A mulher na história zuleika alambert

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A MULHER NA HISTÓRIA A HISTÓRIA DA MULHER



A MULHER NA HISTÓRIA A HISTÓRIA DA MULHER

Brasília, 2004


Projeto, Edição Final e Capa Tereza Vitale Escolha dos Textos e Acervo Zuleika Alambert Ilustração (acervo Zuleika Alambert) Maria Aparecida Gabatteli Pesquisa Iconográfica Antônio Venâncio Filho Ivan Alves Filho Francisco Inácio de Almeida João Luis de Araújo Ribeiro Editoração Eletrônica Daniel Dino Agradecimentos Almira Rodrigues Francisco Inácio de Almeida

Copyright © FAP/Abaré 2004 ISBN 978-85-89216-04-7 Ficha Catalográfica A319h

Alambert, Zuleika A história da mulher. A mulher na história / Zuleika Alambert. Brasília : Fundação Astrojildo Pereira/FAP; Abaré, 2004. 200p. ; 22 cm. 1. Mulheres como grupo social. Inclui: Condição social da mulher; Discriminação da mulher; Movimentos feministas; Ocupações da mulher; Papel da mulher na sociedade. I. Alambert, Zuleika. II. Título. CDU 305.4


Sumário Zuleika Alambert, a prática feminista . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 Apresentação . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 21 A História da Mulher . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26 A Mulher no Século XX: sua vida, suas lutas e suas conquistas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 A Trajetória da Mulher Através dos Tempos e suas Perspectivas para o Século XXI . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59 A Mulher na História do Brasil . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 73 A Mensageira . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 90 Feminismo e Política do Corpo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 98 Descobrindo os Estereótipos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 112 Zuleika Alambert por Rachel Gutiérrez . . . . . . . . . . . . . . . . . . 130 60 Mulheres que Marcaram a História do Feminismo . . . . 134 Quem é Zuleika Alambert . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 146 Acervo Zuleika Alambert . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153



Zuleika Alambert, a prática feminista “Porque a mão que embala o berço é a mão que governa o mundo.” William Ross Wallace

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ilosofia da práxis. É assim que se costuma fazer referência à doutrina elaborada por Karl Marx. E essa prática filosófica decorre de declaração do próprio Marx, que, a meio do século XIX, já dizia que desde a Antiguidade clássica até então os filósofos nada mais haviam feito que explicar o mundo. Agora, cabia-nos transformá-lo. Ou seja, deixar de lado a filosofia como contemplação onírica ou explicação teórica, mas utilizá-la como instrumento de transformação social. Quando a Fundação Astrojildo Pereira tomou a iniciativa de editar este trabalho de Zuleika Alambert, as idéias expostas ali em cima nos vieram à mente, porque Zuleika é, por inteiro, a comprovação de que somente a prática pode modificar a realidade e foi buscando agir, praticar seus princípios de doutrina marxiana que ela se mostrou aquela militante entusiasmada e entusiasmante de que todos temos não apenas grandes lembranças, mas, sobretudo, o orgulho de vê-la seguir lutando por seus maiores ideais. Muito jovem se elegeu deputada estadual por São Paulo, sendo, com Conceição Santa Maria, as primeiras mulheres a ocuparem aquele cargo. Mas, assim que cassado o registro de seu Partido, o Comunista, também perdeu o mandato, caindo na clandestinidade a que foram obrigados os militantes do Partido, diante de violenta repressão policial. Isso, embora o país estivesse regido pela Constituição democrática de

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l946, de cuja elaboração participaram l6 deputados comunistas e o senador Luís Carlos Prestes, o mais votado em todo o Brasil. Em Zuleika, nenhum desânimo, nenhum desespero. Com o golpe militar de 1964, destituindo o governo legítimo e legal e pondo fim às liberdades a duras penas conquistadas, ela, após uns poucos anos de resistência, foi obrigada ao exílio. Começou por Santiago do Chile, depois Europa, particularmente Paris. Nos ricos e livres ambientes de Violeta Parra e Simone de Beauvoir, de muita atividade social de mulheres e de muito estudo e debate, foi que nossa Zuleika se entrega por inteiro ao movimento feminista. Suas observações e pesquisas levaram-na à elaboração de textos, a discussões isoladas com amigas e amigos, companheiras e companheiros, até ela se transformar na responsável pelos primeiros documentos oficiais do Partido Comunista Brasileiro, de que o PPS é, hoje, um grande herdeiro. Para este, a questão da mulher se coloca com clareza e objetividade, dando prosseguimento e, sobretudo, fortalecendo um trabalho que, hoje, pertence a nossas tradições de luta democrática, com efetiva participação, Brasil afora, de centenas de mulheres que colocam a questão feminista como pedra de toque de seu trabalho, fazendo do combate à discriminação contra a mulher sua mais importante bandeira. Para registro histórico: o PCB foi o primeiro partido brasileiro a se considerar feminista. Qualquer discriminação, ninguém discorda, é odienta. Mas a discriminação contra a mulher sofre de uma incongruência básica. Quando a espécie humana começou a brotar na face deste planeta, deparou-se com um ambiente hostil e percebeu, de pronto, sua fragilidade para, cada indivíduo, sozinho, enfrentar as dificuldades de então. É quando se monta o instinto gregário, reunindo os primeiros grupos – hordas, tribos, clãs, o que seja – para que juntos, todos, absolutamente todos, homens e mulheres, garantissem a sobrevivência da espécie. E, desnecessário dizer, o conseguiram. Trazido o cenário para, hoje, a selva das grandes metrópoles, temos que admitir que essa necessidade gregária segue existindo, todos, 8

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absolutamente todos, homens e mulheres, precisando estar unidos em defesa de sua gente, seu trabalho, sua cidade, seu país, seu mundo. Podemos, então, parafrasear Nelson Rodrigues e dizer que toda discriminação é burra. Mas, leiam o livro, saboreiem a cultura de nossa Zuleika, com o sentido prático que dá a suas palavras, a suas conceituações. Voltando a Marx, deliciem-se com uma palavra transformadora e não apenas explicativa. Não éc gratuito, portanto, a Fundação Astrojildo Pereira orgulharse de entregar a todos vocês, a todos, absolutamente a todos, homens e mulheres, um trabalho de vanguarda, decisão e, antes de mais nada, de estímulo, porque Zuleika Alambert foi sempre senhora dessas ações. Vladimir Carvalho Presidente da Fundação Astrojildo Pereira

Zuleika Alambert, a prática feminista

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Prefácio

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Mulher na História. A História da Mulher, de Zuleika Alambert é o resgate da história de lutas da mulher pela sua emancipação e pelos seus direitos de cidadania, desde a antiguidade até os dias atuais. Ela o faz com profundidade e com conhecimento de causa, pois tem sido destacada protagonista dessa história dentro e fora do Brasil, o que lhe confere autoridade para afirmar “que se trata de uma história de exclusão, invisibilidade, opressão e exploração” da mulher. Reconstitui a gênese histórico-conceitual de um custoso processo de construção da identidade feminina, através dos séculos. Destaca o papel do movimento feminista que, segundo ela, se constitui no melhor instrumento de luta que a mulher já criou, servindolhe de “bússola e de arma de combate numa revolução que será a mais longa da história da humanidade”. Concorda com Fritjof Capra quando afirma ser esse movimento uma das correntes culturais mais criadoras e revolucionárias de nossa época. Discorre sobre as diferentes épocas da história da humanidade, destacando o impacto da evolução da técnica no trabalho e na produção dos meios de sobrevivência das comunidades, ao mesmo tempo em que define o papel da mulher na sociedade. Demonstra que a relação de dominação do homem sobre a mulher surge com a apropriação individual da riqueza material produzida por todos, dando lugar ao patriarcado e, conseqüentemente, à “reação de sobrevivência” da mulher, estágio anterior à sua luta reivindicativa pelos seus direitos e contra a opressão do homem.

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A autora apresenta um elenco de mulheres extraordinárias que no curso da história tiveram papel decisivo na luta heróica em defesa dos direitos da mulher de todos os tempos, algumas até com o sacrifício da própria vida. Foram predecessoras do movimento feminista que eclodiu no mundo como conseqüência da tomada de consciência, por parte da mulher, de seus direitos e de sua força, como resposta e expressão de amplas e profundas transformações pelas quais passava a sociedade. Após analisar a luta da mulher no curso da história da humanidade, a autora se concentra nos avanços e conquistas do movimento feminista no século XX, marcado pela realização, por iniciativa da ONU, de Conferências e Cúpulas Mundiais em torno dos direitos da mulher, destacando-se a conquista no mundo inteiro do direito político de votar e ser votada. Nesta parte do trabalho, é dado um destaque especial ao caso do Brasil, onde o movimento feminista tem características próprias, mas fortemente influenciado pela evolução mundial da questão da mulher, sobretudo o impacto provocado pela revolução cultural desencadeada no mundo em 1968. Uma plêiade de mulheres brasileiras de diferentes classes sociais protagonizou feitos heróicos que as colocam entre as que fizeram a história do movimento feminista no Brasil, deixando-nos como herança um valioso patrimônio de direitos conquistados e que nos cabe preservar e ampliar. Inúmeras organizações foram por elas criadas e que representam importantes instrumentos a serviço da luta das mulheres brasileiras, que continua tão necessária quanto no seu tempo, sobretudo na conquista de espaço de poder, sem o que os nossos direitos não serão assegurados. Mesmo os já conquistados formalmente não alteram a situação real da maioria das mulheres em nosso país, especialmente em termos de políticas públicas inexistentes ou insuficientes para atender seus direitos básicos. Por não terem poder político, as mulheres não são consideradas quando da definição das macropolíticas que não contemplam as questões de gênero. Com base na exaustiva análise que faz da evolução histórica da luta das mulheres e do movimento feminista, através dos tempos, a autora projeta o papel e a participação da mulher na construção do futuro, de12

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vendo entre outras exigências, romper com a lógica que predomina nas relações sociais e nas relações entre homens e mulheres, determinadas pelo sistema capitalista. Cabe às mulheres no início do século XXI contribuir para a criação de novos paradigmas e novo ordenamento das relações humanas, o que significa a possibilidade de as mulheres reescreverem sua história. A autora define ser esta a grande tarefa do movimento feminista que, segundo ela, precisa se renovar e criar condições para colocar sobre tudo e sobre todos “um olhar feminino sobre o universo”. Com sua vida militante e com este trabalho a autora dá uma enorme contribuição para as mulheres reescreverem a sua história, de modo a marcar a diferença, conquistar identidade própria numa sociedade machista, e abolir a dominação de sexo. Porém, tudo isso ela ainda considera insuficiente, devendo-se lutar, simultaneamente, para abolir as relações de classe e, assim, começar a desorganizar o sistema patriarcal. No entanto, não basta destruir. É preciso criar um novo modelo, um novo sistema para substituir o patriarcado; ou seja, uma nova sociedade a ser “desenhada num enfoque ecológico do mundo global, sistêmico, holístico”. Finalmente, a autora aborda o feminismo como ideologia e como prática que percorreu um longo caminho até chegar à política do corpo, cujo objetivo é resgatar o corpo da mulher, rompendo com os estereótipos relativos a ele que serviram para justificar posições e preconceitos contra ela. O resgate do seu próprio corpo foi condição para resgatar sua identidade como mulher, contrapondo-se à invisibilidade que marcou sua trajetória desde os tempos mais remotos até os dias de hoje quando ainda precisa lutar para ser ela mesma, sujeito de direitos e deveres e construtora da história. Para concluir, queremos saudar o lançamento deste trabalho de Zuleika Alambert como importante contribuição ao movimento feminista quando se comemora o Ano da Mulher no Brasil. Luiza Erundina Deputada Federal

Prefácio

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Apresentação Neste livro de Zuleika Alambert, que é o resultado de uma co m p i l a ç ã o d e vá r i o s d e s u a s p a l e s t ra s, i nte r ve n çõ e s e ensaios mais uma vez, pode-se encontrar um rico material para embasar as mais profundas reflexões críticas a respeito da participação e da ação das mulheres no mundo. Ao lê-lo se é transportada para diferentes momentos da história humana imaginando os contextos, incrivelmente adversos, em que essas mulheres ousaram manifestar seu descontentamento e insubmissão e deram início à luta feminista na esfera pública, luta esta que já vinha sendo travada desde tempos imemoriais na esfera privada, por incontáveis heroínas anônimas. Ao mesmo tempo sente-se uma espécie de inquietação sobre o quanto, na verdade, avançamos na direção de suprimir da história atual e futura da humanidade o ideário patriarcal e suas mazelas. Impossível não reconhecer que muita coisa mudou com a invasão das mulheres na vida pública, espaço exclusivo dos homens até bem pouco tempo. Com segurança é possível afirmar que nada mais será como antes, mesmo que todas as conquistas sofram retrocessos. Contudo, é preciso refletir, a cada passo, sobre o saldo de todas essas mudanças para a maioria das mulheres e para a sociedade como um todo. Em vários textos deste livro é perceptível este tipo de preocupação por parte de Zuleika. Particularmente quando afirma: “Nós mulheres, continuamos trabalhando mais e ganhando menos do que os homens. A dupla jornada continua nos sacrificando até a raiz dos cabelos. Os homens ainda não partilham conosco do trabalho doméstico

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e da educação das crianças. Na escola, ainda estamos segregadas às carreiras que permitem manter essa dupla jornada: professoras, pediatras, costureiras, nutricionistas, secretárias etc. Crescem os contingentes de mulheres vítimas de HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis; morrem centenas de mulheres em conseqüência da gravidez, parto, pós-parto e abortos clandestinos.” (p.53)

Na verdade, por estas afirmações, Zuleika, assim como boa parte de nós feministas, está se perguntando por que todos os avanços e conquistas do movimento de mulheres ainda não conseguiram transformar a condição de vida da maioria, que continua sofrendo sob o peso da discriminação e exclusão. Eu, particularmente, iria mais longe indagando sobre o que aconteceu com a nossa intenção de tornar mais feminino este mundo tão masculino? Será que ao invés de invadir a sociedade e contaminá-la com a maneira feminina de olhar, ser, sentir, sonhar e agir, aceitamos, em troca de alguns postos de direção e de uma maior participação na vida pública, adotar os sonhos, projetos, sentimentos e maneira de ser dos homens? Iria mais longe, ainda, buscando entender o porquê de muitas de nós continuarmos sentindo um quase imperceptível, porém, inquietante desconforto com a identidade feminina? Como se ela continuasse sendo de menor valor e importância que a masculina, apesar de todos os esforços e lutas. Será que tal sensação de desconforto, por ter raízes tão profundas e para muitas mulheres não ser, ainda, perceptível no plano da consciência, torna-se tão angustiante e difícil de lidar e, conseqüentemente, de desaparecer que, talvez, as impulsione a adotarem a perspectiva e as formas de pensar e agir eminentemente masculinas, desistindo de imprimir em sua atuação pública as formas de ser, pensar e agir eminentemente femininas? Estou convencida que este tipo de questionamento habita, também, a mente e o coração de Zuleika e das mais sérias e comprometidas feministas do mundo e têm sido, sob as mais variadas formas, explicitadas por elas.

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Florence Thomas, coordenadora do grupo Mulher e Sociedade da Colômbia, em seu ensaio ¿Es esto lo que queríamos? apresentado no encontro de reflexão ¿Hay Otra Manera de Hacer Política? Las Mujeres Responden”, convocado pelo FESCOL em dezembro de 2001, colocaas da seguinte forma: “Hemos caminado, sí, pero¿hacia dónde caminamos?; participamos, sí, ¿pero cómo participamos?; somos cada vez más iguales, sí, ¿pero iguales a quien o a quiénes?; ¿estamos de verdad satisfechas con nuestros avances o nos sentimos a veces traicionadas por algo que no precisamos bien, que es difícil nombrar,que nos duele en alguna parte? ¿Será que asimilarnos cada vez más en un neutro masculino, trabajar como los hombres, pensar, escribir, explicar y habitar el mundo como ellos, asimilar su erótica, su estética, su palabra, hacer política como ellos, llegar al poder y utilizarlo como ellos, nos satisface del todo? ¿No nos estaremos engañando?, ¿no nos estaremos haciendo trampas al negar nuestra identidad, nuestros imaginarios, nuestra historia y nuestra memoria?. ¿Es hacer política como los hombres lo que buscábamos?, ¿es asimilar todos los rituales de la política tradicional lo que nos satisface?; ¿de verdad nos queremos meter en esta lógica, en esta cultura política nunca pensada para nosotras, nunca pensada desde lo femenino, desde la diversidad, la heterogeneidad, la fertilidad de lo plural, nunca pensada desde la diferencia sexual que es la diferencia fundante de la humanidad y condición de la fertilidad de lo humano?”

Penso que se fosse possível estabelecer um diálogo, neste momento, entre essas duas maravilhosas mulheres, Zuleika enriqueceria as reflexões de Florence, atentando para nossa responsabilidade, quando diz: “Nós, mulheres feministas mais velhas, que lutamos com garra e decisão para conquistar nossos direitos econômicos, políticos, sociais e culturais, passamos às gerações de agora o fruto de nossas conquistas e experiências desacompanhadas de um trabalho educativo que lhes desse responsabilidade diante do mundo que se transforma e dentro do qual elas terão que viver continuando a batalha que iniciamos, mas ainda com muito caminho a ser trilhado”...“Em suma, não soubemos transmitir às jovens gerações a necessidade de responsabilidade, de equilíbrio emocional, da busca de sua identidade que continua

Apresentação

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ainda perdida, de respeito por si própria e a consciência de seu valor.” (p.54 e 55)

Quando feministas incontestes como estas colocam essas questões, extremamente pertinentes, não pretendem desconsiderar ou menosprezar, os avanços e conquistas obtidas pelo movimento de mulheres ao longo de sua trajetória, mas sim manter vivo o ideário que deve alicerçá-las, sem o qual se tornarão castelos construídos sobre a areia. Este ideário tem como princípio a convicção de que não é possível a construção de um mundo livre de discriminações e injustiças sem a efetiva contribuição do saber, do ser e do agir feminino e que a participação igualitária da mulher na construção desse mundo tão desejado não será alcançada sem uma profunda revolução nas formas de pensar e agir da humanidade, dado o grau de enraizamento nas pessoas e nas sociedades da ideologia patriarcal, ainda dominante. Para quem compreende a necessidade dessa revolução cultural, anseia e luta por ela, entende que a maior batalha está muito sutilmente começando a ser travada e que sua arena é o mundo interior de cada ser humano. Ela é a mais profunda, silenciosa e longa batalha, por esse motivo a mais difícil e penosa. Como diria Zuleika, “... e nós mulheres certamente teremos o nosso papel em tudo isso. No momento, pouco podemos fazer a não ser entender que precisamos, no ano 2000 que se avizinha, buscar os melhores caminhos para consolidar e fazer avançar nossas conquistas. O que significa isso? Colocar em primeiro plano a questão cultural, educacional, a formação de novas mentalidades. As feministas devem concentrar parte de seus esforços nessa direção, intervindo na educação formal e informal da mulher. Por intermédio de todos os instrumentos possíveis: a escola, as artes e todos os meios de comunicação, principalmente devolver à mulher a sua verdadeira imagem, pondo fim aos mitos e preconceitos que a cercam desde que o mundo é mundo.” (p.56)

Célia Andrade Socióloga e feminista 18

Zuleika Alambert


Minha amiga, a feminista Zuleika Alambert Conheci Zuleika no Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo – CECF/SP, onde trabalhei de 1988 até 1995. Eu dava meus primeiros passos dentro do movimento feminista, enquanto ela há muito tempo era reconhecida, nacional e internacionalmente, como uma de suas mais ilustres e combativas militantes. Maravilhei-me com Zuleika desde o início de nossa amizade e trabalho conjunto. Suas idéias, sua forma tão aguerrida de luta e, sobretudo, sua incrível capacidade de superar a si mesma e suas próprias convicções, sempre foram razões para uma crescente admiração de minha parte e por parte de todas as pessoas que a conhecem. Zuleika, mesmo celebrando com grande entusiasmo todas as conquistas das mulheres ao longo da história, muitas delas resultantes de sua própria atuação, jamais perdeu a perspectiva crítica das ações do movimento de mulheres e seus resultados e sempre procurou tornar visíveis suas opiniões e reflexões a respeito dos rumos do feminismo no mundo. Seja registrando minuciosamente eventos históricos, ou afirmando suas convicções e impressões sobre a atuação do movimento de mulheres, Zuleika exibe sempre a mesma coragem e obstinação e o mesmo envolvimento e comprometimento que são a marca registrada de sua história de vida. Célia

Apresentação

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Introdução

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ostaria de deixar claro que não sou historiadora. Que nada mais sou, e disso me orgulho, que uma militante política que se construiu como feminista, estudiosa e pesquisadora das questões relativas à vida, às lutas e à história das mulheres. Este livro, que ora lhes faço uma rápida introdução, contém alguns trabalhos sobre a temática da mulher, elaborados por mim, durante dez anos de atividades desenvolvidas no Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo, em cujo ambiente permaneci durante 15 anos, desempenhando os mais variados papéis. Sobre o conteúdo aqui exposto, gostaria de destacar, em primeiro lugar, as palestras pronunciadas nas décadas de 1980 e 90, principalmente, quando exerci, de 1986 a 1987, a Presidência daquele Conselho. Elas devem ser consideradas, sobretudo, dentro de cada momento conjuntural em que foram pronunciadas e do meu patamar de conhecimentos teóricos à época. Hoje, se tivessem que ser refeitas, muito deveria ser acrescentado aos temas abordados, e chegaria mesmo a substituir algumas idéias. Isso porque meus estudos e pesquisas posteriores permitiram aprofundar meus conhecimentos e novas idéias fizeram-me avançar no tocante à condição de vida da mulher nos últimos anos, e em relação à tática e à estratégia relativas ao trabalho das feministas, entre as grandes massas femininas no país e no mundo. Estou certa, por exemplo, de que se conseguirmos concretizar a elaboração de programas e a efetiva realização de políticas públicas para as mulheres em todos os planos (trabalho, saúde, legislação, educação etc.) poderemos avançar no sentido de conscientizá-las, organizá-las e levá-las às lutas em prol de suas necessidades imediatas, obtendo, em 21


conseqüência, a melhoria de sua qualidade de vida e a sua valorização como ser humano. Precisamos ter presente que nossas conquistas estarão sempre ameaçadas de serem extintas ou sofrerem recuos enquanto os problemas do planeta, como um todo, não forem resolvidos. Nosso presente e nosso futuro nunca, como na atualidade, estiveram tão ligados à sorte da Terra – a nossa casa. As guerras pontuais e localizadas, a destruição do meio ambiente, a morte de milhões de pessoas pela fome, doenças, a poluição, a violência etc., nos indicam que a solução pela raiz de nossos problemas como ser humano está intimamente ligada ao destino do nosso planeta. Precisamos, portanto, não apenas nos fortalecermos como feministas, mas, nos tornarmos ecofeministas. Na estruturação deste livro, tomei a liberdade de acrescentar às palestras, textos de variadas temáticas, dentro da perspectiva de facilitar uma melhor compreensão dos problemas atuais vividos pela mulher. Por exemplo, no prefácio que elaborei para a Coletânea da Revista A Mensageira”, publicada pela Secretaria de Estado e Cultura e pelo Arquivo do Estado de São Paulo, destaco uma fase importante do feminismo no Brasil. Deixo claro que a luta que hoje travamos para reafirmar que o sexo é político, o caráter subjetivo da opressão etc., nada mais se trata do que um prolongamento avançado da luta anterior de nossas bisavós e avós por direitos da mulher ao trabalho e à instrução, num tempo em que era atribuída uma neutralidade ao espaço privado e se definia como político unicamente a esfera pública. Em “O Feminismo e a Política do Corpo”, palestra pronunciada no campus universitário de Campinas (na Unicamp), num evento do qual participaram médicos, psicólogos, lideranças femininas e feministas, destaco o fato de que nunca, como em nossos dias, os meios formais e informais de educação vilipendiam tanto a mulher por meio de uma imagem distorcida em que o uso de seu corpo é seu principal instrumento de trabalho. Hoje, certamente teria que acrescentar novos elementos à palestra, tais como as pesquisas relativas à sexualidade das índias e sua arte de sedução, e o trato do corpo da mulher por meio da magia e da medicina, no tempo do Brasil Colônia como escreveu Mary Del Priore 22

Zuleika Alambert


em seu ensaio recente inserido no livro História das Mulheres do Brasil, publicado, em 2004, pela editora Contexto em parceria com a da Unesp, conquistando o Prêmio Jabuti. Finalmente, inclui um trabalho intitulado “Descobrindo os Estereótipos”, no qual tento mostrar que a mulher, desde quando nasce até morrer, fica engessada num clichê, numa forma fixa, independentemente de suas qualidades ou defeitos individuais; é apresentada como mãe, esposa, dona de casa, rainha do lar, meiga, terna, indefesa, dependente. Esse clichê serve para depreciá-la e colocá-la na sociedade apenas como o segundo sexo, e assim facilitar sua humilhação, exploração e desvalorização como cidadã e ser humano. Diferente fisicamente do homem, ela é tão merecedora quanto ele de gozar dos direitos sociais, políticos, jurídicos e culturais. Junto com o homem, ela é capaz de escrever uma única história para a humanidade, como bem fica claro quando estudarmos a história da mulher através dos tempos e seu papel criador na história da humanidade. A Autora

Introdução

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A Hist贸ria da Mulher


A História da Mulher1 Introdução­ Um exame, mesmo que superficial, da história da mulher, vai nos indicar que se trata de uma história de exclusão, invisibilidade, opressão e exploração, que perpassa todos os séculos, todas as idades e todos os países do mundo. Mas, ao mesmo tempo, veremos que se trata de uma história de resistências e lutas para eliminar preconceitos e discriminações, recuperar posições perdidas, garantir direitos, transformar a vida e alcançar seu pleno florescimento como ser humano, igual, autônomo e digno. Nesse processo, nunca poderemos perder de vista o papel desempenhado pelo movimento feminista, que tem se constituído, desde o século passado, no melhor instrumento de luta que a mulher pôde criar para servir-lhe simultaneamente de bússola e arma de combate, numa revolução que sabemos será a mais longa da história da humanidade. Graças a isso, é que o movimento feminista pode ser hoje considerado, por importantes pensadores, como a corrente cultural mais criadora e revolucionária de nossa época. E o movimento de mulheres, emergindo na vida pública mundial, sobretudo a partir das últimas três décadas, pode ser considerado como um dos fenômenos políticos mais importantes do século XX. A seguir, tentaremos percorrer, através dos milênios, a luta épica da mulher por seus direitos, sua cidadania e sua condição de ser humano. 1 Palestra proferida no Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo (CECF/SP), março, 1996.

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1. Pré-História Na aurora da humanidade não podemos falar na existência de desigualdades entre o homem e a mulher. Naquele tempo, não existiam povos, nem Estados separa‑dos; os seres humanos viviam em pequenos grupos (hordas) e, depois, em famílias e tribos. Vivendo em meio hostil, os seres humanos tinham que se manter agregados, solidários entre si, para sobreviver e se defender dos animais ferozes e das intempéries. Quem se marginalizava, perecia. Logo, não havia uma superioridade cultural entre homens e mulheres. Ninguém dispunha de propriedade. A família não existia e, portanto, a desigualdade era desconhecida. A formação das genes comunitárias constitui o primeiro passo na evolução da sociedade humana. Elas coincidem com o surgimento do homem moderno. E deixam para traz o que poderíamos denominar hordas primitivas. As genes ou tribos eram constituídas de grandes uniões de grupos humanos vinculados por parentesco. Acabaram por se dividir em clãs. Entre os clãs existiram os maternos (gerações eram transmitidas por linhas matrilineares), desconhecendo-se o pai da criança. O período matrilinear durou milênios. Nessa organização, inicialmente, a mulher teve um papel preponderante. Ela trabalhava a terra, domesticava animais, cuidava das crianças, velhos e doentes, além de criar vasilhames, utilizar o fogo, preparar ungüentos, poções, enquanto o homem ia à caça de alimentos. Era muito respeitada por suas atribuições. Nesse período pré-histórico, reinavam as deusas, os homens e mulheres viviam em harmonia, as guerras eram pouco conhecidas. Riane Eisler, em sua obra O Cálice e a Espada, cita como exemplo desse período pré-histórico a civilização antiga na ilha de Creta, no Mar Mediterrâneo, que começa por volta de 6.000 anos a.C., quando uma pequena colônia de imigrantes provavelmente de Anatólia, chegou, pela primeira vez, ao litoral da ilha. Foram eles que trouxeram a deusa bem

A história da mulher

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como uma tecnologia agrária que classifica estes primeiros colonizadores como neolíticos. Já estávamos na Idade do Bronze. Nesse momento, o papel da mulher era destacado e ela vivia com o homem em regime de parceria. Em Creta, a economia prosperava e as artes floresciam. Esses tipos de sociedades igualitárias existentes na pré-história são pouco conhecidos, porque os homens excluíam as mulheres da história da humanidade e não se detiveram na pesquisa desse período.

Patriarcado Com a invenção do arado, que substituiu a enxada primitiva da mulher, vai se abrindo o caminho para o início do patriarcado. Isto é, o trabalho do homem torna-se mais valorizado e o da mulher passa a um plano inferior. Assim, o lugar principal nos clãs transfere-se para os homens que passam a dominar tudo, inclusive as mulheres. O sistema primitivo permitira uma acumulação material necessária a uma economia mais eficiente e a um novo modo de vida. Isso ocorre quando a sociedade comunal primitiva entra em desagregação, provocada por muitas causas tais como o desenvolvimento da técnica, o uso de metais, a acumulação nas mãos de alguns e o surgimento do comércio. Desaparece a igualdade existente nos clãs. Surgem os primeiros escravos, os dominados e os dominadores. A mulher foi a primeira escrava do homem. O homem precisava de uma mulher só para ele, para ter certeza de que o filho era seu, elemento necessário para a transmissão da herança a mãos legítimas. Nesse momento, surge o Estado como instrumento para esmagar a rebeldia dos dominados. É quando a sociedade se divide em classes, dando início ao patriarcado. A era dos homens iguais contra mulheres desiguais.

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2. Gênese do feminismo A gênese do feminismo se situa certamente nesses séculos recuadíssimos da história humana. Afinal, nada surge do nada. Suas sementes aparecem quando a primeira mulher precisou fugir da opressão do homem e defendeu-se de sua violência. Sozinha, ou ajudada por outras, buscou escapar dos raptos, quando sofria maus tratos ou era brutalmente escravizada. É claro que a resistência da mulher ao sofrimento e contra os trabalhos pesados não tinha caráter de uma reivindicação consciente. Era apenas uma reação de sobrevivência. Quando Safo, a notável poeta grega, escreveu seus lindos poemas, em 125 a.C., e criou um centro para a formação intelectual da mulher, já se manifestava contra as desigualdades educacionais entre os sexos, o que, para a história, isso não foi considerado importante. Os historiadores referem-se a ela como homossexual, e é de onde buscaram a origem do termo lésbica – Safo nasceu na ilha de Lesbos. Outras mulheres, a exemplo das deusas, sacerdotisas, profetisas e guerreiras que viveram nesse período, foram totalmente ignoradas.

3. Idade Média É marcada pela história de um discurso feito por homens e mulheres diante da condição subalterna da mulher na Antigüidade e na Idade Média. Não se pode falar em ações de mulheres por seus direitos nessa época. Primeiro, elas tiveram de provar que eram tão capazes de escrever a história humana quanto os homens . Mas seus discursos adubaram o solo para os séculos futuros. Mesmo assim, não estavam inativas. Fizeram-se presentes no movimento comunitário e nas Cruzadas, assim como participaram da luta pela emancipação urbana na França, em fins do século XI e no começo do século XII. Graças às mulheres, Saint Quentin recebeu a primeira A história da mulher

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carta de Comuna. Elas tinham nisso um interesse histórico. Pensavam que a sujeição da mulher tornava-se menor conforme se conscientizavam de serem esposas de um ser menos subordinado. Nas Cruzadas, além de se sacrificarem em feitos como o de Joana D’ Arc, elas viveram, amaram, lutaram e viram nascer entre elas o sentimento de solidariedade. Nos séculos XI ao XIV, existiram, por exemplo, casos de resistência isolada de mulheres diante das Reformas Gregorianas, que intensificaram a opressão da mulher e as expulsaram de algumas altas posições que ocupavam, Eleonora de Aquitânia (1122-1204) desempenhou um grande papel político na Grã-Bretanha e no principado de Aquitânia. Fundou instituições religiosas e educacionais para a mulher, e foi considerada a mãe do século. Artesãs expulsas das guildas (corporações, associações) de comerciantes criaram as suas próprias, especializadas em seda, renda, confecções nas quais era muito difícil a entrada dos homens. Outras foram para pequenas manufaturas pré-industriais. Outras ainda tentaram criar uma contracultura e práticas sociais diferentes das então admitidas como, por exemplo, as chamadas cortes de amor (que reuniam rainhas, princesas e trovadoras). Havia também as beguinarias (casas próximas aos locais de trabalho) onde as mulheres se reuniam para rezar. Nelas estavam mulheres rurais, solteiras ou viúvas. Foi uma primeira forma de vida alternativa entre as mulheres. As heresias eram práticas condenadas pela Igreja (abortivos, cura por ervas, feitura de poções milagrosas, filtros de amor e venenos violentos). Por essas heresias muitas foram queimadas como feiticeiras condenadas pela Santa Inquisição. Mas elas eram apenas contestadoras. Algumas foram queimadas vivas e outras enforcadas. A página da história que trata das feiticeiras vem sendo muito estudada e pesquisada pelas cientistas feministas do mundo inteiro. Nessa época, destaca-se Christine de Pisan, cuja figura dominou os séculos XIV e XV. Podemos considerá-la a primeira feminista no sentido moderno do termo. Ela lutou pela igualdade dos sexos e pelos direitos da mulher. Pediu a educação igual para meninos e meninas. Em 1405, 30

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escreveu o livro A Cidade das Mulheres, no qual afirma que “homens e mulheres são iguais por sua natureza”. O século XVI foi marcado pela chamada querela das mulheres. Alguns homens se destacaram, nesse momento, defendendo o sexo feminino e seus direitos: Cornélius Agrippa, Guilherme PosteI e François Billon.

4. Renascimento O Renascimento foi um momento de renovação da cultura e da moral clássicas, impulsionando ambos os sexos para grandes conquistas no campo artístico, científico etc. Em vários países da Europa, as mulheres se destacaram. O Renascimento teve seu berço na Itália e ali mulheres como Catarina Cornaro, rainha de Chipre, Jerusalém e Armênia, criou uma academia célebre e rodeou-se de uma corte erudita. Vitória Colona, marquesa de Pescara, e Verônica Gantaria foram outras que se destacaram por sua cultura profunda e exuberante. Assim aconteceu também na França entre princesas e monjas. O nome mais destacado desse período foi Marie de Gournay, considerada filha adotiva de Montaigne. Ela, dois séculos depois de Christine de Pisan, continuou sua luta. Na Espanha, tivemos Izabel, “a Católica”, e Santa Tereza de Jesus. Na Alemanha, foi muito destacada também a questão da mulher. No Renascimento, chegou-se mesmo a se declarar o direito da mulher à instrução. Mas, todas elas, foram mulheres privilegiadas. As das classes média e baixa continuavam analfabetas, e o prazer da cultura lhes era negado.

5. Capitalismo Pré-Industrial A partir de certo momento na história, o status da mulher começa a mudar em função do desenvolvimento da sociedade. O feminismo entra no terreno das coisas possíveis. Os novos acontecimentos obrigam as mulheres a sair do discurso, das polêmicas A história da mulher

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literárias, das ações isoladas para a ação pública, transformando-se em movimento. As mulheres, que haviam sido centro de tantas discussões e tertúlias literárias na Idade Média, entraram em ação. De 1789 a 1891, elas irão participar de duros combates. Nos Estados Unidos da América, o século que antecede o período das revoluções é impregnado de idéias de insubordinação e de transformações concretas na organização social do país. Entra em cena Anne Hutchinson, uma das primeiras vozes da insurreição feminina que a história americana conhece. Ela abalou o dogma calvinista, as discriminações políticas e o conceito de superioridade masculina. Foi a primeira mulher a se interrogar sobre o seu lugar no mundo e a aspirar a uma vida melhor; sua atuação na luta pelos direitos da mulher marca o início de uma nova era. Esse foi um momento de grandes mudanças: desenvolvimento industrial, aparecimento de novas descobertas, de novas organizações do trabalho, maior dimensão das empresas, acelerado ritmo da produção industrial. Afinal, Anne era uma peça de uma revolução mais ampla. Em 1792, na Grã-Bretanha, Mary Wollstonecraft escreve seu famoso livro A Reivindicação dos Direitos da Mulher, expondo e apresentando o início de uma tomada de consciência em relação à luta pelos direitos da mulher. O século XVIII pode ser considerado o século das revoluções e, portanto, o século que marca a intensa participação das massas nos acontecimentos, inclusive das mulheres. Nesse sentido, o fato mais importante foi a Revolução Francesa que representou muitas esperanças para a mulher. Lado a lado com os homens, elas lutaram nos motins e nas barricadas por Igualdade, Liberdade e Fraternidade. Desempenharam grande papel na queda da Bastilha e nos movimentos de rua. Theroigne de Maricot foi uma das heroínas dessa jornada épica. Vitoriosa a Revolução, os resultados para as mulheres não estiveram à altura de seus sacrifícios. Em poucos dias, elas reclamaramos direitos que nunca tiveram durante séculos. Foram à Assembléia Nacional pedir a revogação dos institutos legais que submetiam o sexo feminino ao 32

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domínio masculino. Exigiram mudanças na legislação do casamento. Escreveram abordando temas como trabalho, desigualdade legal e participação política. Mas, os legisladores da República excluíram as mulheres das tribunas da Convenção e lhes negaram o direito de cidadãs. Em vão, o marquês de Condorcet, sábio, homem público, assumiu a defesa das mulheres. Exortou os revolucionários a reconhecerem o direito do sexo feminino à igualdade. E a ampla participação política da mulher na vida pública foi reprimida por um decreto de 1795 da Assembléia Nacional. Encerrou-se, assim, formalmente, a participação feminina na esfera pública, de acordo com as idéias de Rousseau, principal ideólogo da Revolução Francesa. As únicas leis revolucionárias que fizeram justiça à mulher foram a igualdade na herança para ambos os sexos e o divórcio, as quais colocaram homens e mulheres no mesmo plano jurídico. Assim aconteceu porque as mulheres ainda não tinham condições de definir claramente suas reivindicações. E os homens da revolução não chegaram ao ponto de admitir a igualdade das mulheres. Mas o movimento revelou que as feministas foram, ao mesmo tempo, revolucionárias e magníficas. Olympe de Gouges, escritora guilhotinada em 1793 por suas idéias avançadas em relação à mulher, disse: “se a mulher tem o direito de subir ao cadafalso em pé de igualdade com o homem; ela deve igualmente ter o direito de subir à Tribuna”. Ela escreveu a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, em 1791, paralelamente à Declaração dos Direitos do Homem. Ela pede nessa declaração que sejam abolidos todos os privilégios masculinos. No primeiro artigo dessa declaração está escrito que “A mulher nasce livre e vive igual ao homem em direitos”. As distinções sociais não podem ser fundadas a não ser no bem comum. Se, de um lado, a Revolução Francesa não proporcionou grandes saldos à mulher, ela revelou claramente os seus direitos e a luta por sua conquista que adquiriu a partir de então uma forte conotação. Passou a ter força e prestígio.

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6. O Movimento Emancipacionista Na segunda metade do século XIX, o movimento feminista atuou junto ao movimento de mulheres desenvolvendo-se como ações de emancipação, buscando obter a igualdade jurídica (voto, instrução, profissões liberais etc.). Esse movimento se estendeu da Grã-Bretanha a todos os países europeus. E tinha que ser assim. A condição de vida da mulher contrastava muito com os princípios de uma sociedade liberal pregada pela burguesia. Por outro lado, o desenvolvimento industrial exigia a participação das mulheres e crianças. As interdições legais, via sexo, contrastavam com o princípio de liberdade e livre concorrência. Então, Stuart Mill retomou o princípio de Fourrier, segundo o qual “o grau elevado ou o rebaixamento da mulher constitui o critério mais seguro para avaliar a civilização de um povo”. Propôs o fim das desigualdades no seio da família e a admissão de mulheres em todas as funções e ocupações, sua participação nas eleições e uma melhor instrução. Na Itália, Mazzoni, de 1864 a 1920, comandou uma verdadeira batalha pela inserção da questão feminina em todos os problemas italianos (Reforma do Código Civil, Reforma da Lei Eleitoral etc.) Auguste Bebel reformulou a questão feminina no II Congresso Socialista da Mulher, em 1890. Entretanto, apesar desses esforços, a campanha de emancipação não obteve os resultados que dela se esperava. E as feministas que levantavam a bandeira dos direitos de votar, e apresentavam como inspiração maior o direito de instrução, ainda desta vez não souberam dar continuidade à sua luta. Os socialistas utópicos também falharam. Saint-Simon e seus adeptos levantavam a bandeira da mulher livre, tão livre quanto o homem, emancipada, mas apenas na qualidade de ser humano. Não viam os direitos da mulher como esposa, mãe, trabalhadora e cidadã. Eles só pensavam na liberdade sexual, no amor livre. A própria Flora Tristan reconhecia o papel importante da mulher, mas se interessava mais pelos problemas do proletariado.

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7. O Período Reformista O fim da Comuna de Paris e o advento do marxismo inicia a fase reformista do movimento, que se estenderá até os fins da 2a Guerra Mundial. Trava-se, então, um grande debate entre os marxistas que viam a emancipação feminina, dependendo da solução da contradição mulhersociedade, e as feministas que defendiam a contradição homem-mulher como contestação prioritária. Tendo como pano de fundo essa polêmica, as mulheres lutaram e conquistaram uma série de reivindicações no plano de trabalho e dos direitos políticos. A luta pelo sufrágio universal e pela ampliação dos direitos democráticos não incluía o voto feminino. Por isso, essa foi uma luta específica, um trabalho longo e penoso que reuniu mulheres de todas as classes e camadas sociais, demandando muita organização e paciência. A luta nos EUA e na Grã-Bretanha prolongou-se por sete décadas. O movimento das sufragetes constituiu um dos mais notáveis movimentos de massa do século XX. O capitalismo contemporâneo deu ao movimento feminista uma nova cara. No início do século XX foram desenvolvidos e recolhidos muitos temas pela mulher desde a Idade Media: diferença homemmulher proveniente da educação diferenciada; o direito da mulher ao prazer fora do casamento; a libertação da mulher e seu vínculo com a luta de todos os trabalhadores etc.

8 de Março 1910 – A líder revolucionária alemã Clara Zetkin, em Copenhague, fez aprovar no II Congresso Internacional da Mulher, a criação do Dia Internacional da Mulher, em homenagem às operárias norte-americanas assassinadas em 1909 quando lutavam pelo direito a melhores salários e jornadas de trabalho menores, dentre outras reivindicações etc. Com isso, visava mobilizar as mulheres contra a guerra que estava sendo preparada, mas, também, para a campanha pelo direito da mulher ao voto. A partir desta data, a luta das mulheres por seus direitos ampliouse em todo o mundo. A história da mulher

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Quando a guerra de 1914-1918 explodiu, elas ocuparam o lugar dos homens nas fábricas e fizeram greves por aumento de salários e por melhores condições de vida. Após a guerra, o direito de voto foi conquistado em 21 países. As grandes organizações internacionais começaram a defender o direito das mulheres: alocações familiares, igualdade de condições no trabalho, o direito dos filhos ilegítimos.

A Revolução de 1917 Grandes foram as conquistas da mulher russa após a Revolução de 1917. Muitos direitos foram conquistados. Mas não foi uma concessão dos dirigentes do movimento revolucionário. Desde 1907, Alexandra Kollontai já fundara uma organização em São Petersburgo, reivindicando a proteção das trabalhadoras com a abolição do trabalho penoso, antes e depois do parto. A revolução deu os seguintes direitos à mulher russa: seguro-doença, gratuidade dos cuidados durante 16 semanas antes e depois do parto; proibição da dispensa da mulher grávida. Foi suprimido o domínio do marido no casamento e na administração dos bens do casal. O divórcio foi facilitado e desapareceu a figura do filho ilegítimo. Mais tarde, seus direitos minguaram na questão do trabalho. O aborto legal foi abolido (1930), a homossexualidade tornou-se crime; os papéis tradicionais foram restabelecidos. As mulheres com muitos filhos receberam medalhas como mães reprodutoras.

Segunda Guerra Mundial (1939 a 1945) Foi enorme o papel da mulher na frente e na retaguarda das batalhas. Terminada a guerra em 1945, começou a campanha de retorno das mulheres ao lar. Mas isso não foi possível. Intensificou-se, em todo o mundo, a luta das mulheres por seus direitos. Em 1949, surge o livro de Simone de Beauvoir, O Segundo Sexo. Era o aparecimento do feminismo radical contemporâneo. Este livro levou a luta das mulheres em todo o mundo a novos patamares, especialmente na França e nos EUA onde surgiram os movimentos de libertação da mulher. 36

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Em 1963, Betty Friedan lança o livro A Mística da Feminilidade e, em 1970, Kate Millet escreve A Política dos Sexos. Sulamita Firestone, nesse mesmo ano, edita A Dialética dos Sexos. Tais livros colocaram em pauta direitos inovadores das mulheres como o direito ao corpo, o direito ao prazer sexual, entre outros.

8. A Revolução Cultural de 1969 Essa revolução foi o fator de um novo salto das mulheres, em todo o mundo. Foi uma verdadeira revolução das mentalidades. O movimento feminista e as mulheres foram as que captaram melhor a revolta que invadiu as chamadas minorias. Começaram a ruir os usos e costumes tradicionais, a partir dos movimentos dos estudantes na Universidade de Nanterre, na França. “Nada mais pode continuar como antes, o corpo nos pertence”, diziam as mulheres.

1975, ONU decreta o Ano da Mulher De 1975 em diante, várias reuniões sobre a mulher, inclusive importantes encontros de cúpula da Organização das Nações Unidas (ONU), o surgimento das organizações não-governamentais (ONGs) e de uma vasta literatura sobre a mulher elevaram os direitos desta a novos patamares. Não por acaso, a reunião de Viena afirmou que “os direitos das mulheres são direitos humanos”.

9. Os direitos alcançados Síntese dos Direitos da Mulher conquistados através dos milênios: 1) a garantia de sua sobrevivência em épocas remotas da história da humanidade; 2) a defesa de suas posições ortodoxas na Idade Média e a garantia de algumas posições adquiridas anteriormente; 3) o estabelecimento de um debate que trouxe à tona apaixonantes teses e idéias sobre a libertação da mulher e a garantia de seus direitos; A história da mulher

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4) a colocação em pauta da igualdade jurídica da mulher (direitos iguais no trabalho, na família e na sociedade); 5) conquistas de reivindicações pontuais: direito de votar e ser votada; direito a exercer profissões liberais; direito ao salário igual; direito à instrução; direito ao divórcio, direito ao aborto etc. 6) a descoberta de outros direitos relativos ao seu corpo e a sua sexualidade: os direitos reprodutivos, o direito à maternidade como função social, o direito à igualdade na relação de gênero etc. Tantos êxitos nos alegram e nos abrem novas perspectivas. Mas, esses direitos ainda estão ameaçados de retrocessos, de perdas, de extinções porque a guerra contra as mulheres continua. Não por acaso, a IV Conferência da ONU detectou dez áreas* de preocupação em relação à mulher que agem como verdadeiros obstáculos à conquista de sua plena cidadania que, ainda no final do século e na ante-sala do III milênio, apesar dos grandes passos que deu no sentido da conquista de seus direitos, continua presa a papéis tradicionais, ocupando na sociedade um lugar de segunda categoria e separada por um grande abismo da plena igualdade com o homem, o que seria, na prática, a existência de uma real parceria com ele. Ainda são poderosas as forças que trabalham para a manutenção desse status quo. E elas só poderão ser derrotadas e reduzidas a pó quando houver uma real transformação na cabeça das pessoas, uma mudança de mentalidade dentro de um esforço de adaptá-la às grandes transformações ocorridas no mundo nos últimos 30 anos. E esta é uma missão que cabe a todas e a cada uma de nós, onde quer que esteja, no sentido de construir uma nova imagem da mulher, livre de estereótipos e das discriminações da qual ela tem sido vítima durante tantos milênios.

* Nota da editora: as dez áreas de preocupação, detectadas em Beijing, a autora trata no texto seguinte.

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Bibliografia utilizada ANDRÉE, M. História do Feminismo. ARIÈS, P. e DUBY, G. História da Vida Privada – do Império Romano ao Ano Mil, v.1. ___________ . História da Vida Privada – da Renascença ao Século das Luzes, v.3. BEAUVOIR, S. de O Segundo Sexo. DUBY, G. As mulheres do Século XII. DUBY, G. e PERROT, M. História das Mulheres – Antiguidade e Idade Média. EISLER, R. O Cálice e a Espada. KOLLONTAI, A. A Mulher no Desenvolvimento Social. MILES, R. História do Mundo pela Mulher. MURARO, R. A Mulher no Terceiro Milênio. Vários autores. História da Idade Média. VITALE, L. A Metade Invisível da História.

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A Mulher no SĂŠculo XX: sua vida, suas lutas e suas conquistas


A Mulher no Século XX: sua vida, suas lutas e suas conquistas1 O século XX e seus impactos sobre a mulher O século XX foi marcado por importantes acontecimentos, que repercutiram na condição de vida das mulheres no mundo inteiro e no país, determinando seu modo de vida, suas lutas e suas conquistas. Podemos listar: • duas guerras mundiais que exterminaram e mutilaram milhares de seres humanos; • eclosão e vitória da Revolução Russa de 1917; • estabelecimento dos Estados comunistas; • fim dos impérios coloniais; • c riação da bomba atômica com capacidade de destruir o planeta e todos os seres vivos que nele habitam; • o predomínio de duas superpotências mundiais: União Soviética e Estados Unidos da América; •m ais recentemente: eclosão de guerras localizadas, com fortes ameaças à paz mundial (Vietnã, Argélia, Afeganistão, Oriente Médio, envolvendo israelenses e árabes etc.) 1

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Palestra proferida em Santos, SP, 10/12/1992.


• o crescimento da pobreza e da miséria no mundo, com 15 milhões de pessoas, em sua maioria crianças, morrendo anualmente de fome; outros 500 milhões de seres humanos gravemente subnutridos; 35% da humanidade não dispondo de água potável e 40% não tendo acesso a serviços profissionais de saúde. Isso sem nos determos em outros graves fenômenos como o aprofundamento da violência, do uso de drogas pesadas e a poluição ambiental crescente do planeta Terra – nossa casa. Esses fatos concorreram para que importantes personalidades classificassem o século XX de “o mais violento”, “o mais terrível da história”, “o século dos massacres e das guerras”, e assim por diante. Mas, o legado do século XX não pode se resumir à fome, à exclusão de milhões de seres humanos dos benefícios do desenvolvimento, às guerras derivadas da explosão das diferenças. Ele foi, também, o século que, além de gerar tecnologias de grande alcance humano, gestou movimentos sociais que ampliam cada vez mais o conceito de cidadania, com base na releitura dos direitos humanos. Foi o século da emergência da mulher – metade da humanidade – e dos movimentos pacifistas, anti-racistas, ecológicos, por direitos humanos e por novas relações interpessoais, sobretudo, nas últimas décadas. Sem dúvida alguma, a Grande Revolução Russa de 1917 e a organização do campo socialista impulsionaram grandes movimentos contra a exploração capitalista, pela libertação dos povos coloniais e pela criação de novos Estados soberanos. E foi desse imenso turbilhão marcado pelos contrastes que a mulher foi se tornando, não apenas uma grande força produtiva, mas um dos segmentos que mais sofreram os impactos do século que ora finda. O capitalismo em desenvolvimento levou-a em massa para as fábricas, juntamente com seus filhos, como mão-de-obra barata. As guerras acentuaram esse processo, já que ela foi substituir os homens que estavam nos campos de batalha, produzindo armas e alimentos. A mulher no século XX: sua vida suas lutas e suas conquistas

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Mas ela, simultaneamente, foi também para as frentes de luta como soldado nos exércitos regulares ou como guerrilheira nos movimentos de resistência. A vitória da Revolução Socialista de Outubro permitiu que a mulher conquistasse importantes direitos que até então lhe eram negados: divórcio, aborto, legitimidade dos filhos fora do matrimônio etc. No mundo inteiro, ela conquistou o direito político de votar e ser votada, de trabalhar em profissões até então só reservadas aos homens. Invadiu todos os níveis do ensino, tentando aumentar seus conhecimentos. Conquistou formas institucionais de organização (conselhos, ministérios, coordenadorias, assessorias) por meio das quais contribuiu para a elaboração de políticas públicas que lhe abriram portas para uma melhor qualidade de vida. Diante de sua emergência na arena mundial, a ONU e suas organizações realizaram Conferências e Cúpulas Mundiais que muito fizeram avançar esse processo. Não por acaso Fritjov Capra, em seu livro O Ponto de Mutação refere-se ao “lento, persistente e mesmo inevitável declínio do patriarcado em nosso século como obra da mulher em ascensão”. E destacou o movimento feminista como “uma das mais fortes correntes culturais de nosso tempo e que terá um profundo efeito sobre a nossa futura evolução”. Mas ela também não pode escapar às contradições do século em que viveu e, ao apagar de suas luzes, vive um incrível paradoxo. De acordo com as discussões da IV Conferência sobre a Mulher, realizada em Beijing, na China, em setembro de 1985, há dez áreas especiais de preocupação delas que impedem, ainda hoje, que os seus direitos sejam considerados direitos humanos.

As 10 áreas de preocupação, segundo Beijing: 1. Pobreza – As mulheres ainda integram os grandes contingentes de miseráveis no mundo. Não por acaso, diz-se que a pobreza tem cara de mulher. Sem dúvida alguma, é ainda a maior vítima da prolongada crise econômica mundial, dos ajustes estruturais, da ausência de medidas

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governamentais que reconheçam, em suas macropolíticas, a questão de gênero. Elas não têm acesso aos recursos econômicos e enfrentam situações de escassez em sua própria casa, nas quais, muitas delas são chefes de família. 2. Educação e Saúde – Embora se equiparem aos homens em número de matrícula em todos os níveis de ensino, 2/3 dos analfabetos do mundo são mulheres. Nas empresas, elas ganham menos, têm dificuldade de acesso a cargos superiores e realizam a dupla jornada de trabalho. Estão quase excluídas das ciências e tecnologias. A morte materna ainda é um dos grandes flagelos a que a mulher está sujeita. São as maiores vítimas do HIV e de outras doenças sexualmente transmitidas. 3. Violência – São brutais as violências físicas e psíquicas sofridas pelas mulheres. Envolvem espancamentos, mortes, torturas, estupros e outros atos semelhantes. 4. Conflitos armados e outros – As mulheres sofrem, de diversas maneiras, as conseqüências dos conflitos armados nacionais, internacionais e locais (guerras gerais, localizadas, conflitos no campo, lutas urbanas etc.). São refugiadas, torturadas e utilizadas como troféus de guerra etc. 5. Desigualdade econômica – Não participam de decisões econômicas. Geralmente não têm acesso aos meios de produção (terra, capital, tecnologia etc.). Ganham menos que os homens. 6. Desigualdade no poder e na tomada de decisões – As mulheres têm dificuldade de acesso às estruturas de poder e não participam plenamente das funções diplomáticas de alto nível nas organizações internacionais. Não participam de postos de direção. 7. Mecanismos insuficientes para promover a igualdade – Embora criados em muitos países, os mecanismos de promoção de igualdade carecem de recursos financeiros e humanos que permitam alcançar os resultados esperados. 8. Direitos Humanos – As mulheres gozam de importantes direitos na lei, mas estes não são exercidos plenamente por falta de A mulher no século XX: sua vida suas lutas e suas conquistas

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conhecimento das leis vigentes. As resoluções da “Convenção pela eliminação de todas as formas de discriminação jurídica da mulher” não estão garantidas na prática. 9. Meios de Comunicação – Os meios de comunicação apresentam uma imagem distorcida da mulher, refletindo apenas os valores e preocupações dos homens. 10. Meio Ambiente – A responsabilidade da mulher quanto à obtenção da água, do combustível e ao gerenciamento do consumo doméstico deveria fazer com que as mulheres fossem incluídas preferencialmente na garantia da qualidade de vida e sustentabilidade do meio ambiente. Mas isso não acontece.

A mulher brasileira É evidente que o processo refletiu-se no Brasil, embora com características próprias. Na virada para o século XX, o Brasil começava a perder sua cara própria agrária para ganhar uma feição industrial urbana. A implantação da República foi um dos resultados dessa nova realidade. O trabalho escravo foi substituído pelo trabalho assalariado, e as cidades cresceram. A burguesia nascente enricava à custa da exploração da classe trabalhadora e da nascente classe operária, na qual as mulheres já constituíam importante contingente na qualidade de mão-de-obra barata. A Abolição da Escravatura, em 1888, não libertou realmente o povo negro, que viu sua marginalização acentuar-se. Seu trabalho começava a ser executado pelos brancos imigrantes europeus. A mulher negra teve então um papel destacado, garantindo a sobrevivência da família, pois, para ela, era fácil obter um trabalho remunerado. As mulheres, então, eram exploradas nas fábricas e no lar. Por essa razão, elas lutaram por jornadas menores de trabalho e salários melhores, destacando-se as tecelãs. 1906 – realiza-se, no Rio de Janeiro, o I Congresso Operário Brasileiro, no qual ficou aprovada a luta pela regulamentação do trabalho feminino.

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1910 – o jornal Anima Vita, publicado em São Paulo, pedia a regulamentação do trabalho feminino. A professora Deolinda Daltro fundou o Partido Republicano Feminino, defendendo especificamente que os cargos públicos fossem abertos a todos, sem discriminação de sexo. 917 – 100 mil mulheres, lideradas por Deolinda, desfilam exi1 gindo o direito de voto. 1919 – greve de 30 mil têxteis em São Paulo (capital e interior). Mulheres e crianças integravam o movimento, reivindicando jornada de 8 horas, salário igual por trabalho igual. O movimento foi reprimido. Mulheres e crianças foram as primeiras vítimas da repressão. No período, também as mulheres da classe média (em geral, professoras) começaram a movimentar-se. Levantaram a bandeira do voto feminino como um reflexo da mesma luta desenvolvida nos EUA e na Europa. 1920 – a professora Maria Lacerda de Moura, juntamente com a bióloga Berta Lutz fundaram, no Rio, a Liga pela Emancipação Internacional da Mulher, que tinha como tarefa essencial batalhar pela igualdade política. Maria Lacerda lutou também, por meio da revista Renascença, pelo pacifismo, pelo amor livre, pela emancipação feminina, contra o fascismo, que começava a erguer-se na Alemanha, e contra o militarismo que dele emergia. A década de 20 trouxe em seu bojo mudanças políticas, econômicas e culturais muito importantes. A efervescência social e política foi enorme. Aconteceram a Semana de Arte Moderna, a Revolta do Forte de Copacabana, à frente os jovens tenentes e a Coluna Prestes, a fundação do Partido Comunista. As mulheres não foram meras assistentes desses importantes acontecimentos. Anita Malfati realizou desenhos fantásticos, bem distante dos traços acadêmicos. Mulheres ingressaram na Coluna Prestes. As então denominadas vivandeiras serviram de infra-estrutura para os soldados em marcha pelos sertões do país, mas tornavam-se, também, soldados quando a situação assim exigia. Surgiu a Federação Brasileira pelo Progresso A mulher no século XX: sua vida suas lutas e suas conquistas

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Feminino, que impulsionou, entre as mulheres, a bandeira do voto para o sexo feminino. A Federação objetivava: educação da mulher, proteção às mães e às famílias, obtenção de garantias legislativas e práticas para o trabalho feminino, orientação da escolha da profissão pela mulher, estímulo à cooperação e à sociabilidade em torno das questões sociais e das causas públicas. Dar a garantia de direitos políticos à mulher. Depois de 1930, o direito de voto feminino tornou-se realidade. Com a ajuda de Carlota Pereira de Queiroz, primeira mulher eleita constituinte, esse direito foi incorporado à nossa Constituição de 1934. A década de 30 foi marcada pelo ascenso do fascismo no mundo e a eclosão da 2a Grande Guerra Mundial. O fato repercutiu no país. Getúlio Vargas, pouco a pouco, foi se aliando às forças do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), fazendo crescer entre nós o movimento integralista. Nasceu, então, em 1934, a União Feminina, como parte da Aliança Nacional Libertadora, organizada para tentar barrar o fascismo caboclo. O movimento tinha por objetivo derrubar Vargas que se aliara a Hitler. 1935 – os comunistas lideram o levante dentro das Forças Armadas, denominado Intentona Comunista, visando deter o avanço do fascismo interno. O movimento, por falta de apoio popular, fracassou. A ALN foi para a clandestinidade. Centenas de patriotas foram presos e enviados para as prisões. Entre eles estavam mulheres. A líder revolucionária internacionalista Olga Benário, esposa de Prestes e membro da Aliança, foi presa e deportada para a Alemanha, onde morreu em 1942 numa câmara de gás. Esta foi uma contribuição concreta de Vargas a Hitler. 1937 – Um golpe de Estado de Getúlio Vargas eleva-o à condição de ditador do chamado Estado Novo. Embora clandestinamente, as mulheres começam a preparar-se para resistir ao ascenso interno do fascismo. Muitas foram presas, torturadas até à morte, ou então estupradas dentro dos presídios. Com a eclosão da 2ª Guerra Mundial, em território europeu, as mulheres começam a sair das catacumbas da clandestinidade para engrossar as forças políticas que resistiam internamente ao fascismo no 48

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Brasil. Sua luta visava pressionar Vargas para romper com o Eixo, enviar soldados para as frentes de luta no exterior. Para isso, elas passaram a integrar a Liga de Defesa Nacional, apadrinhando os contingentes de pracinhas que o Brasil foi obrigado a enviar à Itália. Muitas seguiram como enfermeiras, com os primeiros contingentes de soldados que deixaram o Brasil. Com a derrota do fascismo em todo o mundo, em 1945 elas criaram no país o Comitê de Mulheres Pró-Democracia, que visava, com outros movimentos, pôr fim ao Estado Novo e suas seqüelas antidemocráticas. Pediam também igualdade de direitos nos planos profissional, administrativo, cultural e político. O processo continuou evoluindo. As eleições foram, então, conquistadas. A Constituição de 1946 não teve a participação, em seu processo de elaboração, de nenhuma mulher. Por isso mesmo, estas tiveram dificuldade em participar ativamente das polêmicas que se travaram em torno do casamento monogâmico e indissolúvel, do divórcio e do reconhecimento dos filhos ilegítimos. A Lei Maior excluiu, também, os analfabetos de votar e sabemos que entre eles havia milhares de mulheres. 947 – ainda impulsionados pelos comunistas, surgem no país 1 a Federação de Mulheres do Brasil e o jornal Momento Feminino, este criado por Arcelina Mochel. Ambos lutavam pela paz mundial, contra a carestia de vida. As comemorações do Dia 8 de Março, que se seguiram, foram servindo de bandeira para sensibilizar, organizar e levar as mulheres à luta por seus direitos e pela democracia no país. A luta pela paz continuava em alta junto às nossas mulheres, que se organizaram para impedir que tropas brasileiras fossem enviadas à Coréia. A década de 1950 foi marcada por grande atividade feminina. As ações havidas combatiam as ameaças de golpe, defendiam eleições democráticas, defendiam a soberania do país contra as ameaças norte­-americanas de abocanhar nosso petróleo e nossas jazidas de areia monazítica. Elas se tornaram nacionalistas de primeira linha. A mulher no século XX: sua vida suas lutas e suas conquistas

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Mas o governo do então eleito Juscelino Kubitschek era dúbio. Jogava de dois lados. A nosso favor e também dos imperialistas norteamericanos. E foi num momento dessa dubiedade que ele cassou não só os direitos da Federação das Mulheres do Brasil, mas, também, de outras organizações femininas democráticas. As mulheres buscaram novas formas de organização como a Liga Feminina do Estado da Guanabara, cujas lutas eram combate à carestia, contra a falta d’água, despejos, defesa da infância e da maternidade, escolas e creches para seus filhos. As trabalhadoras queriam extensão dos direitos trabalhistas às mulheres do campo, a sindicalização da mulher e seu ascenso aos postos de direção. Elas lutavam, também, pela anistia. 1963 – realiza-se, em São Paulo, o Encontro Nacional da Mulher Trabalhadora, no qual foi feita a defesa do salário igual, aplicação efetiva das leis trabalhistas e sociais a favor da mulher. Também a reforma do Código Civil, com a eliminação das discriminações contra a mulher casada, muito discutida. Mas ainda não se lutava por autonomia, controle de fertilidade, aborto, sexualidade. O que veio depois, é melhor conhecido. Depois de várias tentativas, os golpistas subiram ao poder em 1964. As organizações femininas praticamente desapareceram. Os Atos Institucionais (AI) estavam em pleno vigor. As mulheres ficaram profundamente cerceadas em sua capacidade de ação. Para elas, como para todo o povo, fecharam-se as possibilidades legais. Elas passaram a engrossar os partidos clandestinos e os movimentos guerrilheiros que se seguiram em vários pontos do país. As mulheres e seus movimentos só poderiam emergir na década de 1970, com a desagregação paulatina da ditadura, bastante desmoralizada por seus feitos totalmente antidemocráticos. É claro que os acontecimentos que abalaram a França em 1968 produziram ondas que chegaram ao Brasil. As mulheres engrossaram as grandes passeatas que abalaram o Rio de Janeiro nesse ano, exigindo o fim da ditadura e a instalação da democracia. Fundaram, apoiadas pela Igreja, a União Brasileira de Mães para defender seus filhos. Levantaram-se contra a Guerra do Vietnã. Iniciaram movimentos grevistas no Brasil. Defenderam os estudantes presos

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quando se reuniram em Ibiúna (SP) no Congresso Nacional da UNE. Para enfrentar esses movimentos sociais crescentes, o governo militar aprovou o famoso AI-5. O Congresso e as Assembléias Legislativas foram fechados. E as mulheres, de 1964 a 1970, continuaram com muitas dificuldades em sua luta. Carmem da Silva, na revista Cláudia, defendia os direitos da mulher. Beth Friedan veio ao Brasil lançar sua Mística Feminina. No período, desenvolve-se a chamada luta armada, dentro da qual as mulheres participam, embora como infra-estrutura de seus maridos, companheiros e namorados. Muitas morreram lutando pelo que julgavam certo, por isso merecem nosso respeito. O ascenso dos movimentos de massa da década de 1970 encontra as mulheres novamente em ação. Integraram a batalha da anistia ampla, geral e irrestrita. 1975 – as comemorações do Ano Internacional da Mulher ganharam um novo colorido. Com a chegada das primeiras exiladas, que se encontravam no exterior, surgem no país os chamados jornais femininos, fórmulas que ajudam muito no processo de organização e sensibilização da mulher para o trato de suas lutas específicas: Brasil Mulher (1975), Nós Mulheres (1978) e Mulherio (1981) desempenharam notável papel no crescimento das idéias feministas no Brasil, no surgimento de reivindicações específicas como o divórcio, sexualidade, saúde mental, defesa do corpo etc. Com esse sucinto relato tento demonstrar uma única coisa: a mulher brasileira viveu com intensidade todos os acontecimentos que marcaram o mundo e o país no século XX. E muitas de nós, como é o meu caso, fomos moldadas no fogo dessas lutas. Às jovens gerações, que vieram depois de nós, entregamos um legado que, posto na balança, tem um peso incrível. Hoje, temos direito de voto (e somos metade do eleitorado); nossa lei de cotas, aplicada nas últimas eleições, mesmo considerando-se suas falhas, tem permitido o aumento do número de mulheres eleitas. Profissionalmente, estamos ingressando em áreas até agora só reservadas aos homens, como indústria de ponta, Forças Armadas, Polícias Militar e Civil, Corpo de Bombeiros etc. E cresce, cada vez A mulher no século XX: sua vida suas lutas e suas conquistas

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mais, o número de mulheres assalariadas. Mais de 46%, sem levarmos em conta o trabalho não-formal e o trabalho doméstico. Se estes forem considerados, sem dúvida alguma, ultrapassam o número de homens ocupados. Já conquistamos, em todos os níveis de ensino, um lugar igual ou superior ao dos homens. E, pouco a pouco, começamos a sair dos cursos que prolongam na esfera pública o trabalho doméstico (p.ex., professora, nutricionistas, enfermeiras). No campo da legislação, a Constituição de 1988 é uma das mais avançadas no mundo em relação à mulher, graças à luta que travamos nacionalmente. Criamos, por todo o país, órgãos institucionais que participam da elaboração de políticas públicas favoráveis à mulher (conselhos, coordenadorias, assessorias específicas etc.) que, por sua vez, fizeram surgir as Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher, as Casas de Atendimento, os Centros de Orientação etc. Mas, sempre há um mas na história da mulher. Nós também vivemos o nosso paradoxo. Nossos movimentos ainda não conseguiram força suficiente para consolidar e ampliar nossas conquistas, constantemente ameaçadas de retrocesso, a exemplo da licença-maternidade, do aborto, do divórcio. A Santa Igreja, somada aos fundamentalistas, tenta, por todas as maneiras, barrar nossos avanços como, por exemplo, impedindo o aborto às meninas estupradas. Nós mulheres, continuamos trabalhando mais e ganhando menos do que os homens. A dupla jornada continua nos sacrificando até à raiz dos cabelos. Os homens ainda não partilham conosco do trabalho doméstico e da educação das crianças. Na escola, ainda estamos segregadas às carreiras que permitem manter essa dupla jornada: professoras, pediatras, costureiras, nutricionistas, secretárias etc. Crescem os contingentes de mulheres vítimas de HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis; morrem centenas de mulheres em conseqüência da gravidez, parto, pós-parto e abortos clandestinos. E a violência, símbolo do poder do macho, intensifica-se de Norte a Sul do país, tanto no plano doméstico quanto público. Agora, não 52

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somos apenas vítimas de nossos parentes masculinos, mas até mesmo dos representantes das forças que deveriam manter a ordem pública. E isso sem falar nas mulheres que hoje, por diferentes motivos, prostituem-se e ingressam nas fileiras do crime organizado desde a mais tenra idade. Afinal, por que tudo isso acontece? As leis vigentes no país raramente saem do papel para a prática. Por desconhecê-las, a mulher tem dificuldade de lutar por sua implementação. Nossos governantes ainda não incorporaram às suas macropolíticas a questão de gênero. Economia, política, finanças, educação, saúde etc. continuam a ser feitas pelos homens e para os homens. O discurso feminista continua defasado. Sem descurar das questões específicas, elas ainda não sabem bem como ligá-lo aos grandes problemas internacionais, nacionais, regionais e locais. Por exemplo, vivemos hoje a onda da globalização econômica, do neoliberalismo, dos ajustes fiscais que nos atingem mais do que aos homens, dada a nossa situação de ainda segundo sexo dentro da sociedade brasileira. Isto é, sofremos os impostos que todos sofrem, mas um pouquinho além porque continuamos invisíveis para os governos e para a sociedade, reduzidas a uma situação pura e simples de complemento do homem. Temos verdadeira resistência em estudar essas questões para poder ligar as nossas necessidades próprias a essa gama imensa de problemas internacionais e nacionais que a humanidade hoje enfrenta. Os partidos políticos continuam lembrando da mulher no período eleitoral sem apresentarem para ela nenhuma política concreta que a forme como militante e liderança popular e trabalhista ou como quadro dirigente de envergadura. Toda essa situação impede de nos tornarmos agentes econômicos participantes das decisões fundamentais do mundo e do país, nos dias em que vivemos. Finalmente, gostaria de referir-me a uma questão de suma importância. A mulher no século XX: sua vida suas lutas e suas conquistas

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Nós, mulheres feministas mais velhas, que lutamos com garra e decisão para conquistar nossos direitos econômicos, políticos, sociais e culturais, passamos às gerações de agora o fruto de nossas conquistas e experiências desacompanhadas de um trabalho educativo que lhes desse responsabilidade diante do mundo que se transforma, e dentro do qual elas terão que viver continuando a batalha que iniciamos, mas ainda com muito caminho a ser trilhado. Lembro aqui os versos imortais de Antônio Machado quando escreveu: “Caminhante, não há caminho, se faz caminho ao andar”. Por isso, não devemos ficar surpresas quando as jovens de hoje têm como guru a Xuxa. E que, por isso, estão presas aos concursos de top-model, aos concursos de beleza, ao amor livre e descartável. São elas que jogam os filhos recém-­nascidos nas latas do lixo ou vasos de privada e acompanham para dentro dos matos e parques qualquer um que lhes diga que pode transformá-las em mulheres famosas, ganhando dinheiro fácil, quando, na verdade, as ultrajam, carbonizam seus corpos e as transformam num monte de ossos. Aparentemente, usufruem da liberdade que nós, mais velhas, fomos privadas. Mas, a liberdade de nada vale quando não sabemos usá-la convenientemente. Em suma, não soubemos transmitir às jovens gerações a necessidade da responsabilidade, do equilíbrio emocional, da busca de sua identidade que continua ainda perdida, do respeito por si própria e da consciência de seu valor. Pusemos em suas mãos as nossas conquistas e deixamos que elas continuem a fazer o jogo da cabra-cega, sem noção alguma dos perigos novos, dos quais estão rodeadas: a falta de emprego, o avanço da AIDS, as mortes maternas, a falta de conhecimentos de um mundo dominado por novas tecnologias.

A mulher do século XXI Não temos dúvida. O século que se aproxima, considerando-se o nosso passado e o nosso presente trará em seu bojo imensas novidades, para as quais deveremos estar preparadas.

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Mudanças estruturais e rápidas exigirão de nós profundos conhecimentos para enfrentar uma realidade que vai se tornando cada vez mais virtual. Temos que ser rápidas, ágeis e muito inteligentes. Caso contrário, poderemos ser tragadas pelo futuro que mal e pouco conhecemos por meio de futurólogos e audazes projetistas. Seguramente, teremos os filhos de laboratório; mulheres biônicas; casas inteligentes que dispensam o trabalho doméstico e as secretárias, então substituídas por robôs ou secretárias eletrônicas; mulheres infláveis substituindo as verdadeiras; guerra nas estrelas pela conquista de espaços que vão se tornando cada vez menores para uma população que cresce assustadoramente, principalmente nos países atrasados; a utilização do fundo dos mares para a construção de cidades flutuantes; as guerras por água potável já em franco desaparecimento na nossa época. Sonho? Fantasia? Loucura? Tudo isso vai se tornando real à medida que o tempo avança. Mas sabemos apenas que a humanidade marcha por meio dos inventos que ela mesmo idealizou e vem concretizando. Precisamos, no momento, diante dos fatos novos, criar uma nova mentalidade, uma nova cultura, que ponha em primeiro plano o ser humano. E nós mulheres, certamente teremos o nosso papel em tudo isso. No momento, pouco podemos fazer a não ser entender que precisamos, no ano 2000 que se avizinha, buscar os melhores caminhos para consolidar e fazer avançar nossas conquistas. O que significa isso? • C olocar em primeiro plano a questão cultural, educacional, a formação de novas mentalidades. As feministas devem concentrar parte de seus esforços nessa direção, intervindo na educação formal e informal da mulher. Por intermédio de todos os instrumentos possíveis: a escola, as artes e todos os meios de comunicação, principalmente devolver à mulher a sua verdadeira imagem, pondo fim aos mitos e preconceitos que a cercam desde que o mundo é mundo. • Ligá-la cada vez mais às ciências e à tecnologia, aumentando seus conhecimentos nessas áreas para que possa enfrentar as A mulher no século XX: sua vida suas lutas e suas conquistas

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transformações que ocorrem no mercado de trabalho e que tendem a se aprofundar. • Transformar a mulher em verdadeiro agente econômico, fazendo-a participar das decisões econômico-financeiras das quais se encontra praticamente excluída, apoiando com medidas práticas as micro e pequenas empresas, nas quais ela desempenha um papel decisivo. Ela precisa ser preparada para gerenciar essas empresas. Criar instrumentos como bancos da mulher e outros semelhantes para ajudá-la em seus empreendimentos alternativos. • Observar, cada vez mais e melhor, o uso do sistema de cotas nas próximas eleições para aumentar o número de mulheres nos postos legislativos, executivos, administrativos, judiciários, para que ela tenha cada vez mais importantes parcelas do poder onde as grandes decisões são tomadas. • Exigir, por meio dos movimentos de massa, que os governos integrem nas suas macropolíticas a questão de gênero. Tudo isso é sumamente importante para que as mulheres saiam dos contingentes de pobreza, contem com mais apoio à sua saúde, ao seu processo educativo, e tornem-se cada vez mais um ser humano com seus direitos e cidadania garantidos. Afinal, como assinalou a Conferência de Viena em prol dos Direitos Humanos: os direitos da mulher são direitos humanos. Mesmo sem condições de fazer previsões, sabemos que dentro de certos limites, e em linhas gerais, o futuro pode ser forjado, modelado, trabalhado, representando uma criação vital e essencial, muito mais dificil pela necessidade de ser uma obra coletiva de bilhões de pessoas. Sabemos, também, que o futuro que se esboça, projetado nas situações e tendências do presente, só pode ser tempestuoso e obscuro e que, portanto, é preciso corrigir com antecedência todas essas situações e inverter o quadro. Isso exige saber como obter condições favoráveis para o amanhã, a partir do conjunto de atividades e comportamentos dos seres humanos de hoje. E essa evolução deve ser uma realidade cultural. A evolução 56

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genética de outras espécies tem a função de adaptá-las biologicamente, posterior às mutações que se promovem no meio ambiente. Nossa evolução cultural deve ser antecipadora para permitir nossa sobrevivência no tumulto das mudanças que nós próprios desencadeamos continuadamente. Por isso, aqui fica a pergunta: Quem deve fazer o quê e quando fazê-lo para preparar o futuro? É claro que nem todos contribuirão da mesma maneira. Muitos ainda vivem na base da pirâmide, não têm o que comer, e têm menos ainda condições para refletir sobre o que fazer para garantir um futuro melhor para todos. Tal realidade nos obriga a trabalhar para dar aos marginalizados a possibilidade, por menor que seja, para participar do progresso da sociedade. Afinal, o povo será o principal portador do futuro. E ele não pode esquecer que a pressão dos acontecimentos é implacável. A mulher, metade da humanidade, deve integrar as primeiras filas desse processo de construção do futuro. Para isso, deverá ter, cada vez mais, a consciência de si mesma e da coletividade. • Criar um momento de aprendizagem – inovação em bases muito amplas. • Promover e elaborar alternativas do futuro, mobilizando a criatividade das mulheres mais jovens. • Provocar a renovação do pensamento fundamental atual: tolerante com as diferenças e sobretudo voltado para atender não as necessidades do dinheiro, do lucro, da especulação que movem certos setores, e sim as necessidades do ser humano, que deverão ser cada vez mais o centro de nossas lutas quando pensamos na maquete do futuro que se aproxima.

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A Trajetória da Mulher Através dos Tempos e suas Perspectivas para o Século XXI


A Trajetória da Mulher Através dos Tempos e suas Perspectivas para o Século XXI1 Introdução Estamos no limiar do século XXI. A mulher emergente torna­se, agora, motivo dos mais variados estudos. Sua vida, lutas, sonhos, perspectivas para o futuro, preocupam não apenas a nós mesmas, mas a todos os pensadores e pensadoras do planeta que, diante dos graves problemas que o mundo atravessa, concluem, acertadamente, que a colocação das coisas nos seus devidos lugares tem que ser obra de toda a humanidade, sem exclusão alguma. E a mulher é, nada mais nada menos, do que a grande maioria excluída. Sem sua participação, o mundo entrou em desequilíbrios constantes e para reerguê-lo, harmoniosa e equilibradamente, será preciso a integração da mulher no processo de renovação mundial. Esta é a grande tarefa que o movimento feminista tem sobre seus ombros e, para isso, basta que ele próprio se renove e crie condições de voar tão alto quanto possível para colocar so­bre tudo e sobre todos, aquilo que chamamos “um olhar feminino sobre o universo”. O feminista francês Poulain de La Barre assim se expressou em plena Idade Média: “tudo o que os homens disseram ou escreveram sobre a mulher deve ser suspeito, pois eles são ao mesmo tempo juiz e parte”. 1

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1 Palestra proferida no Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo (CECF/SP), 1995.


Por essa razão, hoje, as mulheres reescrevem sua história. E reescrever a história da mulher significa, antes de tudo, desfazer a rede de mentiras que a envolve; significa destruir, desorganizar, desmontar as falsidades que a rodeiam, para que ela, sem a­marras, possa ressurgir das cinzas como Fênix, plena e bela, ostentando sua própria identidade. Minhas colocações são um pequeno esforço nesse sentido.

1. A história da mulher é uma história de opressão e exploração Nestes 3.000 anos, a cultura ocidental e suas precursoras têm se baseado em sistemas filosóficos, sociais e políticos em que os homens pela força, pela repressão direta ou por meio de rituais, tradições, leis, linguagem, costumes, etiquetas, educação e divisão do trabalho determinam o papel que a mulher deve ou não desempenhar, sempre numa relação de subordinação. O poder do patriarcado determinou nossas idéias básicas sobre a natureza humana e nossas relações com o universo. E jamais ninguém havia desafiado esse sistema, pois suas doutrinas eram tão universalmente aceitas que pareciam constituir leis da natureza. Mas, hoje, seu processo de esgotamento revela que ele não é inevitável nem a-histórico. Ao contrário, surgiu em certo momento do desenvolvimento da sociedade e poderá desaparecer quando outro sistema substituir-lhe. Hoje, ele ainda é forte. Mas perde posições à medida que as mulheres emergem no mundo como o fenômeno mais importante de nossa época. O principal autor dessas façanhas é realmente o movimento feminista que no dizer de Capra “apresenta-se como uma das mais fortes correntes culturais da atualidade e que certamente terá forte influência em nossa evolução futura”. A emergência atual da mulher no mundo é o fruto mais maduro de uma longa história de lutas e resistências que atravessam os séculos. Mas, apesar disso, um véu de silêncio oculta essa história em que práticas inovadoras, muitas vezes, precederam idéias e teorias brilhantemente formuladas tempos depois. A trajetória da mulher através dos tempos e suas perspectivas para o século XXI

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Somente agora começamos a contar essa história, de um lado facilitada pelas façanhas da mulher nas últimas três décadas, de outro, pela ação das cientistas feministas. O ascenso da mulher não é um fato predominante e hegemônico. Mas, como se trata de um fenômeno novo está fadado a se desenvolver. Por exemplo: em nosso país, as mulheres já podem ser encontradas com certo destaque na vida pública ocupando espaços no Legislativo, Executivo, Judiciário, Polícias Civil e Militar, Forças Armadas, colégios militares, antigamente, redutos exclusivos do homem. Sua presença está garantida nos movimentos e organizações sindicais, estudantis, culturais e político-partidárias. Sua mobilização pelo desenvolvimento, pela democracia, pela modernização dos costumes em nossa sociedade faz parte de sua prática diária, assim como a participação ativa no mercado de trabalho contribui para o nosso desenvolvimento econômico. Tornou-se personagem importante no esforço hercúleo que a nação vem fazendo para concluir certos processos de transição. Foi uma força destacada nos plei­tos eleitorais passados, elegendo suas representantes para diferen­tes cargos, e na elaboração da nova Carta Magna, aprovada em 1988. Mas, se tudo isso são verdades que ninguém mais pode esconder, temos, também, de reconhecer que, neste final de século, as mulheres continuam sendo um macroproblema não resolvido por uma simples razão: como cidadãs, elas ainda não têm condições de cumprir plenamente os novos deveres adquiridos. E, se assim ocorre, é porque ela emerge na vida pública carregando em suas costas todo o peso dos trabalhos domésticos que até hoje, salvo exceções, os homens não resolveram assumir com ela. Ela continua, na esfera privada, solitária em sua condição de mãe, esposa e dona de casa. E, logicamente, sobrecarregada com duplas e triplas jornadas de trabalho. Assim, não conta com as mesmas chances do homem. Continua, além disso, oprimida nos planos econômico, político e simbólico.

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Plano econômico – em nossas sociedades, as mulheres ainda não têm acesso às mesmas profissões que os homens e não progridem tanto quanto eles quando conseguem varar o reduto profissional masculino. Plano político – elas que, no país e no mundo, constituem mais da me­tade da população, possuem menos de 10% de representantes nas assembléias legislativas nacionais e internacionais. Plano simbólico – cada dia mais, a mídia mostra imagens contrastantes do homem e da mulher. Do homem sujeito e da mulher objeto. Os estereótipos são ensinados desde a mais tenra idade e eles estruturam de antemão a percepção da realidade social de cada pessoa. E este é um fenômeno generalizado. Tanto ocorre no mundo desenvolvido como no Terceiro Mundo. Tanto nos países capitalistas quanto socialistas ou social-democratas, afinal todas elas são sociedades machistas. Essa é a razão pela qual, até agora, os homens dominaram o poder e suas cúpulas hierárquicas. Em raríssimas ocasiões, o mundo gozou de certa harmonia e equilíbrio. Isso só ocorreu quando predominaram as deusas. Nesses momentos, a mulher foi respeitada como ser humano e pôde florescer no trabalho, na cultura e em sua condição de cidadã. Houve mesmo alguns instantes históricos, como o período paleolítico o demonstra, que a mulher foi associada aos poderes que governam a vida e a morte. Mitos e crenças nos falam do período dourado em que pre­dominaram as deusas, muitas das quais são nossas conhecidas como Isis e Nut, no Egito; Lilith no chamado Crescente Fértil; Ceres e Hera, na Grécia antiga; Cibele, em Roma. Riane Eisler em seu livro O Cálice e a Espada nos fala também de Creta, uma pequena ilha do Mar Mediterrâneo onde existiu uma civilização de altíssimo desenvolvimento. A história dessa civilização, que começou há 6.000 anos a.C., revela que a deusa era a suprema divindade. Ali não havia guerras. A economia prosperava e as artes floresciam. Nela havia uma justa divisão das riquezas com elevado padrão de vi­da para todos. Esportes e exercícios envolviam homens e mulheres e eram pratica­dos apenas como divertimento e lazer. O fato é que a parceria igualitária entre A trajetória da mulher através dos tempos e suas perspectivas para o século XXI

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homens e mulheres que caracterizavam a sociedade Minoica está bem ilustrada nos jogos sagrados com o touro em que ho­mens e mulheres jovens aparecem juntos e, confiando um no outro, a­garravam os chifres do animal em posição de ataque e davam um sal­to mortal sobre suas costas. Mas esses foram acontecimentos esporádicos. No geral, o domínio do homem sobre a mulher foi predominante.

2. Hipóteses relativas às origens da opressão e da exploração da mu­lher Existem muitas delas: a tese do natural, do econômico, do sociocultural, da consciência. Onde buscar as raízes mais profundas dessa opressão? Durante milênios, muitos pensadores tentaram responder a essa pergunta e, das hipóteses acima, a defendida e argumentada pelas mais eminentes personalidades do mundo em todas as épocas e a mais conhecida chama-se a tese do natural: A mulher é um ser acidental e falho. (São Tomáz de Aquino); A mulher é um ser destinado ao casamento e à maternidade. (Rousseau); A mulher é pouco dotada de inteligência. (Kant); A mulher é um animal de idéias curtas e cabelos longos. (Schopenhauer) etc. A lista seria enorme. Mas a essência de todas elas é a mesma: a inferioridade da mulher é inerente à sua condição biológica. É mais fraca fisicamente, menos dotada intelectualmente e está fadada a ter filhos. Todos esses argumentos já caíram por terra. A fraqueza física foi posta de lado diante da moderna tecnologia. Sua incapacidade intelectual desapareceu ante as imensas contribuições teóricas que estão dando em todos os campos do saber humano. E a teoria de ser fadada a ter filhos foi desmontada pela descoberta dos modernos anticoncepcionais. Contu­do, muitos pensadores ainda insistem.

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A tese da educação A inferioridade da mulher emana da ausência ou precariedade da educação que recebe. Esta tese foi defendida pelos socialistas utópicos, social-revolucionários da Rússia e mesmo pelas feminis­tas do século XIX. A vida também a inutilizou. Hoje, encontram-se mulhe­res em todos os níveis de ensino. Estão nos centros acadêmicos, culturais, científicos, de pesquisas e nas universidades. Mas essa igualdade com o homem no plano educacional não transformou sua vida pela raiz; deu-lhe apenas mais informações e possibilidades.

A tese do econômico É a tese dos marxistas que dizem que “a questão feminina é uma questão social”. E assim ela seria resolvida junto com a sorte de todos os oprimidos, isto é, pondo-se fim à propriedade privada e às classes sociais. Mas, o que aconteceu no Leste Europeu no so­cialismo dito “real”? Liquidaram-se as classes e a propriedade privada, mas lá a mulher recebeu pequenas dádivas que melhoraram sua situação na sociedade apenas do ponto de vista material. Lá também ela continuou excluída.

A tese do cultural “Ninguém nasce mulher, se torna mulher”, escreveu Simone de Beauvoir, em seu polêmico livro O Segundo Sexo, lançado em 1949. Para ela, todos os seres humanos nascem iguais. Tornam-se diferentes, por força de uma cultura que lhes é imposta desde que se encontram no ventre materno. Essa cultura lhes condiciona a masculinidade ou a feminilidade. Ambas são categorias subjetivas, culturalmente criadas pela sociedade machista. Mas tais categorias nada têm a ver com o sexo de cada um. Essa cultura indica que o homem é o lado positivo da humanidade, e a mulher o negativo.

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A tese do sociocultural Talvez seja a mais correta. É uma espécie de síntese da te­se cultural com a social. Ou seja, significa que a cultura cria os modelos e estes são reforçados pelo tipo de desenvolvimento econômico de cada país, e que acrescenta à opressão o que chamamos de explo­ ração da mulher.

Aparelhos ideológicos A família, a escola, os meios de comunicação, as leis, as ciências, são aparelhos ideológicos que difundem e criam os chama­dos estereótipos que conformam os modelos.

3. A resistência e luta das mulheres para transformar sua condi­ção de vida e recuperar a sua identidade Quase tão velhas quanto sua opressão e exploração, são a resistência e luta das mulheres para recuperar sua identidade e ga­rantir sua libertação como ser humano. Desde a Antiguidade até nossos dias, as mulheres sempre se bateram para sobreviver fisicamente, para defender um lugar que lhes foi escamoteado, para adquirir sua autonomia física e espiri­tual e sua libertação como ser humano. Nesse processo belíssimo, para não submergir de vez, elas conservam o antigo amor à natureza e às antigas formas de compartilhar e não de tomar, de proteção em lugar de opressão, e a visão de poder como responsabilidade e não domínio. Tampouco deixaram que se apagasse o anseio humano pela beleza, a verdade, a justiça e a paz. E, sobretudo, buscaram estruturar novas relações humanas (a começar pela relação homem-mulher) certas de que essas relações afetam profundamente a totalidade do sistema social. Dessas lutas e resistências participaram intelectuais, escravas, monjas, santas, princesas, rainhas, bruxas, camponesas, artesãs, 66

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operárias, mães ou simples donas de casa. Muitas têm seus nomes ligados a fatos de transcendental importância como as Cruzadas, a Revolução Francesa, a Querela das Mulheres, a educação de meninas, a Comuna de Paris, as pri­meiras lutas proletárias do mundo, a luta pelo voto, em defesa da paz, contra o nazifascismo, em defesa da natureza e contra as guerras atômicas. Safo, Olympe de Gouges, Christine de Pisan, Marie de Gournay, Maria Quitéria, Anita Garibaldi, são nomes internacionais e nacionais que passaram à história deixando-nos um rico legado de experiências que hoje avaliamos e consideramos no traçado de nosso futuro.

O papel do feminismo Somente com o aparecimento em cena do movimento feminista, as coisas começaram a mudar e a luta das mulheres a ganhar uma nova conotação. Inicialmente, o feminismo apresentou às mulheres a idéia de que eram necessárias leis que as igualassem ao homem na vida pública e privada. Foi a época do feminismo da igualdade. Igualdade nas relações de trabalho, nas relações familiares, na sociedade. Isso levou as mulheres a conquistas pontuais como o direito a freqüentar todos os níveis de ensino, todos os tipos de profissões, a se divorciar etc. Depois, veio o feminismo da diferença. Isto é, aquele feminismo que trouxe à tona as diferenças entre o homem e a mulher. Afinal, como escreveu Rosiska Darcy de Oliveira: “Não se trata mais de forçar o encaixe ao preço de mutilações. Porque no fundo, a igualdade buscada não passava de um mimetismo. Serem ‘iguais’. Agora, no feminismo da diferença, se trata de criar uma identidade própria: ‘iguais com as diferenças’. Isso impõe a dispensa do arsenal de pa­lavras e conceitos alheios ou que se fale só dos homens que eram os únicos conhecidos, e a criação de novas palavras, novos valores, novos conceitos. Era preciso que as mulheres lançassem um olhar sobre o mundo, e elas ousaram. Primeiro, na literatura no começo do século. Aí elas se refugiavam no imaginário onde a fantasia insubmissa su­pera a descrição do mundo e busca inventá-lo. Depois da arte como fuga, veio o tempo da ciência A trajetória da mulher através dos tempos e suas perspectivas para o século XXI

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como desafio. Até então, esta tinha sido um terreno somente de homens. Elas começaram a escavar o passado retirando de lá toda a contribuição da mulher para a formação da raça humana. Na política, na economia, na filosofia etc. E elas passaram a rejeitar o “eterno feminino” dos poetas. Na prática, por meio de ações alternativas, elas começaram a escrever a sua cultura e a sua ética; e o feminismo tornou-se uma ação inventiva, desorganizadora e construtiva ao mesmo tempo.”

O feminismo da parceria Mas hoje ocorre um fenômeno. O feminismo está meio perplexo diante das imensas transformações pelas quais passa o mundo, e com certas dificuldades de adaptar-se a elas inventando um novo discurso mais coerente com nossa época. Seu discurso está um tanto quanto defasado. Hoje não basta marcar a diferença, con­quistar a identidade própria numa sociedade de homens, e as tentativas para abolir a dominação do sexo são poucos. É preciso, simultaneamente, lutar para abolir as relações de dominação de classe. É preciso também que as mulheres apresentem um novo modelo de sociedade. Sem ficar no puro palavreado de que vivemos num “pósfeminismo”, certas mulheres feministas da vanguarda buscam adaptar seu discurso às novas realidades em que vivemos. Mas isso não é muito fácil! Após 5.000 anos de vida numa sociedade dominadora, torna-se extremamente difícil imaginar um mundo diferente, uma sociedade cujos alicerces sejam a justiça, o humanismo, a igualdade de todos os seres humanos. Essas mulheres maravilhosas com seu papel desbravador, suas idéias de vanguarda, não apenas tentam esculpir a maquete desse mundo novo, mas vêm lutando por ele, passo a pas­so, por meio de milhares de ações alternativas que demonstram a possibilidade de realizar seus sonhos. Com isso, começaram a demolir, a destruir, a desorganizar o sistema patriarcal – base das so­ciedades “ditas civilizadas” e “modernas” de nossa época. Elas tecem a seu modo uma nova cultura e uma nova ética por meio de transgressões contínuas ao domínio masculino milenar.

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Não por acaso o grande pensador Fritjov Capra afirmou: “Entre as grandes transições de nossa época, a primeira delas e talvez a mais profunda deve-se ao lento, relutante, mas inevitá­vel declínio do patriarcado”. E, a seguir, após considerar o papel do movimento feminista neste feito, acrescenta: “o movimento feminista é uma das mais fortes correntes culturais de nosso tempo e terá um profundo efeito sobre a nossa futura evolução”. Mas não basta destruir; é preciso criar um novo modelo, um novo sistema que substitua o patriarcado. E, conseqüentemente, um novo tipo de sociedade. Eis que chegamos a uma encruzilhada em nosso processo evolutivo. A tarefa humana central, hoje, consiste em saber como organizar a sociedade de forma a promover a sobrevivência de nosso planeta ameaçado, de nossa espécie e o desenvolvimento das potencialidades que só a nós pertence. A sociedade machista não pode corresponder a tal exigência em razão da ênfase que ela dá às tecnologias de destruição, da sua dependência da violência como forma de convivência social das tensões engendradas cronicamente por um modelo dominador-dominado nas relações humanas no qual se baseia. Somente uma nova sociedade de parceria nos oferece uma alternativa viável. A questão é saber como chegar lá. Muitos cientistas começaram a questionar os modelos de realidade predominante e apresentam como solução a luta por uma nova visão de mundo, por meio de mudan­ça de mentalidade, ou seja, de um novo paradigma. Trata-se, por­tanto, de uma verdadeira revolução das consciências, a passagem de uma consciência machista para uma outra de parceria. As feministas sobre as quais falei fazem parte desse grupo. E os caminhos que hoje elas já seguem, nesse sentido, são vários: • denunciam como “assassinos” aqueles que até agora foram considerados heróis pela cultura vigente: Teseu, na Grécia antiga, Rambo e James Bond, em nosso mundo de hoje, por exemplo;

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• buscam novos modelos de psiquê humana. O antigo modelo freudiano que via os seres humanos, principalmente, em termos de im­pulsos elementares (necessidade de alimentos, sexo, segurança etc.) vai sendo substituído por modelos como os de Jung que, embora reconhecendo os seres humanos como portadores dessas necessidades básicas, considera também que eles possuem níveis mais elevados de necessidades, de “crescimento” ou “realização” que os distinguem dos outros animais; • batalham nas escolas por um ensino sem discriminações en­tre meninos e meninas, brancos e negros, pobres e ricos etc. Ou seja, por uma educação não-diferenciada e pela formação de um ser humano autônomo e independente; • buscam reconhecer o trabalho doméstico como trabalho cujo valor deve ser considerado pela economia política; • transformam em ações contínuas o privado em público; • exaltam o amor, a afetividade, o humanismo, como partes inerentes da filosofia; • geram rendas que contribuem para o bem-estar de toda a comunidade e não agridem o meio ambiente.

IV. Perspectivas do feminismo no século XXI Tudo isso somado, deixa claro que nada melhor do que o feminismo para ajudar na construção de um caminho diferente para a hu­ manidade. Afinal, pela primeira vez na história, uma força organi­zada se apresenta com capacidade prática e teórica de enfocar com mais ênfase os relacionamentos do que as hierarquias. Pois, como sabemos, elas são mais intuitivas e por esta razão tendem a ti­rar conclusões de uma totalidade, e não por meio do pensamento lógico e gradativo. E isso é o que devemos tentar. As boas perspectivas do movimento feminista rumo ao século XXI passam por coisas muito importantes como: • a redefinição do que seja o poder; 70

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• a redefinição do que seja Estado; • a redefinição do que seja desenvolvimento. Entendemos o desenvolvimento como avanço de um povo no sentido de sua libertação. Sabemos que a história apresenta grandes transformações tecnológicas (que chamamos de progresso). Mas estas ocorrem sempre dentro de uma perspectiva que não é cultural. Vemos que a passagem da era clássica para a cristã e, mais recentemente, para a era secular ou científica, tem representado apenas mudanças no interior do sistema machista de um tipo de sociedade dominadora e autoritária que trava, em muito, a evolução cultural dos povos. Isso não aconteceria se a sociedade se baseasse na parceria entre homens e mulheres. Exemplo: o custo do desenvolvimento de um míssel balístico poderia alimentar 50 milhões de crianças, a construção de 160 mil escolas e a abertura de 340 mil centros de saúde. O custo de um submarino nuclear equivale ao orçamento anu­al para a área de educação de 23 países em desenvolvimento, em um mundo em que 120 milhões de crianças não dispõem de escolas para estudar e 11 milhões de bebês morrem antes de completar um ano de vida. Esses altos custos tecnológicos poderiam servir à abertura de novas oportunidades para milhões de pessoas hoje condenadas a viver na misé­ria e na ignorância (Relatório Anual de Despesas Militares e Sociais do Mundo, de Ruth Sivard). Precisamos dizer que tipo de governo precisamos. Isto é, um governo que priorize o social e utilize nossos avanços de know-how tecnológico para fins mais nobres. A tecnologia avançada na destruição e na dominação deve transformar-se em meio de aprimoramento da vida humana. É preciso livrar o mundo da guerra, da fome, da destrui­ção ambiental (poluição, degradação, escassez de energia), da agressão à criança, da desvalorização a todas as formas de cultura até agora criadas, do desrespeito a todas as formas de expressão afetiva e de a­mor. Queremos uma sociedade em que homens e mulheres floresçam igualmente como seres humanos participantes e criativos. Uma sociedade assim, justa, humana, igual, será fruto de um sistema de parceria, de novas relações entre todos os seres humanos e entre estes e a natureza. A trajetória da mulher através dos tempos e suas perspectivas para o século XXI

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E esta nova sociedade só pode ser desenhada por meio de um enfoque ecológico do mundo: global, sistêmico e holístico. Dentro de tudo isso é que vemos as imensas perspectivas es­ tratégicas e táticas do feminismo atual rumo ao século XXI. Prefiro chamá-lo de feminismo de parceria e não de pós-fe­minismo.

Bibliografia Consultada CAPRA, F. O Tempo de Mutação. GODELIER, M. As Relações Homem e Mulher: o problema da dominação masculina. OLIVEIRA, R. D. e Calame, M. A Libertação da Mulher. OLIVEIRA, R. D. “Territórios do feminismo” in A Transgressão do Feminismo.

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A Mulher na Hist贸ria do Brasil


A Mulher na História do Brasil1 Introdução De início, caberia uma pergunta: Por que discutir a história da mulher, aqui neste momento, quando vivemos hoje realidades tão diferentes daquelas que nossas avós e bisavós viveram no passado? O que é uma história da mulher? Como defini-la? Por que devemos estudá-la? Acho que o tema é importante por duas razões essenciais. Inicialmente: “No teatro da memória, as mulheres são sombras tênues”, escreveu a escritora francesa Michèle Perrot. Em outras palavras: por muitos séculos, as mulheres foram deixadas na sombra da história. A narrativa histórica tradicional reserva-lhe um espaço exíguo, justamente na medida em que privilegia a cena pública: a política, a guerra, em que elas pouco aparecem. Mas, além de ausentes, elas são mal interpretadas nesses estudos históricos. Não podemos esquecer que os homens, como transmissores tradicionais da cultura na sociedade, incluindo o registro histórico, veicularam aquilo que consideravam e julgavam importante. Na medida em que as atividades femininas se diferenciam das suas, elas foram consideradas sem significação e até indignas de menção. Perrot cita por exemplo que a “A estatutária, mania cara à Terceira República, semeou a cidade com silhuetas femininas, porém elas aparecem sempre como alegorias ou símbolos. Elas coroam os grandes homens ou se prostram aos seus pés relegando, um pouco mais ainda ao 1

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Palestra proferida na Praia Grande, SP, 12/12/1992.


esquecimento, as mulheres reais que os amaram e as mulheres criadoras, cujas efígies lhes lançariam sombras.” Somente nas últimas décadas, essa falha começa a ser corrigida. As mulheres começam a emergir de um passado longínquo graças ao desenvolvimento da antropologia e da atenção dada ao tema da família, aos acontecimentos locais, à afirmação da história das “mentalidades” que marcam o cotidiano, o privado, o individual. Mas foi, sobretudo, o movimento de mulheres, que pôde trazê-las ao pródomos da história, apresentando algumas interrogações sobre seu passado e seu futuro. Dentro e fora das universidades, as mulheres realizaram pesquisas para compreender a raiz do domínio súbito e significativo das relações entre os sexos através do tempo e do espaço. Portanto, não pensem que ao falar na história da mulher, o fazemos para expressar nossa capacidade evocativa. Mas, sim, por querermos livrar a mulher de sua condição de objeto da história, tentamos compreender sua condição de vida, o seu papel e o lugar que ocupa na sociedade, o seu poder, o seu silêncio, a sua palavra. O que queremos é reconhecer na mulher a variedade de suas representações estereotipadas: deusa, madona, prostituta, bruxa, sempre em contínua transformação. Trata-se de “Uma história de relações, que põe em causa toda a sociedade e que é a história da relação entre os sexos e, ao mesmo tempo, a história do ser humano.” Essa história longa, da colônia aos nossos dias, é que tentaremos em seguida resumir. A outra razão para falarmos da história da mulher é porque sem ela o presente e o futuro não poderiam existir. Afinal, nada começa do nada. Todas as coisas têm uma origem, uma gênese, uma história. Por exemplo, hoje, diante de um mundo em total transformação e em que crises se somam e se entrecruzam formando um todo único, todos procuram localizar as raízes do quadro em que vivemos. Uns dizem que o culpado de tudo é o capitalismo, outros insistem que é o socialismo, outros ainda que é o paradigma industrial ou então a visão científica do mundo. Outros culpam o humanismo, o feminismo e até o secularismo. E muitos insistem na volta aos “bons tempos” de uma época mais religiosa, mais simples, mais modesta, mais calma. Mas Riane Eisler, em seu livro O Cálice e a Espada escreve: A mulher na História do Brasil

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“...se olharmos para nós mesmos, veremos que se hoje capitalistas e comunistas estão empenhados na corrida armamentista e em outras irracionalidades que nos ameaçam e ao meio ambiente; se olharmos para o passado, veremos que os massacres rotineiros realizados pelos hunos, romanos, vikings e assírios, ou as mortandades cruéis das cruzadas cristãs e da ‘inquisição’, quando as mulheres foram as grandes vítimas, veremos que existiu ainda maior violência e injustiças nas sociedades mais simples e mais pré-científicas e pré-industriais que nos precederam.”

Já que retroceder não é o caminho, como prosseguir para avançar? Daí porque o passado se reveste de tanta importância para a compreensão do presente e do futuro.

Dificuldades práticas na pesquisa do passado Não é fácil reconstruir o passado mais remoto e, às vezes, nem mesmo o mais próximo. Além do fato de que a história, como vimos até agora, foi escrita pelos homens e eles nos excluíram de tudo, faltam registros e informações sobre as mulheres. As fontes são escassas. O material dos arquivos e documentos oficiais enfatizam quase que exclusivamente os acontecimentos dos quais participaram os homens. Outra dificuldade de nossas pesquisas sobre a mulher é o fato de que, até recentemente, elas foram realizadas com a metodologia, conceitos e linguagem dos homens. Nossas primeiras pesquisas relativas às lutas das mulheres, baseiam-se na busca das mulheres “importantes”, omitidas pela história tradicional. Segundo o enfoque masculino, as mulheres deveriam ser unicamente percebidas quando surgissem em papéis que lhes eram atribuídos pela sociedade dominada e definida pelo homem, ou quando elas, eventualmente, surgissem em papéis reservados aos homens. Portanto, a primeira tentativa de escrever a história das mulheres consiste em ajustá-la às categorias existentes na história cronológica. Logo, essa abordagem fala-nos mais de mulheres notáveis, excepcionais, do que da massa de mulheres na história.

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É também preciso considerar que a história foi escrita pelo homem de elite, o homem das classes dominantes e a serviço delas. E estes sempre esconderam os relacionamentos entre as camadas mais desprivilegiadas da sociedade e os homens que as dirigiam. Assim, as relações entre índios, negros e brancos nunca ficaram bem claras. Por isso, principalmente no período colonial, as mulheres aparecem tão pouco. Elas eram negras, escravas, índias e brancas prostitutas. Só com a chegada da mulher branca das classes dominantes, que antecede a chegada da corte de Portugal (criação do Reino Unido, em 1808), se consegue alguma documentação referente à mulher. Mas a história da mulher só pôde começar a ser verdadeiramente contada quando ela própria começou a escrever em revistas e jornais dirigidos ao público feminino, o que só ocorreu em 1850 e até à conquista do voto feminino em 1934. Há registros da história mais recente, datados do início do processo de industrialização, nos primórdios deste século. Essa época é acompanhada do aparecimento dos movimentos femininos que caminham paralelamente: sufragistas, tecelãs, costureiras, grevistas. Mesmo assim, temos que nos apoiar em depoimentos de viajantes, em depoimentos pessoais e, mais recentemente, em jornais e revistas já criados por mulheres.

A história da mulher no Brasil Passado longínquo – consideraremos como aquele que inclui o período colonial (1500-1822), o período imperial (1822-1889) e o início do período republicano (Primeira República, 1889-1930). Nesse período, o país foi dominado pelos portugueses que o descobriram e pela oligarquia cafeeira formada no país com base em ciclos econômicos que passaram por produtos como o açúcar, algodão, tabaco, cacau, até chegar ao café. Passado próximo – trata-se dos tempos que vão de 1930 até 1945, mais ou menos. Sobre esse período, passaremos muito rápido porque é o nosso tempo, o tempo de nossas mães. Falaremos dele apenas para não perder o fio da meada da história da mulher. Ele começa quando, em 1930, os oligarcas do café são obrigados a ceder seu espaço político, econômico, cultural à burguesia nascente como fruto do desenvolvimento industrial do país. A mulher na História do Brasil

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Afinal, a história da mulher se desenvolve dentro de um contexto real que não pode ser desvinculado dela. O pós-1945 já é o presente. Refiro-me a ele apenas para compor um quadro completo da realidade que iremos analisar. Os portugueses aqui chegaram em 1500 dispostos a explorar ao máximo nossas riquezas minerais, vegetais e a mão-de-obra escrava do índio brasileiro. Trouxeram em sua bagagem não apenas a catequese forçada, mas, inclusive, todo o sistema patriarcal imperante em Portugal com seus usos, costumes e comportamentos arcaicos. Essa sociedade, segundo Gilberto Freire, em Casa Grande e Senzala, poderia assim ser definida: “base econômica: agricultura. As condições: estabilidade patriarcal da família, a regularidade no trabalho por meio da escravidão, a união do português com a mulher índia, incorporada assim à cultura econômica e social do invasor”. Neste quadro, viveria a mulher brasileira: primeiro, a índia, depois as primeiras brancas e, finalmente, a negra escrava vinda dos confins da África. Sua situação era de submissão e humilhação constantes. Exerciam as funções de objeto sexual dos homens, parideiras e burros de carga, tanto nos serviços domésticos, como nas zonas rurais. As índias serviram para esposas, concubinas e empregadas domésticas. As brancas, primeiro para prostitutas, depois para mães, esposas e donas de casa sem direito algum de escolher marido, de andar sozinhas nas ruas ou de desenvolver atividades independentes fora de casa. Sabiam apenas organizar a cozinha, comandar os escravos, fiar, tecer, fazer rendas e bordados. Se se rebelavam contra sua sina, iam direto para o convento, no qual também terminavam aquelas que não se casavam. Sua instrução era mínima: o suficiente para rezar o missal e ler receitas para fazer as geléias caseiras. Por isso, em geral, eram tímidas, ignorantes e submissas ao homem. E assim ajudavam a manter o status quo, transmitindo muito atraso para seus filhos. A negra foi o melhor instrumento de trabalho e o melhor instrumento de prazer sexual para o homem branco. Podia até mesmo ser alugada a outros senhores. Ficando ao lado dos colonizadores ou daqueles que lutavam contra eles, todas as mulheres foram esquecidas pela história. Se algumas delas destacaram-se na historiografia tradicional, aparecem 78

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sempre envolvidas por “qualidades” como a loucura ou a prostituição que servem para desvalorizá-las. Bárbara Eliodora, Dona Beja, Chica da Silva, Marília de Dirceu são algumas dessas discriminadas. Mas, mesmo nas classes dominantes, algumas se destacaram. Ana Pimentel, esposa de Martim Afonso de Souza, donatário de 100 léguas da costa brasileira. Ana foi quem, na prática, assumiu as rédeas do governo da Capitania de São Vicente, quando seu marido retornou a Portugal, deixandoa como procuradora de seus negócios no Brasil. Ela foi uma grande administradora e aquela capitania se tornou uma das mais prósperas da época. Brites de Albuquerque, esposa de Duarte Coelho Pereira, outro donatário, foi mulher que se destacou administrando, com êxito, a Capitania de Pernambuco, durante anos. Mas, houve outras mulheres. Elas estiveram presentes nas bandeiras, sobretudo nas maiores que se internavam pelo interior do país, em busca de índios para o trabalho, ouro e pedras preciosas. Maria Dias Ferraz do Amaral foi uma dessas mulheres. Acompanhou o marido nas viagens fluviais por Goiás quando lavava, cozinhava, cozia e atuava como enfermeira. Porém, ao lado dos homens, lutou duramente no confronto da bandeira com os caiapós. Recebeu o título de heroína do Capivari. Antonia Ribeiro organizou e sustentou uma bandeira na qual engajou seus filhos. De grande importância histórica foi a resistência das mulheres à invasão dos holandeses no país, no início do século XVII. Essa resistência ocorreu na Bahia e em Pernambuco. Maria Ortiz, mulher do povo, moradora do Pelourinho, em Salvador, jogou água fervendo janela abaixo queimando vários dos inimigos batavos e instigou os soldados à luta, fornecendo-lhes armas. Saltando-se daí para a Inconfidência Mineira, uma das primeiras lutas para libertar o país do jugo português, vamos encontrar Bárbara Eliodora que participou do movimento antilusitanista. A pernambucana, Bárbara de Alencar, viveu no Ceará, onde envolveu-se com dois de seus filhos e um irmão, na conspiração republicana deflagrada no Nordeste em março de 1817. Ana Lins organizou um assalto à prisão, liberando familiares e amigos. Foi presa, em 1824, pelas forças monárquicas durante a Confederação do Equador. Nas guerras da independência, destaca-se a notável figura de Maria Quitéria, nascida nos sertões da Bahia, em 1792. Sabia usar A mulher na História do Brasil

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armas de fogo, vestiu-se de homem e alistou-se nas fileiras das tropas que combatiam os portugueses. Foi promovida a cadete e condecorada após vários combates. O período regencial foi marcado por muitas revoltas regionais. Nesse momento, destaca-se a figura de Anita Garibaldi, que participou de combates navais e terrestres durante a Guerra dos Farrapos. Na guerra entre o Brasil e Paraguai, aparece Ana, mulher negra, escrava, que acompanhou o Exército, na condição de enfermeira. Chica Biriba que também participou de combates. Maria da Conceição tinha pouco mais de 13 anos quando seu marido se alistou como soldado, vestiu-se de homem e lutou. Foi chamada de Maria Curupaiti. A partir da década de 1870, acelera-se, no país, a campanha pela Abolição e pela República. Chiquinha Gonzaga brilha, nesse período, fazendo incursões antimonarquistas em locais públicos. Finalmente, gostaríamos de nos referir à conquista do voto iniciada no Império e que terminou em 1934, mais de 40 anos depois, mobilizando mulheres em vários segmentos da população.

Que conclusão poderíamos tirar da história da mulher nesse período inicial da civilização brasileira? 1. As mulheres tiveram, no processo, uma participação interessante, mas com certas características próprias da época: • houve incidência muito grande de mulheres que acompanharam o marido e o filho em suas ações, além disso, cabe assinalar que continuaram desempenhando no campo de batalha, funções consideradas femininas e que, por isso mesmo, são pouco revolucionárias, pois reforçam comportamentos tradicionalmente femininos de abnegação e dedicação ao próximo; • por outro lado, destacam-se as ações de tipo individual, pessoal, de andorinhas que fazem sozinhas o seu verão; • as questões referentes à mulher propriamente dita, praticamente não estão em pauta. Ela luta contra os portugueses, os holande-

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ses e toda a sorte de invasores, pela independência do Brasil de Portugal, pela Abolição e pela República; • suas ações são isoladas e intermitentes. Mas, considerando-se tudo isso, temos de ver que tais ações constituem a gênese do que seria, num futuro distante, o movimento de mulheres em suas mais variadas formas. Rejeitar essas formas de luta seria relegar a um segundo plano e tornar mais invisível ainda o importante papel de provedora que a mulher realiza há séculos. E, convenhamos, não seria muito menos arriscado ficar em casa cuidando de toda a infra-estrutura do lar do que correr o risco de perder a vida num campo de batalha? 2. Outra questão a assinalar refere-se à origem social das mulheres citadas, lembrando, inclusive, que muitas delas foram senhoras de escravos e representantes dos interesses das classes dominantes. Mas, isso não ocorreu por acaso. Queremos dizer que até as mulheres vindas da elite têm sua atuação não apenas desconhecida, mas também desprezada, e estão fora dos manuais que reproduzem a história oficial.

Luta contra a escravidão e abolição da escravatura Deixamos para o fim, por sua importância, a luta contra a escravidão e pela abolição da escravatura ocorrida no período, importância que advém do fato de que aí já havia certos grupos organizados para travá-las. E, principalmente, porque eles envolvem um grande contingente até hoje não atendido em suas necessidades básicas: a mulher negra. Na época colonial, elas foram importante instrumento de trabalho, sobretudo no campo em que realizavam todos os tipos de atividades. Cultivavam a terra. Usavam foice e enxada como os homens. Faziam feixes de cana; nos engenhos colocavam a cana-de-açúcar para moer e tiravam os bagaços. Muitas vezes, fatigadas, tiveram as mãos presas e decepadas pelos engenhos. Nas pequenas propriedades, elas participavam do desmatamento e corte de lenha. Eram empregadas na manufatura do açúcar, no descaroçamento do algodão, no beneficiamento da mandioca, na limpeza da roça de milho, na colheita de produtos silvestres e na ordenha. As mais velhas cuidavam dos galiA mulher na História do Brasil

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nheiros e colhiam café. Trabalhavam em jornadas de 12 a 15 horas. Em muitos engenhos, elas eram encarregadas da enfermaria da senzala, dos partos e do tratamento dos escravos doentes e acidentados. Por suas atividades, tinham grande mobilidade. Aproximavam-se da casa grande, usufruindo dos privilégios dos escravos domésticos, quando não se tornavam um deles. Muitas saíram do campo para amamentar o filho do senhor. Por meio da casa grande, elas ficavam sabendo o que ocorria além dos limites do engenho e da fazenda porque escutavam as conversas dos patrões. Como serviam os hóspedes e visitantes, também recebiam deles informações que depois usavam para sua alforria ou na luta contra a escravidão. Também desenvolviam um comércio informal, vendendo de tudo: frutas, verduras, cigarros, velas produzidas em casa por elas ou com suas senhoras. Isso possibilitou que muitas pudessem se alforriar. As quitandeiras e vendedoras tinham um grande prestígio na comunidade sendo valorizadas por seus conhecidos e experiências. Benziam, rezavam, ofereciam chás de ervas. Mantinham contato com escravos fugidos, mais tarde tornaram-se intermediárias dos quilombos, vendendo o produto por eles roubado e comprando tudo o que os quilombos necessitavam para sobreviver. Aqualtune, ligada à luta dos Palmares, mãe de Ganga Zumba e avó de Zumbi; Teresa, rainha do quilombo Quariterê, que ela dirigiu; Zeferina, do Quilombo de Urubu, são nomes que jamais esqueceremos. Nas últimas décadas do século XIX, quando o movimento, agora abolicionista, chegou às ruas, quitandeiras e vendedoras ambulantes já há tempo atuavam, como foi o caso de Adelina Charuteira, no Maranhão. Ela fabricava charutos e informava os abolicionistas dos planos dos escravocratas, ajudando dessa forma a fuga dos escravos. Elas também trabalhavam nos garimpos, carregando gamelas com cascalhos, batendo ouro e fazendo o pequeno comércio de gêneros alimentícios e comidas prontas. Jacinta de Siqueira descobriu a zona aurífera de Quatro Vinténs, no Serro Frio. Em resumo, elas foram importante veículo para agitar a luta contra a escravidão, transmitindo informações, socorrendo negros fugidos, alforriando outros e mesmo integrando os quilombos. Para as mulheres, a participação no movimento abolicionista, três séculos após, talvez tenha sido a primeira experiência de militância política

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organizada, nacionalmente. Foi aí que muitas se iniciaram na política, o que lhes deu experiências para enfrentar, depois, a batalha do sufrágio feminino e os movimentos contra a carestia do começo do século XX. Essa luta eclodiu no final do Império e se desenvolveu por vários centros urbanos. Muitas mulheres organizaram centros abolicionistas por volta de 1860: a Sociedade de Libertação, instalada no Rio, em 1860; a Sociedade Redentora, fundada em 1870; a Ave Libertas, criada em 1884, em Recife. Elas pertenciam à parcela das classes dominantes que procurava garantir a direção do movimento, até então nas mãos dos negros, que nele já lutavam por três séculos. Também, na campanha abolicionista, as mulheres se mantinham em seu estado de subordinação. Elas trabalhavam em atividades que garantiam a infra-estrutura da campanha, como vender flores, frutas, tocar piano e cantar em festas em prol do movimento. Poucas mulheres falavam em público sobre seus ideais. Mas, os jornais de mulheres falavam da abolição. Uma das pioneiras feministas no Brasil, Nísia Floresta Brasileira Augusta, foi a primeira a ligar a abolição da escravatura a propostas como a educação da mulher, sua emancipação e a instauração da República. Era professora e traduziu para o Brasil o livro de M. Wollstoncraff Direitos das mulheres e injustiças dos homens, em 1852; Firmina dos Reis escreveu o livro Ursula, em 1859, exposto no Museu de Cultura Negra, no Maranhão, sua terra natal, considerado o primeiro romance abolicionista brasileiro, escrito por uma mulher. Narcisa Amália, nasceu em 1852, em São João da Barra, no Estado do Rio. Era professora primária e se destacou pela intensa participação na imprensa. Escreveu vários artigos em defesa da abolição da escravatura e denunciou a situação da escravidão em que vivia a mulher no Brasil. Luiza Mahin, negra e escrava, mãe do poeta Luiz da Gama, participou da grande Insurreição e Revolta dos Malês, última das grandes revoltas negras ocorridas em 1835, na Bahia. Finalmente, Chiquinha Gonzaga autora da marchinha Ó AbreAlas, em 1899, casou, teve filhos. Separou-se quando teve que escolher entre o marido e o violão, porque optou pelo violão, a música e a política. Em meados do século XIX, ocorrem novidades: as mulheres criaram no país diversos jornais por elas editados. Eles eram estimuladores e A mulher na História do Brasil

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disseminadores de novas idéias. Os jornais Senhoras, Belo Sexo, Sexo Feminino e O Eco das Damas já abordavam temas ousados como defesa da maternidade, direitos e aptidões das mulheres, até conselhos sobre saúde, cuidados domésticos, noticias da moda e teatro. Publicavam contos e poesias. Alguns deles começaram a defender a educação da mulher. De 1898 a 1900, circulou na cidade de São Paulo a revista A Mensageira, dirigida pela poeta Presciliana Duarte de Almeida. Ela é fruto de um momento bem determinado da história da mulher no Brasil, quando o feminismo se gestava ainda apenas como idéia e abria seu caminho numa sociedade conservadora e preconceituosa.

Primeira República Depois, chegou a vez da República: 1889 a 1930. Já na virada do século, o Brasil apresentava uma nova fisionomia. A República se implantou, o trabalho virou assalariado, as cidades cresceram. E a burguesia cada vez mais enriquecia às custas do suor e da exploração dos trabalhadores, entre os quais a nascente classe operária. Libertados em 1888, os negros foram sendo substituídos pelos imigrantes europeus no trabalho, ficando para eles as tarefas menos qualificadas. Nesse momento, as mulheres negras garantiram a vida do lar com seu trabalho mais bem remunerado e mais fácil de ser encontrado: o trabalho de doméstica. O desenvolvimento industrial levou milhares de mulheres à produção. Sujeitas a extensas jornadas e com baixa remuneração, elas participaram de muitos movimentos grevistas por melhores condições de vida, tendo sido essencial entre as tecelãs. Já agora, elas queriam algo para si, ou seja, uma melhor qualidade de vida. Foi, nesse tempo, que alcançaram a proibição do trabalho noturno para si e para seus filhos. A década de 1920 foi uma época de grande ebulição na sociedade brasileira. E essa ebulição era transformadora. Semana de Arte Moderna, Fundação do PCB, Coluna Prestes, Movimento dos Tenentes, Revolta do Forte de Copacabana. Novos tempos. Tempos de mutação e de muitas esperanças. Em 1920, Maria Lacerda de Moura, professora, juntamente com a bióloga Bertha Lutz fundaram, no Rio de Janeiro a Liga pela

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Emancipação Internacional da Mulher, um grupo de estudos que visava batalhar pela igualdade das mulheres. Maria Lacerda não ficou apenas nisso. Criou a revista Renascença, que pregava o pacifismo, o amor livre e a emancipação da mulher. Opunha-se ao capitalismo, ao militarismo e ao fascismo. A década de 1920 foi riquíssima em propostas de mudanças, dificultando a “república dos coronéis” que não sabia mais lidar com a ebulição política e social do país. O traço dos desenhos fantásticos da paulista Anita Malfati apareceu como um novo grafismo, distante dos clássicos. Era independente, original e inventiva. E a também paulista de Santos, Patrícia Galvão, a Pagu, se lança na literatura e política, prenunciando também o modernismo. A criação, nesse ano, da Federação Brasileira pelo Progresso Feminino deu maior impulso à campanha pela conquista do voto feminino que, há algum tempo, vinha se desenvolvendo. Essa organização tinha um vasto programa: educação para a mulher; proteção à mãe e à infância; garantias legislativas e práticas para o trabalho da mulher; orientar a mulher na escolha de uma profissão fora do lar; estimular o espírito de sociabilidade e cooperação entre as mulheres e interessá-las pelas questões sociais de alcance público, garantir à mulher os direitos políticos. O programa já tinha fortes influências das idéias feministas que circulavam pela Europa. Em 1924, as mulheres participaram da Coluna Prestes. A campanha do voto prosseguia, mas só seria vitoriosa depois da Revolução de 1930. A conquista foi incorporada à Constituição brasileira de 1934, com a ajuda de Carlota Pereira de Queiroz, a primeira constituinte brasileira.

Passado recente É quando a burguesia nacional entra em cena. A Segunda República já é passado recente. Ela traz em seu bojo fatos importantes como a participação das mulheres na Aliança Nacional Libertadora e na Insurreição de 1935. Depois, na luta contra a ditadura de Vargas e pela democracia no país. Participaram no front e na retaguarda da 2a

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Guerra Mundial. Através da Liga de Defesa Nacional, foram enorme suporte para o esforço de guerra.

O presente No pós-guerra, por meio dos Comitês pela Democracia, lutaram pela extinção do Estado Novo: anistia, constituinte, eleições livres e democráticas, contra a carestia. Apesar disso, nenhuma mulher foi eleita para a Constituinte em 1946. Em 1947, cria-se o primeiro jornal feminino do país: Momento Feminino, tendo à frente Arcelina Mochel, que mais tarde liderou também a criação da Federação de Mulheres do Brasil, cuja primeira presidente foi Alice Tibiriçá. A Federação lutava contra a carestia, pela proteção à infância, pela paz. Mas o que podemos agora observar novamente, é que já são centenas de mulheres que se movimentaram politicamente. São intelectuais, operárias, brancas e negras. Seus movimentos têm muitas diferenças em relação ao passado longínquo, embora muitas de suas reivindicações ainda sejam as mesmas. Mas, como antes, não conseguem se articular de modo permanente. São movimentos esporádicos, intermitentes, embora de grande valia na conscientização das populações femininas. Eles padecem de um grande mal. São geralmente manipulados pelos partidos políticos que se formaram no pós-guerra e que os utilizam, pura e simplesmente, para servir de massa de manobra para suas atividades políticas. Nem mesmo elas (as mulheres) têm consciência maior de sua especificidade na vida brasileira. Afinal, as mulheres sempre participaram desta ou daquela maneira, mas sempre voltaram para casa de mãos abanando, sempre submetidas ao pai, ao esposo ou a outros homens da família, mergulhadas na vida privada, enquanto o homem cresce e é criado na vida pública. Os partidos de esquerda, como o PCB e os que depois se formaram, mantiveram a mesma situação. Destacavam o papel da mulher, desde que ela se mantivesse lado a lado com o homem, resolvendo os grandes problemas nacionais, sempre excluídas do poder, embora participando. Também no Brasil, o século XIX assistiu à emergência da ação coletiva de mulheres, a formação das primeiras correntes feministas. Após 86

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longos séculos, desde a chegada dos portugueses, nos idos de 1500, pela primeira vez as mulheres brasileiras conheceram a possibilidade histórica de pensar sua condição, não mais como destino biológico, mas também como uma situação social imposta pelo direito do mais forte como uma injustiça. Como diz Eleni Vargas, do Centro de Pesquisas Científicas, em Paris: “...a mudança das percepções tradicionais que as mulheres tinham de si mesmas está ligada à modificação de sua situação objetiva na sociedade burguesa. Situação essa que compreende não apenas dados materiais, como também sua posição na família, a divisão sexual do trabalho ou o acesso à instrução, mas também o horizonte político-filosófico de seu tempo, incluindo o dispositivo conceitual que lhe é próprio e determina, vale dizer, as possibilidades e as limitações de pensarem em si mesmas, como indivíduos e como membros de um grupo oprimido. Durante muito tempo, elas tiveram que retirar dos homens e de seu pensamento dominante as noções e referenciais das quais se serviam; foram desprovidas de tudo, até mesmo de uma linguagem própria para expressar suas experiências em termos universais, que transcendiam a especificidade biológica do gênero feminino. Ao reelaborar seu próprio discurso feminino e feminista, a mulher pôde angariar mais meios para compreender as percepções subjetivas que as mulheres tinham de sua posição – condição preliminar para estudar a formação da consciência feminista. Isso implica também em abordar de outra maneira o contexto social que engendrou essa consciência, e mais, dar-se meios mais eficazes para compreender o complexo processo de construção da alteridade e da exclusão das quais são parte integrante.”

O feminismo, antes de 1964, era profundamente capenga. Limitava-se a algumas reivindicações relativas aos seus direitos, alguns já garantidos em lei, mas jamais respeitados na prática. As comemorações do 8 de março surgem, embora realizadas por forças e organizações de esquerda: comunistas, socialistas e sindicatos. Mas apesar disso, muito positivas ao dar à mulher um certo sentido de unidade nacional e internacional à base de pontos comuns que de perto lhe tocavam. A mulher na História do Brasil

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Muitos congressos e conferências foram realizados nos anos 1940 a 1964 para trocar pontos de vista, além da promoção de várias campanhas para melhor organizá-las. Angelina Gonçalves, assassinada no Rio Grande do Sul, liderava uma passeata de trabalhadoras, no dia 1º de maio de 1950, portando um cartaz com os dizeres “O petróleo é nosso”; Zélia Magalhães, grávida, metralhada no Rio, em 1949, num comício promovido por militantes comunistas contra a Lei de Segurança Nacional. Com o golpe de 1964, as organizações de mulheres praticamente desapareceram. Elas se baseavam em militâncias ativas. Não tinham grande penetração nas massas. Só voltaram a tomar impulso na Terceira República, que vai do golpe até nossos dias e, muito especialmente, a partir de 1975 com o Ano Internacional da Mulher, quando finda a história e começa a nossa realidade, a realidade candente de nossos dias, que, por mais diferente que seja, tem suas raízes no passado. Por isso, cultuamos nossas pioneiras. Aquelas que, sob difíceis e duras condições, jogaram tudo para o alto, abrindo os espaços e iniciando a longa marcha que prossegue até hoje, em nossos dias. Como vimos, a contrapartida de uma história de exclusão é, sem dúvidas, a história de uma luta: a da mulher para se reconhecer e ser reconhecida como capaz de dominar os princípios da ética e da racionalidade da vida pública.

Bibliografia BRESCIANI, M.S.M. Revista Coletânea (org.). “A Mulher no Espaço Público.” Ed. Marco Zero. EISLER, R. O Cálice e a Espada. Ed. Imago, Rio. HAHNER, J.E. A Mulher Brasileira e suas Lutas Sociais e Políticas (1850 a 1937). MOTT DE BARROS, L.M. “Submissão e Resistência da Mulher na Luta Contra a Escravidão.” Revista Contexto, Coleção Repensando a história – Editora Conex – 1988 – São Paulo. TELES, M.A. Breve História do Feminismo no Brasil. Dados. Ed. Brasiliense RECORTES VARIADOS DE JORNAIS

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A Mensageira


A Mensageira1 “Toda a história das mulheres foi escrita pelos homens”, Simone de Beauvoir encerra uma grande verdade nesta simples frase. O estudo do sexo feminino tem sido ignorado pelos cientistas sociais ou abordado como parte de um todo que se quer explicar. E, exatamente por ser feito por homens, esse estudo jamais enfoca a mulher em toda a riqueza de sua especificidade. Só mais recentemente, dada a explosão da mulher na vida político-social e cultural de todos os povos como o mais importante fenômeno social de nossa época, tem sido ela objeto específico de pesquisa e análise. Trata-se, evidentemente, de um silêncio imperdoável já que ele oculta um movimento – o feminismo – que envolveu gerações e gerações de seres humanos que vão de Safo, a notável poeta nascida na ilha de Lesbos, na Grécia, no ano de 625 a.C., e que fundou um centro para a formação intelectual da mulher, até Simone de Beauvoir, a grande escritora francesa autora do livro O Segundo Sexo, lançado no segundo pós-guerra, que correspondeu a uma verdadeira revolução em termos de feminismo. Nessa obra, Simone de Beauvoir, acrescentando muito às análises feitas por Engels e Bebel apresenta uma dimensão psicológica, que extrapola as limitações de uma explicação unicamente econômica para a opressão e a exploração da mulher. “Não se nasce mulher: tornase mulher”, escreveu ela.

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1 Prefácio à coletânea de exemplares da revista literária feminina A Mensageira, editada no final do século XIX, publicada pela Secretaria de Estado da Cultura e pelo Arquivo do Estado de São Paulo, em 1987.


A imprensa e os historiadores conseguiram, portanto, durante séculos, ofuscar ou esconder a força de um movimento notável, ridicularizando-o ou diminuindo sua importância. Foi necessário que as próprias mulheres, conscientizando-se de sua condição e dando-se conta dessas injustiças milenares perpetradas contra seu sexo por uma cultura que as condena ao silêncio da história, surgissem em cena buscando recuperar palmo a palmo o seu passado escondido e ressuscitar a linguagem e os feitos de suas antepassadas. Por que recordamos agora tudo isso? Para enfatizar o grande significado, para a mulher brasileira, da publicação da coletânea de exemplares da revista literária feminina A Mensageira, pela Secretaria de Estado da Cultura e pelo Arquivo do Estado de São Paulo. Esta publicação nos permite, de um lado, recuperar um pedaço da história do feminismo no Brasil e, de outro, indicar que a luta que hoje travamos para reafirmar que o sexo é político, pois nele existem relações de poder; que a luta que travamos para tornar claro o caráter subjetivo da opressão, os aspectos emocionais da consciência etc. etc., é um prolongamento avançado da luta anterior de nossas bisavós e avós por direitos da mulher ao trabalho e à instrução, num tempo em que era atribuída uma neutralidade ao espaço individual e se definia como político unicamente a esfera pública, objetiva. Diante dos exemplares da revista A Mensageira, agora publicados, resta-nos, apenas, trabalhar seus textos com os instrumentais teóricos que hoje possuímos, mas sem ignorar o contexto histórico em que foram produzidos. O feminismo, como instrumento de luta da mulher por sua libertação, tem uma longa história. Ele surgiu como movimento a partir de certo grau de desenvolvimento da sociedade humana (meados do século XIX) e foi se desenrolando pari passu com o progresso da sociedade até atingir seu estágio atual, neste findar do século XX. Logo, não pode ser avaliado neste ou naquele país, fora de determinados contextos econômicos, políticos, sociais e culturais, ou ignorando-se os reflexos dessas situações na condição de vida da mulher A Mensageira

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e em seu grau de consciência para transformá-la. Só com essa verdade bem assimilada é que poderemos avaliar de maneira correta o papel desempenhado pela revista literária A Mensageira. Caso contrário, iremos considerar a revista, criada e dirigida pela poeta Presciliana Duarte de Almeida, nos anos 1897-1900, infantil em suas análises, excessivamente rebuscada em seu estilo para o nosso moderno gosto literário, ou infinitamente romântica para nossas cabeças objetivas deste final de século XX. Basta para isso destacar o 1º parágrafo do editorial de lançamento da revista assinado por Dona Presciliana: “estabelecer entre as brasileiras uma simpatia espiritual pela comunhão das mesmas idéias, levando-lhes de quinze em quinze dias ao remanso do lar algum pensamento novo­– sonho de poeta ou fruto de observação acurada – eis o fim que modestamente nos propomos”. Nossos propósitos, porém, são o de examinar A Mensageira dentro de determinado contexto histórico. Assim sendo, após ler todos os exemplares que fazem parte desta publicação, entendemos que estamos diante de um momento bem determinado da história do feminismo brasileiro em que aquela revista desempenha o papel que poderia desempenhar uma publicação de mulheres avançadas em fins do século passado. Temos a considerar, também, que o feminismo, ainda como idéia, apenas se gestava e, portanto, tateava em busca de seu caminho dentro de uma sociedade conservadora e preconceituosa. Logo, era passível de ambigüidades, contradições, confusões de todo tipo, naturais em tudo aquilo que nasce. Basta lembrar que a palavra de ordem central do feminismo da época e, portanto, também da revista de “educar a mulher para todos os embates da vida” aparece freqüentemente vinculada ao esforço para reforçar seu papel de mãe, esposa e dona de casa. Mas isso não pode invalidar o desempenho de A Mensageira no sentido de divulgar as produções femininas, enaltecer os feitos da mulher dentro e fora do lar, seu papel na literatura, nas artes, nas ciências, no magistério, nas profissões liberais, no sentido de abrir, em suas páginas, espaços para a mulher dizer o que pensava de si, da família e do mundo; no sentido de tornar conhecidos os nomes das mulheres que, no mundo e no país, estavam fazendo história.

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Este desempenho torna-se mais valioso aos nossos olhos se temos noção do contexto político e socioeconômico dentro do qual a revista surgiu e atuou. É bom recordar que até meados do século XIX, o Brasil era um país atrasado, com uma sociedade altamente estratificada e uma economia dependente do trabalho escravo. Os sete milhões de habitantes do país se concentravam na costa. A maioria da população era rural, cultivando a terra com técnicas primitivas. Aprofundando a análise dessa época no Brasil, June E. Hahner assinalou em seu livro A Mulher Brasileira nas Lutas Sociais e Políticas 1850-1937 que “através da primeira metade do século XIX a maioria das cidades continuavam a ser locais públicos com ruas lamacentas, transitadas por veículos de cargas, porcos e galinhas, embora também servissem como centro social e religioso, de comércio para as áreas vizinhas. Os meios de transporte eram rudimentares e as indústrias de manufatura praticamente inexistentes”. Somente na segunda metade desse século, mudanças começaram a ocorrer mais rapidamente, inclusive afetando a vida das mulheres das classes urbanas mais privilegiadas, permitindo que algumas mulheres excepcionais expandissem seus horizontes. Que mudanças foram essas? Os avanços tecnológicos da Europa começaram a chegar ao Brasil. O advento da estrada de ferro, do barco a vapor, do telégrafo etc., estimularam muito o crescimento dos centros urbanos. Intensificaram-se os desequilíbrios regionais. Nesse processo, o Sul foi sendo privilegiado. A organização social dessa região do país modificou-se, crescendo o número de trabalhadores assalariados nas cidades e nas plantações de café, aumentando a imigração européia para o país com os seus usos e costumes. São Paulo e Rio de Janeiro se beneficiaram, financeira e politicamente, do desenvolvimento da economia cafeeira. Sede do governo federal e em sua condição de maior cidade brasileira, o Rio de Janeiro e depois São Paulo mantiveram-se na liderança intelectual, cultural e econômica do Brasil. Não podemos, portanto, nos admirar de terem surgido nessas cidades os primeiros sentimentos feministas, especialmente entre as mulheres das classes média e superior. A Mensageira

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A Mensageira foi, em São Paulo, nada mais do que a expressão desses sentimentos. As colaboradoras da revista apresentam, como ponto alto desses sentimentos, a Educação, como elemento essencial ao preparo das mulheres para todos os planos de vida em sociedade. Júlia Lopes de Almeida, conhecida poeta brasileira e um dos nomes que mais aparecem na revista, assim se expressou sobre o assunto: “Esta revista dedicada às mulheres parece-me dever dirigir-se especialmente às mulheres, incitando-as ao progresso, ao estudo, à reflexão, ao trabalho e a um ideal puro que as nobilite e as enriqueça. Ensinará que, sendo o nosso, um povo pobre, as nossas aptidões podem e devem ser aproveitadas em variadas profissões remuneradas e que auxiliem a família sem detrimento do trabalho do homem”. Considerando a educação como a chave da libertação da mulher a revista não poupou esforços em demonstrar essa verdade. Suas articulistas para isso gastaram muita tinta e papel. Dessa forma, A Mensageira, que aceitava a colaboração dos escritores e homens públicos solidários com sua luta, abriu suas páginas para Sílvio de Almeida, que assim se referiu à revista: “Em suas páginas delicadas e encantadoras, vem palpitar a alma inefável da mulher brasileira, que não se limita mais ao simples papel de exclusiva companheira do lar, mas que já se atira à imprensa e ao livro para viver conosco, não só a vida do corpo, mas também a vida superior do espírito”. Com sua palavra de ordem central – a Educação da Mulher – a revista recuperou, divulgou, projetou nomes e biografias de mulheres que se destacaram em diferentes funções públicas revelando-se capacitadas a empunhar a pena, forçar a porta das universidades ou exercer uma profissão, a fim de servirem de exemplo a outras mulheres. Isso era muito importante no momento em que a alfabetização era privilégio dos mais ricos e, principalmente, dos homens. June E. Hahner informa em seu livro A Mulher Brasileira e suas Lutas Sociais e Políticas que “a primeira legislação relativa à educação da mulher surgiu em 1827, mas a lei admitia meninas apenas para as escolas elementares e não para as instituições de ensino mais adiantadas. A tônica permanecia na agulha e não na caneta”. Algumas das articulistas foram além em suas denúncias relativas à ignorância da mulher. Foram capazes de sentir, com absoluta precisão, o 94

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tipo de educação diferenciada que era ministrada nas escolas aos meninos e às meninas. V.M. de Barros foi uma dessas mulheres. Escreveu “a injustiça começa no berço: para meninos, mestres, colégios, ginástica; para meninas, a ignorância, o atrofiamento da energia, a mobilidade forçada pela vida sedentária. Depois chega a puberdade: ele, o rapaz, escolhe esta ou aquela carreira, a seguir prefere este ou aquele meio de vida; a moça, ela nada tem a resolver. O circulo de ferro, a cadeia fatal aí está...” A Mensageira, em seu feminismo tateante, não ficou apenas na questão da educação da mulher como fator de sua libertação. Embora vagamente, pressentiu o papel do homem em sua opressão. “Os homens zombam da ignorância das mulheres sem se lembrarem de que as educam como escravas, que só necessitam saber obedecer” (Gracia H. de Matos) ou então, “se lançarmos um relance de vistas sobre a atual condição da mulher ficamos tristes diante do desequilíbrio social que ainda reina e dos direitos que lhes são usurpados pela outra metade do gênero humano”. Folheando detidamente a revista, outras facetas desse feminismo iniciante vão se delineando: ao divulgar suas lutas e conquistas, A Mensageira foi internacionalisticamente solidária com as mulheres de todo o mundo. La Fronde, jornal feminista francês publicado em Paris, é objeto de muitos artigos e citações. Também a criação na capital francesa, por Eliza Lenomier, da “Sociedade de Proteção Materna” (creches), depois transformada em Escolas Profissionais, merece destaque como bom exemplo para o Brasil, onde “as mães que trabalham com os filhos no colo sofrem enormes suplícios”. A nova lei francesa, promulgada autorizando o testemunho da mulher nos atos civis e instrumentais, foi saudada em muitos tópicos por várias articulistas. A Mensageira foi ainda política ao defender a abolição da escravatura; ao exaltar a Revolução Francesa; ao destacar a importância do voto para a mulher; posições bem avançadas para a época. A Mensageira foi pacifista ao combater a guerra, seus efeitos e a existência dos exércitos permanentes. Evidentemente que os elementos do feminismo de A Mensageira eram frutos do capitalismo nascente em nosso país e, portanto, um pro-

A Mensageira

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duto do liberalismo, ideologia legitimadora do modo de produção capitalista. E seus limites estavam contidos dentro desse modo de produção. Assim, o discurso liberal por maiores direitos trabalhistas e educacionais para a mulher, era insuficiente para esmaecer o seu papel exclusivo de mãe, esposa e dona de casa, que, aliás, era cantado em prosa e verso até mesmo pelos “pró-libertação” da mulher. Por isso mesmo a revista A Mensageira está eivada de frases como: “A mulher que lê e escreve, ilumina o espírito sem prejuízo das obrigações domésticas”; “Instruir a mulher para a felicidade de toda a família”; “A educação da mulher não prejudica sua vida doméstica”, entre outras. Essas frases estão calçadas por estereótipos tão conhecidos como: “dotes naturais”, “eterno e doce feminino”, “grandeza e doçura da alma feminina”, “poesia e tranqüilidade da mulher”, “o belo sexo”, “sexo fraco”, “altruísmo da mulher”, “recato natural da mulher” e outros. Mas nada disso invalida o papel de A Mensageira na história do feminismo brasileiro, bem como o papel de toda uma série de jornais: O Sexo Feminino, O Domingo, Jornal das Damas, Miosótis, Eco das Damas etc., que serviram como importante meio para a troca de idéias e informações entre mulheres das classes mais letradas. Para que o feminismo aprofundasse sua análise e elaborasse suas propostas, através de mudanças realmente revolucionárias, ao descobrir as raízes mais profundas da opressão feminina, foi necessário que ele passasse pelo estágio de reivindicações parciais tipo educação, direito de voto, profissionalização, que abriu para as mulheres as primeiras portas na sociedade dando-lhe oportunidade de experiência e aprendizado. Sem essa passagem não seria possível às feministas de hoje a articulação da teoria que denuncia as verdadeiras raízes da opressão da mulher: a cultura patriarcal, baseada na divisão de papéis de sexo, e na permanência da condição primordial de reprodutora da espécie humana. Daí a importância valiosa da coletânea de A Mensageira que agora se publica, para todos aqueles que se dedicam a conhecer a fundo a história do feminismo brasileiro.

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FeminismoePolíticadoCorpo1 Introdução Quando, na década de 1960 ou, mais precisamente, durante a revolução cultural-sexual de 1968, as mulheres de todo o mundo empunharam a bandeira “O corpo nos pertence” ou “O corpo é nosso”, poucos poderiam imaginar a profundidade dessas frases. Aparentemente, significavam pouco. Mas, em sua essência, traduziam uma profunda reflexão sobre a condição de vida da mulher, na qual, o seu corpo, apropriado pelo homem, transformara-se no instrumento mais marcante de sua opressão e dominação. Por isso, resgatá-lo consistia em abrir a porta mais importante para o acesso à sua libertação. Para chegar a esse nível, o feminismo, como ideologia e prática, teve que dar muitas voltas. Precisou percorrer um longo caminho cheio de percalços e dificuldades. Durante essa trajetória ele foi forjando, dentro de cada sociedade e segundo o grau de consciência e organização das mulheres, as mais variadas palavras de ordem. Mas nenhuma, entre elas, nos tocou e comoveu tanto como a de “resgate de nosso corpo”. Sim, as demais eram importantes e continuam a sê-lo, mas é como se estivessem fixadas na periferia de nossa condição. No centro desta, representando sua essência, sempre esteve nosso corpo humilhado, reprimido, sacrificado, vilipendiado. As feministas chegaram a essa reflexão, após o estudo e a observação de como os estereótipos relativos ao corpo da mulher serviram para justificar posições socialmente adotadas contra ela, como o lugar secundário que lhe foi destinado na sociedade. 1

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Palestra realizada em Campinas, SP, 5/5/1989.


Entre esses estereótipos, os mais conhecidos e importantes são: “o corpo da mulher é sujo” (alusão à menstruação); “o corpo da mulher é uma fonte de pecado e desgraça dos homens” (alusão à tese cristã do pecado original); “o corpo da mulher é a porta aberta para o inferno” (alusão à sua sexualidade); “a mulher é um ser inacabado, defeituoso, que não deu certo” (alusão à sua anatomia); ela tem seios, vagina, menstruação, hímen, engravida, dá a luz, amamenta, entra em menopausa, tem músculos mais fracos, cabelos mais longos, cérebro menor etc. E toda essa anatomia é um hand cap negativo em relação à anatomia do homem. Alguns mais simplistas reduzem essa definição de mulher: “é uma matriz, um ovário, uma fêmea” (na boca do homem, fêmea significa insulto). O termo fêmea é pejorativo, não porque enraíze a mulher na natureza, mas porque a confina em seu sexo. Em seu livro O Segundo Sexo, 1949, Simone de Beauvoir referiuse a essa questão dizendo que: “... a palavra fêmea sugere ao homem uma enorme quantidade de imagens: um enorme óvulo abocanha e castra o ágil espermatozóide; monstruosa e empanturrada, a rainha das térmitas reina sobre os machos escravizados; a fêmea do louva-a-deus e a rainha, fartas de amor, matam o parceiro e o devoram; a cadela no cio erra pelas vielas, deixando atrás de si uma esteira de odores perversos; a marca exibe-se impudentemente e se recusa com faceirice hipócrita; as mais soberbas feras, a leoa, a pantera, deitam-se servilmente para a imperial posse do macho. Inerte, impaciente, matreira, insensível, lúbrica, feroz, humilhada, o homem projeta na mulher todas as fêmeas ao mesmo tempo.”

Esses estereótipos foram milenarmente criados, transmitidos, enriquecidos por todos os homens de pensamento, poetas, clérigos, teólogos, filósofos, políticos, artistas, escritores e, até mesmo, por astrônomos e matemáticos. E foram eles que abriram o caminho para uma injusta divisão dos papéis sociais entre homens e mulheres. Daí porque, desde a pedra lascada até nossos dias, a mulher sempre foi considerada um objeto manipulável, criado para a abnegação, o sofrimento, a paciência. Atributos que não lhe acrescentaram nada, porém a tornam medíocre. Só esporadicamente e quando os meios lhe Feminismo e política do corpo

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são oferecidos, a mulher consegue se projetar, galgar posições, torna-se reconhecível como gente. Nesses momentos, os homens, para desvirtuar o seu valor, chamam-na de “virilóide”, “virigo” ou “sapatão”, como se usa dizer hoje. Passados, porém, os períodos de êxito, a mulher sempre foi despojada de sua importância prática, de seu prestígio mágico, de seu papel econômico. Enquanto isso, o homem foi se afirmando. Com a instituição do patriarcado, durante a descoberta do ferro, do bronze e da agricultura intensiva, a mulher passou a ser dependente do homem, em corpo e alma, como um objeto possuído. A partir de 1968, as mulheres disseram bem alto “Basta! Nada mais poderá ser como antes!” E, a partir daí, foram esboçando uma política para resgatar sua identidade por meio do resgate de seu próprio corpo.

As vertentes feministas de trabalho e pesquisa Muitas fontes alimentam as pesquisas e os estudos que estamos realizando, visando à elaboração de nossa política do corpo. O espaço não nos permite falar de todas elas, assim sendo, falaremos daquelas que nos parecem mais importantes:

1. Saúde a) A mulher como ser integral Partimos da idéia de que a sociedade e as políticas dos governos sempre consideraram a mulher como algo dividido, desintegrado, partes separadas (já vimos que há um estereótipo afirmando que ela é “um ser incompleto, deformado”). Por isso, os programas de saúde voltados para a mulher são sempre parciais, dispersos e desvinculados entre si. Também existe uma dicotomia entre seu corpo e sua mente. Observamos que a mulher é apenas mais ou menos considerada na faixa etária fértil, ou seja, dos 15 aos 49 anos. Diante dessa realidade, afirmamos que a mulher é um ser único, integral e, como tal, deve receber assistência em todas as fases de sua vida. Na puberdade, quando aparecem as primeiras

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regras; no período adulto, quando ela pode engravidar, dar à luz, amamentar; e, até mesmo, durante a menopausa, quando desaparecem as possibilidades de fecundação. E m outras palavras, para nós, o corpo da mulher é válido em todas as fases de sua vida e, como tal, deve ser cuidado por uma política de assistência integral à saúde dela. O Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher (PAISM), com todas as suas deficiências, é um primeiro passo nesse sentido. b) A unidade de corpo e mente Se fizéssemos um levantamento estatístico sobre as pessoas que, cotidianamente, buscam os consultórios de psicanálise, psiquiatria, clínicas de tratamento de neurose, estresse, usam tranqüilizantes, calmantes e antidistônicos, veríamos que a mulher ocupa o primeiro lugar na condição de cliente. uscando as causas mais profundas dessa situação, as feministas B foram descobrindo um imenso labirinto que deve ser percorrido até o fim para que sejam dominadas algumas informações que até agora estão apenas detectadas superficialmente. Entre essas, cabe destacar a brutal confusão sobre o que é “ser mulher”. Ela vai desde a ausência de identidade própria até à identidade construída pelo que não se é, ou seja, em contraposição ou analogia à identidade masculina; ou ainda, pela construção de uma nova identidade que não se sabe exatamente como deve ser. oje, o “ser mãe”, “ser esposa”, “ser profissional” aparecem como H estereótipos levantados como conflitantes entre si e excludentes, na medida em que uma opção interfere nas demais, gerando uma visão extremamente parcial ou unilateral da mulher. Se for acrescentado a tudo isso o fato de que os homens, ao escreverem a história da humanidade, esqueceram-se da participação da mulher, a crise de identidade ficará mais grave. Somos, afinal, seres humanos sem memória. Isso, sem falar em sua sexualidade, um dos temas mais importantes da atualidade. Objeto sexual dos homens, corpo assexuado, guardiã de seu corpo inviolado até ao casamento (defesa da virgindade) e brutalmente reprimida sexualmente pela Feminismo e política do corpo

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sociedade (essa repressão vai desde o cinto de castidade da Idade Média até ao assassinato, quando os homens se sentem no direito de matar para defender a própria “honra”), a mulher apresenta um enorme cortejo de anomalias que vão da frigidez às vaginites agudas ou, então, a variados tipos de neurose que empurram as mulheres diariamente para os consultórios médicos onde buscam alívios para suas queixas ginecológicas. E stas, no entanto, geralmente não passam de somatização de problemas cujas origens são psíquicas. A questão da histeria tem sido para nós um importante fator de pesquisas no campo da saúde da mulher. Sabemos que, desde tempos remotos, prevalece a concepção de que as perturbações histéricas estão relacionadas aos órgãos de reprodução e à sexualidade. Tanto é que chamamos de histéricas as mulheres velhas, viúvas ou jovens solteiras. Assim, na histeria, o corpo é o lugar privilegiado do sintoma. A histeria fala por meio de seu corpo, que é vivenciado como carente e como fonte de dor, nunca de prazer. As mulheres sempre tiveram seus desejos sexuais reprimidos. ssim como nos sintomas histéricos, a sexualidade recalcada enA contra, embora veladamente, sua melhor expressão. Mas, nesse momento, ela não deseja, ela sofre o desejo! Lembremos que nas convulsões histéricas, a mulher teatraliza a relação sexual, mas está despossuída. Ela não se pertence. É a natureza que dela se apropria. A histeria é, pois, um impasse, um transtorno, uma impossibilidade de sexualização do corpo. Ela nos revela plasticamente os conflitos psíquicos femininos e as conseqüências psíquicas do estado de sujeição da mulher numa sociedade patriarcal. É um protesto vivo, uma rebelião contra a sociedade que a cerca. Ela clama por novo tipo de relações, resiste à sua condição de passivo, à sua incapacidade de mudar o quadro. Esse é o seu caminho de resistência por meio da doença que, afinal, acaba por limitar seu ser, impede-a de crescer. E, como arma de defesa, acaba se voltando contra ela mesma. Trata-se de uma revolta individual, inconsciente e, também, inconseqüente. O sintoma é uma queixa e uma resistência em aceitar o mundo que lhe oferecem. E, por isso, a histeria atinge diretamente a mulher e não o sistema. 102

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unidade entre corpo e mente, e entre a mulher por inteiro com A o meio que a circunda, é um importante momento no resgate de sua identidade. c) Os direitos da reprodução humana É outro importante aspecto de nossa política do corpo. O controle forçado da natalidade, a ausência do planejamento familiar como direito democrático da mulher e do casal, a ausência de informações científicas para a mulher sobre o seu próprio corpo, o uso do seu corpo como cobaia para experiências científicas, a exemplo do DIU (tipo Dalkon Shield, que causou sérios problemas à saúde da mulher em vários países, obrigando os fabricantes a retirá-lo do mercado e a indenizar as mulheres atingidas), a falta de assistência à gravidez e ao parto, o número crescente de cesáreas, a esterilização de centenas de mulheres, o aumento do número de mortes maternas, tudo isso nos indica a necessidade de garantir os direitos reprodutivos por meio de uma assistência efetiva à mulher em sua fase fértil, respeitando-se seu direito à opção de ter ou não filhos. essa política, a concepção, a contracepção e o direito ao aborto N ganham muita importância. Precisamos estudar melhor o processo de fertilização humana, ampliar o leque de anticoncepcionais naturais e artificiais, tornando-os mais eficientes. Precisamos descriminalizar o aborto, regulamentando-o em lei especial. A clandestinidade do aborto coloca a mulher diante de sério risco de vida por ser feito em precárias condições de higiene e com pessoal não-habilitado. Isso significa que, quando a mulher não morre, pode adquirir seqüelas corporais para o resto da vida.

2. Maternidade É um aspecto muito importante na política do corpo. Cantada em prosa e verso, sobretudo nos dias das mães, a maternidade, embora conduza a mulher a importantes e belas experiências e à sua maturidade, significa um pesado ônus que a mulher paga pelo direito de garantir a espécie humana. Feminismo e política do corpo

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Não podemos esquecer que, no momento em que o espermatozóide se desgarra do corpo do homem, este se torna estranho a ele. “Assim, o macho, no mesmo instante em que supera sua individualidade, transcendendo-a em outro, nela se encerra novamente. Mas o óvulo só se separa da fêmea no momento em que está transformado em novo ser completo”. (Simone de Beauvoir) Durante a gravidez, a espécie humana habita a fêmea e consome boa parte de sua vida individual. A mulher é adaptada às necessidades do óvulo mais de que a ela própria. Assim, da puberdade à menopausa, ela é o miolo de uma história que nela se desenrola e que diz respeito, quase que exclusivamente, à espécie humana. Na puberdade, o ciclo menstrual abala todo o organismo da mulher porque é acompanhado de secreções hormonais que reagem sobre a tireóide e a hipófise, sobre o sistema nervoso central e o sistema vegetativo e, por conseguinte, em todas as suas vísceras. Mais de 85% de mulheres apresentam perturbações nesse período, como elevação de pressão arterial, pulso acelerado e algumas chegam mesmo a ter febre. O ventre fica dolorido, às vezes têm fortes cólicas, a barriga parece crescer e a secreção do suor aumenta com um odor desagradável. A mulher torna-se emotiva, sensível, nervosa, irritável. Nesse momento, o corpo lhe parece opaco e alienado. A gestação, por sua vez, é um trabalho cansativo que exige da mulher pesados sacrifícios. Inicialmente, ela tem falta de apetite e vômitos. Trata-se de uma forma de revolta do organismo contra a espécie que dele se apossou. A mulher perde fósforo, cálcio, ferro etc. Durante a gravidez, podem ocorrer acidentes graves, perigosas perturbações e, se ela não estiver muito bem preparada, poderá ficar precocemente deformada e envelhecida pelas sucessivas maternidades. O parto em si, mesmo normal, sempre encerra um perigo. Afinal, é quase impossível que o corpo possa satisfazer a espécie e o indivíduo simultaneamente. O aleitamento é também uma servidão esgotante (muitas mulheres ficam com inflamações das glândulas mamárias e febre), além de precisar estar sempre à disposição do nascituro. Por tudo isso, a mulher fica em estado de extrema fragilidade. Finalmente, caberia dizer que é por meio de uma outra crise difícil que a mulher escapa do domínio da espécie. É quando ela entra

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na menopausa. A atividade ovariana praticamente desaparece. E isso acarreta um empobrecimento vital da mulher. Ela passa a ter depressões, cansaços, ondas de calor, hipertensão, nervosismo. Algumas engordam, outras ficam virilóides. Mesmo assim, ela se liberta da servidão da fêmea. Coincide consigo mesma. Por tudo isso, a função reprodutora é, para a mulher, a mais imperiosa das funções e a mais dificilmente aceita, embora no plano do inconsciente. Mas, mesmo considerando-se todos esses detalhes, a maternidade até agora não foi devidamente valorizada e considerada uma função social pela qual a mulher paga enorme preço. Por isso mesmo, a sociedade tem obrigação de fornecer-lhe todas as condições materiais e culturais para que possa optar por ter ou não ter filhos. As que optarem por filhos devem ter toda a assistência necessária para pô-los no mundo e poder criá-los com dignidade. Assim como as que optarem por não tê-los, devem contar com a garantia do direito ao aborto, acesso a todos os métodos anticoncepcionais, acompanhamento médico individualizado etc. Enfim, hoje, um número cada vez maior de mulheres sabe separar sua sexualidade da procriação e para elas o direito ao prazer é tão importante quanto o direito de ter filhos para aquelas que o desejam.

3. Violência contra a mulher Referimo-nos aqui à violência que está presente no dia-a-dia da vida de um sem número de mulheres e que pode assumir diferentes formas: a) abuso físico, psicológico ou sexual – praticados pelo homem com a intenção explícita de, a partir do uso indiscriminado de seu corpo, submeter a mulher às suas vontades. b) agressões físicas – acontecem quando o homem agride fisicamente a mulher, maltrata seu corpo (esbofeteia, belisca, morde, chuta, espanca, ameaça estrangular, esfaqueia, incendeia, alveja a tiros) e até mesmo mata. c) agressões psicológicas – acontece quando o homem caçoa da mulher, por exemplo, chamando-a de velha, feia, bruxa, megera, bofe e tantos outros termos pejorativos. Quando ele Feminismo e política do corpo

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grita-lhe na cara contando suas conquistas amorosas, quando a faz viver com medo, vergonha e sentimento de culpa, infeliz, inferiorizada, o que às vezes a leva ao suicídio. d) agressões sexuais – quando o homem obriga a mulher a ter relações sexuais que não a agradam, quando ignora ou nega satisfação sexual à mulher ou a machuca durante o ato sexual. São também formas de violência: o estupro, a prostituição e a pornografia. O estupro é a mais revoltante agressão à mulher. Tratase da posse violenta de seu corpo por parte do homem e sem o seu consentimento. A lei sempre parte do princípio de que a mulher, em lugar de ser vítima, é sempre agente. Ela provoca a agressão com seu corpo pecaminoso, desperta o desejo masculino com sua mini-saia, seu requebrado, sua graça, sua sensualidade, tal qual Eva fez com Adão ao entregar-lhe a maçã carregada de pecado. A prostituição é um estado de profunda alienação da mulher. Sua carne, seu corpo, se transforma em mercadoria para que seja preservada e se salve a “honra” das donzelas e os homens tenham a possibilidade de satisfazer os seus instintos. Finalmente, temos a pornografia, isto é, quando a mulher é utilizada grosseiramente como instrumento erótico para estimular o apetite sexual do homem. As feministas recolheram dessas situações vários elementos para compor sua política do corpo. Estimularam a criação de órgãos policiais para defesa da mulher agredida (as Delegacias de Polícia de Defesa da Mulher), buscaram conscientizá-la sobre sua condição de sujeito e não de objeto de prazer para o sexo masculino. Assumiram a denúncia e o combate ao estupro procurando também preveni-lo. Por isso, reclamamos a aprovação de medidas que facilitem o atendimento à mulher estuprada em lugar de dificultar esse processo, principalmente quando do estupro redunda uma gravidez indesejada. O combate pela mídia ao uso do corpo da mulher, no todo ou em partes, tem sido entre nós uma constante. Combatemos a atitude de transformar a mulher em mercadoria, o que a coisifica. Não somos puritanas, mas apenas defensoras da dignidade da mulher que, por dinheiro, aparece 106

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nua na TV, nas fotos de revistas e jornais, exibindo à curiosidade pública seus órgãos mais íntimos, principalmente durante o carnaval, nos concursos de beleza, nos filmes pornográficos e na “imprensa marrom”.

4. Desenvolvimento Para finalizar essa parte é justo que destaquemos também, como fonte de nossas pesquisas, o tipo de desenvolvimento econômico, político, social e cultural do país e do mundo. Queiramos ou não, ele atinge duramente o corpo da mulher. Esse tipo de desenvolvimento é proporcionado pela existência de um imenso complexo industrialmilitar que, como um polvo faminto, invade a vida social de cada país. Vejamos de que maneira: esenvolvimento baseado na militarização dos países – produção D e venda de armas, eclosão de guerras locais e golpes militares de tipo fascista. O militarismo açambarca verbas imensas que são retiradas de outros itens como saúde, educação, formação profissional etc. Assim, a mulher se vê privada de uma série de programas que poderiam protegê-la no decorrer de sua vida, como construção de maternidades e conseqüente ampliação do número de leitos para parturientes, diminuição do perigo do câncer uterino, organização de um bom pré-natal etc. O militarismo também é fonte estimuladora da prostituição, do aumento do número de mães solteiras que giram geralmente em torno das bases militares ou aparecem nos tempos de guerra. ção das multinacionais – estas exigem da mulher pesados A trabalhos em cadeia que a afetam com seus ritmos repetitivos, provocando-lhe doenças ocupacionais, abortos involuntários, crises neuróticas, estresses etc. Elas também abrem caminho à depredação do meio ambiente como a destruição da construção de reatores nucleares sujeitos a evasões do produto, a exemplo do acontecido em Chernobil, que colocam a mulher diante da perspectiva de ter que fazer face a violentas transformações genéticas em sua prole, a exemplo do que já aconteceu na vizinha cidade de Cubatão.

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acismo – que devasta pela fome, miséria e ignorância, a prole R das mulheres cobaia nos seus experimentos científicos. ssim, a eliminação de práticas milenares que destroem e aniquilam A o corpo da mulher e a luta por uma sociedade mais justa e mais humana surgem como os dois pilares mais sólidos de nossa política do corpo para a mulher.

5. Soluções Viabilizar essa política envolve dupla atividade: a) Na área institucional Possibilitar à mulher, por meio de políticas públicas bem sucedidas, conquistar seus direitos essenciais de cidadã, principalmente no que concerne à educação, à saúde e ao combate à violência. Fortalecer os chamados Conselhos da Condição Feminina que têm sido o instrumento principal na elaboração dessas políticas. b) Na área do movimento autônomo e das políticas alternativas • Fomentar os movimentos autônomos de mulheres por serem os melhores instrumentos para a criação de núcleos, centros etc. de estudo, pesquisa e realização de experiências relativas ao corpo da mulher. Exemplos: SOS Corpo, do Recife; SOS Contra a Violência, de Campinas; grupos alternativos de saúde, a exemplo do Coletivo de Sexualidade e Saúde de São Paulo; grupos de expressão corporal; terapias de grupo; as Casas da Mulher. • Desenvolver amplo trabalho de conscientização da mulher sobre a anatomia de seu corpo, forma e funcionamento, possibilidades a serem exploradas em seu favor, comando de sua fecundidade, domínio dos principais métodos anticoncepcionais etc. • Influenciar na elaboração de leis federais, estaduais e municipais para que elas favoreçam a política do corpo da mulher. Nesse sentido, é importante lutar pela discriminação do aborto e sua regulamentação, por meio de lei específica.

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6. Estratégia Ligar as políticas específicas da mulher em defesa de seu corpo às políticas mais amplas, tanto no país como no mundo – isso requer sua integração na política tradicional e na alternativa. Só estando nos centros de decisão, a mulher poderá decidir a seu favor. Participar com palavras de ordem específicas no combate ao militarismo, à ação das multinacionais, ao racismo e à depredação do meio ambiente, poderá levá-la a conquistar novos aliados numa luta que afinal é comum a todos. Se ela se mantiver afastada da luta global, dificilmente poderá resolver solitariamente sua problemática. Significa deixar tudo como esteve até agora: um mundo criado, cantado, historiado, vivenciado apenas pelos homens. Mas estamos convictas de que a mulher, ao emergir como um dos fatores políticos mais importantes deste final de século, tendo como carro-chefe o resgate de seu corpo (direito ao prazer, ao planejamento familiar, ao aborto, combate a cesáreas e esterilizações indiscriminadas etc.), dando uma importante contribuição, não apenas para a transformação de sua condição de vida, sua libertação como ser humano, mas também como artífice na construção de uma sociedade mais justa e mais humana. Afinal, é ela quem dá a vida e melhor do que ninguém sabe defendê-la. E nisso repousam melhores esperanças. Esperanças cheias da certeza de que, um dia, a humanidade se reconcilie consigo mesma, ao reconhecer que homens e mulheres são seres humanos e devem florescer igualmente em todos os aspectos da vida.

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Descobrindo os Estere贸tipos


Descobrindo os Estereótipos1 Introdução Tentarei mostrar que a mulher desde seu nascimento até sua morte é engessada num clichê, numa forma fixa, única, cujo maior prejuízo é ter sua individualidade ignorada. É tratada como qualquer coisa pré-concebida, sem originalidade. O Dicionário Aurélio define “estereotipado como algo que se estereotipou, que é sempre o mesmo. Que não varia. É inalterável, fixo, invariável, chapado”. A partir dessa introdução e da definição, podemos entender que as discriminações de que a mulher é vítima na sociedade são baseadas em estereótipos, ou seja, em determinadas qualidades e defeitos que, unificados, constituem uma verdadeira forma (fixa, inalterável, invariável) que produz uma imagem de mulher em que o individual, o particular, é anulado. Por exemplo: todas as mulheres são bonitas, fracas, passivas, dependentes, casadas, mães de família, donas de casa etc. Ignora-se que existem mulheres feias, fortes, inteligentes, divorciadas e que nunca quiseram ter filhos. Assim como mulheres fracas, pouco dotadas intelectualmente, bonitas, dóceis etc. Afinal, homens e mulheres podem ostentar as mesmas qualidades e defeitos. Isso porque são simplesmente seres humanos e o ser humano pode possuir, independentemente de seu sexo, boas ou más qualidades. Os estereótipos que caracterizam um determinado tipo de mulher e um tipo de homem são chamados sexistas já que introjetam na mulher todas as más qualidades e no homem, todas as boas.

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Pesquisa e texto, São Paulo, 1998.


Visando facilitar a identificação dos estereótipos sexistas na vida familiar, na escola, no trabalho e em outras atividades humanas (esporte, literatura, linguagem etc.), elaboramos alguns quadros que poderão ser úteis em palestras sobre educação diferenciada, na análise de conteúdo dos livros didáticos e manuais escolares, no esforço de construir novas relações entre homens e mulheres, pais e filhos, aluno e professor etc. É claro que os quadros que seguem não podem ser considerados nem absolutos nem universais. As formas discriminatórias contra a mulher, com base em estereótipos sexistas, podem variar de região para região no próprio país (Norte e Sul), de país para país (por exemplo da França para o Peru e Índia), e assim por diante. Em alguns lugares, predominarão certas formas, em outros poderão existir formas novas que desconhecemos ou que existiram e já desapareceram ou, ainda, estão passando por um processo de transformação. Exemplo: no Brasil e em quase toda a América Latina, como já dissemos, as mulheres são predominantemente empregadas domésticas ou professoras primárias; já nos países mais desenvolvidos, como os Estados Unidos ou França, não existe mais a doméstica assalariada e as mulheres podem ser encontradas em maior número nas indústrias. No Brasil, ainda a maioria dos manequins são mulheres; na França, o número de manequins homens já vai se igualando ao número de mulheres que exercem a mesma profissão. Observa-se que, de um modo geral, os estereótipos positivos visam aos homens e os negativos, às mulheres. Baseiam-se estes últimos em uma pretensa inferioridade física e intelectual. A mulher é sempre apresentada como ligada à natureza, à sua contingência biológica, enquanto que o homem é apresentado como ligado à cultura, à abstração, à técnica. A condição física, social e psicológica usada para considerar a mulher ligada à natureza acabou impressa nas instituições, na divisão dos papéis, nos costumes, nas leis que tratam das relações entre os homens e as mulheres e das relações entre ambos e o Estado. Por esses motivos, podemos ver claramente que a luta pela libertação da mulher passa, queiram ou não, pelo esforço de cada um em descobrir na vida cotidiana os estereótipos implícitos e explícitos que

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servem para justificar a política discriminatória contra a mulher, para poder então catalogá-los, classificá-los, denunciá-los e combatê-los. Agindo assim estaremos contribuindo concretamente para resgatar a verdadeira identidade da mulher e a sua história, eclipsada pelos homens; poderemos assim devolver-lhe um lugar que ela merece, por direito e por justiça, no seio da sociedade em que está inserida. A luta contra os estereótipos sexistas deverá, todavia, ir além da descoberta e da denúncia. Ela deve também incluir a elaboração de obras não-sexistas (livros didáticos, manuais escolares, peças de teatro, literatura infanto-juvenil etc.), já que a essas obras compete descrever a realidade e não deturpá-la; deve assegurar que se desenvolva nas escolas um processo de educação não-diferenciada entre meninos e meninas; deve lutar pela construção de novas relações baseadas na amizade, fraternidade e ajuda mútua entre alunos(as) e professores(as), homens e mulheres, pais e filhos, cidadãos(ãs) e Estado, e ainda pela elaboração de leis que igualem a mulher ao homem. É uma luta justíssima! A mulher, em sua condição de ser humano, igual ao homem, torna-se inferior a ele por força de uma cultura que é introjetada em ambos os sexos desde o período da gestação, preparando a mulher para ser dominada, submissa, passiva, apenas um apêndice do homem. E este para ser o dominador, o chefe, o mandatário, o ser ativo e criador, enfim, o tronco de uma árvore, da qual a mulher é um simples ramo: “Ninguém nasce mulher, torna-se mulher” escreveu Simone de Beauvoir, em seu livro O Segundo Sexo.

Descobrindo os estereótipos Na família 1) Prevendo o sexo do bebê que vai nascer Está comprovado cientificamente que é o pai que determina o sexo da criança. Apesar dessa certeza da responsabilidade paterna na determinação do sexo do nascituro, há muita dificuldade em ser assimilada. Existe um preconceito profundamente arraigado, que vê 114

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na mulher a única responsável pelo bem ou pelo mal. No caso, pela determinação do sexo do bebê, costuma-se dizer: “Minha mulher deume um belo garoto”. “Minha mulher só sabe fazer meninas”. “Minha mulher é incapaz de fazer um filho homem”. 2) Será menino ou menina? Apesar dos modernos aparelhos de ultra-sonografia que detectam o sexo do bebê, ainda existem muitas simpatias para prever se nascerá menino ou menina. Em geral, elas são oriundas das regiões agrárias, mas mantêm seus resquícios nas cidades onde a crendice popular, a falta de cultura ou ignorância as alimentam. Previsões para o sexo Nascerá menina

Nascerá menino

Um punhado de trigo, cujo número de grãos formar um número ímpar.

... número par.

Uma moeda enfiada sob as roupas da mulher grávida e que caia com a cara para baixo.

... cara para cima.

Se a mulher grávida tiver ventre chato, arredondado.

... ventre pontiagudo (alusão ao falo).

Seio direito da mulher grávida menor.

... seio direito maior.

Mulher grávida pálida.

... mulher grávida rosada.

Mulher grávida feia.

... mulher grávida bonita.

Feto que começa a se agitar a partir de 90 dias.

... a partir de 40 dias.

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3) O bebê chegou A recepção à mulher A chegada de uma menina encontra o silêncio. Se for a primogênita, então o silêncio se transforma em resmungos e protestos.

A recepção ao homem Se nascer um menino, no campo se fazem grandes festas para recebê-lo. Se nascer na cidade, o pai distribui charutos ou paga bebida para os amigos.

4) O preparo do enxoval e a ornamentação do quarto do bebê No caso da mulher

No caso do homem

Enxoval branco ou rosa (cores doces, fracas).

Enxoval azul, amarelo (cores quentes, agressivas).

Camisolinhas com fitas e bordados.

Macacõezinhos discretos.

O quarto é ornado com cortinas, colchinhas coloridas, bonecas nas estantes, módulos em forma de fadas, anjos, flores, bonequinhas, plantas, bruxas montadas em vassouras etc.

O quarto é ornado com cortinas de lonita com cores sóbrias, coloca-se uma estante para os estudos do futuro menino, os módulos representam palhaços, bolas coloridas, aviões, animais etc. Nas estantes existem automoveizinhos, aviões, bolas, raquetinhas etc. Algumas mães se adiantam à natureza, colocando recortes de mulheres nuas nas paredes.

5) A alimentação Para a mulher

Para o homem

As meninas mamam menos vezes por dia.

O menino é considerado mais forte, deve mamar mais vezes ao dia.

As meninas mamam por um período mais curto.

Os meninos são desmamados mais tarde.

As meninas comem porções menores na alimentação.

Os meninos comem porções maiores.

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6) A educação Das meninas

Dos meninos

Geralmente a educação da menina é considerada secundária. Por isso, em caso de dificuldades de ordem econômica, de locomoção até as escolas a grandes distâncias etc., ela é a primeira a deixar a escola. Precisa ajudar a mãe nos afazeres domésticos.

A educação para o menino é prioritária. Ele será o futuro sustentáculo da família. Seu curso não pode ser interrompido, mesmo que a situação econômica dos pais não seja boa ou a escola distante. Para ele não é problema pegar carona.

7) Os brinquedos Das meninas

Dos meninos

Bonecas

Bola

Panelinhas

Trenzinho

Máquinas de costura

Carrinhos de todos os tipos

Caixinhas de bordar

Aviões

Bercinho

Pistolas e revólveres

Aparelhinhos de café, chá, jantar, faqueirinhos

Luvas de boxe

Corda para pular

Nadadeiras para pesca submarina

Aquarela para pintar

Jogos de armar, de xadrez

Livros de fadas e duendes

Varas de pescar

Romances de amor

Motocicleta

8) Os jogos Das meninas

Dos meninos

Comadre

Futebol

Casinha

Bolinha de gude

Amarelinha

Subir em árvores

Escolinha (professora)

Bandido e mocinho

Babá

Empinar papagaio

Esconde-esconde

Skate

Patinação

Rolimã

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9) O comportamento exigido Para a menina

Para o menino

Guardar sua sexualidade para depois do casamento. Todas as atitudes que revelem manifestações sexuais devem ser sufocadas. “Mulher não precisa de sexo”. Seu corpo deve ser ocultado.

Deve começar a exercer sua sexualidade desde cedo. Suas manifestações relativas ao sexo devem ser salientadas, exigidas, demonstradas. Ele tem que provar que é macho, garanhão etc.

Morar com os pais até o casamento.

Os filhos homens devem morar fora, “Eles têm a sua vida”, costuma-se dizer.

Deve ser bem comportada, asseada, educada. A aparência é fundamental.

Devem ser tranqüilos, podem ser negligentes com o asseio pessoal e a sua aparência física. A má educação não lhes fica mal. São “naturalmente agressivos”.

As meninas devem sempre estar preparadas para satisfazer as necessidades dos homens da família, ao lado de sua mãe. Elas criam o “repouso do guerreiro”. São preparadas desde cedo para cuidar do bem-estar da família no interior do lar.

Os homens devem criar necessidades para que as irmãs e demais membros femininos da família as satisfaçam. Eles são os “guerreiros” que devem repousar. O menino não é treinado para ter responsabilidades ou funções em relação às tarefas que funcionam para o bem-estar de todos dentro do lar.

10) Os pais A mãe

O pai

Cuida da casa, dos filhos, dos parentes enfermos e velhos. Elas cumprem todas as obrigações da vida privada. Seu trabalho é ignorado, não tem valor e não recebe nada pelo que faz. Realiza dupla jornada de trabalho (concilia o trabalho doméstico com o profissional).

Cuida da política, da economia, da ciência, da cultura, enfim, da vida pública. Seu trabalho é valorizado e bem remunerado. Ele ganha dinheiro e sustenta a família financeiramente. Não cumpre qualquer tarefa doméstica. “Não lhe fica bem”. Quando chega em casa assiste à televisão, ouve rádio, lê seus livros, visita os amigos.

11) Os filhos A filha

O filho

Ajuda a mãe nas tarefas domésticas. Prepara-se para ser a futura mãe, esposa e dona de casa. Faz a feira, cuida do irmãozinho.

Colabora com o pai na arrumação do carro da família, nos pequenos consertos da casa, vai ao banco ou fazer compras de livraria, drogaria etc.

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Na escola 1) Hierarquia do sistema escolar Mulheres

Homens

São professoras da pré-escola e da escola primária, prioritariamente.

São professores secundários e universitários, de pós-graduação e doutorado, prioritariamente.

São secretárias, assistentes de direção, professoras, adjuntas.

São diretores, inspetores, chefes de departamento, catedráticos.

2) Carreiras estimuladas Mulher

Homem

Enfermagem

Engenharia

Magistério

Química

Nutrição

Matemática

Assistência social

Filosofia

Pediatria

Psiquiatria

Ginecologia

Desenho industrial

Geografia

Análise de dados

Veterinária

Física

Psicologia

Agronomia

Fisioterapia

Arquitetura

Comunicação/Jornalismo

Ciências políticas

Lingüística

Mecânica em geral

Decoração

Administração de empresas

Descobrindo os estereótipos

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3) Livros didáticos e manuais escolares (ilustrações, papel desempenhado etc.). Meninas e mulheres

Meninos e homens

Aparecem em menor número.

Aparecem em maior número.

São sempre heroínas secundárias.

São sempre os heróis principais.

Estão sempre em atitude passiva (olhando, esperando etc.).

Estão sempre em atitude ativa (realizando, criando, fazendo).

São sempre bonitas, boas, bobas, passivas, ternas, choronas, “fofoqueiras” etc. Aparecem sempre como mãe, esposa, dona de casa. São princesas, fadas, mocinhas, bruxas, deusas, santas.

Não primam pela beleza, são inteligentes, aparecem exercendo atividades esportivas e profissionais. São cavaleiros, príncipes, bandidos, piratas.

4) Distribuição dos trabalhos entre alunos Aluna

Aluno

As meninas realizam as tarefas mais leves e menos responsáveis: regam flores, enfeitam as salas, varrem o pátio, preparam os jogos de salão.

Os meninos são sempre aqueles que pintam a escola, carregam caixas, transportam móveis.

Nos grupos de trabalhos, as mulheres são sempre as secretárias.

Os meninos são geralmente os chefes dos grupos de estudo, pesquisadores, relatores etc.

5) A linguagem A linguagem que se aprende na escola ou pelos meios de comunicação está impregnada de estereótipos. Ela garante a invisibilidade da mulher. Geralmente a mulher é um ser humano sem história, sem identidade, invisível, anulada em todos os campos. Os homens é que são os notados. Na linguagem, o uso do masculino é uma constante.

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Na língua portuguesa existem os gêneros masculino e feminino para substantivos e adjetivos. O gênero masculino termina em o e o feminino em a. Os adjetivos concordam com os substantivos em gênero, número e grau. Exemplo: mulher feia – homem feio, calça vermelha – vestido vermelho. Quando, em uma frase, feminino e masculino se apresentam, é necessária a concordância de adjetivo em termos de masculino plural. Exemplo: mulher e homem, feios; calça e vestido vermelhos. Alguns gramáticos aceitam, em certos casos, a possibilidade do adjetivo concordar em gênero e número com o substantivo mais próximo. Exemplo: vestidos e calças vermelhas, homem e mulher feia. Quando se quer reunir substantivos de gêneros diferentes, também é sempre usado o masculino. Exemplo: Paulo tem primos (primos e primas). Sempre dizemos: meus pais. Jamais se diz: minhas mães para designar o pai e a mãe. Quando se tem que escolher um pronome pessoal para substituir nomes próprios, usa-se sempre o masculino da terceira pessoa do plural. Exemplo: Paulo e Joana saíram juntos, ou Eles saíram juntos. Muitas vezes, o masculino é usado para designar todos os membros de uma espécie. Exemplo: homem para designar seres humanos. Dizemos “Direitos do Homem” e não “Direitos Humanos” (essa última expressão só agora começa a ser empregada). “O homem conquistou a lua”. Se dissermos “A mulher conquistou a lua” não estaremos absorvendo a idéia de que foi a humanidade que conquistou a lua, mas sim, uma mulher. Falamos sempre, ao nos referirmos ao “homem pré-histórico”: Homem do Cro-Magnon, Homem de Pekim, Homem de Java, Homem de Neanderthal. Pelo que vemos, não existem mulheres na pré-história. O uso genérico do masculino encontra-se também na denominação de todas as profissões. No Brasil, agora dizemos presidenta. Mas em muitos países só se pode dizer presidente, mesmo que no posto esteja uma mulher. Na França, se diz obrigatoriamente Primeiro-Ministro Margareth Thatcher e não Primeira-Ministra.

Descobrindo os estereótipos

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A nomenclatura religiosa é rica nessa anulação da mulher: existem anjos não existem anjas embora se diga que “anjo não tem sexo”. A linguagem garante também a condição da mulher como objeto: “Ela é bonitinha, mas burra como todo homem gosta”; “Você é bonita demais para ter tanto talento”; “Mulher feia não dá palpite”; “Mulher feia é como sucata, não tem lugar no mercado”. Dizer que uma mulher é barriguda, é feio. Ela sempre tem que ter um corpo escultural. Dizer que um homem é barrigudo é simpático: “Sua barriga é puro chope”; “Está gordo porque vive na boa vida”; “Barriga em homem é sinal de opulência”. Mulher velha é chamada de bagulho, sucata, bucho. Homem careca, enrugado e de cabelos brancos é “um velhinho charmoso”. Quanto à idade, nunca se deve perguntar à mulher quantos anos ela tem. E se perguntarmos, deve ser com uma desculpa: “Desculpe perguntar, qual a sua idade?”; “Você é tão conservada, qual a sua idade?” Na condição de objeto, a mulher deve ser sempre bonita. Por isso, há todo um leque de adjetivos para falar de sua beleza: bonita, gostosa, atraente, “sexy”, boazuda, pantera, gatona, gracinha. O homem é apenas bonito, lindo, simpático. No máximo um gatão ou um “pão”. Na linguagem, a mulher é sempre comparada à comida: chuchuzinho, uva, doce, bombonzinho. Ela sempre recebe um adjetivo com nome de comida. É que, para o homem, comer é praticar o ato sexual. “Transar” uma mulher é “comê-la”, assim ela vai naturalmente ser comparada à comida. Quando a mulher não agrada ao homem, ele diz: bucho, abóbora, bacalhau, repolho.

O duplo valor A linguagem que aprendemos é rica em duplos valores, principalmente no que tange à moral. Para o homem a moral sexual é permissiva. Para a mulher, restritiva. Exemplo: diz-se que, “o homem é um animal polígamo por natureza”. Da mulher que tem muito relacionamento físico se diz: “é uma galinha”.

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Quando o homem é mulherengo se diz: garanhão, eterno insatisfeito, D. Juan, gostosão. A mulher que gosta de muitos homens é assanhada, sem-vergonha, Maria batalhão. Quando alguém diz: “Não permito que meu filho se case com uma vagabunda” quer dizer que não permite que seu filho se case com uma prostituta. Se disser: “Não quero que minha filha se case com um vagabundo”, quer dizer que não quer que ela se case com um homem que não gosta de trabalhar. O termo inocente significa casta, pura, ingênua, virgem. Mas um homem inocente é: idiota ou imbecil. Usamos muito o nome de certos animais para designar certos tipos de mulheres e certos tipos de homens. Aí também, o duplo sentido é evidente: Cachorro e cadela Cachorro: um indivíduo indigno, canalha. Cadela: mulher sem procedimento, censurável, meretriz. Cavalo e égua Cavalo: indivíduo bruto, sem educação, grosseiro, estúpido. Égua: prostituta. Galo e galinha Galo: vaidoso. Galinha: mulher que “se entrega” com facilidade. Touro e vaca Touro: homem forte, fogoso, robusto. Vaca: leviana, perdida. A linguagem expressa sempre a passividade da mulher. Exemplo: “Ela foi comida por ele”; “Paulo é o pretendente” (Maria a pretendida); “Ele escolheu Maria para esposa” (Maria foi escolhida para esposa); “João leva Maria à praia”. “Maria vai com João à praia”. Quando são dois homens que vão à praia. Diz-se, por exemplo: “João vai com Pedro à praia”; “João e Pedro vão à praia”.

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Sociedade em geral No trabalho 1) Profissões (ditas femininas e ditas masculinas) De mulheres

De homens

Assistente social

Agricultor

Bibliotecária

Barbeiro

Datilógrafa

Sapateiro

Documentarista

Mecânico

Empregada doméstica

Açougueiro

Faxineira

Padeiro

Enfermeira

Eletricista

Manequim

Motorista

Secretária

Marceneiro

Caixa

Soldado

Nutricionista

Salva-vidas

Babá

Pescador

Costureira

Regente

Lavadeira

Jardineiro

Professora primária

Tratorista

Estilista de moda

Aviador

Decoradora

Astronauta

Manicura

Mergulhador

Doceira

Juiz de futebol

Telefonista

Pedreiro

Esteticista

Funileiro

Balconista de perfumaria

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Zuleika Alambert


2) Distribuição de homens e mulheres na indústria e no comércio

Homens

Mulheres Alimentação

Automobilística

Brinquedos

Autopeças

Indústria fumageira

Química

Vestuário

Indústria petrolífera

Tecelagem

Mineração

Fabricação de sapatos

Bebidas

Perfumaria

Indústria madeireira

Cosméticos

Indústria moveleira

Aparelhos eletrônicos de pequeno porte (relógios etc.)

Construção civil

Salinas

Construção naval

Sucos, doces e conservas

Pesca

Laticínios

Cerâmica (tijolos, telhas, ladrilhos)

Fogos de artifício

Armamento

NOTA: As mulheres geralmente estão na indústria leve, vinculadas ao trabalho doméstico ou a trabalhos que requeiram grande habilidade manual.

3) O duplo sentido nas mesmas funções com denominações e valores diferentes Mulheres

Homens

Cozinheira

Mestre-cuca, chefe de cozinha, “cordon bleu”

Costureira

Alfaiate, costureiro (de alta costura)

Aeromoça

Comissário de bordo

Lavadeira

Tintureiro

Governanta

Mordomo

Garçonete (serve em lanchonetes)

Garçom (serve em restaurante)

Descobrindo os estereótipos

125


4) No trabalho, a mulher é sempre dependente do homem Mulheres

Homens

Enfermeira

Médico

Secretária

Executivo

Ajudante do mágico

Mágico

Balconista

Chefe de seção

Assistente

Expositor

Professora primária

Diretor, inspetor

Na vida política, nas organizações de todo tipo, elas são sempre dependentes 1) Na política Homens

Mulheres Eleitoras

Candidatos

Militantes de base

Presidente de diretório

Membros do diretório nacional

Presidente do partido

Recebem como tarefa partidária: fazer inscrições de casa em casa, apoio a candidatos, distribuição de materiais, coletas de assinaturas, limpeza de sede, serviços de secretaria, servir café, atender telefone etc.

Têm como tarefas: dirigir o partido, fazer informes, realizar discursos, ocupar os cargos administrativos de importância, ocupar as instâncias partidárias mais altas.

2) Nas organizações em geral Mulheres São sempre simples militantes.

126

Homens Ocupam sempre cargos dirigentes.

Zuleika Alambert


No esporte Mulheres

Homens

Voleibol

Surfe

Natação

Automobilismo

Tênis

Futebol

Pingue-pongue

Box

Saltos ornamentais

Asa delta

Ginástica olímpica

Pára-quedismo

Mory-borg

Remo

Hand-boll

Arremesso de peso

Nado sincronizado

Levantamento de peso

Frescobol

Hipismo

Balé aquático

Mergulho em profundidade

Patinação no gelo

Pesca submarina

Na música e outras artes 1) Instrumentos próprios para mulheres e para homens. Mulheres

Homens

Piano

Violoncelo

Flauta

Baixo

Flautim

Contrabaixo

Violino

Pratos

Órgão

Tambor

Cravo

Saxofone

Harpa

Clarinete

Violão

Cavaquinho

2) Outras atividades musicais Mulheres São geralmente cantoras ou instrumentistas.

Homens São compositores, regentes de orquestras, arranjadores.

3) Outras artes Mulheres

Homens

São modelos.

São escultores, pintores.

Escrevem romances e versos de amor.

Escrevem romances de aventuras eróticos.

São bailarinas.

São coreógrafos.

Descobrindo os estereótipos

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Nos atributos pessoais 1) Físicos Mulheres

Homens

Bonitas

Feios

Magras

Fortes

Graciosas

Musculosos

Baixas

Altos

Sem pêlos

Peludos

Mãos e pés pequenos

Mãos e pés grandes

2) Espirituais Mulheres

Homens

Meigas

Agressivos

Dóceis

Duros

Passivas

Ativos

Covardes

Valentes, corajosos

Faladeiras

Calados

Emocionais

Sem emoção, frios, indiferentes

Dependentes

Independentes

Sem iniciativa

Criativos, inventivos

Ternas

Rudes

Sensíveis

Insensíveis

Irracionais

Racionais

Românticas

Realistas

Frágeis

Fortes

Vacilantes

Decisivos

Idealistas

Calculistas

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Zuleika Alambert


Zuleika Alambert por Rachel GutiĂŠrrez


Zuleika Alambert por Rachel Gutiérrez1 Nada melhor para ilustrar a trajetória de Zuleika Alambert que os versos, que ela tanto ama, do poeta espanhol Antonio Machado: Caminhante, são tuas marcas/ o caminho, e nada mais; pois não havia um caminho pronto para a menina pobre de Santos, que, tantas vezes, terá brincado diante do mar infinito sem saber que pertencia à estirpe ilustre das mulheres que traçaram nosso rumo na História. Pois, Zuleika pertence à família espiritual de Olympe de Gouges, de Flora Tristan, de Emma Goldmann e de Alexandra Kollontai. Na cidade que, como ela diz, cheira a mar e café, sonhou, como aquelas mulheres, com a justiça e a liberdade e descobriu sua vocação política. Caminhante, não há caminho/se faz caminho ao andar Seu sonho e seus passos abrem o caminho: faz comícios, visita morros e favelas, enfrenta o frio das madrugadas e fala nas portas das fábricas; funda 14 departamentos femininos nos Comitês Populares de Santos, funda a Sociedade pela Cultura Feminina, em São Vicente, e é eleita deputada estadual, pelo PCB, aos 22 anos. No andar se faz caminho, mas os descaminhos do autoritarismo cassam-lhe o mandato em 1947. Enfrenta a clandestinidade. Volta à luta em 1950 e é, mais uma vez, cassada em 1964. Exila-se primeiro

1

130

Entre outros livros de prosa e poesia, Raquel Gutiérrez é autora de Feminismo e Humanismo.


no Chile, depois em Paris. Descobre o feminismo, e ao olhar para trás/ (...) vê a senda que nunca/ (..) há de voltar a pisar. Se antes acreditou que bastava integrar as mulheres na luta política, na vida pública, à beira do Sena pensa no “rio enorme e caudaloso” que nós, mulheres, temos de atravessar. E o seu combate se amplia para denunciar a dominação, a espoliação e a injusta descriminação de que somos vítimas. Deixa “no meio do caminho a pele velha” e, decretada a anistia, volta ao Brasil. Chega ao Rio uma nova Zuleika, uma Nova Mulher. Sucessora de Ruth Escobar, no Conselho Estadual da Condição Feminina, em São Paulo, faz uma administração admirável e, concluída a sua gestão, lá permanece trabalhando incansavelmente pela causa das mulheres. É uma das melhores oradoras e debatedoras das questões feministas. Ao olhar para trás, ao contar sua vida, Zuleika, como em seu último livro, Feminismo, o pensamento marxista, não separa a luta individual da luta coletiva por um Brasil mais justo. E vem mantendo, nessa vida que ela mesma qualifica como “complicada”, em sua brilhante trajetória, além da energia e da esperança contagiantes, uma autenticidade e uma simplicidade invejáveis. A Caminhante que sabia que não há caminho/Apenas estrelas no mar. Tornou-se, ela mesma, uma estrela a iluminar os caminhos de suas companheiras, as mulheres deste país. É a esta estrela – Zuleika Alambert – que fazemos o nosso agradecimento e prestamos a nossa homenagem hoje, aqui. Rio, 29 de abril de 1988

Artigo

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60 Mulheres que Marcaram a Hist贸ria do Feminismo


60 Mulheres que Marcaram a História do Feminismo 1. Christine de Pisan (1364-1429) Primeira mulher escritora. “...as mulheres são constantemente apresentadas de modo preconceituoso e sem motivo justo...” (A Cidade das Mulheres, 1402)

2. Loise Labé (1520-1566) Poeta de Lyon. “...Que as severas leis dos homens não impeçam mais as mulheres de se dedicarem às ciências.”

3. Marie de Gournay (1566-1645) Teórica feminista. “Feliz és tu leitor se não estás no lugar do sexo ao qual se proíbem todos os bens, inclusive a liberdade.” (O Protesto das Senhoras, 1626)

4. Olympe de Gouges (1748-1793) “Uma mulher tem o direito de subir ao cadafalso; ela deve ter, igualmente, o direito de subir a uma Tribuna.” (Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã, 1791)

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5. Mary Wollstonecraft (1759-1797)

“Que a mulher partilhe dos direitos dos homens e ela estimulará suas virtudes.” (Defesa dos Direitos da Mulher, 1792)

6. Théroigme de Mericourt (1762-1817)

“Mostremos aos homens que nós não somos inferiores a eles, nem em virtudes nem em coragem...” (1790)

7. Madame de Staël (1766-1817)

“Examinai a ordem social e vereis logo que toda ela se volta contra uma mulher que queria chegar à altura da reputação de um homem.”

8. Eugénie Niboyet (1800-1882)

“A nossa causa é tão boa, tão justa que pode marchar de cabeça erguida e se defender por conta própria.” (A Voz das Mulheres, 1848)

9. Suzanne Voilquin (1801-1876)

Sansimoniana. “...o princípio da igualdade dos sexos, tornando a sociedade mais feminina, descobrirá o desconhecido.” (A Mulher Livre, 1832).

10. Flora Tristan (1803-1844)

“O homem mais oprimido pode oprimir um ser, que é a sua mulher. Ela é a proletária do próprio proletário”.

11. Jeanne Derouin (1803-1894)

“Mudai as condições da oficina, mas não persigam as mulheres.” (Resposta a Proudhon: “A oficina não é feita para as mulheres”)

60 Mulheres que Marcaram a História do Feminismo

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12. George Sand (1804-1876)

“Minha causa é a da metade do gênero humano, é a causa de todo gênero humano...” (Indiana, 1832). “A educação pode e deve encontrar remédio para tudo”. (Mauprat, 1837).

13. Pauline Roland (1805-1852)

“Queremos que a mulher, tanto quanto o homem, seja criada como um ser livre, racional, pertencendo a si mesma, independente.”

14. Elisa Lamonnier (1805-1865)

Criadora das Escolas Profissionais para as Mulheres, em 1862.

15. Marie D´Agoult (1805-1876)

“A desigualdade entre os dois sexos... é um conceito inadmissível para a consciência moderna.”

16. Susan B. Anthony (1820-1906)

“Jamais nos calaremos até o dia que nos concedam os mesmos direitos dos homens.” (Mensagem às futuras gerações, 1881)

17. Rosa Bonheur (1822-1899) Pintora. “Por que não terei orgulho de ser mulher?”

18. Helène Bertaux (1825-1909)

“Uma força ignorada, desconhecida, atrasada em seu vôo, assim é a mulher artista; uma espécie de preconceito social ainda pesa sobre ela...” (União das Mulheres Pintoras e Escultoras, 1881)

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Zuleika Alambert


19. Nathalie Lemel (1827-1921)

Religiosa. Fundou a Sociedade da Marmita e a União das Mulheres em Defesa de Paris durante a Comuna.

20. Maria Deraisme (1828-1894)

“A inferioridade das mulheres não é um fato natural, é uma invenção humana, uma ficção social.” (O Direito das Mulheres, 1869)

21. Louise Michel (1830-1905)

“Se a igualdade entre os sexos fosse reconhecida, isso seria uma importante abertura na ignorância humana”

22. Clemence Royer (1830-1902)

Cientista e filósofa. “As duas metades da humanidade, por conta de uma diferença muito radical na educação, falam dois dialetos diferentes.” (Introdução à Filosofia das Mulheres, 1859)

23. Olympe Audouard (1830-1890)

“Para uma mulher conseguir vencer em qualquer carreira é preciso que ela tenha um talento dez vezes maior do que o talento de um homem..” (Carta aos Deputados, 19 de junho de 1862)

24. Andrée Léo (1832-1900)

“Acreditam que se possa fazer a revolução sem as mulheres?” (A Social, 8 de maio, 1871)

25. Pauline Kergomard (1838-1925)

Criadora da Escola Maternal na França, 02/08/1881. Inspetora Geral das Escolas Maternais, até junho de 1917.

60 Mulheres que Marcaram a História do Feminismo

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26. Paule Minck (1839-1901)

Comunarda. “A Revolução Social não poderá ser definitivamente vitoriosa a não ser quando o homem e a mulher, enfim reconhecidos, combaterem juntos pela justiça e pela igualdade.” (1897)

27. Marie Bonnevial (1840-1919)

Jornalista de A Socialista. “A família socialista será composta por dois seres iguais em direitos na sociedade normal do futuro.” (1895)

28. Marie Pognon (1844-1925)

Presidenta da Liga Francesa pelos Direitos da Mulher. “Em lugar da caridade, nós, feministas, queremos a solidariedade.” (Discurso no Congresso Internacional da Condição e Direitos das Mulheres, 1900)

29. Hubertine Auclert (1848-1914)

Diretora da Cidadã. “Eu não voto, eu não pago.” (Carta ao Prefeito, 1881) “Será justo que as mulheres cumpram as leis que elas não elaboram? Que elas sejam menores diante dos direitos e maiores diante das leis regressivas?” (O Direito Político das Mulheres, 1878).

30. Aline Valette (1850-1899)

“Que as mulheres venham a compreender que a sua dupla escravidão é o resultado de sua dupla qualidade de produtoras e de reprodutoras, então, a denominação masculina se dissipará delas mesmas” (Socialismo e Sexualismo, in Programa do Partido Socialista Feminino, 1893).

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Zuleika Alambert


31. Elizabeth Dimitrieff (1851-1918)

“Paris está cercada. Paris está bombardeada... queremos ser livres! Cidadãs, é preciso vencer ou morrer!” (União das Mulheres em Defesa de Paris, 1871)

32. Ellen Key (1851-1926)

“As mulheres não devem se contentar em seguir o progresso geral da humanidade, mas em seguir seu próprio desenvolvimento.”

33. Clara Zetkin (1857-1933)

“A mulher é escrava do homem e ficará nessa condição até que alcance sua independência econômica.” (1889)

34. Emmeline Pankhurst (1858-1928)

“Se as mulheres fossem livres, nenhuma delas se oporia às leis”. (União Social Política das Mulheres, 1903)

35. Marguerite Durand (1864-1936)

“A vanguarda... foi... a personificação do feminismo até mesmo quando esparso e inconsistente...” (A Vanguarda Cotidiana das Mulheres, 1897-1905).

36. Alexandra David Neel (1868-1969)

Primeira mulher estrangeira a penetrar no Lhassa, no Tibet. “A aventura... única razão de ser da minha vida”.

37. Emma Gulman (1869-1940)

“A liberdade da mulher se ampliará até o limite de seu poder de libertar-se por ela mesma.” (A Tragédia da Emancipação Feminina, 1906).

38. Rosa Luxemburgo (1870-1919)

“Quero agir sobre as pessoas como um trovão, mas para isso não é necessário recorrer a outros meios que não sejam meus talentos.”

60 Mulheres que Marcaram a História do Feminismo

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39. Alexandra Kollontai (1872-1952)

“A completa libertação da mulher que trabalha e... uma nova moral sexual, serão, durante, toda minha vida, meus objetivos mais caros.” (1926)

40. Collete (1873-1953)

“Ser nossos mestres no prazer, mas, jamais como nossos iguais... eis o que jamais poderei perdoar-lhes.”

41. Madeleine Pelletier (1874-1939)

“Qualquer pessoa é verdadeiramente digna da liberdade quando não espera que ela lhe seja concedida, mas conquistando-a.”

42. Maria Verone (1874-1938)

Advogada sufragista “A insurreição é o mais sagrado dos direitos.”

43. Suzanne Lacorre (1875)

“A igualdade perseguida como um fim é um engodo. Ela deve ser somente um meio, um caminho para a igualdade econômica.” (A Eqüidade, 1913)

44. Marie Curie (1877-1934)

Prêmio Nobel de Física, 1903; de Química, 1911. “Qualquer coisa de vital... este espírito de aventura que parece sem raiz e assemelha-se à curiosidade.”

45. Cécile Brunschwicg (1877-1946)

“...para um estrangeiro é uma grande surpresa constatar as hesitações de nosso Parlamento em regulamentar, definitivamente, a questão do voto feminino.” (1938)

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Zuleika Alambert


46. Madeleine Vernet (1888-1949)

“Levantemo-nos diante da guerra e dos implacáveis inimigos para derrubá-los e destruí-los.” (A Mãe Educadora, 1921)

47. Marie Guillot (1880-1934)

“A mulher operária ignora, portanto, a força da organização. Ela é a primeira vítima desta situação.” (1913)

48. Henriette Alquier (1880)

Instrutora “...na sociedade com a qual sonhamos e onde só existirão produtores, a maternidade será sempre uma função social.” (1926)

49. Eugénie Cotton (1881-1967)

“Uma sociedade onde as mulheres puderem falar, será uma sociedade de paz.”

50. Hélène Brion (1882-1962)

“Eu sou inimiga da guerra porque sou feminista: a guerra é triunfo da força brutal, o feminismo só pode triunfar pela força moral e o valor intelectual.”

51. Virgínia Woof (1882-1941)

“As mulheres ficaram sentadas no interior de suas casas durante milhões de anos, embora, no presente, os próprios muros estejam impregnados de sua força criadora”. (Um Quarto para Si)

52. Marcelle Capy (1891-1962)

“A corrente que impulsiona as massas femininas para o trabalho será mais forte do que nunca.” (1916)

60 Mulheres que Marcaram a História do Feminismo

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53. Louise Weiss

“Se é preciso libertar as mulheres de um pesado passado de preconceitos e revisar as leis é preciso, também, e sobretudo, libertar a mulher dela própria.” (Luta pelas Mulheres).

54. Bertie Albrecht (1895-1943)

“Pode-se, atualmente, julgar qual é o grau de dignidade alcançado pela mulher num país, pelo estado da questão do controle dos nascimentos nesse país.” (1934)

55. Marguerite Thibert (1837)

“A mulher deve ser criadora na vida coletiva e não somente gerando filhos.” (1980)

56. Helène Boucher (1908-1934) Rali Paris Saigon, 1929. Recorde Mundial de Velocidade, 08/08/1934.

57. Colette Audry

“Por mais longe que eu recorde, não encontro um só momento em que eu possa me imaginar de outro modo que não seja independente.” (A Criação Sufocada, 1973).

58. Simone de Beauvoir

“Não se nasce mulher, nos tornamos mulher”. “A libertação das mulheres começa no ventre.” (O Segundo Sexo, 1949)

59. Betty Friedam (1921-)

“O casamento e a maternidade não são mais um fim em si.”

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Zuleika Alambert


60. Kate Millet (séc. XX)

“Todas as civilizações históricas são patriarcais. Sua ideologia é a supremacia masculina.”

Pesquisa realizada pelo Ministério dos Direitos da Mulher da França para as comemorações do Dia Internacional das Mulheres, 8/3/1982.

60 Mulheres que Marcaram a História do Feminismo

143



Quem ĂŠ Zuleika Alambert


Quem é Zuleika Alambert Viajar com Zuleika; percorrer o imaginário das trilhas originais de sua história; conhecer seus instrumentos e as argamassas de construção dos alicerces de sua sólida estrutura, humanista, libertária, fraterna, sem concessões, em todos os tempos/lugares/espaço sempre na vanguarda; partilhar de sua companhia; trocar idéias para editar este livro; tudo isso foi um privilégio que desfrutei agradecida, sobretudo à sorte de haver conquistado essa profissão que abraço. E as conseqüências dessa convivência são irreversíveis, pois esta mulher é apaixonante. Pela leitura de seus textos, facilmente percebe-se sua sensibilidade e, mais do que qualquer coisa, sua agilidade, sua inquietação, sua busca frenética de fatos, de respostas, de história. Mas conheçam um pouco da vida dessa autodidata que traz em sua personalidade a magia de ser uma pessoa de rica experiência política e humana, porém, simples, digna e básica, assim como a leitura desse livro que aqui encerramos.

Seguem alguns fragmentos da história de uma mulher que orgulha a história das mulheres do Brasil. A Editora

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Zuleika Alambert nasceu em 23 de dezembro de 1922, em Santos, São Paulo. Originária de uma família muito pobre, seu pai, Juvenal Alambert, trazia-a sob rígida disciplina e sua mãe, Josepha Prado Alambert, era a mãe e a dona de casa, seguidora dos padrões da época. Não lhe davam liberdade alguma para voar. Surgem daí suas primeiras transgressões. Tem formação em Ciências Contábeis e concluiu o Curso Intensivo de Economia, de Filosofia e História do Movimento Operário Internacional, em Moscou/URSS. Sua militância política impediu que seguisse um caminho linear em sua escolaridade. Autodidata, Zuleika rompeu barreiras inimagináveis para uma mulher nascida na década de 1920. Iniciou sua militância política nos anos 1940, durante a II Grande Guerra, filiando-se ao Partido Comunista – PCB. Além de atuar intensamente em todas as ações e atos, em Santos e São Vicente, após a guerra, estando o país ainda atado às seqüelas do Estado Novo, participou de manifestações em defesa de presos políticos, por anistia geral e irrestrita, e de atos públicos pela redemocratização do país, pela convocação da Assembléia Nacional Constituinte. Participou na criação da Associação Feminina pela Cultura da Mulher, em São Vicente, em 1943, e na de 14 departamentos femininos anexos aos Comitês Populares Pró-Democracia. Em 1947, aos 25 anos de idade, elegeu-se deputada estadual pela Baixada Santista e, juntamente com Conceição Neves Santa Maria, foram as primeiras mulheres no Estado a terem assento no Palácio 9 de Julho. Nesse mesmo ano, em 8 de maio, o Supremo Tribunal Eleitoral votou a cassação do registro do PCB. Em um contexto de forte repressão, e já sem o suporte de um partido legalizado, mas ainda na qualidade de Deputada, participou do grande comício no Vale do Anhangabaú em defesa dos mandatos comunistas. Em 1948, teve o mandato cassado pela Assembléia Legislativa do Estado em cumprimento à sentença do Supremo Tribunal Eleitoral, sendo obrigada a mergulhar na clandestinidade partidária. O motivo 147


essencial para a busca e ordem de prisão de todos os parlamentares comunistas do país deu-se a partir de um manifesto, por toda a bancada, em defesa da autonomia de São Paulo, diante da ameaça de invasão do estado por tropas federais. Na década de 1950, teve atuação redobrada em campanhas pela soberania nacional e pelo Estado de Direito. De 51 a 54, na condição de secretária-geral da Juventude Comunista, cumpriu suas primeiras tarefas na União Soviética. Na volta, em 1954, ainda clandestina, foi destacada para participar nas atividades da Liga de Emancipação Nacional. Atuou junto à diretoria da UNE, no início dos anos 1960, de forma semi-legal, assessorando o Comitê Universitário na luta pela criação da Universidade de Brasília, nas campanhas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional; Defesa do Monopólio Estatal do Petróleo; Defesa das Areias Monazíticas; Contra a Entrega de nossas Riquezas às Multinacionais. Na área cultural, teve participação destacada na Campanha pela Alfabetização de Adultos, e na criação e desenvolvimento de movimentos de cultura popular e centros popular de cultura (CPCs). Em 1964, perseguida pelo Serviço Secreto do Exército, teve sua casa invadida e depredada, voltando a viver na clandestinidade, desta vez com os direitos políticos cassados por cinco anos. Saiu do país apenas em 1969, com a aprovação da Lei de Segurança Nacional e a decretação do Ato Institucional Nº 5. Sua primeira atividade como exilada, em Budapest, Hungria, como ativista da Federação Mundial da Juventude Democrática, foi ajudar na organização de duas importantes campanhas internacionais: Pela Libertação de Ângela Davis e Pelo Término da Guerra do Vietnã. Em 1971, foi a Santiago do Chile para participar do Encontro da Juventude Mundial contra a Guerra no Vietnã e lá permaneceu, auxiliando na organização dos comunistas exilados, participando na criação do Comitê de Mulheres Brasileiras no Exílio, e em todos os movimentos do povo chileno em defesa e pela consolidação da revolução, em trabalhos no campo e na cidade. Em 1973, após o golpe dos militares chilenos, foi asilada na Embaixada da Venezuela, tal como os brasileiros que, para fugirem da morte, procuraram abrigo em centros de refugiados e embaixadas. Em 1974, refugiou-se em Paris sob a proteção da ONU, e lá criou o Comitê 148


de Mulheres Brasileiras no Exterior por meio do qual desenvolveu trabalho de educação feminista com as mulheres que chegaram do Chile. Teve aí seu primeiro contato com feministas brasileiras e francesas. Ainda sediada em Paris, participou do Congresso Internacional da Mulher em Berlim Oriental, capital da então República Democrática Alemã (RDA), e prestou apoio às brasileiras que, vindas do Chile, se asilaram em diferentes países da Europa. Desenvolveu, também, trabalho específico nos Comitês de Mulheres Brasileiras em Bruxelas, Lisboa e Milão. Em 1979, com a anistia conquistada, retornou ao Brasil sendo recebida no Aeroporto do Galeão pelas entidades feministas já existentes no Rio de Janeiro. Quinze dias depois, no Teatro Casa Grande, numa palestra sobre o tema “Democracia e Mulher” para um público de mais de mil mulheres, apresentou-se como uma marxista preocupada com a mulher. Em 1980, em ato no Teatro Ruth Escobar, integrou a Frente de Mulheres Feministas que, então se organizou. Em 1983, deixou o PCB passando a se dedicar exclusivamente à questão da mulher, tendo participação no grupo de estudos para a criação do Conselho Estadual da Condição Feminina de São Paulo, no qual ocupou os cargos de conselheira, secretária-geral, presidente, vice-presidente, coordenadora do Grupo de Educação, Cultura e Meio Ambiente, até 1996. Desde então, vem se dedicando integralmente à promoção dos direitos humanos e da condição da mulher em nosso país. Zuleika Alambert, a escritora feminista, participou como conferencista em mais de duzentos eventos internacionais, nacionais, estaduais e locais. Dentre os de maior destaque estão o Fórum das ONGs da América Latina e do Caribe, em Mar Del Plata (Argentina); a Conferência de Beijing, República Popular da China 1994; a Conferência Mundial da ONU sobre Habitação (HABITAT II), Istambul, Turquia, 1996. Teve vários de seus livros publicados, de que são exemplo: • Uma jovem brasileira na União Soviética, Editorial Vitória, Rio de Janeiro, 1953. • Estudantes fazem história, Editorial UNE, Rio de Janeiro 1964. • A situação e organização da mulher (Cadernos CMB) Editorial Global, São Paulo, março de 1980. 149


• Feminismo. O ponto de vista marxista, Editora Nobel, São Paulo, 1986. • A metodologia do trabalho com as mulheres (Cadernos da União de Mulheres de São Paulo), São Paulo, fevereiro de 1990. • Mulher: uma trajetória épica (Esboço histórico – da antiguidade aos nossos dias), São Paulo, 1997. • Os Comunistas e a Questão da Mulher (Edições Novos Rumos) São Paulo Em reconhecimento à sua contribuição intelectual e política, foi contemplada com títulos e condecorações como: • Medalha Anchieta e Diploma de Gratidão do Povo de São Paulo, por serviços prestados à cidade, Câmara Municipal de São Paulo, 26/06/1986. • Placa de Prata “Mulher do Ano na Área do Feminismo”, Comitê Nacional de Mulheres Brasileiras, Rio de Janeiro, 1988. • Placa de Prata, “Jogos Femininos da Primavera”, Secretaria do Trabalho. • Placa de Prata, “8 de Março”, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, 08/03/1992. • Placa de Prata “Cidade de Osasco”, Prefeitura de Osasco, em agradecimento aos serviços prestados à comunidade, 1994. • Placa de Prata “8 de Março”, Sintetel, 1995 • Prêmio Internacional “Cidadania do Mundo”, pela defesa dos direitos humanos, Organização Internacional Baha’i. • Diploma “Mulher-Cidadã Bertha Lutz”, em reconhecimento à relevante contribuição em defesa dos direitos da mulher, Senado Federal, 08/03/2004. • Placa de Prata “em reconhecimento à sua contribuição ao PCB, destacando a herança sobre a questão da mulher na política”, que hoje ainda embasa as discussões do tema no âmbito do Partido

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Popular Socialista, durante seu XIV Congresso Nacional realizado em São Paulo, em março de 2004. • Homenageada “por suas luzes sobre o PCB/PPS”, durante a Assembléia Nacional de Mulheres do PPS, São Paulo, março de 2004. • Homenageada na I Conferência Nacional de Políticas Públicas para Mulheres, Brasília, julho de 2004.

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Acervo Zuleika Alambert


Álbum de Família Zuleika Alambert aos 19 anos de idade

Pintura a óleo de dona Josepha Prado Alambert, mãe de Zuleika, aos 17 anos

154


Pai de Zuleika, Juvenal Alambert, aos 52 anos

Com colegas do Liceu Feminino Santista, 1941

Zuleika entre as duas irmãs gêmeas judias, em Santos (SP), na década 40

155


Teatro amador, em São Vicente (SP), década de 1940

156


Em 1947, com dr. Reynaldo, chefe polĂ­tico de MarĂ­lia (SP), sua esposa, a parteira Lola, e outro companheiro

Zuleika aos 26 anos

157


Com ArmĂŞnio Guedes, seu primeiro marido, nos anos 50

Com VirgĂ­lio Isoldi, seu segundo marido, no dia de seu casamento em 15/03/1983

158


Com Virginia Artigas, sua amiga e madrinha de casamento, 1950

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Convites ao Povo

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Campanha Eleitoral (Panfletos)

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Acima, discursando, Zuleika e Carlos Marighela, em comício no Vale do Anhangabaú, na cidade de São Paulo

164


Bancada Comunista de 1947

(AssemblĂŠia Legislativa do Estado de SĂŁo Paulo)

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Recortes de Jornais (anos 40)

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Militância

Aplaudindo Estocel de Moraes, deputado estadual e líder ferroviário, em 1940

Com Jorge Amado e outros

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RomĂŞnia, festival da juventude nos anos 60

RomĂŞnia, festival da juventude nos anos 60

177


Academia de Ciências da União Soviética, Moscou, ao lado de Luiz Tenório de Lima

Em Moscou, Zuleika (de gorro), com Prestes à (sobretudo claro à frente), sua esposa Maria Prestes e outros camaradas, anos 1960

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Prestes à frente (sobretudo claro), Zuleika de óculos escuros, ao lado de Maria Prestes e outros camaradas, em Moscou, anos 1960

Zuleika ao lado de Prestes e Maria, Moscou, anos 1960

179


Com Giocondo Dias, nos anos 1960

Desembarcando na Espanha, 1980

180


Em Paris, 1996

181


Conselho Estadual

Primeiro Encontro Nacional dos Conselhos dos Direitos da Mulher, 1986

Com Montoro e outros, 1986

182


Com Aloisio Nunes, 1986

Com Beth Mendes, anos 1980

183


União das Mulheres de São Paulo, na Constituinte, 1987

Homenagem da Assembléia Nacional das Mulheres, parte do XIV Congresso Nacional do PPS, São Paulo (SP), 2004. Montagem com foto tirada no dia em que Zuleika recebeu o Diploma “Mulher-Cidadã Bertha Lutz” do Senado Federal, em 8 de março do mesmo ano.

184


Seus livros Uma jovem brasileira na URSS, Editorial Vitória, Rio de Janeiro, 1953.

A situação e organização da mulher (Cadernos CMB) Editorial Global, São Paulo, março de 1980.

Feminismo: O ponto de vista marxista, Editora Nobel, São Paulo, 1986.

185


A Metodologia do Trabalho com as Mulheres (Cadernos da União de Mulheres de São Paulo), São Paulo, fevereiro de 1990.

Mulher: uma trajetória épica (Esboço histórico – da antiguidade aos nossos dias), São Paulo, 1997.

Os Comunistas e a Questão da Mulher (Edições Novos Rumos) São Paulo, 1982.

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Mulheres da Capa

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1. Safo (125 a.C.)

17. Simone de Beauvoir (1908-1986)

33. Eugênia Moreira (1898-1948)

2. Eleonora de Aquitânia (1122-1204)

18. Betty Friedan (1921-)

34. Natércia da Silveira (séc.XX)

3. Izabel, a Católica (1451-1504)

19. Kate Millet (séc. XX)

35. Eneida Moraes (1904-1971)

4. Christine de Pisan (1364-1429)

20. Madre da Plaza de Mayo (séc.XX)

36. Nise da Silveira (1905-1999)

5. Marie de Gournay (1566-1645)

21. Escrava Anastácia (séc.XVIII)

37. Adalgisa Cavalcante (1905-1997)

6. Anne Hutchinson (1591-1643)

22. Anita Garibaldi (1821-1849)

38. Olga Benário (1908-1942)

7. Olympe de Gouges (1748-1793)

23. Firmina dos Reis (1825-1917)

39. Pagu (1910-1962)

8. Mary Wollstonecraft (1759-1797)

24. Chiquinha Gonzaga (1847-1935)

40. Raquel de Queiroz (1910-2003)

9. Madame de Staël (1766-1817)

25. Narcisa Amália (1852-1924)

41. Nieta Campos da Paz (1911-1990)

10. Bárbara Eliodora (1759-1819)

26. Presciliana Duarte (1867-1944)

42. Ana Montenegro (1915-)

11. Maria Quitéria (1792-1853)

27. Nísia Floresta (1810-1885)

43. Zuleika Alambert (1927-)

12. Flora Tristan (1803-1844)

28. Escrava Luiza (1812-?)

44. Therezinha Zerbini (1932-)

13. Mãe Preta (1808)

29. Anita Malfati (1889-1964)

45. Helena Besserman (1932-2002)

14. Clara Zetkin (1857-1933)

30. Carlota de Queiroz (1892-1982)

46. Margarida Maria Alves (1933-1983)

15. Rosa Luxemburgo (1870-1919)

31. Bertha Lutz (1894-1976)

47. Leila Diniz (1945-1972)

16. Alexandra Kollontai (1872-1952)

32. Mãe Menininha (1894-1986)

48. Neuza André Terena (1954-)


Ficha Técnica Corpo do texto: Souvenir Lt BT (12/14) Títulos: Aldy (28/30) Papel: Reciclato Suzano 75g/m2 (miolo) Reciclato Suzano 240g/m2 (capa) Parte dos recursos obtidos com a venda do papel Reciclato é destinada aos projetos sociais e ambientais do Instituto Ecofuturo, organização não-governamental criada pela Suzano para promover o desenvolvimento sustentável no Brasil. Reciclato é o primeiro papel offset 100% reciclado, produzido em escala industrial, a partir de aparas pré e pós-consumo.


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