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Bariani Ortencio



C on c e i t o e r e c e i t u á r i o

FOTO bariani com peixe na telha

Estudo da alimentação em Goiás receitas • história • humor edição especial limitada Goiânia, 2012


Copyright © 2012 by Bariani Ortenciol Programação Visual: ad Arte & Design / Adriana Almeida Revisão:

CIP – Brasil – Catalogação na Fonte

ORT Ortencio, Bariani. cozCozinha Goiana – Edição Especial. / Bariani Ortencio. Goiânia: editora, 2012. 000 p. ISBN 1. Literatura brasileira - culinária. I. Título CDU: Impresso no BrasilÍndice para catálogo sistemático Printed in BrazilCDU: 2012 TODOS OS DIREITOS RESERVADOS – É proibida a reprodução total ou parcial da obra, de qualquer forma ou por qualquer meio sem a autorização prévia e por escrito da autora. A violação dos Direitos Autorais (Lei nº 9.610/98) é crime estabelecido pelo artigo 184 do Código Penal Brasileiro.

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sumรกrio


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Como tudo começou

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m 1966 eu e a Regina Lacerda (não se pode falar em Folclore em Goiás sem citar Regina Lacerda) levamos o ilustre folclorista, que nos visitava, Edison Carneiro, a uma fazenda de Hidrolândia para uma tradicional “pamonhada”. Edison Carneiro, intusiasmadíssimo, acompanhou a azáfama daquele pessoal, os homens incumbidos de irem à roça quebrar e trazer o milho, cortar as pontas das espigas, as mulheres descascarem, outras tantas ralando, escolhendo as mais adequadas palhas, picando os queijos frescos e mais pedaços fritos de lingüiça de porco, tudo produção própria, as moças retirando os cabelos (do milho) encrostados nas espigas, o tempero num grande tacho onde a massa fervia na banha de porco, mexida por enorme colher-de-pau. Depois o enchimento com a massa nas palhas dobradas, amarradas com embiras das próprias palhas, com um nó para as de sal e dois nós para as de doce. Também as especiais com pequi, queijo e pimenta bode sem curtir. “Pamonhada” que fazia amizades, proporcionava namoros, compradescos e até casamentos. Edison Carneiro definiu que, a “pamonhada” em Goiás, não é apenas um prato culinário, mas, também, uma reunião social. E contou isso para o papa do Folclore brasileiro, o potiguar Luis da Câmara Cascudo, que me enviou carta pedindo a receita da “pamonhada” e mais algumas, pois estava concluindo o importante História da Alimentação no Brasil. Enviei-lhe, além de diversas “pamonhadas” mais 33 receitas típicas de Goiás, que figuram em 7 páginas de sua obra. Depois estive com ele no Congresso de Folclore em Natal (RN), em 1962, quando me ensinou e orientou-me para que fizesse um levantamento da culinária goiana. Meti mãos à obra e, em 1967,

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publiquei, pela Brasilart, do Rio de Janeiro, A Cozinha Goiana – Estudo e Receituário. Hoje está na quinta edição, saindo a sexta, pela Editora Kelps, de Goiânia e essa especial com as principais receitas e ricamente ilustrada, em comemoração aos 40 anos da primeira edição. Goiás tem sua cozinha forjada em três raças e em três etapas a indígena, ai africana e a portuguesa. A primeira teve início com os Bandeirantes que aqui chegaram para a cata do Edison Carneiro definiu que, a ouro fácil e a preagem de índios para escravos,servindo-se “pamonhada” em Goiás, não da cozinha indígena; a Segunda, com a vinda dos negros para é apenas um prato culinário, a mineração especializada, quando a mulher negra, então, mas, também, uma reunião alterou e melhorou a cozinha exixtente, tanto no modo de social. E contou isso para o papa fazer como no de servir; e a terceira, quando os portugueses do Folclore brasileiro, o potiguar se fixaram definitivamente em terra goiana, trazendo para ca Luis da Câmara Cascudo [...] as suas famílias e seus costumes europeus. Assim, pode-se entender a cozinha goiana como produto dessa mistura e da capacidade de adaptar-se às receitas com a substituiçao dos ingredientes que aqui se cultivavam, sendo a carne a base da alimentação, além da pesca, da mandioca, do milho e da cana de açúcar.

1) A maioria das receitas deste livro foram colhidas ao sabor da fala dos informantes, procurando, assim, conservar os nossos costumes, as nossas tradições. 2) Citamos bastante neste trabalho os costumes mineiros, por serem bem semelhantes aos nossos. 3) As receitas repetidas, como biscoito e pão-de-queijo, bolo de arroz, empadão, etc., são para mostrar algumas diferenças que há sobre um mesmo prato em diversas regiões do Estado. 4) As obras citadas neste estudo estão representadas pelos seus respectivos números, na Biblioteca Consultada (BC).

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prefácio, se pode ser Regina Lacerda

— “Boca de forno? — Forno. — Tirar um bolo? — Bolo. — O que o mestre mandar? — Faremos todos”. — Vai Regina fazer prefácio? — Vamos, sim senhor”. Vamos elogiar a iniciativa do autor ao organizar um receituário com sentido de divulgar riquezas e sabores da cozinha goiana com temperos de sua mão rica dentro da simplicidade de cozinheiro, fidelidade de pesquisador, autenticidade e muito bom humor. Não se limitou Bariani a colher receitas. Cita literatura, registra costumes, compara técnicas, estuda influências com método e paciência, numa contribuição que excede as características de trabalho pioneiro. Dezenas de autores foram consultados para alicerçar o trabalho naquilo que refere à tradição e história, fatos sociais estudados para explicação de mudanças de hábitos na alimentação da gente goiana. Em andanças pelas diversas regiões do Estado mais de uma centena de pessoas foram ouvidas na coleta de receitas e informações sobre processos de cozer, conservar e temperar alimentos. Quantos cadernos enxovalhados pelo uso foram compulsados para cópias de receitas de bolos, pratos salgados, doces, refrescos, licores, vinagres e molhos.

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Como bom “gourmet”, entre pescadores e companheiros de caçadas aventurescas no Rio Araguaia aprendeu comer e como preparar caças e pescados: “Capivara no borralho”, “Jaó na brasa”, “Paca recheada com guariroba”, “Peixe moqueado na cava”, “Gemada de ovos de tartaruga”, “Tartaruga de cristão” e muitos outros. Os assuntos correlatos mereceram cuidados até onde se pode tomar o Comer ou o de Comer como nome de lugares e apelidos de pessoas: “Biscoito duro”, “Quiabo assado”, “Pé de porco” são nomes de vilas e arraiais, “Pamonha”, “Broa” e outros, pejorativamente, apelidam pessoas. Provérbios; ditos e anexins tiveram capítulo especial, desde os mais conhecidos literariamente aos populares regionais: “Comer como um padre”. “Comer gato por lebre”, “Comer o pão que o diabo amassou”, “Papagaio come milho, periquito leva a fama”, “Galinha velha dá caldo grosso”, “Debaixo da farinha tem carne...” Recolheu, que recolheu mas ficou incompleta aquele que justifica o abuso do vinho à mesa:

Suavizando seu documentário, faz blague, conta anedotas, lembra fatos pitorescos com o que a gente vai deglutindo a matéria sem perceber que está estudando História, Etnologia [...]

“Antes da sopa, molha-se a boca. No meio dela, molha-se a goela. Sopa acabada, boca molhada”.

Das festas tradicionais informa Bariani o que foram é o que são os bodos nas Festas do Divino, a Ceia dos Inocentes, e Ceia dos cachorros. — Fala da fartura (Pensão Padre. Rosa), e fala da fome (Bernardo); não se esquece das formas de tomar os alimentos: “capitão” e “arremesso”, dos utensílios e utilização dos recursos naturais e produtos da lavoura. Na preocupação de esgotar o assunto ousa um capítulo à Antropofagia! Suavizando seu documentário, faz blague, conta anedotas, lembra fatos pitorescos com o que a gente vai deglutindo a matéria sem perceber que está estudando História, Etnologia, Economia, Folclore, Sociologia, para no final sentir o apetite

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aguçado e verificar que em Goiás não se Come como Comem os brasileiros de outras regiões. Assim trabalhou Bariani; pesquisando, registrando; ouvindo, escrevendo; jantando, guardando cardápio e, finalmente, organizando seu material dentro de um critério próprio, para oferecer aos leitores saboroso prato em forma de livro. A Cozinha Goiana de Bariani Ortencio não é apenas suculento prato, é Mesada servida por mestre a gastrônomos e estudiosos, em nome de quem, agradecemos à maneira dos “inocentes”: “Deus vos pague a bela mesa que vóis deu pros inocente, transformada numa rosa pros anjo foi de presente”. Amém.

SOBRE REGINA LACERDA Nasceu na Cidade de Goiás, no dia 25 de junho de 1919, filha de Umbelino Galvão de Moura Lacerda e de Zenóbia Santa Cruz Camargo Lacerda. Foi a primeira mulher a ocupar uma Cadeira na Academia Goiana de Letras e faleceu em Goiânia, no dia 14 de dezembro de 1992. Filiada à Comissão Nacional de Folclore e à Associação Brasileira de Folclore de São Paulo; à Sociedade Luso-Brasileira de etnologia do Rio de Janeiro e à União Brasileira de Escritores de Goiás; Associação Goiana de Imprensa; membro-fundadora da Associação da Cultura Franco-Brasileira e ocupante da Cadeira nº 35, da Academia Feminina de Letras e Artes de Goiás. Publicou os seguintes livros: Vila Boa (folclore), premiada pela bolsa Hugo de Carvalho Ramos; Pitanga (poesias); Cerâmica Popular (Monografia), pela Secretariada Educação e Cultura do Estado; Papa-Ceia (folclore), publicação do Departamen-to Estadual de Cultura; Cidade de Goiás, berço da Cultura Goiana (conferência); Antecedentes e repercussão da Independência de Goiás, editora Oriente; Henrique Silva, General das Letras Goianas, em 1973.

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apresentação da edição especial Beto Selva

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embro deste livro desde o lançamento de sua 1ª edição nos idos de1967, época do glorioso e precursor Bazar Oió, da Goiânia adolescente, que já tinha orgulho de seus artistas e intelectuais, que iniciavam seus ofícios e plantavam as sementes do movimento cultural que resultou no que temos hoje. Naquele momento, como não tinha muito interesse em gastronomia, a não ser visitas periódicas na cozinha como glutão, o aspecto do livro que me chamou a atenção, foi o do enfoque diferente e sui generis que o autor deu ao assunto, misturando receitas, informações históricas relevantes e o humor dos causos pitorescos constantes em toda a obra. Não prestei muita atenção nas receitas, mas após ler o livro, me senti mais informado sobre nossa cultura e da formação de nossa identidade. Senti, talvez pela primeira vez, o que era ser um brasileiro Goiano. Os anos foram passando e novas edições foram surgindo com algumas poucas mudanças em seu aspecto conceitual, mas sempre ampliando o estoque de receitas, graças a colaboradores que sempre aparecem com novas e diferentes receitas, ou modos de fazer e que passam ao autor em seus encontros em conferencias,palestras em escolas, na rua, em feiras e quase sempre com observações como: essa é a verdadeira, essa é a melhor, ou a mais tradicional, essa é do caderninho da minha mãe, etc. Isso significa que essa é e será sempre uma obra em processo de ampliação, pois como a culinária é dinâmica e uma das mais importantes manifestações de arte, cultura e prazer, podemos sempre esperar novidades em novas edições, mas sempre amparadas pelos pilares das receitas tradicionais, das invenções pioneiras de nossas

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cozinheiras anônimas, dos muitos caderninhos de receitas que fizeram e ainda fazem essa nossa história gastronômica. Nas mudanças impostas pelo destino, comecei em minha vida adulta a trabalhar em hotéis, lanchonetes e restaurantes , para sobreviver fora do país. Como lavador de pratos e ajudante de garçon, passei a freqüentar a cozinha profissional e então prestar mais atenção à função dos cozinheiros e admira-los como comandantes de uma atividade dinâmica e de muita criatividade. Percebi aí a possibilidade de preencher uma lacuna da minha vida que me causava alguma frustração, a de ser grande admirador das artes, mas não ter dons artísticos. Passei a ser um aprendiz de cozinheiro por vontade própria e ainda o sou, feliz e quase realizado. Com essa nova visão e prática passei a ver o livro A Cozinha Goiana, mais no seu aspecto de culinária e na prática de passar das receitas para produtos acabados, cozinhar propriamente dito. Aí então, O pesquisador, como escritor outro aspecto me chamou a atenção, o de que o pesquisador, que é, em seu trabalho de como escritor que é, em seu trabalho de campo e em sua campo e em sua finalização finalização intelectual, se ateve a conclusão do projeto, que intelectual, se ateve a conclusão levou 15 anos para terminar e realmente não se sentiu na do projeto, que levou 15 anos obrigação de comprovar ou testar todas as receitas, pois esse [...] pois esse não é apenas um não é apenas um livro de receitas, é um inventário completo livro de receitas [...] dos costumes alimentares da nossa terra, que ajuda inclusive na consolidação da gastronomia nacional, que é a somatória de informações dos costumes alimentares regionais. Poder-se ia extrair um ou mais livros de receitas dessa obra, mas nunca faze-la apenas um livro de receitas. Com esse pensamento em mente e a facilidade de acesso ao autor, Sr. Waldomiro, meu sogro a mais de 30 anos, passei a desafia-lo a fazer uma edição do A cozinha Goiana, com um pouco mais cara de livro de culinária, com mais detalhes do modo de fazer e das técnicas usadas, com mais ilustrações e me coloquei a disposição para ajudá-lo no que me fosse possível. Ele topou a idéia, mas disse que por estar muito ocupado com outras produções literárias, me delegaria a missão de organizar esse trabalho. Quer dizer: O desafio passou a ser meu. Topei a empreitada. Fomos primeiramente à editora Kelps expor a idéia ao editor, Sr. Antonio Almeida, que gostou

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e se colocou a disposição em ajudar no que for possível. Reivindiquei um fotografo profissional para iniciar o trabalho de campo e o Bariani me apresentou o Nelson Santos, auto proclamado ‘o fotógrafo lambe lambe da cultura goiana’ . Precisava de um designer para o projeto editorial e o Nelson me apresentou o Josemar Callefi e com essa pequena equipe demos os primeiros passos. Fizemos algumas viagens para fotografar e compilar receitas em suas origens. Participamos de muitas comilanças, festas tradicionais, etc. sempre norteados pela obra pioneira do Bariani. Impressionou-me sobremaneira, a receptividade que encontramos no desenvolvimento dessa tarefa. Sou testemunha da grande receptividade dessa obra, assim como da simpatia e admiração que o Bariani exerce em todos os cantos desse Goiás.Seu nome abriu portas e facilitou tudo.Consegui colaboradores em todos os segmentos,desde intelectuais proeminentes do cenário cultural do estado,artístas plásticos de renome ,fotografos, professores de gastronomia, cozinheiros anônimos, Restauranteiros, donas de casa,etc. As dificuldades que encontrei, foram a disponibilidade do meu tempo e o tamanho da obra. Ao pesquisar as diversas edições, eu ficava imaginando o trabalho que teve o pesquisador para conclui-la, pois não foi apenas um trabalho de compilar receitas, mas um completo estudo histórico-antropológico dos costumes e influências que teve esse povo, desde seus autóctones, até sua formação como brasileiros goianos atuais. Senti-me pretensioso em querer mexer nesse trabalho já acabado e bem feito, mas ao mesmo tempo percebi a oportunidade de participar dessa obra tão importante, a qual me agarrei como apenas mais um colaborador e espero, um continuador. Comer é mais que garantir a sobrevivência. É na mesa que a humanidade comemora tudo, principalmente as alegrias. É na cozinha que se aprofunda as relações familiares e sociais, que se comemora a vida, a saúde, e onde experimentamos um dos maiores prazeres da existência humana. Em Goiás esse prazer ainda não esta de todo comprometido com as práticas rasas desse tempo apressado. Graças a trabalhos como A Cozinha Goiana, podemos nos considerar preservados.

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A MULHER VILABOENSE E A CULINÁRIA

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Cozinha Goiana iniciou-se com a entrada dos primeiros homens brancos, os Bandeirantes, em 1592. É oriunda de três civilizações: a indígena, dos nativos da terra; a africana, dos escravos negros; e a européia, com a chegada das famílias portuguesas. As receitas, os ingredientes para comporem as iguarias culinárias eram executadas de conformidade com os produtos alimentícios existentes na região e, também, com as substituições desses produtos: não havia a batatinha inglesa, mas havia a mandioca e o inhame nativos; a serralha entrava no lugar do almeirão, a taioba substituindo a couve... Os Bandeirantes trouxeram algumas sementes e foram fazendo roças. Por conseguinte, a Cozinha Goiana conta com mais de 1.200 iguarias, pratos registrados nos diversos compêndios especializados. “Vive dentro de mim Assim, as primeiras mulheres que cozinharam cereais, tubércua mulher cozinheira. los, frutos culinários, em Goiás, foram as goiases, ao tempo em que Pimenta e cebola. os Bandeirantes vieram fazer a preagem e buscar ouro de aluvião. Quitute bem feito. Panela de barro. Depois, as mulheres negras, quando chegaram com os escravos para Taipa de lenha. explorarem a mineração. As mulheres indígenas abandonaram as Cozinha antiga Toda pretinha. panelas dos brancos para darem lugar às escravas negras. Mais tarde Bem cacheada de picumã. cuidaram da cozinha, as mulheres portuguesas, utilizando e instruinPedra pontuda. do as negras escravas. Não será necessário dizer da melhora do Cumbuco de coco. Pisando alho e sal. cardápio da cozinha goiana com estas substituições. Assim, ali, onde viveram os Goyazes (Goyaz = muitos índios (Cora Coralina) juntos), os bandeirantes paulistas-portugueses, mesclaram a sua ali-

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mentação, não deixando de “saborear” o cauim mascado (bebida alcoólica fermentada por milho mascado pelas índias velhas da tribo). Como dissemos, surgiram as primeiras iguarias à base das misturas, do caldeamento dos alimentos, ficando este mister por conta exclusivamente das mulheres. De início tudo se deu às margens do rio Vermelho, onde se plantou o Arraial de Sant’Ana, Vila Boa (Buena, em homenagem a Bartolomeu Bueno), depois Goyaz, capital do Estado, hoje Cidade de Goiás. A Cidade de Goiás, além de ex-capital do Estado, mantém o cetro de Capital da Cultura Goiana. Aquelas mulheres habilidosas, criativas, engenhosas, multiplicaram as iguarias e emanaram e continuam manVamos citar apenas uma dando as suas alquímicas culinárias para o resto do Estado, delas, que rasgou o manual saltando o rio Paranaíba, para o Brasil e até para além mares. da conduta austera da sua Pratos que enriquecem a história da alimentação brasicidade: Anna Lins dos Guimarães leira, do trivial ao requinte, nas reuniões familiares e nas fesdos Peixoto Bretas, a poetisatas tradicionais, como a Empada Goiana (empadão), o Peixe doceira mundialmente conhecida na Telha (Prêmio Cheques Cardápio), a Pamonhada, a Gapor Cora Coralina [...] linhada, o Bolo de Arroz, o Arroz com Pequi, a Tigelada de Guariroba, o Alfenim, o Mané-Pelado, o Licor de Jenipapo, para citar apenas uma dezena destas maravilhas gustativas, que constituem a cabeça, o carro-chefe da culinária goiana. A Galinhada e a Pamonhada já não são mais apenas pratos, iguarias da nossa cozinha, pois se tornaram reuniões sociais. A Pamonhada empurrou os homens para a cozinha, cortando e ralando o milho. Atualmente ficam por conta dos homens, os churrascos, as peixadas, as feijoadas... As maravilhosas mulheres vilaboenses são as melhores doceiras de que se têm notícias neste planeta. Ninguém consegue o toque individual que elas têm. Não somente nos doces, mas em todas as iguarias. Para o Bolo de Arroz, para o Pão e o Biscoito de Queijo, por exemplo, toma-se a receita, preparam-se os ingredientes, pesam-se e medem-se rigorosamente todos eles, mas, no finalmente, não saem como as originais, porque faltou o toque, o jeito de fazer, o jeito mágico de pôr a mão. E por falar nas mulheres tradicionais da Cidade de Goiás, não vamos dissertar sobre elas, como a maior conhecedora da cultura popular desta região-central do

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Brasil, que foi Regina Lacerda; nem da autora consagrada dos quadros plásticos pintados com as areias multicoloridas da Serra Dourada, a extraordinária Goiandira do Couto; nem vamos falar da educadora Mestra Inhóla, a musicista Nhanhá do Couto... Vamos citar apenas uma delas, que foi uma vilaboense, como Chiquinha Gonzaga, que rasgou o manual da conduta austera da sua cidade: Anna Lins dos Guimarães dos Peixoto Bretas, a poetisa-doceira mundialmente conhecida por Cora Coralina. Esta senhora quase centenária, dizendo que era filha de todos os tempos, vinda do século passado, fazia doces inigualáveis, fazia versos que contêm música e deu lições de vida para a juventude, com aquela sua voz tonitruante, que todo mundo ouvia. Não somente nos doces, que quando as mãos e a cabeça não se concentravam nos versos, estavam nos tachos de cobre, no fogão à lenha, nas gamelas com as massas, uma usina alquímica de alimentos tradicionais. Cora não criava pratos, ela os aperfeiçoava. Ditava ditos: “A mulher inteligente prende o seu homem pelo molho”.

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FOTO cavalhadas

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TRADIÇÕES INFLUÊNCIAS E COSTUMES

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ALIMENTAÇÃO INDÍGENA “O índio sustenta-se quase exclusivamente de carne e peixe. Desde a lagartixa até a anta, a onça e o jacaré, desde o caramujo e a ostra até o pirarucu e o peixe-boi, tudo lhe é carne ou peixe e lhe serve de alimento, bom e sadio, e ele o prova com a sua robustez e com o grande número de anos a que atinge antes de lhe vir a decrepitude. Notarei, para que se não faça idéia errônea de sua higiene alimentar, pelo que acabo de dizer, que, ao passo que eles se alimentam de muitos animais, que não comeríamos sem grande repugnância, não comem muitos dos que nós comemos; exemplo: a piraíba, grande parte dos peixes de pele, aves e pássaros em certas épocas do ano, por serem nocivos à saúde”. (BC-69, pg. 285). “O peixe e a caça, os principais elementos do sustento diário, conseguem-nos pela pontaria certeira das flechas e arpões, de que se servem com perícia inimaginável. E completam o cardápio a mandioca, o milho, os cocos, as frutas silvestres, o mel e às vezes a abóbora, a banana, a cana, a melancia”. (BC-38, pg. 129). “Adoram a rapadura e a farinha de mandioca, que suplicam invariavelmente aos cristãos viandantes, porque não lhes apetecem ao ócio os servidos de tais indústrias facílimas. Cozidos nas panelas, ou assados nos braseiros, os alimentos estão assim prontos para serem digeridos, sem o mínimo tempero, e apenas de quando em quando, por extravagância, adubam as carnes com a polpa ralada de um fruto ácido”. (BC-38, pg. 129). Moqueado: “Cássio e Oscar, porém, acharam-nos excelentes após serem moqueados, sistema de cozinha dos índios já por nos praticado comumente. O modo é simples e consiste em colocar a carne sobre improvisado jirau de madeira, entretendo-se o braseiro por baixo até assá-la. A diferença está em que nós usamos sal e outros temperos, enquanto os selvagens a ingerem sem o mínimo ingrediente”. (BC-38, pg. 71). Inhames: O inhame como alimento foi muito usado entre os índios, principalmente os Caiapós. O seu uso é mais como remédio do que alimento. Dizem ser o inhame um grande depurativo do sangue. Antigamente comia-se mais o inhame com esse intuito.

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Pintura: Di Magalhães

Pintura: Di Magalhães

O peixe e a caça, os principais elementos do sustento diário, conseguem-nos pela pontaria certeira das flechas e arpões, de que se servem com perícia inimaginável. [...]

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Calugi ou cauim: “Entretanto e costume entre eles o preparo de uma bebida alcoólica pelo cozimento do milho e da mandioca, que fermenta em 24 horas por via de processo abominável e nojento, a semelhança do cauim dos tupis. Cumpre às mulheres mastigar demoradamente a pasta e cuspi-la depois na mesma panela, servindo a saliva de agente para a lavoura que se vai originar. E no dia seguinte a tremenda porcaria, chamada Calushí, amanhece no ponto de um paladar excelente, consoante tenho o direito de imaginar pelas caras entusiásticas dos seus bebedores”. (BC-38, pg. 130). Comida para os mortos: “Em primeiro lugar quem visita um cemitério indígena reconhece as sepulturas por panelas, que eles depositam junto das covas, nas quais colocam comida; as armas do morto o acompanham, porque ele necessita de comida e das armas para prover o seu sustento”. (BC-69, pg. l64). Poucas, ou nenhuma mulher branca, acompanhavam os bandeirantes em suas expedições de desbravamento do interior brasileiro. A mulher indígena foi nossa primeira cozinheira, ajudando os desbravadores brancos, introduzindo na nossa culinária os produtos da mandioca, do milho, algumas frutas silvestres, como o pequi, e os assados no moquém e no borralho,com folhas envolvendo carnes de caças e os peixes. Portanto, com a utilização do assado, a técnica primitiva usada por nossos primeiros cozinheiros e a adição do sal, trazido pelos portugueses-paulistas, nasce a Cozinha Goiana que, depois sofreria grandes influências das negras africanas e das brancas européias.


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O QUE COMERAM OS BANDEIRANTES O que comeram os Bandeirantes por aqui, quando nos descobriram? Qual o cardápio do pessoal de Manoel Correia, de Sebastião Marinho (1592), de João Pereira de Sousa Botafogo? E Domingos Rodrigues (1596), Belchior Dias Carneiro (1607), Martim Francisco Tenório de Aguiar (1608), Antônio Pedroso de Alvarenga (1615)? E os famosos Antônio Pires de Campos e Bartolomeu Bueno da Silva (1674)? O que comeram e como comeram eles? Acompanhemos os relatos anotados pelo emérito prof. Zoroastro Artiaga em sua “História de Goiás”: “A alimentação consistia em arroz, feijão, carne de sol, palmitos, peixes e farinha de mandioca, quando havia. Este cardápio era inteirado com alguma caça: aves, pássaros, camaleões e tatus. Muitas bandeiras invernavam durante meses para fazerem roça”. (BC-32, pg. 29). “Neste lugar começou a haver a falta de mantimento e assim foi preciso marchar 5 dias passando mal, e comendo o que dava a espingarda: pássaros, macacos, palmitos e algum mel”. (BC-32, pg. 53). “No segundo dia que marchamos a buscá-los encontramos um rio caudaloso, em que havia muito peixe, cajus, palmitos e muita caça, que nos serviu de muito. Nessa aldeia achamos 200 mãos de milho, 25 batatais, muitas araras e também periquitos, que nos serviram de sustento e regalo”. (BC-32, pg. 61). “Neste lugar só eu estive com dois soldados e com Antônio Ferraz, sobrinho do cabo e este me pediu que lhes fizesse um sermão, porque estava bem cheio de fome mas tanto me pediu que fizesse um sermão, ao seu tio, para que arribasse, que eu, nesse dia não estava com vontade de pregar; mas, tanto pediu e rogou, que fiz o sermão, que foi o último, e ia me custando a vida, sendo que os tais sermões deram vida e coragem a muita gente, depois de ver meus companheiros cada dia morrerem 3 ou 4 de fome; depois de terem comido os cachorros e alguns cavalos, principiei a pregar, e fiz 35 sermões sem mudar de tema, animando a todos, que não retrocedessem; certificando-lhes, para adiante, rios de muita caça, mel, e guarirobas”. (BC-32, pg. 54). “No conhecido roteiro de Urbano do Couto, extratado por Alencastre, há uma referência a este bandeirante, quando aquele companheiro de Anhanguera diz que se vê sinal de correrem dois rios ou ribeirões, tudo fazendo barra no rio dos Araés, onde estão 14 pilões em uma tapera antiga, que foi do cunhado do Anhanguera, Manoel Pereira Calhamares, que, quando andava ao gentio, aí fazia escala, por ter roça, e ajuntava o gentio para ir para S. Paulo”. (BC-71, pg. 40) Pelo visto e exposto, os bandeirantes trouxeram sementes e foram fazendo roças, largando pilões, parando parte da Bandeira para plantar e esperar a colheita, construindo celeiros, proporcionando reservas. Uberaba chamava-se Farinha Podre, por ter a Bandeira, quando de seu regresso, encontrado as provisões deterioradas, já às margens do Rio Grande, até onde se estendiam as nossas divisas.

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O QUE VIRAM E O QUE COMERAM NOSSOS VISITANTES Os estrangeiros que nos visitaram, cientistas uns, missionários religiosos, e curiosos, outros, deixaram os seus depoimentos sobre o que viram os da terra comer e as suas conclusões, quase todos franceses. “No dia 18, pela manhã, montamos a cavalo e partimos. Transpondo montes e vales que cercam a cidade, atingimos uma pequena fazenda ao fim de meia hora. A tropa estava lá, presa, arreada. A mesa estava posta: pratos, colheres, garfos se estendiam sobre um couro de boi (ligal) posto em terra. Ao centro, duas travessas, uma cheia de arroz branco como a neve, outra cheia de feijão fumegante, negro como ébano. É só escolher... Instintivamente — pois aqui o adágio parece verdadeiro: simile simili gaudet — vamos ao cardápio branco, enquanto os camaradas avançam sobre Não se podia conseguir o feijão preto, de que se servem copiosamente e que devomesmo o mais comum e ram”. (BC-35, pg. 70). necessário, o toucinho, o Oscar Leal, português inteligente, comeu melhor e em feijão e a farinha de milho. Esses 1892: “Levamos charque, farinha de mandioca, farofas, bovíveres faltavam aos próprios los e arroz, cocadas, café e biscoitos, e foi disto que constou habitantes, que agora se a nossa refeição servida ali sobre a relva e à sombra dos alimentavam de abóboras [...] arvoredos”. (BC-75, pg. 66) Era pouco exigente: “Que comer, sim senhor, é isto o que desejo e seja o que for. Se não tem carne fresca dê-nos seca, arroz; feijão e café, e por hoje ficaremos satisfeitos”. (BC-75, pg. 40). Depois nos diz de “galinha com arroz” e quibebe, mas não deve ser a galinha feita juntamente com o arroz, como está usando hoje, e o quibebe deve ser de mandioca: “Haviam ali algumas mulheres que me consultaram sobre várias enfermidades que diziam sofrer. Uma delas preparou-nos a ceia constante de galinha com arroz e quibebe, que foi servida sobre uma banca de carapina à direita do paiol do milho” (BC-74, pg. 34). Henri Coudrau parece que somente passou à carne seca com farinha de mandioca (uma paçoquinha, decerto, de vez em quando). Durante as quase 300 páginas da sua monumental obra só se preocupou 2 vezes com comida, e, assim mesmo, carne seca e farinha. Era, talvez, o meio mais seguro: “Nous nous arrêtons aujord’hui à São José; les provisions s’épuissent, je vais acheter um boef et le faire abattre, saler et secher... Je continue mes écritures pendant qu’on sèche la viande”. (BC-78, 108). “En

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toucinho / carne seca

arroz com frango

attendant je fais tuer un boeuf et préparer notre provision de farine pour le voyage du Tapirapé”. (BC-78, pg. 153) Já R. P. Marie H. Tapie encantou-se com a exuberância da, terra goiana: “Une roça leur donnait presque sans travail le riz, le mas le manioc. Les bananes, les mamões, les oranges, les ananas venaient sans culture et en toute saison. La rivière fournissait le poisson en abondance. C’etait un paradis terrestre”. (BC-9, pg. 52) “A alimentação ainda é a mesma daquele tempo; feijão, toucinho, legumes lenhosos, carne seca ao ar, raramente fresca, galinha, arroz, açúcar de cana; açúcar nas frutas em conserva, e mandioca e milho são hoje, como outrora, os elementos da mesa brasileira.”... “Não se podia conseguir mesmo o mais comum e necessário, o toucinho, o feijão e a farinha de milho. Esses víveres faltavam aos próprios habitantes, que agora se alimentavam com abóboras, bananas e a repugnante, meio putrefata carne seca”. (BC-76, pgs. 335 e 383).

Um visitante francês viu os goianos roendo pequis e tomou um na mão e perguntou: — Comment s’appele ça? Ai responderam-lhe: — Isso não se pela não, come-se assim mesmo. — Comment? retrucou o francês. — Com a mão, com a boca, do jeito que o senhor quiser. — Vous ne me comprenez pas? — Não precisa comprar pá, não senhor. Com a mão mesmo e muito cuidado com os espinhos. — Comment? — Isso, com a mão, do jeito que quiser!... ô italiano besta!...

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COMIDAS DE TODAS AS PARTES DO MUNDO A cozinha Goiana sofreu bastante influência dos estados que muito contribuíram para o progresso de Goiás, que começou seu desenvolvimento após a revolução de 1930, quando recebeu um sem número de famílias paulistas, mineiras, nordestinas, nortistas e dos outros estados em menor escala. Também dos emigrantes estrangeiros e descendentes que aqui chegaram, principalmente dos Italianos e Árabes (Sírios e Libaneses), dos Espanhóis e evidentemente dos nossos descobridores Portugueses. Os paulistas do interior, os mineiros do Triângulo e os goianos em geral, são frutos da mesma grande influência dos Bandeirantes, que ao desbravarem essa região do Brasil, criaram “o corredor das bandeiras) um corredor de misturas e absorção de culturas, produzindo uma nova cepa de brasileiros, que muito se identificam em seu jeito de falar, Não se podia conseguir suas músicas, seus tipos humanos, e muito, especialmente, mesmo o mais comum e em sua alimentação. necessário, o toucinho, o Em Goiás usa-se a comida de quase todos os países do feijão e a farinha de milho. Esses mundo. Antes da mudança da capital de Goiás, os habitantes víveres faltavam aos próprios daquela cidade viajavam muito para a Corte e traziam de lá habitantes, que agora se o modo de preparar as diversas iguarias encontradas. Depois alimentavam de abóboras [...] da mudança, com o advento de Goiânia, a imigração provinda de outros Estados trouxe consigo os seus costumes. Vários restaurantes passaram a exibir menus com pratos internacionais. São os resultados de uma cidade que surge. Por isso Goiás consome desde o seu arroz com pequi, o empadão e a maria isabel até os mais encrencados pratos franceses, passando pelo tutu com couve e torresmos dos mineiros, o virado à paulista, as comidas “quentes” da Bahia, o charque e o churrasco gaúchos e o sarapatel do norte. Com Brasília encravada no centro geográfico do Estado, aí comunisou-se o caviar russo, os faisões dourados e os ninhos de andorinha da China.

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PIZZA, QUIBE E MACARRONADA Pizza napolitana, quibe e macarronada viraram acepipes do trivial goiano. Os bares vendem pizza já cortadas, pedaços grossos como almofadas, servida quente, a muzzarella fundindo, escorrendo. Em vez da muzzarella usam o queijo comum rendado, muitas vezes mais buracos que queijo.Quanto ao quibe, não existem festas de casamentos e aniversários sem o quibe, assim como em todos os bares lá está o quibe frito, muitas vezes com um ovo cozido dentro. A macarronada é o prato mais comum nas mesas goianas. As donas de casa inventam, improvisam, conforme a necessidade e falta de ingredientes, macarronadas que fariam coçar a cabeça de muitos mestres-cucas da velha península; a “macarronada goiana”, receita neste livro, é um caso. O Dr. Zuza, José do Egito Tavares, falecido, ilustre advogado (me parece que o primeiro advogado de Goiânia), visitando parentes em São Sebastião do Ribeirão (Guapó), pediu para a sobrinha Inhola fazer-lhe uma macarronada, iguaria de que sempre foi mestra. À falta de ingredientes, Inhola pôs o macarrão no fogo, cortou bastante cebolinha verde e salsa, da horta, misturou com o caldo de feijão e temperou com isto a improvisada macarronada, que o Dr. Zuza comeu, repetiu e pediu a receita. Quanto à macarronada não será necessário dizer mais nada, pois hoje é domingo e em noventa por cento das mesas goianas estão sendo servidas macarronadas.

COMIDAS PORTUGUESAS, ESPANHOLAS E INFLUENCIA SÍRIA Assim como a linguagem seiscentista deixou até nossos dias vários termos ainda com muito uso no interior, vários pratos portugueses e espanhóis são também conservados, com ligeiras alterações, em Goiás. Os de mais uso: Olha ou Cozido, Alfenim, Cuscuz, Sonho e Manuê, cujas receitas serão encontradas neste volume.

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Olha: “Nestas descrições sente-se a composição da “olha podrida”, o “cozido”, a panelada de legumes e carnes que chegou até nós”. (BC-15, pg. 6) .

MANUÊ “Nessas tertúlias, nesses serões de residências solarentas, que um hálito centenário hoje ainda aquece e vivifica, enquanto não eram servidas deliciosas broas de fubá mimoso, mãe-benta, manuês e uma série infinita de suculentas comezainas, analisava-se a escultura do conterrâneo Veiga Vale...” (BC-36, pg. 18) . “E para adoçar a boca, caldo de cana, rapadura, manuês, bolo-preto, pé-de-moleque, doce seco, acre pela pimenta-do-reino, arroz-doce enfeitado de canela”. (BC-31, pg. 224).

ALFENIM São bichinhos, objetos e bonecos muito alvos, de açúcar. Muito usado em aniversários ou pelas festas do Divino. Há quem os venda pelas ruas, mas não são mimosos como os de encomenda. Alfenim, como quase todas as palavras iniciadas em Al, é de origem árabe. Diz Câmara Cascudo, em História da Alimentação do Brasil, que: “O domínio árabe é inseparável do alimento doce. Em Portugal os bolos de mel, o alfenim, a alféola, são presenças árabes”... “Um donatário da ilha da Madeira mandou a Roma oferta humilde ao Sumo Pontífice, o Sacro Palácio construído de açúcar e os Cardeais, de alfenim, da estatura de um homem.”

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Quibe Como se sabe, em Goiás come-se de tudo. A comida árabe é muito apreciada e o quibe frito já se tornou prato goiano. Não se faz festa sem o quibinho no pratinho de papelão junto com a empadinha e o pernil com farofa. Todas famílias fazem quibe em casa. É lógico que a maior parte delas não consegue a técnica que o quibe requer, paredes bem fininhas, bastante ocado. Em geral o quibe é maciço e, comercialmente, coloca-se um ovo cozido dentro, ou melhor, reveste-se um ovo cozido com a massa de quibe e vai para a fritura. Há senhoras goianas que fazem o quibe tão bem quanto aquelas de descendência árabe.

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TRIVIAL No fim do século passado, em Goiás-Capital, o almoço era às 8 horas; merenda, ao meio dia; jantar às 3 da tarde e a ceia às 7 da noite. O almoço consistia quase sempre de arroz, feijão, carne picadinha, mexido de carne de porco com farinha de mandioca (farofa, não se conhecia a palavra em Goiás) e couve picada. Para a merenda vinham quitandas várias, canjica e muito pouco leite, pois leite era bebida de menino, assim como verdura era comida de coelho: “Não sou coelho pra comer folha!...” No jantar: sopa de arroz com couve picada ou rasgada grande ou, ainda, folhas inteiras, no caldo de carne, tudo bem consistente. Carne cheia ou enrolada de panela. Guariroba com “molho de vilão”. Tigelada. A carne variava ou de porco ou de gado. A ceia era sempre leve: arroz com frango ou canja de galinha. O doce em calda acompanhava todas as refeições, de Decerto que a nossa culinária menos uso ao almoço. (Informações de Cora Coralina). sofreu a influência das Várias refeições ao dia: O povo da roça e das olarias, andanças e mobilidades do que começa a labuta bem antes de nascer o sol, come três vecolono e do índio, tanto que zes ao dia (refeições completas). Pela manhã e o tira-jejum, os pratos típicos das nossas quase sempre de um requentado da sobra do dia anterior, ou populações que sofreram menor mesmo feito na hora, consistindo de bastante feijão, arroz, influência do negro [...] farinha e carne. A mandioca substitui o pão. Ninguém faz pão em casa. Às nove horas vem o almoço, Jantar às 15 horas. Na boca da noite comem qualquer “trem”, o que tiver. “Às 4:30 da manhã, ouve-se o toque de alvorada. Com o café às 5 servido também o pequeno almoço mais conhecido por “quebra jejum”, composto de tutu de feijão preto (virado de feijão) e “Maria Isabel”, ou arroz à Carreteira, como chamam os gaúchos (arroz com carne seca de sol) . (BC-66, pg. 65)

Comida de pobre O trivial do povo pobre antigamente sempre consistia de angu, alguma verdura e a farinha de mandioca, imprescindível. Atualmente o trivial é arroz, feijão, farinha de mandioca, carne (às vezes) e alguma verdurinha à paulista-mineira: couve, chuchu, abóbora ou vagem.

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Domingo em casa de gente que pode: Nas casas de gente de posses, aos domingos, usa-se o ajantarado, almoçando mais tarde e somente lambiscando à noite, para dormir. Em geral o ajantarado consiste destes pratos: macarronada, frango, frios ou maionese e pastéis. Trivial: “Não é necessário dizer-se que a cozinha goiana não discrepa, no trivial, da ementa comum e quase quotidiana de todo o Brasil: arroz, feijão, farinha (sendo preferida a de mandioca) verdura e legumes da estação, pouca carne ¨Veio o jantar. Um boião de roça, não resta a menor dúvida, mas gororoba reforçada: lombo de porco, recheado, arroz com carne, queijo frito, guariroba, feijão, ovo frito, banana frita, farinha de milho e de mandioca e umas quatro qualidades de doces pra sobremesa”. (BC-49). Merenda: “Os Vilelas almoçaram, deram uma volta pelo pomar, chegaram ao moinho e a serraria em descanso dominical e a hora da merenda regressaram para comer a coalhada, o requeijão frito na panela e os biscoitinhos de fubá”. (BC-41, pg. 131). Em viagem: “As cavalgaduras ficaram livres das selas enquanto de embornais claros surgiram os farnéis: almôndegas, farofa de galinha, bolos e queijo”. (BC-41, pg. 147) “Arrumei as canastras velhas, ensebei elas e tuchei feijão. Carne de sol. Rapadura. Farinha. Sal”. (BC-41, pg. 36) “Decerto que a nossa culinária sofreu a influência das andanças e mobilidades do colono e do índio, tanto que os pratos típicos das nossas populações que sofreram menor influência do negro, são feitos para serem comidos longe de casa, levados no picuá ou preparados a pressa no pouso, em meio da jornada, como a paçoca de carne, o virado, a farofa, o barreado, o churrasco, e chegam a receber nome de profissões andarengas, como o comboeiro, prato típico do Nordeste, e o carreteiro, do gaúcho”. (BC-10, pg. 150). Em Goiás temos o nosso prato viajante, o “feijão-tropeiro”. Pelos pousos do Paranaíba à Capital: 1896: “A cozinha em três grandes pedras onde se faz o fogo sobre uma tripeça, com um gancho se dependura o caldeirão ou a chaleira. Louça e xícaras são de ágata; o menu muito simples: feijão, arroz, farinha, carne seca (quando há), café; mas tudo isso tem o seu ingrediente no bom apetite que se goza durante a viagem”. (BC-17, pg. 41)

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De cócoras: O roceiro e muita gente do interior tira na panela e fica de cócoras ou assentado no calcanhar, com um garfo, fazendo proezas no prato. É de um malabarismo incrível, misturando o arroz com o feijão, garfada por garfada, buscando com uma agilidade incomum, com a ponta do garfo, um torresmo, uma fincada de couve, um pedaço de mandioca ou um naco de carne. O prato, quente, na palma da mão. Depois dá um golpe na pimenta malagueta ou bode, como se o garfo fosse uma cascavel, fazendo-a vir para o lado estratégico do prato, o lugar da operação-mistura; corta-a ao meio, esmigalha-a, faz o “capitão” com o garfo mesmo e engole quase sem mastigar. Dizem que a pimenta é o ingrediente da cozinha dos subdesenvolvidos: pimenta serve para empurrar a comida magra, “gororoba”, destemperada. E as vitaminas A e C das pimentas? Passam de liso pelas tripas? “Um bocado de arroz e carne de espeto e farinha. Refeição frugalíssima, tomada com a mais simples das simplicidades: de cócoras e no banco tosco do pilão, É de um malabarismo incrível, onde ficou Vilela. O café adoçado com rapadura complemisturando o arroz com o tou o jantar”. (BC-41, pg. 74). feijão, garfada por garfada,

buscando com uma agilidade incomum, com a ponta do garfo, um torresmo, uma fincada de couve [...]

Confraternização: No interior é muito comum a criação de porcos no quintal ou na horta, como dizem. Quase todo cidadão tem já o seu porquinho engordando no chiqueiro, com as sobras da cozinha. Quando alguém mata um capado os vizinhos mais íntimos ganham o seu quinhão; ou um pedaço de carne ou uma lingüiça, que para aproveitar as tripas, as lingüiças fazem parte da labuta de preparar um capado. A finalidade também de matar-se um porco gordo é para o aproveitamento da banha, sendo que a carne vai para as lingüiças. Antigamente faziam-se os guardados de lombos e pernis em gordura. O mesmo costume tem os cavadores, em presentear, mas penso que a finalidade é mais de mostrar-se como caçador que vai e traz, que confraternização mesmo. Quando chegam da caçada presenteiam os amigos e vizinhos com uma parte da caça. “Nas festas de aniversário, casamento, batizado, brasileiras, é hábito presentear as famílias, que não puderam comparecer, com as provas ou lembranças do banquete, carnes e doces, raramente bebidas”. (BC-31, pg. 45).

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“Na ocasião de matança de porco, feitura de queijos, de chouriço (as morcelas portuguesas), carneiro, ovelhas, novilhas, novilha gorda, constitui obrigação usual enviar uma prova aos vizinhos, determinando a reciprocidade natural. Assim em Portugal e Espanha e também depois das “batidas” de caça, presenteiam-se peças aos amigos”. (BC-31, pg. 45). Comer junto é sinônimo de amizade; quando se encontra com um amigo, usa-se dizer: “vai lá em casa para um café...” “Companheiro provém de cumpanis, comer o mesmo pão, alimentar-se juntos. Aluno, alumnus, de alo, sustentar, criar com o alimento. O símbolo sagrado da união entre os janízaros era a grande panela comum, Kazan. Comer no mesmo prato, manger à la même écuelle, é confiança, irmandade, fusão”. (BC-31, pg. 34). O melhor modo de elogiar a dona da casa é pedir a receita da iguaria servida. Se tratar-se de pratos simples, comuns, então deve-se perguntar qual foi o modo que fez, como é que o arroz pode ficar solto assim (embora pareça cola de sapateiro). Esse negócio de sustentar estranhos em casa “até as derradeiras misérias das suas reservas”, não se usa mais. Vou contar a estória de um andarilho que amuou em casa de um morador. Depois que se consumiram “as derradeiras misérias das suas reservas”, o caseiro, muito educado, procurando não ferir as sensibilidades do hóspede, lhe disse que seguisse a sua viagem porque nada mais havia para por no fogo. O visitante muito a contra gosto afirmou que partiria pela madrugada. E pela madrugada o dono da casa foi acordá-lo, satisfeito: — Fulano, já é de madrugada. O galo já cantou. Ah! ainda temos um galo? — virou-se para o outro lado e continuou a dormir.

AS MULHERES É costume antigo das mulheres não comerem à mesa. Ficam lá pelos fundos, enclausuradas quase sempre na cozinha. As crônicas apontam vários motivos, os quais poderemos ver adiante, mas o que se conclui é que a responsabilidade da casa sempre esteve entregue diretamente a dona, a mulher. E principalmente quando há visitas, os trabalhos dobram-se e triplicam-se e a responsabilidade aumenta, fazendo com que a patroa se esbalde lá por dentro, sem nem tempo de dar uma espiada cá fora. A tarefa de servir compete, muitas vezes ao homem, ao caseiro, recebendo os pratos na porta da cozinha das mãos da esposa e trazendo-os para a mesa. Quanto a presença dela nas conversas de sala, o marido sempre diz, mostrando superioridade, que “em negócio de homem mulher não mete o bico”.

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[...] no recesso doméstico, cabia a elas, com ponderações sensatas, dar ou não beneplácito ao programado, já que delas resumava o indiscutido bom-senso e habitual acerto nas decisões...

Goiás do Couto diz que na cidade de Goiás é diferente: “As mulheres, nas obras da interminável azáfama caseira, detinham sólido e indeclinável império, competindo-lhes a gerência absoluta das atividades internas do lar. Gozando de maior consideração, aparentemente submissas, sem direitos ostensivos, na semi-clausura que os costumes impunham, diziam sempre a última palavra. Nas relações exteriores, os homens travavam planos, discutiam todos os ângulos de um problema, sem contudo chegar à solução final, pois, no recesso doméstico, cabia a elas, com ponderações sensatas, dar ou não beneplácito ao programado, deixando de realizar-se aquilo que fosse contra sua vontade, já que delas resumava o indiscutido bom-senso e habitual acerto nas decisões... Parcimoniosas nos gastos, discutindo preços, amealhando com previdências, fazendo malabarismo financeiro, também contribuíam para o crescimento do pé-de-meia familiar com a fabricação de doces, biscoitos e bolos, vendidos em tabuleiros nos logradouros públicos ou fornecimento às festas”. (BC-25, pg. 20).

A COZINHA

A cozinha deveria ser a parte principal da casa. A área mais ampla, tudo mais cômodo. É na cozinha que a boa dona de casa faz a parte mais agradável do lar: a comida. É com a cozinha que a esposa cativa o seu marido. Em toda a casa o lugar que mais se trabalha é na cozinha. Antigamente até a política se tramava ali. Os antigos resolviam todos os seus problemas na mesa grande da cozinha. Muitas vezes um fulano vem em casa da gente tomar satisfações devido uma pedra que o garoto atirou e quebrou uma telha; então a gente dá um rodeio, leva o homem pra cozinha, manda passar um cafezinho gostoso, e pronto; fumou-se o cachimbo da paz. Levar alguém para a cozinha significa amizade confiada, segura. Quando se deseja demonstrar intimidade com alguém, diz-se: “Sou da cozinha do fulano...”, “Bebo café no rabo do fogão de beltrano...” É sempre na cozinha que a patroa mostra a sua maior aptidão. Superstições: “Depois do café, os barqueiros fazem o seu tradicional cigarro de palha, cujo efeito mágico, no espírito do povo humilde, está em afastar toda a espécie de perigos, mais ou menos reais, sobretudo a congestão”. (BC-35, pg. 113).

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A congestão é muito temida pelo povo, deixando quase sempre a vítima com defeito físico. Como precaução não se toma banho após as refeições, nem se saboreiam sorvetes, garapa (caldo de cana), melancia e muito menos relação sexual. Abstém-se também, após as refeições, de correr, pegar peso e ler. Todos nós conhecemos aquela explicação do roceiro: “Comeu, garrô lê, morreu...” Misturas de frutas, leite e legumes: Hoje já misturamos tudo, antes não misturávamos nada. Menino não comia laranjas. O leite era o maior veneno, embora fosse sempre o corta-veneno, largamente usado, ontem como hoje, neste sentido. Para qualquer caso de envenenamento era dar leite em quantidade ao paciente. Se se comesse manga, somente poderia tomar leite à noite. Muito leite engrossava os lábios. Hoje ainda é muito usado esse regime de não misturar frutas, mas o caso é bem engraçado, pois não se misturam frutas ou verduras, isoladamente? Quem chupa laranja, não come abacate; quem come pepino, não pode nem ver falar em ovo, principalmente ovo cozido ou frito, Quando se deseja demonstrar mas, todo mundo, sem exceção, come salada de frutas, toma intimidade com alguém, vitaminas de frutas e aprecia muitíssimo a maionese, os diz-se: “Sou da cozinha do frios, onde há a maior profusão possível de frutas e legumes fulano...”, “Bebo café no rabo do misturados. Não se misturavam pepinos com ovos e álcool fogão de beltrano...” É sempre considerados os mais venenosos. Hoje, comumente usa-se na cozinha que a patroa mostra a o prato de frios, onde entram o pepino, ovos cozidos, álcool sua maior aptidão”. (vinagre) ou limão (o infame limão dos antigos). Antes do almoço toma-se o aperitivo, comem-se os “venenos” e bebe-se um copo de leite por cima. Depois vem as sobremesas de frutas várias e chupa-se até melancia. Agora, garapa (caldo de cana), após as refeições, eu também não vou não!... E isto não é só aqui; em Minas Gerais foi e, em alguns lugares, continua sendo: “E o leite? E as verduras? E as frutas? Curioso é que o homem do sertão, mesmo o das fazendas de gado, não é muito chegado ao leite; legumes, não são coelhos para comerem folhas, como dizem; frutas, só as da terra, cada uma em ocasião própria, pois misturadas dariam congestão. Não é só na roça. Também nas cidades se bebe pouco leite e há parcimônia no consumo de verduras e frutas. São correntes ainda hoje velhos preconceitos contrários ao uso do leite por adultos, sendo comum ouvir-se: “Leite faz mal”, “leite é alimento de bezerros e cabritos”, “leite ataca o fígado e os intestinos” etc.”. (BC-22, pg. 158)

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COMER NA GAVETA O povo de Itaberaí não está sozinho!... Isso de comer na gaveta vem lá de trás, de outras regiões. De um modo geral ninguém se sente bem comendo às vistas dos outros. Vêem-se demais dois operários sentarem-se de costas, um para o outro, ao receberem de casa os seus caldeirões. Em geral as pessoas humildes têm vergonha do que comem e acham mesmo que é falta de educação estar olhando o que o outro está comendo. Também é falta de educação falar com a boca cheia. “Não o dizia o autor do Romanceiro Brasílico, mas pode-se mencionar aqui que o povo de Mariana era chamado gaveteiro. Dava-se este nome, por desfrute, ao indivíduo que se dizia comer na gaveta, vale dizer, que escondia o prato quando à hora da refeição aparecia de improviso “algum estranho”. A insinuação tem caráter universal e não se come escondido, como no caso, pro sovinice, senão ocultar uma refeição pobre. A gente marianense era em geral de poucos recursos, mas presumia de boa qualificação social. Comia angu, alimento do escravo, mas queria arrotar presunto. Era um mecanismo de defesa para os que evitavam tornar pública a pobreza da própria alimentação, que desqualifica socialmente”. (BC-22; pg. 123). Frituras: Os goianos gostam muito de frituras. Com o povo antigo então era mais. Explica-se isso talvez pela fartura de gordura de porco. As refeições compunham-se de arroz, feijão, farinha, banana frita, mandioca frita e ovos fritos. Benzer-se à mesa: E um costume cristão também muito comum em Goiás, o benzer-se às refeições. E há famílias, principalmente do interior, que rezam respeitosamente à mesa.

VELÓRIOS ANTIGOS No sertão, sempre que houvesse reunião de pessoas, o motivo era de festa, embora até se tratando de velórios. O povo não tinha onde ir e ficava catando festas. Plantavam-se o tanto do gasto, que mais não tinham a quem vender, pois todos também plantavam e não havia estradas e nem mercados para o escoamento, se caso houvesse maior colheita. Saía-se de uma festa e ficava preparando-se para uma outra. Comprava-se com prazo de pagar no encontro da festa tal; Trindade, Aparecida, Moquém, Gorino... Quando havia um velório, ninguém faltava, morando mesmo léguas de distância. Devido a isso não podia faltar comida. Era uma boa oportunidade de encontrar-se com fulano e beltrano, tramar ou comprar algum “trem”. Não havia velórios sem cachaça (ter que passar a noite sem um “esquenta-peito” era dureza). Nas fazendas, além disso, ainda comia-se pela noite inteira: mexido de carne de porco com farinha de mandioca e ovos fritos, separadamente. Café e quitandas, então não agüentavam intervalos. Até noivados davam os velórios.

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FESTAS TRADICIONAIS Não há festas de roça sem comezaina. Os pagodes, as folias, os mutirões são de uma fartura extraordinária. O arroz com suã de porco vem nas gamelas. Com guariroba tem vez que é servido em baldes. Travessões com carne de porco, pelotas de carne de gado (guardadas na gordura) e frango em abundância. Tutu de feijão, mandioca cozida, leitoa destrinçada e farinha. A verdura mais comum é o quiabo, se bem que as verduras são pouco apreciadas. A pimenta bode ou malagueta impera nestas mesas de roça. Das diversas latas de querosene cheias de doces, na despensa, vêm as tigeladas para a mesa. Doce de casca de laranja, de leite, de figo, de cidra e mamão ralado são os mais comuns. O doce de leite, muito bem feito, chamado “doce que engasga”, é devorado às pratadas. Pela madrugada muita gente se levanta da sua cama improvisada e atola no doce, comendo uma mistura de todos em prato fundo. É um apetite de fazer medo. As décimas, o coreto e o agradecimento de mesa: “O canto à mesa foi costume generalizado na Europa. Na velha Alemanha, após o jantar, todos os convidados eram obrigados a recitar algumas rimas sob pena de serem obrigados a beber mais um copázio. Creio que o costume foi introduzido no Brasil pelos invasores holandeses durante o século XVII”. (BC-77, pg. 253). Forçosamente em toda mesa oferecida aos foliões pelas chegadas das folias, há o agradecimento que é cantado por eles, ficando a metade de um lado e a outra metade do outro. Um lado canta dois versos da quadra e o outro, os restantes. Depois vêm os vivas. Primeiro comem os foliões; depois, os demais. Vejamos o que nos forneceu o Sr. Joaquim Bento Sobrinho (Quinzinho) de Americano do Brasil, antigo Olhos D’água:

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“Deus vos pague a bela mesa que vos deu dessa vez há de ser recompensado Do Divino Santos Reis (ou o santo do dia) O Divino Santo Reis e santo consolador consolai as nossas alma quando deste mundo for. Bendito louvado seja as três palavras de Deus Pai, Filho e Espírito Santo seja pelo amor de Deus. Oferecemos este bendito pro Senhor que está na cruz em louvor das cinco chagas pra sempre amém Jesus.”

Outro cântico: “Lá do céu desceu dois anjo pra descer abriu as asa veio trazer vida e saúde pra os dono desta casa. Lá do céu desceu dois anjo com seus livrinho na mão vem dizendo viva-viva essa bonita união. Viva Santo Reis! (grita o gerente) Viiiivaaaa!... (respondem) viva a bela mesa! viiiivaaaa!... viva o dono da casa! viiiivaaaa!... viva as cunzinheira! viiiivaaaa!... viva os servente! viiiivaaaa!... Aí um de fora do grupo grita: Viva os folião! Viiiivaaaa!...

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CEIA DOS INOCENTES “Ceia dos inocentes” é um voto, uma promessa que o fazendeiro faz para determinado santo, prometendo fazer a referida ceia por um ano ou mais, até durante toda a vida, às vezes. Primeiramente comem os inocentes, (crianças até 7 anos de idade), servidos pelos “serventes” que trazem toalhas ao pescoço. Depois então servem-se os adultos. Comumente a comida é essa: guariroba misturada com arroz ou com carne de porco ou, ainda, por incrível que seja, com frango, macarronada, arroz e feijão (quase sempre como tutu): tutu com guariroba é um negócio muito bom. O agradecimento de mesa é comum, acrescentando um verso referente, em geral de improviso, como esse do Quinzinho: “Deus vos pague a bela mesa que vos deu pros inocente transformada numa rosa pros anjo foi de presente”.

CEIA DOS CACHORROS A “ceia dos cachorros” é feita em geral por quem sofre de doenças da pele e em louvor a S. Lázaro (os cachorros curaram S. Lázaro lambendo-lhe as feridas). Primeiro comem os cães, assim: ou o dono da promessa manda algum (um dos convidados) fazer o seu prato e pedindo licença toma-o e leva ao animal, ou cada dono de cachorro faz o prato e leva pra ele, ou, por último, os “serventes” fazem os pratos e dão aos cachorros. Depois dos cães servidos, então, comem as pessoas. A comida tanto das pessoas como dos cachorros é a mesma.

MUTIRÃO OU TRAIÇÃO O agradecimento de mesa nos mutirões ou traições é o mesmo que nas folias. Invocam qualquer santo e agradecem a mesa em louvor a este santo. “Ouviam-se saúdes e coretos, gritos onomatopéicos, falas desconexas com muitas macaquices e os monótonos jongos africanos”. (BC-22, pg. 182).

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Agradecendo a mesa: “Benditu lôvadu sêja Santissimu Sacramentu O Divino Ispiritu Santu Qui nus dá um alimentu. Deus vus pagui a boa janta Qui vois deu prus fulião Deus lhi ponha mesa no céu I dá a salvação”. (BC-27, pg. 76).

CORETOS Os coretos são usados no recolhimento da folia. Em geral é em torno de bebida. Um pega a cachaça mas é obrigado a recitar uma “decima” antes de bebê-la: “A lua evém saindo pintando flor em rama bem assim pinta a saudade no coração de quem ama. Os demais gritam: Viiivaaaa!... e fazem o coreto (coro pequeno, de poucas pessoas), enquanto que o recitador bebe a pinga: “Esta festa não se acaba - bis esta festa não tem fim se esta festa acabar - bis ai meu Deus, ai meu Deus ai meu Deus, o que será de mim ah, ah...”

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A pessoa que recitou entrega o copo para uma outra que escolheu e esta é obrigada a recitar também uma “décima”: A lua evém saindo primeiro quem viu foi eu uma pedra deu na outra seu coração deu no meu”. Viiiivaaaa! .. (ainda o mesmo) Coreto “Quem compra, quem compra — bis quem compra meu coração eu dou ele por pouco dinheiro — bis um abraço, um abraço um abraço e um aperto de mão ah, ah...”

AS COMIDAS E AS FESTAS DE TRADIÇÕES NA CIDADE DE GOIÁS Pipoca, amendoim, batata doce e furrundum para as festas de junho. Pela festa do Divino, as verônicas. Pelas folias, os pirulitos (na cidade). Semana Santa, os confeitos de amendoim para as crianças, que cantavam na procissão, em cartuchos, tendo um deles um papelzinho dentro escrito “Judas”. Azar de quem o tirasse. Estas crianças vestiam-se de anjos. Para Sexta-Feira Santa, a canjicada (canjica com amendoim). Nos aniversários, alfenim. “E as Folias do Divino Espírito Santo, acompanhadas por pessoas de respeitável projeção social, ao som das bandas de música, percorrendo a cidade de ponta a ponta, sem omitir uma casa sequer, coletando dinheiro e prendas para os leilões? Os seus integrantes, recobertos com opas vermelhas, empunhando a Bandeira, o Cetro, a Coroa e as sacolas para os óbulos, eram acolhidos em todos os lares, e em vários deles, se lhes propiciava generosa recepção com bebidas, doces e improvisavam-se reuniões dançantes

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rápidas e joviais. Falta a essa festa, atualmente, aquele sabor ingênuo e respeitoso que o tempo mutilou irreparavelmente. Ainda são lembrados, pelos de mais idade, as mesadas que o Imperador do Divino dava a população. Após a Missa da Festa as portas da casa do festeiro eram abertas para o povo, que se regalava o dia inteiro, com toneladas de doces, cremes, pudins, enchendo estômagos de milhares de pessoas com essas guloseimas, às vezes preparadas com um mês de antecedência, o que consumia Após a Missa da Festa as dezenas de contos de réis dos organizadores dos festejos”. portas da casa do festeiro (BC-36, pg. 32) . eram abertas para o povo, “Na Sexta-Feira da Paixão, residências haviam em que que se regalava o dia inteiro, a vassoura e outros instrumentos de limpeza não eram mocom toneladas de doces, vidos dos seus lugares. Do ruído, apenas as matracas percremes, pudins, enchendo correndo as ruas, com seu som peculiar, alertando os fiéis estômagos de milhares [...] sobre os dramas do Calvário, que seriam simbolicamente revividos na igreja da Boa Morte, catedral da Arquidiocese de Santana de Goiás. Predominando roupagens escuras, ia-se orar aos pés da imagem do Senhor Morto, ou praticar piedosa meditação nos templos. A própria alimentação era modificada, havendo abstenção de carnes e suprindo a sua falta com as clássicas canjicas de amendoim ou coco, cuscuz, merengues e acepipes regionais semelhantes”. (BC-36, pg. 33).

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UMA CAVALHADA SE FAZ COM AMOR E DEDICAÇÃO EXCLUSIVA Lorimá Dionísio (Pirenópolis) Jornal O Popular, 05.11.74 “O polvilho é misturado com o queijo ralado em um canto da grande gamela. As mãos enrugadas, limpas — unhas bem aparadas, vão trabalhando sob o comando dos olhos meio turvos. Com o movimento calmo e seqüenciado a massa vai sendo formada em outro canto do vasilhame, após a mistura com ovos. Em menos de 30 minutos, Rita Fulô, 83 anos, 45 dos quais trabalhando nos festejos do Divino Espírito Santo de Pirenópolis, tem material para enrolar e assar mais de 300 biscoitos de queijo. O serviço das quitandeiras é contínuo desde o início do ensaio da Cavalhada. Os biscoitos e bolos são feitos e consumidos quase em seguida nas reuniões de terço e orações realizadas na casa do Imperador. Rita Pereira de Sá, Rita Fulô, é a mais antiga das mulheres que trabalham dentro da festa e se tornou figura indispensável nas cozinhas e varandas das casas das pessoas sorteadas para comandar os festejos. Seu expediente de ação é de fazer inveja até aos homens. Dona Nininha, mãe do Imperador Nélio Chapini, comenta que “quando a gente diz para Rita Fulô descansar um pouco ela fica nervosa e responde mal. Detesta ser comandada e quando chegou já trouxe consigo o próprio esquema de trabalho. Quando chega certo ponto ela faz uma parada, geralmente durante as orações, e dorme sentada em um banco, tendo nas mãos o terço. De vez em quando, tira uma soneca com tempo determinado. Coloca formas de biscoitos para assar e calcula o tempo. Senta, dorme e 30 minutos depois acorda para concluir a etapa do trabalho”.

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FOLIA DO DIVINO

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Apenas concluída a cerimônia, sentam-se em elevado trono de onde vai presidir o fabuloso lanche composto de todas as variedades de bolos, pastéis e doces, regados com café e licores. [...]

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“Apenas concluída a cerimônia, reconduzem o “imperador” a sua residência e lá, em amplo barracão feito de hastes de palmeiras e enfeitado de grinaldas, sentam-se em elevado trono de onde vai presidir o fabuloso lanche composto de todas as variedades de bolos, pastéis, e doces, regados com café e licores. Se nas primeiras mesas reservadas às famílias se observam ordem e decência, nas seguintes nota-se menor reserva. A noite inteira, na sala e nas vizinhanças a balbúrdia mantém-se intensa; garrafas, garrafões e até baldes de aguardente circulam e esvaziam-se. Lembram-nos de certo festeiro que instalara um pequeno chafariz, no qual o povo vinha encher a vontade copos de cachaça. Entretanto, animam-se os bailes, uns mais decentes, para as famílias, outros mais livres e barulhentos, para negrada, que até o dia amanhecer saltará ao ritmo ensurdecedor das caixas e tambores. Até aqui, foram apenas os prelúdios do que vai realizar-se no dia da festa. Embora todos tenham passado a noite “em branco”, acham-se prontos para enfrentar o programa, bem carregado, da gloriosa jornada. Pela manhã, todavia o mais tarde possível, o ato litúrgico da missa; motivo do empenho de todo festeiro para assegurar a presença de um padre, por mais afastado que seja o arraial. Pobre do padre que tinha de agüentar, além do rigoroso jejum de outrora, as intermináveis cantorias acompanhadas pelas violentas descargas de pólvora e de dinamite! Quanto mais compridos os cantos, mais frenética a orquestra e formidável o barulho no pátio, tanto mais apreciada será a festa e enaltecido o “imperador”, que os olhos de todos admiram sentado no seu trono, junto ao altar.


Concluída a cerimônia, forma-se, novamente, o cortejo para reconduzir a seu palácio o herói do dia. Chega, então, a hora do banquete e o espetáculo torna-se realmente estonteante. Sob o olhar de “Sua Majestade”, longas mesas cobrem-se num instante, de um sem-número de iguarias: leitões, frangos e perus, assados, enormes bifes, pasteis, tortas e empadas. Seguem-se os bolos e os doces de calda. Tudo profusamente regado com vinhos e com licores regionais de laranja, de ananás, de tucum, de jenipapo, etc. A cachaça corre copiosamente. Assim será por toda a tarde, pela noite adentro, até de madrugada. Sucedem as mesas, porque ninguém há de ser esquecido. Até os mais pobres poderão comer e beber a fartar. Aos parentes e amigos ausentes levar-se-ão saborosas migalhas da mesa real. Os doentes, também, recebem com devoção, um bolo ou biscoito enviado pelo Divino. O despontar do sol marca o término daquelas cenas pantagruélicas, dos sambas e batuques. É o sinal para a retirada geral, depois dos mais calorosos vivas ao “imperador”. (BC-70, págs. 121/25) .

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FARTURA Nosso estado ainda continua preservando o antigo costume das mesas farturentas e dos exageros às refeições e festas. No interior, nas fazendas, ou mesmo aos domingos nas casas da capital, é costume a família se reunir em volta de mesas fartas, saborosas e variadas. O almoço goiano sempre contém arroz, feijão, salada, legumes e carnes. A carne não falta nunca, e muitas vezes há mais de um tipo , como bife, Frango e carne de porco. Nos Domingo e ocasiões especiais, a família gosta de se reunir para comer uma boa galinhada bem feita ou quem sabe uma pamonhada. Sem dispensar muito tira-gosto, antes do prato principal, sendo churrasco, o favorito. Aqui em Goiás, nos cafés das manhãs não faltam os bolos, biscoitos caseiros, os pães de queijo, roscas doces, que normalmente são feitos em casa, ou senão comprados nas mais diversas e variadas padarias e confeitarias existentes na cidade. No interior, nas fazendas e nas cidades mais tradicionais, a fartura é grande, e tudo feito em casa, seguindo receitas tradicionais das famílias. O mesmo ocorre no lanche da tarde, ocasião perfeita para se receber visitas e colocar a conversa em dia. Nada é mais emblemático, no que se refere a fartura na mesa dos goianos, de que o inesquecível Joanito da pensão Padre Rosa, na Pirenopolis dos anos 50/60. A seguir a história desse precursor e alguns textos ilustrativos da época. 56

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A FAMOSA PENSÃO PADRE ROSA Pensão do Joanito A pensão do Joanito, de Pirenópolis, tem fama nacional. Raquel de Queiroz, há alguns anos, dedicou a sua crônica semanal de “O Cruzeiro” a esta pensão: “Fartura”, que ele ostenta num quadro na sala de refeições. Muitos outros cronistas e jornalistas tem se ocupado em escrever sobre o passadio no seu estabelecimento. Quando estava na praça da igreja e o dinheiro valia (1956), cobrava 220 cruzeiros de estadia e oferecia um cheque (que já estava assinado e ensebado) de 30 mil para a mesa (10 pessoas) que consumisse toda a carne servida. Hoje, em seu prédio próprio, à rua 24 de Outubro n. 4, a mesa é para 25 pessoas e os prêmios são os seguintes: “Quem encontrar em qualquer Estado do Brasil as sobremesas da quantidade da minha pensão, tem a aposta de 4 milhões de cruzeiros contra uma carteira de Hollywood, mas bem entendido, de comida brasileira, porque já vi falar muito em mesa dos turcos!...” Em 1956, pelas festas do Divino, comemos até doce de mangaba, o doce mais difícil que pode existir para fazer. Neste dia um estudante de Anápolis, ao meio da refeição, pediu se podia mandar passar um filé, que ele não comia sem filé. Ora, naquele dia estava à mesa: pernil, lombo, almôndega, lingüiça frita, quibe cru, quibe frito, frango ao molho pardo, frango assado; frito, leitoa, carne-de-panela, que é o que me lembro. O pedido do estudante não era justo. Joanito respondeu: “Perfeitamente”, e vazou cozinha adentro. Depois voltou com uma bacia de tamanho razoável com um filé passado (devia ser inteiro) cobrindo toda a bacia e ainda debruçado pelas bordas. Serviu o rapaz e disse que não gostava que se deixasse resto. Saímos da mesa e o estudante ficou lá, sabe Deus como, com o seu “filezinho” bem passado. Serve comumente em dias da semana: de 12 a 15 pratos salgados e de 14 a 16 de sobremesas. Aos domingos: “o meu banquete” de 25 a 30 pratos e de 20 a 27 de sobremesas. José Feliciano, ex-governador do Estado, almoçando em companhia de Geraldo de Pina, queria ambrosia de queijo, para sobremesa. Joanico vai trazendo os pratos e pondo na mesa: era doce disso, doce daquilo, pudins e mais doces. José Feliciano reclamava sempre: “— Mas a ambrosia de queijo não vem?” Joanito respondeu: — “Espera, Deputado!... a ambrosia de queijo aqui na minha pensão é n° 21 e ainda está no n° 17!...” Não gosta de servir salada de frutas e mesmo frutas às refeições, embora as tenha. Um dia “um sujeito importante da esfera da política federal” pediu salada de frutas. Joanito respondeu-lhe, sem agravar, que aquilo na sua pensão era comida pra passarinho e não pra homem. Durante a semana atende poucos fregueses, mas aos domingos, entre as duas refeições, serve quatro mesas de 25 pessoas, uma de cada vez. Enquanto não sai o último comensal não deixa ninguém assentar-

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-se. Cobra 5 cruzeiros novos por refeição e 12 pela diária (cama e mesa). Os seus fregueses comuns são de Anápolis, Goiânia e Brasília, embora tenha recebido muita gente de todo o Brasil e muitos turistas estrangeiros, também. Vamos ver o seu trivial para um dia de semana: feijão preto temperado; feijão tropeiro ou pagão; tutu de feijão; arroz simples; filé passado, tipo churrasco; lombo de porco, assado; costelas de porco; lingüiça pura de porco, frita, feita na própria Pensão, pastéis; carne de gado de vários modos; frango frito ou em molho; frango caldeado; farofa de carne de gado e de porco; salada de tomates, já temperada; batatinhas fritas; mandioca cozida e frita; quiabo em molho; abobrinha batida; abobrinha mexida na farinha de milho; chuchu, repolho, alface, cenoura, beterraba, batata doce cozida e frita; guariroba em molho; salada de pimentão com pepino; picles feito na Pensão, com vinagre de pote e verduras novinhas. Sobremesas: Doce puro de leite, branco; doce de leite com coco; creme de leite com suco de limão; coalhada síria; doce de leite com açúcar queimado; doce de leite com mamão ralado; doce de leite com sangue de porco; doce de leite com a raiz do mamoeiro; sopa dourada com leite; ambrosia com leite, ovos e coco; ambrosia de leite, ovos e queijo; ambrosia de leite e ovos; ambrosia de leite, ovos e coco passado na peneira; doce de laranja em calda; doce de mamão ralado, doce de mamão em pedaços; melindro; cidrão; figos em calda; doce de jabuticaba verde e madura; doce de caju (na temporada); doce de mangaba (idem); arroz doce; doce de cidra; doce de moranga; doce de abóbora; doce de abóbora com coco; doce de batata doce com leite; doce de goiaba em calda; doce de goiaba em massa, de colher; doce de goiaba em casca; doce vermelho de banana figo (prata); doce de banana marmelo; doce de banana nanica; banana frita. Não serve frutas “por tradição da Pensão”. Ainda mais os doces: doce de jenipapo, doce de limão em calda e baba-de-moça. Agora vamos ver o que serve no “banquete”, aos domingos, infalivelmente: feijoada completa; tutu de feijão; feijão tropeiro ou pagão; macarronada ao suco de frango. Frios: maionese; pizza, pernil assado; frango assado; frango frito; frango ao

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molho pardo; filé a churrasco; lingüiça de porco, frita; pastelão; pastéis, leitoa assada (quase sempre); batatinha frita; mandioca cozida e frita; batata doce frita e cozida: salada de tomate já temperada; quibe cru e frito; bolinho de arroz; salada de repolho: favas (feijão branco) com pés, orelhas, rabo, focinho e entrecosto de porco. Pela manhã: Café; leite; pão com manteiga; coalhada síria; lingüiça frita; ovos quentes e fritos; doce de goiaba e queijo (impreterivelmente).

FARTURA, MUITA FARTURA Tem verdadeira obsessão de fartura. De filhos e de outras coisas. Faz questão de que, satisfeitos os hóspedes a mesa da pensão ainda esteja cheia. Gosta de dizer que está quase sem sobremesa, pede desculpas, avisa que não teve tempo de mandar fazer os doces... e depois enche a mesa de grande quantidade de iguarias, e fica num canto da sala olhando a cara estupidificada dos fregueses. Se derrete todo com os elogios. Desmancha-se em sorriso largo quando vê um visitante comer com satisfação. Quanto mais o cujo comer, mais alegre fica o Joanito.

DOCES, TODOS OS DOCES Doces, doces, mais doces. Doces de leite, então, o Joanito se dá ao luxo de servir uma infinidade. Um arco-íris, do preto caminhando para o branco, em todas as tonalidades e consistências, gamas seguidas de cor e sabor. Explica: uns gostam mais escuro ou mais claro. Outros mais moles ou mais duros; outros mais insossos ou mais adocicados. Mistérios do Joanito. Certa vez dois sujeitos de Brasília apareceram em Pirenópolis e quiseram tirar uma prova com Joanito. Ficaram cochichando um com o outro. O negócio era pedir um doce que não havia na casa e por o Joanito com a cara grande de vergonha. Estavam cochichando — dizia eu — e o Joanito ali num canto. Apesar dos seus 70 anos seus ouvidos funcionam como os de um menino de 12. Não era tempo de figos. Estavam ainda decidindo, na base do cochicho, pedir doce de figo, quando o Joanito, que de longe escutara a conversa, pulou no meio dos Janotas e replicou com seu vozerio incomensurável: Seco, ou na calda!? Com cara de pau ficaram os dois de Brasília.

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RAQUEL DISSE: FARTURA! O ano 1966, no Hotel Nacional de Brasília, a bancada de Goiás, em uma festa beneficente, promoveu a semana da Pensão Padre Rosa. Levaram o Joanito com o seu pessoal de cozinha. Foi um sucesso absoluto. Deu entrevista na televisão. Gostou muito. Bateu um grande papo com o embaixador da França, mas não entendeu o embaixador da Itália. O da Itália — diz ele — não gosta de macarrão... Recebeu convite para qualquer dia desses ir ao Palácio da Alvorada fazer um almoço para o Presidente. Está somente aguardando a confirmação da data. Seu maior orgulho consiste em dois quadros na parede: um, o da crônica de Raquel de Queiroz, sobre seu estabelecimento, publicada no “O Cruzeiro”, o outro o do Padre Rosa, boêmio, jogador de baralho, fazedor de serenatas, de um tempo muito longe, um tempo seu de valentias, andanças, cachaçadas e baralhos trucando a noite toda...”

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BEBIDAS E REFRESCOS Cachaça Goiás é o Estado “rei da cachaça”. Isso digo sem medo de errar. A pinga “Estrela” do Sr. FIórido, de Trindade, marcou época e correu mundo, No sudoeste, principalmente em Bom Jardim e Quirinópolis, temos as marcas “Gradação” (a melhor de todas), “Lagimeira”, “Pantano”, “Cachoeirinha”, “Bom Jardim”, “Água Branca”. Em Silvânia, antigo Bonfim, tem a fábrica na fazenda do Sr. Caixeta que produz a melhor cachaça do sul. Em Buriti Alegre e Itumbiara contamos com a “Anhanguera”, “Real”, “Parreirinha”. A “Fernandinha” e a “Orizonita” em Orizona, Em Pirenópolis temos a pinga branca do José Francisco. Em Goianésia tivemos a “Itajaina” e em Guapó, a “Coisa Louca”. Em Trindade, “Douradinha”, do Sr. Eduardo José Forte e a “Pérola Goiana”. Atualmente a cachaça “Vale do Cedro”, de Palestina de Goiás, é uma das melhores cachaças goianas. Todas as aguardentes citadas, fora as brancas, são curtidas em dornas de bálsamo e somente são vendidas após dois anos de envelhecimento. Há as paralelas, que abarrotam o mercado e com sabor à bálsamo, mas são falsificadas pelos processos de lavrarem o bálsamo e colocar os cavacos dentro para ativar o aroma e o envelhecimento; o outro processo consiste em pegar serragem de bálsamo na serraria, colocá-la num saquinho com a boca amarrada e deixar dentro da pinga. As marcas citadas conhecemos os alambiques e os respectivos fabricantes. São os próprios fazendeiros, homens que se orgulham da sua produção e zelam muito bem pelo seu nome.

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Pinga com murici O murici é uma frutinha do cerrado muito cheirosa e que quando madura é colocada na pinga e muitíssimo apreciada em Goiás. Depois do pequi o murici á a fruta mais cheirosa dos campos e cerrados.”Tempo de murici, cada um cuida de si”.

Restilo Restilo é pinga de cabeça, redestilada, indo de 26 a 36 graus. É cachaça para “homem macho”, como diziam os antigos, mas que não faz mal devido a sua pureza. Restilo e não restilho, como comumente se usa, pois é pinga destilada duas vezes. Nas fazendas o leite da manhã é tomado no curral, tirado diretamente do peito da vaca, tendo a vasilha um pouco de conhaque. Na falta do conhaque, antigamente, usavam o restilo. “O restilho (extrato de cachaça, mais forte que rum) em pouco ativou-os” (BC-68, pg. 104).

Molhar a palavra Ingerir bebida alcoólica. “Depois de molharmos a palavra”, como dizem os canoeiros do Tocantins, ouvimos eloqüentes brindes e saudações, a que atentamente respondemos”. (BC-68, pg. 184).

Correr a roda “Correr a roda”, frase agradável que se houve em reuniões na roça. Lá vem o caseiro com a garrafa ou o garrafão de cachaça boa enchendo a tigelinha e servindo a turma satisfeita (todos na mesma tigelinha), “molhando a palavra”. 62

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Vinho de tucum A dona Maria da Paixão, já bastante idosa, fabrica um vinho de coco tucum, muito gostoso e que será necessário a pessoa ser conhecedora de vinhos para notar que não se trata de vinho de uvas.

Vinho de Goiás As parreiras na cidade de Goiás dão até três vezes por ano, conforme a poda. O Asilo de São Vicente fabrica um vinho de uvas muito apreciado, bastante disputado, devendo as encomendas serem feitas com muita antecedência. “Se bem que a vinha produza aqui ótimos frutos, e que os ensaios de fabricação do vinho tenham sido felizes, um prato de uvas é ainda um objeto de luxo, tanta negligência e preguiça existem no país (região) . (BC-74, pg. 91) .

Vinho de jatobá Com um trado perfura-se o enorme tronco da árvore, em pé, até o cerne. A seiva vai escorrendo e tem jatobazeiro que dá uma quarta. É bastante amargo e deve ser adicionado açúcar ou mel, tendo gente que acrescenta também certa quantidade de álcool. “A mata era espessa e sombria. Havia ali numerosos jatobás ou jathais, da família das leguminosas, espécie de cujo tronco tira-se um licor que usado a miúdo, fortalece e engrossa a voz, dando a ela volume de beleza de tom. A fruta ou a vagem de jatobá é comestível”. (BC-75, pg. 37). Se os radialistas lerem esta notícia vai acabar com os jatobazeiros de Goiás. O chá de congonha-de-bugre é diurético e substitui o mate, no sertão, assim como também a douradinha, ambos usados pelos banhistas em tratamento em Caldas Novas, após a saída das banheiras, de 38 a 41°.

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Cervejas “Nestas emergências valia-nos a cerveja do Nicolau e do João Elias, o primeiro dos quais, um francês que não tenho o prazer de conhecer pessoalmente, mas que se celebrizou por ser o primeiro fabricante do gênero no Estado (Barro Preto, hoje Trindade). Chama-se Nicolau Joseph, ou vice-versa...” (BC-75, pg. 152). Os padres Redentoristas de Goiânia e Trindade, fabricam uma cerveja de arroz muito boa, mais como refresco, e de uma fermentação fora do comum. Basta uma garrafa tocar mais forte na outra para que estourem. É uma espécie do saquê japonês, sendo este servido quente e em banho-maria.

Refrescos Além dos refrescos naturais (aluá, tamarindo, limão, laranja, jacuba, maracujá e essências), estamos invadidos pelos refrigerantes engarrafados. Em Goiás já temos fábricas de quase todas as marcas estrangeiras. Certo dia indo para a cidade de Goiás com Bernardo Elis, Luiz Mello e Daniel Pereira (José Olímpio — Editora), vimos um roceiro carregando uma caixa de Crush para casa. E vai ver que a laranja lá está perdendo, que ninguém chupa, pois “laranja faz mal para crianças”.

Maduro Maduro é refresco colorido vendido nas festas religiosas. Amarelo, vermelho, cor de rosa, verde e azul claro. Hoje faz-se com anilinas, mas antigamente, na festa de Trindade, o negócio era colorido com papel de seda. O sabor é com essência. Antes, quando não existia o gelado, o nome “refresco” era uma utopia e funcionava apenas como “tinge-tripas” e nunca como refresco.

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Jacuba Vários autores apontam a jacuba goiana (ver receituário) como sobremesa, mas na verdade a jacuba não passa de um refresco. A farinha de mandioca já possui uma certa quantidade de álcool (coisa mínima) e juntamente com a rapadura vão fermentar no estômago e tudo que fermenta refresca. É comumente usada bebida com bastante água, principalmente para quem mora em zonas maleitosas, a rapadura recompondo o fígado de glicose, bastante primordial para preservar-se da maleita. Voltando à cachaça, a melhor bebida do Brasil, quando ela é boa. tem a estória daquele fulano que lá ia levando no embornal uma garrafa de pinga, sendo a metade dele e a outra metade de um seu amigo, para onde ia indo. Como faltava vasilhame, ele mandou despejar a do amigo por cima da sua, cuja garrafa estava pelo meio. Chegando ao destino a garrafa estava vazia: — Mas cadê a pinga que eu ganhei? — Puseram por riba da minha... — E cadê a sua? — Eu já bebi... — Está certo, você bebeu a sua. Agora, e a minha! cadê ela?! — Uai, como é que eu ia poder beber a minha pinga que estava por baixo sem beber a sua que tava por riba? Podia jogar fora?!...

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CAFÉ A primeira coisa quando se muda de uma residência para outra é fazer imediatamente um café. A porção de café e de açúcar já vai separada pela dona da casa, para lá chegando não haver dificuldades de estar procurando na marafunda que a mudança acarreta. “Fogo morto, casa morta”. (BC-31, pg. 87). Café a duas mãos: É muito comum o café a duas mãos, numa a xícara e na outra a quitanda (em Goiás quitanda não é a venda de frutas, e sim bolos e biscoitos). “Vazios os garrafões e o vasilhame, recomeça a faina, prolongada até meio dia, hora da pausa para o “café com duas mãos”, que na gíria dos roceiros significa café com biscoitos”. (BC-22, pg. 182). Café de roça: A coisa mais difícil de ver é um goiano levantar-se, ou da mesa ou do “de cócoras”, sem tomar o seu café. Nas regiões mais afastadas usam-se muito adoçar o café com rapadura. Quando não é possível açúcar nem rapadura, o sitiante tendo uma moita de cana plantada, espreme uma e tempera o café com garapa: fica uma miséria, mas sem um café não se pode ficar. É a boca de pito após, como, sem café? Café macho: Feito por homem. Café valente: Café puro, sem acompanhamento. 66

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receituário As receitas, de um modo geral, são misturas de ingredientes, observados os seus sabores, odores e até o visual. Mas há certas iguarias quase incompreensíveis, que nos chegaram depois de dezenas e centenas de anos de experiências ou por coincidências, como são os casos da geléia de mocotó de boi, a gelativa de ossos e couro, também de boi, e o chouriço, que é o doce de sangue de porco. Quem iria pensar que osso, couro e sangue de animais iriam resultar em doces?

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caldos, sopas e escaldados

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CALDO DE COSTELA

CALDO DE FEIJÃO

Ingredientes 1/2 quilo de costela de gado (com osso) 100 gr de mandioca (em cubinhos) cozida Tempero a gosto

Ingredientes 1/2 quilo de feijão 150 gr de bacon em cubinhos Tempero a gosto

Modo de preparo Cozinhe a costela já temperada com alho e sal, em água abundante até derreter. Desosse e desfie a carne. Separe a água, acrescente os temperos e a mandioca cozida. Deixe ferver até formar um caldo. Acrescente a carne ao caldo e deixe cozinhar por 10 minutos. v Rende 4 porções

2ª Receita Ingredientes 250 gramas de feijão novo, cozido (pagão), sem tempero e sem amassar 5 fatias de bacon 2 cabeças de cebola bem picadas 6 dentes de alho 2 pimentas-bode sem curtir uma boa pitada de pimenta do reino 2 molhos de cebolinha e 2 de salsa 1 galho de hortelã Sal a gosto Modo de preparo Coloque o bacon na frigideira, e quando estiver de meia fritura, adicione o alho e a cebola, apenas para uma leve fritura. Retire do fogo e deixe esfriar. Esquente água e encha uma garrafa térmica. Misture tudo e bata no liquidificador, adicionando aos poucos óleo de oliva. Não precisa coar. Ferva até pelar. Para guardar, esvazie a garrafa térmica e encha-a com o caldo de feijão. Deve ser servido em tijelinhas próprias e em copos de dose. É também um suculento tira-gosto.

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CALDO DE GALINHA Ingredientes Um frango ou galinha pequena, de preferência caipira, temperado com alho, pimenta, sal Farinha de milho torrada Como fazer Refoga-se o frango em óleo quente, acrescentase cebola cortada em rodelas e açafrão. Cozinhe em bastante água. Depois de pronto engrosse o caldo com a farinha de milho torrada. Polvilhado com cheiro verde, é só servir. É saboroso e um verdadeiro fortificante.

CALDO DE GUARIROBA CALDO DE FRANGO Ingredientes 800 gr de peito de frango Temperos a gosto 3 colheres (sopa) de fubá 1 pitada de açafrão Modo de preparar Cozinhe o frango com alho e sal em água andundante; depois de cozido, reserve a água; desfie o frango e refogue-o na margarina com temperos e açafrão e reserve. À água que cozinhou o frango acrescente o fubá e deixe ferver até formar um caldo grosso. Depois acrescente o frango desfiado e deixe cozinhar por 10 minutos.

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Modo de preparar Fatiar em fatias finas uma guariroba, cortada na água e com faca inoxidável (para não empretejar). Pôr para cozinhar com sal. Bater no liquidificador e voltar à panela; acrescentar cebola, alho, pimenta-bode sem curtir e caldo de feijão. Ao servir, espalhar cheiro verde picadinho (cebolinha e salsa) na vasilha individual.


CALDO DE MANDIOCA Ingredientes 1 quilo de mandioca crua Temperos a gosto Modo de preparo Cozinhar a mandioca com bastante água e retirar os pavios da mandioca bater no liquidificador com temperos a gosto. Refogar 3 colheres (sopa), de manteiga de leite. Ao servir, bastante cheiro verde bem picadinho, por cima. Pode adicionar queijo ralado, carne ou frango desfiado. Servir bem quente.

CANJA DE MILHO VERDE Ingredientes 20 espigas de milho verde 1 frango médio, frito e desfiado 1 copo (americano) de óleo pimenta, sal, cebola, alho e cheiro verde a gosto Modo de preparo Frite bem o frango e desfie alguns pedaços e deixe outros inteiros. Rale dez espigas de milho e corte a outra metade. Na mesma panela que fritou o frango, refogue o milho no óleo, acrescente a massa ralada, o frango (desfiado e em pedaços) e os temperos, deixando cozinhar na água. Deixe a canja com a consistência que desejar.

CALDO DE MILHO VERDE Ingredientes 3 kg de contra-coxa de frango 20 espigas de milho verde granado 8 espigas de milho cristal 4 cebolas de cabeça batidinhas Salsa e cebolinha alho, sal, pimenta-do-reino, pimenta verde e água. Modo de preparo Temperar o frango e refogar até cozinhar. Retirar da panela, deixando-o esfriar para em seguida desfiar bem miudinho. Escorrer um pouco da gordura da panela onde preparou o frango e refogar a cebola pingando água e acrescentar o frango desfiado, deixando ferver (molho). Cortar o milho granado e bater no liquidificador com água em outra panela, refogar o milho verde cristal com temperos. Acrescentar ao frango o milho batido e coado, mexendo sempre até ferver. Se precisar, acrescente um pouco de água. Por último colocar o milho refogado, o cheiro verde e a pimenta de cheiro amassada ou batida no liquidificador.

v Rende 15 porções

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SOPA DE ABÓBORA MADURA (sopa dourada) Ingredientes 1 kg de abóbora madura descascada e picada 1 colher (sopa) de manteiga 2 cebolas médias picadas 1 folha de louro Sal 1/2 colher (chá) de açúcar mascavo 2 colheres (sopa) de salsa picada Modo de preparo Refogue a cebola na manteiga até que fique transparente. Junte a abóbora e cubra com água. Coloque o louro, o sal e o açúcar. Tampe e deixe cozinhar até que a abóbora amoleça bem. Desligue e deixe esfriar. Retire a folha de louro e bata no liquidificador. Prove o sal e aqueça-a acrescentando mais água, se necessário. Coloque salsinha picada e sirva acompanhada de pão de queijo.

SOPA DE PARTURIENTE Modo de preparo Refogar um frango cortado, comumente, com os temperos: sal, pimenta do reino, pimenta malagueta, alho e cebolinha. Cozinhar a farinha de milho no caldo, junto com o frango. Ponto de colher.

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SOPA DE QUIRERA Modo de preparo Pôr a quirera de arroz para ferver com leite até delir. Bater bem batido uma gema de ovo, até desaparecer o seu cheiro e juntar. Fazer um molho de carne moída com tomates e temperos. Pode adicionar uma colher de maisena e misturar tudo. Servir quente.

SOPA DE VEGETAIS Ingredientes 1 cebola média, picada 4 cenouras grandes, picadas 3 batatas médias, cortadas 2 abobrinhas picadas 2 pitadas de sal pimenta do reino 2 folhas de louro 1/4 de xícara de salsa picadinha 6 xícaras de caldo de galinha 1/4 de xícara de queijo ralado Modo de preparo Numa panela grande, coloque a cebola, a cenoura, a batata, a abobrinha, o sal, a pimenta, o louro e a salsa. Cubra com o caldo de galinha, deixe levantar fervura, tampe e ferva por 45 minutos, ou até que os legumes estiverem cozidos. Remova as folhas de louro. Sirva quente, coberta com queijo.


SOPA-CREME DE MILHO VERDE Ingredientes 2 xícaras (chá) de milho verde cozido 2 1/2 copo de leite desnatado 1 colher (sopa) de manteiga 1 colher (sopa) de óleo 1 cebola pequena, ralada 1 tablete de caldo de legumes 3 colheres (sopa) de queijo ralado sal e salsinha picada a gosto Modo de preparo Bata no liquidificador o milho com dois copos de leite. Reserve. Em uma panela, aqueça a manteiga e o óleo e doure a cebola adicione o creme batido e deixe ferver junte o caldo de legumes dissolvido no restante do leite quente, o sal e a salsinha. Deixe cozinhar por mais 10 minutos. Por último, acrescente o queijo ralado, desligue o fogo e tampe a panela. Espere 2 minutos e sirva.

2ª Receita Ingredientes 6 litros de caldo de carne de frango ou bovina temperado a gosto 4 espigas de milho cortadas e suficientes para encher dois copos americanos 1 colher (sopa) de farinha de trigo 1 colher (sopa) de manteiga de leite 2 gemas 3 colheres (sopa) de creme de leite Modo de preparo Bata no liquidificador o milho com a farinha e um pouco do caldo passe pela peneira e depois leve o fogo com o restante do caldo, mais a manteiga de leite deixe cozinhar por 20 minutos mexendo sempre. Depois, desligar o fogo, acrescentar as gemas bem batidas (o calor será suficiente para cozinhá-las) e o creme de leite decorar com folhas verdes e servir.

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SOPA CREMOSA DE MILHO

SOPA DE MILHO COM FRANGO

Modo de preparo Cozinhe 6 espigas de milho (firmes) raspe os grãos e coloque-os em um liquidificador com um pouco de água do cozimento e 2 xícaras de leite. Depois de bater no liquidificador, passe a massa por uma peneira. Em uma panela refogue em óleo ou margarina o tempero de alho e sal (a gosto) e junte a massa já coada. Mexa bem com uma colher de pau até engrossar. Sirva quente em panela de barro, se possível.

Modo de preparo Rale 12 espigas de milho e coe em uma peneira fina, jogando água por cima. Leve a massa ao fogo, colocando 2 copos de água e tempero a gosto. Vá mexendo para não embolar. Cozinhe 200 gr de peito ou coxa de frango e em outra panela cozinhe uma espiga de milho. Pique o frango e raspe os grãos do milho em seguida refogue o frango e o milho em uma panela com um pouco de óleo, temperando com sal a gosto. Misture o refogado à sopa, cozinhando-a por mais alguns minutos. Se quiser mais fina a sopa, acrescente água.

v RENDE 4 PORÇÕES

SOPA DE MILHO VERDE COM LEGUMES Modo de preparo Ferva 2 cenouras, 1 chuchu, 1 nabo, 2 tomates, 1/2 quilo de carne de segunda cortada em pedaços, sal e cheiro verde picadinho em uma panela de pressão com água que ultrapasse 2 dedos os Ingredientes. Se quiser acrescente pimentão vermelho picadinho ao caldo. Ferva o caldo durante uma hora. Coe e deixe esfriar. Raspe 3 espigas de milho verde e bata no liquidificador com um pouco do caldo. Leve novamente o caldo ao fogo junto com o milho. Tempere a gosto, ferva bem e sirva quente com pedacinhos de pão tostado.

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SOPA LEVANTA-MARIDO Ingredientes 2 xícaras (café) de fubá de milho 1 batata e 1 cenoura 1 tomate maduro sem pele e sem sementes 1 cebola bem picadinha, cheiro verde, sal e pimenta do reino a gosto 2 colheres (sopa) de margarina 1 chávena de leite 1 colher (sopa) de creme de queijo 1 pitada de noz-moscada 1 fatia de queijo muçarela ou 1 ovo Modo de preparo Refogue na margarina a batata, a cenoura, o tomate, a cebola com o sal, pimenta do reino e a noz-moscada. Com água deixe cozinhar dissolva o fubá e o creme no leite e despeje na panela do refogado. Vá mexendo, pingando água até que comece a engrossar e fique bem cozido, no ponto desejado. Retire do fogo e sirva com o queijo cortadinho, salpicado ou se preferir com ovo cozido.

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CARDÁPIO DO BANQUETE DA INAUGURAÇÃO DE GOIÂNIA

Menu

- Maionese à Goiânia - Risoto de Camarão - Leitão com Tutu de Feijão - Peru à Paulista

Sobremesa

Goiabada em Calda com Queijo

Vinhos Nacionais Almoço ofercido pelo Prefeito Venerando de Freitas Borges aos Membros das Assembléias do Conselho Nacional de Geografia e do Conselho Nacional de Estatística. Goiânia, 9.VII-42 (Batismo Cultural)

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MANIFESTO DA COZINHA GOIANA Poema de Gilberto Mendonça Teles, dedicado a Bariani Ortencio

Prólogo Na cozinha goiana a fartura tem níveis E dias de festa. Há coisas que variam de rítmo das águas e das secas. E coisas reservadas Nesse espaço indeciso entre a roça e a cidade. Apesar das influencias que vêm de todo lado, Apesar dos pesares e dos próprios goianos Sem forma e tradição, Nós sabemos muito bem Que a essência da comida goiana não se altera E parece que sempre se manterá a prova Do discurso do arroz com pequi e guariroba.

Há tempos de animais e tempo de verdura, Tempo de caça grossa, de mundéus e jiraus, Tempo feito de espera na flor do pequizeiro, Tempos de peixes raros riscando a correnteza, Batendo nos remansos e pesando nos casos dos sacos e jequis. Mas o melhor dos tempos é o das frutas (que por lá quer dizer jabuticaba), é o tempo dos legumes, das mil espécies de plantas e misturas que excitam os sentidos e despertam o requinte da gula e da sobrevivência do que se diz e chama o nosso trivial.

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caça Nessa Edição comemorativa, apenas citaremos as principais receitas de caças, como parte da nossa história gastronômica e, também, por sua importância como influencia pioneira que a cultura indigena nos legou. Os tempos mudaram e hoje, além da caça ser proibida, lutamos pela preservação e proteção dos animais silvestres. Mas é bom salientar que existem restaurantes que servem carnes de animais nativos criados em cativeiro, com a devida autorização do IBAMA. Passaram os bandeirantes paulistas ao sertão, chegando alguns ao distrito do Rio das Mortes, onde se havia descoberto as primeiras ocorrências auríferas. Mas nas suas incursões de preparadores e escravizadores de índios, como se alimentavam? Com o que lhes deparasse o acaso, a saber, todo gênero de caças, antas, veados, capivaras, macacos, quatis, onças, cervos e aves, e muitas vezes, cobras, lagartos, formigas e até “uns bichos mui alvos que se criam em taquaras e paus podres”. (BC-33, pg. 135). COZINHA GOIANA |

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ALMÔNDEGA DE CARNE DE VEADO Modo de preparo Para 5 quilos de carne, meio quilo de toucinho. Passar na máquina o toucinho e a carne. Uma cabeça de alho grande. Uma colher das de sopa de pimenta do reino. Pimenta comum a gosto. Depois de bem amassado o sal com o alho coloca-se a pimenta do reino e a ardida misturadas bem na carne para o tempero ficar igual. Depois formar as bolas não pequenas e colocar na banha e deixar cozinhar. Não põe água, por si mesmo solta a água que é o suficiente que dá para cozinhar. Deixar até secar na própria gordura até ficar rosada. Estas almôndegas podem ser guardadas em banhas na qual aturam

CAITITU ASSADO Modo de preparo Limpar. Desfatar. Retirar os quartos. Retirar as glândulas das virilhas. Antes, ao retirar o couro, retirar também a azeiteira (sambiqueira) que é uma bolsa colocada nas costas, à altura dos quartos traseiros. Tempero: sal, alho, cebola, vinagre, pimenta do reino, pimenta malagueta, toucinho salgado. Extrair o osso do quarto. Perfurar e encher com tiras de toucinho e entremear o tempero. Colocar no espeto. Levar às brasas, fogo lento, e ir virando e regando com o tempero.

CAPIVARA Modo de preparo A capivara tem a gordura entre o couro e a carne. É necessário muito capricho para retirar o couro sem deixar a gordura entranhar na carne, pois caso acontecer a carne tornar-se-á insuportável. Onde houver água corrente, amarrar a capivara assim preparada e sem o fato, por uma corda ou cipó dentro da água pela noite toda ou pelo menos umas 3 horas. Em lugar de piranha ou não havendo água corrente, ferventar numa vasilha bem grande, com bastante água e folhas de mandioca. Lavar na água fria, depois. Temperar, de preferência os quartos com sal, alho, pimenta e cebola. Furar com a faca, bem furadinhos, os quartos. Deixar pelo menos 3 horas no tempero. Afogar na gordura bem quente e adicionar água. Ir cozinhando e apurar bem. Se a capivara for fêmea e estiver mojando, a carne será boa de ponta a ponta, dispensando cuidados.

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CAPIVARA NO BORRALHO Modo de preparo Ao destrinchar a capivara, retirar com muito cuidado toda a banha junto à carne e o couro. Pegar um quarto traseiro ou o lombo e retirar todos os pequenos nervos (branquinhos) e qualquer gordura, pois a gordura deixará um gosto ativo intolerável na carne a servir. Perfurar bem e entremear com lascas de toucinho de porco e folhas inteiras de louro. Temperar com sal, pimenta bode-verde, cebola, alho, limão, pimenta do reino, óleo e gengibre picadinha. Enrolar na folha de bananeira ou de coqueiro e pôr no buraco feito na areia ou na terra, depois de bem quente pelo braseiro que se fez dentro. Cobrir com o borralho bem quente. Deixar por uma hora mais ou menos. Servir.

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CAPIVARA NO ESPETO Modo de preparo Dependurar a capivara morta, degolar e deixar escorrer o sangue. Retirar o couro e em seguida toda a banha pregada na carne. Lavar sempre e bastante. Desfatar. Lavar com muito cuidado por dentro, eliminando todas as estrias de sangue. A banha de fora, junto ao couro é que possui todo o almíscar. Retirar as glândulas das virilhas (as quatro). Dar a primeira fervura sem sal e a segunda com sal, resfriando a caça com água fria, entre as fervuras. Furar um quarto com faca larga e colocar tiras de toucinho salgado. Tempero: sal, gordura, vinagre, alho, cebola, pimenta do reino e pimenta bode. Passar no tempero e colocar no espeto. Levá-lo ás brasas, fogo lento, e ir virando e regando com o tempero. O mesmo processo para o lombo e costelas. Com as demais peças pode-se fazer qualquer prato, como se fosse carne de gado.


CODORNA RECHEADA

Cobra Cobra tem a carne idêntica ao peixe e não importa que seja venenosa: corta-se um palmo abaixo da cabeça e um acima do rabo. A jibóia e o cascavel, também o sucuri são as cobras melhores para se comer. O sucuri ou sicuri por ser considerado como peixe e a jibóia e o cascavel por ter a carne deliciosa e de propriedades medicinais: depurativos do sangue. O meu amigo Caetano não perde uma só cobra, seja lá de raça que for: dando carne...

COBRA ASSADA Modo de preparo Tome uma cobra sem o couro, esfregue com sal, pimenta, alho e laranja azeda. Passe as postas em gema de ovo, coloque numa caçarola sobre lascas de toucinhos, cobrindo com outras ponha por cima cebola, salsa bem picada e nozmoscada raspada. Asse sobre brasas, cobrindo e pondo também fogo sobre a tampa. Em 1 hora estará assada. Sirva com arroz branco. Da mesma maneira se preparam as carnes de lagarto teiú e rã. A cobra deve ser aproveitada depois de um palmo abaixo da cabeça e um palmo acima da cauda. Quanto mais venenosa, mais saborosa.

Ingredientes 10 codornas gordinhas 1 colher (sopa) de salsa e cebolinha picadas 10 colheres (sopa) de óleo 150 gr de miúdos de codorna ou de frango 15 ovos de codorna cozidos e picados 5 colheres (sopa) de queijo parmesão ralado 4 colheres (sopa) de farinha de rosca 2 quilos de tomates sem pele e sem sementes 1/2 cebola, 6 folhas de manjericão sal. Ovos de codorna cozidos inteiros, para decorar Modo de preparo Abra as codornas pelo ventre, fazendo um corte no sentido do comprimento. Prepare o recheio misturando os miúdos, a salsa, a cebolinha, o queijo ralado, os ovos picados e a farinha de rosca. Recheie as codornas, costure-as ou prenda-as com palitos e refogue no óleo com cebola. Acrescente os tomates picados e as folhas de manjericão. Cubra com água e deixe cozinhar em fogo brando por cerca de 3 horas. Se necessário, acrescente água aos poucos. Coloque em travessas, enfeite com ovos cozidos inteiros.

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FAROFA DE TATU

JACU OU MUTUM FRITO

Modo de preparo Pegar um tatu “bola” “folha”, “veado”, “galinha” ou tatu “verdadeiro” e desfatar. Retirar toda a carne e pôr para ferventar bastante tempo. Na panela: gordura, sal e pimenta. Desfiar com a mão, toda a carne e colocá-la na panela. Cortar dentes de alho ao meio e adicionar, retirando-os assim que se fritem. Pôr rodelas de cebola e esperar que amoleçam. Jogar farinha de mandioca, aos poucos, ir mexendo sempre até a coloração desejada.

Preparo Limpeza: o mesmo processo também para pato e marreco: dar um corte longitudinal no peito e arrancar com os dedos a veste (pele e penas). Cortar fora os pés, o pescoço e pontas de asas e sambiqueira (sobrecu, uropígio). Lavar bem em água corrente. Abrir pelas costas e destrinchar. Pôr inteiro na panela com sal, também em água fria para resfriar e dependurar até o outro dia.

JACUBA DE LEITE COM CARNE DE CAÇA Modo de preparo Deixa-se a farinha de mandioca intumescer no prato com leite frio, cru ou fervido. Carne de caça, assada, de lado, principalmente o veado mateiro ou catingueiro. Refeição bastante usada à época de leite (tempo das águas) pelos tropeiros e barqueiros do Tocantins.

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Modo de preparo Bastante gordura na panela e levar o pássaro inteiro e fritar. Retirar e cortar aos pedaços. Fazer o molho: óleo, sal, pimenta de cheiro, alho e tomates. Gordura na frigideira e rodelas de cebola até começar a fritar. Pôr os pedaços da ave dentro e dar mais uma pequena fritada, mais esquentar que fritar. Arroz, molho e pássaro, separadamente. Dos miúdos: fígado, coração e moela, fazer a farofa.


JAÓ NA BRASA

PACA ASSADA

Modo de preparo Tomar o jaó e, pela barriga, arrancar com a mão o couro com as penas. Desbarrigar, por aí mesmo. Cortar a cabeça, os pés, as pontas das asas e o “sobre”. Separar os quartinhos e as asas. Dar um corte no peito, até o fundo, separando em dois. Abrir esta parte superior, do peito, amassar de leve, pois a carne do jaó é muito sensível e delicada, ficando um grande filé. Pôr no espeto ou na grelha. Alho socado com sal e bastante azeite e ir regando, no fogo.

Modo de preparo Limpar a paca, ferventando-a e raspando os pelos. Tirar a barrigada e o véu que envolve a barrigada. Lavar bem e temperar com gengibre cortadinha, pimenta verde-bode ou olho-depeixe, sal, alho, cebola, limão china e louro. Depois de temperada, colocar para cozinhar em água. Tirar do fogo quando estiver amolecendo e deixar escorrer um pouco. Colocar a paca no espeto, atravessando de um lado para o outro. Fazer um bom braseiro de lenha forte, angico ou canela e deixar acabar as labaredas e assar lentamente no calor, indo descendo a paca conforme a diminuição das brasas. Pincelar molho, durante a cocção, de limão, sal, pimenta verde e cebola. Servir.

2ª Receita Modo de preparo Ferventa-se a paca com sal. Faz-se molho bem gordo com óleo ou toucinho, alho, pimenta do reino, cebola e limão furando-se a carne, para o tempero entranhar. Leva-se ao forno regular, até tostar, como leitão.

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3ª Receita Modo de preparo Não se deve deixar a paca para ser limpa no outro dia. Ferventar inteira e raspar os pelos. Lavar com água e sabão e bucha até ficar branquinha, como uma leitoa. Abrir devagarinho, da garganta ao sexo e ir repetindo a cisão até encontrar o véu (peritônio), sem perfurá-lo. Com os dedos, abrir e despregar o véu até retirá-lo inteiro, pois se arrebentar-se a carne ficara com a tal morrinha ou almíscar, como dizem. Retirar as outras peças inteiras assim como as patas e mãos. Dependurar e deixar para o outro dia. Ferventar 2 vezes, sendo a primeira sem sal e a segunda com sal, começando a segunda com água fria, para resfriar a caça e amolecer-lhe a carne. Tempero: bastante gordura, vinagre, sal, alho, cebola, pimenta do reino e pimenta de cheiro. Passar a paca nesse tempero, colocá-la no espeto e levá-la às brasas. Durante a cocção, ir virando e regando com o tempero. Servir com tutu de feijão. Para fazer-se a paca em molho, obedecer os princípios acima citados e proceder como se fosse carne de porco.

PACA RECHEADA COM GUARIROBA (no borralho)

Modo de preparo Para tirar a morrinha ou reima da paca, retirar uma pele que envolve o fato. Pôr na água fervendo e raspar os pelos. Perfurar toda para entremear o tempero: pimenta bode-verde, alho, sal, ao gosto, limão, pimenta do reino, óleo, 50 gramas de gengibre cortadinha. Deixar pousar no tempero com folhas de louro. Fazer uma farofa de guariroba com farinha de mandioca e mais o que quiser acrescentar. Encher a paca com esta farofa, costurar e se a caça não for nova, dar uma ferventada. Fazer um buraco na areia ou na terra, encher de brasas, e quando estiver bem quente, retirar as brasas, colocar a paca embrulhada com folhas de bananeira ou coqueiro e cobrir com o borralho. Deixar por uma hora ou mais, dependendo da caloria, da qualidade da lenha que produziu as brasas. Servir. Pode-se fazer, com o mesmo processo, no moquém.

PATO SELVAGEM FRITO Modo de preparo Para limpar o pato basta dar um corte longetudinal no peito e arrancar com os dedos, as tripas e a pele juntamente com as penas. Pôr para ferver com ramas de mandioca ou folhas de mamoeiro, para amaciar a carne. No outro dia, cortar em pedaços e levar à panela com gordura e deixar fritar, adicionando sempre um pouco d’água. Quando estiver dourado, encostar para um lado os pedaços de caça e picar cebola até começar a fritar adicionar aí, então, alho socado com sal, mexer e pôr água. Servir com arroz.

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PERDIZ NO LEITE Modo de preparo Perdizes limpas. Temperar com limão, sal, alho, cebola, cominho, pimenta do reino, pimenta verde-bode e óleo. Cozinhar bem no leite de vaca, acrescentando sempre mais leite até cozinhar bem. Servir.

PERDIZ NA MANTEIGA DE LEITE

PREÁ COM INHAME

Modo de preparo Três perdizes limpas. Temperar com limão, louro, sal, alho, cebola, cominho, pimenta do reino, pimenta verde-bode, 300 gramas de manteiga de leite em lugar de óleo. Cozinhar com fogo forte. Leite em lugar de água. Quando estiver quase cozida, tirar o fogo e deixar acabar de chegar, lentamente, indo apurando até dourar. Servir.

Modo de preparo Pegar preás, ferventá-los e raspar os pelos. Cortar cabeças, as patinhas e desfatar. Cortar em 4 partes. Descascar inhame e cortar os pedaços. Na panela: pouca gordura, sal socado com alho, cebola, tomatinhos maduros e pimenta de cheiro. Pôr tudo para cozinhar junto. É um prato especial que dispensa acompanhamento.

PERDIZ DE CAÇAROLA Modo de preparo Tempera-se a perdiz com alho, sal, pimenta, cebola, cheiros verdes. Introduz-se no interior da carne pedaços de toucinho caseiro. Deixase no tempero de preferência de um dia para o outro. Leva-se a perdiz em panela de pressão com fogo lento, sem acrescentar água durante 30 minutos. Em seguida leva-se a perdiz ao forno para corar. Obs.: A perdiz depois de limpa deve ser bem esfregada com limão galego.

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RÃ EMPANADA

VEADO ASSADO

Ingredientes 1 kg de rãs Farinha de trigo 2 ovos inteiros Farinha de pão dormido, ralado e passado na peneira 200 gr de manteiga sem sal Pimenta do reino Salsa e limão

Modo de preparo Quarto traseiro ou lombo de mateiro. Perfurar muito bem com buracos largos para caber bastante toucinho de porco. Temperar com gengibre cortadinha, pimenta verde-bode ou olho-de-peixe, sal, alho e cebola, limão china e louro. Colocar o máximo de toucinho devido a carne de veado ser muito seca. Colocar numa assadeira untada com banha de porco e nunca óleo, que resseca mais ainda, e levar ao forno ou pôr no espeto. Fazer um molho frio (não vai ao fogo): limão galego, pimenta verde-bode ou outra, cebola, alho e óleo de oliva. Depois de assado, cortar as fatias, levar ao molho e servir.

Modo de preparo Passar as rãs na farinha e mergulhá-las nos ovos batidos, temperados com sal e pimenta do reino. Passar na farinha de pão. Derreter parte da manteiga sem sal para fritar aos poucos a carne, sem escurecê-la demais. Servir quente com um pouco de salsa picada e rodelas de limão.

TATU ASSADO Modo de preparo Pegar um dos tatus da receita anterior. Cortar pela barriga, de fora a fora. Retirar as vísceras. Despregar, com a faca, as paletas, internamente e encher os vãos com sal, assim como salgar o tatu por dentro. Fazer um furo de cada lado das partes abertas. Introduzir um espeto de dentro para fora no primeiro furo e forçar o casco, que é maleável, para o avesso e meter o espeto pelo furo, de fora para dentro. Levar às brasas. Usar apenas o sal. Assar batata doce ou mandioca, no borralho, no mesmo fogo. Servir juntos.

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VEADO MOQUEADO Modo de preparo Mateiro. Tirar o couro e desfatar. Recolher os miúdos (coração, fígado, rins, língua e bofe). Retirar também os quartos. Os miúdos e os quartos servirão para outros pratos. Pegar os lombos, pescoço, as costelas e demais partes, cortar em pedaços pequenos e temperar na gamela: bastante gordura, sal, alho, cebola, pimenta do reino, pimenta bode, cheiro verde. Forrar uma outra gamela, com o próprio couro, a parte dos pelos para fora, despejar a outra gamela com os pedaços da caça e amarrar o couro, como se fosse uma trouxa de roupas. Fazer a fogueira dentro do buraco, na terra ou areia. Quando o braseiro estiver bom, limpar o buraco e descer o amarrado. Cobrir com o borralho e esperar até as brasas se extinguirem.


PESCA

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PESCA Em Goiás há duas nações de peixes: os do Sul e os do Norte. Os peixes do Sul que têm a carne mais saborosa são o dourado, a piracanjuba e o surubim. Vem depois a caranha, a piapara, o pacu e o piau, embora estes últimos não sejam tão apreciados devido a abundância de espinhos. Destes todos apenas o surubim é de couro. Dos peixes de couro pequenos os melhores são mandi-açu e o cascudo, embora seja o cascudo um peixe de aspecto repugnante. Jogado ao borralho depois de assado a carne é retirada do “casco” e não tem praticamente fato. O papa-terra ou curimbatá é o peixe mais vagabundo devido alimentar-se de barro. Mas o cozinheiro hábil lhe dá um corte lateral abaixo da guelra e outro acima do rabo e, com a unha retira um fio branco, à semelhança de um nervo repete a operação do outro lado e o peixe pode ser feito e Não se podia conseguir saboreado sossegadamente, pois nos dois fios está o tal semesmo o mais comum e gredo. Já no norte, principalmente no Araguaia, o papa-terra necessário, o toucinho, o não possui o tal gosto, talvez devido o rio correr quase que feijão e a farinha de milho. Esses somente sobre areia. Os que vivem nos lagos, são como os víveres faltavam aos próprios do Sul. O jaraqui é uma espécie de papa-terra, mas bem mais habitantes, que agora se larga e não tem o gosto de terra. Nesta região os melhores alimentavam de abóboras [...] peixes são o tucunaré, a corvina, o filhote (piratinga pequena) o fidalgo (barbado), a matrinchã ou matrinchão (piracanjuba do Sul). Caminham rapidamente para a deterioração, o tucunaré, a corvina e o jaraqui. Pirarara, piranha e candiru, assim como a cachorra, não são apreciados. A pirarara é de carne vermelha e tem muito sangue. As piranhas são ossudas, mas dão um excelente e revigorante caldo .

Moqueado A melhor e mais prática Modo de preparo-se o peixe nas pescarias é pelo processo moqueado. Vamos ver as descrições de várias carnes moqueadas pelos cronistas: “Há duas formas de preparar a comida no forno subterrâneo. Na primeira, aquecida a cavidade, retiradas as brasas, põe o alimento coberto com folhas e é assado pelo calor concentrado existente. É a formula da Polinésia, índice de ausência cerâmica, e deve ser a mais primitiva. É a que Saint-Hilaire registrou entre os

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­Caiapós, jês de Minas Gerais e Goiás e habitual nos caçadores de tatus no Nordeste. (BC-31, pg. 92) Filhote, piratinga e piraíba: São o mesmo peixe. Até 4 ou 5 palmos, temos o filhote. Daí até 12 palmos, chama-se piratinga. Passado daí e atingindo muitas vezes até 17 palmos, já é a piraíba, o tubarão da água doce. Pega-se um jacaré, sempre o “tinga”, que o “arurá” não se encontra mais, e corta-se a parte traseira, a da cauda. Desta cauda, chamada catana, retira-se uma bela peça macia de carne. Cortada ao longo, conseguem-se files que podem ser fritos. Cortados as postas, em sentido contrário, faz-se ensopado. Cortado em pedaços pequenos, fritam-se para “tira-gosto”. Para fritar, usa-se apenas sal e gordura, quase fria, pois atirados os pedaços em gordura quente, espirra bastante, com perigo de queimar o cozinheiro. Para um ensopado, usa-se o molho: cebola picada, alho socado com sal e pimenta do reino e de cheiro e tomatinhos. Levar à panela as postas e cobrir com o molho nova camada de postas e nova camada de molho. Fogo sempre brando. Não vai água, pois o fogo brando faz com que a carne vai-se dessorando, mantendo a quantidade necessária de caldo.

A pesca profissional é totalmente proibida nos rios e lagos do Estado de Goiás e mesmo a pesca amadora é regida por regras e leis que devem ser cumpridas sob pena de multas pesadas, ou mesmo prisão dos infratores. Mencionar as formas permitidas de pescaria nos rios e lagos do estado, as leis de defeso e suas épocas de proteção para cada espécie e as normas do IBAMA. Apelo Se o Governo não fiscalizar bastante a pesca profissional no Araguaia e seus afluentes, daqui a pouquíssimos anos não se encontrará nem mais um espécime, do pirarucu, pois as redes varrem todos os lagos e não deixam nem os filhotes para contarem a tragédia dos pais. N.A. — A pesca profissional está terminantemente proibida.

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CARANHA AO FORNO Ingredientes 1/2 kg de filé de caranha bem temperada 1 xícara (chá) de leite 1/2 xícara (chá) de queijo ralado 1 xícara (chá) de farinha de trigo Sal a gosto Molho branco Modo de preparo Deixe os filés de molho no leite com sal por 10 minutos. retire o leite e passe na farinha de trigo frite em óleo quente, coloque em um pirex e cubra com molho branco. Polvilhe com queijo ralado e leve ao forno a 180ºC.

CHURRASCO DE FILHOTE (piratinga nova)

Ingredientes Um quilo de postas de filhote (peixe de água doce) Suco de dois limões 1/2 maço de coentro 2 colheres (sopa) de vinagre Sal a gosto Pimenta-de-cheiro a gosto 2 tomates cortados em fatias 2 cebolas cortadas em fatias Modo de preparo Retire a pele do peixe, tempere com o limão, o coentro e o vinagre, o sal e a pimenta. Deixe repousar por vinte minutos. Coloque as postas num espeto, intercalando com fatias de cebola e tomate. Leve para assar numa churrasqueira com carvão até que o peixe fique dourado. Sirva com salada de feijão-manteiga, farofa e arroz branco.

Filhote, piratinga e piraíba: São o mesmo peixe. Até 4 ou 5 palmos, temos o filhote. Daí até 12 palmos, chama-se piratinga. Passado daí e atingindo muitas vezes até 17 palmos, já é a piraíba, o tubarão da água doce.

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ENSOPADO DE CABEÇA DE JAÚ Modo de preparo Partida em pedaços, a cabeça do jaú é cozida até que miolos e carne e couro se soltem dos ossos, com tempero a gosto. Engrossa-se o ensopado com aveia, de preferência.

ENSOPADO DE PIRANHAS

ESCABECHE GOIANO Modo de preparo Cortar as fatias de piratinga ou filhote (ou outro peixe que não tenha espinhas). Temperar com sal, alho, pimenta, limão. Fazer um molho de tomates maduros, coentro verde, cebolinha, cebola de cabeça e azeite de oliva. Depois do molho pronto colocar as postas no molho, cobrir com fatias de tomates bem maduros e deixar cozinhar por meia hora. Vesperando para tirar do fogo, passar um pouco de manteiga de leite por cima.

(emergência)

Modo de preparo Pegam-se piranhas e desfatam-nas, sem tirar as escamas. Ir ajeitando na panela, umas bem juntas com as outras e somente com sal, que é colocado dentro dos peixes. Pôr 2 dedos de água na panela. Não vai gordura. Após 20 minutos, mais ou menos, estarão cozidas. Pôr uma no prato. Ao lado, uma porção de farinha. Pegar o caldo da panela e regar a farinha, no prato. Se tiver pimenta, pode adicionar. Puxar o couro do peixe que sairá todinho. Ir descamando com o garfo e comendo com o pirão improvisado.

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JACARÉ

(preparo e modos de fazer) Modo de preparo Pega-se um jacaré, sempre o “tinga”, que o “arurá” não se encontra mais, e corta-se a parte traseira, a da cauda. Desta cauda, chamada catana, retira-se uma bela peça macia de carne. Cortada ao longo, conseguem-se files que podem ser fritos. Cortados as postas, em sentido contrário, faz-se ensopado. Cortado em pedaços pequenos, fritam-se para “tira-gosto”. Para fritar, usa-se apenas sal e gordura, quase fria, pois atirados os pedaços em gordura quente, espirra bastante, com perigo de queimar o cozinheiro. Para um ensopado, usa-se o molho: cebola picada, alho socado com sal e pimenta do reino e de cheiro e tomatinhos. Levar à panela as postas e cobrir com o molho nova camada de postas e nova camada de molho. Fogo sempre brando. Não vai água, pois o fogo brando faz com que a carne vai-se dessorando, mantendo a quantidade necessária de caldo.

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JACARÉ À MODA DO JOÃO BENIO “Hoje em dia é difícil a gente comer uma carnezinha de jacaré... Antigamente era dos melhores piteus do nosso acampamento. Ao contrário, o que jogávamos fora era o couro, porque a carne, não escapava nada. E quem diz que do Jacaré só se come o rabo, não sabe o que é um bracinho de jacaré ao ponto... Proibido matar, é. Mas tem muito mercado por aí, onde se lê: — “Bacalhau brasileiro Cr$ 90,00”. Vai ver o tal bacalhau brasileiro nada mais é do que carne de jacaré, secada ao sol, a moda de pirarucu. Apesar de proibida a sua caça, tem muita gente burlando a lei por aí e abatendo jacarés. Muitos para alimento, outros por farra, ou para treinar a pontaria. Fosse antes da proibição eu poderia dar aqui uma receita de Modo de preparo um jacaré. Hoje, não convém. Bem, mas com a repressão o numero de jacarés tem aumentado tão assustadoramente que dentro de pouco tempo vai se poder comer uma carnezinha, sem ser crime — sem castigo de espingarda apreendida e outros bichos. E como a proibição não vai durar para sempre, vai


A RECEITA

aí: Depois de descascado e bem lavado o jacaré (rabo e patas) passa-se sal com limão (galego ou china) e deixa por uma hora. Nesse tempo, em um caldeirão grande, tempere bastante água com louro, cebola, (alho, nunca) sal, limão (na falta, pode ser vinagre). Ponha as peças do jacaré para ferventar até cerca de 2/3 do cozimento. (o tempo de fogo, depende da idade do jacaré. E como eles não trazem identidade, faça uma bestunta pelo tamanho). Meta as peças num espeto e leve para assar em um braseiro bom, não muito junto ao fogo. Vá regando com o resto do molho em que as carnes foram ferventadas. É um prato tão delicioso que até o Mário Roriz comeu e gostou. A carne de jacaré fica assim entre a carne de porco e de peixe. Feito da maneira acima, toma uma coloração avermelhada, tirante à cor do camarão assado. Se cortar em pedaços menores, dependendo do formato, pode falar que é lagosta ou pitu-cola.”

Depois de descascado e bem lavado o jacaré (rabo e patas) passa-se sal com limão (galego ou china) e deixa por uma hora. Nesse tempo, em um caldeirão grande, tempere bastante água com louro, cebola, (alho, nunca) sal, limão (na falta, pode ser vinagre). Ponha as peças do jacaré para ferventar até cerca de 2/3 do cozimento. (o tempo de fogo, depende da idade do jacaré. E como eles não trazem identidade, faça uma bestunta pelo tamanho). Meta as peças num espeto e leve para assar em um braseiro bom, não muito junto ao fogo. Vá regando com o resto do molho em que as carnes foram ferventadas. É um prato tão delicioso que até o Mário Roriz comeu e gostou. A carne de jacaré fica assim entre a carne de porco e de peixe. Feito da maneira acima, toma uma coloração avermelhada, tirante à cor do camarão assado. Se cortar em pedaços menores, dependendo do formato, pode falar que é lagosta ou pitu-cola.” João Benio - Folha de Goiás, 18-11-79

(João Benio - Folha de Goiás, 18-11-79)

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MOQUECA DE PIRARUCU

PACU-MANTEIGA FRITO

Ingredientes 400 gramas de pirarucu 1 dente de alho amassado Suco de dois limões 1 cebola grande cortada em rodelas 2 tomates maduros cortados em rodelas 1 maço de cheiro verde 1 vidro de leite de coco 2 colheres (sopa) de azeite de dendê Azeite de oliva Sal e pimenta a gosto

Modo de preparo É usualmente consumido frito, apenas com sal, pois ele já desprende a gordura necessária. Usase abri-lo, desfatar, não tirando as escamas salgá-lo por dentro e levá-lo ao jirau ou trempe. Assim que assar de um lado, virar do outro. O couro sairá com as escamas, de uma só vez. Para fritar: escamar, desfatar, cortar em postas, temperar com sal e pimenta do reino, passar no fubá ou farinha de trigo e levá-la à frigideira, sem gordura.

Modo de preparo Limpe o peixe e tempere com alho, limão e sal coloque o peixe na panela de barro junto com todos os temperos. Acrescente por último o leite de dendê. Deixe cozinhar por 10 minutos. Sirva acompanhado de arroz branco e farofa. Dá 3 porções.

PAÇOCA DE LAMBARIS Modo de preparo Depois de fritar, até “torrar”, em óleo bem quente e escorrido em peneira fina, pilar os peixinhos, com farinha de mandioca, salgada a gosto. Usa-se, também, sem farinha, no engrossamento do feijão.

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PEIXADA À AIDENOR AIRES Ingredientes 3 quilos de peixe: pintado, filhote, surubim, tucunaré, jaraqui ou semelhante. Ingredientes: pimenta do reino Pimenta bode ou outra de cheiro Noz-moscada Alho Coentro em caroço Cebolinha verde com folhas de coentro (ou salsa) Cebola à vontade Pimentão: 2 maduros e 2 verdes (grandes) Meio quilo de tomates maduros Azeite de dendê Meia garrafinha de leite de coco Azeite de oliva Sal e limão galego

Modo de preparo O peixe deve ser cortado em postas amasse junto o alho, a pimenta do reino, a pimenta de bode, sal, noz-moscada ralada, o coentro em caroço, um pouco de cebolinha cortada, cebola de cabeça ralada, sal e caldo de 3 limões. Esfregue com a mistura os pedaços de peixe e deixe descansar por mais ou menos duas horas, virando os pedaços para o tempero entranhar. Preparar uma caçarola de alumínio ou outro material (grosso). Coloque o azeite de oliva, junte alho esmagado, cebolinha, cebola picada, deixe dourar. Depois vai colocando pedaços de pimentão e cebolas inteiras ou em pedaços grandes. Reserve os pimentões maduros cortados em fatias para cobrir a última camada. Deixe cozer em fogo brando por 15 minutos, sem mexer nas pedaços para não desmanchar. Pirão: faz-se com pedaços de peixe retirado da panela, os mesmos temperos, mais três ovos e farinha de mandioca. Deve ficar mais ou menos consistente. Servir quente, com vinho branco.

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PEIXE À MODA CARAJÁ Modo de preparo Prepara-se o peixe limpo e sem tempero. Faz-se uma cova na areia e acende-se uma fogueira dentro. O peixe deve ser bem embrulhado em folha de bananeira ou de coqueiro, ou, ainda, em palha de milho verde. Logo que a cava estiver bem quente, tiram-se as brasas, coloca-se o peixe e cobre-se com areia. Em seguida a fogueira continua por cima. Servir com molho à parte. O peixe fica com um sabor extraordinário.

PEIXE AO CALDO À MODA CARMO BERNARDES Faz-se peixe de muitos jeitos. O mais comum é picálo em pedaços de 50 gramas, ou 20 pedaços por quilo. Desses 20 retire 5 e os outros vão para o tempero: esprema limão, bote sal. Frite bastante cebola no óleo de oliva, na quantidade de 250 gramas de cebola por xícara de óleo. Dê uma fritura rápida (menos nos 5 pedaços que ficaram separados, que vão ser cozidos à parte). Deite um pouquinho de água quente, cozinhe e deixe apertar até ficar enxuto, no ponto de quase frito. Os pedaços que ficaram à parte são para cozinhar até delir, servir de caldo para engrossar o outro. Aí fica um peixe assim: os pedaços tenrozinhos, meio corados, com o sabor adocicado da cebola, mergulhados no caldo grosso. Coloque cheiro-verde à vontade e sirva com arroz soltinho e com as outras iguarias que houver.

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PEIXE AO MOLHO PELO CAETANO SOMMA

PEIXE ASSADO COM RECHEIO

Modo de preparo Peixe bem limpo e retalhado, cortado em postas ou inteiro. Molho de limão, pimenta, alho e sal. Deixar repousar no molho meia hora. Pôr um pouco de gordura na caçarola e dar uma fritura bem leve. Fazer à parte um molho com tomates maduros (ou massa de tomates). O molho é de água, quanto baste para cobrir o peixe. Massa de toamte, alho bem socado, e pimenta a vonade. Assim que der a leve fritura, despejar o molho até cobrir o peixe. Deixar cozinhar até o ponto desejado. Não se mexe o peixe na panela.

Modo de preparo Limpa-se bem um peixe grande, de preferência dourado. Fura-se com garfo e tempera-se com sal, alho, cebola, pimenta malagueta, pimenta do reino, folhas de coentro e um copo de vinho branco seco. Deixa-se no tempero durante 4 horas, virando-se de um lado e de outro por várias vezes. Recheio: uma lata de palmito, 2 ovos cozidos, azeitonas picadas, 3 tomates sem as peles e os temperos mencionados acima, menos o vinho. Refogam-se os Ingredientes do recheio em manteiga. Recheia-se o peixe, costura-se, unta-se todo o peixe com azeite e leva-se ao forno quente. Vai regando o assado com o molho que ficou na vasilha. Estará no ponto quando dourar. O peixe deverá ser assado e servido no mesmo tabuleiro em que foi assado, pois não poderá ser virado.

PEIXE ASSADO Modo de preparo Depois de limpo, tempera-se o peixe com molho de massa de tomates, no azeite doce, cebola, pimenta do reino e de cheiro, por dentro e por fora, colocando-o numa lata de assar, untada de óleo, sendo levado ao forno brando, para, quando começar a tostar, receber colheradas de molho, até o final. Colocam-se fatias de limão e de tomates, por cima, antes de ser servido.

PEIXE ASSADO NO ESPETO Modo de preparo Retalhando bem fino, espeta-se o peixe que se esquenta aos poucos nas brasas, passando-selhe molho, até ficar em condição de ser servido. O molho é feito de sal, vinagre, pimenta e cebola.

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PEIXE COM PIRÃO

PEIXE COZIDO

Ingredientes 1/2 kg de postas de peixe de couro 1/2 xícara de manteiga ou margarina 1 cebola média ralada 1/4 de xícara de salsinha picada e uns raminhos de salsinha para enfeitar 1/2 xícara de pimentão verde cortado em tiras 2 tomates sem sementes e picados Molho de pimenta a gosto 1 colher (chá) de tempero a gosto Suco de 1 limão 3 xícaras de água quente 1 xícara de farinha de mandioca

Modo de preparo Picado o peixe e colocado na panela com gordura e água, para cozer, em fogo forte, com o molho junto. É preciso ferver a água antes de pôr a gordura. Molho: vinagre, sal, pimenta e cebola.

Modo de preparo Tempere as postas de peixe com antecedência, usando o tempero completo e o limão. Numa frigideira funda, coloque a manteiga, deixe derreter, em seguida coloque as postas de peixe, a cebola, a salsinha e o pimentão verde e deixe fritar um pouco. Adicione os tomates, o molho de pimenta, o sal a gosto. Quando o peixe estiver cozido, retire-o do molho e coloque-o numa travessa e reserve. Junte a água àquele refogado e deixe levantar fervura. Aos poucos, adicione a farinha de mandioca, mexendo. Retempere se necessário. Quando a mistura tiver a consistência de um purê, desligue o fogo. Arrume numa travessa, colocando o pirão e no meio as postas de peixe. Enfeite com raminhos de salsa.

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PEIXE DEFUMADO PELO CAETANO SOMMA Modo de preparo Prepara-se o peixe como se fosse para o sol, mas ao invés ele é colocado no fumeiro, que é um varal colocado por cima do fogão à lenha, de maneiras que o peixe apanhe muita fumaça. Os óleos voláteis que se desprendem da fumaça, defumam a carne do peixe, que fica saborosíssimo.


PEIXE ENSOPADO Modo de preparo Qualquer peixe, contanto que seja de poucas espinhas. Temperar com o tempero seguinte: sal, pimenta bode-verde, pimenta do reino, alho, cebola e louro. Deixar descansar no tempero por meia hora. Pôr na frigideira óleo bem quente e fritar de um a um os pedaços (postas), bem fritos, até dourar. Fazer o molho: massa de tomate, água, óleo, sal, pimenta, cebola. Colocar o peixe dentro do molho, levar ao fogo e deixar abafado por uns 20 minutos. Servir.

PEIXE FRITO Modo de preparo Cortado em talhadas e temperado com apenas sal, frita-se o peixe em gordura bem quente, passado em farinha de mandioca, de trigo ou fubá, para não pregar. Colocar no escorredor forrado com papel de cozinha ou guardanapo.

2ª Receita Modo de preparo Peixe fresco, da hora, aquele cujo tamanho não exige picadura em postas. Como tempero, apenas sal. Ao ser jogado no óleo, bem quente, enxugá-lo antes em pano seco. Assim o peixe não desmancha, no óleo.

PEIXE DE PRAIA OU PEIXE DE CAVA Diz João Benio, em entrevista concedida a Eduardo Jordão em O Popular de 19.08.79: “O goiano, que vive em terra de índio, conhece muito pouco de seus costumes, de sua cultura e, finalmente, de sua culinária. A cozinha indígena é insuportável. O único prato de índio que o branco assimilou é o Peixe Moqueado. O índio o assa com escamas e tripas. Nós, os pseudos civilizados, tiramos-lhe o fato, e conservamos as escamas e, sem tempero algum assamo-lo na brasa viva até que fique negro como carvão. Aí, então, é só puxar a crosta pela escama calcinada e vamos encontrar a carne branquinha e deliciosa. Eu a como completamente sem tempero sentindo uma série de sabores. Mas a maioria prefere molhá-la numa mistura de limão, vinagre, água, pimenta e sal. Tem também o Peixe de Praia — continua ele — a gente limpa o peixe, retalha e tempera a gosto. Envolve-o em papel aluminizado ou em folhas de bananeira. Em um buraco feito na areia seca faz-se uma fogueira, depois de duas horas de fogo retira-o. Coloca-se o peixe embrulhado sobre a areia quente e faz-se outra fogueira. Uma hora depois o peixe está pronto. Esse peixe, em vez de assado, é cozido a seco.”

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PEIXE FRITO PELO CAETANO SOMMA

PEIXE MOQUEADO “IN NATURA”

Modo de preparo Limpa-se perfeitamente o peixe, não se esquecendo de tirar bem a güelra, pois ela comunica um amargo desagradável, estragando o gosto de todo peixe. Após bem limpo e escamado, retalha-se levemente no sentido contrário das espinhas. Depois prepara-se o molho do seguinte modo: caldo de limão, sal, pimenta do reino e alho bem socado. Pronto o molho, dá-se um ótimo banho no peixe, por dentro e por fora. Deixar repousar no molho pelo menos meia hora depois passar em farinha de trigo e fritar em gordura bem quente.

Preparo Limpar o peixe, tanto de couro como de escamas, tirando apenas o fato, deixando as escamas ou o couro. Não pôr tempero algum. Fazer um buraco na areia ou na terra, e montar um fogo de boa brasa e fazer uma grelha rente ao chão de varas verdes. Deixar moquear (assar) até cozer bem. As escamas sairão de uma vez ou o couro, quando o peixe escolhido for de couro. Molho à parte: alho, cebola, banha de porco ou óleo, pimenta bode-verde, limão e tomates maduros. Pôr o peixe inteiro dentro do molho e servir com arroz. Obs.: Tendo uma grelha de ferro, colocá-la ao braseiro, dispensando a estiva de varas.

PEIXE MOQUEADO Moquem vem bouquen. Os piratas franceses, chamados boucaniers (bucaneiros), assavam peixes na areia das praias. Modo de preparo O índio carajá assa o peixe com escamas e tudo. Nós tiramos o fato, deixando as escamas. Asse sem tempero, na brasa viva, até que fique negro como carvão. Puxe a crosca pelas escamas calcinadas e encontre uma carne branquinha e deliciosa. Molhe-a numa mistura de limão ou vinagre, água, pimenta e sal.

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PEIXE NA BRASA Modo de preparo Enrola-se o peixe inteiro, com escamas, em folhas de bananeira, coloque-o em uma assadeira grande, cobrindo-o de brasas. Passados 20 minutos, estará cozido. Tiram-se, então, facilmente, as escamas e as entranhas. Serve-se com molho.


PEIXE NA TELHA

(Prato goiano recebe prêmio) “Um dos pratos de maior sucesso do restaurante Forno de Barro, em Goiânia, foi o vencedor da região Centro-Oeste, do I Concurso Cultural, Os Melhores Pratos do Dia, promovido pela empresa Cheques Cardápio. O Peixe na Telha, saboreado diariamente pelos goianos e por gente de todo o Brasil, foi o primeiro colocado da região. Hoje, os proprietários do restaurante recebem o prêmio na sede da regional da Cheques Cardápio. Além do prestígio, os sócios receberão, ainda, como, prêmio, um home theater, kit com televisão 29 polegadas, videocassete e super alto falante. O concurso contou com a presença de um dos maiores críticos gastronômicos do Brasil, Josimar Melo. Na sala do restaurante, uma placa na parede indica a vitória dos comerciantes diante de vários outros estabelecimentos que participaram do evento. Em todo o Brasil eles somaram mais de 3 mil.” Depois vem a receita, os Ingredientes e Modo de preparo, xerocada do meu livro Cozinha Goiana. Esta auspiciosa notícia está no Diário da Manhã de hoje (20.01.99), mas acontece que quem deveria receber o prêmio são os criadores do Peixe na Telha, e não um dos restaurantes que o prepara e vende. E os criadores, os inventores do Peixe na Telha, somos nós, eu e o Professor Aldair da Silveira Aires, que é, também, o precursor, o fundador do restaurante Forno de Barro. Se fosse o restaurante quem teria direito ao prêmio da iguaria, então seriam os milhares espalhados por todo o Brasil, inclusive o Pomo d’Ouro, do Idevaldo, em São Francisco, na Califórnia, que tem o Peixe na Telha em destaque no cardápio, levado por mim mesmo, em 1990. O Peixe na Telha está por nós difundido fartamente na imprensa local, com entrevistas e demonstrações, inclusive no Jornal Nacional, no Globo Rural (TV e Revista), no Frutos da Terra (TV-Anhanguera) e na TV de Recife, além de outros. A estória: Em 1978, quando o Aldair montou o Forno de Barro, na Rua 83, hoje Henrique Silva, viu umas amostras de telhas da minha Cerâmica Serrinha, aqui no escritório, quando surgiu a idéia de se fazer uma peixada servida numa telha. Prensei várias telhas plan e colonial, fechei as extremidades, antes de queimá-las, e o teste foi feito aqui na minha residência, quando o prato foi aplaudido por vários intelectuais, nossos convidados, notadamente o então escritor, vice-governador, Ursulino Leão. Após a implantação do Peixe na Telha, no Forno de Barro, remeti 100 telhas para o Restaurante Recanto Goiano, do Divino Augusto, em São Paulo. O prato também passou a ser destaque no restaurante do Centro de Tradições, implantado pela Primeira Dama da época, Maria Valadão. Pelo dito e exposto, ninguém aqui em Goiás ignora os autores, os criadores do Peixe na Telha. Se o referido prêmio fosse para restaurantes, tudo bem, mas sendo para a iguaria, o prêmio, por direito, teria de ser nosso, que o receberíamos com muito gosto. Os Ingredientes de uma receita podem variar, mas uma que exigiu artefatos, como é o caso do Peixe na Telha, é diferente: tem propriedade. Macktub! COZINHA GOIANA (Jornal O Popular, Goiânia, 20.01.99)|

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PASSO 1 Cortar as fatias de piratinga ou filhote (ou outro peixe que n達o tenha espinhas). Cortar as fatias de piratinga

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PASSO 2 Cortar as fatias de piratinga ou filhote (ou outro peixe que n達o tenha espinhas). Cortar as fatias de piratinga

PASSO 3 Cortar as fatias de piratinga ou filhote (ou outro peixe que n達o tenha espinhas). Cortar as fatias de piratinga

adequar o texto


PASSO 4 Cortar as fatias de piratinga ou filhote (ou outro peixe que não tenha espinhas). Cortar as fatias de piratinga

PASSO 5 Cortar as fatias de piratinga ou filhote (ou outro peixe que não tenha espinhas). Cortar as fatias de piratinga

Peixe na telha

(prêmio Cheques Cardápio) Ingredientes Para dois quilos de peixe de couro, de preferência o pintado ou o surubim, três quilos de tomates bem maduros e um quilo e meio de cebola. Dois pimentões, um vidro de leite de coco, uma lata de creme de leite, uma lata de massa de tomate, um envelope de creme de cebola (para engrossar o caldo), sal, bastante cheiro-verde (salsa, cebolinha e coentro), shôyo e pimenta-bode sem curtir. Colocar as postas de peixe dispostas numa assadeira e espremer limão de um lado e de outro. O peixe deverá entrar na panela de uma a duas horas depois de receber o caldo de limão. Picar os Ingredientes, inclusive as pimentas e levar tudo à panela com óleo e um pouco de água. Os pimentões, para não amargar o molho, ficam por último, com o cheiro-verde e o creme de leite. Assim que o molho estiver fervendo, colocar as postas do peixe que cozinhará em dez ou quinze minutos. Juntar os pimentões e o cheiro-verde por mais dois minutos. Desligar o fogo e despejar o creme de leite. Distribuir a peixada em telhas próprias (fechadas nas extremidades), cobrir com farinha de rosca e levar ao forno para gratinar. Servir ainda em ebulição com arroz branco. Servem-se de 6 a 8 pessoas.

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PEIXE NA CAVA, TEMPERADO

PEIXE NA TELHA “IN NATURA”

Modo de preparo Pegar o peixe, limpar, escamar, desfatá-lo e furá-lo bem para entremear o tempero: sal, alho, cebola, limão, pimenta bode-verde. Deixar o peixe inteiro pousar neste tempero. Depois enrolá-lo na folha de bananeira ou de coqueiro. Fazer um buraco na areia ou no chão e um braseiro dentro. Depois de bem quente, retirar as brasas e colocar o peixe, enrolado na folha. Tampar com o borralho quente. Deixar por uma hora mais ou menos. Servir à vontade.

Modo de preparo Pegue um peixe de escamas de um quilo acima, de preferência o jaraqui, o curimbatá (papaterra), a corvina, a matrinchã (piracanjuba do Sul). Limpe apenas por dentro, deixando as escamas. Deite o peixe dentro da telha comum, plan ou colonial. Coloque sobre o braseiro ou uma trempe. Vire-o depois de uns 10 minutos, dependendo do fogo. Teste com um garfo se está no ponto. Faça um molho a gosto, sendo mais comum o molho cru, que está neste Receituário. Com dois garfos retire a crosta que são as escamas juntamente com o couro, ficando a carne branquinha como um papel sulfite. Separe a cabeça e, pela cauda puxada, sairá toda a espinha. Coloque uma posta no prato, molho de um lado e arroz branco do outro. Vá puxando com o garfo, temperando os bocados. Uma cachacinha antes e uma cervejinha durante, já pensou?!

PEIXE NO MARIRRI À ZÉ MAURO O José Mauro de Vasconcelos gostava, quando no Araguaia, de fazer o seu peixe no remo ou à marirri (remo, em carajá). E deu a sua receita: frite o peixe, mesmo dentro da canoa, e coloque-o para escorrer e enxugar na pá do remo. Amasse 2 ou 3 bananas maçãs ou nanicas na mesma gordura ou óleo em que fritou o peixe, misture e mexa farinha de mandioca. Há duas opções: a primeira é voltar o peixe frito à vasilha e mexer junto com a banana e a farinha, num arremedo de peixe à milanesa. A segunda opção é servir o mexido separado do peixe, funcionando como um pirão.

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PEIXE RECHEADO Modo de preparo Dourado ou matrinchã: limpar e escamar. Perfurar todinho e temperar com sal, pimenta verde, pimenta do reino, alho, cebola e louro. Cortar fatias de queijo fresco. Rechear o peixe com Feijão Tropeiro (ver a receita de Feijão Tropeiro bem mais atrás). Fazer espetinhos de palitos com fatiazinhas de queijo, rodelas de tomates, rodeias de cebola e uma azeitona e espetar nos buracos que se perfurou, sendo que o queijo deve penetrar na carne. Cobrir o restante do peixe com fatias bem fininhas de queijo fresco. Colocar numa assadeira, levar ao forno e deixar assar lentamente. A assadeira deverá ser untada com manteiga de leite.

2ª Receita Ingredientes 1 peixe de cerca de 1 kg Suco de limão Sal e pimenta do reino a gosto 1 cebola ralada 1 xícara (chá) de farinha de rosca 1 lata de milho verde 1 ovo cozido Manteiga de leite Salsinha Modo de preparo Tempere o peixe por dentro e por fora com sal, pimenta do reino e limão. À parte, misture a farinha de rosca, a manteiga derretida, o ovo cozido e picado, a salsinha, a cebola, o sal e o milho escorrido. Recheie o peixe com esta mistura, feche-o com ajuda de palitos e coloque-o numa forma untada. Salpique pedaços de manteiga por cima do peixe. Polvilhe com a farinha de rosca e leve-o ao forno até dourar.

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PEIXE CAIPIRA O caipira ensinando ao Carmo Bernardes: Cê pega o peixe, pica, põe dentro numa vasilha com um pouco de água, pega essa vasilha com um pouquinho de água e coloca ela dentro de uma panela maior. Essa daí, pelo meio de água, vai pro fogo, uma den’da outra. Conversa comprida demais, foi preciso eu atalhar. E prele não desconfiar que estava achando a conversa cacete, ofereci-lhe uma picada de fumo, do meu, de fumar na porta da igreja: — O sor quer picar? Voltou ao atual da sua mansidão e acabou de me explicar que o peixe fica ali, na calentura branda mas há de ser pouco prazo, só a conta mesmo de mornar. Depois de mornado, antes dos pedaços querer mudar de cor — tira. Já levaram tempero de sal, ali agora é refogar, jogar no óleo tinindo de quente. — Óleo quente, esse menino, que faça um barulhão danado quando peixe cai den’dele, porque é assim que faz. Disse que nesse caso os pedaços não pregam uns nos outros, e só depois que cada pedaço cria uma capa fina de fritura por cima, é que deita (água, não) o molho do cheiro verde, cebolinha, salsa, essas coisas, feito à parte. Aí tampa a panela e deixa abrir a fervura. Não tenho cálculo nenhum de ser cozinheiro algum dia, mas ali, não havendo outra coisa a conversar, fui dando trela ao assunto, como coisa que estivesse muito interessado. — E pra que essa ciência toda, meu irmão? — A pois!... Fuloriano grunhiu, baforou outro borbotão de fumaça, e antes de acabar de dizer que se o peixe for refogado gelado, ajunta água sem tostar, e não tostando um pouco vira um patetê desmanchado na panela.

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Bariani Ortencio


DOCES & QUITANDAS

COZINHA GOIANA

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Bariani Ortencio


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