, os portugueses trocavam machados, facões, espelhos. “Eram objetos que não existiam na comunidade e que provocaram uma revolução. Os índios usavam machados de pedra para cortar uma árvore. Demoravam um tempão, porque iam macerando a base. Com os novos machados, esse tempo foi bastante reduzido”, compara o mestre em Educação Francisco Alfredo Morais Guimarães, professor

A Aldeia de Nossa Senhora do Rio Vermelho (atual Morro do Conselho) foi abandonada pelos índios, revoltados com a pressão dos missionários para que deixassem de ser poligâmicos. Fugiram para o sertão

MAXIMILIAM, PRÍNCIPE DE WIED-NEUWIED/1817

Os habitantes da terra onde não se morre de História Indígena da Uneb e coordenador do curso de Magistério Indígena da Bahia e Licenciatura Intercultural Indígena da Uneb. Por parte dos índios, os inimigos eram moeda de troca. Outra forma de aproximação dos povos era o “cunhadismo” – a oferta em casamento de uma mulher da comunidade como forma de selar a amizade e firmar alianças políticas e econômicas. Foi desse costume, inclusive, que emergiu a união entre a índia rebatizada de Catarina Paraguaçu e o náufrago fidalgo português Diogo Álvares, o Caramuru, importante intermediário entre tupinambás e portugueses, chegado ao Brasil entre 1509 e 1510. Essas relações de ares amistosos, entretanto, não eram tão inocentes. Se por um lado os índios queriam cooptar aliados para os conflitos com tribos rivais, por outro, era a oportunidade de os colonizadores usarem os inimigos capturados como mão-de-obra escrava na produção de açúcar, bem como para ter apoio na defesa do território das tentativas de invasão por outros povos europeus. Começa aí o desequilíbrio da relação. Aos que não se deixavam escravizar e resistiam à dominação, era deflagrada a guerra. Com as interferências e desrespeito dos donatários, deterioravam-se as normas tradicionais de organização econômica, social e política. A reação dos indígenas eclodiu em rebeliões que culminaram na destruição de aldeias e massacre da população indígena. Os conflitos se acirraram com os jesuítas catequizadores. “Os índios passaram

a sofrer um processo brutal de descaracterização socioeconômica-cultural. A ação jesuítica, voltada principalmente para eliminar a poligamia, a antropofagia, as casas coletivas, a nudez, o paganismo e o nomadismo, funcionava como um aríete, demolindo as instituições fundamentais dos grupos”, destaca a professora do Departamento de Antropologia e Etnologia e do Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Maria Hilda Baqueiro Paraíso. SEM ANTICORPOS – Esmagados pelas guerras, fugidos para o sertão, os índios sofrem mais baixas a partir de 1563, quando a cidade é assolada por uma epidemia de varíola. Trechos escritos pelo jesuíta José de Anchieta contabilizam que, num intervalo de dois a três meses, teriam morrido aproximadamente 30 mil índios na Capitania da Bahia. O medo da peste estimula mais fugas e os sobreviventes, a despeito das adversidades existentes, são aglutinados em novas aldeias. O efeito da doença é tão devastador que em 1568 restam apenas quatro das 15 aldeias do litoral – Espírito Santo, São João, Santo Antônio e São Sebastião. De acordo com o antropólogo José Augusto Sampaio, calcula-se em 700 mil os índios no Brasil contemporâneo. Apenas entre 30 mil e 35 mil estão na Bahia. Nenhum em Salvador. Não sobreviveram na “terra onde ninguém morre”.

Tradição milenar ainda sem reconhecimento Hoje, 460 anos depois da chegada dos europeus a Salvador, a cidade não abriga mais nenhuma tribo. Escorraçados das terras mais prósperas, atualmente há espalhado pelo território baiano apenas 14 povos indígenas, somando em torno de 30 a 35 mil índios. O legado desse povo permanece na soterópolis contemporânea. O espírito festivo e alegre dos índios, que gostavam de cantar e dançar em grandes rodas, é um traço característico dos soteropolitanos. Mas, destaca o antropólogo José Augusto Sampaio, também está nos costumes de africanos e portugueses. Para o historiador Francisco Alfredo Morais Guimarães, entretanto, os conhecimentos zoobotânicos são o maior tesouro transmitido pelos índios. “Não temos mata virgem, pois o que resta são florestas antropogênicas, ou seja, que sofreram manejo das espécies vegetais de diversas utilidades, desde fornecer alimentos e plantas medicinais até o uso na arquitetura para construção de abrigos”, comenta o professor. Segundo ele, frutas nativas passavam por um processo de melhoria genética. Esse conhecimento, desprezado por séculos, afirma o historiador, está sendo redescoberto e estudado pela etnobiologia, ciência que busca na sabedoria indígena alternativas para reverter a devastação das florestas. (A.V.)

Canibalismo Era um ritual sacro entre os tupinambás. A refeição era um guerreiro cuja bravura perante a morte o levou para a ”terra sem males”

Transcendência

O ÍNDIO Habitante primeiro das terras brasileiras há pelo menos 12 mil anos. Quando Salvador foi fundada, em 1549, eram entre cinco e dez milhões no Brasil. Hoje não passam de 700 mil.

Casa Moravam em aldeias circulares. Nas ocas viviam até seis famílias

Poligamia

Guerreiros de prestígio tinham mais de uma esposa. Jovens se relacionavam com senhoras viúvas

Não tinham um único Deus (Tupã foi criação dos jesuítas). Acreditavam que o mundo era povoado por seres espirituais, que habitavam elementos da natureza

A morte era motivo de preocupação. Cultivar a coragem e a generosidade garantiam uma vida prazerosa na “terra sem males”

Comida Alimentavam-se do que era extraído da natureza, através da pesca, caça e agricultura

ARTE SOBRE FOTO DE FERNANDO VIVAS | MODELO: TARÉ SANTOS

EXPEDIENTE | Editor-coordenador Edson Rodrigues Editores Edson Rodrigues e Cleidiana Ramos Editora de Arte Iansã Negrão Projeto Gráfico e Diagramação Valentina Garcia Capa Filipe Cartaxo e Valentina Garcia Editor de Infografia Gil Maciel Infografias Filipe Cartaxo e Flávia Marinho


FOTOS FERNANDO VIVAS | AG. A TARDE

Hoje, não há mais aldeias em Salvador. Em Lauro de Freitas ficam os índios kariri-xocós

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AMÉLIA VIEIRA avieira@grupoatarde.com.br

Os tupinambás da futura Salvador viviam em grandes casas, com cinco a seis famílias em cada uma. Mas não havia chefes. Estes só se corporificavam nos confrontos e ainda assim era uma posição assumida pelos respeitados guerreiros como exercício de comando e não com conotação autoritária. Os bravos guerreiros eram respeitados e, poligâmicos, normalmente possuíam mais de uma esposa. Os jovens, por sua vez, almejavam ser corajosos lutadores e, enquanto não chegava a sua vez, mantinham relações informais com as senhoras viúvas. “Havia um superávit de mulheres por causa das guerras”, destaca o antropólogo José Augusto Sampaio. Os confrontos eram motivados pela expansão territorial, visando ampliar os domínios para terras com recursos naturais mais abundantes. Devido aos armamentos rudimentares, os confrontos davam-se no corpo-a-corpo e o objetivo era prender o adversário. “Quanto mais se arriscava para capturar o inimigo, mais se colocava no mesmo risco. Isso trazia prestígio”,

ressalta o antropólogo. Entender a importância do guerreiro na estrutura indígena ajuda a compreender melhor os rituais antropofágicos, uma vez que as práticas canibalistas não visavam matar a fome, mas, sim, revestiam-se de forte simbologia. “Havia uma cerimônia em que se chamava as aldeias aliadas e cada um comia um pedaço. Isso dava um sentido de comunhão ao ritual”, descortina o antropólogo. Ele vai além e explica que havia um simbolismo de vingança, sentimento considerado positivo entre os índios. SIMBOLOGIA – A antropofagia tupinambá também tinha um significado sagrado, uma vez que a coragem e a generosidade eram as mais valorizadas qualidades, as quais abriam os caminhos para alcançar a “terra sem males”. Como o guerreiro capturado era um bravo, sua morte purificava seu corpo, porque ele iria para a “terra sem males”. “Eles partilhavam um corpo sacralizado. O guerreiro sacralizado era ao mesmo tempo bicho e hóstia”, interpreta José Augusto Sampaio. Os escritos sobre a antropofagia tupinambá foram deixados pelos portugueses, que, na opinião do historiador indígena Francisco Alfredo Morais Guimarães, não compreendiam o significado do ritual. “Os relatos estão impregnados de valores europeus. Não houve estudo de pessoas desvinculadas. Para compreender verdadeiramente o ritual antropofágico é preciso passar por uma descolonização do pensamento”, defende o professor.

Os índios cuidavam da defesa das vilas, avisavam a aproximação de inimigos dos portugueses e, às vezes, chegavam a ser incorporados às tropas

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Canibalismo era ritual sagrado e de vingança

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Aldeamentos jesuítas Administrados pelos padres res jesuítas.

Aldeamentos particulares Administrados pelos colonos que usavam mão-de-obra indígena para todas as atividades, inclusive de defesa.

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SALVADOR, DOMINGO, 29/3/2009

Histórias dos ancestrais Vila Velha ou do Pereira (entre o Porto da Barra, Graça e Santo Antônio da Barra) Fundada por Diogo Álvares, o Caramuru, antes de 1532. Possuía mais de 300 casas, mais de mil índios e estrangeiros. Depois foi aldeamento jesuítico e seus índios combateram os holandeses, em 1624. São Paulo Quinta dos Jesuítas ou do Tanque (Arquivo Público da Bahia) Primeira aldeia criada por Mem de Sá. Foi formada por índios de quatro aldeias extintas ou abandonadas. Combateram os tupinaês (Guerra do Paraguaçu), com o governador e Vasco Rodrigues Caldas. Sofreu constantes invasões e perda de população com a epidemia de varíola de 1563. São João (Plataforma) Temporariamente despovoada em 1560 após a fuga dos índios, insatisfeitos com as intervenções dos missionários na comunidade. Colonos fizeram com que alguns índios retornassem, obrigados, à região para combates na Confederação dos Tamoios e aos franceses no Rio de Janeiro. Mas esses índios voltaram a fugir para as margens do Rio São Francisco ante a notícia de novas convocações para confrontos. Santiago (Pirajá) Fundada em 1559, teve vida curta devido à pobreza do solo, inadequação para a lavoura e sustento de quatro mil índios e a epidemias. Foi extinta em 1564 e os índios transferidos para a Nova de São João. Simão (Forte de São Pedro, Passeio Público e Gamboa) Aldeia batizada com o nome cristão do seu cacique convertido. Não sobreviveu às epidemias de 1560-63. Ao que tudo indica, muitos habitantes morreram, outros fugiram e apenas alguns permaneceram no local sob a liderança de Simão. Deve ter sido desativada poucos anos depois e os remanescentes deslocados para outras aldeias. São Sebastião ou Tubarão ou Ipiru (próximo à Aldeia Simão) Sua população foi violentamente reduzida pela epidemia de varíola. Em 1564, os sobreviventes foram transferidos para a aldeia de Santiago, em Pirajá. A área foi transformada em fazenda dos jesuítas, onde instalaram um engenho de açúcar.

Espírito Santo (Abrantes) Por questões de salubridade, foi transferida de Buraquinho para Abrantes. Reuniu 4 mil índios e teve um colégio jesuítico para as crianças, que, consideradas excelentes flautistas e cantoras, atuavam nas recepções às autoridades que chegavam à Bahia. Dali partiram as tropas de D. Marcos Teixeira para combater os holandeses. Bom Jesus de Tatuapara (Praia do Forte e adjacências) Antiga sesmaria de Caramuru, onde continuou seu comércio com os franceses. Ali foram aldeadas pelo novo sesmeiro (Garcia d’Ávila) várias tribos indígenas oriundas dos rios Paraguaçu e Pojuca. A missão jesuítica instalada atendia a grupos que viviam num raio de 30 léguas. Os índios reagiram à administração e sedentarização forçada, recusando-se a praticar a agricultura. Como combatentes, garantiram a expansão e a posse das terras dos Ávilas. Santo Antônio de Rembé (na região de Arembepe) Fundada em 1560, concentrou indígenas das aldeias dos rios Joanes e Pojuca. Ponto de apoio para missões volantes realizadas nas redondezas, pois parece nunca ter atraído os demais grupos daquela área. Santa Cruz de ltaparica (na região de Baiacu) Fundada em 1561 para catequizar os tupinambás que viviam na Ilha de Itaparica e tupinaês deslocados do Rio Paraguaçu. Em 1562 ocorreu um incêndio que destruiu as edificações e em 1564 grande parte dos aldeados morreu de varíola. Jaguaripe (Jaguaripe) Após fracassar na captura de índios de aldeamentos jesuíticos, Fernão Cabral de Ataíde garantiu proteção e liberdade de culto aos fugidos dos aldeamentos. Adotaram uma manifestação religiosa híbrida do catolicismo e da religião tupi. A Santa Sé enviou missão da Inquisição, o aldeamento foi desativado e muitos índios fugiram para o interior.

Fonte | Material extraído da exposição “Os Tupinambá de Kirimuré”, promovida pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia e coordenada por Maria Hilda Baqueiro Paraíso, com mapa original (da exposição) de Anderson Paiva e curadoria de Anderson Paiva, Elizabete Actis, Arissana Pataxó e Lycia Steinbach.

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REPRODUÇÃO

Caramuru, o homem do fogo com sangue europeu

A saga de Diogo

“Homem do fogo” finca raízes

Não se sabe a data precisa, mas entre os anos de 1509 e 1510 um homem português, Diogo Álvares (ilustração), aparece onde hoje é o Rio Vermelho. Ao se deparar com os índios teria atirado com uma das armas que lhe restava, daí ter sido chamado pelos nativos de Caramuru, que significa “homem do fogo”. É considerado o pai da miscigenação no Brasil.

A boa relação de Caramuru com os índios foi aproveitada pelos colonizadores, que utilizaram a mão-de-obra nativa na fundação da Cidade do Salvador, em 1549. Caramuru se relaciona com diversas índias, mas a preferida era a filha do chefe indígena, que é batizada como Catarina Paraguaçu. Com ela teria tido quatro filhas na década de 1530.

Sugestão de uso didático Professor estuda com a classe o mapa da viagem de Cabral. Estuda

++ saiba mais Livros: História da Bahia, de Luis Henrique Dias Tavares (Unesp); Cultura Brasileira, de Luiz Roberto Lopes (UFRGS)

também o mapa das capitanias hereditárias, comparando-o ao litoral brasileiro atual.

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Me Mel M elind nd n de Melinde eluis@grupoatarde.com.br

Celebrar uma missa e destruir uma árvore. Essas são as duas primeiras ações marcantes de Pedro Álvares Cabral e seus homens que desembarcam em Porto Seguro no dia 22 de abril de 1500. A missa é realizada no dia 26, Domingo de Páscoa, sob o olhar curioso dos nativos, que nada entendem. Já a árvore morre no dia 1º de maio, para satisfazer ao desejo português de construir uma cruz de madeira a ser fincada num altar improvisado como símbolo do domínio colonizador e da Igreja Católica. Somente a partir de 1501 é que expedições exploratórias começam a mapear o litoral brasileiro e chegam nas águas da Baía de Todos-os-Santos. A frota que descobre o Brasil em 1500 passa apenas 11 dias em Porto Seguro até seguir pela rota das Índias que havia sido descoberta por Vasco da Gama em 1498. “Ganhar dinheiro era o mais importante. E para os portugueses o comércio com a Índia era mais lucrativo que o Brasil, onde só havia o pau-brasil. A maior prova disso é que Cabral tomou posse e foi embora rápido”, comenta o professor emérito da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Waldir Freitas Oliveira. E para compreender quem eram os colonizadores, torna-se crucial se pensar sobre as rela-

ções comerciais da época. Portugal é o primeiro Estado a se formar na Europa, a partir do século XII. Antes disso, era apenas um condado do reino de Castela (que no século XV se torna a Espanha). A independência portuguesa sempre incomodou os espanhóis e essa disputa territorial se torna parte importante da história da Península Ibérica, sendo que a economia de Portugal se mantém basicamente agrária até o final do século XIV. NAVEGAR É PRECISO – O problema é que Portugal não tinha como crescer em território nem no comércio. Navegar pelo mar Mediterrâneo era impossível, pois o domínio era da Itália. Os muçulmanos ainda resistiam no norte da África, enquanto no lado europeu as cidades italianas tinham maior influência e os muçulmanos dificultavam o avanço. A grande missão era encontrar meios de chegar à Índia pelo mar. Afinal, era de lá que vinham os produtos consumidos pela nobreza e o lucro seria exorbitante para o rei. A pressão vinha também da Igreja, que dava total apoio ao projeto de Portugal se lançar ao mar, desde que novos cristãos fossem catequizados e houvesse perseguição aos muçulmanos, considerados como infiéis e que tanto atrapalhavam os planos comerciais da Coroa. É a partir desses fatores que

Cabral teve glórias na vida, mas morreu no ostracismo Com pouco mais de 30 anos, Pedro Álvares Cabral é escolhido para chefiar a esquadra que no ano de 1500 sairia para desbravar o comércio com as Índias e acabaria por descobrir o Brasil (na época batizado como Terra de Vera Cruz). Nascido entre os anos de 1467 e 1468, na cidade portuguesa de Belmonte, ele é o segundo filho do casamento entre os nobres Isabel Gouveia e Fernão Cabral. Com boa influência na corte, Cabral estuda humanidades e sua formação militar lhe garante habilidade no manuseio de armas e no gerenciamento dos homens em esquadras marítimas. Mas nem tudo foi sinônimo de sucesso na viagem de Cabral pelo Oceano Atlântico. Depois de deixar a recém-descoberta Vera Cruz, Cabral chega no dia 15 de setembro em Calicute, na Índia. Mas as negociações com os muçulmanos não avançaram e Cabral atacou as naus ancoradas no porto da cidade. Dez embarcações afundaram e cerca de 600 mouros foram dizimados. O êxito do descobridor do Brasil só se consolida em Cochim, cidade próxima de Calicute, onde conseguiu negociar o comércio de pimenta e outras especiarias. Apenas sete das treze embarcações que saíram na expedição retornaram para Lisboa em junho de 1500. Pelo menos duas voltaram vazias e sem mercadorias. Cabral é recebido então com alegria, mas as perdas fizeram com que sua reputação estivesse arranhada. No ano seguinte, trabalhou durante oito meses para comandar uma nova expedição,

mas seu nome foi substituído por Vasco da Gama. De acordo com o livro O Descobridor do Brazil – Pedro Álvares Cabral, escrito em 1897 pelo Visconde de Sanches de Baêna, o sucesso do descobrimento do Brasil e as conquistas comerciais na Índia, apesar das já mencionadas perdas e equívocos da missão, tornaram Cabral um alvo de inveja, além de ter sofrido represália de outros nobres que lidavam com navegação. Arquivado no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), o livro diz que Cabral foi mal remunerado pela missão realizada em 1500. BENEFÍCIOS – Dentre os valores citados estão 243 mil réis de pagamento, além de ter garantido vaga para suas três filhas de graça em um convento. Cada uma delas receberia 70 mil réis e outros 20 mil réis seriam dados a seu filho mais velho. “Cabral não chegou a ficar rico, mas teve benefícios graças às descobertas. Sabe-se hoje que morreu no ostracismo e afastado da Coroa”, comenta a doutora em história econômica Maria José Rapassi, que atua como professora de história do Brasil colônia e história ibérica. Sabe-se que depois de 1500 Cabral nunca mais aparece em atividades públicas. Em 1503, casa-se com Dona Isabel de Castro, filha do nobre Afonso de Albuquerque. Morre em 1528, sendo enterrado na Igreja da Graça, em Santarém, Portugal.(E.L.S.)

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Cabral fica apenas 11 dias nas terras recém-descobertas e depois segue para a Índia; depois disso, nunca mais aparece em eventos de grande importância na história

EDER LUIS SANTANA

Portugal desenvolve áreas do conhecimento como matemática, cosmografia, geografia, cartografia e tudo relacionado com navegação. “Os portugueses vieram garantir o domínios das terras antes que os espanhóis chegassem, afinal, os franceses já haviam passado por essa região”, explica o professor Waldir Freitas Oliveira. Então, o homem português que descobre o Brasil não é o mesmo que se estabelece. Ainda assim, o ano de 1500 é um marco por iniciar o processo de exploração da terra recém-descoberta. Ano após ano, Portugal passa a enviar expedições para mapear o território que até então era apenas litorâneo.

Um fato marcante acontece em 1502, quando o rei Dom Manoel assina o primeiro contrato de exploração do pau-brasil com Fernão de Noronha, que ganha o direito de entrar nesse comércio por três anos e ainda recebe do rei a doação da ilha hoje conhecida como Fernando de Noronha. CONTATO – Guardado em uma das prateleiras do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), na Piedade, o livro Anno Biographico Brazileiro, escrito em 1876 por Joaquim Manoel de Macedo, explica que o primeiro contato com os “selvagens” (leia-se índios) acontece entre os dias 23 e 24 de abril, até que no

dia 26, um Domingo de Páscoa, é celebrada a primeira missa com índios ainda curiosos depois de terem recebido presentes como espelhos e contas coloridas. Já a árvore derrubada tem sua madeira utilizada para fabricação de um crucifixo. O objeto segue em procissão com os portugueses entoando hinos religiosos até ser fincado num altar. Os portugueses vão embora e ficam em Porto Seguro apenas dois degradados e dois desertores que abandonam a esquadra, enquanto uma embarcação volta para Lisboa a fim de contar ao rei Dom Manoel que a outras expedições precisavam reconhecer o novo território.

Capitanias hereditárias marcam o início do povoamento no litoral REP./ HISTÓRIA DA COLONIZAÇÃO PORTUGUESA DO BRASIL

Salvador surge em 1549, quase meio século depois de os portugueses desembarcarem pela primeira vez em terras brasileiras, pelo menos oficialmente. Entre a vinda da esquadra de Cabral e o surgimento da cidade, a ocupação dos colonizadores aconteceu de modo gradativo e se tornou intensa a partir de 1534, com a criação das capitanias hereditárias. Depois da chegada de Cabral, em 1500, o rei de Portugal manda expedições para explorar a área litorânea da recém-intitulada América Portuguesa. Até então poucos eram os estrangeiros que moravam na terra dominada pelos índios e os portos da colônia serviam apenas para embarque e desembarque de pau-brasil. “Graças a esse comércio, as pessoas chamavam (o Brasil) de Terra do Pau-Brasil ou então Terra do Brasil”, diz a doutora em histórica econômica Maria José Rapassi, da Universidade Federal da Bahia (Ufba). Somente em 1532 o rei D. João III manda o navegador Martim Afonso de Sousa realizar a primeira expedição colonizadora. Surgem então as capitanias hereditárias, quando em 1534 o rei divide o País em 14 partes e entrega para donatários que devem cuidar da administração. Mas o sistema tem vida curta e termina quando o rei Dom João III cria o governo-geral, em 1548, dando início ao processo de fundação da Cidade do São Salvador no ano seguinte. (E.L.S.)

Cinco capitanias foram doadas no espaço geográfico onde hoje está o Estado da Bahia. Na área atual de Salvador, a Capitania da Bahia foi dada a Francisco Pereira Coutinho, que funda a Vila do Pereira, onde hoje é o Porto da Barra


A Cidade do São Salvador é o primeiro município a ser fundado no Brasil. Antes, eram organizadas apenas vilas nas terras colonizadas

Domínio Na nova cidade, o primeiro pelourinho foi construído na Praça Tomé de Sousa, mas teria sido arrancado durante a época da abolição USE seu leitor de código de barras ou digite o link no seu celular m.atarde.com.br/i/v071.html para assistir ao vídeo

Sugestão de uso didático Pesquisar em livros, na internet e no Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (Av. Sete de Setembro, 94A) mapas e imagens (litogravuras) do início da cidade.

Soteropolitano Surge no século XX. “Sotero” (salvador), “politano” (de pólis, cidade), em grego. Foi escolhido por já existirem os salvadorenhos em El Salvador

Tomé de Sousa fica no governo entre os anos de 1549 e 1553

++ saiba mais

A leitura do excelente livro A História da Cidade da Bahia, de Antonio Risério (Omar G. Editora), é indispensável.

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REP. | FERNANDO VIVAS | AG. A TARDE

COLONOS ❚ Para salvaguardar os interesses de Portugal, dom

João III ordena que se funde uma cidade estratégica no litoral

Salvador surge para proteger os lucros do rei

Painel do ceramista português Eduardo Gomes, retratando a chegada de Tomé de Sousa

ve os índios, pois aqueles que participam da fundação da cidade são indígenas colonizados e catequizados”, explica a professora de História do Brasil Colonial Maria José Rapassi, da Universidade Federal da Bahia (Ufba).

EDER LUIS SANTANA eluis@grupoatarde.com.br

Era preciso fortalecer a colônia, criar uma unidade administrativa, política e militar, além de protegê-la dos estrangeiros que queriam lucrar com a economia local. Com essas idéias na cabeça e muito poder nas mãos, o rei dom João III instituiu o governo-geral no ano de 1548. É graças a essa determinação que no dia 29 de março de 1549 chega à terra colonizada a frota de Tomé de Sousa, responsável por fundar o lugar batizado como Cidade do São Salvador. Em 12 embarcações vieram 320 soldados, um arquiteto, carpinteiros, pedreiros e alguns degredados que foram expulsos de Portugal após desobedecerem às leis da Coroa. “Era preciso recolonizar o Brasil. Muitos colonos não tinham fidelidade com a Coroa portuguesa e negociavam com piratas e navegadores de países como Holanda e França”, comenta o professor de História Moderna da Universidade do Estado da Bahia (Uneb), Wellington Castelluci. O projeto de construção da cidade vem pronto de Portugal. A determinação era erguê-la na parte alta de um morro para se proteger dos ataques das nações inimigas e dos indígenas. É com essa preocupação que Salvador surge no trecho que hoje vai da Praça Castro Alves à Praça da Sé, prolongando-se depois para onde hoje ficam as regiões do Terreiro de Jesus e Pelourinho. Pouco depois, os portugueses erguem um muro de taipa ao redor da cidade com o objetivo de a proteger dos indígenas. Apesar da ajuda de alguns nativos, muitos são contrários à exploração portuguesa e se tornam inimigos dos colonizadores. “Todos os habitantes da nova cidade são súditos do rei. Inclusi-

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Um dos fatos marcantes na história da nova cidade é o período de 11 meses no qual ela deixa de ser colônia de Portugal e passa ao domínio da Holanda. A troca de poder acontece em 1624, quando os holandeses derrotam as tropas portuguesas que estavam concentradas nos fortes erguidos para proteger a cidade. Segundo a historiadora Avanete Pereira Sousa, os holandeses queriam assumir o comando administrativo da cidade para, em seguida, dominar os setores econômicos. “Antes de ocupar as áreas produtivas, era preciso cuidar dos gestores”, diz. As origens desse conflito estão do outro lado do Oceano Atlântico, quando, em 1580, a Espanha invade Portugal, obrigando-o a ingressar na União Ibérica. Os reflexos dessa briga recaem na colônia fragilizada e com mais chances de ser ocupada por nações inimigas da Espanha. Mas o domínio dos holandeses termina em 1625, quando os portugueses retomam a autonomia. Até 1640, alguns soldados ainda tentam retomar as terras no Recôncavo, sem sucesso. (E.L.S.)

As primeiras construções da Cidade do São Salvador eram simples, de taipa ou pau-a-pique, cobertas apenas com palha

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Cidade fica sob o domínio da Holanda por 11 meses

ESTADO – O governador-geral Tomé de Sousa construiu sua casa nas imediações do atual Palácio Rio Branco. O acesso para a cidade era feito por duas portas: uma na Praça Castro Alves e outra na descida da Rua Chile. A mando do rei, é montada a estrutura administrativa da capital da colônia. Foi criada a Câmara de Vereadores, mantida até hoje no mesmo lugar, que era comandada por homens que tivessem posses e prestígio. Era a Câmara que fazia a ligação entre o poder municipal e as determinações do rei. Como um dos primeiros marcos erguidos, o imóvel era conhecido também como Casa da Câmara e Cadeia, por abrigar os presos da época. Como marco da Igreja Católica, os governantes erguem a primeira igreja onde se localiza hoje a Igreja da Ajuda. Outra é construída do lado de fora dos muros, na beira do mar, onde está atualmente a Igreja de Nossa Senhora da Conceição. “Devemos a Portugal mais de 75% da nossa herança básica. De lá vem a nossa língua e o Brasil hoje é o maior país do mundo a falar o mesmo idioma. E teve a religião que trouxe o culto aos santos”, diz o professor emérito da Ufba Waldir Freitas Oliveira. Segundo o livro Salvador, Capital da Colônia, escrito pela historiadora Avanete Pereira Sousa, a cidade chega ao século XVIII com mais de 30 mil habitantes, sendo a mais importante do império, atrás apenas de Lisboa. Até que, em 1763, perde o título de capital para o Rio de Janeiro, que aparece como local estratégico para o novo mercado a ser explorado: o do ouro de Minas Gerais.

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Prestígio menor do que o de localidades do Recôncavo Nos primeiros anos após a sua fundação, São Salvador era apenas o centro administrativo onde viviam os gestores, soldados e pessoas sem outra opção de moradia. O auge mesmo estava nas cidades do Recôncavo, com seus engenhos de cana que era transformada em açúcar. Sem a divisão geográfica atual, nesse território se destacavam regiões onde hoje se encontram cidades como Cachoeira, Santo Amaro e Maragojipe. Outros produtos que se desenvolveram foram a farinha e o tabaco. A moeda que circulava na época era a mesma de Portugal, o escudo, e alguns moradores da capital da colônia sobreviviam do comércio em armazéns. Boa parte da comida era comprada dos navios que vinham do “reino” (Portugal) e traziam produtos que até hoje guardam nomes da época colonial, como “queijo do reino” e “batata do reino”. “Dos índios vieram também cultivos como o milho e a mandioca”, explica o historiador Waldir Freitas. Cada senhor de engenho era considerado um homem poderoso por ter terras, escravos e dinheiro. (E.L.S.)


Varíola: um dos males contraídos durante a travessia

Inglaterra O país quer ampliar seu mercado consumidor e cria a Lei Bill Aberdeen (1845) que lhes dava poder de atacar navios de tráfico de escravos

No ano de 1885 foi promulgada a Lei dos Sexagenários, dando liberdade aos escravos com mais de 60 de anos

Respeito O solo para a maioria dos povos africanos era um bem coletivo assim devendo permanecer por ser herança dos ancestrais.

Sugestão de uso didático O professor pode incentivar os alunos a pesquisar sobre as principais línguas das etnias africanas

++ saiba mais Um bom livro sobre o comércio de escravos nas Américas é O Trato dos Viventes de Luiz Felipe de Alencastro

que vieram para a Bahia, explorando conteúdo para aula de português, tentando identificar que palavras ficaram no nosso idioma.

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Vida comunitária: base da tradição africana

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AFRICANOS ❚ Milhares de pessoas foram obrigadas a atravessar o Atlântico em navios onde o risco de morte era alto

mroliveira@grupoatarde.com.br

Nos porões dos tumbeiros (navios dedicados ao comércio de escravos) e, geralmente, acorrentados, milhões de negros, de etnias diversas, partiram como “carga” em direção a Salvador. A viagem era forçada e incerta. Vinham amontoados – deitados ou sentados – com roupas de estopa cobrindo os genitais em embarcações lotadas. Contava-se com a morte de muitos, por conta das condições da viagem – mais intensas entre os séculos XVI e XVIII. A travessia durava cerca de 45 dias. “Os considerados mais fracos ou doentes eram jogados ao mar, outros se lançaram e mulheres desprezavam seus filhos. O desespero fazia optar pela morte, que poderia ocorrer durante o banho de sol ou na retirada das correntes para reordenar a carga”, conta a historiadora e doutoranda em Antropologia Cecília Soares. A falta de alimentação e de espaço causava danos à saúde

Morar em Salvador agora é uma escolha Por opção, muitos africanos, ao contrário de seus antepassados, hoje escolhem desembarcar em terras brasileiras. Não se sabe ao certo a quantidade, mas é fato andar por Salvador nos marcos de sofrimento da população trazida pelo tráfico e encontrar muitos deles em busca de melhoria. As semelhanças culturais são os principais atrativos. Na maioria dos casos, o objetivo é obter qualificação e voltar para ajudar a desenvolver seu país. Os laços estabelecidos com a cidade garantem a permanência e a escolha de Salvador como segunda casa. Vindo da Guiné Bissau, o administrador Augusto Cardoso, 35 anos, tinha Portugal e França como opções e no Brasil, Rio Grande do Sul ou Bahia. Ao chegar, os instrumentos musicais e a paisagem da Costa do Dendê lembraram sua terra. “As pessoas são alegres como lá, apesar dos problemas. Em Ilhéus, só falta a fabricação do Vinho Palmo, bebida feita da palmeira do dendê”, disse. A intenção é voltar a Guiné Bissau, mas, se aparecer a oportunidade, Au-

e até a morte. Alguns eram utilizados para funções de limpeza e operação do navio. Além do massacre físico havia o psicológico. Eram batizados na fé católica de forma forçada e ensinados a dizer “sim” aos questionamentos, na língua do colonizador, além de receber novos nomes. “Já se tinha idéia da vida escrava e do sistema da prática que se formava nas Antilhas”, explica a doutora em História Lucilene Reginaldo, autora da pesquisa Os Rosários dos Angolas: irmandades negras, experiências escravas e identidades africanas na Bahia setecentista. Na África existia escravidão, mas ela não era o sistema de produção dominante. Era possível imaginar o escravo trabalhando ao lado do seu senhor e havia possibilidade de incorporação à família. O aprisionamento era feito com base em linhagem e parentesco. “Boa parte dos escravos servia ao mesmo grupo étnico. Os requisitos eram estabelecidos por condições culturais”, explica

gusto estica a temporada em Salvador, que já dura sete anos. “A Bahia é a segunda casa”. Moçambicana de Maputo, Lígia Zaqueu, 45 anos, viu seu futuro na Bahia através de um anúncio de jornal que oferecia tercâmbio. “Aqui tem muitos africanos e achei que ia ficar bem”. Conhecia do Brasil o Rio de Janeiro e São Paulo, mostrados nas novelas. Mas a alimentação e as pessoas mostraram que a escolha foi certa. “Cheguei ao aeroporto às 4h, não sabia para onde ir e achei ajuda. Escolhi bem”. Lígia voltará a Moçambique no ano que vem. “Tenho que ajudar meu país aplicando o que aprendi”. Um documentário apresentando o Brasil rico (com ênfase no Rio de Janeiro e São Paulo) e o pobre (cenas da seca nordestina) não intimidou o jornalista senegalês Detoubad Ndiaye, 37 anos, há 15 em Salvador. Veio por convênio do Brasil com seu país e faz doutorado em Ciências Sociais. “A maioria pensa que na África só tem miséria, guerras e doenças”, disse Ndiaye, que tratou de desconstruir a imagem ruim do Brasil mandando postais aos parentes. A semelhança de costumes foi mais um fator de aproximação. “Amigos na Europa vão a locais especializados”, disse ele, que tem um irmão prestes a fazer a travessia. (M.O.)

fontes: A Formação do Candomblé: história e ritual da nação jeje na Bahia (Luis Nicolau Parés); História da Bahia (Luis Henrique Dias Tavares); Uma História da Cidade da Bahia (Antônio Risério)

Cecília Soares. Mas do lado de cá era reforçada a distância entre escravo e proprietário. A atividade obedecia à lógica de grande empresa do lucro. “O fator racial foi incorporado como diferencial”, afirma Cecília Soares. LIMITES – Registros do século XVIII, como o alvará de 18 de março de 1864, estabeleceram limite de quantidade de “carga” nos tumbeiros para evitar a mortandade de pelo menos 10% dos transportados: “A violência de os trazerem tão apertados e unidos uns aos outros que não somente lhes falta o desafogo necessário para a vida... os que chegam vivos, muitos infinitamente lastimosos”, justifica o documento. Apesar da preferência por homens, não escaparam as mulheres e crianças. As de colo era chamadas crias de leite e as maiores, crias de pé. A quarentena dos navios acometidos por epidemias durante o percurso ocorria em Mont Serrat. De acordo com relatos de

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Luís Viana entre 1803 e 1810, bexiga, sarna, beribéri, varíola, doenças dos olhos e escorbuto eram os males mais comuns. Portanto, na chegada à terra desconhecida, os sobreviventes tinham tratamento especial. Nos leilões públicos, os consumidores iriam recusar um “produto” com “aparência ruim”. Havia preferência pelos corpos robustos, gengivas róseas e dentição perfeita. Mas tudo dependia do tipo de trabalho. Azeite-de-dendê, limo da costa (espécie de azeite em barra) dava aspecto mais saudável aos corpos maltratados na viagem. A base da alimentação era farinha e carne-seca com excesso de sal. Nos lotes de venda, os escravos eram misturados para dificultar a comunicação de representantes da mesma origem. Conhecedores de técnicas da agricultura e metalurgia, caça, pecuária e comércio, aqui o africano foi disponibilizado para os serviços domésticos e de lavoura. As cidades ou vilas, organizadas em Estados onde viviam na

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África, foram trocadas pelas senzalas úmidas, escuras e com pouca higiene. A base da alimentação escrava era carne seca, angu (fubá de milho cozido com água), feijão, caça, pesca, sal, banana, toucinho, farinha de mandioca e laranja. A religião tradicional era vetada. Só o catolicismo podia ser praticado. Nas atividades mais pesadas, a vida útil do produto “escravo” era de sete anos. “Com o desgaste físico, eles adoeciam, morriam ou eram abandonados. A Casa da Roda, instituição de caridade da época, abrigava as crianças”, conta Cecília Soares. Registros da primeira metade do século XIX na Casa de Misericórdia dão conta de que as doenças mais comuns eram erisipela, hérnia, fraqueza nos pulmões e DSTs como sífilis e gonorreia. “As enfermidades estavam relacionadas ao tipo de atividade. Nos homens, o mais comum era a hérnia, conhecida como rendido da virilha, motivada pelo excesso de peso transportado”, explica a historiadora.

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O preço dos escravos variava de acordo com o mercado e atributos pessoais como saber português, ser especializado em um ofício, saber negociar, dentre outros

Viagem para a escravidão

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Família A identidade estava centrada no núcleo familiar. A família africana inclui agregados e pessoas consideradas pelos ocidentais como parentes distantes

Comércio Economia

Alimentação Pimentas, papas, pirões de féculas, milho (cuscuz) e feijão eram pratos preferidos, assim como inhames misturados ao peixe ou na caça.

Trabalhavam principalmente na agricultura, mas também se dedicavam à criação de animais e de instrumentos artesanais.

ARTE SOBRE FOTO DE FERNANDO VIVAS MODELO: JOSIVAL DOS SANTOS

O africano

Comunicação

Diversas etnias africanas contribuíram para a formação do Brasil não só com a força do seu trabalho, mas também com a sua riqueza cultural e linguística.

Para muitas culturas do mundo tradicional africano a comunicação se deva pela oralidade. O conhecimento era guardado por profissionais como os griots, homens de memória prodigiosa

As feiras não se restringiam ao papel econômico. Desempenhavam função integradora, consagrando grupos rivais, servindo de fórum para arbitragem de conflitos e conclusão de acordos


FOTOS FERNANDO VIVAS | AG. A TARDE

Os negros em Salvador correspondem atualmente a 20,4% da população da cidade

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Último desembarque

Navio negreiro

Sofrimento

Registro Escritos de Thales de Azevedo afirmam a presença de escravos em Salvador desde 1537. Depois da fundação da cidade, surgem em maior escala

Nos navios tinham que se alternar entre ficar sentados ou em pé. As correntes marcavam seus braços e pernas,ferindo-os

Movimento Os navios eram os mesmos usados na busca de riquezas na Índia. Os negros eram obrigados a se mover, sob pena de chicotadas, para o corpo não ficar debilitado

Nas naus de uma cobertura os escravos eram transportados nos porões. Nas de 3 a distribuição era por categoria (homens, adultos, crianças, mulheres e grávidas)

População Segundo o jesuíta Fernão Cardin, em 1585 Salvador era composta de 3 mil portugueses, 8 mil cristãos convertidos (índios) e 4 mil escravos

Em 1826 é assinado um tratado com a Inglaterra proibindo o tráfico de seres humanos. O último desembarque oficial de escravos para a Bahia acontece em 1852, em Potinha, ilha de Itaparica

Africanos de todo o continente na colônia Os ciclos do tráfico, embora tenham imprecisão geográfica e cultural, dão uma ideia geral de como se deu a saída dos africanos para a escravidão. Eles orientam a época que o comércio era mais intenso com determinada região. “Não significava que deixava de vir escravos de Angola no período do Ciclo da Costa da Mina”, ressalta a historiadora Lucilene Reginaldo. Era comum usar o nome dos portos de embarque para identificar os grupos escravizados. Assim, Guiné, Costa da Pimenta, Costa do Marfim, Costa dos Escravos e Angola são regiões ou portos de embarque que não, necessariamente, designa a origem real. Cm a classificação genérica, os grupos de africanos foram, no primeiro ciclo, tachados sob o termo “negros da Guiné” ou “gentio da Guiné”. Mas, isso não significava que as diferenças culturais e as práticas religiosas não eram percebidas. “Nos primeiros contatos era importante para o traficante saber com quem estava lidando e travar relações. O propósito era consolidar a empresa escravagista, onde os termos genéricos foram substituindo a identidade dos grupos”, pondera Lucilene Reginaldo. O tráfico impactou as sociedades africanas com seus Estados fortes. Reestruturou as relações existentes e criou outras. Antes, a vida era comunitária, com divisão de trabalho por gênero e existia o culto familiar à ancestralidade. Mas o modo de ser africano acabou sendo desconstruído pelo colonizador. O comércio deslocou o centro de poder do interior para a margem do Atlântico, desorganizando as estruturas tradicionais. “As populações que viviam no litoral se tornaram fornecedoras dos traficantes como alguns reis do Daomé”, salienta a historiadora. No início, a troca era feita por fumo, algodão, cachaça e tabaco. Movidos pelo objetivo de lucrar mais produzindo mais “merca-

Preços de escravos segundo Luis Vilhena, em seus escritos, de 1763: sapateiro, 90 mil réis; alfaiate, 110; pedreiro, cerca de 150; o da roça, 75; os que sabiam ler e escrever, 180

Detalhe de esquema para acomodoção de escravos em navio inglês, 1788

Abolição No final do século XIX a escravidão foi mundialmente proibida. Aqui no Brasil, sua extinção se deu em 13 de maio de 1888 com a promulgação da Lei Áurea, feita pela Princesa Isabel

dorias”, os traficantes acirravam os atritos entre tribos com fornecimento de armas a determinados grupos. Assim, foram mandados para o Brasil representantes das elites africanas que perdiam as disputas com seus rivais. “Dentro do contexto da escravidão, era possível presenciar alguns escravos prestando reverência quando reconheciam alguma liderança, um sinal de que algo não foi suprimido”, destaca a historiadora Cecília Soares, autora de Mulher Negra na Bahia no século XIX. REALEZA – Nobres, tanto do governo civil como religioso, possivelmente embarcaram para Salvador. “Iá Nassô é um título altamente honorífico, privativo da corte do Alafin de Oió, isto é, do rei de todos os iorubás. É quem encarrega-se do culto de Xangô, a principal divindade dos iorubás e orixá pessoal do rei”, escreve o antropólogo Vivaldo da Costa Lima em seu livro, A Família de Santo nos candomblés jeje-nagô da Bahia , sobre a sacerdotisa Ia Nasô Oió Acalá Magbô Olodumarê, fundadora do terreiro Ilê Axé Yá Nassô Oká, mais conhecido como Casa Branca. As variadas culturas africanas tinham, antes da chegada do traficante, seu jeito de conceber o mundo e estruturar sua forma de vida. No entanto, na colônia, os negros souberam tirar proveito de mais um obstáculo. “As semelhanças entre as línguas aparentadas e outras aproximações culturais facilitam a criação e de uma nova identidade que foi sendo compartilhada e apropriada por esses negros que perderam o contato com indivíduos de sua origem”, explica Lucilene. A partir dos encontros e reagrupamentos, passam a reconstruir sua cultura a partir das práticas rituais, língua e outros aspectos que resistem até hoje. De acordo com Luis Viana Filho, ocorreram quatro ciclos do tráfico: o da Guiné (segunda metade do século XVI), o de Angola (século XVII), o da Costa da Mina e do Golfo do Benin (século XVIII até 1815) e a fase da ilegalidade (1816 a 1851). Pierre Verger concorda com os dois primeiros períodos e divide o terceiro em ciclo da Costa da Mina (início do século XVIII) e o da baía de Benin (entre 1770 e 1850), incluindo o clandestino.(MO)

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Salvador. 460 anos e um milhão de motivos para rodar por aí com seu Fiat.

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Foto meramente ilustrativa com alguns itens opcionais.


Os escravos de ganho podiam ser próprios ou alugados

Elite O deslocamento era feito nas seges (tipo de carruagem), palanquins ou cadeira de arruar (com capacidade para uma ou duas pessoas carregada pelos escravos).

Entre 1807 e 1835 ocorreram mais de 20 levantes ou tentativas, lideradas, quase todas, por africanos. Época do revigoramento do açúcar.

Sugestão de uso didático É a oportunidade para uma aula em parceria com o Projeto Escola Flutuante, que faz um tour pela Baía-deTodos-os-Santos a bordo de uma escuna. O passeio serve, por exemplo, para discutir a geografia e a história de Salvador

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Economia A atividade de crédito também era comum com dinheiro de contado (em espécie) emprestado a juros geralmente por traficantes de escravos.

Apenas nas casas dos ricos era possível ver leitos

++ saiba mais Vale assistir o filme Carlota Joaquina para abrir a discussão sobre a família real no imaginário brasileiro

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Uma cena de Salvador no século XIX, período em que a família real passou pelo Brasil. Na imagem, a praça, igreja e convento da Piedade, registrados por Rugendas

REPRODUÇÃO | ARQUIVO I IGHB

NOVA FASE ❚ Salvador é substituída pelo Rio de Janeiro no posto de capital da mais importante colônia lusitana

O poder muda de cidade mroliveira@grupoatarde.com.br

Além do declínio do açúcar, no final do século XVII por conta da concorrência com as regiões produtoras antilhanas, causando significativa queda na economia baiana, Salvador perdeu o título de capital da colônia. A cidade figurava, no final do século XVIII, como importante sede na América, com população de 60 mil habitantes. Os fatores são vários, mas o enriquecimento e desenvolvimento provocado pela descoberta de ouro em Minas Gerais e as disputas territoriais com a Espanha na região do Rio da Prata contribuíram de forma decisiva para deslocamento do eixo administrativo para o Rio de Janeiro. Confirmado o fato, restaram reclamações e ressentimento da elite baiana, que perdeu a proximidade com os representantes da Coroa. “Na sede do poder, as benesses como obras, empregos e outras são concedidas de forma mais fácil, mas a vida em Salvador continuou sem fortes impactos”, afirma o doutor em História Dilton Oliveira Araújo. Na época da transferência da capital, a Bahia ainda gozava de privilégio por conta de sua importância comercial, que foi forte até o século XIX. Os escravos não estavam só nas lavouras. Trabalhavam nas ruas, nos sistemas de ganho, pagando diária para os seus senhores. A economia ainda era agrária e escravista. STATUS – A população também era formada por artesãos, trabalhadores braçais, da construção civil (escravos especializados), clérigos e vereadores. Na vida social imperava o prestígio e o status. “Para ascender socialmente tinha que ter terra e não só dinheiro”, explica Maria José Rapassi Mascarenhas, professora de Historia do Brasil Colônia da Universidade Federal da Bahia. Na ex-capital, o comércio era a principal atividade, com várias lojas de tecido, armarinhos e outras. A produção de manufaturas era pouca. Cera, embarcações, óleo de baleia (iluminação) eram

as fabricações mais relevantes. Sem contar o trânsito comercial de importação com outras colônias: Rio de Janeiro, Pernambuco e Rio Grande de São Pedro, que viria a ser o Rio Grande do Sul. No entanto, grata surpresa era reservada. No final do século XVIII, o comércio do açúcar voltou a tomar fôlego. A partir de 1790, o tráfico de escravos foi revigorado como no auge dos engenhos. “Permanece assim até o início de definitiva curva descendente na década de 30 do século XIX”, afirma Dilton Araújo. REALEZA – A colônia vivia fase de esperança, mas em Portugal as coisas não iam bem e o receio da invasão francesa fez da vinda para o Brasil uma possibilidade de salvar o poder real português. Quando a família real chegou em 1808, a abertura dos portos quebrou exclusividade de comércio com a metrópole. Os portos estavam abarrotados de açúcar, tabaco e algodão e o comércio com Portugal não bastava. Havia os anseios ingleses e a pressão dos produtores locais. A assinatura da Carta Régia em 28 de janeiro de 1808 eliminava o intermediário português das transações. O pedido dos portos abertos é atendido, mas ver o Rio progredir sem pagar tributos e continuar sendo taxada não agrada à parte norte da colônia, onde a Bahia estava localizada. A insatisfação com o aumento da carga tributária eclodiu na Revolução de 1817 em Recife, que na Bahia foi reprimida logo no início pelo Conde dos Arcos. Quatro anos depois, em abril de 1821, chegou ao fim a estada do rei de Portugal no Brasil, deixando o príncipe dom Pedro como regente. O mesmo motivo que o fez vir para o Brasil agora o obrigava a retornar: ameaça de perder a Coroa. Apesar de próxima, ainda não se falava em independência. Os anseios eram por mais liberdade. A ideia de rompimento só surgiu em meados de 1822, culminando em 7 de setembro, devido aos conflitos na Constituinte convocada em Portugal a partir da Revolução da Cidade do Porto .

Os senhores de engenho conciliavam seu principal produto com a produção de fumo, algodão e mandioca. O cultivo era, principalmente, para suprir necessidades impostas pelo mercado interno

REPRODUÇÃO | FERNANDO VIVAS AG. A TARDE

MEIRE OLIVEIRA

Cândido Portinari inspirou-se na chegada da corte portuguesa para compor o quadro em 1952

Temporada da Coroa mobiliza a comunidade Os rumores da chegada da família real chegaram no navio mercante baiano “ Príncipe”. Ao atracar em janeiro de 1808, seus tripulantes anunciaram ao Conde da Ponte que em 29 de novembro do ano anterior a esquadra, comandada pelo vice-almirante Manuel da Cunha Souto, saiu de Lisboa com a comitiva real rumo ao Rio de Janeiro “com a nobreza que foi possível acomodar-se nas embarcações do comboio”, escreve Wanderley Pinho, em Abertura dos Portos na Bahia. A novidade mobilizou todo o “cerimonial” para uma possível parada da realeza por aqui. Para realização da recepção, vários ofícios denominados “Cartas do Governo a Varias Autoridades” foram expedidos. Os juízes e Câmaras da Vila de Jaguaribe e Santo Amaro tinham que mandar de Nazaré, da Aldeia e da Estiva “farinhas, legumes de grão (milho, feijão e arroz), gêneros comestíveis, galinhas, frangos, patos, leitões e capados”, enu-

mera o livro de Pinho. Avisar a aproximação da realeza ficou com o coronel do Regimento de Milícias da Torre, que teve, de acordo com Pinho, que “ordenar aos portos de mar de seu distrito, no sentido de os pescadores, jangadeiros e soldados dos referidos postos manterem toda vigilância para que o governo fosse com antecedência avisado da aproximação da frota, no caso de vir aqui arribar”. Na lista de ações, a acomodação dos nobres visitantes coube ao ouvidor-geral do Cível. Ele fez a escolha das melhores casas que estivessem desocupadas, tomando-se o cuidado de manter o asseio esperado. Na madrugada de 22 de janeiro de 1808, chegou a notícia que às 16 horas do dia 21 foram avistadas embarcações grandes na costa do norte. Reforço nas vigílias, informações mais precisas. “Eram três naus, uma galera e dois bergantins; eram as embarcações inglesas”, narra Wander-

ley Pinho. Ao meio-dia do dia 22 foi reconhecido o Pavilhão Real. No final da tarde, entraram no golfo as naus Príncipe Real, Afonso de Albuquerque e a inglesa Brendford, e mais a fragata Urânia e o bergantim Três Corações. Vinha também uma escuna americana. Depois de velejar até a nau capitânia, o Conde da Ponte ouviu de dom João que o desembarque da tripulação só ocorreria se ele pudesse ser recebido sem que os móveis fossem retirados das naus. Segundo Wanderley Pinho, a exigência pode ter sido a causa do adiamento do desembarque, ocorrido no dia 24, às 17 horas. Realeza em terra, não tardaram os pedidos de hábito de Cristo, redução de penas a presos, perdão de criminosos, licença para construções e outros. No entanto, o pedido mais importante foi o de que Salvador voltasse a ser capital do novo império que seria instalado por dom João. A reivindicação não foi atendida. Nem adiantou entregar uma memória de louvores à Cidade e seu porto. O Príncipe prosseguiu a viagem para o Rio de Janeiro, embarcando ao meio-dia do dia 24 de fevereiro.(M.O.)


FERNANDO VIVAS | AG. A TARDE

Promessa Com as graças alcançadas pelos estragos deixados pela a epidemia da febre amarela, São Francisco Xavier se tornou padroeiro de Salvador

Mal da bicha é outro nome que se dá à febre amarela

Outro nome O motim batizado de ‘Carne sem osso, farinha sem caroço’ também é conhecido por muita gente como a Revolta das Pedras

Sugestão de uso didático Alunos são divididos em grupos e incentivados a ir aos locais descritos na matéria, identificando onde ocorreram os protestos ou revoltas. Na Casa de Misericórdia pode-se pesquisar os tratamentos utilizados antigamente.

No século XIX pobres moravam em palhoças de barro

++ saiba mais Livro: Rebelião Escrava no Brasil. A História do Levante dos Malês, de João José Reis (Companhia das Letras).

| SALVADOR 460 ANOS |

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PERSEVERANÇA ❚ A instalação em uma nova terra não foi fácil, mas o povo de Salvador soube se impor ao sofrimento

mroliveira@grupoatarde.com.br

Durante todo o período colonial, Salvador passou por vários acontecimentos alegres, mas também momentos trágicos acometeram sua população. O processo de formação de seu povo, sua estrutura social e o desenvolvimento físico da cidade foram marcados por períodos de dificuldade com revoltas e epidemias que deixaram marcas. A falta de higiene e saneamento foram as principais causas das epidemias frequentes até o século XVIII. Segundo a historiadora Avanete Pereira Sousa, em Salvador, Capital da Colônia, a da Febre Amarela, em 1686, é considerada uma das mais graves, chegando a dizimar metade da população quando a teoria médica acreditava que a transmissão ocorria pelo ar. “A Câmara chegou a fazer promessa a São Francisco Xavier para acabar com o mal e assim ele se tornou padroeiro da Cidade da Bahia”, conta Avanete. Em História da América Portuguesa, Sebastião da Rocha Pita fala em “casas cheias de moribundos, as igrejas de cadáveres, as ruas de tumbas”. O cólera, século XVIII, causou medo na população. “Houve esvaziamento da cidade e o comércio de alimentos foi proibido na Cidade Alta para evitar acúmulo de dejetos na área em época que faltava estrutura sanitária”, conta o profes-

sor de História Moderna, Wellington Castellucci. Com o intuito de evitar a proliferação das enfermidades era comum destinar locais para abrigar enfermos até a cura da doença. No século XIX um leprosário funcionava na Ilha do Medo, próximo a Ilha de Itaparica. “Itaparica também foi o local de recuperação de quem tinha beri-beri. A falta de conhecimento médico fazia acreditar que o ar local ajudava no tratamento”, diz Castellucci. NAVIOS – Há suspeitas de que a epidemia de varíola, no século XVI, chegou em uma nau ancorada em Ilhéus. Segundo Antônio Risério em Uma História da Cidade da Bahia, índios e negros foram os mais contaminados. O sertão foi a primeira área atingida e segundo o jesuíta Leonardo do Valle, a varíola chegou em Itaparica e cruzou o mar em direção a Cidade da Bahia e Recôncavo. Há relatos das cenas de corpos apodrecidos na rua sendo comidos por porcos. PROTESTOS– O aumento das taxas sobre o azeite e o sal provocou confusão em outubro de 1711. Pedro de Vasconcelos de Souza, o Maneta, foi o líder do movimento. O grupo invadiu a casa e destruiu o depósito do contratador de sal Manoel Dias Filgueiras responsabilizando-o pela alta no preço. “Eles também saquearam outas casas e cercaram o Palácio do Governo”, contou a historiadora

Avanete Pereira. Os manifestantes só se acalmaram com a presença do dom Sebastião Monteiro da Vide, arcebispo da Bahia. Apesar da condenação, os manifestantes não foram levados a forca por intervenção de João Figueiredo da Costa, que ocupava o posto de Juiz do Povo, representante da população na Câmara. A atitude dele levou à extinção do cargo.

FERNANDO VIVAS | AG. A TARDE | 28.3.07

MEIRE OLIVEIRA

As revoltas mais conhecidas são a dos Malês (1835), Sabinada (1837) e Conspiração dos Búzios (1798), dentre outras.

Força diante das dificuldades

A Praça Municipal foi palco de várias revoltas e protestos

CHINELOS – “Carne sem osso, farinha sem caroço” ou Revolta dos Chinelos marcou a a mobilização dos habitantes da cidade de setores livres, indignados com a alta do preço e qualidade de gêneros como a carne e a farinha de mandioca. Salvador tinha problemas de abastecimento. “O gado vinha deitado nos saveiros e, em terra, chegavam tocados até Pirajá. Depois do abatimento chegavam ao consumidor com aparência de carne estragada. Não havia sistema de preservação e higiene”, revela Castellucci. A caminhada dos manifestantes, em 28 de fevereiro de 1858, teve início na rua da Misericórdia em direção a Praça Municipal, invadindo o prédio da Câmara, chegando à casa da Providência, no Pelourinho. “A repressão policial foi forte e as pessoas correram pela Ladeira da Praça. No dia seguinte, a via estava cheia de chinelos e sapatos de pessoas de todas as classes sociais que perderam seus calçados pelo caminho”, diz o historiador Urano de Andrade.




FOTOS FERNANDO VIVAS | AG. A TARDE

Praça Castro Alves: a história brinca entre as curvas

O homem e a arquitetura se confundem sob o sol de Salvador

Sugestão de uso didático Incentive o aluno, em grupos, a ir aos pontos históricos e turísticos da cidade, para fotografá-los. Depois o grupo deve escrever sobre a experiência e mostrar as fotos.

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| SALVADOR 460 ANOS | FOTOS FERNANDO VIVAS | AG. A TARDE

Salvador em formas e cores Em sua multiplicidade de influências, a cidade de Salvador é um paraíso para o observador mais atento. Na arquitetura, somam-se as edificações verticais de áreas mais nobres ao conjunto horizontal de casinhas que se apegam em um sem-fim de cores e texturas, nas regiões mais pobres da capital baiana. No tangente à geografia da cidade, os altos e baixos deixam ver ângulos cheios de novidades e encantos. E quanto ao povo que habita essa terra, seja aqui nascido ou por essa cidade adotado, é ele a grande estrela. De tez pigmentada por palheta de cores variadas, mostra-se orgulhoso de sua ascendência indígena, africana e européia. Há problemas, e são vários e de solução urgente, mas também existe alegria, cordialidade, vontade de viver. Condições que elevam o soteropolitano a um patamar maior, no qual o ser-humano ganha destaque.


IRACEMA CHEQUER | AG. A TARDE

Denúncia de caos na habitação em 8 de maio de 1987

7/9/1922 Nesta data, uma bela capa colorida ilustrou a histórica “Edição Extraordinária do 1º Centenário da Independência do Brasil”

Morre, aos 77 anos, Irmã Dulce, em 14 de março de 1992

Explosão Bomba explode na Reitoria da Ufba (edição de 14 de junho de 1968). O artefato foi jogado por encapuzados que, em seguida, invadiram a Escola de Nutrição. Redação de A TARDE

Sugestão de uso didático O jornal é um importante e diversificado material de apoio para as aulas. Todas as matérias podem fazer uso de material jornalístico e a leitura de periódicos ajuda a formar o senso crítico do cidadão e sua visão de mundo.

++ saiba mais Organize com os alunos uma visita ao jornal A TARDE e conheça o cotidiano de um periódico.

| SALVADOR 460 ANOS |

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MEMÓRIA ❚ Fundado em 15 de outubro de 1912, o jornal retratou em quase um século fatos marcantes da cidade

No dia 15 de outubro deste ano o jornal A TARDE completa 97 anos de fundação. Sua trajetória está embrionariamente ligada à história de Salvador. Importantes momentos vividos pela cidade e seu povo foram reportados nas páginas do periódico. Os registros de passagens tensas, comemorativas, trágicas,

emocionantes, alegres e comoventes registradas nas páginas do quase secular jornal em breve poderão ser consultados, pois as antigas edições estão em processo de digitalização. A disponibilização do acervo nesse novo formato viabilizará o acesso a estudantes em arquivos públicos, além de facilitar e dinamizar o trabalho de acadêmicos e pesquisadores em busca de informações para suas produções

Em meio à 1ª guerra mundial, população vai às ruas comemorar 28 anos da República.

Líder do movimento sertanejo, coronel Horácio de Mattos marcha para a capital.

16/11/1917

18/02/1920

AMÉLIA VIEIRA avieira@grupoatarde.com.br

Capa da posse de Barack Obama: uma das 30 melhores do mundo, segundo o The Poynter Institute. Jornal de Salvador ganha o mundo

A TARDE registra história

INTERATIVIDADE

Qual é o seu lugar preferido em Salvador? ELÓI CORRÊA | AG. A TARDE | 10.1.09

Pôr do Sol “Ponta do Humaitá, um lugar único com o pôr do sol mais maravilhoso do mundo” JAILTON ALVES

Diversidade “Adoro o Pelourinho, o Forte de São Marcelo... ficaria o dia inteiro falando dos lugares lindos de Salvador. É muito difícil escolher um só lugar” CONCEIÇÃO FÉLIX

Paisagem “Pôr do sol na Barra” ALINE BOA MORTE

Plataforma

A Ponta de Humaitá e o seu pôr-do-sol sempre encantam

“Nasci no subúrbio de Salvador e tem 12 anos que moro em Rondônia. Meu lugar preferido em Salvador é o Largo de São Braz em Plataforma. Um abraço nesse bairro que tem umas das vistas mas lindas da Baía-deTodos- os-Santos” MARCOS NUNES

“Parabéns à melhor e mais bela cidade do mundo! Amo-te de coração. Qual é o meu lugar preferido? Ela todinha” FABIO ERLON

Bela vista “Morei cinco anos em Salvador e sinto saudade de cada dia aí. Meu lugar preferido em Salvador é a Baía-de-Todos-os-Santos, vista de qualquer lugar, mas de preferência de qualquer ferry boat indo para a Ilha. A vista que se tem da cidade é maravilhosa!” CÍNTIA COSTA

cultura da nossa cidade. Meu lugar favorito é, sem dúvida, o Porto da Barra”

Cenários

Cidade Baixa “Fica na Cidade Baixa. É a Ponta de Humaitá” GUSTAVO SANTOS

Centro

ACTON LOBO

“Amo Salvador e acho que devemos fazer todo o possivel para conservar a

Continue comentando. Para participar, acesse www.atarde.com.br Elogio

Reclamação

Bomba

Boa ideia

PAULO EDUARDO NOGUEIRA

Tranquilidade “A Ponta do Humaitá. Linda e tranquila”

Beleza

“Sou de Lauro de Freitas, mas trabalho e estudo em Salvador, e curto bastante está cidade que de fato é maravilhosa. Meus lugares preferidos são a Ribeira, aos sábados, com partido alto, praia, amigos, e o povão, que de fato move e faz com que esta cidade seja de fato

Grande amor

Descaso “Adoro de paixão o Porto da Barra, mas, infelizmente, aquilo ali, que é visitado por inúmeros turistas brasileiros e estrangeiros, caiu no descaso da Prefeitura de Salvador e do governo do Estado. Ali é onde tudo começou”

NELMA BEANES

Encantado

MARCOS PIMENTEL

DICO DA ITINGA

REGINA

“O Passeio Público. Mesmo caindo aos pedaços por conta do abandono e visível descaso das autoridades públicas. Por enquanto, ainda é um lugar aprazível no interior do centro da cidade”

“Salvador, cidade com belas praias, igrejas, Centro Histórico, enfim.. nesses longos anos de beleza e cultura não deixaria de comentar a Ponta de Humaitá, que guarda um cenário esplêndido como o berço da sua civilização. Salvador, sua história se confunde com a história do povo mais feliz dessa terra chamada Bahia”

linda e as praias, que são show de bola”

Dica

“Desculpem os outros, mas ser baiano é fundamental. Local preferido: Itapuã” PAULO LUZ

Certeza “Sem dúvida nenhuma, a Penísula Itapagipana, na Ribeira” NILTON

científicas. A consulta por meio digital ao conteúdo dos arquivos de A TARDE, por sua vez, também irá impedir a danificação dos jornais antigos devido ao seu manuseio. MODERNIZAÇÃO – A proposta de digitalização é mais um serviço colocado à disposição do público baiano. E vem ao encontro do processo de modernização do grupo de comunicação, que in-

veste na agregação de valores e desenvolvimento de novas plataformas e convergência de mídias, já contando hoje com, além do jornal, rádio, portal de internet, webtv e QRCode. O acesso ao material digitalizado se dará em terminais de computador instalados no Arquivo Público da Bahia e na Biblioteca Pública do Estado. Lá, o leitor de A TARDE poderá encontrar desde a primeira edição, de 1912, quando

foi fundado por Ernesto Simões Filho, até o conteúdo das publicações de 1999. O material está sendo digitalizado a partir das páginas gravadas em microfilmes. No total são 467 rolos em 35mm, com cerca de três mil documentos cada. Documento de relevância histórica, o acervo digitalizado garante a preservação da memória da cidade através de coberturas jornalísticas de fatos como os das edições reproduzidas abaixo.

Encontrado precioso “ouro negro“(petróleo) no bairro do Lobato, subúrbio de Salvador.

A comemoração dos 400 anos de Salvador mereceu uma edição de destaque.

Aumento de 61% na passagem provoca depredação e queima de ônibus e 30 feridos.

29/12/1939

29/03/1949

21/08/1981


FERNANDO VIVAS | AG. A TARDE

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SALVADOR, DOMINGO, 29/3/2009

| SALVADOR 460 ANOS |

500 ANOS ❚ Convidados imaginam

a cidade daqui a quatro décadas

Olhar em direção ao futuro da cidade AMÉLIA VIEIRA avieira@grupoatarde.com.br

Daqui a 40 anos, em 29 de março de 2049, a primeira capital do Brasil completará 500 anos. Será meio milênio de história e significativas mudanças. Salvador ganhou ares cosmopolitas, formou uma população caracterizada pela miscigenação, espelhando as múltiplas facetas dos diferentes povos que contribuíram não só para a constituição da matriz genética dos soteropolitanos, mas também para a sua formação cultural, social, econômica e política. Mas quais os caminhos das próximas quatro décadas? Para fazer esse “exercício de futurologia”, A TARDE convidou o antropólogo Roberto Albergaria, o índio do povo kariri-xocó e pedagogo Lyimbo Perigipe e Tânia Cordeiro, do Fórum Comunitário de Combate à Violência. São três impressões de um futuro que, na verdade, pode tomar o rumo que desejarmos.

Daqui a quatro décadas a cidade de Salvador irá completar 500 anos de sua fundação. O futuro dessa capital irá depender de projetos e ações que devem ser logo iniciados

FERNANDO VIVAS | AG. A TARDE

MARGARIDA NEIDE | AG. A TARDE

WALTER DE CARVALHO | AG. A TARDE

Lyimbo Perigipe

Tânia Cordeiro

Roberto Albergaria

Índio kariri-xocó e pedagogo

Integrante do Fórum Comunitário de Combate à Violência

Antropólogo

“Acredito que teremos dias melhores, com o índio estudando e sem ter medo. Nossa selva é menos perigosa que a de vocês. Acredito que em 40 anos nós conquistaremos nosso espaço e o reconhecimento de que ser diferente não é defeito; é qualidade. Temos muito conhecimento a passar e muito o que aprender. Todos devem se agrupar com o mesmo objetivo: fugir da violência. Temos que nos unir. Sempre tem como melhorar, e não depende de um povo só, mas da junção de todos que têm a pedir pela vida. Quinhentos anos não são 500 dias e nós temos muitas histórias, de massacres, injustiças, sofrimentos. Temos que recordar sempre o passado, para lembrar que os que se foram lutavam por uma causa maior e que não pode ser esquecida.”

“Espero que a sociedade civil organizada tenha uma maior capacidade de pressão para intervir nos rumos da cidade. Porque a recente aprovação do PDDU (Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano) mostra que não são todos os segmentos da sociedade que interferem no destino da cidade. Espero que 40 anos seja tempo mais do que suficiente para percebermos que não estamos no paraíso e conheçamos as potencialidades da cidade, que é mais mostrada que conhecida. A Salvador que se mostra é a de cartão-postal, a beleza e a alegria. Mas não reconhecemos seu antônimo, suas mazelas e desigualdades sociais. É preciso reconhecer essa complexidade maior, a existência das injustiças e das dificuldades para que possamos resolvê-la.”

“Salvador é uma dicotomia entre beleza e injustiça. A beleza vem se perdendo. Vemos isso mais nitidamente nas encostas, cada vez mais ocupadas. A cidade enquanto bem estético está se degradando, lenta e gradualmente, tanto pela exclusão demográfica das invasões quanto pela especulação imobiliária, e pela incompetência e incapacidade do poder público. Isso está descaracterizando o polígono de identidade de Salvador – a parte antiga que vai da Barra ao Bonfim. O antigo não é valorizado. Salvador é uma bela viúva desdentada e decadente, que guarda suas vestes de luxo, porém puídas, e sua jóias sem brilho. Mas não vejo um futuro sombrio, porque nos acostumamos. O que vai permanecer é o imaginário da Bahia, que é aquela de Dorival Caymmi, Jorge Amado e Caribé.”


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