José
Hamilton ainda sonha fazer “aquela” matéria Páginas 14 e 15
Jornal da ABI Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa
Setembro/Outubro de 2005 • Número 302
“Na democracia não se prende jornalista pelo que escreve” ENTREVISTA EXCLUSIVA
Quem faz os ídolos da TV Às vezes incompreendidos por colegas de Redação e até por artistas, repórteres, fotógrafos e editores de publicações sobre televisão produzem ídolos e os mantêm na crista da fama. Páginas 3, 4 e 5.
Nosso sócio Paulo Evaristo, Cardeal Arns WAGNER SANTOS
Associado da ABI desde os anos 50, Dom Paulo Evaristo Arns, Cardeal e Arcebispo Emérito de São Paulo, não sai de casa sem a carteira da entidade. É o que ele revela numa entrevista exclusiva, em que confessa que teve medo em muitos momentos da ditadura militar. Páginas 9, 10, 11 e 12.
VLADO, 30 ANOS DEPOIS Ana Paula Arósio em Mad Maria, em Rondônia: fotógrafo ralou para obter fotos exclusivas da estrelíssima..
Trinta anos após seu assassinato numa prisão militar em São Paulo, o jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, foi homenageado pela Secretaria de Educação do Estado do Rio com um opúsculo que narra sua trajetória para as novas gerações: 150 mil alunos do curso médio.
Páginas 9, 10, 11, 12 e 29
Uma lei para abrir os arquivos O Conselho da Transparência Pública, presidido pelo Ministro Waldir Pires, quer uma lei de abertura dos arquivos da ditadura. A íntegra do anteprojeto. Página 24
ALEXANDRE DE PAULO
Numa decisão histórica, cuja íntegra o Jornal da ABI publica nesta edição, o Presidente do Superior Tribunal da Justiça, Ministro Edson Vidigal, reafirmou princípios que o próprio Poder Judiciário tem agredido: Na democracia não se prende jornalista pelo que escreve ou fala. É vedado também censurar redações, apreender jornais, livros e revistas ou tirar do ar estações de rádio e TV e portais. Páginas 2, 7 e 8.
Jornal da ABI EDITORIAL
As lições de Vidigal A decisão adotada pelo Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Edson Vidigal, no pedido de hábeas-corpus impetrado em favor do jornalista José Arimatéia de Azevedo, de Teresina, Piauí, transcende o âmbito já em si relevante de privação da liberdade individual de um cidadão para adquirir a exponencial dimensão de vigorosa defesa da legalidade republicana e democrática. Em seu histórico pronunciamento, o Ministro Vidigal reafirmou preceitos do Estado Democrático de Direito que o próprio Poder Judiciário vinha e vem atropelando, em muitos casos com a colaboração de advogados e membros do Ministério Público desafeiçoados às conquistas que a Constituição de 5 de outubro de 1988 inscreveu em seu texto. “Na democracia, não se prende jornalista pelo que escreve ou pelo que fala. A força, qualquer que seja, tem que obedecer à idéia”, salientou o Presidente do STJ, que pôs em destaque primados democráticos que têm sido ignorados em despachos e sentenças judiciais em diferentes pontos do País, desde Rondônia, onde uma desavisada juíza proibiu que um jornal sequer citasse o nome da prefeita da capital do Estado, a Goiás, onde tivemos o absurdo da prisão domiciliar em Goiânia de um jornalista que mora em São Paulo e a proibição de um livro em todo o território nacional para atender ao interesse de um político local. Em muitos desses casos, ficou evidenciado o dissídio entre o poder judicante e o senso de humanidade: no caso do jornalista Arimatéia, o juiz local postergava a decisão no pedido de hábeas-corpus, condenando o paciente a prolongada privação da liberdade, sob o pretexto de obter informações que já constavam dos autos, como acentuou, em tom de velada censura, o ilustre Presidente do STJ. Deveriam ter um sentido pedagógico para membros do Judiciário e do Ministério Público, instituições arejadas pela crescente presença de jovens que não conheceram a ditadura e não apreenderam a inteireza de significados da Constituição Cidadã de 1988, estes postulados esgrimidos com veemência pelo Ministro Edson Vidigal: 1. “A imprensa livre é essencial para a democracia, ainda que livre demais, até para os excessos. A Constituição da República ordena o que fazer nessas situações –– direito de resposta proporcional à ofensa, direito à indenização por dano moral, afora as outras sanções previstas na lei penal.” 2. “Prender jornalistas; censurar redações; apreender jornais, livros, revistas; tirar rádios do ar, portais ou televisões só configuram violação ao direito da sociedade à informação. A sociedade tem o direito de ser bem informada. Se essa informação não é de boa qualidade a própria sociedade a rejeita, a recusa, a condena.” Que não se percam estas lições, como dever de casa.
NESTA EDIÇÃO Eles fazem a estrela brilhar
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Uma saudação à `”Folha Dirigida” por seus 20 anos
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Um desagravo a Niemeyer
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Diploma de Jornalismo novamente obrigatório
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Uma sentença histórica
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O anjo da guarda dos jornalistas
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A história de Vlado para as novas gerações
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A morte de um herói
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O sonho-ambição de José Hamilton Ribeiro
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A Biblioteca em festa
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Terrorismo em Marília
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A censura em debate em Alagoas
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A defesa da fonte, a qualquer preço
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No meio do caminho, a 9 mm
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Apreciados mais 98 pedidos de reparação
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“Olha aí o Caveirão. Vim buscar a tua alma”
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Uma proposta em discussão: uma lei de abertura dos arquivos 24 Natal 100 anos
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Uma coleção com o pé no passado e o olho no futuro
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“Aqui retumbaram hinos!”
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A utopia do Brasil sem armas
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Uma noite para Tim e Herzog
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A morte de surpresa de Roberto Moura
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O adeus de Apolônio
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Cinema exalta ação da imprensa na liberação de Rio, 40 graus 32
Conselheiros efetivos (2004-2007) Antonieta Vieira dos Santos, Arthur da Távola, Cid Benjamin, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Héris Arnt, Irene Cristina Gurgel do Amaral, Ivan Cavalcanti Proença, José Gomes Talarico, José Rezende, Marceu Vieira, Paulo Jerônimo, Roberto M. Moura, Sérgio Cabral e Teresinha Santos
Associação Brasileira de Imprensa DIRETORIA – MANDATO 2004/2007 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Audálio Dantas Diretora Administrativa: Ana Maria Costábile Soibelman Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Souza (Pajê) Diretora de Jornalismo: Joseti Marques CONSELHO CONSULTIVO Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira, Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura CONSELHO FISCAL Jesus Antunes – Presidente, Miro Lopes – Secretário, Adriano Barbosa, Hélio Mathias, Henrique João Cordeiro Filho, Jorge Saldanha e Luiz Carlos Oliveira Chester CONSELHO DELIBERATIVO (2004-2005) Presidente: Ivan Cavalcanti Proença 1º Secretário: Carlos Arthur Pitombeira 2º Secretário: Domingos Xisto da Cunha Conselheiros efetivos (2005-2008) Alberto Dines, Amicucci Gallo, Ana Maria Costábile, Araquém Moura Rouliex, Arthur José Poerner, Audálio Dantas, Carlos Arthur Pitombeira, Conrado Pereira, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima, Joseti Marques, Mário Barata, Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça e Ricardo Kotscho
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Conselheiros efetivos (2003-2006) Antonio Roberto da Cunha, Aristélio Travassos de Andrade, Arnaldo César Ricci Jacob, Carlos Alberto Caó Oliveira dos Santos, Domingos João Meirelles, Fichel Davit Chargel, Glória Sueli Alvarez Campos, João Máximo, Jorge Roberto Martins, Lênin Novaes de Araújo, Moacir Andrade, Nilo Marques Braga, Octávio Costa, Vitor Iorio e Yolanda Stein Conselheiros suplentes (2005-2008) Anísio Félix dos Santos, Edgard Catoira, Francisco de Paula Freitas, Geraldo Lopes, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Amaral Argolo, José Pereira da Silva, Lêda Acquarone, Manolo Epelbaum, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Pedro do Coutto, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães Conselheiros suplentes (2004-2007) Adalberto Diniz, Aluísio Maranhão, Ancelmo Gois, André Louzeiro, Jesus Chediak, José Silvestre Gorgulho, José Louzeiro, Lílian Nabuco, Luarlindo Ernesto, Marcos de Castro, Mário Augusto Jakobskind, Marlene Custódio, Maurílio Ferreira e Yaci Nunes Conselheiros suplentes (2003-2006) Antônio Avellar C. Albuquerque, Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Antonio Roberto Salgado da Cunha, Domingos Augusto G. Xisto da Cunha, Hildeberto Lopes Aleluia, José Carlos Rego, Lorimar Macedo Ferreira, Luiz Carlos de Souza, Marco Aurélio B. Guimarães, Marcus Antônio M. de Miranda, Mauro dos Santos Vianna, Pery de Araújo Cotta, Rogério Marques Gomes, Rosângela Soares de Oliveira e Rubem Mauro Machado
COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Ely Moreira – Presidente, Jarbas Domingos Vaz, José Ernesto Vianna, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio Cândido Ferreira COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Artur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Arthur Cantalice, Arthur Nery Cabral, Daniel de Castro, Germando Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yaci Nunes
Jornal da ABI Rua Araújo Porto Alegre, 71, 7º andar Telefone: (21) 2220-3222/2282-1292 Cep: 22.030-012 Rio de Janeiro - RJ (jornal@abi.org.br) Editores: Francisco Ucha, Joseti Marques e Maurício Azêdo Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Diretor responsável: Maurício Azêdo Impressão: Gráfica Lance Rua Santa Maria, 47 - Cidade Nova - Rio de Janeiro, RJ. As reportagens e artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do Jornal da ABI.
Setembro/Outubro de 2005
Jornal da ABI TELEVISÃO José Reinaldo Marques
Como repórteres, fotógrafos e editores de suplementos e revistas especializadas em televisão produzem as informações que criam ídolos e os mantêm na crista da onda.
lém de render boas matérias, os bastidores das emissoras de televisão são uma ótima opção de lazer para os leitores. É o que dizem os editores dos cadernos e revistas especializados que circulam no País. A pesquisadora Ana Carolina Pessoa Temer, em sua tese de doutorado sobre os 50 anos da TV brasileira, afirma que “atualmente o Brasil é o único país que não pertence ao Hemisfério Norte e que está entre as oito nações onde se concentram três quartos da audiência mundial”. Os brasileiros costumam passar de três a quatro horas diante da TV. Lançada no Brasil em 18 de setembro de 1950, por iniciativa de Assis Chateaubriand, dono dos Diários Associados, cadeia de jornais e emissoras de rádio, a TV se popularizou tanto que logo começaram a ser criadas editorias e publicações especializadas em bastidores das produções e a vida dos artistas. — O povo gosta de saber quem é a pessoa que está por trás do personagem
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da novela; é isso que o atrai e faz as publicações sobre televisão serem tão populares – conta Marly Schall, que foi repórter da extinta revista Amiga por mais de 20 anos. No período em que ela fez cobertura de TV para a Bloch Editores, de 1973 a 1993, a Amiga era uma das revistas mais populares do grupo: — Ela foi inspirada na Revista do Rádio. Quando foi lançada, a TV ainda não era tão popular, mas conseguíamos atrair o interesse do público fazendo matérias investigati-vas sobre a vida particular dos elencos dos programas. Com isso, a revista encostava em vendagem na Manchete, cuja linha editorial sempre foi dedicada aos assuntos considerados mais sérios.
Em novelas, sem igual Para Rosani Alves, editora da revista semanal TV Brasil, lançada há seis anos pela Editora Escala, a qualidade da televisão brasileira estimula a existência de tantas publicações dedicadas ao veículo:— Nossa TV é uma das melhores do mundo e ímpar na produção de novelas e minisséries, nosso principal alvo de cobertura. Ela está sempre gerando curiosidades e, por conseguinte, publicações específicas como a nossa. Rosani acha que, apesar da supremacia da TV Globo na produção de novelas, outros canais abertos estão investindo em qualidade:— Não podemos esquecer que a extinta TV Manchete abalou a supremacia global com obras
como Pantanal, que rendeu várias capas de revistas e suplementos de jornais. No momento, a Rede Record também está fazendo excelente trabalho. Recebemos constantemente cartas de nossos leitores sobre suas novelas e seus astros principais. A editora destaca ainda que a cobertura de TV é um trabalho muito sério, mas que às vezes não é bem-compreendido e devidamente respeitado, até mesmo por parte dos artistas. Ela afirma que a cobertura de televisão é também jornalismo investigativo:— Em 88, o Brasil parou para saber quem matou Odette Roitman, personagem de Beatriz Segall em Vale tudo. E foi a revista Amiga, na qual eu era repórter, que
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Jornal da ABI deu em primeira mão que a assassina era Leila, interpretada por Cássia Kiss. Houve um trabalho de investigação nisso. Recentemente, em Celebridade, fizeram até bolo de apostas para descobrir quem matou o Lineu Vasconcelos (Hugo Carvana). Diz Rosani que esse tipo de matéria provocou uma mudança de comportamento nos autores e diretores. Temendo que revistas e jornais adiantem o que irá acontecer no fim das novelas, eles passaram a gravar o desfecho das tramas praticamente no dia de ir ao ar o último capítulo ou gravar vários finais diferentes, fazendo a escolha em cima da hora. Além da editora-chefe e da editoraassistente, a TV Brasil, cuja redação funciona no Rio de Janeiro, tem dois repórteres e dois fotógrafos fixos, responsáveis pelas entrevistas com celebridades, os bastidores das gravações, a cobertura de eventos, os flagrantes de artistas, além das colunas de moda, culinária, horóscopo e opinião e, claro, dos resumos de todas as novelas exibidas na TV.
Amiga, do Grupo Manchete, foi uma das publicações especializadas de maior circulação, buscada agora por Contigo! e TV Brasil. Cadernos como TV&Lazer do Estadão e Revista da TV de O Globo atraem leitores.
editora-chefe, uma editora-adjunta, uma colunista que produz notícias sobre televisão a cabo e quatro repórteres. O fechamento é às quartas-feiras e as reuniões de pauta, com toda a equipe, às quintas. Diariamente, o grupo contribui com uma página para o Segundo Caderno, com o noticiário sobre a programação geral das emissoras. Outro detalhe que Amélia Gonzalez faz questão de ressaltar com relação ao suplemento que dirige é que suas matérias não se restringem ao universo dos elencos das novelas: — Fazemos também matérias de comportamento e de cunho educativo. Histórias sobre a vida particular dos atores não são o nosso foco principal de reportagem. Cobrindo TV no Globo há cinco anos, o repórter Paulo Ricardo diz que para cumprir bem essa função é necessário que, além de acompanhar a programação, o profissional conheça um pouco da história do veículo: — Também tem que gostar do que faz. São requisitos básicos. No dia-a-dia da cobertura, é preciso ter boas fontes, boa apuração e saber que às vezes uma simples gravação, seja de novela ou de programa, pode render uma matéria mais interessante do que se imagina. Encarregado das reportagens sobre a programação das emissoras SBT, TVE e Rede TV!, da novela Alma gêmea e dos
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EDMILSON SALDANHA
CARLOS IVAN/O GLOBO
Trama, a atração A jornalista Amélia Gonzalez está há quatro anos na função de editorachefe da Revista da TV do jornal O Globo. Antes, trabalhava na editoria Grande Rio e diz que não se arrepende da opção que fez: — Gosto muito do trabalho que desenvolvo. Antes de mais nada, ao contrário de muita gente, não tenho preconceito em relação à TV. Há dois anos, logo após migrar para a cobertura de televisão, a primeira providência de Amélia foi criar com sua equipe um grupo de discussão, para entender as características da publicação programas Mais você, Domingão do e apurar os assuntos de preferência dos Faustão, A grande família e Casseta & leitores: — Era necessário fazer um lePlaneta, Paulo Ricardo faz ainda entrevantamento de seus verdadeiros intevistas e matérias de comportamento: — resses para que pudéssemos desenvolver A cobertura de telenovela é sempre mais um bom trabalho. Verificamos que os complicada. Nos oito meses de gravaassuntos de que eles mais gostam são as ções e exibição, acontece de tudo, na tratramas das novelas. Em segundo lugar, ma e nos bastidores. A cobrança e a resaparecem as notícias sobre curiosidades. ponsabilidade aumentam se for uma noLéo Tavejnhansky, editor de Arte do vela das oito, porque todos os jornais Globo, conta que a Revista da TV foi ficam atentos, atrás de um de furo. lançada no dia 5 de abril de 1981, em formato tablóide, substituindo o CaNão ao preconceito derno de TV. Em 1995, o escritório de Em outubro do ano passado, após design WBMG (Walter uma reforma gráfica em Bernard & Milton todas as suas seções, O EsGlaser), de Nova York, tado de S. Paulo lançou o foi contratado para cuicaderno TV& Lazer. Crisdar da reformulação tina Padiglio-ne, sua editográfica do jornal. Com ra, diz: — O TV&Lazer isso a revista — bem coestá na 681ª edição e é hermo os demais suplemendeiro do Telejornal — tão tos do jornal — sofreu herdeiro que preservamos, sua primeira modificano número da edição, a ção e adotou novo vicontagem iniciada há 13 sual. O último ajuste anos. Sua estratégia é atraaconteceu em 1998, ir leitores para a edição de quando a publicação pasdomingo e o projeto foi sou a ser grampeada, torcriado por nossa própria nando-se definitivaequipe. mente uma revista. O suplemento ganhou A equipe da Revista da mais duas páginas de proAmélia, da Revista da TV, e Rosani, da TV Brasil: dá gosto trabalhar na TV é formada por uma cobertura da televisão, mesmo com incompreensões de colegas e artistas. gramação de filmes — an-
teriormente tinha apenas uma —, a grade com as produções que vão ao ar durante a semana toda — e seções de horóscopo e quadrinhos. Segundo Cristina, a decisão de mudar também o nome do suplemento teve como principal proposta chamar a atenção das pessoas para as opções de lazer de que elas dispõem dentro de casa: — No domingo ou em qualquer dia da semana, o item “lazer” amplia o leque proporcionado pela “TV”, com dicas de DVD, sites, rádio, tecnologia, passatempo... Tudo isso merece uma seção fixa. Temos ainda, com freqüência, dicas de todo tipo de serviço de entrega em domicílio e hobbies em geral. A filosofia de trabalho no Estadão é dispensar qualquer tipo de preconceito em relação à TV, como afirma a editora: — Fazemos a cobertura de televisão para quem sabe apreciar os benefícios dela. No entanto, nem por isso estamos de acordo com tudo o que vai ao ar. Tentamos refletir as insatisfações e satisfações do leitor e servir também como guia de programação semanal. No guia, é claro, não pode faltar o resumo dos capítulos das novelas: — É essencial. Temos também grande procura por notícias sobre as séries norteamericanas e pelos horários e as sinopses dos filmes que serão exibidos nos
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Jornal da ABI “Flagra combinado” Muitos detalhes do dia-a-dia dos núcleos dos programas das emissoras que aparecem nas capas e matérias das publicações especializadas em TV são resultado de um trabalho minucioso dos repórteres-fotográficos. No caso das novelas, os veículos recorrem ao próprio contingente de fotojornalistas ou, no caso da Globo, usam os serviços dos sete profissionais contratados pela Central Globo de Comunicação (CGCOM), dos quais quatro trabalham no Rio e três em São Paulo. Chefe de reportagem da revista Contigo! no Rio de Janeiro, José Esmeraldo Gonçalves diz que há várias situações que orientam essa decisão, entre elas o custo e a determinação dos diretores de fazer algumas gravações a portas fechadas: — Apelar para a compra de fotos de divulgação é uma alternativa dos veículos que fazem a cobertura de televisão. Se os nossos fotógrafos não têm permissão para registrar cenas nas cidades cenográficas, compramos esse serviço, que acaba virando uma prática rotineira. Isto também acontece quando a revista deseja fotos exclusivas para uma matéria especial ou bastidores de gravações no exterior — como as de Começar de novo em Moscou e de A Lua me disse em Viena —, quando, financeiramente, não compensa enviar nossos fotógrafos. A Contigo! tem uma equipe de sete repórteres-fotográficos, responsáveis, em média, por duas matérias por dia, como conta Rodrigo Queiroz, editor de Fotografia da revista: — As pautas variam muito. Os fotógrafos fazem basti-
FILIPE ARAÚJO/AE
canais abertos. Também é indispensável o perfil de alguém interessante — e não interessa se o entrevistado dá um ponto ou 50 de audiência. Para verificar a interação do leitor com o veículo, são realizadas pesquisas e enquetes através do portal do Estadão, por meio de e-mails ou cartas que chegam à redação: — A correspondência é uma revelação espontânea do que agrada ou não ao nosso público. De certa forma, essa avaliação orienta nossa cobertura e às vezes pode render uma pauta específica. Sobre preconceitos que os repórteres do caderno sofrem por parte de colegas de outras editorias, Cristina diz achar natural que isso ocorra, mas não é motivo para subestimar essas equipes: — Não tenho qualquer pudor em reconhecer que um repórter que ouve denúncias políticas tem de estar com os ouvidos muito mais atentos do que os de quem entrevista a protagonista da novela do horário nobre. Porém, nos últimos 12 anos houve uma evolução muito grande nessa área. Quem cobre televisão deve, com um mínimo de conhecimento, estar atento às novas tecnologias, à política que envolve a implantação da TV digital no País, à legislação que agrada a uns e desagrada a outros... Ou seja, é preciso ter mais preparo do que saber com quem o mocinho vai ficar no fim da história. Temos uma infinidade de canais a cabo, além de produções brasileiras de emissoras estrangeiras que utilizam recursos da Ancine (Agência Nacional do Cinema). É preciso conhecer bem esse cenário todo.
Cristina Padiglione, de TV&Lazer: Estadão não tem preconceitos em relação à TV.
dores, making off e o que chamamos de “flagra combinado”, que são as matérias produzidas e previamente marcadas com os atores. No mesmo dia, porém, eles podem ser deslocados para um factual de gravação externa de uma novela. No caso de matérias que pedem um material diferenciado, a opção é deslocar para a locação um profissional da revista, como Wagner Santos, que passou oito dias na selva amazônica, acompanhando as gravações da minissérie Mad Maria. A missão do fotógrafo era registrar a ação de atores e personagens na cidade cenográfica montada pela Globo em Abunã, no interior de Rondônia: — Não foi fácil cumprir essa pauta. Passei oito dias penetrando em lugares de difícil acesso para conseguir
fotografar as cenas com a Ana Paula Arósio, pois não tinha permissão para ir até o local das gravações feitas dentro de um barco, num rio próximo a uma cachoeira. Por sorte, fiz amizade com o dono de um pequeno sítio vizinho à locação e, metido no meio do mato, consegui concluir o trabalho. Programada para ocupar duas páginas da Contigo!, a matéria, lembra Wagner, acabou sendo publicada em seis: — Isto graças a um princípio que todo fotógrafo de TV tem que ter: saber fazer amizades, seja com atores, direção, pessoal da produção ou pessoas comuns, que em muitos casos podem ser fundamentais, como aconteceu comigo em Rondônia. Esse fator é tão relevante quanto saber fotografar. WAGNER SANTOS
O fotógrafo Wagner Santos, de Contigo!, enfrentou uma maratona para acompanhar a equipe de Mad Maria no interior de Rondônia, mas seu empenho foi premiado: conseguiu fotos exclusivas da estrelíssima Ana Paula Arósio.
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Jornal da ABI LEGISLAÇÃO
ANIVERSÁRIO
Diploma de Jornalismo novamente obrigatório
Uma saudação à “Folha Dirigida” por seus 20 anos
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dades, intelectuais e representantes de instituições públicas e privadas no Copacabana Palace, onde foi servido um coquetel, seguido de jantar. O evento foi aberto com a apresentação de um vídeo sobre a história do grupo, que incluía uma mensagem gravada por Barbosa Lima Sobrinho em 1998 — o ex-Presidente da ABI, que morreu em 2000, dá nome ao prédio da Rua do Riachuelo que hoje abriga a sede do jornal Folha Dirigida . Ao discursar, o Ministro da Educação, Fernando Haddad, ressaltou a contribuição do Grupo Folha Dirigida à área, “através de textos editoriais sobre educação e cultura e de valorização dos concursos para a administração pública”. Na mesa ao lado da do Ministro estavam o Diretor-fundador do grupo, jornalista Adolfo Martins, o Vice-Governador do Rio de Janeiro, Luiz Paulo Conde, e o Senador Saturnino Braga. O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, compareceu ao evento juntamente com outros representantes da instituição, como Gioconda Cavalieri, Fernando Segismundo, Murilo Mello Filho e Cícero Sandroni. Também estava presente o Secretário estadual de Cultura, Arnaldo Niskier, associado da Casa.
vando-a a níveis excepcionais, a tradição jornalística de cobertura permanente da área educacional, expressa na seção que o saudoso Diário de Notícias de Orlando Dantas manteve durante largo tempo e na qual colaborou, no início da sua atividade profissional, a poeta Cecília Meireles. Foi nessa fonte cristalina que Adolfo Martins se inspirou para criar e manter o Escolar JS,, seção especializada do Jornal dos Sports, na qual ele sedimentou a experiência que faz agora da Folha Dirigida um veículo imprescindível para quantos se dedicam à educação e à cultura no País. A Associação Brasileira de Imprensa, que conta em seu quadro social com profissionais que participaram da seção pioneira do Diário de Notícias, como seu ex-Presidente Fernando Segismundo, destacado colaborador do jornal de Orlando Dantas, assinala a passagem dos 20 anos da Folha Dirigida como um momento muito grato não só para Adolfo Martins, sua equipe de profissionais e os funcionários de sua empresa, mas para a comunidade jornalística do Brasil.” Festa no Copa A festa de comemoração dos 20 anos do Grupo Folha Dirigida, no dia 15 de setembro, reuniu educadores, autori-
CONSELHO
UM DESAGRAVO A NIEMEYER Conselho Deliberativo aprova moção de solidariedade ao arquiteto, agredido numa matéria dominical do Estadão. O Conselho Deliberativo da ABI aprovou em sua reunião de outubro uma manifestação de desagravo a Oscar Niemeyer, em razão de reportagem considerada ofensiva a ele feita pelo jornalista Fred Melo Paiva, que foi recebido no escritório do arquiteto, na Avenida Atlântica (Zona Sul do Rio), com a maior cortesia e montou um texto que, buscando ser jocoso, expôs ao ridículo o entrevistado. Na reportagem, publicada em página inteira do caderno Aliás de O Estado de S. Paulo na edição de 9 de outubro, o repórter traça um retrato desprimoroso de Niemeyer, dizendo que, aos 97 anos de idade, o decurso do tempo o fez diminuir de altura, em contraste com o crescimento das orelhas, e afetou sua visão, o que é verdade e foi deplorado pelo próprio entrevistado.
FUNDAÇÃO OSCAR NIEMEYER/JULIANA ZUCOLOTTO
O Tribunal Regional Federal da 3ª Região, sediado em São Paulo, decidiu por unanimidade em 26 de outubro revogar a sentença da juíza substituta Carla Abrantkoski Richter, da 16ª Vara Cível da Justiça Federal no Estado, que em outubro de 2001 suspendera a exigência do diploma de Jornalismo para o exercício da profissão. Com essa decisão, a Justiça acatou o recurso da Federação Nacional dos Jornalistas e do Sindicato dos Jornalistas do Estado de São Paulo. Os votos dos juízes Manoel Álvares, relator do processo, Alda Basto e Salette Nascimento foram baseados no entendimento de que o DecretoLei nº 972, de 1969, que regulamentou a profissão de jornalista, foi recepcionado pela Constituição de 1988; portanto, sua manutenção não significa violação da constitucionalidade. Os juízes justificaram seus votos afirmando que o faziam em reconhecimento à “responsabilidade ética dos jornalistas com sua profissão”. A exigência do diploma foi instituída por esse decreto-lei em 1969. Até então, não era necessário cursar faculdade de Jornalismo para se obter o registro profissional. Em 2001, o Procurador regional dos Direitos do Cidadão do Ministério Público Federal André de Carvalho Ramos entrou com Ação Civil Pública na 16ª Vara Cível da Justiça Federal de São Paulo contra o decreto-lei, argumentando que a exigência do diploma restringe o acesso a uma profissão e cerceia a liberdade de imprensa. O Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, Aziz Filho, declarou após o julgamento que “uma das primeiras medidas a serem tomadas agora será informar as Delegacias Regionais do Trabalho, em todo o País, da decisão da Justiça e pedir que os registros precários de jornalista que foram concedidos a partir da liminar da juíza Carla Richter sejam considerados ilegais”. A decisão do TRF-3ª Região foi comemorada com euforia pelos cerca de 300 jornalistas, estudantes e representantes de entidades de defesa da categoria que acompanharam o julgamento na capital paulista. Ao final, todos saíram em passeata até à sede do Sindicato, onde foram discutir com a assessoria jurídica da entidade as medidas que deverão ser tomadas a partir da decisão judicial, que pode ser objeto de recurso ao Superior Tribunal de Justiça, mas sem efeito suspensivo. Em todo o País foram organizadas manifestações em defesa do diploma.
A ABI divulgou uma saudação ao 20º aniversário do jornal Folha Dirigida, que, “sob a firme e criativa liderança do jornalista Adolfo Martins, seu fundador, construiu um modelo de cobertura e reflexão sobre as questões relacionadas com a formação educacional, a seleção de pessoal para órgãos públicos, dignificando o sistema do mérito, e a discussão dos aspectos culturais mais relevantes da vida do País”. É o seguinte o teor da declaração: “É com especial ênfase que a Associação Brasileira de Imprensa saúda o 20º aniversário de fundação da Folha Dirigida, que ao longo dessas duas décadas, cumprindo uma trajetória de crescente credibilidade junto aos leitores, às representações da sociedade civil e ao Poder Público, alcançou um patamar de notável prestígio e se firmou como a principal publicação periódica do País no campo da educação. Sob a firme e criativa liderança do jornalista Adolfo Martins, seu fundador, a Folha Dirigida construiu um modelo de cobertura e de reflexão sobre as questões relacionadas com a formação educacional, a seleção de pessoal para os órgãos públicos, dignificando o sistema do mérito, e a discussão dos aspectos culturais mais relevantes da vida do País. A Folha Dirigida retomou, ele-
Niemeyer: Traído em sua hospitalidade por um repórter imaturo.
Desrespeitoso e deselegante, o repórter diz que Niemeyer está “meio ceguinho”, deficiência que, ao invés
de lhe inspirar compreensão, o leva a oferecer uma imagem desairosa do arquiteto. Ao se referir à altura de Niemeyer, Melo Paiva exacerba sua deselegância em relação ao entrevistado, pois diz que, como diminui de tamanho, brevemente, sentado em sua cadeira de trabalho, ele não conseguirá alcançar o chão com os pés. Numa das muitas passagens de mau gosto da reportagem, Melo Paiva faz referências também jocosas a um colaborador de Niemeyer, Luiz Otávio, apresentado como um dorminhoco que durante o sono emite “uns sinais de seu interior”. A proposta de desagravo foi apresentada pelo jornalista Mário Barata, que foi crítico de artes plásticas do antigo Diário de Notícias e professor da Escola Nacional de Belas-Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, pela qual se aposentou. Oscar Niemeyer, nascido em 15 de dezembro de 1907 e que há 52 anos é sócio da ABI —, filiou-se em 30 de julho de 1953, tendo sido admitido na entidade pelo então Presidente Herbert Moses; na ocasião, era proprietário e editor da revista Módulo, especializada em arquitetura.
Setembro/Outubro de 2005
Jornal da ABI JURISPRUDÊNCIA
UMA SENTENÇA HISTÓRICA Decidindo num sábado o habeas-corpus impetrado por um jornalista do Piauí, o Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Edson Vidigal, mandou libertá-lo e reafirmou um princípio que muitos teimam em violar: “Na democracia, não se prende um jornalista pelo que escreve ou pelo que fala. A força, qualquer que seja, tem de obedecer à idéia”. O Presidente do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Edson Vidigal, concedeu liminar em habeas-corpus, no sábado 29 de outubro, para colocar em liberdade o jornalista José Arimatéia de Azevedo, dono do Portal AZ. Com isso, o Ministro Vidigal revogou a decisão do juiz da 6ª Vara Criminal de Teresina, José Bonifácio Júnior, que tinha decretado a prisão de Arimatéia de Azevedo, na quarta-feira anterior, dia 26, e mandado fechar o site de notícias. “A liberdade é a regra no Estado de Direito Democrático; a restrição à liberdade é exceção, que deve ser excepcionalíssima”, diz o Ministro Vidigal na decisão, na qual assinalou ainda com forte ênfase: “O decreto de prisão preventiva deve ser devidamente motivado, surgindo como resultado da análise de fatos concretos. É imprescindível que se demonstre, através de elementos objetivos, o periculum libertatis, ou seja, tem que restar claro que a liberdade do réu poderá causar grandes danos à paz social, à instrução criminal ou à realização da norma repressiva”. Disse ainda o Ministro nesse ponto: “Padece de razoabilidade a decisão que impõe o sacrifício da liberdade individual com base em referência genérica aos pressupostos determinados no dispositivo procedimental. Assim, presentes os pressupostos ensejadores da medida liminar pleiteada e, consoante o entendimento recente da Excelsa Corte, defiro o pedido liminar e sus-
pendo em seu inteiro teor a Decisão ora atacada, da lavra do Dr. Juiz da 6ª Vara Criminal de Teresina, PI.”. Vidigal determinou também a imediata expedição do alvará de soltura em favor de José Arimatéia de Azevedo.
midá-la. O jornalista é conhecido no Estado do Piauí pela autoria de matérias polêmicas. Foi o primeiro profissional a denunciar o crime organizado no Estado; por duas vezes, chegou a ser vítima de atentado.
Secretário prende A prisão do jornalista mobilizou a imprensa nacional. Em nota oficial, o Sindicato dos Jornalistas do Estado do Piauí classificou a prisão como forma de cerceamento da liberdade de imprensa. Arimatéia de Azevedo, que também assina uma coluna sobre política no jornal O Dia, foi detido pessoalmente pelo Secretário de Segurança Pública do Estado, Robert Rios Magalhães, quando chegava a um supermercado, no bairro de Ilhotas, zona sul de Teresina. O fato foi denunciado também por organizações internacionais de proteção aos jornalistas. O processo que resultou na prisão de Arimatéia é movido pelo jornalista Rivanildo Feitosa, sob a acusação de crime de imprensa. A advogada Audrey Magalhães, que defende Feitosa e outros jornalistas, se empenhou para que Arimatéia fosse transferido da Secretaria de Segurança para a Casa de Custódia, sob a alegação de que o jornalista não possui curso superior. Audrey Magalhães explicou que move “algumas ações” contra Arimatéia e que no curso desses processos teria sido vítima de “calúnias e injúrias” no portal. Ela alegou que “essas agressões” seriam uma forma de inti-
“Agora, não” Para decretar a prisão de Arimatéia, o Juiz José Bonifácio Júnior levou em conta matérias veiculadas no Portal AZ assinadas por Chico Pitomba, no qual este se referia “às peripécias de uma fogosa advogada da Bahia”. Na decisão, o Ministro Vidigal aponta que “daí para isso tudo virar querela na Justiça é cabível no Estado de Direito Democrático. Houve tempo no Nordeste em que jornalista era obrigado a engolir, literalmente, o que escrevia. Agora, não”. Ainda segundo o Ministro Vidigal: “Na democracia, eventuais abusos hão que ser resolvidos na Justiça, observados rigorosamente o devido processo legal, o amplo direito de defesa, o contraditório, a presunção da inocência”. O Presidente do STJ relata mais adiante que o pedido de liminar em habeascorpus em favor de Arimatéia de Azevedo, distribuído no dia seguinte à prisão, ou seja, na quinta-feira 27, “ainda não foi apreciado porque o relator, Desembargador Luís Fortes do Rego, pediu informações no prazo de dez dias”. Porém, os advogados de Arimatéia de Azevedo destacam: “não obstante já estar o mesmo instruído com as razões das quais valeu-se o juiz de 1ª instância para decidir”. Desse modo, res-
tou à defesa do jornalista recorrer ao STJ. O Ministro Vidigal disse, na decisão, que existe entendimento no STJ “de que o não conhecimento de um pedido ou sua postergação injustificada, sendo omissão, configura denegação, o que por si só atrai a nossa competência para conhecer”. “É o caso aqui. O Desembargador Relator, mesmo tendo em mãos cópia do inteiro teor do processo do primeiro grau, portanto, com todos os elementos da convicção do juiz apontado como autoridade coatora, ainda assim, deixando de examinar o pedido de liminar, deu prazo de dez dias para as informações”, diz o Ministro, que acentuou: “Na prática, inviabilizou a prestação jurisdicional mediante o ‘habeas corpus’, que constitui providência urgente, de rito sumário, direito constitucional individual do cidadão. A informação comprovada de que, com muita sorte, o jornalista que está preso só poderá ter o seu pedido de soltura apreciado por volta do fim do mês de novembro diz mais que qualquer outro argumento”. O presente texto reproduz, com adaptações, aquele divulgado em seu site pelo Superior Tribunal de Justiça, elaborado por Roberto Cordeiro, da Assessoria de Comunicação Social do STJ. Os intertítulos são da Redação do Jornal da ABI. É também do Jornal da ABI o título que precede a transcrição integral da Decisão do Ministro Edson Vidigal.
“PRENDER JORNALISTAS CONFIGURA VIOLAÇÃO AO DIREITO À INFORMAÇÃO” A íntegra da decisão do Ministro Edson Vidigal: HABEAS CORPUS Nº 49.517 - PI (2005/0183881-3) I M P ETR ANTE : THYAGO RIBEIRO SOARES TRANTE I M P E T R ADO: DESEMBARGADOR RELATOR DO HC NR 05002559-7 DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PIAUÍ PACI ENTE: JOSÉ ARIMATÉIA DE AZEVEDO CIENTE: DECISÃO Vistos, etc. O Juiz José Bonifácio Júnior, da 6ª Vara Criminal de Teresina, PI, decretou a prisão preventiva do Jornalista José de Arimatéia Azevedo. E ainda mandou fechar o seu “Portal AZ”. O Jornalista está preso sob a acusação de crime de imprensa, (Lei nº 5.250/67, Arts. 21 - difamação e 22 – injúria). A outra acusação é coação no curso do processo (CP, Art. 344). Matérias veiculadas no portal, numa seção de humor, assinada por Chico Pitomba, espécie de Macaco Simão, da Folha de S.Paulo, referiam-se “às peripécias de uma fogosa advogada na Bahia” . Em outros comentários, Pitomba deslizou e escreveu – “Incrível, gente, como a bonita advogada Audrey Magalhães está se especializando em ser advogada contra o chefinho. Obsessão pura”. O chefinho, no caso, é o Jornalista Arimatéia Azevedo, dono do portal e agora preso. A advogada, realmente, patrocina ações
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judiciais contra o dono e editor do “AZ”. Daí para isso tudo virar querela na Justiça é cabível no Estado de Direito Democrático. Houve tempo no Nordeste em que jornalista era obrigado a engolir, literalmente, o que escrevia. Agora, não. Na democracia, eventuais abusos hão que ser resolvidos na Justiça, observados rigorosamente o devido processo legal, o amplo direito de defesa, o contraditório, a presunção da inocência. O humorismo de Pitomba no portal de Arimatéia logo se ectoplasmou, também, no crime do Código Penal, Art. 344 – coação no curso do processo. CP, Art.344 - “Usar de violência ou grave ameaça, com o fim de favorecer interesse próprio ou alheio contra a autoridade, parte, ou qualquer outra pessoa que funciona ou é chamada a intervir em processo judicial, policial ou administrativo, ou em juízo arbitral. Pena – reclusão de um a quatro anos e multa de dois a dez mil cruzeiros, além de pena correspondente à violência”. Ao fundamentar seu decreto mandando prender o Jornalista, escreveu o Juiz: “Trata-se a toda evidência de delitos, em tese, de imprensa (Arts. 21 e 22) em concurso formal com o delito do Art. 344 do CP – coação no curso do processo, como se infere do seguinte julgado: “Para a plena caracterização do delito previsto no Art.344 do CP, é indispensável que o agente tenha a intenção de favorecer
interesse próprio ou alheio em processo”. (Ap Crim – Quarta Câmara Criminal. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul – Rel. Constantino Lisboa de Azevedo. Julgamento em 01.09.2005) No caso em apreço, o Sr Arimatéia Azevedo é parte querelada (ré) em Queixa Crime, que lhe promove o Jornalista Rivanido Feitosa, cuja advogada é a Dra. Audrey Martins Magalhães, por conseqüência, caracteriza-se o delito, pelo menos em tese, do interesse do ora querelado Arimatéia Azevedo em favorecer interesse próprio. (...) É certo que o ordenamento pátrio consagrou o direito de liberdade de expressão e comunicação (Art.5º, IX da CF/88) mas tal prerrogativa deve ser cotejada com o resguardo da vida privada, observado o princípio da proporcionalidade entre as normas constitucionais. Ainda que se considere reconhecido o direito à divulgação dos fatos que são considerados públicos, da vida externa da pessoa humana, essa divulgação deve observar os limites da vida privada do indivíduo, sem o que a paz social é impossível. Dessa forma, os direitos individuais não podem ser exercidos de forma absoluta e ilimitada, na medida em que a sua prática danosa à ordem pública ou ao direito alheio a preservação da intimidade, notadamente de uma mulher, pode e deve ser considerada ilícita.
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“A imprensa livre é essencial, até para os excessos” Assim, o requerido Arimatéia Azevedo, na qualidade de editor do “Portal AZ”, ao publicar a notícia supra na internet (um tópico de seis linhas sob o título “Derrubadona”, na coluna de Chico Pitomba, digo eu), ao alcance do grande público, nos termos em que foi posta, evidentemente, provocou desnecessária e violenta agressão moral irreparável, a ora querelante e ofendida, demonstrando por outro lado, o querelado, conforme os indícios acostados extraídos da internet, que o seu objetivo era atingir a imagem da querelante/vítima, seja como mulher, seja como advogada no desempenho do seu mister. Por essas razões e pela periculosidade ostentada pelo agente, no uso do “Portal AZ”, que demonstra o nexo entre a notícia incriminada e o fato de ser ele réu em ação penal, nesta 6ª Vara Criminal, em que é advogada a querelante/vítima, caracterizado o crime denunciado de coação no curso do processo (Art. 344 do CP), punido com reclusão recomenda tal circunstância, a medida cautelar requerida pela Querelante e pela Representante do Ministério Público, com o objetivo de manter a ordem pública e a paz social, abaladas pela notícia degradante. Havendo assim a prova material do crime pelos documentos de fls. 64/71 (cópias dos textos veiculados, digo eu) e indícios suficientes da autoria do delito do Art. 344 do CP c/c os Arts. 21 e 22 da Lei nº 5.250/67 (lei da ditadura, lembro eu), e tratando-se de competência deste Juízo, delineada pelos Arts. 76, III e 83 do CPP, acolho as alegações da Querelante e Requerimento do Ministério Público, para decretar a prisão preventiva de José de Arimateia Azevedo, nos termos dos Arts. 311, 312 e 313, I do CPP. Decreto, ainda, o trancamento do “Portal AZ” a requerimento da ofendida, respaldado pelo Ministério Público, até posterior deliberação, bem como, determinar a proibição da veiculação do nome da Querelante ou qualquer nota que a identifique”. E com estes fundamentos, o Jornalista está preso há três dias. O pedido de “habeas corpus”, providenciado junto ao Tribunal de Justiça do Piauí, distribuído um dia depois, ainda não foi apreciado porque o Relator, Desembargador Luis Fortes do Rego, pediu informações no prazo de dez dias, “não obstante já estar o mesmo instruído com as razões das quais valeu-se o juiz de 1ª instância para decidir”, registra a defesa. Daí este “habeas corpus” aqui, no Superior Tribunal de Justiça, com pedido de liminar. O pedido de informações, sustenta a defesa, tornou: “(...) totalmente inócuo um agravo regimental, porquanto o Tribunal não funcionará nos dias 31, 01 e 02 de novembro próximos, ou seja, o julgamento de eventual agravo regimental apenas poderia acontecer no dia 08 de novembro, data da próxima sessão, e caso possível adentrar em pauta. Não julgado naquele dia, o que não se revela improvável, apenas aos 22 dias do mês de novembro haverá novel oportunidade, vez que o dia 15 é, notoriamente, feriado nacional. Mesmo ciente de tais percalços o e. Desembargador relator negou-se a decidir acerca do pleito liminar. Vê-se, portanto, através dos fatos, que se engendra um abuso sem precedentes contra o paciente, o qual já está durante todo este iter processual preso e, mesmo sem o desembargador relator ciente da flagrante ofensa ao direito fundamental ora ventilado, permanece a patrocinar a medida restritiva da liberdade, que se deu sob o fundamento cautelar e nem ao menos acurado olhar poderia subsistir”. A petição aqui sob meu exame argumenta que o ato omissivo do Desembargador Relator, não apreciando o pedido de liminar, não obstante as notórias dificuldades para o julgamento, em tempo razoável, do mérito da impetração, há que ser considerado como indeferitório, de modo a justificar a intervenção do Superior Tribunal de Justiça. O óbice do entendimento firmado no STJ, segundo o qual não cabe liminar em “habeas corpus” contra despacho indeferitório de liminar, estaria superado pelo Supremo Tribunal Federal, que também editou súmula no mesmo sentido e, no entanto, a harmonizou com mandamentos constitucionais que não admitem flagrante ilegalidade. O decreto de prisão preventiva, aqui atacado, não se sustenta, no entender da defesa, porque: “(...) 1. carece de qualquer fundamentação acerca da necessidade da cautelaridade exarada, 2. inexiste, ainda, qualquer possibilidade de prejuízo à instrução processual, 3. não houve indício de prova de que tenha sido o paciente, sequer, o autor do fato; 4. o fato imputado é atípico e, 5. ainda, caso crime houvesse (o que se admite apenas no resguardo argumentativo), carece o delito, mesmo em tese, de potencialidade lesiva, vez que cominação de pena mínima é de apenas 1 (um) ano, sendo, pois, desarrazoada, desproporcional, ilegal e abusiva a subsistência da vertente ordem de prisão preventiva”. Ademais, acrescenta, nem há indício de autoria, até porque os textos incriminados não foram escritos pelo dono e editor do portal e, sim, alguns enviados por leitores e outros de colaboradores do site (sendo um deles, digo eu, o Chico Pitomba). Aduz, ainda, a inicial:
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“O que nos causa estranheza, entretanto, é que, mesmo ciente de tal fato, limitou-se o Ministério Público, ao realizar sua denúncia, a determinar a prisão de editor chefe do portal, sem realizar qualquer sorte de investigações a fim de identificar os reais agressores e, ainda, fundado na falsa perspectiva de que a responsabilidade por crimes de imprensa fossem, sempre, do editor chefe. A verdade é que a RESPONSABILIDADE PENAL nestes delitos deve ser apurada na forma do Capítulo V, Seção I, da Lei de Imprensa, onde a mesma declina: ‘Art. 37. São responsáveis pelos crimes cometidos através da imprensa e das emissoras de radiofusão, SUCESSIVAMENTE: I – o autor do escrito ou transmissão incriminada, sendo pessoa idônea e residente no País, salvo tratando-se de reprodução feita sem o seu consentimento, caso em que responderá como seu autor quem a tiver reproduzido; ’Ora, o autor não é o Sr. Arimatéia Azevedo, que é inclusive colunista político. Noutra face, se até agora não se identificou o real autor das notas, não foi por outro motivo que não a omissão do próprio órgão ministerial em solicitar a realização das investigações pertinentes e limitando-se, de modo abusivo, a requerer a prisão do ora paciente, em franco desacordo com a disciplina legal. Ademais, absurda se faz a prisão cautelar do paciente ante as vedações expostas na própria Lei de Imprensa, art. 66: ‘Art. 66. O jornalista profissional não poderá ser detido nem recolhido preso antes da sentença transitada em julgado; em qualquer caso, somente em sala decente, arejada e onde encontre todas as comodidades. Parágrafo único. A pena de prisão de jornalista será cumprida em estabelecimento distinto dos que são destinados a réus de crimes comum e sem sujeição a qualquer regime penitenciário ou carcerário’. Mais uma vez – continua a defesa – revela-se claro o engendramento de uma situação que, não se sabe por qual fundamento, e ao constante arrepio legal, tem por escopo único levar à prisão um jornalista político, que não oferece qualquer sorte de lesividade ou ofensividade a que a esfera seja do meio social. Em verdade, a denúncia de coação processual é parte de uma armadilha que visa escapar a questão do foco que deveras existe, ou seja, a existência em tese de delito de imprensa. É isto que se julga e é isto que motivou toda queixa e decisão. A prisão do jornalista por coação e, bem assim, a determinação de lacrar-se o portal de notícias é totalmente desproporcional, casuística e em hipótese alguma contempla a luta por valores maiores que não os refletidos nos crimes de imprensa. Busca, então, o nobre órgão ministerial afastar-se da delituosidade vinculada a atividade de imprensa, que em tese pode existir e através da qual não se permitiria, juridicamente, a execução da coação ilegal que se perpetra e, a par disto, fundamenta-se, forçosamente, a existência de coação no curso de um processo que, inclusive, já está instruído, ou seja, inexiste razão por completa para a decisão segregativa (...)” Decompondo o dispositivo do Código Penal, Art. 344 (coação no curso do processo), a defesa lembra que o mencionado dispositivo tem como tipo objetivo as condutas de usar “violência ou grave ameaça”. Relata, também, que: “A violência, frise-se, deve ser física, como bem assinala o Prof. Damásio, Curso de Direito Penal, 4.vol.10ª ed., p.280) ao discorrer sobre o tema: ‘trata-se de violência física, exercida contra pessoa’ Já a grave ameaça é consubstanciada na promessa de causar mal futuro, serio e verossímil, requisitos que em nenhum momento restaram evidenciados, inclusive pela narrativa da própria representante. (...) Simples notas de fofocas não têm o condão de infligir a pecha de grave ameaça. Noutro flanco, inexiste um mal futuro a ser suportado eventualmente pela queixosa.” Depois de rebater a invocação dos requisitos do CPP, Art.312, para a prisão preventiva, sustentando sua inaplicabilidade ao caso, a defesa pede, ao final, concessão da liminar para reformar a decisão e, in continenti, determine-se a expedição de alvará de soltura, revogando o mandado de prisão preventivo expedido em desfavor do ora paciente, José Arimatéia de Azevedo; seja ouvida a autoridade coatora; seja ouvido o representante do Ministério Público; seja, ao final, confirmada a ordem para, em definitivo, determinar-se a ilegalidade do mandado de prisão expedido, julgando-se procedente a presente ordem de “habeas corpus” e, ainda, determinando-se o trancamento da ação penal onde se apura o alegado crime de coação no curso do processo. DECIDO. Há entendimento reiterado neste Superior Tribunal de Justiça de que o não conhecimento de um pedido ou sua postergação injustificada, sendo omissão, configura denegação, o que por si atrai a nossa competência para conhecer. Nesse sentido: HC
40.414-SP, Rel. Min. Paulo Medina, DJ de 03.02.05. É o caso aqui. O Desembargador Relator, mesmo tendo em mãos cópia do inteiro teor do processo do primeiro grau, portanto, com todos os elementos da convicção do juiz apontado como autoridade coatora, ainda assim, deixando de examinar o pedido de liminar, deu prazo de dez dias para as informações. Na prática, inviabilizou a prestação jurisdicional mediante o “habeas corpus”, que constitui providência urgente, de rito sumário, direito constitucional individual do cidadão. A informação comprovada de que, com muita sorte, o Jornalista que está preso só poderá ter o seu pedido de soltura apreciado por volta do fim do mês de novembro diz mais que qualquer outro argumento. A Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal afirma não competir àquela Corte “conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão de relator que, em habeas corpus requerido a tribunal superior, indefere liminar”. Esta Corte também partilha do mesmo entendimento, ressalvando a possibilidade de impetração de “habeas corpus” em casos tais somente na hipótese de flagrante ilegalidade ou de decisão teratológica. A propósito: “PROCESSO CIVIL - HABEAS CORPUS - LIMINAR - ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA - BUSCA E APREENSÃO DE AUTOMÓVEL - CONVERSÃO EM DEPÓSITO - PRISÃO CIVIL - WRIT CONTRA ATO DE DESEMBARGADOR - CABIMENTO - CONCESSÃO DA ORDEM. 1 - Quando manifesta a ilegalidade da decisão, tem-se admitido o processamento do writ contra decisão liminar de relator em habeas corpus anterior, evitando, destarte, a ocorrência ou manutenção da coação ilegal (v.g. HC 35.221/GO, Rel. Ministro CESAR ASFOR ROCHA, DJ 25.10.2004; HC 13.878/DF, Rel. Ministro CARLOS ALBERTO MENEZES DIREITO, DJ 11.12.2000; HC 15.782/MA, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, DJU de 23.04.2001). (...)” (HC 38125, Rel Min. Jorge Scartezzini, DJ de 25.05.05). Recentemente, inclusive, esclareceu a Eg. Corte, sob a relatoria do Ministro Carlos Veloso, no HC 86.864-9 São Paulo, que “o Enunciado 691 não impede o conhecimento do habeas corpus, se evidenciado flagrante constrangimento ilegal”. Não há, prima facie, a menor dúvida, de que estamos aqui diante de um manifesto constrangimento ilegal. Na democracia, não se prende um jornalista pelo que escreve ou pelo que fala. A força, qualquer que seja, tem que obedecer à idéia. A imprensa livre é essencial para a democracia, ainda que livre demais, até para os excessos. A Constituição da República ordena o que fazer nessas situações – direito de resposta proporcional à ofensa, direito à indenização por dano moral, afora as outras sanções previstas na lei penal. Prender jornalistas; censurar redações; apreender jornais, livros, revistas; tirar rádios do ar, portais ou televisões só configura violação ao direito da sociedade à informação. A sociedade tem o direito de ser bem informada. Se essa informação não é de boa qualidade a própria sociedade a rejeita, a recusa, a condena. A nenhuma autoridade é permitido interpretar a lei a seu modo para constranger o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações que a lei estabelecer. Dois comandos constitucionais chamam aqui a atenção diante deste caso: “CF, Art. 5º. LXVI - Ninguém será levado à prisão ou nela mantido quando a lei admitir a liberdade provisória com ou sem fiança. LXI – Ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada a autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar.” A liberdade é a regra no Estado de Direito Democrático; a restrição à liberdade é exceção, que deve ser excepcionalíssima. O decreto de prisão preventiva deve ser devidamente motivado, surgindo como resultado da análise de fatos concretos. É imprescindível que se demonstre, através de elementos objetivos, o periculum libertatis, ou seja, tem que restar claro que a liberdade do réu poderá causar grandes danos à paz social, à instrução criminal ou à realização da norma repressiva. Padece de razoabilidade a decisão que impõe o sacrifício da liberdade individual com base em referência genérica aos pressupostos determinados no dispositivo procedimental. Assim, presentes os pressupostos ensejadores da medida liminar pleiteada e, consoante o entendimento recente da Excelsa Corte, defiro o pedido liminar e suspendo em seu inteiro teor a Decisão ora atacada, da lavra do Dr. Juiz da 6ª Vara Criminal de Teresina, PI. Determino a imediata expedição do alvará de soltura em favor do ora paciente, José Arimatéia de Azevedo. Publique-se. Intime-se. Brasília, 29 de outubro de 2005. MINISTRO EDSON VIDIGAL Presidente
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Jornal da ABI CONFISSÕES por Gil Campos ~ fotos Alexandre de Paulo
ENTREVISTA EXCLUSIVA COM O ARCEBISPO EMÉRITO DE SÃO PAULO
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m 1934, aos 13 anos, Dom Paulo Evaristo Arns teve o seu primeiro artigo pu blicado no jornal Juventude Seráfica, do Seminário Menor dos Franciscanos, em Rio Negro (PR). Naquele ano, assumiu o cargo de redator-chefe da publicação. “Sabe quantos números saíram no primeiro ano? Um”, contou sorrindo o Cardeal e Arcebispo Emérito de São Paulo, ao relembrar seu primeiro contato com o vírus do jornalismo, que o contagia até hoje, aos 84 anos. Dom Paulo não sai de casa, na Zona Norte de São Paulo, para nenhum compromisso sem a sua carteira da ABI (número 0309, matrícula 0839), assinada por Barbosa Lima Sobrinho. “Em qualquer lugar onde eu vou, a carteira da ABI vale mais às vezes do que a própria identificação”, disse empunhando o documento, que lhe confere isenção das mensalidades – ele recebeu o título de Remido Honra ao Mérito da ABI, em setembro de 1994. Aliás, o primeiro contato de d. Paulo com a ABI aconteceu no final da década de 1950, quando ele era professor de Didática Geral da Faculdade de Filosofia de Petrópolis. Para poder dirigir algumas revis-
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tas no Rio de Janeiro, Dom Paulo procurou a ABI, esperou algumas horas, e saiu com o documento sem o seu nome de batismo – Paulo, mas com o nome religioso – Frei Evaristo Arns. Ainda em Petrópolis, ele conseguiu o registro de “jornalista nãoprofissional” na 14ª Delegacia Regional do Trabalho. E não mais parou de atuar junto à imprensa. Seu envolvimento com a profissão foi tamanho que, pouco mais de uma década depois, Dom Paulo, já como Arcebispo de São Paulo, se tornou o “anjo da guarda da imprensa” durante o regime militar; definição de que, humildemente, discorda. “Eu me defino quase como um protegido da imprensa brasileira, porque os jornalistas, todos, com exceção de um ou dois do Estadão [jornal O Estado de S. Paulo], eram meus amigos”, afirmou. No período sombrio vivido pelo País, igrejas e conventos em São Paulo foram transformados pelo religioso em abrigos para os jornalistas. Muitos deles, tão logo terminavam o expediente nas redações, corriam para perto do Arcebispo, que lhes dava apoio moral e espiritual. Dom Paulo era uma voz isolada contra a ditadura militar. Trinta anos
Trinta anos após transformar igrejas e conventos em abrigos para jornalistas perseguidos, Dom Paulo Evaristo Arns revela que teve medo de ser preso e torturado e relembra sua luta em defesa da imprensa. Ele não sai de casa sem a sua carteira da ABI.
depois, ele revela que sentia medo de ser preso e torturado. “A luta era meio solitária porque todo mundo tinha medo, inclusive eu. Eu sempre avisava quando saía de casa: Se, em tanto tempo, eu não telefonar, vocês telefonam pra lá (destino) perguntando se Dom Paulo chegou”. Mesmo temeroso, o arcebispo foi um dos protagonistas do primeiro grande protesto contra a ditadura desde a promulgação do AI-5, em 1968: o ato na Catedral da Sé seis dias após a morte sob tortura do jornalista Vladimir Herzog, o Vlado. No dia 31 de outubro de 1975, 8 mil pessoas protestaram contra o assassinato, ocasião em que Dom Paulo clamou por justiça em sua homilia. De saúde frágil, principalmente depois do infarto que sofreu em março, o lúcido Dom Paulo continua cumprindo seu papel de sarcedote, de jornalista e de grande homem público: celebra missas, escreve artigos, concede entrevistas, lê quatro jornais por dia, atende de pessoas mais humildes a personalidades políticas todas às quintas-feiras no Convento São Francisco, no Largo São Francisco, Centro de São Paulo, e ainda pretende visitar a ABI, onde esteve pela última vez no século passado.
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Dom Paulo foi à missa de Vlado decidido a dar a vida pelo povo
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ACERVO ICONOGRAPHIA - CORTESIA CIA DA MEMÓRIA
“Se ele, judeu, morreu; eu, cristão, posso morrer da mesma maneira pelo povo”. Com este pensamento, o Arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, deixou a Cúria no dia 31 de outubro de 1975 para a missa pela alma do jornalista Vladimir Herzog, o Vlado, na Catedral da Sé, absolutamente decidido a dar a vida pelo povo. Isso, mesmo depois da visita de dois Secretários enviados pelo Governador Paulo Egídio Martins (1975-1979), com a missão de convencê-lo a não comparecer à cerimônia. A resposta do religioso foi repassada não só ao Governador, como ao Presidente Ernesto Geisel (1974-1978), que naquele dia estava na capital paulista: “Onde a ovelha está em perigo, o pastor não se furta de correr o mesmo perigo. Vou estar lá na catedral ao lado do povo”. Após receberem o recado, os enviados do Governo ainda tentaram amedrontar o Arcebispo: “Se houver um grito, será uma morte”. Dom Paulo reagiu: “Os jornalistas são muito mais espertos e muito mais humanitários que vocês. Eles têm em cada janela um fotógrafo, que vai documentar quem atirou, de maneira que, em qualquer lugar que vocês atirarem, vai ter um fotógrafo”. A missão de intimidar Dom Paulo foi um fracasso. “Eu fui pra lá [Catedral da Sé] absolutamente decidido a dar a vida pelo povo. Naquele momento, eu não tive um tremor ou qualquer coisa interior ou exterior”. Seis dias antes da missa, Dom Paulo esteve diante do caixão de Vlado, que ele conhecia apenas profissionalmente, como diretor de Jornalismo da TV Cultura. Ao chegar ao velório, no Hospital Albert Einstein, amigos o avisaram: “Olha, Dom Paulo, o senhor não pode fazer pronunciamento. Aqui, eles já avisaram que quem fizer pronunciamento será preso”. O Arcebispo respondeu que estava ali para rezar e abriu a Bíblia no Livro de Salmos. Ao se aproximar do caixão de Vlado, alguém lhe alertou: “Só pode ser em voz baixa, não pode ser em voz alta”. D. Paulo rezou quase murmurando, dois Salmos pela eternidade do jornalista, pela sua família e amigos – uns 50 estavam no velório. D. Paulo estava acompanhado de dois padres mineiros.
Paulo lê sua homilia no ato por Vlado, em outubro de 1975. À dir., o Rabino Sobel.
Texto da homilia feita pelo Cardeal Dom Paulo Evaristo Arns, no culto ecumênico na Catedral da Sé, em São Paulo, pelo jornalista Vladimir Herzog Estamos diante de Deus, único dono da vida, Senhor da História e esperança dos que n’Ele confiam. 1) De fato, Deus é o dono da vida. Ninguém toca impunemente no homem, que nasceu do coração de Deus, para ser fonte de amor em favor dos demais homens. Desde as primeiras páginas da Bíblia Sagrada até a última, Deus faz questão de comunicar constantemente aos homens que é maldito quem mancha suas mãos com o sangue de seu irmão. Nem as feras do Apocalipse hão de cantar vitórias diante de um Deus que confiou aos homens sua própria obra de amor. A liberdade – repito – a liberdade humana nos foi confiada como tarefa fundamental, para preservarmos, todos juntos, a vida do nosso irmão, pela qual somos responsáveis tanto individual quanto coletivamente. Jamais poderemos delegar poder algum que vá contra esta disposição de Deus e que vá contra nossa missão histórica. 2) Deus é também o Senhor da História. Ao longo de toda a experiência humana, incentivou Ele os homens a se unirem e a marcharem juntos para construir um mundo de paz, onde os pobres não fossem oprimidos e ninguém fosse opressor. As marchas da História, quando feitas para unir os homens em favor de todos, sempre tiveram um Deus que caminhasse à frente deles, como uma coluna de fogo durante as noites e como a coluna de defesa durante os dias. O Senhor da História não aceita a violência em fase alguma, como solução de conflitos. Prefere sacrificar o próprio Unigênito para que não morram os demais irmãos. No meio da caminhada, oferece-lhes o Decálogo, para os orientar. E no meio do Decálogo, aparece a ordem, como imperativo inarredável, princípio uni-
versal, indiscutível: Não matarás. Quem matar se entregará a si próprio nas mãos do Senhor da História e não será apenas maldito na memória dos homens, mas também no julgamento de Deus. 3) Nosso Deus é um Deus de esperança. Acontece facilmente que esquecemos o nosso Deus, quando achamos que sozinhos resolvemos os problemas. Mas Ele está aí, na hora do caos, na hora da desesperança, nos acontecimentos sem saída. Ele se apresenta como Deus da esperança e da salvação, volta a apontarnos o caminho da justiça, a caminhada da solidariedade nas sendas da paz. Justiça que respeite a todos e não prejudique a ninguém. Justiça que não exclua o perdão, se este for o adubo de uma justiça maior. Justiça que possa consubstanciar-se nas leis, mas que tenha sua força no interior de cada homem, disposto a dizer a si mesmo e aos outros: Basta! É hora de se unirem os que ainda querem olhar para os olhos do irmão e ainda querem ser dignos da luz que desvenda a falsidade. A esperança reside na solidariedade. Aquela solidariedade que é capaz de sacrificar os egoísmos individuais e grupais no altar de uma Pátria, no altar de um Estado, no altar de uma cidade. Nesse momento, o Deus da esperança nos conclama para a solidariedade e para a luta pacífica, mas persistente, crescente, corajosa, em favor de uma geração que terá como símbolos os filhos de Vladimir Herzog, sua esposa e sua mãe. O Deus da vida, o Deus da História e o Deus da esperança coloca em nossas mãos a missão, exigente mas pacífica, oposta a qualquer arbitrariedade e a qualquer violência, no que temos em nós de divino e de mais humano., Construamos a Paz, na Justiça e na Verdade.
Um ritual dos domingos, no Jaçanã No dia em que o Brasil decidiu manter o comércio de armas de fogo, Dom Paulo Evaristo Arns chegou de táxi à pequena Capela de São José, das dependências do Hospital Geriátrico e de Convalescentes D. Pedro, no Jaçanã, Zona Norte de São Paulo, às 7h50min. Todos os domingos, desde 1998, quando o hospital, mantido pela Irmandade da Santa Casa, ainda era conhecido como “Asilo do Jaçanã”, ele celebra missa no bairro, que se tornou nacionalmente conhecido quando Adoniram Barbosa, em 1964, fez a música de maior sucesso do Carnaval do Rio em 1965, Trem das Onze (“.../ Moro em Jaçanã/ Se eu perder esse trem/ Que sai agora/ Às onze horas/ Só amanhã de manhã/...) Os fiéis o recebem de pé e são cumprimentados um a um. Dom Paulo se ajoelha diante do altar, de costas para a entrada da capela, e faz uma rápida oração. Veste a batina e inicia a celebração, pontualmente, às 8h, acompanhado de um coro de 11 vozes, sendo quatro masculinas. Ele dedica à missa daquela manhã ao jornalista “Vlado Herzog, morto pela repressão” e pede a Deus iluminação a todos para votarem direito “no que for melhor para o Brasil”. Sempre falando na verdade e justiça, aumenta a voz: “Rezemos pelo Brasil para que diminua a violência e aumente a solidariedade”. Exorta os fiéis a repetirem em voz alta: “Nós amamos o Brasil e a todos os que moram no Brasil”. Na homilia, clama para que acabem “as lutas nos campos de futebol” e para que “a gripe aviária não chegue ao Brasil”. Nesse instante, diante do altar, vários pacientes do hospital, em suas cadeiras de rodas, acompanham com olhar fixo o gesto quase teatral de Dom Paulo. Às 9h, ele pede a Deus que guie em paz os fiéis para seus lares. Enquanto tira a batina numa sala ao lado do altar, um grupo de fiéis o aguardava para beijar-lhe a mão e pedir-lhe bênção. O Cardeal e Arcebispo Emérito atende a todos pacientemente, brinca com alguns internos e deixa a capela às 9h15min para votar “sim” no referendo e descansar, pois no final da tarde iria participar de um grande ato ecumênico pela alma de Vladimir Herzog, como há 30 anos.
É sempre assim nas missas em Jaçanã: fiéis recobrem Dom Paulo com carinho.
Setembro/Outubro de 2005
Jornal da ABI Na época da ditadura, consta que o senhor abrigou muitos jornalistas perseguidos pelo regime na Arquidiocese de São Paulo. O senhor lembra de algum caso especial? D. Paulo – Em um certo momento, a revolução prendia a todos por “arrastão”, que era o termo oficial deles. Quer dizer, eles prendiam 70, 80, e só então escolhiam aqueles que achavam ter mais informações de esquerda. Eles costumavam prender em maior número na sexta-feira à tarde e sábado pela manhã, porque as autoridades estavam fora da cidade e, assim, ninguém podia recorrer a uma autoridade para ser solto logo.
A ABI e o senhor tiveram participação decisiva na luta pela democracia no País. Quais são as melhores lembranças que o senhor tem daqueles piores dias vividos pelo Brasil? D. Paulo – As melhores lembranças são, sem dúvida, a união dos jornalistas e a participação de muitos deles na redemocratização do Brasil. Eu tinha todos os dias na Cúria, ao menos, meia dúzia ou uma dúzia de jornalistas, que no fim do expediente me sugeriam as coisas interessantes a dizer para o público ou através da imprensa. Naqueles dias de terror, o senhor se transformou no “anjo da guarda” de muitos jornalistas. Como surgiram essa confiança e o estreito laço entre o senhor e a imprensa? D. Paulo – Esse laço de confiança vem de longe. Eu sou da ABI muito antes de ser bispo. Eu era professor de Teologia em Petrópolis, Rio de Janeiro, e, então, eu pedi a carteira da ABI para poder dirigir algumas das revistas; eram muitas em Petrópolis. Eu dirigi, por exemplo, o Grande Sinal, o CIC (Comunicação Internacional Cristã) e uma série de outras. Então, eu tive a carteira, que levo sempre comigo desde aquele tempo, porque em qualquer lugar onde eu vou a carteira da ABI vale mais às vezes do que a própria identificação. Então, seu contato com a ABI é mesmo de muito tempo, pois o senhor foi ordenado bispo em 1966. D. Paulo – Muito antes de ser bispo, só que meu nome era Frei Evaristo Arns, em vez de Paulo, que é meu nome de batismo; Evaristo é meu nome religioso. O interessante é que fui isento [do pagamento das mensalidades da ABI] pelo próprio Barbosa Lima Sobrinho numa sessão no final da vida dele, porque eu paguei por mais de 30 anos a cota de colaboração para a ABI. O senhor era muito amigo do jornalista Barbosa Lima Sobrinho? D. Paulo – Eu propriamente não posso dizer que nós éramos muito amigos. Éramos admiradores um do outro, mas eu era mais admirador dele. Um dia, ele pediu licença para me visitar e veio a São Paulo com a esposa à minha casa, passando a tarde comigo. Isso foi em 1977, no dia em que eu ganhei o título de Cidadão de São Paulo, quando Barbosa então fez um pequeno discurso na cerimônia. A carteira da ABI assinada por Barbosa Lima Sobrinho foi entregue em mãos? D. Paulo – Sim. Esta minha carteira foi após uma conferência para qual ele me convidou, no Rio de Janeiro. Eu proferi a conferência e, ao final, houve uma pequena sessão, e dentro dessa sessão, ele, com aquela simplicidade, me entregou a carteira isento de qualquer colaboração ou contribuição.
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“No momento, a imprensa é o primeiro poder” O Cardeal e Arcebispo Emérito de brilharam e o tom de voz ficou mais São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns, forte. “A finalidade do jornalismo é diaguardava o momento desta entrevista, fundir a verdade, sem deturpá-la e sem no dia 27 de outubro, em uma pequena comentá-la. A imprensa não só é o quarsala na entrada da clausura do Convento poder, mas no momento é o primeito de São Francisco, no Centro, onde ro poder”, disse, levantando as mãos. morou durante muitos anos de sua moAinda sobre o tema, se mostrou concidade. Passavam dez minutos das 15h. trário à obrigatoriedade do diploma para A primeira coisa o exercício da profisque fez foi tirar do são: “Sou a favor do bolso a carteira da melhor escritor, e da ABI e mostrar, no domais verdadeira narcumento, a assinaturação e análise dos ra de Barbosa Lima fatos na formação do Sobrinho. Disse que leitor, porque o jorquem fosse fazer as nalista é que forma o perguntas ficasse leitor. Eu fui formabem próximo dele. do pelos jornalistas”, “Não estou escutanacrescentou. do muito bem”, afirNesta entrevista, mou bem-humorado. Dom Paulo contou o Aos 84 anos, episódio em que leDom Paulo, o “anjo vou para uma fazenda guarda dos jornada jornalistas brasilistas”, está mais lúleiros e estrangeiros, cido que nunca. Bem contrários à revoluinformado, lê, todos ção; relembrou seus os dias, quatro jorprimeiros contatos nais – pela ordem, Focom a ABI; avaliou a lha de S. Paulo, Estaimprensa brasileira dão, Diário de S. Pauna atualidade e, no Dom Paulo orgulha-se de sua carteira lo e o Agora São Paulo. final, brincou com o de sócio da ABI, assinada no verso por Barbosa Lima Sobrinho. Lê, também, semarepórter-fotográfico nalmente, a revista Alexandre de Paulo: francesa La Vie, e acompanha, atenta“Se alguma foto tiver ficado boa, você mente, o noticiário na tevê. me mande, pois até agora ninguém tiAo falar de jornalismo, seus olhos rou uma foto decente minha”.
Prendiam para depois fazer a seleção? D. Paulo – Exatamente, prendiam para depois fazer a seleção. Mas torturavam a todos. Eu soube disso e fui protestar veementemente e para todos os jornalistas que não tinham sido presos eu procurei um lugar para ficarem. Dentro dos conventos pusemos alguns; até dentro de conventos de irmãs, que ficavam em locais mais resguardados. Houve casos de jornalistas terem de usar o hábito para escaparem das perseguições? D. Paulo – Nós não fizemos isso porque era muito perigoso, pois depois do Concílio nós mesmos não usamos hábito; se alguém usasse o hábito, a Polícia poderia suspeitar. No caso do jornalista Vladimir Herzog, o senhor tinha contatos com Vlado antes de sua prisão, tortura e morte? D. Paulo – O Vlado era um dos chefes da Televisão Cultura e eu era convidado muitas vezes a falar [em programas], até fui um dos sócios-fundadores da emissora. E o Vlado, evidentemente, nos recebia. Mas nunca chegamos à intimidade e a conversar, nem mesmo sobre a revolução. De maneira que, quando ele foi morto, eu conhecia o nome dele e conhecia a fama dele, e sabia da gravidade do caso. Agora, eu não pude dizer: “Sou amigo dele e tenho obrigação de defendê-lo”. Eu o defendi como defendi a todo comunista e a toda pessoa que veio me pedir auxílio. Trinta anos depois da morte de Vlado, qual lição que a imprensa brasileira deve tirar deste caso? D. Paulo – A imprensa brasileira tem razão de lembrar a vida do Vlado, porque ele era um homem muito capaz, muito honesto e muito simples, transparente. Qual era a sua função na Editora Abril no final da década de 1960? D. Paulo – Eu nunca tive função na Editora Abril. Eu fui nomeado como responsável pela evangelização ou, digamos, pelo trabalho missionário em São Paulo. Eu visitava toda a imprensa, a Folha, o Estadão, ia para a Editora Abril e diversos õrgãos.
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Jornal da ABI
A HISTÓRIA DE
VLADO PARA AS NOVAS GERAÇÕES
Além desse papel de dar apoio moral e espiritual aos jornalistas, o senhor não tinha a função de observar o que ia sair no outro dia para evitar uma repressão contra o jornal? D. Paulo – Nunca fui encarregado disso.
podia ter feito ou fiz de errado. Assim, passamos uma tarde inteira no interior de uma fazenda, que eu não sei onde fica, porque andamos por tantos caminhos para que ninguém guardasse o lugar onde estivemos.
O senhor teve algum tipo de ingerência direta no jornal da Arquidiocese, O São Paulo (fundado em 1956)? D. Paulo – Eu era encarregado de tudo que saísse no jornal O São Paulo. Eu figurava como diretor, nos anos de 68, 69 e 70. Naquele tempo, eu já era indicado como diretor, junto com Dom Lafaiete, que era o vigário-geral. Eu era depois dele.
Qual foi o resultado prático dessa conversa? D. Paulo – Foi a confiança mútua entre mim e eles. Observei que muitas vezes os jornalistas estrangeiros sabiam mais coisas que os jornalistas brasileiros.
O São Paulo tinha alguma linha editorial comunista, além da linha cristã? D. Paulo – Não tinha absolutamente nenhuma ideologia. O Cardeal [Dom Agnello] Rossi era anticomunista confesso e conhecido em toda a cidade. Como o senhor define o seu papel diante da imprensa nos últimos 30 anos? D. Paulo – Quando eu assumi como arcebispo, nomeei D. Lucas Moreira Neves como meu representante junto aos jornalistas. Ele reunia todas as semanas um pequeno grupo, e todo mês fazia um grande grupo comigo. Discutiamos os problemas do dia-a-dia, não ideológicos. Agora, houve uma só vez em que eu levei os jornalistas para uma fazenda no interior. Só levamos jornalistas que eram contra a revolução, os que combatiam a revolução, tanto jornalistas estrangeiros como brasileiros. Quando chegamos ao lugar, eu pedi que todos desligassem os aparelhos para que nós pudéssemos falar livremente, cada qual dizendo aquilo que pensava. Era jornalista dizendo para mim aquilo que eu
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O senhor chegou a convencer algum jornalista de que a revolução era justa? D. Paulo – Não discutimos ideologia, discutimos justiça para todo mundo, para os pobres, para os operários etc, mas não discutimos comunismo, capitalismo ou qualquer coisa assim. Então, o senhor se define como o “anjo de guarda” dos jornalistas brasileiros? D. Paulo – Não, não. Eu me defino quase como protegido da imprensa brasileira, porque os jornalistas, todos, sem exceção, ou com exceção de um ou dois do Estadão, eram meus amigos. Como o senhor avalia hoje a atuação da imprensa brasileira? D. Paulo – Avalio como sendo muito importante e, talvez, até decisiva. No momento de crise do Governo Lula, do “mensalão” e outras denúncias, o senhor acha que a imprensa está atuando com isenção? D. Paulo – A imprensa não tem outra intenção a não ser a de informar o máximo possível, e até agora poucas vezes ela foi desmentida, porque realmente foi ela que trouxe os fatos mais importantes à luz do dia.
ACERVO ICONOGRAPHIA - CORTESIA CIA DA MEMÓRIA
“Eu o defendi como defendi a todo comunista e a toda pessoa que veio me pedir auxílio.”
Secretarias de Educação do Rio e São Paulo distribuem para os alunos do ensino oficial folheto com a biografia de Vladimir Herzog, jornalista morto numa prisão militar em 1975.
A
Secretaria de Estado de Educação do Rio distribuiu entre os 150 mil alunos da rede pública de ensino médio um folheto com uma biografia do jornalista Vladimir Herzog, cujo assassinato no Doi-Codi de São Paulo completou 30 anos em 25 de ouUm mês antes de morrer, Vlado exibia sua face serena, como nesta foto para o seu passaporte. tubro. O Prefeito de São Paulo, José Serra, também mandou imprimir o texto e determinou a morte coloca — para todos nós, mais sua distribuição entre os alunos da jovens ou mais velhos — o dever perquinta à oitava séries da rede pública manente de defender as liberdades demunicipal. O texto do folheto foi elamocráticas. borado pelo jornalista Milton Coelho Do ponto de vista pedagógico, o aluda Graça, membro do Conselho no aprenderá através da interatividade Deliberativo da ABI. em sala de aula e o projeto visa a No texto de abertura do folheto, estimulá-lo a trabalhar em grupo e a intitulado Uma visão da História para socializar informações coletadas. Os jovens, Cláudio Mendonça, Secretário orientadores serão os professores da de Estado de Educação, e Ricardo Bruárea de Ciências Humanas — História no, Secretário de Estado de Comunicae Geografia — que procurarão integráção, explicam aos alunos por que resollos bem como suas comunidades ao veram lançar o projeto Série Cartilhas processo histórico brasileiro, neles deContemporâneas e escolheram iniciásenvolvendo as capacidades de análise la com a história de Vladimir Herzog. crítica e de identificação factual. NesSegundo Cláudio e Ricardo, histote processo, compete à escola valoririadores e jornalistas são cronistas da zar os profissionais do magistério nesmesma realidade e por isso ocorreusas áreas e, a estes, valorizar os alunos lhes a conveniência de produzir texatravés de suas pesquisas e produções. tos sobre a História do País cuja imCom esse pequeno livro, o aluno portância contemporânea seja facildeverá ser capaz de conhecer vida, primente entendida por estudantes e, ao são e morte de Vladimir Herzog e o mesmo tempo, lhes sejam atraentes, momento histórico e nacional em que pelo estilo jornalístico. ocorreram; identificar e analisar as ideDiz o texto assinado pelos Secretáologias e os sistemas políticos da éporios: ca, no Brasil e no mundo, tendo como “Vladimir Herzog, morto sob torreferência as questões éticas e morais; tura em 25 de outubro de 1975, pareestender os conhecimentos da geograceu-nos o nome ideal para ser o tema fia humana. do primeiro número desta coleção, que Esperamos que este esforço conserá distribuída a 150 mil estudantes junto das Secretarias de Estado de de ensino médio. Ele foi contemporâEducação e de Comunicação do Rio neo da maioria dos pais dos adolescende Janeiro tenha o efeito e o sucesso tes de hoje e a recordação de sua vida e merecidos.”
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Jornal da ABI HOMENAGEM
A MORTE DE
UM HERÓI
A seguir reproduzimos, na íntegra, o texto do jornalista Milton Coelho da Graça para o folheto da SEE. A pesquisa sobre a vida de Vladimir Herzog Capa do opúsculo da também é de sua autoria. Secretaria de Educação do Estado do Rio, com tiragem OsCriado títulos são original. do pelodoidealismo de jornalista 150 mil exemplares. O Prefeito José Serra adotounas escolas paulistas. Jo urdan Amora e mantido a pela sua Jou obstinação, o Centro de P esquisa e Pesquisa ladimir Herzog nasceu 1937, to diante de muitas testePreservação da em Memória da Imprensa na cidade sérvia de Osijsk, filho munhas e, por isso, os milide um casal de judeus, sediado Zigmund e Zora tares responsáveis Brasileira, em Niterói, tem pelo Herzog, que emigrou para o Brasil fuDoi-Codi não ousariam faum acervo invejável sobre a evolução gindo do nazismo. zer nenhuma violência. Professor da Universidade de São Mas ele não sabia que toeditorial e tecnológica dos veículos Paulo, Vladimir era um dos mais respeidos os presos estavam sentados profissionais da imprensa paulista do torturados e alguns já o impressos no P aís. País.
V
quando, em 1975, com 38 anos de idade, assumiu a Direção de Jornalismo da TV Cultura. Era casado com Clarice Herzog e o casal tinha dois filhos. Em 24 de outubro, trabalhava normalmente no início da noite quando a portaria da emissora lhe informou pelo telefone interno que “uns policiais estavam procurando por ele”. O Brasil vivia desde 1964 uma ditadura militar e Vlado — seu apelido para a família e para os amigos — era um defensor das liberdades de pensamento e expressão, de um governo eleito pelo povo e de maior justiça social. E não se limitava apenas a dizer isso a amigos e companheiros de trabalho. Fazia parte de um grupo clandestino de jornalistas que também lutavam por esses objetivos. Vlado já sabia que a polícia e os militares responsáveis pela repressão política estavam prendendo muitos estudantes e jornalistas, seus amigos e companheiros. Mas resolveu não mudar sua rotina de vida e tinha ido trabalhar no horário de sempre. Dirigentes da TV Cultura foram com ele até o portão da emissora para explicar aos policiais que Vlado era responsável pelo jornal da noite e não poderia se ausentar naquele momento. Os policiais alegaram que queriam apenas algumas informações, “ninguém devia se preocupar, não era prisão”. E, depois de muita conversa e telefonemas dos dois lados, entregaram uma intimação para que Vlado comparecesse no dia seguinte, pela manhã, ao prédio da Rua Tutóia, onde funcionava o Doi-Codi, órgão que comandava o terror contra os adversários políticos da ditadura. Vlado foi sozinho, depois de convencer a família de que nada havia a temer, porque o entendimento da véspera fora fei-
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haviam apontado como companheiro de luta clandestina. Pouco mais de uma hora depois, Vlado estava sendo espancado para confessar. Pelo menos dois outros presos podiam ouvir, numa cela próxima, como ele, corajosamente, resistia a todo tipo de violência dos dois torturadores, um deles conhecido pelo codinome “Naval”. Em certo momento, eles enfiaram uma bola de sal na boca de Vlado, curvando-o para trás. Esse é um tipo de tortura que começou a ser usado pelos pára-quedistas franceses durante a guerra de independência dos argelinos. A bola vai para a garganta e a idéia é provocar a sensação de asfixia. Mas no caso de Vlado não ficou apenas na sensação. Vlado morreu, assassinado.
O Brasil de nosso herói Vlado
O
Brasil vivia em um regime democrático, com os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário funcionando normalmente segundo a Constituição aprovada por uma Assembléia Nacional, livremente eleita pelo povo em 1946. Mas os militares, alegando que o presidente João Goulart estava sob influência esquerdista e sob a influência da política externa dos Estados Unidos de confronto com os países comunistas, derrubaram o Governo, praticamente sem resistência, no dia 1º de abril de 1964. Assumiu como presidente o General Castelo Branco, que procurou manter
lidade, mesmo com todas as costumeiras formas de controle e intimidação, sofreu grande derrota. O foco da repressão voltou-se então contra o Partido Comunista Brasileiro, que também era ilegal mas não participava da resistência armada, por acreditar que seria possível obrigar os militares a deixar o poder através da pressão política. Os militares radicais declararam, então, guerra total ao PCB. Onze de seus líderes foram caçados e desapareceram. E seus militantes nas fábricas, imprensa, universidade e profissões liberais foram sendo sistematicamente identificados e presos. Vlado foi uma das vítimas dessa perseguição. Mas sua morte não foi em vão, tornou-se elemento decisivo para a desmoralização da repressão política e a desmontagem do Doi-Codi, abrindo caminho para a redemocratização do país, com a luta pelas eleições diretas, a vitória de Tancredo Neves na eleição indireta e a posse do primeiro Presidente civil em 20 anos — José Sarney.
Farsa e confissão
A as instituições políticas do país e restaurar gradualmente as liberdades civis. Seu sucessor, General Costa e Silva, mostrou-se inclinado a concordar com esses objetivos, especialmente depois que uma passeata no Rio de Janeiro mobilizou mais de 100 mil pessoas — quase todos jovens — em clara demonstração de que o povo brasileiro queria o retorno da legalidade constitucional. Mas a pressão dos generais mais radicais era no sentido contrário e, quando Costa e Silva sofreu um derrame e morreu, instalou-se uma Junta Militar, que editou o Ato Institucional número 5, em dezembro de 1968, suspendendo todos os direitos democráticos e instaurando uma ditadura militar sem limites. Começa, então, com o Governo Médici um dos períodos mais negros da história do Brasil. Alguns grupos se formaram para organizar uma resistência armada à ditadura, mas foram sendo dizimados sob a maior violência. Militares brasileiros foram treinados nas técnicas mais modernas e brutais de tortura, usadas para obrigar prisioneiros a revelar nomes, esconderijos etc. Em 1974, a luta armada praticamente havia deixado de existir. E a ditadura, que havia mantido eleições legislativas como uma máscara de lega-
mais evidente confissão de culpa e desrespeito às leis e a opinião pública do País foi dada pelo Comandante do II Exército e pelo próprio Ministro da Guerra, ao tentarem encobrir o crime com a escandalosamente falsa versão de que Vlado havia se enforcado com o cinto. A fotografia de uma cena forjada, com o corpo do jornalista pendurado na grade da cela, foi distribuída a toda a imprensa. Um médico legista, Harry Shibata (mais tarde expulso da profissão), aceitou o triste papel de assinar um atestado mentiroso. A família de Herzog iniciou e venceu um processo contra a União, mas a vitória política de Vlado — como a de Tiradentes — chegou antes da Justiça. Os testemunhos dos jornalistas George Duque Estrada e Rodolfo Konder iniciaram a desmontagem da farsa. E o Ministro Silvio Frota acabou demitido ao procurar esconder um novo assassinato nos porões do Doi –Codi, quase três meses depois — desta vez a vítima foi o operário Manuel Fiel Filho, estrangulado barbaramente por ter sido “acusado” de distribuir um jornal entre seus companheiros de fábrica. A censura à imprensa foi suspensa, em janeiro de 1976, primeiro passo de um processo de reconquista da democracia, cujo herói maior foi Vladimir Herzog.
Na página 29, a homenagem da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo-Abraji a Vladimir Herzog e Tim Lopes.
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Jornal da ABI DEPOIMENTO entrevista a José Reinaldo Marques
José Hamilton Ribeiro
“Ainda estou por fazer minha grande matéria”
FOTOS ARQUIVO PESSOAL
Aos 70 anos de referência do atestado por sete fazer uma
idade e 50 de profissão, ele é considerado uma jornalismo brasileiro. Mesmo que isto seja Prêmios Esso de Reportagem, sua ambição é reportagem que ainda não realizou. Paulista de Santa Rosa do Viterbo, 70 anos de idade e 50 de profissão, José Hamilton Ribeiro se considera um repórter por vocação. Por causa de sua obstinação pela notícia, foi muito premiado, acumulando, entre outros troféus, sete Esso de Reportagem, o Prêmio Personalidade da Comunicação 1999 e o título de “rosto do jornalismo brasileiro”, conferido pela revista Ícaro no ano passado. Em sua eterna missão de informar, Zé Hamilton — como costuma ser tratado pelos colegas — conheceu os hor-
rores da guerra do Vietnã, onde perdeu uma perna num acidente com uma mina terrestre, em 1968. Seu trabalho nas redações das revistas Realidade e Quatro Rodas, na Folha de S. Paulo e nos programas Globo Repórter, Fantástico e Globo Rural, em que há 25 anos exerce as funções de repórter e editor, o transformou numa referência do jornalismo brasileiro. Nesta entrevista, ele fala da qualidade do jornalismo no País, de sua experiência na guerra e dos livros que escreveu e afirma que ainda está atrás da sua grande matéria.
Jornal da ABI — A guerra do Vietnã, que o senhor cobriu pela revista Realidade, em 1968, foi o fato mais marcante dos seus 50 anos de carreira profissional? José Hamilton Ribeiro — A reportagem da guerra do Vietnã foi a mais marcante do ponto de vista anatômico. Mesmo assim, sucederam-se momentos de alegria e regozijo, entre uma tristeza e outra.
der mal-utilizado, seja no campo de batalha, ou na vidinha mais ou menos de cada um de nós.
Jornal da ABI — Qual deve ser o comportamento do repórter num campo de batalha? José Hamilton — Ser repórter é estar de olho aberto e consciente de sua missão de denunciar o abuso, o preconceito, a atrocidade, a violência e o po-
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Jornal da ABI — Como aconteceu seu acidente no Vietnã? José Hamilton — O livro Diário da guerra, que acabei de lançar pela Editora Objetiva (RJ), trata disso. Contém um “diário” da guerra, do ano de 1968, e um capítulo novo, referente à viagem de volta que fiz ao Vietnã, há nove anos, num ambiente de paz. O que aquele povo heróico, que venceu os norte-americanos, fez com o seu país é de doer. Doeu mais do que o estrago da mina. Jornal da ABI — Havia outros jornalistas com o senhor no momento da explosão? José Hamilton — Sim, o fotógrafo japonês Kei Shimamoto. Ele ficou ao meu lado nos dias dolorosos que passei nos hospitais de guerra. Shimamoto vinha trabalhar no Brasil assim que terminasse a cobertura que fazia no Vietnã para uma publicação japonesa. Mas não deu tempo. O helicóptero em que viajava foi alvejado, durante uma ação, e explodiu no ar. Infelizmente Kei Shimamoto virou apenas uma página
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Jornal da ABI no livro norte-americano Réquiem, que conta a história dos repórteres-fotográficos que morreram no front.
denado num processo regular, com todo o direito de defesa, ele deve sim ir beber café de canequinha.
Jornal da ABI — O que o senhor acha da decisão do Governo Bush de tentar proibir a mídia norte-americana de mostrar imagens dos seus soldados mortos no Iraque, bem como da devastação provocada pelo furacão Katrina, em Nova Orleans? José Hamilton — Sou contra tudo o que for proibição do trabalho da imprensa.
Jornal da ABI — Por que o senhor é um defensor de altos salários para parlamentares? José Hamilton — Porque o deputado federal e o senador, ao lado do Presidente da República, são as maiores autoridades do País. Precisam ganhar o suficiente para exercer o mandato sem pressão de nenhuma ordem. Quando eles não ganham o suficiente, são tentados a arranjar meios — como mensalão, mensalinho, valeriodutos, caixa dois etc. — para não terminarem o mandato na miséria.
Jornal da ABI — Não é estranho que esse controle ocorra numa nação tida como democrática? José Hamilton — O jornalismo livre e independente é uma dádiva e um parâmetro da democracia — diferentemente da ditadura, em que o produto final da imprensa figura como um aleijão. Um velho professor de Jornalismo dizia que os três piores jornais do mundo — Pravda (da antiga União Soviética), Gramma (de Cuba) e L’Osservatore Romano (do Vaticano) — eram fruto de ditaduras. Conclusão: onde se tenta controlar a imprensa, não há democracia. Jornal da ABI — Recentemente, o Presidente Lula disse que fazia o papel de “rádio peão”, porque a maioria do povo não lê jornal. O senhor concorda? José Hamilton — Infelizmente, está correto. O País tem mais de 100 milhões de pessoas semi-analfabetas e outros tantos analfabetos por inteiro. O jeito de mudar isso é investir em escola de ensino básico e não apenas na universidade, como faz o Governo. Jornal da ABI — Depois que foi eleito Presidente da República, Lula tem reclamado muito da imprensa... José Hamilton — Não adianta xingar a imprensa. Quando ele fez birra para comprar o avião novo, eu ouvi o Brizola dizer na televisão: “Mas, companheiro Lula, comprar avião? Logo você, que em um ano e meio de Governo não fez uma sala de aula?” Jornal da ABI — Como o senhor iniciou sua carreira jornalística? José Hamilton — Dos meus 50 anos de reportagem, 25 foram atuando no jornalismo impresso, tanto em jornal como em revista. A outra metade eu tenho passado na TV, grande parte desse tempo trabalhando no programa Globo Rural, da Rede Globo. Mas comecei na Rádio Bandeirantes, em São Paulo. Jornal da ABI — Que outra profissão o senhor teria escolhido se não tivesse abraçado a carreira jornalística? José Hamilton — O jornalismo de reportagem é vocação impositiva. Se eu fosse fazer outra coisa, na certa não seria feliz. Jornal da ABI — Em outubro, o senhor
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Zé Hamilton preserva invejável agilidade: atende a convites para fazer palestras (acima) e participar de debates, sem descurar de seus encargos como repórter de campo do Globo Rural, que o levam a diferentes pontos do País para trabalhos (ao lado) que exigem disciplina e paciência – ele as tem de sobra.
Jornal da ABI — Quantos livros o senhor já escreveu? José Hamilton — Se me lembro bem, são 14, e todos eles foram conseqüência de alguma reportagem. O primeiro, O gosto da guerra, aconteceu em função da reportagem sobre a guerra do Vietnã que eu fiz para a revista Realidade. O segundo teve como tema uma cobertura que fiz sobre o Pantanal. Meus livros são o resultado de pesquisas para matérias especiais.
participa de um Congresso na ABI sobre jornalismo investigativo. Qual será sua abordagem sobre o tema? José Hamilton — Vou fazer um balanço da minha vida de jornalista, com o cuidado de não balançar muito para ninguém marear. Jornal da ABI — O senhor acha que a imprensa brasileira — como escreveu o jornalista Sérgio Augusto num artigo para o Estado de S. Paulo — sofre de uma crise de qualidade? José Hamilton — O jornalismo brasileiro não passa por um bom momento e não é por falta de bons jornalistas e projetos de reportagem de qualidade. Acho que a causa reside na gestão das empresas, muitas delas enroladas com investimentos temerários fora de sua área.
Jornal da ABI — O senhor está envolvido em algum outro projeto de livro no momento? José Hamilton — Estou terminando agora um livro sobre música caipira, com uma seleção das 260 melhores modas de viola de todos os tempos, de Raul Torres às Irmãs Galvão, de Carreirinho a Rolando Boldrin. O prefácio é do Cícero Sandroni, escritor e jornalista carioca, ex-diretor da ABI e atualmente membro da Academia Brasileira de Letras. A matéria-prima é coisa fina, vamos ver a obra.
Jornal da ABI — Quem são os grandes jornalistas da sua geração? José Hamilton — Narciso Kalili, Eurico Andrade, João Antônio, Hamilton Almeida Jr., Evandro Carlos de Andrade e Cláudio Abramo. Citei somente os que já morreram. Do contrário, a relação seria longa demais. Jornal da ABI — Em todo o País pessoas têm recorrido à Justiça para ameaçar com processos órgãos de imprensa e jornalistas por causa de matérias pelas quais se sentem ofendidos. Qual a sua opinião sobre esse assunto? José Hamilton — É justo e saudável que pessoas atingidas pela imprensa recorram à Justiça para reparar danos causados por injustiça, injúria, calúnia, difamação. O mau uso da liberdade de imprensa pode fazer muito mal à sociedade. E mais: não devia haver prisão especial para jornalista. Con-
Jornal da ABI — O seu livro Jornalistas, 37/97 é um resgate da história do sindicalismo no Estado de São Paulo? José Hamilton — Esse livro não é exatamente sobre sindicalismo. É uma publicação que reflete sobre a história da imprensa ao longo dos 60 anos de existência do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo (fundado em 1937) mais sob o ponto de vista dos profissionais da área do que pela representação sindical.
“O jornalismo livre e independente é uma dádiva e um parâmetro da democracia.”
Jornal da ABI — Qual é a principal característica de um programa como o Globo Rural, dirigido ao telespectador cuja vida é o campo? José Hamilton — É fundamental que ele não seja um programa agrotécnico, mas que, ao mesmo tempo, cubra o mundo de quem vive na roça, abordando aspectos como trabalho, angústia existencial, política, culinária, dança, cultura e diversão. É um programa cuja dimensão é a alma humana. Jornal da ABI — O senhor já pensou em se aposentar ou o espírito de repórter continua prevalecendo? José Hamilton — A minha grande matéria no Globo Rural é aquela que ainda vou fazer.
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Jornal da ABI VITÓRIA
A BIBLIOTECA EM FESTA Servidores da Biblioteca Nacional soltaram foguetes pela derrubada de Pedro Corrêa do Lago, o marchand acusado de dilapidar o patrimônio da instituição.
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Gonçalves (à esq., no alto) e Rutônio, Presidente da Associação dos Funcionários, defendem nova mentalidade na gestão da biblioteca.
Um baiano de cabeça aberta Jornalista e professor, ti— Eu não dependo de tular da Escola de Comucargo, mas fui convidado nicação Social da Universie aceitei. Em geral, quando dade Federal do Rio de Jahá reclamação, há proceneiro, Muniz Sodré foi caudência. Por isso, como sou teloso após ser convidado um baiano com a cabeça para assumir a direção da aberta, vou ouvir os funBiblioteca. Ele considerou cionários e tentar pacificar prematuro fazer qualquer a Casa. prognóstico sobre como O Presidente da Assoserá sua atuação na Presiciação dos Funcionários da dência da BN, mas adianBN, Rutônio Sant’Ana, diz tou que assumiria sem reque os servidores recebeceio de encarar os probleram bem a indicação: mas que a instituição vem — O Muniz Sodré é uma enfrentando: pessoa conceituadíssima. – Posso garantir que De início, assim que ele to— Sei que há dificuldaqualquer irregularidade des – disse. – Não me gabo mar posse, vamos procurána Biblioteca será sanada, de ser o melhor dos gespromete Muniz Sodré. lo para uma conversa em tores, mas minha experiênque, de imediato, querecia na direção da TV Educativa e da Esmos tratar da preservação e conservacola de Comunicação Social da UFRJ vai ção do acervo, das obras de infra-estrucontar. Posso garantir que qualquer irretura e do plano de carreira. gularidade na Biblioteca Nacional vai ser Muniz Sodré substitui o bibliófilo e sanada. marchand Pedro Corrêa do Lago, que Entre as muitas irregularidades denunpediu demissão do cargo em meio a ciadas pelos funcionários da Biblioteca uma auditoria de uma comissão formaNacional constam infiltrações nos armada pela Controladoria-Geral da União, zéns onde ficam guardadas as obras rao Ministério Público, a Polícia Federal e ras e a situação dos 35 mil livros cataloo Ministério da Cultura, para apurar degados e tratados tecnicamente, mas não núncias de irregularidades na sua gesdisponíveis para os usuários. tão, como o sumiço de 150 fotos históMuniz Sodré afirma que uma das ricas do Brasil do século XIX, ocorrido marcas da sua administração será toem julho deste ano. mar uma posição em relação à política Corrêa do Lago ocupava a Presidênde livros — investindo na preservação e cia da Biblioteca Nacional desde o início incentivando a leitura — e prometeu que do Governo Lula. Na noite de 6 de ouuma de suas primeiras medidas seria tubro, alegando que necessitaria deixar procurar os funcionários da BN para um o cargo por problemas pessoais, pediu diálogo. Sua esperança é resolver os proexoneração em carta enviada ao Minisblemas o mais rapidamente possível, “até tro da Cultura, Gilberto Gil, que a aceiporque o mandato é curto”. tou, mesmo estando na Europa. DIVULGAÇÃO - CANAL FUTURA
A saída de Pedro Corrêa do Lago da Presidência da Biblioteca Nacional foi comemorada no dia 20 de outubro nas escadarias do prédio da instituição, na Avenida Rio Branco, no Centro do Rio, por iniciativa dos funcionários, que festejaram a sua exoneração, reclamada em campanha dos servidores que se estendeu por três anos. O movimento foi apoiado pela ABI, em razão dos danos causados pela gestão de Corrêa do Lago a um dos mais valiosos acervos da Biblioteca: suas coleções de periódicos, essenciais para o conhecimento da História do País. A manifestaPaixão: Temos o dever de proteger ção começou de o acervo da BN. manhã e se estendeu até o início da tarde. Durante o ato, os servidores enfeitaram a entrada da sede da BN com bolas, cartazes e faixas — com os dizeres “Vitória: adeus, Pedro Corrêa do Lago” e “Fora, diretores da BN” —, partiram um bolo e soltaram fogos de artifício. Jorge Paixão, representante dos funcionários da BN no Núcleo de Base do Sindicato dos Trabalhadores do Serviço Público Federal no Estado do Rio de Janeiro-Sintrasef, explicou a comemoração: — Durante três anos acalentamos a saída do Pedro Corrêa do Lago, por isso decidimos em assembléia que este fato deveria ser comemorado com festa. Estamos aqui com toda essa alegria, mas lembrando também que os problemas ainda não acabaram, porque queremos que toda a Diretoria que o acompanhou seja também exonerada. Como servidores, temos o dever de tomar conta do patrimônio público e denunciar os maus-tratos ao acervo da Biblioteca Nacional, que é o oitavo maior do mundo. As bibliotecárias Maria Lúcia Guaraná e Vanda Santana, ambas há mais de 20 anos trabalhando na BN, na seção de Obras Gerais, disseram estar contentes com a saída de Corrêa do Lago. Maria Lúcia falou ainda sobre a expectativa de uma boa administração do Professor Muniz Sodré, no dia seguinte anunciado oficialmente como
o novo Presidente da BN: — Esperamos que ele seja muito feliz na administração da BN, pois o setor de Obras Gerais sofre com a falta de manutenção. É um grande risco, porque temos sob a nossa responsabilidade cerca de 3 milhões de livros, que ocupam seis andares do prédio. Sua colega Vanda espera também que a instituição retome seu prestígio:— A estrela da BN tem que voltar a brilhar. A Casa está-se deteriorando, mas precisa recuperar o seu status. Esperança Os servidores da BN demonstraram depositar muita confiança em Muniz Sodré. Os comentários eram de que sua nomeação é bem-vinda e da expectativa de que, ao assumir o cargo, aceitasse logo o convite para um diálogo, com o propósito de uma rápida implementação de mudanças: — Não haverá uma real correção dos erros administrativos que vinham ocorrendo na BN se não houver uma mudança profunda de mentalidade de gestão — disse Sílvio Gonçalves, também coordenador do Núcleo de Base do Sintrasef. O Presidente da Associação dos Funcionários da Biblioteca Nacional, Rutônio Sant’Ana, disse que tal reformulação é uma esperança de todo o corpo funcional da instituição:— Nossa expectativa é que o Muniz Sodré comece com calma, pois o clima dentro da Biblioteca ainda está muito pesado. Apoiamos sua indicação e queremos dialogar com ele sobre a situação geral, pois nosso principal objetivo é que a BN volte a ser o que era antes da administração do Pedro Corrêa do Lago, quando os interesses privados estiveram acima do interesse público.
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Jornal da ABI LIBERDADE DE IMPRENSA
TERRORISMO EM MARÍLIA Inimigos do Diário de Marília contratam incendiários para tentar silenciá-lo. Na madrugada do dia 8 de setembro, um incêndio destruiu 80% do prédio onde funcionam o jornal Diário de Marília e as rádios Diário FM e Dirceu AM, do grupo paulista CMN (Central Marília Notícias). De acordo com informações publicadas no Diário, a Polícia Civil considerou a hipótese de atentado em razão da linha editorial do jornal, que criticava a política local. O crime aconteceu por volta das 2h30, quando o vigia Sérgio Silva de Araújo, único funcionário na empresa naquele momento, foi rendido e agredido por três homens encapuzados. A quadrilha, que carregava galões de gasolina para incendiar o prédio, teria
anunciado um assalto; no entanto nada foi levado. Salas e equipamentos foram atingidos pelo incêndio, principalmente os estúdios das rádios e a Redação do jornal, que no dia do incêndio funcionou improvisadamente com equipamentos pessoais emprestados pelos funcionários. A equipe de jornalismo produziu a edição que circulou no dia seguinte com detalhes sobre o atentado criminoso, que desencadeou protestos da população local e de entidades da classe jornalística, como a ABI e a Associação Nacional de Jornais. O Presidente da Comissão de Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos
e Vice-Presidente da ABI, Audálio Dantas, exigiu, em nota, rapidez e rigor na apuração dos fatos: “A Associação Brasileira de Imprensa manifesta profunda preocupação em face do atentado praticado na madrugada de ontem contra o Diário de Marília e as rádios Dirceu AM e Diário FM, da cidade de Marília, SP. Numa ação que lembra os atentados terroristas praticados durante a ditadura militar contra órgãos de comunicação, três homens encapuzados e armados invadiram as instalações do jornal e das emissoras de rádio, que foram incendiadas. Sejam quem forem os autores da ação criminosa, a ABI espera que as autoridades ajam com todo o rigor na apuração dos fatos, com a rapidez que o caso exige.”
UM SUSPEITO FORAGIDO A Polícia prendeu dois suspeitos de terem provocado o incêndio: o funcionário público Carlos Roberto Valdenebre da Silva, empregado da Companhia de Desenvolvimento de Marília-Codemar, e Amaury Campoy, que foi preso antes e o denunciou. O Delegado Roberto Terraz, que investigava a relação entre a Codemar e o atentado, informou que Valdenebre da Silva, que tem antecedentes criminais, negou todas as acusações. Para o delegado, uma pessoa com a ficha de Valdenebre jamais poderia trabalhar num órgão público. Matéria divulgada no site do jornal Diário de Marília apontou Bruno Gaudêncio Coércio, de 22 anos, como a pessoa que contratou os responsáveis pelo atentado contra o jornal e as rádios Diário FM e Dirceu AM. De acordo com a reportagem, Bruno, que estava foragido, é ex-assessor parlamentar do Deputado estadual Vinícius Camarinha e filho do comerciante Carlos Coércio, o Guru, que foi sócio de Vinícius e, quando o pai deste, Abelardo Camarinha, era Prefeito, ocupou a vice-presidência do órgão municipal Emdurb. Segundo o Diário, o envolvimento de Bruno Gau-
dêncio “aproxima ainda mais a investigação do ex-prefeito Abelardo Camarinha, apontado como principal suspeito de ser o mandante do crime”. A Procuradoria-Geral de Justiça em Marília designou o Promotor José Bento Campos Guimarães para acompanhar o caso do atentado contra o jor-
nal e as rádios. O Promotor — que também teve um encontro com o Delegado Seccional Roberto Terraz, responsável pelas investigações — recebeu da direção das empresas um dossiê com informações sobre o crime, relatório dos danos e as informações obtidas pela sua equipe de reportagem.
NISKIER CONDENA A violência contra o Diário de Marília foi repudiada também pelo Presidente do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional, jornalista Arnaldo Niskier, que pediu à ABI, em ofício datado de 12 de setembro, que “preste todo o apoio possível às instituições que foram alvo desta violência”. Niskier, que é sócio remido da ABI, diz em seu ofício: “Ao ter notícia do ataque e incêndio às instalações do jornal Diário de Marília e das rádios Dirceu AM e Diário FM, bem como da prisão de pessoa que alegou ter recebido valores para praticar estes crimes, o Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional deliberou, na reunião plenária de 12 de setembro de 2005, encaminhar a presente moção de apoio às vítimas desse violento atentado à liberdade de manifestação do pensamento, da criação, da expressão e da informação, assegurada em nossa Constituição Federal em seu art. 220. Solicitamos à Associação em apreço que preste todo o apoio possível às instituições que foram alvo desta violência, bem como aos órgãos públicos envolvidos na apuração do caso e punição dos responsáveis – sobretudo daqueles que foram os mandantes do crime. Atenciosamente (a) Arnaldo Niskier, Presidente do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional.”
Jornalistas agredidos em Rondônia A ABI manifestou solidariedade ao Sindicato dos Jornalistas de Rondônia pela defesa dos jornalistas agredidos na sede de uma delegacia de Porto Velho, capital do Estado. No ofício, a ABI apóia “todas as iniciativas que visem à identificação dos autores das violências e sua responsabilização administrativa e penal”. Em nota oficial, o Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Rondônia, Marco Antônio Grutzmacher, escreveu: “Repudiamos veementemente as agressões contra profissionais de imprensa no desempenho de suas funções.” Ele pede também pro-
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vidências à Polícia Militar e à Secretaria da Segurança e Defesa para investigar e punir os excessos relatados, a fim de que não se repitam. Cinegrafistas da Rondoniagora TV e da Rede TV!, um fotógrafo do jornal Diário da Amazônia e alguns repórteres acompanhavam o depoimento do Sargento Walterci Moreira Luna — acusado de ser o assassino de Clauserindo Ferreira Marforte, funcionário da empresa de ônibus Eucatur morto no dia 1º de outubro. Ao tentarem registrar o momento em que o sargento deixava a delegacia, os jornalistas foram agredidos fisicamente
por policiais militares, protegidos pelo Delegado Everaldo Castro Magalhães. Indignado, Marco Antônio declarou: — Um absurdo que profissionais não sejam somente impedidos de trabalhar, mas também brutalmente agredidos sob a alegação da preservação de imagem. Sabemos que o interesse coletivo se sobrepõe ao pessoal e qualquer conflito poderia ser discutido no âmbito da Justiça, mas não com o uso da força física. O ofício da ABI O texto do ofício da ABI, encami-
SANTOS E TOLEDO PROTESTAM Em ofícios enviados à ABI, vereadores de Santos, São Paulo, e de Toledo, Paraná, protestaram contra a decisão judicial que vem impondo censura ao jornal A Tribuna e manifestaram preocupação com um possível arquivamento das Comissões Parlamentares de Inquérito que apuram denúncias de corrupção. Em seu ofício, o Presidente da Câmara Municipal de Toledo, Winfried Mossinger, comunicou à ABI a manifestação do Vereador Leoclides Bisognin, enviada ao Senado Federal e à Câmara dos Deputados, para que não haja o arquivamento dos trabalhos das CPIs do Mensalão e dos Correios. A decisão de enviar o expediente ao Congresso Nacional foi aprovada em sessão ordinária e o documento pede, entre outras coisas, que seja afastada a hipótese de um “acordão”, sem que “os culpados sofram a devida punição”. No comunicado assinado por seu Presidente, Vereador Paulo Gomes Barbosa, a Câmara Municipal de Santos informa a ABI sobre a moção de apoio manifestada ao proprietário do jornal A Tribuna, em razão da “equivocada e infeliz decisão judicial que vem impondo verdadeira censura” ao periódico santista. A iniciativa partiu de um requerimento do Vereador Braz Antunes Mattos, referendado pelas colegas Sandra Arantes Felinto e Suely Morgado, e contou com o apoio dos também Vereadores Antonio Carlos Banha Joaquim, Fábio Nunes, Jorge Vieira, José Lascane, Manoel Constantino, Marcelo Del Bosco, Marcus de Rosis e Reinaldo Martins. Em sua manifestação, os vereadores chamam a atenção para o fato de que a população de Santos vem sendo privada de informações sobre o desvio de dinheiro público e destacam que é obrigação de toda coletividade protestar contra tal procedimento da Justiça, que “coloca em risco um dos bens mais preciosos da humanidade: a liberdade de imprensa”. nhado ao Presidente Marco Antônio, é o seguinte: “A Associação Brasileira de Imprensa solidariza-se com esse Sindicato pela enérgica posição assumida em defesa dos jornalistas agredidos numa delegacia de Polícia dessa capital e apóia todas as iniciativas que visem à identificação dos autores das violências e sua responsabilização administrativa e penal. Peço-lhe a gentileza de nos enviar um relato mais circunstanciado do episódio, via e-mail ou via postal, de modo que possamos detalhar nossa intervenção junto às autoridades estaduais e divulgar desde logo a violência, o protesto do Sindicato e a nossa solidariedade no site da ABI. Transmita aos companheiros agredidos o forte abraço de conforto da ABI.”
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A censura em debate em Alagoas Gera preocupação sua forma atual: a “censura togada”.
brando que a entidade continua atenta às violações dos direitos fundamentais da pessoa humana e protestando contra qualquer tipo de cerceamento de informação. “Se a censura já é terrível nos tempos de ditadura, nos tempos de democracia, então, ela é inadmissível”, declarou, assegurando o apoio da ABI a todos os profissionais de comunicação que forem atingidos por atos de truculência jurídica. Audálio Dantas, por sua vez, disse que “o sacrifício de Herzog, há 30 anos, não foi em vão; sua morte deflagrou o processo de desmoronamento da ditadura e, conseqüentemente, do fim da censura”. Portanto, disse, “não podemos admitir que haja censura em plena vigência do Estado de Direito”. Falando em nome do Ministério Público, o promotor de Justiça Maurício Barros Pitta condenou as tentativas de alguns parlamentares de calar o MP com a “Lei da Mordaça”. Disse ele que essa é “uma tentativa sórdida de impedir que o povo brasileiro saiba das maracutaias que ocorrerem nos bastidores dos três Poderes; a Constituição brasileira garante, em seu artigo 5º, o direito à informação. Qualquer tentativa de impedir essa conquista deve ser combatida com firmeza”. Representando a Igreja Católica, o Padre Manoel Henrique de Mello Santana convocou todos os democratas para uma grande vigília cívica contra
Os jornalistas Maurício Azêdo e Audálio Dantas, Presidente e Vice-Presidente da ABI, participaram no dia 28 de outubro, em Maceió, do seminário Censura, nunca mais!”, organizado pela Representação da Casa em Alagoas. O tema principal foi o recrudescimento da censura no Brasil, principalmente a chamada “censura togada”, que vem atingindo publicações nacionais e regionais em todo o País, além de programas de rádio e televisão. Aberto pelo jornalista Oswaldo Leitão e tendo como mestre-de-cerimônias Renan Leahy, âncora da TV Gazeta de Alagoas, o evento foi realizado no auditório da Federação das Indústrias e contou com a participação de jornalistas, radialistas, promotores de Justiça, religiosos, sindicalistas, advogados e estudantes. Além de palestras, houve a exibição do documentário Vlado, 30 anos depois, de João Batista de Andrade, que conta o processo de prisão, interrogatório e assassinato de Vladimir Herzog nas dependências do Doi-Codi de São Paulo, em 25 de outubro de 1975. Maurício Azêdo falou das lutas históricas da ABI contra os regimes autoritários ao longo de seus 97 anos, lem-
A ABI entrega ao Secretário de Comunicação Social Joaldo Cavalcante a placa em homenagem à decisão pioneira do Governador Lessa.
a censura e outros atos que venham ferir a Constituição. “Nossa jornada para vencer a ditadura foi muito dura. Enfrentamos forças terríveis que não queriam a liberdade do povo. Não dá para aceitar que hoje, em plena democracia, ainda tenhamos que assistir a atos arbitrários praticados contra o direito do povo. Precisamos ficar vigilantes”, alertou. Já o jornalista João Marcos Carvalho, um dos profissionais de imprensa mais censurados do País no regime democrático, salientou que, ao contrário dos tempos do regime militar, quando a censura era exercida pelos agentes da repressão, “a mordaça agora é praticada por membros do Judiciário, que, lançando mão de artifícios jurídicos inconstitucionais, vem ferindo de
morte a Constituição”. — A censura, em suas mais diversas formas — direta ou indireta, prévia ou posterior, administrativa ou judicial —, tem merecido o repúdio dos povos. Portanto, repudiar intransigentemente essa prática é dever fundamental não só para jornalistas, mas para todos os que enxergam a democracia como bem universal inegociável —, disse João Marcos. No final do evento, os jornalistas filiados à ABI prestaram uma homenagem ao Governador de Alagoas, Ronaldo Lessa, por ter sido o único Chefe do Executivo a criar um Conselho Estadual de Comunicação Social, órgão encarregado de monitorar as violações da a liberdade de imprensa no Estado.
A repórter Judith Miller, do New York Times, perdeu a liberdade mas não revelou quem lhe deu informações. Após 85 dias de prisão, a repórter do The New York Times Judith Miller deixou no começo de setembro um centro de detenção na Virgínia, mediante acordo de seus advogados com um procurador federal, e depôs diante de um júri. Judith foi presa no dia 6 de julho por se recusar a entregar sua fonte, num escândalo que envolvia a identidade secreta de uma agente da Agência Central de Inteligência-Cia. Um dia após ser libertada Judith Miller testemunhou por mais de três horas diante do júri que julga o caso. Antes de seguir para sua casa em Long Island, Judith respondeu a perguntas dos repórteres em frente à Corte. Sua libertação foi negociada por seus advogados junto ao Procurador Federal de Justiça Patrick J. Fitzgerald. No acordo, ficou acertado que seu de-
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A defesa da fonte, a qualquer preço parada para permanecer alguns dias mais na prisão. Judith disse ainda que espera que sua prisão possa chamar atenção para a necessidade de uma lei federal que assegure aos repórteres o direito de não entregar suas fontes. Sua decisão de falar ao júri também foi motivada pela autorização “voluntária e pessoal” de I. Lewys Libby, chefe dos assessores do VicePresidente Dick Cheney, que lhe garantiu que não precisaria mais preservar sua identidade e deixou claro seu desejo de que ela testemunhasse. Arthur Sulzberger Jr., editor do NYT, reafirmou que o jornal apoiou a decisão da jornalista em recusar-se a entregar sua fonte: “O princípio da preservação da fonte é mais importante do que a minha liberdade”, disse Judith Miller após libertada. — Ela se manteve firme na posição de resguardar a identidade de seu entrevistado e ficapoimento ficaria sob sigilo, limitado mos muito agradecidos quando souaos bastidores do julgamento. Do conbemos da autorização, telefônica e estrário, a jornalista disse que estaria pre-
crita, dada por ele, isentando-a de qualquer culpa. Há mais de um ano o procurador Fitzgerald aguardava o depoimento de Judith Miller sobre suas conversas com Libby, que, de acordo com fontes oficiais envolvidas na investigação, disse não fazer nenhuma objeção no caso de a jornalista divulgar o conteúdo de suas conversas. Fitzgerald disse que o depoimento de Judith era uma das únicas coisas que faltavam para a conclusão de seu inquérito. Os contatos telefônicos entre Judith e Libby durante a prisão da jornalista começaram no fim de agosto, após intermediação de seus advogados. Embora Libby tenha autorizado Judith a depor, algumas pessoas envolvidas na investigação dizem que ela só se deixou convencer quando recebeu a permissão por escrito. Judith Miller diz orgulhar-se por ter ido para a prisão para preservar o princípio ético de que o jornalista não deve jamais revelar a identidade de uma fonte confidencial: — Preferi todas as conseqüências de 85 dias de prisão a violar essa promessa. O princípio foi mais importante que a minha liberdade.
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Jornal da ABI LIBERDADE DE IMPRENSA
No meio do caminho, a 9 mm Repórter Nadja foi alvejada ao cobrir uma ação antitráfico. Ferida num tiroteio entre policiais e traficantes no dia 29 de agosto, no Rio, a repórter da TV Bandeirantes Nadja Haddad ficou internada quase três semanas no Hospital Samaritano. Segundo informações divulgadas pela emissora, Nadja recuperou-se e pôde retorna à casa da família, em Belford Roxo, RJ. A repórter estava se preparando para cobrir uma incursão da Polícia no Morro Dona Marta, em Botafogo, quando foi atingida no ombro por uma bala de calibre nove milímetros. Agentes da 10ª Delegacia Policial, sediada em Botafogo,
e peritos do Instituto de Criminalística Carlos Éboli fizeram a reconstituição do tiroteio e concluíram que a hipótese mais provável é a de que traficantes atiraram do alto da favela, de um local conhecido como Cerquinha, que fica a 800 metros da Rua Barão de Macaúbas, onde o carro da TV Bandeirantes estava estacionado. O cinegrafista Moabe Ferreira, que dirigia o carro e foi atingido de raspão na mão, participou do trabalho de reconstituição, que chegou a interditar a Rua São Clemente por alguns instantes. Um carro de reportagem também foi usado para simular a chegada da equipe jornalística ao local. Os peritos fizeram fotos e subiram o morro. Em entrevista ao Jornal do Brasil, o Diretor do Instituto Carlos Éboli, Liu Tsun, disse
que do mesmo local de onde partiram os tiros que feriram Nadja e Moabe podem ter saído as balas que atingiram um tenente do 2º Batalhão da Polícia Militar, sediado em Botafogo, e a fachada de um prédio. Liu Tsun informou que foram feitas fotos com tomada de zoom a partir da Cerquinha, que permitem uma visualização perfeita em linha reta dos três locais. Através da reconstituição, ficou descartada a possibilidade de o tiro ter partido da arma de um policial. Liu Tsun disse que o laudo da perícia será encaminhado para investigação. Em caso de identificação de alguma arma que possa ter sido usada no tiroteio, seria feito o confronto balístico. Após o confronto o Morro Dona Marta foi ocupado pela Polícia..
ABI candidata ao Prêmio Guillermo Cano Em expediente encaminhado à Divisão de Acordos e Assuntos Multilaterais Culturais do Ministério das Relações Exteriores, a ABI apresentou sua candidatura ao Prêmio Mundial de Liberdade de Imprensa Unesco/Guillermo Cano, que será atribuído pelo órgão da ONU em 3 de maio de 2006. Batizado em homenagem ao jornalista colombiano morto no exercício da profissão, o prêmio — de US$ 25 mil, além do troféu — é promovido anualmente. No texto vertido para o inglês anexado ao expediente, a ABI ressalta que “mantém vigorosa atuação em defesa da liberdade de imprensa no Brasil desde a sua fundação, em 7 de abril de 1908”. Diz ainda a justificativa da entidade:
“Sua atuação foi extremamente corajosa na quadra dramática que o Brasil atravessou entre 1 de abril de 1964, quando se instalou uma ditadura militar no País, e 15 de março de 1985, quando um civil assumiu o Governo do País. Essa militância a expôs às represálias do regime ditatorial e seus aliados, como a explosão de uma bomba em sua sede em agosto de 1976. Meses antes desse atentado, a ABI tivera intervenção destacada nos protestos contra o assassinato do jornalista Vladimir Herzog numa prisão militar na cidade de São Paulo, em 25 de outubro de 1975. Coerente com a perseverança na de-
fesa da liberdade de imprensa que marca a sua prolongada existência, a Associação Brasileira de Imprensa promoveu no período 2004-2005 intervenções decisivas de exigência do respeito à liberdade do exercício profissional, como ao defender o jornalista norteamericano Larry Rohter, correspondente do The New York Times no Brasil, contra a ameaça de cassação de sua credencial e de sua expulsão do País, e ao liderar a resistência à tentativa do Governo do Brasil de instituir o Conselho Federal de Jornalismo, que no entender da ABI constituiria um instrumento de controle da liberdade de informação, da liberdade de opinião e da liberdade do exercício da profissão.”
Radialista silenciado para sempre em Pernambuco O radialista José Cândido Amorim Pinto, da Rádio Comunitária Alternativa de Carpina, Município de Pernambuco, foi assassinado no estacionamento do seu trabalho no dia 1º de julho passado. Ele foi abordado por volta das 6h40min da manhã e levou 20 tiros. Os assassinos conseguiram fugir numa motocicleta. Há 19 anos no mercado, Amorim era conhecido localmente por denunciar casos de corrupção na Prefeitura. Recentemente, ele fizera denúncias contra o prefeito da cidade, Mandel Botafogo, e o Deputado Antônio Moraes. Ambos estariam supostamente envolvidos em casos de corrupção. Amorim já tinha sofrido ameaças em maio, quando dois homens atiraram contra seu carro. A Deputada Carla Lapa participou de um programa na Rádio Folha e acusou Moraes e Botafogo de serem os mandantes do crime. O caso foi denunciado, entre outras entidades, pela instituição Repórteres sem Fronteiras. A morte de Amorim foi denunciada na reunião de outubro do Conselho Deliberativo da ABI pelo associado Daniel M. F. de Castro, membro da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos, que, em moção subscrita por outros membros da Comissão e do Conselho, propôs que a Casa se dirigisse ao Ministério Público de Pernambuco solicitando rigor nas investigações.
DIREITOS HUMANOS
A ABI pede apuração conjunta das mortes de ex-prefeitos Com base nas possíveis ligações entre os assassinatos dos ex-Prefeitos Toninho do PT e Celso Daniel, a ABI pediu ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana que apure os dois crimes em investigações ligadas entre si. O representante da ABI no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, jornalista Silvestre Gorgulho, propôs na reunião do dia 15 de setembro que o órgão acompanhe os desdobramentos do assassinato do ex-Prefeito de Santo André Celso Daniel, em face das possíveis ligações entre este crime e a morte do ex-Prefeito de Campinas Toninho do PT. Foi a segunda vez que o Conselho se reuniu fora de Brasília. A primeira ocorreu no Espírito Santo, em junho de 2002, a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil-OAB, para investigar a morte de um advogado que fora jurado de morte; desta vez, a reunião aconteceu em Fortaleza, Ceará, Estado com maior número de denúncias encaminhadas ao Conselho. Silvestre Gorgulho baseou sua proposta no relatório dos Conselheiros
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Humberto Pedrosa Espíndola e José Edísio Simões Souto, que acompanharam todos os desdobramentos do assassinato do ex-Prefeito de Campinas, ocorrido em 10 de setembro de 2001: — Há forte correlação entre a morte de Toninho do PT e o assassinato de Celso Daniel. Como no caso de Santo André, em Campinas também as duas testemunhas foram executadas. Informou Silvestre Gorgulho que o relatório dos Conselheiros aponta fatos novos. Entre eles, documentos incluídos nos autos do processo crimi-
nal do caso de Campinas, em que constam alusões a revelações feitas sobre o seu assassinato “no contexto da apuração do caso Celso Daniel”. Tais declarações teriam sido extraídas da gravação do depoimento do detento Denei Luiz Gasparino a promotores de Justiça: — O relatório dos conselheiros mostra que o esclarecimento da morte de Toninho do PT está relacionado ao indício de que as cápsulas encontradas próximas ao carro dirigido pelo Prefeito foram “plantadas” e ao desvendamento do caso Caraguatatuba. O caso em questão refere-se ao in-
quérito policial aberto em 2001 — e ainda não concluído — para investigar a morte de quatro seqüestradores — três dos quais tinham envolvimento com a morte de Toninho do PT — numa ação da Polícia de Campinas em Caraguatatuba para libertar uma vítima do cativeiro. A proposta do representante da ABI para que o Conselho de Defesa da Pessoa Humana, que apura o assassinato de Toninho do PT, investigue também os indícios de que o crime esteja relacionado à morte de Celso Daniel foi aprovada por todos os seus membros. Diz Gorgulho: — Fiz uma exposição para que a mesma comissão estenda seus trabalhos e acompanhe os desdobramentos do caso de Santo André, mesmo que este esteja correndo em sigilo de Justiça.
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Jornal da ABI DIREITOS HUMANOS
“Tem geladeira, APRECIADOS MAIS 98 PEDIDOS tem pau-de-arara, DE REPARAÇÃO tem quebra-nozes, Comissão Especial do Estado do Rio aprovou o pagamento de indenização moral a mais 83 vítimas de prisão e tortura sob a ditadura. Em sua reunião de setembro, a Comissão Especial de Reparação da Secretaria de Direitos Humanos do Estado do Rio deferiu mais 43 processos de indenização a título de reparação moral a vítimas de prisão e tortura durante o regime militar, dez das quais já falecidas. Dos 50 processos apreciados, sete foram indeferidos. Ao todo, a Comissão apreciou em setembro e outubro 98 processos. A Comissão, instituída por lei estadual, é integrada por organizações da sociedade civil – ABI, Ordem dos Advogados do Brasil/Seção do Estado do
Rio de Janeiro, Grupo Tortura Nunca Mais, Conselho Regional de Medicina do Estado do Rio de Janeiro-Cremerj – e por órgãos do Estado – a Procuradoria-Geral do Estado, a Secretaria de Estado de Ação Social e a Secretaria de Estado de Direitos Humanos. A Comissão reúne-se uma vez por mês, em sessão pública que conta com a assistência dos interessados nos processos em tramitação e militantes políticos da época da ditadura, que querem saber o desfecho dos processos de seus companheiros de lutas. A seguir, as decisões da Comissão.
Os processos de setembro
Os processos de outubro
DEFERIDOS
DEFERIDOS
Amadeu Pereira de Lima (falecido) Adalberto Teixeira Fernandes Afrânio Marciliano de Freitas Azevedo Alipio Cristiano de Freitas Amaurilio Felipe Santiago Benedito Matos da Costa Carlos Cardoso de Almeida Demisthóclides Baptista Emerita Andrade Ramos Eulina Jorge de Oliveira Eurípedes Veiga Costa (falecido) Florentino Marques Carneiro Frederido José Falcão Gerço Carvalho de S. Rosa Gilberto Carvalho Molina Helio Marques da Silva Hernande Prudencio Hordener Nascimento Humberto Antão de Sousa e Silva Ivan Ramos Ribeiro (falecido) João Cesar Belisário de Souza Padre João Daniel de Castro Filho José André Borges José Joaquim Pontes (falecido) José Mendes de Sá Roriz (falecido) José Olavo de Souza Guerra José Roberto G. de Rezende (falecido) Luiz Cordouro Fulco Magno da Silveira Couto (falecido) Maria Auxilladora Lara Barcellos (falecida) Maria Elodia Alencar de Lima Maria Helena do Nascimento Barbosa Marta Maria Klagsbrunn Marta Regueira Teodósio Ney Roitman Nicanor Prezidio Brandt Odilon de Souza Pacheco Romeu Bianchi (falecido) Samuel Henrique Dibe Maleval Sonia Maria Goulart Salles Spartacus da Silva Ulyssea Sylvio R. Ulysséa de Medeiros Ubaldino Pereira Santos (falecido)
Adauto Gomes dos Santos Adson de Souza Leite Antônio Negrão de Sá Arnaldo Alberto Werlang (falecido) Benedito Costa (falecido) Benedito Rosa de Almeida (falecido) Carlos Alberto Marques da Silva Christóvão da Silva Ribeiro Clarice Guimarães Clóvis Daminace Constantino Cavalcante de Melo David Farias Dirceu da Fontoura Trilha Diva Borges Noronha Edir Inácio da Silva Francisco Rodrigues de Lima Hilário Neves de Moraes (falecido) Jarbas Dourado de Carvalho Jesus da Luz dos Reis (falecido) Lúcio de Brito Castelo Branco Lúcio Flávio Pacheco Luiz Carlos Natal Luiz Rodolfo de B. C. V. de Castro Manoel João da Silva (falecido) Maria Alice Albuquerque Saboya Marijane Vieira Lisboa Marly Dionizia Santos Werlang Maurício Paredes Saraiva Maurílio Cândido Ferreira Murilo Martins de Souza (falecido) Paulo Ribeiro Martins Priscila Melillo de Magalhães Ronaldo David Aguinaga Sidney Lianza Tânia Marins Roque Themistocles Alves Cardoso Valdo Albino Moreira Victor Hugo Klagsbrunn Vivaldo Alves da Silva Wilson Francisco Machado
INDEFERIDOS Tupan Nunes dos Santos Nicodemos Alves Machado Jamir Ribeiro Amaurilio Gomes (falecido) Ezechias de França José Francisco Medina (falecido) Santos Cardoso da Rosa
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INDEFERIDOS Cid de Carvalho Dayse Maria Carvalho Canano Glória Maria Vargas de Queiroz Iedson Lopes Bastos Paulo Alves Conserva Roque Santos de Carvalho Serge Michel Sévin Zélia Gonçalves Amorim Santana
tem muita porrada” Esse é o refrão do cântico de treinamento do Batalhão de Operações Especiais da PM-RJ, o temido Bope. A ABI quer acabar com esse cântico e a prática de violências que ele retrata.
O Conselho Deliberativo da ABI decidiu encaminhar uma representação formal ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, órgão do Ministério da Justiça, denunciando os métodos fascistas adotados pelo Batalhão de Operações Especiais da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro-Bope, cujos integrantes desfilam diariamente, no Parque Guinle, localizado no bairro de Laranjeiras, na Zona Sul do Rio, entoando refrões em que expõem seu desrespeito aos direitos humanos e os métodos criminosos que adotam em suas missões policiais. O relato sobre o Bope foi feito na reunião de outubro do Conselho da ABI pelo jornalista Fritz Utzeri, que mora no Parque Guinle e se sente agredido pelos refrões que ouve diariamente nas sessões de treinamento do Batalhão. “Tem geladeira,/ tem pau-dearara,/ tem quebra-nozes,/ tem muita porrada.” Este refrão, segundo Utzeri, é alternado com outros com o mesmo teor de desrespeito aos direitos humanos, como quando a tropa faz uma pergunta a que ela mesma responde: “Homem de preto, qual é a tua missão? Entrar na favela e deixar corpo no chão.” Fritz Utzeri declarou que há três anos denuncia essa apologia do assassinato e da tortura feita pelo Bope, que fica ainda mais grave quando se considera que ela é feita nas proximidades do Palácio Laranjeiras, onde moram a Governadora Rosinha Garotinho e o exSecretário de Segurança do Rio Anthony Garotinho.
A intervenção de Utzeri provocou manifestações de outros Conselheiros da ABI, entre os quais Milton Coelho da Graça, segundo o qual o que causa horror não é o canto em si entoado pela tropa, mas a ideologia que ele retrata. Itagiba, o desinformado O Conselheiro Mário Augusto Jakobskind propôs que, além da representação contra o Bope no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, a ABI encaminhe denúncias a organismos internacionais, em especial à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Durante a realização do II Fórum de Debates Mídia e Violência, no auditório da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro-Firjan, o Diretor EconômicoFinanceiro da ABI Domingos Meirelles, que também é membro do Conselho Deliberativo da Casa, reproduziu as denúncias de Fritz Utzeri diante do Secretário de Estado de Segurança do Rio de Janeiro, Delegado Marcelo Itagiba, que ruborizou diante da denúncia, declarou que desconhecia essa orientação do Bope e anunciou que iria apurar o caso. No artigo Criminosos são os que nos governam, publicado no site da ABI, Fritz Utzeri diz que todas as manhãs “um grupo de extermínio chamado Bope” passa pela sua janela e a da Governadora, fazendo “apologia da morte e da tortura”. Na página seguinte o texto de Utzeri, com título da Redação do Jornal da ABI.
Setembro/Outubro de 2005
Jornal da ABI por Fritz Utzeri
“OLHA AÍ O CAVEIRÃO. VIM BUSCAR A TUA ALMA” “Todas as manhãs um grupo de extermínio chamado Batalhão de Operações Especiais da PM-Bope passa sob a minha janela no Parque Guinle e sob a janela da “Governadora” e do Governador (?) deste Estado, fazendo a apologia da morte e da tortura. É uma força policial, mas declara em coro o seguinte: “Homem de preto, qual é tua missão?/ É entrar lá na favela e deixar corpo no chão.” A favela é um território habitado por inimigos e não cidadãos brasileiros. É terra para uma força militar entrar gritando “olha aí o Caveirão, vim buscar a tua alma!” e sair atirando, arrombando portas, roubando e executando, como se fosse uma horda medieval em território estrangeiro, inimigo. Tropa que não respeita as convenções de Genebra aplicáveis a conflitos entre nações e não entre o asfalto e a favela de uma mesma cidade, entre cidadãos de uma mesma república. O que o Bope prega e faz é crime, crime pelo qual acuso os Governos do Estado e da União. Os moradores das áreas pobres da cidade vivem sob o domínio feudal de verdadeiros baronetes da droga, submetidos a um código de fidelidade cuja quebra é punida com a expulsão da favela ou com a morte, vivem sujeitos às leis do traficante, sob toque de recolher e sujeitos a todo tipo abuso de poder. E o Estado faz o quê? Vai construir torres de observação para vigiar essas comunidades. O Comandante da PM, Coronel Hudson Miranda, se regozi-
Os traficantes têm um termo para referir-se aos inimigos: “alemão”. Para eles, e por extensão inevitável para todos os favelados, os que não são de sua comunidade são “alemães” e o Estado brasileiro aceita esse jogo e tem como política oficial tratar os pobres das favelas como inimigos. A coisa é tão séria que essa cultura contamina as crianças onde começa uma guerra de facções, são “alemães” contra “alemães”. Em lugar de garantir a liberdade, o direito de ir-e-vir e de cidadania, as forças da “ordem”, como o Bope, jogam os moradores das favelas nos braços dos traficantes, não lhes dando qualquer saída, já que só atuam de forma violenta e arbitrária. Se eu fosse favelado, diante de uma força armada montada com o dinheiro de meus impostos e que declara abertamente que sua missão é me exterminar, eu me armaria e resistiria a ferro e fogo a essa guerra declarada e suja. O direito à legítima defesa é uma das bases da democracia e da liberdade. Os traficantes exercem o poder de vida ou de morte, fecham e abrem comércio e escolas, cobram pedágio e exigem lealdade. Não o fazem com armas de pequeno calibre, roubadas dos chamados “cidadãos de bem”, mas com armamento pesado, de guerra, contrabandeado, roubado de quartéis ou ainda conseguido das próprias polícias através dos amplos e múltiplos canais de corrupção que intercomunicam intimamente o mundo dos policiais e o dos bandidos.
brasileira e — notadamente — a maiode campos de concentração. Já que é ria de sua população, entregue à própara ser assim, por que não aproveitar a pria sorte, não dá para dizer SIM à peronda e não cercar logo a favela com arada do menor direito que seja. me farpado e eletrificado? Vamos estaNão sou um criminobelecer lagers (campos de so, jamais pus a mão concentração em alenuma arma de fogo, lumão), passes, uma carteitei contra a ditadura, ra de identidade especial mas não aderi à luta aramarela, com um “P” de mada (andei perto), por pobre estampada nela. Já acreditar que a via devejo a cena, a turma do mocrática poderia resolBope parada no portão da ver. Hoje, restabelecida favela pedindo em aleo que chamam de “demão — uma língua boa mocracia”, devo declarar para isso — os ausweis a minha descrença, de(carteira de identidade, sengano e repúdio às pronuncia-se hausvais) instituições que estão aí. ou papieren (documenElas não são republicatos) para que os moradoFritz Utzeri res possam sair de seus é editor do jornal Montbläat, nas nem democráticas. Na Segunda Guerra, guetos para trabalhar que circula pela internet em cidadãos (homens e muaqui fora (com direito a edição exclusiva para lheres) indignados, na toque de recolher, pois a assinantes Itália, foram à luta conlei marcial já existe). tra os alemães (estes verdadeiros aleMas a Governadora prefere sujar a mães, ou tedeschi — lê-se “tedesqui” Lagoa com isopor, vestir-se de branco — como dizem os italianos). Pegaram e sair por aí, apregoando uma paz hiem armas e se prepararam para expulpócrita, sustentada por ongs como a sar de vez o invasor e acabar com o Viva Rio que alegam um poder que jafascismo. Nada de pombinhas brancas mais lhes foi concedido e que, como ou discursos de “paz” dos pusilânimes todas as demais, mantém obscuras as e oportunistas, sempre do lado dos versuas motivações e sua história finandadeiros assassinos. As armas nas mãos ceira. Estamos cansados de blablablá, daqueles italianos dispostos a reafirmar de soltar pombinhas brancas e responsua condição de cidadãos, que lhes hasabilizar cidadãos honestos pelo crime, via sido usurpada pelo fascismo e pelo ao mesmo tempo em que temos um ocupante inimigo, não são instrumenGoverno local incapaz sequer de doto de morte, mas de libertação da tiraminar o território de sua própria cidania e da morte. Em certos momentos da História, povos têm-se libertado recorrendo a elas. Ghandi é admirável, considero-o um santo e o melhor ser humano público do século XX, mas infelizmente é uma exceção e de uma cultura bem diferente da nossa. Só para dar um exemplo recente, ao decidir fazer greve de fome até a morte para protestar contra a transposição do São Francisde, além de um Governo federal — co, Frei Cappio foi advertido severacampeão de corrupção — que olha para mente pelo Vaticano e provocou reao outro lado e finge nada ter a ver com ções até da CNBB, afirmando que, o contrabando de armas, com os roucomo cristão, não teria o direito de disbos ou o tráfico nos quartéis e com a por da própria vida. À luz (?) de nossa desestruturação das polícias. O máxicultura, boa parte dos atos de Ghandi mo que este Governo faz é um refeseriam considerados ilegítimos, a corendo ridículo, que prima pela confumeçar pela auto-imolação. são, pela desinformação (nos dois camNo Brasil, é uma pena que a revolupos, é bom que se diga), pelo vazio da ção ou a desobediência civil não teproposta e por jogar os verdadeiros pronham a menor possibilidade de aconblemas para debaixo do tapete. tecer, mas a degradação da sociedade e Enquanto tivermos governos que a desmoralização institucional são tão dão as costas para a educação, que gagrandes que vai ser necessário, num rantem a desigualdade econômica e dia não muito longe e se nada mudar, social, destruindo o pouco que o malque todos nos defendamos como no fadado Estado brasileiro conseguiu fafaroeste. Numa sociedade em que vazer e deixando a infra-estrutura do País lem somente o direito e o poder dos naufragar, com o objetivo declarado de mais fortes, não vejo por que abrir mão honrar contratos “sagrados” com bande meu direito de defesa, mesmo que queiros e especuladores e ignorar qualnão o exerça. Meu voto é NÃO!” quer tipo de contrato com a sociedade
“Hoje, restabelecida o que chamam de “democracia”, devo declarar a minha descrença, desengano e repúdio às instituições que estão aí. Elas não são republicanas nem democráticas.” ja: “É uma estratégia sensacional e inovadora, que coloca o Rio na vanguarda”, diz o celerado, celebrando a construção, iniciada, da primeira torre no Complexo da Maré, uma torre de 20 metros de altura (equivalente a um edifício de sete andares), blindada, rodeada por um muro de dois metros de altura, guarnecida por soldados equipados com binóculos e visores noturnos e dotada de possantes holofotes. Segundo o Comandante da PM, será a primeira de muitas. Parece coisa de israelense contra palestino — os “israelenses” no caso somos nós e os “palestinos” moram nas favelas. São encarados como inimigos, não como cidadãos, gente que é preciso vigiar e reprimir. Nem na África do Sul do apartheid houve algo parecido, em Soweto ou em qualquer outro bairro negro da periferia de Joanesburgo.
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A situação é tão séria que médicos militares suíços vêm fazer estágio no Hospital Miguel Couto, para ter contato com ferimentos produzidos por armas de guerra, ferimentos raríssimos lá e freqüentes por aqui, apesar de 38% dos lares suíços guardarem armamento pesado do Exército daquele país (os suíços são convocados aos 18 anos e permanecem mobilizados até depois dos 40 e as armas ficam nas casas dos cidadãos). O que faz a nossa “Governadora”? Ocupa a favela com um policiamento que vise garantir direitos democráticos aos moradores? Reprime o tráfico? Orienta e oferece oportunidades de educação e inserção profissionais in loco para os jovens? Garante o direito à vida, sem facções criminosas, sem “alemães”, a esses brasileiros? Nada disso, ela adota torres de observação, dignas
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Uma proposta em discussão: uma lei de abertura dos arquivos Conselho da Transparência Pública elabora anteprojeto de lei destinada a ampliar o acesso a informações que o Poder Público possui e esconde.
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m reunião presidida pelo Ministro do Controle e da Transparência, Waldir Pires, em 20 de setembro, o Conselho da Transparência Pública e Combate à Corrupção, órgão da Controladoria-Geral da União, constituiu um grupo de trabalho para apreciar o texto de um anteprojeto de lei destinada a regular o acesso a informações detidas pelos órgãos da Administração Pública, conforme está previsto no artigo 5º, inciso XXXIII, da Constituição Federal. O grupo de trabalho é constituído por cinco membros, entre os quais Maurício Azêdo, Presidente da ABI, que expôs na reunião o interesse da entidade na modificação da legislação restritiva atual, que impede o acesso a informações da História recente do País, de interesse não só para pesquisadores, como para os cidadãos comuns. Ele citou o caso dos mortos na guerrilha do Araguaia, cujas famílias têm o direito de saber o destino dos corpos para lhes proporcionar um enterro digno, ainda que com restos mortais simbólicos. Do grupo participam também os membros do Conselho Cláudio Weber Abramo, Diretor-Executivo da Transparência Brasil; Antônio Carlos Alpino Bigonha, Procurador regional da República em Brasília; Francisco de Assis da Silva, Diretor da Associação Brasileira das Organizações Não-Governamentais-Abong, e o Ministro Marcos Vinicius Pinta Gama, representante do Ministério das Relações Exteriores. O texto do anteprojeto, composto por dez artigos, destaca logo no início que “todos têm o direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo geral” e que “é assegurado o direito de pleno acesso às informações detidas pela Administração Pública”. Para oferecer seu parecer ao texto final da proposição, a ABI está pedindo a instituições representativas da sociedade civil — não só da área de imprensa, mas também de associações de arquivistas e pesquisadores em geral — o envio de sugestões, a fim de que a proposta, a ser encaminhada pelo Ministro Waldir Pires ao Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, possa remover as dificuldades atualmente impostas ao conhecimento de informações de órgãos governamentais, especialmente pelas Forças Armadas.
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Leia o texto e faça suas sugestões ANTEPROJETO DE LEI Dispõe sobre o acesso às informações detidas pelos órgãos da Administração Pública previsto no art. 5º, inciso XXXIII, da Constituição. O Presidente da República Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: Ar t.1º Todos têm direito a receber dos órgãos públicos Art.1º informações de seu interesse particular ou de interesse coletivo ou geral, contidas em documentos detidos pela Administração Pública, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado, bem como à inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas. Ar t. 2º É assegurado o direito de pleno acesso às informaArt. ções detidas pela Administração Pública, na forma desta Lei. § 1º A manutenção de documentos em arquivos públicos não prejudica o exercício do direito de acesso às informações neles contidas. § 2º No caso de documentos constantes de processos não concluídos ou de documentos preparatórios de uma decisão, o acesso à informação somente ocorrerá após a tomada da decisão ou o arquivamento do processo, ou após decorrido um ano da elaboração do documento. § 3º Os documentos relativos a procedimentos de investigação e sindicância somente estarão sujeitos ao conhecimento de terceiros após a conclusão da fase decisória. Ar t. 3º A Administração Pública franqueará a consulta aos Art. documentos públicos nos prazos e pelas formas estabelecidos nesta Lei. Parágrafo único: A autoridade ou o servidor responsável por recusa injustificada de acesso a documento público incorrerá nas penalidades disciplinares previstas no art. 127 da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990, sem prejuízo das demais sanções cabíveis. Ar t. 4º O interessado em obter informações da AdministraArt. ção Pública deverá requerê-las por escrito, por meio de documento que contenha dados essenciais do solicitante, em especial o nome completo, o número do documento de identidade, o endereço e a assinatura, e ainda outros dados úteis ou relevantes. Ar t. 5º O requerimento de que trata o artigo anterior deverá Art. especificar a informação solicitada do modo mais objetivo possível e indicar a forma de sua obtenção, dentre as seguintes: I - vista de documentos; II - reprodução de documentos; ou III - obtenção de certidão, expedida pelo órgão ou entidade consultado. § 1º Quando não for possível o fornecimento de cópia pelos meios usuais de reprodução, em razão de risco de danos ao documento em que se contém a informação, o interessado poderá proceder a traslado manual ou a reprodução do documento por outro meio que não lhe ameace a conservação, às suas expensas e sob a supervisão de servidor público. § 2º A informação requerida que se encontrar armazenada em ambiente eletrônico poderá ser fornecida por esse meio, a pedido ou com a anuência do interessado. § 3º Nas hipóteses previstas nos incisos II e III deste artigo poderá ser cobrado do interessado exclusivamente o valor
necessário para ressarcir o custo dos serviços e materiais utilizados, segundo tabela previamente fixada pela Administração. § 4º Estará isento de ressarcir os custos previstos no parágrafo anterior todo aquele cuja situação econômica não lhe permita fazê-lo sem prejuízo do sustento próprio ou da família, declarada conforme o disposto na Lei 7.115, de 29 de agosto de 1983. Ar t. 6º A autoridade ou o servidor público a quem for Art. dirigido o requerimento de acesso à informação deverá, no prazo de trinta dias, responder ao interessado, indicando: I - data, local e procedimento, conforme o caso, para que seja realizada a consulta, a reprodução de documento em que se contém a informação ou para que seja obtida a respectiva certidão; ou II - indicar as razões da recusa, total ou parcial, do acesso à informação. § 1º A efetiva concessão de vista, a reprodução do documento ou a expedição da certidão respectiva far-se-á no prazo de cinco dias contados da decisão que deferir a solicitação de acesso. § 2º No caso de indeferimento do pedido, poderá o interessado oferecer, no prazo de dez dias contados da ciência, recurso contra a decisão. § 3º O recurso será dirigido à autoridade ou ao servidor que indeferiu o pedido de acesso à informação, o qual, no prazo de cinco dias, poderá rever a decisão recorrida ou, caso entenda que deva ser mantida, remeter o recurso à autoridade imediatamente superior, juntamente com as razões da denegação. § 4º A autoridade superior decidirá a questão no prazo de quinze dias, determinando o imediato atendimento do pedido ou seu arquivamento, e dará ciência ao interessado da decisão proferida. Ar t. 7º Os órgãos e entidades da Administração Pública Art. classificarão os documentos e informações sigilosos por eles produzidos ou detidos segundo os graus de sigilo estabelecidos em regulamento. § 1º Os documentos e informações cuja divulgação ponha em risco a segurança da sociedade e do Estado, bem como aqueles necessários ao resguardo da inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas são originariamente sigilosos. § 2º O acesso a documentos e informações sigilosos, classificados em qualquer grau, não poderá ser restrito por prazo superior a sessenta anos, a contar da data de sua produção. § 3º Não poderá ser oposto sigilo à solicitação de informação necessária a subsidiar investigação de violações a direitos fundamentais Ar t. 8º É vedada a utilização de informações com desresArt. peito aos direitos de propriedade intelectual, assim como a reprodução, difusão e utilização de documentos ou de informações neles contidas de modo que possa configurar prática de concorrência desleal. Parágrafo único: A Administração pode recusar ou limitar o acesso a documentos cuja publicidade represente violação de segredos comerciais ou industriais Ar t. 9º O Poder Judiciário poderá determinar a exibição Art. reservada de qualquer documento sigiloso, sempre que indispensável à defesa de direito próprio ou esclarecimento de situação pessoal da parte. Ar t. 1 0º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação. Art. 10º
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ACONTECEU NA ABI por Rodrigo Caixeta
NATAL 100 ANOS
DIVULGAÇÃO/PORTELA
Jornal da ABI
A Portela festeja na ABI o centenário de seu grande líder.
A Escola de Samba Portela escolheu a ABI para palco da sua comemoração do centenário de nascimento de Natalino José do Nascimento, o Natal, seu grande líder nos anos 50 a 70, quando morreu. A festa, no Auditório Oscar Guanabarino, incluiu o debate Natal e as escolas de samba, num evento que embalou a platéia com muitas histórias do homenageado. E tudo, é claro, ao som de muito samba. A sessão foi organizada pelo jornalista Lênin Novaes, membro do Conselho Deliberativo da ABI O Presidente da ABI abriu a cerimônia agradecendo a presença do público que estava prestigiando “alguém que tanto contribuiu para a cultura popular do Rio de Janeiro e a mais antiga escola de samba carioca”. Em seguida, convidou para compor a mesa de debates o jornalista e escritor Sérgio Cabral, membro do Conselho Deliberativo da ABI; a professora e escritora Marília Barboza; o médico e escritor Hiram Araújo, Diretor Cultural da Liga Independente das Escolas de Samba-Liesa; o radialista e produtor cultural Rubem Confete e o Presidente da Portela, Nilo Figueiredo. O mediador do debate foi o engenheiro e escritor Carlos Monte, Diretor Cultural da Portela, que se disse orgulhoso de participar da homenagem a “uma figura carismática e polêmica”. Em seguida, Sérgio Cabral iniciou sua exposição, afirmando que Natal foi um líder e sua presença, fundamental na fase mais gloriosa da Portela. Ele recordou um momento marcante na vida de Natal: — Uma vez o Natal deu uma entrevista para o Pasquim e, em razão disso, foi chamado para depor no Dops. Quando chegou lá, disse que tinha sido convidado por mim para dar aquele depoimento e que podia até ser preso por ser contraventor, mas jamais por ser subversivo. Sérgio também lembrou que, em 1960, quando a Portela disputava o tetracampeonato, a Prefeitura, que organizava o desfile através do antigo Departamento de Turismo e Certames, queria descontar pontos das escolas que tinham se atrasado, o que deixaria a azul e branco em segundo lugar. Para solucionar o problema, Natal sugeriu que houvesse cinco campe-
ãs, proposta aceita por todos e que fez a Portela ganhar o quarto campeonato consecutivo, para alegria de seu patrono. Outra lembrança de Sérgio foi a de uma visita à modesta casa de Natal: — Perguntei por que ele não construía uma casa maior para deixar para seus herdeiros. Ele acatou a sugestão e construiu uma belíssima casa, enorme, na qual, logo que adentrava o hall, o visitante via pintados na parede os 25 animais do jogo do bicho. Hiram Araújo contou que, apesar de toda a fortuna acumulada, Natal morreu pobre, pois distribuiu tudo o que tinha: — Ele era uma pessoa rara, pertencente a uma categoria privilegiada de inteligência fora do habitual. Era daqueles que tinham seus sentidos apurados e vitorioso nas atividades que exerceu. Por isso era um líder, rei de Madureira e adjacências e rei da Portela. Rubem Confete recordou que foi criado numa rua de Madureira próxima à primeira banca do bicho de Natal, de quem guarda grandes histórias: — Ele era um agente comunitário. Certa vez, conseguiu unir a Portela e o Império Serrano para realizar as obras de uma capela do bairro. Outro fato marcante, lembrou Confete, foi quando Jair do Cavaquinho passou por dificuldades financeiras e pediu ajuda a Natal. Ele, então, pediu a alguém para ir à casa de Jair pegar o que de mais valioso houvesse: — Foi uma grande brincadeira. Natal não só o ajudou com mantimentos, como renovou algumas peças do mobiliário da casa. Até o enterro de Natal foi tumultuado, contou Confete: — Fizemos uma grande passeata, que pretendia seguir até o cemitério cantando o samba Heróis da liberdade. No entanto, o ato foi interrompido para não atrapalhar a ordem pública.
Contraditório, mas com certeza querido Natalino José do Nascimento, o Natal – O homem de um braço só, título de uma samba de João Nogueira –, tornou-se figura popular e controvertida por façanhas na contravenção do jogo-do-bicho e no segmento escolas de samba, quando presidente da Portela. Ele é quase mito em Madureira, bairro considerado a Capital do Samba, e no mundo do samba em geral. Nascido em 31 de julho de 1905 na cidade de Queluz, interior de São Paulo, Natal chegou menino no Rio de Janeiro, onde morreu a 8 de abril de 1975. Parte da infância passou na miséria, que
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ainda nos dias de hoje, acrescida de violência, castiga principalmente os morros e favelas do Rio. Ferroviário da Central do Brasil, ele teve o braço direito amputado em 1925, vítima de acidente de trem. Em 1928, para complementar a pífia pensão por invalidez, ingressou no jogo-do-bicho. A partir daí a vida foi marcada por perseguição policial, prisões e envolvimento em crimes. Foi talvez o mais popular dos banqueiros do jogo-do-bicho que dominaram e que ainda comandam a maioria das principais escolas de samba. À frente da presidência da
Portela, a escola obteve vários títulos. Alguns conquistados “na marra”, como dizia. Em 1960, por exemplo, provocou uma grande briga na apuração, ao impor a idéia de que cinco escolas deveriam se campeãs; com isso, proporcionou à Portela o título de tetracampeã. Natal é ou não é fundador da Portela? Para alguns, ele era ligado ao futebol, ao Madureira Futebol Clube, e só ingressou na escola em fins da década de 40. Outros garantem que Natal é fundador da escola, no que seria precoce, pois em 1923, quando a Portela foi criada, ele ainda completaria 18 anos.
Entusiasmada, Marília Barboza destacou que sua presença no debate era uma demonstração de que “o samba não é machista, mas igualitário”: — Na Portela eu aprendi a ser mais brasileira. Como infelizmente não tive o prazer de conviver com Natal, quero transferir esta homenagem para o povo dele. Marília disse que o samba começou na Portela, graças a dois grandes líderes: Natal e Paulo. — Eles levaram a procissão às ruas, com as baianas e tocando instrumentos que os ricos não tocavam. E o samba e a macumba eram a mesma coisa, pois o samba só foi trazido para nós quando a Umbanda velha ganhou letras profanas. Marília e Hiram defendem datas diferentes para a fundação da Portela: ele diz que foi em 1923; ela, em 1926. Para encerrar a polêmica, Carlos Monte brincou, ao dizer que a escola não está se aposentando por tempo de idade: — Independentemente dos anos, a Portela é a mais antiga de todas. O Presidente da Portela, Nilo Figueiredo, lamentou a morte recente do filho mais velho de Natal, Mazinho, e agradeceu a presença no auditório de portelenses famosos, como Monarco. Afirmou também seu “orgulho, satisfação e vaidade de ter sido uma das pessoas que mais conviveu com Natal”, que o levou até a escola: — Mais importante do que fundar é manter a Portela, e ela foi mantida graças a ele. Quando me tornei presidente, decidi que Natal seria o patrono da escola. Aprendi muitas coisas com ele, que me dizia que ninguém aprende a viver nos livros, só vivendo, ensinamento repassado por mim para os meus filhos. E ele era um contraventor diferente, pois tinha ligação muito próxima com as autoridades. Após a apresentação de todos os componentes da mesa, Carlos Monte abriu para debate, seguido de uma apresentação de integrantes da Portela. A platéia foi contagiada pela bateria da escola, que finalizou o evento ao som do samba-enredo do desfile de 2005, com passistas e espectadores misturando-se no auditório e no palco. Grande conhecedor das histórias que se passam no mundo do samba, o jornalista e pesquisador José Carlos Rego, membro do Museu da Imagem e do Som e também do Conselho Deliberativo da ABI, conta que a relação de Natal com a imprensa era muito acidentada. — O repórter podia fazer 15 matérias falando bem da Portela, mas se escrevesse uma notinha contra, virava inimigo mortal. E todos os que cobriam carnaval apreciavam sua autenticidade, que se revelava até na decoração de sua mansão em Madureira, onde ele mandou pintar na parede de uma sala todos os animais do jogo-do- bicho. José Carlos Rego recordou outra história de Natal, esta ocorrida num Carnaval dos anos 60. A portabandeira Vilma Nascimento, muito atrasada, seguia nervosa num táxi para o desfile, que na época se realizava na Avenida Rio Branco, quando ouviu pelo rádio que a festa tinha sido paralisada a pedido do Presidente da Portela, para que limpassem a pista. Ao chegar à concentração da escola, Vilma notou um grupo de repórteres em volta de um carro alegórico atravessado na pista, supostamente com uma roda quebrada. José Carlos contou o desfecho da história. Ao vê-la aproximando-se, Natal avisou: “Pessoal, pode botar a roda que a Vilma já chegou”. — Ele era polêmico, mas foi uma liderança muito importante – frisou José Carlos Rego.
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Jornal da ABI ACONTECEU NA ABI
A hora do canudo Em cerimônia singela, alunos dos Cursos Livres receberam seus certificados de participação.
Editor da revista Imprensa, Sinval de Itacarambi Leão é um dos idealizadores da coleção, que conta com estudos de Ana Arruda (à esq.) e Carmem Pereira, entusiastas do Projeto.
Uma coleção com o pé no passado e o olho no futuro Lançada na ABI a primeira de uma série de obras destinadas a mostrar quem fez o quê na imprensa brasileira. Resgatar idéias e biografias de grandes figuras do jornalismo no País nos dois últimos séculos é a idéia que norteia a coleção Imprensa brasileira — Personagens que fizeram história, cujo primeiro volume foi lançado em 14 de setembro na ABI, no Salão João Mesplé, hall do Auditório Oscar Guanabarino. Organizada pelo Professor José Marques de Melo, a obra reúne textos de nomes como Hipólito José da Costa, patrono da imprensa brasileira e fundador do Correio Braziliense, Rui Barbosa, Assis Chateaubriand, Gustavo de Lacerda, fundador e primeiro Presidente da ABI, e Barbosa Lima Sobrinho, — três vezes Presidente da Associação, biografados no livro. Em 221 páginas, o leitor é surpreendido com a ousadia e a liderança de todos os jornalistas biografados. Sinval de Itacarambi Leão, diretoreditor da revista Imprensa, publicação que também patrocina o projeto, acha que a maior contribuição da coleção é servir como fonte para a pesquisa que para atual geração de estudantes de Jornalismo:— Essa obra tem um pé no passado e outro no futuro. No passado, porque é um resgate de pessoas que contribuíram de forma significativa para o desenvolvimento e enriquecimento da imprensa brasileira. O futuro está no fato de que em 2008, quan-
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do teremos lançado a coleção completa, estaremos comemorando os 200 anos da imprensa no Brasil. Ana Arruda Callado, que contribuiu no livro com um artigo sobre Jenny Pimentel Borba e a saga das jornalistasempresárias brasileiras, considera que o mais importante da coleção é que ela permitirá que se faça um importante levantamento histórico sobre a imprensa no País: — Entrei nisso para falar de Jenny Pimentel Borba, que é uma figura importante, mas pouco conhecida. E acho esse livro muito bom, porque não é uma obra isolada. Outros volumes virão, e com jornalistas igualmente importantes. Essa publicação é bela, porque faz parte de um grande trabalho que é a recuperação da história da imprensa no Brasil. Carmem Pereira, jornalista e mestre em Ciência Política pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, conta que resolveu escrever sobre Rui Barbosa porque poucos conhecem a sua contribuição ao jornalismo: — Rui foi um brasileiro ilustre e muito conhecido, com atuação destacada no cenário político nacional e internacional, mas poucos conhecem a sua trajetória como jornalista. Rui teve textos publicados na imprensa ao longo de 50 anos. Idealizada pela Rede Alfredo de Carvalho, assim denominada em homenagem ao historiador pernambucano que começou, no fim do século XIX, a pesquisar e inventariar o panorama dos jornais e revistas publicados no Brasil, a série pretende suprir exatamente lacunas como essa citada por Carmem e servir como fonte de pesquisa para os interessados em resgatar a história da nossa imprensa.
mo Econômico e se disse satisfeita com Os alunos dos Cursos Livres de Joro que aprendeu: — O que eu mais gosnalismo promovidos pela ABI recebetei no curso foi que ele permitiu aos ram certificados de participação, duranalunos aprender o que um repórter de te cerimônia realizada em 15 de setemEconomia tem que saber e ganhar no bro, na Sala Belisário de Souza, um dos exercício da função, com uma ampla auditórios da Casa. Cerca de 200 aluvisão social e de mercado. nos foram capacitados na primeira fase André Madruga, recém-formado do projeto, que começou em abril de pela Faculdade Hélio Alonso-Facha, foi 2005 e terminou em abril deste ano. A cerimônia de abertura do evento foi conduzida pelo Presidente da ABI, Maurício Azêdo, que convocou para a mesa os jornalistas e professores Admar Branco, André Louzeiro, Antônio Nery, Chico Otávio, Jorge Antonio Barros, Mário Augusto Jakobskind, Vitor Iório e Zilda Ferreira. Maurício felicitou os alunos e associados da ABI envolvidos na organização dos cursos e agradeceu o empenho de todos em transmiO repórter Chico Otávio (à esq., no alto) com tir aos alunos os conhecimenseu aluno Nivaldo Pereira. O fotógrafo Antônio Nery tos necessários ao exercício (à dir., abaixo) com seu aluno Celso Pupo. do bom jornalismo: — Os cursos livres marcaram a retomada, pela ABI, da programação de aperfeiçoamento profissional. Foi uma iniciativa que encontrou boa acolhida entre estudantes de Comunicação Social e também junto ao corpo de associados da nossa instituição, que tiveram a responsabilidade de ministrar a capacitação, que foi objeto de aplauso dos alunos inscritos. Vitor Iório, Coordenador-Geral dos Cursos Livres, disse que o resultado alcançado compensou o esforço da atual administração. — Esse projeto nos tomou um tempo precioso, mas que aluno de Cobertura do Fato Político e foi consagrado com o resultado posititambém gostou do nível do curso da vo alcançado. Tivemos a oportunidaABI: — Foi muito bom. Acho incluside de reciclar os antigos jornalistas e ve que o momento em que me inscrepreparar, à luz da experiência, aqueles vi não poderia ter sido melhor, pois o que representam o futuro. professor Antonio Idaló nos ensinou a Os cursos tiveram a duração de 30 compreender as questões atuais que horas/aula e ofereceram capacitação nas envolvem o ambiente político conturdisciplinas Jornalismo Investigativo, bado em que se encontra o Brasil. Cobertura de Segurança Pública, CoChico Otávio, repórter especial da bertura do Fato Cultural, Jornalismo Editoria Nacional do Globo, deu aulas Econômico, Cobertura do Fato Polítide Jornalismo Investigativo e aprovou co, A Reportagem e o Cinema, Amério resultado do projeto: — Adorei, princa Latina Fora da Mídia, Fotografia, Jorcipalmente pela oportunidade de atrair nalismo Ambiental, Jornalismo Digipara a ABI estudantes e jovens jornalistal, Locução no Jornalismo, Reportatas, que poderão se tornar associados da gem e Texto Esportivo, Revisão e CopiCasa, contribuir para a instituição e desque, Gestão em Comunicação Sociusufruir melhor das suas ações. Espero al e Jornalismo Popular. que o projeto tenha continuidade. Para Nivaldo Pereira, aluno do curso Grande também foi o entusiasmo de Jornalismo Investigativo, a ABI deu da professora, jornalista e poetisa um grande passo para ajudar a formar Marylena Barreiros Salazar, que curbons jornalistas que venham a contrisou Jornalismo Ambiental: — É intenbuir para crescente liberdade de expressa a minha emoção por estar nesta Casa, são: — Espero que esse tipo de iniciatique provocou uma grande revolução va tenha continuidade e que a ABI conna minha alma. Nós, alunos, nos tortinue a exercer esse papel, para que a namos multiplicadores deste momenimprensa e os jornalistas possam exerto que a ABI está nos proporcionando. cer a liberdade de pensamento. Após a cerimônia de entrega dos cerMaria Luiza Muniz, aluna do 6º tificados, alunos e professores foram período de Comunicação na Universiconvidados para um coquetel servido dade Federal Fluminense, fez Jornalisna Sala Heitor Beltrão.
Setembro/Outubro de 2005
Jornal da ABI LIVROS
COMEMORAÇÃO
Derengoski, o que correu este mundo
“AQUI RETUMBARAM HINOS!”
Lançado pela Editora Insular, o livro Viagens de um repórter — um barrigaverde na terra azul” reúne impressões das viagens que o jornalista Paulo Ramos Derengoski realizou durante 30 anos por iniciativa própria, a convite de governos estrangeiros e a trabalho. Narrando suas andanças, Paulo procura abordar com riqueza de detalhes os aspectos socioculturais, geográficos e históricos das regiões visitadas. O texto de orelha, assinado por Paulo Henrique Ribeiro, destaca que ele conseguiu “mostrar que através das viagens pode-se combinar imaginação e realidade; ver o mundo como ele realmente é, além dos frívolos ou trágicos acontecimentos do dia-a-dia”. O jornalista Paulo Ramos Derengoski é natural de Lages, Santa Catarina, e começou sua carreira no extinto jornal Última Hora, no Rio de Janeiro, sendo depois transferido para Porto Alegre como repórter especial. Trabalhou também na Folha de S. Paulo e na revista Manchete. Ao longo da carreira, fez inúmeras viagens internacionais. Há mais de duas décadas ele se radicou em Lages, mas continua produzindo e publicando textos com limpidez de estilo e fina capacidade de observação e descrição.
Em Uberaba, o portal de Bilharinho O Instituto Triangulino de Cultura, com sede em Uberaba, MG, inaugurou um portal na internet com o objetivo de facilitar o acesso aos exemplares da revista Dimensão e aos livros que edita desde 1995. No catálogo da instituição podem ser encontrados vários títulos sobre a história dos primeiros cem anos do cinema e os seis volumes da coleção Ensaios de crítica cinematográfica, que começa com O cinema de Bergman e vai até O cinema brasileiro nos anos 90 — novos filmes, do crítico . ensaísta e poeta Guido Bilharinho, que produz no aparente isolamento de Uberaba uma sólida obra de crítica cinematográfica, uma das mais densas e versáteis realizadas no País. Os livros sobre literatura abordam, entre outros temas, a crítica e a poesia — como o ensaio-antologia A poesia em Uberaba: do modernismo à vanguarda, de 2003. O endereço do portal é www.institutotriangulino.com.br. Correspondência pode ser enviada para a instituição pelo e-mail institutotriangulino@yahoo.com.br ou para Caixa Postal140, Uberaba, MG Cep 38001-970.
Setembro/Outubro de 2005
Militante e historiadora da campanha do petróleo, a médica Maria Augusta Tibiriçá se emociona ao lembrar, em ato comemorativo dos 52 anos da Petrobrás, os atos cívicos realizados na ABI. O Brigadeiro Rui Moreira Lima, Presidente da Associação Democrática Nacionalista dos Militares-Adnam, e a médica Maria Augusta Tibiriçá, Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional-Modecon, evocaram em ato público realizado na ABI, no dia 3 de outubro, os momentos iniciais da campanha O petróleo é nosso, de que ambos participaram. O ato foi organizado pela Associação dos Engenheiros da Petrobrás-Aepet para comemorar o 52º aniversário da Lei nº 2.004, de 3 de outubro de 1953, que instituiu o monopólio estatal do petróleo. Maria Augusta, que é autora de um livro considerado clássico sobre a campanha, lembrou que o movimento pelo monopólio estatal do petróleo foi lançado pelo Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional, criado em 4 de fevereiro de 1948, no auditório da ABI. “Aqui retumbaram hinos!”, disse Maria Augusta, que se emocionou ao fazer esta evocação e defendeu a necessidade de restabelecimento da integridade do monopólio estatal do petróleo, rompido pela Lei nº 9.478, proposta ao Congresso em 1997 pelo então Presidente Fernando Henrique Cardoso.
“O petróleo é mágico” Rui Moreira Lima lembrou que em julho de 1948, quatro meses após a criação do Centro de Estudos e Defesa do Petróleo e da Economia Nacional, a campanha do petróleo ganhou as ruas com a realização de manifestação no Largo do Russel, na qual teve papel destacado o professor e jornalista Henrique Miranda, ex-Vice-presidente da ABI falecido recentemente. Contou Moreira Lima que Miranda identificou a presença na assistência de Charles Borer, irmão do Delegado Cecil Borer, Diretor do Dops (Departamento de Ordem Política e Social), órgão de repressão do regime. Charles comandaria uma turma para provocar incidentes durante o ato. Ao discursar na manifestação, com sua voz poderosa, Miranda dirigiu-se diretamente a Charles Borer e o advertiu de que seria responsabilizado por qualquer violência contra os manifestantes. Denunciado publicamente, Charles Borer desistiu da provocação que planejara, juntamente com o irmão Cecil Borer. Moreira Lima, que foi um dos heróis do Grupo de Caça da Força Aérea
Brasileira, na campanha contra o nazismo nos céus da Itália, recordou ainda que nessa época era um jovem piloto do Correio Aéreo Nacional e ia às cidades mais longínquas do País, especialmente na Amazônia e no Nordeste, para distribuição de correspondência. Ele contou que mesmo em cidadezinhas do interior via inscrições em muros com o slogan da campanha O petróleo é nosso. “O petróleo é mágico”, disse Moreira Lima, que elogiou a Aepet por sua permanente atuação em defesa da empresa. O hino, com vigor Do ato participaram, entre outros, o Deputado estadual Paulo Ramos (PDT); o Coronel Luiz Augusto Horta Barbosa, filho do General Júlio Caetano Horta Barbosa, que iniciou a luta pelo monopólio estatal do petróleo em memorável conferência no Clube Militar; o sindicalista Abílio Tozzini, representante do Sindicato dos Petroleiros do Município do Rio de Janeiro, e o Diretor da Petros, fundo de previdência dos empregados da Petrobras, Sérgio Lira. Como queria Maria Augusta Tibiriçá, o ato foi aberto com a transmissão do Hino Nacional e encerrado com o Hino da Independência, ambos entoados com vigor pela assistência, especialmente nos versos “Ou ficar a Pátria livre/Ou morrer pelo Brasil.
VISITA
Estudantes de São Carlos encantados com a sede da ABI Um grupo de 36 estudantes de Arquitetura da Escola de Engenharia de São Carlos, da Universidade de São Paulo, percorreu o Edifício Herbert Moses, sede da ABI, como parte de um roteiro de visitas a construções históricas do Centro do Rio. Os alunos conheceram os principais andares do prédio, sob a coordenação do Professor Joubert Lancha, do Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Universidade. Lancha revelou que a visita integra a programação do segundo ano do curso, no qual os estudantes fazem um estudo prévio das obras que marcam a história da arquitetura moderna do País — Em seguida, vamos a campo para conhecer as obras. Fazemos isso habitualmente — disse o professor, que, embora já conhecesse o edifício-sede da ABI, trouxe pela primeira vez um grupo de universitários para visitá-lo. O estudante Marlon Longo ficou empolgado com o que viu: — É bacana vermos o que só conhecíamos pelos livros. Na verdade, fazemos o estu-
O grupo de alunos de Arquitetura de São Carlos: os homens são pequeno contingente.
do de um projeto e apenas depois vamos ver como ele realmente foi feito. E a grande vantagem é que tivemos a oportunidade de entrar no prédio, pois às vezes é difícil conseguirmos permissão para entrar nas dependências de uma construção importante. Tivemos sorte aqui no Rio, pois conseguimos entrar em todos os lugares que visitamos. Em São Paulo é mais difícil. Tereza Cordido, estudante da pósgraduação, impressionou-se com as soluções adotadas pelos irmãos Roberto.— Eles fizeram uso de uma tecnologia pioneira, através de uma resolução genial. Imagino o quanto foi difícil para, naquela época, construir um edifício como este, porque o surgimento da grua, por exemplo, é posterior ao perío-
do. Aqui é tudo racionalizado, dentro de uma tecnologia não racionalizada. É uma obra espartana, extremamente elegante e rica em detalhes. E o espaço está muito bem conservado, pois mesmo as intervenções têm respeitado o projeto original. Também estudante da pós-graduação, Thaís Cruz admirou a construção:— Gostei muito do prédio. A noção do “ao vivo” é muito melhor do que aquela dos livros e vídeos. Aqui podemos ver o entorno, ver como o prédio se encaixa na paisagem urbana, contrastando com outras construções. O que me surpreende também é ver que não só o edifício da ABI, mas vários outros no Rio estão passando por obras de restauração.
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Jornal da ABI PLEBISCITO
CONFERÊNCIA
A utopia do Brasil sem armas
Um manual para entender os Tribunais de Contas
Cerca de 800 pessoas superlotaram a sede da ABI, no Centro do Rio, no dia 26 de agosto, para o lançamento da Frente Parlamentar Brasil Sem Armas, que visava a promover a campanha pela vitória do sim no plebiscito sobre a proibição de armas marcado para 23 de outubro seguinte. Estiveram presentes à ,manifestação, entre vários líderes políticos de prestígio, o Presidente do Senado e também Presidente da Frente, Senador Renan Calheiros; o Vice-Governador do Estado do Rio, Luiz Paulo Conde; o Prefeito de São Paulo, José Serra; o Senador Sérgio Cabral Filho; o Secretário-Executivo do movimento, Deputado Raul Jungmann, e a Deputada Jandira Feghali, que teve participação destacada na organização do ato. Também compareceram ao lançamento o Deputado Federal Antonio Carlos Biscaia; os Deputados Estaduais Paulo Pinheiro, Edmilson Valentim, Leandro Sampaio e Carlos Minc; os Vereadores Andréa Gouvêa Vieira e Eliomar Coelho, além de outros representantes políticos de vários Municípios do Estado. Entidades religiosas, organizações não-governamentais, sindicatos, associações de vítimas e outras entidades que apoiavam a campanha do sim também marcaram presença. Renan Calheiros citou as estatísticas do crime e das armas de fogo no Brasil para ressaltar o que ele considera um “equívoco” de pessoas que pensam se proteger estando armadas. “Precisamos enfrentar a epidemia da violência por arma de fogo. Temos que dizer sim, para a mudança dessa cultura”, sustentou.
TRANSPARÊNCIA
A ABI defende melhor controle dos recursos que a União repassa A ABI manifestou no Conselho da Transparência Pública e Combate à Corrupção, órgão da ControladoriaGeral da União de que ela é membro, seu interesse na aprovação da proposta de melhoria do controle de recursos federais transferidos a Estados e Municípios, através de anteprojeto de lei que será submetido à apreciação do Presi-
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morte”, e alertou para o treinamento que deve ser feito com as forças policiais na repressão ao armamento. Lembrando que a Frente Brasil Sem Armas foi “uma campanha de mobilização”, o sociólogo Rubem César Fernandes — coordenador-geral da ong Viva Rio e Secretário-Executivo da Frente fluminense — defende a participação de toda a sociedade no debate sobre as armas de fogo no País. O cantor Marcelo Yuka, exRappa, que ficou paraplégico há quatro anos, por causa de um ferimento com arma de fogo, compareceu à sede da ABI como representante da classe artística e disse que não acredita em “paz armada”. Declarou voto na campanha do sim, afirmando que o referenConde: Quanto menos armas tivermos, do era “uma luta contra a viomenor será a violência. lência com inteligência”. Última personalidade a se pronunciar, o Prefeito de São Paulo, José O Vice-Governador Luiz Paulo Serra, declarou que a utilização de arConde fez questão de parabenizar os mas de fogo acaba alimentando a vioorgani-zadores do evento, ressaltando lência, que não deve ser combatida com a importância de iniciativas que visem mais violência. Logo à sua chegada na ao combate à violência, e afirmou que ABI, o Prefeito chegou a ser vaiado por o Governo do Estado do Rio de Janeiro um grupo de estudantes da União da daria todo apoio à campanha:— Essa Juventude Socialista. José Serra foi chaFrente representa um fato positivo mado de “golpista” por uma parcela de para o controle das armas no País e, conjovens da organização, que carregavam seqüentemente, da violência no Brauma faixa com os dizeres “A juventude sil. Quanto menos armas nós tivermos, contra o golpe direitista”. menor será a violência. Para evitar um incidente maior, o No seu discurso a Deputada Jandira Presidente da ABI, Maurício Azêdo, inFeghali (PCdoB-RJ) citou a violência terveio em apoio ao Prefeito paulistano, com uso de armas de fogo que atinge antes de este discursar. Pedindo à plaas mulheres em todo o Brasil, frisando téia “respeito à civilidade e à educação o “papel decisivo” da população femipolítica”, Maurício lembrou que a ABI nina na discussão do assunto. Jandira é uma Casa que prima pela liberdade e acentuou, também, que a diminuição pela pluralidade. Após sua intervenção, dos índices de criminalidade somente Serra foi ouvido com respeito pela asserá efetiva se as armas de fogo forem sistência, que foi comedida nos aplauretiradas de circulação. A Deputada fez sos Os jovens da UJS não repetiram as ainda severas críticas à indústria de manifestações de hostilidade. armas, que segundo ela “lucra com a BETH SANTOS
Renan, Serra, Sérgio Cabral, Conde, Feghali, Biscaia e outros líderes de prestígio vieram à ABI lançar a proposta que não pegou.
dente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo estudo apresentado por Paulo Roberto Wiechers Martins, representante do Tribunal de Contas da União, na reunião do Conselho de 20 de setembro, o sistema atual de controle apresenta uma série de falhas e deficiências, que resultam na perda de eficácia na aplicação dos recursos, além dos prejuízos causados em função dos desvios de valores. O estudo do representante do TCU destaca que, no atual modelo, “cerca de dois terços das ações governamentais na esfera federal são realizados de forma descentralizada pelos diversos Estados da Federação”. Outra questão ressaltada no parecer de Paulo Roberto Wiechers é que o atual modelo de gestão pública, introduzido a partir da re-
forma do Estado, é descentralizador, ou seja, “é voltado para a redução do tamanho do Estado”. Paulo Roberto Wiechers diz que o novo modelo de Estado, traçado a partir da reforma administrativa, apresenta maior possibilidade de transferência de recursos para a execução de despesas e que as inovações introduzidas no âmbito da administração pública brasileira “têm impacto direto na atuação do controle interno, externo e social, forçando uma adequação às mudanças ocorridas”. Ele assinala que a intempestividade é o ponto crítico das ações de controle de repasses. “O ideal — diz — é que haja um acompanhamento mais concomitante da execução das despesas, com vista a evitar o desperdício de recursos”.
Com um vademecum desses, o uso das verbas contaria com melhor cobertura. Ao participar do painel Os Tribunais de Contas e os Meios de Comunicação com a Sociedade”, em Gramado, Rio Grande do Sul, no dia 11 de outubro, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, sugeriu a produção de um manual destinado aos jornalistas com informações básicas sobre os Tribunais de Contas, suas funções e suas atividades, a fim de familiarizar os profissionais de imprensa com as questões ligadas ao chamado controle externo — a fiscalização das contas públicas por esses Tribunais. O Presidente da ABI participou do painel juntamente com o representante da Associação Nacional de Jornais, Marcelo Rech, que é Diretor de Redação do diário Zero Hora, de Porto Alegre, e do Auditor Inocencio Hernández González, membro da Audiência de Contas das Ilhas Canárias, região autônoma da Espanha. O coordenador do painel foi o jornalista Salomão Ribas Júnior, Conselheiro do Tribunal, substituindo membro pelo título do cargo. Segundo a intervir no debate, após o representante da ABI, que abriu essa sessão do XXIII Congresso dos Tribunais de Contas do Brasil / I Congresso Internacional dos Sistemas de Controle Externo Público, Marcelo Rech observou que se multiplicaram no mundo inteiro os meios de comunicação, a tal ponto que uma cidade como Nova York tem mais de 500 rádios comunitárias, sintoma da pulverização das fontes de informação com que a cidade conta atualmente: — Com o advento da internet — disse Rech —, nosso principal encargo num jornal diário não é buscar informações, mas descartar 95% do material informativo que nos chega. Justificando a proposta de produção do manual sobre o controle externo, o Presidente da ABI disse que já houve uma iniciativa pioneira do gênero, com a edição do manual Por dentro do MPF — Ministério Público Federal para jornalistas, de Maria Célia Néri de Oliveira, com o qual a Procuradoria-Geral da República e a Escola Superior do Ministério Público da União oferecem aos jornalistas, de forma didática, conhecimentos essenciais sobre o Ministério Público Federal. Um manual desse tipo — Por dentro dos Tribunais de Contas — O controle externo para jornalistas ––, disse Maurício Azêdo, “poderá oferecer contribuição inestimável ao Sistema Tribunais de Contas e aos responsáveis pela mídia” na cobertura das atividades e decisões desses órgãos.
Setembro/Outubro de 2005
Jornal da ABI HOMENAGEM
Uma noite para Tim e Herzog Congresso de Jornalismo Investigativo presta homenagem aos dois e ao repórter José Hamilton Ribeiro. Em 27 de outubro aconteceu na ABI a abertura do 1º Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, promovido pela Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo-Abraji e pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. O evento foi aberto com homenagens a Tim Lopes e Vladimir Herzog, seguidas da palestra 50 anos de reportagem”, de José Hamilton Ribeiro, e debate. Para compor a mesa inicial, foram convidados o Presidente da ABI, Maurício Azêdo; o Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro, Aziz Filho; o Presidente da Abraji e ombudsman da Folha de S.Paulo, Marcelo Beraba; os jornalistas Chico Otávio e José Hamilton Ribeiro; e os professores Fernando Ferreira e Álvaro Caldas. Aziz Filho cumprimentou os congressistas ressaltando a importância do congresso para o jornalismo investigativo e lembrando Tim Lopes como um marco da cobertura da guerra do tráfico carioca: — Ele investigava a alma das pessoas. Tudo indica que a tragédia de sua morte foi devida à perda de seu anonimato com o Prêmio Esso, mas isso desencadeou uma série de discussões sobre segurança nas redações. Maurício Azêdo iniciou sua intervenção lamentando a perda do jornalista Roberto Moura, Conselheiro da ABI a cujo enterro comparecera pela manhã. Em seguida, relembrou os tempos em que trabalhou com José Hamilton na revista Realidade e disse ser uma honra para a ABI abrigar a abertura de um congresso que homenageia duas figuras tão importantes: Tim e Vlado. — A morte de Herzog motivou um
VIDAS
Stockler, delegado e artista O jovem Luiz Alexandre Lafayette Stockler entrou na ABI pela mão de Herbert Moses, em 5 de maio de 1944. A expressão pela mão tem aí razão de ser: Luiz Alexandre completara 20 anos menos de um ano antes em 5 de setembro de 1943, e tateava no encaminhamento profissional. Ele acabou desviado do jornalismo, que não constituía então uma profissão consolidada nem de remuneração atraente. O jovem Luiz
Setembro/Outubro de 2005
silêncio pungente neste auditório. A ABI havia proposto que se fizesse uma missa em sua memória na Igreja de Santa Luzia, onde normalmente a instituição realizava seus atos religiosos, mas Dom Eugênio Sales proibiu a abertura da Igreja para os manifestantes. Fizemos então o ato com grande consternação neste Auditório Oscar Guanabarino. Desejamos que este Congresso da Abraji seja um ponto alto da presença de jornalistas nas mudanças sociais. O professor Fernando Ferreira lembrou-se de quando foi estudante de Jor-
nalismo da PUC-Rio e de uma entrevista de Carlos Lacerda da qual participou: - Ele respondia às perguntas enquanto escrevia mais um de seus caudalosos editoriais. Ao mesmo tempo, emitia conceitos políticos formidáveis. Foi muito mais estimulante que a sala de aula. Declarando-se feliz pelo fato de José Hamilton Ribeiro ter concordado em fazer a palestra de abertura do Congresso, Marcelo Beraba convidou os participantes a assistir a um vídeo em homenagem ao jornalista, a quem entregou uma placa comemorativa, dizendo: — Suas reportagens despertam para o prazer do texto, de acompanhar uma história bem contada, e provam que um jornalismo bem-feito não tem que ser chato, pedante ou hermético. Descontraído, José Hamilton levou a platéia diversas vezes às gargalhadas, principalmente quando disse que “antigüidade só é posto no Exército”. — No jornalismo é diferente, o que eu aprendi ontem pode mudar hoje. Fico lisonjeado em participar deste Congresso, no qual devemos valorizar os repórteres que buscam a verdade por trás das notícias. Ele recordou o período em que trabalhou na Folha de S.Paulo e grandes reportagens que produziu. Segundo dis-
se, porém, foi a guerra do Vietnã, onde perdeu uma perna ao pisar numa mina terrestre, que o fez famoso por 15 dias: — Eu estava na pauta de todos os jornais e revistas do País. Certa vez me perguntaram se era difícil ser repórter com um perna só. Respondi que não, que era mais fácil do que se tivesse quatro. José Hamilton fez um balanço de seus 50 anos de carreira e emocionouse ao fim do discurso, sendo aplaudido de pé pela platéia: — Somo 25 anos de jornalismo impresso e mais 25 de televisão. O repórter de papel pode ser conhecido e o de TV, reconhecido. Nesse tempo, o Brasil melhorou, o jornalismo melhorou, com a captação de novos talentos a partir da exigência do diploma. Mas a mudança mais dramática foi a invasão da mulher nas redações. Quando comecei, havia apenas três na Folha. É com muita emoção que agradeço esse convite, que para mim é um ato de generosidade. O professor Álvaro Caldas disse que a homenagem a José Hamilton simboliza o reconhecimento do trabalho do repórter: — Ele faz parte de uma geração com forte espírito de investigação. Hoje, as empresas se tornaram grandes conglomerados e o repórter perdeu espaço e autonomia, além de ser provedor de conteúdo, pois produz material para todas as mídias. Antigamente, um bom repórter era a grife da redação. É preciso reconhecer essa função, sem a qual não existe jornalismo. Em seguida, o debate foi aberto à platéia. O jornalista Chico Otávio foi o mediador e o público participou intensamente. O Congresso teve prosseguimento no dia seguinte, em dependências da Puc.
Alexandre ingressou então na Polícia do então Distrito Federal como inspetor, aplicou-se à atividade funcional e alcançou os mais importantes cargos da hierarquia policial, entre eles, no Governo Chagas Freitas, o de Superintendente da Polícia Judiciária, o mais elevado de uma autoridade civil na Secretaria de Estado de Segurança Pública. Stockler, o sobrenome com que passou a ser conhecido, não era homem de enjeitar desafios. Acusado injustamente pelo Governador do Estado da Guanabara, Carlos Lacerda, levou-o aos tribunais, onde saiu vitorioso, em episódio singular na trajetória de Lacerda, que não costumava perder os embates em que se empenhava. Encerrado o processo, Lacerda apresentou desculpas em público pelas inverdades assacadas contra a honra de Stockler. Foi essa altivez que impôs Stockler ao respeito dos colegas da Polícia e o transformou em líder da categoria: foi fundador e primeiro Presidente da Associação Bra-
sileira dos Delegados de Polícia e da Associação dos Delegados de Polícia do Estado do Rio de Janeiro. Como Delegado, recebeu diversas honrarias, entre as quais a Medalha de fidelidade à Guanabara e o Diploma de Bons Serviços Prestados à Guanabara. Preocupado com o aperfeiçoamento profissional dos companheiros, promoveu com o Delegado Antônio Malfitano a revisão e atualização, em quarta edição, do Novo Manual do Delegado, obra em dois volumes de autoria de Amintas Vidal Gomes, Delegado do Departamento de Investigações de Minas Gerais, lançada em 1978 pela Editora Forense. Após aposentar-se, Stockler pôde dedicar-se a duas paixões: o hipismo, que incentivou como Presidente da Federação Eqüestre do Estado do Rio de Janeiro e membro do Conselho da Confederação Brasileira de Hipismo, e as artes plásticas, que lhe proporcionaram grandes alegrias por cerca de duas décadas, com os inúmeros prêmi-
os que conquistou nas muitas mostras de que participou. Aluno de pintura, desenho e xilogravura da Professora Misabel Pedrosa e de pintura de Sandro Donatello e Gian Paolo, Stockler ganhou a partir de 1985 medalhas de ouro, de prata e de bronze e menções honrosas em destacadas mostras e competições. Fiel à ABI nos seus 61 anos de vinculação à Casa, Stockler participou da eleição de abril de 2005, quando recebeu as homenagens dos companheiros, como José Gomes Talarico, que o ciceroneou desde a chegada até ao local de votação, no nono andar do Edifício Herbert Moses, e à saída, no térreo, onde Stockler foi cumprimentado por integrantes da Chapa Prudente de Morais, neto. Ele faleceu no dia 18 de agosto, de complicações advindas de problemas cardíacos. Deixou viúva a Senhora Maria Alice Antunes Maciel Lafayette Stockler, seis filhos, onze netos e um bisneto.
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Jornal da ABI VIDAS
A morte de surpresa de Uma febre contraída num fim-de-semana levou-o no vigor da produção intelectual.
A mensagem de Tereza Cristina comunicando — “com uma dor profunda no coração e na alma” — o falecimento do marido, Roberto M. Moura, e convidando para o velório no Memorial do Carmo pegou de surpresa os amigos do jornalista, que, aos 58 anos, morreu no dia 26 de outubro, no Rio, vítima de febre maculosa, doença transmitida por carrapatos infectados. Sócio número 1.672 da ABI, onde ingressou em 1977, e membro efetivo do Conselho Deliberativo, Roberto Moura faleceu às oito horas da noite no Hospital São Lucas, em Copacabana, onde havia sido internado. Ele contraiu a febre ao se hospedar numa pousada em Petrópolis, na região serrana fluminense, e resistiu umas poucas horas. Além de sua mulher, do casal de filhos e outros parentes, compareceram ao funeral de Roberto, no Cemitério do Caju, dezenas de amigos, alunos e exalunos das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), jornalistas e representantes da ABI, como o Presidente da entidade, Maurício Azêdo; a Diretora de Jornalismo, Joseti Marques; e os Conselheiros Sérgio Cabral, Amicucci Gallo, Domingos Xisto e Chico Paula Freitas. Também estiveram presentes músicos, produtores culturais, pesquisadores e professores — entre eles a museóloga Lygia Santos, filha de Donga, e o jornalista José Carlos Rego, ambos membros do júri do Estandarte de Ouro de O Globo, que Roberto integrou por 28 anos; o compositor Sílvio da Silva Júnior; o violonista Cláudio Jorge; e Moacyr Luz, que comentou: — Eu teria muitas coisas para falar do Roberto, inclusive menciono no meu livro (Nos butiquins mais vagabundos) que ele foi o primeiro jornalista a citar meu trabalho como compositor. Era um grande amigo de bar, de samba e de projetos. Fizemos vários trabalhos juntos, como O samba falado, e atualmente ele estava cuidando do roteiro do show de lançamento do meu CD Voz e violão e do projeto Sedução e voz. Acima de tudo, Roberto era meu companheiro de toda hora, vou sentir muita falta desse parceiro que era a cara da cultura do Rio. Muito emocionado, Sérgio Cabral exaltou o trabalho de Roberto Moura como pesquisador da MPB: — Era um brilhante analista da nossa música e da cultura popular de maneira geral.
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Roberto conhecia o tema e escrevia sobre ele com absoluta profundidade. Roberto M. Moura foi diretor de espetáculos, produtor e crítico musical. Atualmente, além de dar aulas nas Facha, era comentarista de programas da TV Educativa e colunista do ABI Online e da Tribuna da Imprensa. Mestre em Comunicação e Cultura pela Escola de Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro e doutor em Música pela UniRio, escreveu os livros Carnaval — da Redentora à Praça do Apocalipse (Jorge Zahar, 1986); MPB — Caminhos da arte brasileira mais reconhecida no mundo (Vitale, 1998); Praça Onze — no meio do caminho tinha as meninas do Mangue” (Prefeitura do Rio/ Relume Dumará, 1999); Sobre cultura e mídia (Vitale, 2003); e No princípio, era a roda (Rocco, 2004). Para Iris Agatha, que foi sua “foca” no Diário de Notícias e colega no jornal Última Hora e na Rádio Mec, Roberto Moura foi “um grande mestre de brasilidade”. Para a também jornalista Zilmar Basílio, que foi aluna de Roberto na Facha, “esse carioca da Praça Onze fez da sua vida uma grande contribuição para a cultura da cidade do Rio de Janeiro e deixou marcas importantes dessa mesma cultura para o nosso País”.
“Um menino voltado para a beleza” Em depoimento encaminhado à ABI, o advogado José Guerra Neto lembrou momentos de sua convivência com Roberto Moura, falecido no fim de outubro e que começara a trabalhar em seu escritório como office boy, como eram então chamados os contínuos. Foi esse o primeiro emprego de Roberto Moura. Na missa de sétimo dia de Roberto Moura, oficiada na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, em Botafogo, pelo Padre Marcos William, Guerra Neto contara que foi seu jovem contínuo que lhe revelou a existência de um escritor importante, Campos de Carvalho, autor de A Lua vem da Ásia e Vaca de Nariz Sutil. Na carta à ABI, Guerra Neto evoca o Roberto feito de “poesia e ânsia cultural”. Eis sua carta: “Existe a morte e existem “certas mortes” e disso sabemos, por tanta
AGÊNCIA O GLOBO
Roberto Moura
vida, e verbalizamos na carona de Jorge Amado. A morte do Roberto Moura está entre as “certas mortes” com os quais jamais nos conformamos. Vamos dividindo o essencial de cada um de nós com as afinidades que vamos constituindo ao longo da vida com raros e perenes amigos. Aquela missa com os aplausos puxados pelo inspirado Padre Marcos William foi perfeita como abertura de uma biografia do Roberto. A paixão e a erudição do Padre, os muitos amigos, a família e acima de tudo o vigor efetivo de tantos jovens transformaram aquele ato na síntese da vida de um menino permanentemente voltado para a beleza. Garoto, trabalhando em meu escritório de advogado me surpreendia com sua paixão pelas letras. Devo-lhe a apresentação de Campos de Carvalho, cuja obra inteira passei a ler e a comentar com todo o entusiasmo que ele me cobrava. Apresentei-o literariamente a Cecília Meireles e Raul de Leoni, pelos quais se apaixonou. Nesse dividir crescente consolidei uma profunda afinidade sempre surpreendente pelo jovem com alma e sensibilidade de adulto. Vou registrar um detalhe simples mas riquíssimo de um dia-a-dia de meu escritório, no qual com sua presença não se permitia a burocrática rotina. Fazíamos para nossos clientes inúmeras minutas de escrituras e contratos para a venda de imóveis. Sem exceção, o texto de todas as escrituras era um só consagrado pelos Cartórios de Notas: “Saibam quantas estas virem que no dia tal compareceram perante mim Tabelião os Srs. fulano e beltranos que me disseram: seguia-se então a descrição dos pactos. O Roberto, não se conformando com a chatice, veio me propor uma abertura diferente: “Era uma bela manhã de sol, quando adentraram em meu cartório as figuras nervosas e risonhas de dois casais cuja felicidade contagiou-me e aos meus colegas de cartório: o primeiro casal realizaria o sonho da casa própria e o segundo receberia o dinheiro com o qual certamente realizaria seus sonhos imediatos”. E seguiriam os pactos. Poesia pura. Confesso ter tentado mas os escribas não concordaram. Roberto é assim. Poesia e ânsia cultural por todos os poros. Existem dentre os meus “certos mortos” quatro ou cinco e agora seis dos quais simplesmente me recuso despedir. Dentre as pérolas que cultivávamos separo duas: - “Naquela nuvem, naquela, te mando meu pensamento. Que Deus se ocupe do Vento” (Cecília Meirelles). - “Vês que a vida, afinal, é bela. E a beleza é a mais generosa das verdades”. (Raul de Leoni).”
Setembro/Outubro de 2005
Jornal da ABI VIDAS
O ADEUS DE APOLÔNIO
Foi na ABI que essa figura mitológica da vida nacional fez o seu último pronunciamento público. Com grande emoção os parentes, amigos e antigos companheiros de Paulo de Castro ouviram o último orador da sessão em que, em 6 de abril, a ABI prestou homenagem póstuma ao jornalista e escritor acolhido no Brasil, como exilado político, depois de participar da resistência à ditadura salazarista, em seu país, de combater nas brigadas de voluntários de defesa da República Espanhola e,
com a derrota desta, ser internado num dos campos de concentração em que o Governo da França confinou os sobreviventes da Guerra Civil da Espanha após a vitória das forças do General Francisco Franco. É que esse orador, Apolônio de Carvalho, convivera com Paulo de Castro nesses campos de concentração e podia prestar, quase 70 anos depois, um depoimento sobre os verdes anos em
que ambos, como milhares de combatentes de vários continentes, lutavam de armas na mão por um mundo de liberdade e justiça. Na homenagem a Paulo de Castro, Apolônio de Carvalho — que morreu aos 93 anos de insuficiência respiratória, em 23 de setembro,— compareceu à ABI vestindo uma vistosa camisa coral e se levantou sem dificuldade na pla-
téia para integrar a mesa-diretora — ao lado do jornalista e ex- Presidente da ABI Fernando Segismundo, do sociólogo Clóvis Brigagão, dos professores Saul Fuks e Leodegário Azevedo e do Embaixador de Portugal, Francisco de Seixas da Costa. Último orador da noite, Apolônio comoveu a platéia com o que viria a ser seu último pronunciamento público.
Dentro desse quadro eu queria lembrar o que nos unia particularmente nos meses em que vivemos juntos nos campos de concentração franceses e nas poucas vezes em que pudemos ver-nos e sentir-nos depois, já aqui, com sua presença no Brasil. Seria importante reafirmar um dos traços fundamentais de Paulo de Castro que nos foram lembrados aqui há pouco, em especial a sua condição de professor. Quando o conheci num campo de concentração francês, eu, participante da delegação de voluntários brasileiros, ele como participante da delegação portuguesa, pude sentir, no contato com ele, a profundidade de sua sede de cultura, a sua capacidade, colhida em Portugal, mas particularmente na França, de sentir o ontem e o hoje da sociedade e poder assim acumular elementos no debate de idéias para as perspectivas do amanhã. Queria lembrar particularmente a sua visão ampla e abrangente do quadro de debate político e de confronto de idéias. Cachapuz foi, antes de tudo, uma figura aberta a compreender a imensa importância da existência do que é diferente, a imensa importância das contradições que asseguram o desenvolvimento não apenas da natureza, não apenas da sociedade, mas sobretudo do espírito de nossas consciências. Sob esse aspecto aprendi com Cachapuz uma série de ensinamentos e de lições.
É verdade que na Espanha não éramos figuras isoladas. A Espanha reunia, ao lado da República traída e mutilada, o que havia de mais ardoroso no quadro dos partidários da liberdade, dos direitos humanos e da busca de uma sociedade melhor. E não apenas dentre os países vizinhos, como era o caso dele, que vinha de Portugal. Era o caso dos demais países da Europa Meridional, mas também de áreas muito longínquas, como a Malásia, como a China e a Índia, como a Austrália, como as Américas do Norte, do Centro e do Sul. Havia assim para mim, jovem de vinte e poucos anos como Cachapuz, um campo imenso de riqueza de idéias e de lições de vida para aprender. Queria lembrar finalmente, para não roubar mais tempo de vocês neste final de tão bela cerimônia, alguns elementos particulares que fizeram de Cachapuz não apenas o organizador do debate de idéias na sua equipe de voluntários portugueses. Ele dava cursos para os seus companheiros porque sabia que a História muda não apenas pela presença ativa do povo, mas na medida em que os níveis novos de consciência, nascidos do debate de idéias, ajudam a compreender a necessidade dessas mudanças. Assim, ele foi um elemento teórico que ajudou a compreender que os horizontes mais longínquos não são alvos assim inatingíveis, ao contrário, porém não podem ser alcança-
dos da noite para o dia. Ele ensinou também que a militância política não pode ser efetiva, não pode ser criadora se não se apóia no conhecimento da realidade e ao mesmo tempo no conhecimento da História, nas lições e experiências acumuladas no ontem, no anteontem e no hoje, ainda em busca de algo melhor amanhã. Entre as lições que recebi de Cachapuz, do nosso Paulo de Castro, queria lembrar ainda a sua visão da democracia como a grande arma, o grande sistema político capaz de abrir os caminhos do amanhã. Ele me fez compreender que a democracia, em seu desenvolvimento constante, abre caminho para as sociedades melhores e mais justas e para uma sociedade superior amanhã. Quero agradecer muito a honra que me deram numa reunião que é quase uma grande família de amigos e lembrar como elemento final uma das lições mais altas que permanentemente recebi do nosso homenageado: a visão do mundo com confiança, a certeza e a confiança de que as forças do progresso, as consciências livres, os que pensam, sentem e lutam pelo privilégio de sonhar e de viver são chamados a olhar as condições mais difíceis e os momentos mais duros com um espírito novo, com a visão de confiança nos horizontes novos, com muita e muita esperança. Muito obrigado.”
“Queridos amigos e amigas,
Setembro/Outubro de 2005
AGÊNCIA O GLOBO
Tudo o que se poderia falar do meu querido amigo Cachapuz, chamado de Paulo de Castro no Brasil, já foi feito aqui. O seu retrato foi composto de maneira fiel e, sobretudo, marcante. Eu me atreveria a fazer, se permitissem, um pequeno adendo. Foi mostrado aqui o homem de talento, o combatente político, o historiador, o jornalista. Eu gostaria de lembrar, se vocês permitirem, como um pequeno adendo, o cidadão e, como marca principal do cidadão, o militante político, em particular, como muitos de nós, o militante de esquerda. Essa característica comum fez que peregrinássemos, em nossa juventude, por várias áreas marcadas pelos níveis mais altos das crises políticas da época, que nos víssemos ali onde o espírito de solidariedade, o espírito de contato e ao mesmo tempo a vivência comum dos povos irmãos nos tinham levado à defesa, como voluntários, da República Espanhola invadida, mutilada e, após, batida pelas forças conjugadas dos elementos ditatoriais que vinham da Itália e da Alemanha e de dentro da própria Espanha, fruto da coligação conservadora das centenas de velhos generais espanhóis, dos príncipes da Igreja, dos restos da monarquia. Tudo isso fez que fôssemos conhecer pessoalmente o nosso Cachapuz, o nosso Paulo de Castro, já com 20 e poucos anos, em condições muito especiais, como “hóspedes” do Governo francês em seus campos de concentração da área dos Pirineus. Foi num dos campos de concentração que nós viemos a conhecer-nos. E é neste aspecto que eu queria trazer a vocês um pouco do que me traz a memória. Se no quadro de História de ontem e de hoje os que me precederam de maneira muito rica marcaram a imagem da época e do homem, a memória ajuda a mostrar também os elementos mais íntimos, a análise do passado e do presente e a busca de caminhos para um futuro melhor. Neste ponto eu queria marcar, antes de tudo, uma das características flagrantes do nosso homenageado: o sentimento de família, o grande amor por sua Ethel, sua esposa, por sua Andréia, por seus filhos, e o carinho imenso que tinha pelos amigos e companheiros e o desvelo por acompanhar as suas condições e suas dificuldades dentro desses anos e dessas décadas que marcavam, já com ele aqui no Brasil, o nosso período mais próximo da clandestinidade.
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Jornal da ABI HISTÓRIA
N
a sessão comemorativa do 50º aniversário do filme Rio, 40 graus, realizada em 23 de setembro na Sala Cecília Meirelles, a ABI recebeu uma placa em homenagem à participação dos jornalistas na luta para a liberação do filme de Nélson Pereira dos Santos. A obra fora proibida pelo então Chefe de Policia do antigo Distrito Federal (o Rio ainda era a capital do País), Coronel Geraldo de Menezes Cortes, sob a alegação de que o filme não reproduzia a realidade do Rio de Janeiro, a começar pelo seu título, pois, segundo ele, a cidade nunca teve temperatura de 40 graus. Na justificação da homenagem à ABI, os organizadores do ato destacaram a contribuição do jornalista Pompeu de Souza, na época diretor do jornal Diário Carioca, na campanha para a liberação de Rio, 40 graus — o que finalmente aconteceu no dia 23 de setembro de 1955. O apresentador da sessão foi o ator Carlos Vereza, que em 1984 interpretou Graciliano Ramos no filme Memórias do cárcere, também dirigido por Nelson Pereira dos Santos. Além da ABI, foram homenageados na cerimônia, organizada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, artistas e integrantes da equipe de produção do filme, entre os quais os atores Mauro Mendonça e Jece Valadão, o diretor de produção Ciro Freire Cury e as escolas de samba Portela e Unidos do Cabuçu. A sessão foi aberta com a execução de A voz do morro pela Orquestra Sin-
Nélson (na foto maior e à esq.) festeja o diretor de produção Ciro Freire Cury.
Há 50 anos, uma guerra pelo filme que se tornou o marco do Cinema Novo. 32
CINEMA EXALTA AÇÃO DA IMPRENSA NA LIBERAÇÃO DE
Rio, 40 graus FOTOS UFRJ
Carlos Vereza conduziu a sessão, a que não faltaram sambistas da Portela e da Unidos do Cabuçu, que participaram da produção do filme.
fônica da UFRJ, sob a regência do maestro Leonardo Bruno: essa criação de Zé Kéti foi a base da trilha musical do filme. Primeiro orador da sessão, o Reitor da UFRJ, Professor Aloísio Teixeira, destacou a importância de Rio, 40 graus como marco do Cinema Novo, obra inspirada no neo-realismo italiano e de grande influência nas utopias que moviam os que lutavam pelo progresso social do País. Durante o ato foi lançado o livro Nelson Pereira dos Santos, uma cinebiografia do Brasil — Rio, 40 graus, 50 anos, editado em colaboração pelo Centro Cultural Banco do Brasil e a UFRJ. O livro contém 13 capítulos, ilustrados com fotos de filmes do diretor e de outros longa-metragens nacionais do período do Cinema Novo. Os textos sobre a vida e a obra do homenageado são assinados pelos jornalistas Roberto D’Ávila e José Carlos Avellar, este também crítico de cinema, os cineastas Cacá Diegues e Luiz Carlos Lacerda, a Professora Mariarosaria Fabris, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, que publicou entre outros livros Nelson Pereira dos Santos: um olhar neo-realista?, e outros intelectuais que acompanham a trajetória do cineasta. Setembro/Outubro de 2005