Alexander Torres - No coração, onde dança a morte

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no coração, onde dança a morte



no coração, onde dança a morte



Alexander Torres no coração, onde dança a morte poesias



índice de outras terras, 11 uma sombra relutante, 13 encontro I, 15 entre os estranhos, 17 passagem, 19 rumores vizinhos, 21 a infinita tristeza, 23 o par, 25 um, dois, três e gira, 27 saideira, 29 abandono, 31 balada do amor vencido, 33 essa ausência, 35 terminal, 37 cadente, 39 a moça tranqüila, 41 lentidão, 43 sem razão, 45 as ruínas, 47 marca registrada, 49 tempestade, 51 monocórdio, 53 paralelos, 55 samba, bolero ou blues, 57 quarentena, 59 estes que dançam, 61 encontro II, 63 ulissianas, 65



Eu vi o Amor passar. Trazia a face sĂŠria e pareceu nĂŁo me reconhecer. Passou por mim e seguiu, sem se deter.


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de outras terras Cheguei com a promessa de ser breve. Cheguei com a promessa de não causar incômodos desnecessários. E escrever coisas alegres, que divertissem toda a família. Mas, meu coração estranho, meu coração terrorista, disse que não. E incitou o desejo por tempestades onde antes só havia paisagem. E largou um suspiro entremeado pelo quieto silêncio de alguma insatisfação. E semeou a tristeza em cada verbo. Este meu estranho e impiedoso coração...

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uma sombra relutante Hรก quem ame, hรก quem entalhe nomes em รกrvores, hรก quem guarde fotos. Eu apenas sigo solitรกrio pela rua, escondendo poemas nos bolsos e arrastando uma sombra relutante.

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encontro I estrelas caídas seus olhos são sombras que espero sem desespero no escuro de nós dois há tanta noite que adormeço

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entre os estranhos A crueldade do amor desconhece. Corações latentes que se encorpam no embate. Os risos traduzidos no escuro somam às sombras a felicidade esquecida. Entre os estranhos não há segredos. Não há destino a ser seguido. Cruel é pensar no amanhã.

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passagem Eu caminhei com o silêncio nos bolsos através da escuridão. Eu lancei um olhar através de sua ausência. Eu quedei em seu leito vazio...

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rumores vizinhos Fiel é a carne que estremece no leito em que o desejo se deita. Não se escolherá as palavras, nem se cobrirá a boca que pede. Fiel é o corpo que goza e desconhece o sono do próximo. As finas paredes não guardam o exasperado embate.

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a infinita tristeza antiga noite de seus cabelos o pĂł das poesias suja as pĂĄginas sem versos do desencanto na fronteira do universo sem estrelas a sombra da mĂşsica contempla o vazio

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o par Inflou a forma da saudade com um profundo suspiro. E ela se levantou. Como um fantasma que, de súbito, se fizesse convidar à dança...

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um, dois, três e gira Premeditado passo. O corpo se desloca no ar. Os bailarinos sem face de meus desentendimentos fazem crescer as sombras que esconderam a razão. Ela gira em torno de si e se aproxima. Ele sustenta sua mão. Pairando, por segundos, o vestido em roda. Mas, não há mais música em meus olhos e eles quedam no vazio de uma fantasia desfeita. No bailar de meus suspiros, o desejo que agoniza.

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saideira bebo o silêncio numa taça solitária, aguardo a embriaguês das memórias perdidas, me perco nos espelhos, estou sempre partindo

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abandono Arremessada no leito vazio, a mulher que se desejou. Descuidada, um pequeno sonho seu rolou dos cabelos em destino ao infinito que não se quer compreender. Ainda a madrugada vestia os transeuntes da lembrança, quando a última gota se volatizou do copo esquecido sobre o criado. E restou o silêncio. Na dança do corpo, enquanto cai.

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balada do amor vencido A sombra dança o imaginário minuete. Tudo é lembrança dentro do quarto. Os amantes derrotados, derrubados no leito, na balada do amor vencido. Tudo é antigo dentro do invólucro de nossos abraços.

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essa ausência Suspiros devastados e memórias rasgadas estão por todo o quarto. As paredes sustentam todas as sombras do adeus. O silêncio se deita no lado vazio do leito. No olhar em branco permanecem as últimas palavras do amor sem serifas.

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terminal O amor estรก condenado a morrer silenciosamente em seus braรงos. Lanรงa suspiros no adeus e parte. As testemunhas que se aglomeram ao seu redor jรก nรฃo se importam.

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cadente O amante guarda a face trágica do gozo entre as agonias da memória. O corpo de pé ao seu lado, as curvas que avolumam um desejo transitório que ruma para o vazio, escondem a mulher que se perdeu. A lentidão gira em torno do amante caído aos seus pés, reconstituído de lembranças.

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a moça tranqüila A moça tranqüila caminhou por minha rua. A moça tranqüila parou na esquina. O anjo da morte veio pairar sobre a moça tranqüila. A moça tranqüila está olhando os carros passarem. Uma brisa suave corre entre seus dedos. Os motoristas não olham para a moça tranqüila. A moça tranqüila começa a atravessar a rua. O anjo da morte está sorrindo tristemente, e deita um beijo nos cabelos da moça tranqüila. Os carros vão passando e já não se ouve barulho. A moça tranqüila está estendida no chão. Seu corpo está tranqüilo. Os carros estão tranqüilos. Uma chuva fina começa a cair.

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lentidão meu desalento meu vagar solitário pelo vento minhas horas idas perdidas entre os acenos de adeus e as partidas tudo é parte tudo é fragmento

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sem razão A gratuidade de meu poema sem pretexto é como um soco desferido no vazio. E ainda que seja alta noite, e ainda que eu esteja só e pensativo, sobre o papel meu poema gratuito queda sem razão. E junto com outras coisas inúteis, como olhar as moças que passam na rua, como desejar em silêncio a colega que não me dirige a palavra, meu poema escrito neste papel marca o registro desta existência que já não se queixa. Sem rima e sem razão, o meu poema persiste.

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as ruínas As pessoas olham e gritam, ele vai desabar. A imagem desfeita derrama seus espectros, lágrimas cairiam onde resta o espaço vazio. As pessoas correm e gritam, ele quedará no próximo instante. Nenhum pregador veio trazer a salvação, as mãos não se levantaram para oferecer apoio. Permanece uma memória corroída na instável sombra de sua decadência.

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marca registrada Encaminhei aos proclames a invenção de ser triste. Patenteei minha melancolia com o nome fantasia de “Mal que me persiste”.

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tempestade Sou um deserto e espero, a danรงar no vento, que tudo se acabe.

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monocórdio Perdido em minha própria escuridão só ouço um coração que soa partido

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paralelos Nossas cartas não trocadas. O amor que não será. (Tudo está perdido, esquecido em algum tempo que corre para além do relógio.) Algum dia haverá um nós? Há um silêncio que ninguém quebrará.

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samba, bolero ou blues Deixei seu nome escrito nas sombras do que foi o amor. Larguei sobre a dura laje as negras flores de minha dor. E, enterrado no frio ch達o, meu silenciado cora巽達o, aos vermes entreguei. Mas, n達o quero mais sofrer, vou tentar esquecer que um dia te amei.

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quarentena As vítimas endêmicas do amor já ocupam os leitos. Como é deplorável o estado em que se encontram, e como estão felizes! Os apaixonados febris balbuciando juras, cantarolando canções, a sorrir sem motivo. Tão leves, tão felizes, não pedem que lhe salvem a vida. Todos estes doentes do amor que já ignoram os riscos, ignoram os cuidados que demandam, de tão felizes que estão...

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estes que dançam Apesar da melancolia e de toda a solidão, ainda permanece guardada alguma esquecida alegria nos corações que dançam ao som da chuva e vivem de ilusão.

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encontro II Quando a morte vier sentar-se a minha mesa e seu olhar duro cair em meu prato de sopa, nĂŁo pedirei a conta ou sequer a sobremesa. Simplesmente afagarei sua esquĂĄlida manopla.

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ulissianas Minhas palavras vão para ninguém. Meu amor vai para ninguém. Meus versos são dedicados a ninguém, e quedarão eternamente neste abismo que se abre. Eu espero ninguém chegar a minha porta, e se estender neste leito tão acostumado...

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NOVEMBRO DE 2011 BELO HORIZONTE - MG, BRASIL




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