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Aldir Blanc homenageia seu amigo Roberto Moura Página 11

Jornal da ABI Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

Janeiro de 2006 • Número 304

PROJETO DE LEI DO GRAMPO ATROPELA A CONSTITUIÇÃO A revisão da Lei do Grampo (Lei n° 9.296, de 1996), em estudo nos bastidores do Ministério da Justiça, pode conter asgressões à liberdade de imprensa que atropelam o texto constitucional. Um magistrado analisa mais essa pretensão liberticida. Páginas 8, 21 e Editorial na página 2

O 11 de Setembro mudou o jornalismo O atentado às Torres Gêmeas de Nova York provocou uma mudança no jornalismo no mundo todo, alterando valores e até a linguagem da mídia, denuncia o estudioso chinês Li Xinguang, da Universidade de Pequim. Páginas 18 e 19

Pesquisas realizadas há quase 20 anos indicavam que 70% do público urbano gostariam de ter mais informações sobre ciência, que carece de espaço maior na imprensa. Páginas 3, 4, 5 e 6

RODRIGO CAIXETA

Luiz Pinto partiu. Deixou fotos memoráveis, como esta da campanha Tancredo Já. Páginas 22 e 23.

DEPOIMENTOS

Milton Coelho e Nahum Sirotsky com o saber de experiência feito Melhor que ser repórter é ser pauteiro, diz Milton (à esq.). Jornalismo e jornalistas têm que ser sempre atuais, diz Nahum (à dir.). Os dois falam do que sabem. Páginas 9, 10, 11 e 14, 15 e 16

JAIRO SHNAIDER

A ciência nossa de cada dia carece de espaço

Uma foto histórica que Luiz Pinto deixou


Jornal da ABI EDITORIAL

Bastos e sua biografia

NESTA EDIÇÃO

Setores do Governo da República ainda não assimilaram em sua integridade o teor e o espírito da Constituição de 5 de outubro de 1988, como demonstra a freqüência com que hierarcas dos altos escalões imaginam, sugerem ou propõem medidas que ofendem de forma grave o Estado Democrático de Direito instituído no País após mais de duas décadas de ditadura e terror. Jejunos de conhecimentos jurídicos, esses nichos influentes do Poder raciocinam e agem como se estivessem num diretório acadêmico, à frente de uma aventura estudantil, e que podem fazer o que lhes dá no bestunto, sem consideração nem respeito a qualquer mandamento legal ou constitucional. Não há muito tivemos o rumoroso caso do correspondente do The New York Times que o Governo queria expulsar do País, como represália e punição a um texto em que esse profissional não foi feliz nem na forma nem nas informações que reuniu e divulgou. A medida punitiva, que certamente seria derrubada pela Justiça, só não foi consumada porque o Ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que se encontrava no exterior quando se cogitou da decisão, retornou a tempo de engendrar uma solução, sob a forma de um suposto acordo, em que o Governo pôde recuar de cara limpa da disposição totalitária que manifestara. É estranho que sob o pálio do Ministério dirigido pelo mesmo Márcio Thomaz Bastos se avente e se estude a possibilidade de introduzir na chamada Lei do Grampo, a Lei n° 9.296, de 1996, dispositivo que vise a conduzir à prisão o jornalista que divulgue informações contidas em gravações feitas com autorização do Poder Judiciário em investigações realizadas ou em realização por órgãos competentes. Como a ABI advertiu em declaração divulgada em 18 de janeiro e transcrita integralmente na página 21 desta edição e como igualmente alerta eminente magistrado, Juiz Jansen Fialho de Almeida, em artigo que publicamos na página 8, essa intenção não pode materializar-se em texto legal, porque abalroa o texto constitucional, especialmente no artigo 220 e seus dois parágrafos, que vedam expressamente a possibilidade de se converter em lei essa pretensão malsã de agentes totalitários enquistados no Governo. Como lembrou a ABI, o Ministro Márcio Thomaz Bastos foi Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e tem, portanto, uma biografia a zelar. A ABI espera que ele a respeite, pelo menos neste assunto.

A ciência nossa de cada dia

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O site da ABI com algo mais

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Artigo: Não à mordaça da imprensa

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Artigo: Sob o manto da corrupção

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“Melhor do que ser repórter é ser pauteiro”

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Aldir Blanc: Roberto, Memória

“Jornalismo é como a notícia: ou se é atual, ou já era” 14 O impacto do 11 de Setembro no jornalismo

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Uma declaração em defesa do sigilo das fontes

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Onde mora a liberdade

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Incendiários condenados

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Bomba não abala o Mogi News

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A Vivo errou na Gazeta

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A ABI contra a nova Lei do Grampo

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Novas mortes na Cemig

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Uruguaios agradecem solidariedade

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Vidas: Luiz Pinto, O fotógrafo

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Sonho e realidade na imprensa do Rio

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Conselheiros efetivos (2004-2007) Antonieta Vieira dos Santos, Arthur da Távola, Cid Benjamin, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Héris Arnt, Irene Cristina Gurgel do Amaral, Ivan Cavalcanti Proença, José Gomes Talarico, José Rezende, Marceu Vieira, Paulo Jerônimo, Roberto M. Moura, Sérgio Cabral e Teresinha Santos

Associação Brasileira de Imprensa DIRETORIA – MANDATO 2004/2007 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Audálio Dantas Diretora Administrativa: Ana Maria Costábile Soibelman Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Souza (Pajê) Diretora de Jornalismo: Joseti Marques CONSELHO CONSULTIVO Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira, Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura CONSELHO FISCAL Jesus Antunes – Presidente, Miro Lopes – Secretário, Adriano Barbosa, Hélio Mathias, Henrique João Cordeiro Filho, Jorge Saldanha e Luiz Carlos Oliveira Chester CONSELHO DELIBERATIVO (2004-2005) Presidente: Ivan Cavalcanti Proença 1º Secretário: Carlos Arthur Pitombeira 2º Secretário: Domingos Xisto da Cunha Conselheiros efetivos (2005-2008) Alberto Dines, Amicucci Gallo, Ana Maria Costábile, Araquém Moura Rouliex, Arthur José Poerner, Audálio Dantas, Carlos Arthur Pitombeira, Conrado Pereira, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima, Joseti Marques, Mário Barata, Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça e Ricardo Kotscho

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Conselheiros efetivos (2003-2006) Antonio Roberto da Cunha, Aristélio Travassos de Andrade, Arnaldo César Ricci Jacob, Carlos Alberto Caó Oliveira dos Santos, Domingos João Meirelles, Fichel Davit Chargel, Glória Sueli Alvarez Campos, João Máximo, Jorge Roberto Martins, Lênin Novaes de Araújo, Moacir Andrade, Nilo Marques Braga, Octávio Costa, Vitor Iorio e Yolanda Stein Conselheiros suplentes (2005-2008) Anísio Félix dos Santos, Edgard Catoira, Francisco de Paula Freitas, Geraldo Lopes, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Amaral Argolo, José Pereira da Silva, Lêda Acquarone, Manolo Epelbaum, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Pedro do Coutto, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães Conselheiros suplentes (2004-2007) Adalberto Diniz, Aluísio Maranhão, Ancelmo Gois, André Louzeiro, Jesus Chediak, José Silvestre Gorgulho, José Louzeiro, Lílian Nabuco, Luarlindo Ernesto, Marcos de Castro, Mário Augusto Jakobskind, Marlene Custódio, Maurílio Ferreira e Yaci Nunes Conselheiros suplentes (2003-2006) Antônio Avellar C. Albuquerque, Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Antonio Roberto Salgado da Cunha, Domingos Augusto G. Xisto da Cunha, Hildeberto Lopes Aleluia, José Carlos Rego, Lorimar Macedo Ferreira, Luiz Carlos de Souza, Marco Aurélio B. Guimarães, Marcus Antônio M. de Miranda, Mauro dos Santos Vianna, Pery de Araújo Cotta, Rogério Marques Gomes, Rosângela Soares de Oliveira e Rubem Mauro Machado

COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Ely Moreira – Presidente, Jarbas Domingos Vaz, José Ernesto Vianna, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio Cândido Ferreira COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Artur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Arthur Cantalice, Arthur Nery Cabral, Daniel de Castro, Germando Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yaci Nunes

Jornal da ABI Rua Araújo Porto Alegre, 71, 7º andar Telefone: (21) 2220-3222/2282-1292 Cep: 22.030-012 Rio de Janeiro - RJ (jornal@abi.org.br) Editores: Francisco Ucha, Joseti Marques e Maurício Azêdo Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Diretor responsável: Maurício Azêdo Impressão: Gráfica Lance Rua Santa Maria, 47 - Cidade Nova - Rio de Janeiro, RJ. As reportagens e artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do Jornal da ABI.

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Jornal da ABI ESPECIALIZAÇÃO por José Reinaldo Marques ARTE DE UCHA SOBRE IMAGENS DE WWW.PHOTOS.COM

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ovas descobertas sobre a origem da humanidade, exploraçãodos planetas, os avanços na medicina, mudanças climáticas, perda da biodiversidade e meio ambiente são questões importantes que ganharam espaço nas páginas dos jornais, revistas, na internet e nos noticiosos do rádio e da TV, a partir da criação das editorias de Ciência e Tecnologia, além é claro das publicações especializadas, como as revistas Galileu e Scientific American Brasil, e diversos sites que tratam do assunto. O jornalista Ulisses Capozzoli, especialista em divulgação científica e doutor em Ciências pela Universidade de São Paulo, atualmente Presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico, considera difícil precisar o início do jornalismo científico no Brasil — “Hipólito José da Costa (17741823) já escrevia sobre assuntos científicos no Correio Braziliense”, diz. Segundo ele, essas editorias tornaram-se mais comuns a partir da segunda metade dos anos 80, refletindo uma consolidação da pesquisa científica no País: — Em 1948, com a fundação da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência-SBPC, o Professor José Reis começou a tratar desses assuntos na Folha de S. Paulo, através da coluna Periscópio na página que o jornal mantinha aos sábados sobre ciência e tecnologia. Em 1983, praticamente apenas o professor mantinha sua coluna na Folha. O Globo produz, há algum tempo, a página Ciência e Vida e o Jornal do Brasil, especialmente com Jorge

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Luiz Calife, teve um período muito bom de jornalismo científico. Além de merecer nos diários um espaço mais relevante, na opinião do jornalista espanhol Manuel Calvo Hernando, Secretário-Geral da Associação Ibero-Americana de Jornalismo Científico e Presidente da Associação Espanhola de Jornalismo Científico, a divulgação científica tem pela frente outros grandes desafios a superar no século, principalmente pelos erros freqüentes cometidos pela mídia, cujo papel é informar seu público com correção. Para justificar sua crítica, ele se baseou num estudo realizado pela Escola de Jornalismo e Meios de Comunicação da Universidade de Minnesota, que analisou o noticiário de ciência da

Manuel Calvo Hernando, Secretário-Geral da Associação Ibero-Americana de Jornalismo Científico: Erros da imprensa são os mais públicos que existem.

Pesquisa do Instituto Gallup revela que o noticiário científico atrai 70% do público urbano do País e por isso já deveria ter sido contemplado com cadernos específicos nos jornais diários. imprensa dos Estados Unidos e chegou a estas conclusões: omissões importantes somam 33%; citações truncadas ou incompletas, outros 33%; títulos enganosos, 31%; resumo excessivo dos assuntos, 25%; análise defeituosa entre causa e efeito, 22%; matérias mal-apuradas em que a especulação se transforma em fato, 20%; títulos imprecisos,14%; dados incorretos, 7%; outros erros, 6,2%. Manuel Hernando diz que esse resultado não é novidade, pois sempre se soube que há uma relação direta entre o grau cultural dos jornalistas e a precisão da comunicação. Quanto a essas questões, o Presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Científico tem a seguinte opinião: — Em que pese toda a contribuição que ele deu ao jornalismo científico, o Professor José Reis pertencia a uma escola preocupada com detalhes que não podem ser desconsiderados, mas não representam as questões mais cruciais. O ritmo de trabalho da im-

prensa condiciona esses erros operacionais. Além disso, os erros da imprensa são os erros mais públicos que existem. Uma pauta esquecida Ulisses Capozzoli diz que, como ocorre em economia e política, a pesquisa científica é uma pauta que também tem potencial para render ótimas manchetes de jornal, mas que por alguma deficiência essa não é uma prática comum na imprensa. “Quando isso acontece, é um sinal evidente de que as coisas do mundo já não são as mesmas de antes”, escreveu ele no artigo “Analfabetismo científico na mídia”, publicado no portal Jornalismo Científico. O jornalista reclama, também, da falta de suplementos de ciência nos jornais brasileiros: — É preciso considerar que os grandes jornais têm suplemento de turismo, informática, agricultura e televisão, mas não têm um caderno de ciên-

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Jornal da ABI

José Reis: de 1948 a 1983, o único jornalista a se ocupar de ciência na imprensa.

cia, apesar de o conhecimento ser hoje o bem mais valorizado na sociedade. Há um descompasso de mentalidades nas redações, pobremente justificado com a idéia de que temas científicos não rendem publicidade. Para que haja mudança nesse quadro, Capozzoli acha necessário que se implemente um processo de sensibilização para a perspectiva da ciência que parta do interior das redações e chegue às agências de publicidade. Embora concorde em que o espaço deveria ser ampliado, a editora de Ciência do Estado de S. Paulo, Viviane Kulczynsky, acha que os veículos da grande mídia, mesmo fora do eixo RioSão Paulo, não têm como ignorar o assunto: — Os grandes e rápidos avanços nesse campo não podem ser ignorados. Sempre cito o exemplo do Zero Hora (RS) e o seu caderno Eureka!. A decisão de lançar um suplemento tablóide específico, ainda que semanal, é totalmente louvável. A morte de Eureka! Quando elogiou o Eureka!, Viviane não sabia que o suplemento do jornal

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gaúcho, lançado em março de 2001, mudou de nome e de foco em novembro do ano passado. Um dos motivos alegados para a mudança foi a perda do apoio financeiro da Universidade de São Leopoldo, com a qual o Zero Hora mantinha, também, um convênio de suporte técnico. Com a reformulação, o Eureka! passou a se chamar Globaltech e as matérias de ciência perderam espaço para as de tecnologia, que hoje respondem por cerca de 80% do noticiário, corroborando a crítica do Presidente da Associação Brasileira de JorO suplemento Eureka! do Zero Hora desapareceu por não conseguir manter o patrocínio. Cedeu lugar ao Globaltech, em que a tecnologia assume o primeiro plano por atrair mais anúncios do que a ciência. nalismo Científico. Sobre a questão publicitária, diz Helton Werb, editor-chefe do supleO Eureka! foi duas vezes finalista nos últimos 20 anos. Isso se deveu, em mento: do Prêmio Esso de Jornalismo Cientíparte, à variedade das fontes nacionais — Não tenho os números concrefico e teve 203 edições. Enquanto suas de informação, que são consideradas tos sobre o aspecto comercial, mas a vedetes eram a Arqueologia e a Paleonde boa qualidade. Porém, Cláudio Ânpolítica do Zero Hora em relação aos tologia, no Globaltech o grande destagelo Monteiro, editor de Ciência da suplementos é de que eles tenham alque são as inovações tecnológicas em Folha de S. Paulo, acha que há mais salgum tipo de patrocínio. Como houve telefonia celular, informática e outras tos a dar: dificuldade na renovação do contrato áreas, o que — Helton não esconde — — É preciso tornar o noticiário de com a Universidade, a decisão da Diregerou muita reclamação dos leitores ciência mais “quente” e mais “brasileição, para conter custos, foi parar a cirno início. ro”. Há muita divulgação científica, culação e investir num produto mais — Recebemos muitos e-mails de mas pouca investigação e pouca presvoltado para a tecnologia. jovens, estudantes e professores. Cotação de contas sobre o que nossos cienUma das principais estratégias, senheci muita gente que tinha virado tistas fazem com o dinheiro do contrigundo Helton, foi reforçar a marca colecionador do suplemento e o seu buinte. O jornalismo ambiental, nesse Globaltech, nome de uma feira de tecfim foi sentido até pelos jornaleiros, ponto, tem se saído melhor, mas tamnologia que o Grupo RBS (Rede Brasil que dizem que as publicações cientíbém tem potencial para melhorar mais. Sul de Comunicação) promove uma ficas vendem muito, principalmente No caso específico do jornalismo civez por ano em Porto Alegre: as dirigidas ao público infantil. entífico, seria mais interessante se os — O que eu vejo na imprensa braveículos de comunicação parassem de sileira é que o jornalismo científico é Falta calor se contentar em fazer coberturas eveno patinho feio ou o primo-pobre da Para a maioria das pessoas ouvidas tuais, como afirma a experiente Teremídia. A divulgação científica, apesar pelo ABI Online, o jornalismo científizinha Costa, jornalista especializada da sua importância, não é uma área co no Brasil, apesar de ter que enfrenem ciência, tecnologia e meio amque tenha alcançado muito prestígio tar o descrédito publicitário, deu um biente e autora do livro Engenharia nas redações. enorme salto de qualidade editorial da transparência: vida e obra de Lobo Carneiro: — Uma das dificuldades que o jornalismo científico enfrenta é a pressão que o profissional sofre para produzir matérias em curto prazo, numa área em que, talvez mais do que nas outras, é essencial o tempo para digerir idéias e informações. Além disso, afora algumas exceções, a cobertura é episódica. Com isso, os jornalistas têm pouca chance de se dediA grande mídia não pode ignorar a importância dos avanços da ciência, car à área e se esdiz Viviane Kulczynsky, editora de Ciência do Estadão. Para Helton Werb, de Zero Hora, a ciência é um patinho feio da imprensa. pecializar.

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Jornal da ABI O Estadão, com sua seção Vida&, e O Globo, com Ciência e Vida, ligam a cobertura científica às questões de saúde, forma de atrair mais leitores. A Folha, pioneira nessa cobertura, aperfeiçoou as formas de apresentação do tema.

Apenas um nicho, de progresso limitado

WWW.SCIENCENET.COM.BR

As universidades e a mídia do País prensa mundial. O New York Times, o precisam preocupar-se com a melhoBoston Globe e o Washington Post não têm ria da capacitação dos jornalistas que isso. Em compensação, contam com desejam atuar na área de ciência. muito mais gente para cobrir a área. Quem alerta é o Presidente da AssoA jornalista Terezinha Costa conciação Brasileira de Jornalismo Ciensidera que o crescimento e a profissiotífico, Ulisses Capozzoli: nalização das assessorias de imprensa — O assunto se transformou nutêm ajudado muito a divulgação cienma certa coqueluche e com isso atraiu tífica e os colegas que trabalham com muita gente sem qualificação, buso tema. Como há poucos profissionais cando apenas certo prestígio. As faespecializados, a competição no setor culdades e Redações deveriam passar também é menos acirrada, o que não por uma profunda reformulação, para os livra de ter que entender de assunque possa emergir um jornalismo intos variados: terpretativo de boa qualidade. E esse — O jornalista precisa gostar de ciêndesafio é de toda a sociedade, embocia e tecnologia e não ter medo de tera possa não parecer à primeira vista. mas que a maioria das pessoas acha Informação de boa qualidade é um recomplicados ou técnicos demais. É preflexo de boas condições sociais. ciso, porém, levar em conta que esse uniO editor Cláudio Ângelo Monteiro, verso é muito amplo: abarca praticada Folha, é mais contundente em suas mente todas as áreas da ação humana. críticas ao mercado de trabalho e se Terezinha acha que a curiosidade diz cético em relação ao crescimento intelectual é fundamental, mas conhede oportunidades no cimentos profundos campo da ciência, sobre os temas a seque, no Brasil, “não rem abordados, nem oferece perspectiva tanto: de crescimento”. — Até porque isso — Vejo-o como seria impossível. Basaquilo que os econota que o jornalista temistas chamam de nha disposição para mercado de nicho. Ou adquirir noções básiseja, toda Redação decas que lhe permitam veria ter jornalistas da pelo menos iniciar área, com sua compeuma conversa com tência diferenciada, um astrônomo, um pagando um “prêfísico, um químico, mio” ou sobrepreço Presidente da Associação Brasileira de um paleontólogo etc., Jornalismo Científico, Ulisses Copozzoli por essa competência. defende melhor capacitação dos e usar cada entrevisjornalistas na área de ciência. ta para aprender um Mesmo assim, ele elogia o esforço de pouco mais. E se ele parte da nossa imprensa para divulse interessar também por história da gar o tema: ciência e um pouco de economia e for — Na Folha, por exemplo, temos capaz de articular tudo isso em suas uma das poucas páginas diárias dedimatérias, então irá se destacar. cadas exclusivamente à ciência na imPara cativar o leitor, Viviane

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Formada há dois anos em Jornalismo e, atualmente fazendo um curso de especialização em gestão ambiental, a repórter Júlia Kacowicz, do Diário de Pernambuco, concorda em que a aptidão para a pesquisa é fundamental na divulgação científica. E como os assuntos das reportagens são muito diversificados, não há como selecionar uma área Kulczynsky, do Estadão, entende que principal de formação: o principal é transformar o tema em — Alguns termos técnicos ou cienalgo acessível a todos: tíficos podem ser bastante assustado— Não somos uma revista especiares, por isso é preciso lizada. Logo, somos buscar ao menos um lidos por gente com conhecimento básico as mais diversas forantes de qualquer enmações. Nossa funtrevista. Muitos cienção é quase que a de tistas são muito acessítraduzir assuntos veis. Outros, no entancomplexos e tornáto, não têm interesse los legíveis, inteligíem divulgar seu trabaveis e prazerosos, lelho ou serem comprevando para o univerendidos, acham que os so do leitor questões jornalistas é que têm a complexas, mas funobrigação de saber de damentais. tudo. No Estado de S. Para estes, Júlia proPaulo, assuntos de Repórter do Diário de Pernanbuco, ciência e tecnologia Júlia Kacowicz diz que há cientistas cura esclarecer a imporacessíveis; outros, nem tanto. tância de transmitir paestão vinculados à ra o leitor mensagens Geral, que passou a sem dúvidas, principalmente porque se chamar Vida& com o novo projeto o assunto será mostrado num veículo gráfico do jornal: não-especializado: — Nas quartas-feiras, temos sem— Num jornal diário, o ideal é ser pre matérias, notas e um artigo sobre claro sem ser superficial, pois o públio tema, o que não exclui a publicação co é muito diversificado. O texto deve de reportagens científicas nos demais ser atraente, para causar interesse nos dias da semana. leigos, e informativo, para não desaO mais importante, diz a editora, é pontar os cientistas. Todos gostam de não ficar na superfície da notícia: ler um texto informativo e de fácil di— Temos a preocupação de que a gestão. Dessa forma, ainda estaremos equipe de reportagem seja competencontribuindo para a divulgação ciente para ir além da notícia, com capacitífica, despertando o interesse de um dade de repercutir, de explicar as impúblico mais amplo. plicações dos temas abordados.

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Jornal da ABI

Ciência é um assunto que atrai o povo brasileiro — já no fim dos anos 80, de 70% da população urbana do País se interessavam pelo tema, segundo pesquisa do Instituto Gallup. Embora sejam de 18 anos atrás, os dados apontam que “este percentual sobe para 70% da população adulta brasileira” e que “esses números revelam a existência de uma grande demanda potencial pelo jornalismo científico e por revistas de popularização das ciências em geral, inclusive mostrando a necessidade de ser empreendido um grande trabalho de divulgação científica”. Na visão do professor Fernando Rochinha, diretor acadêmico da Coordenação do Programas de PósGraduação de Engenharia-Coppe, da Universidade Federal do Rio de Janeiro-UFRJ, o único erro das revistas especializadas nacionais é não valorizar os acadêmicos e pesquisadores brasileiros em suas reportagens. Mesmo assim, considera que elas cumprem um papel essencial e têm edição e conteúdo de boa qualidade: — Acho até que elas se esforçam para empregar uma linguagem que seja adequada para diversos públicos. Gosto muito da linha editorial da Galileu, porque ele tem um viés apropriado para o leitor juvenil, o que estimula o ensino da ciência. Hélio Santos, editor-chefe da Galileu — lançada em agosto de 93 pela Editora Globo —, diz que a qualidade das fontes é o maior patrimônio conquistado pela revista, que “tem conexões valiosas na Academia Brasileira de Ciências”. — Também não podemos ignorar as fontes estrangeiras, em órgãos como a Nasa, por exemplo. Basta lembrar que fomos um dos poucos aqui a entrevistar o coreano Hwang Woo Suk, ex-líder mundial nas pesquisas de células-tronco, antes que seu trabalho caísse em desgraça por conta de fraudes vergonhosas em suas pesquisas. A Redação da revista conta com editor-chefe, editor-assistente, editora de arte e quatro repórteres especializados em diferentes áreas: — Também temos total abertura para trabalhar com free-lancers. Idéias originais, com um tempero diferente do que costumamos ter todos os meses, sempre são bemvindas — diz Hélio.

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ARQUIVO PESSOAL

ULISSES CAVALCANTI - DIVULGAÇÃO

Pesquisador pede mais valorização

Editor de Galileu, lançada pela Editora Globo em 1993, Hélio Santos salienta um dos pontos de apoio da revista: suas conexões com a Academia Brasileira de Ciências. Laura Knapp dirige a edição brasileira de Scientific American.

“Scientific American”, em português

A Scientific American brasileira aborda os temas com profundidade e nível acadêmico. Galileu recorre a fontes preciosas, entre elas a poderosa Nasa, que cuida do programa espacial dos Estados Unidos.

Outro veículo apreciado no meio acadêmico é a revista Scientific American, que no ano passado ganhou sua edição Brasil, com cem páginas e tiragem média de 70 mil exemplares. Sua Redação é composta por editor-chefe, editor-assistente, editor e editor-assistente de arte, além de suporte de iconografia e revisão. A maioria das matérias é escrita pelos próprios pesquisadores; reportagens e tradução são feitas por free-lancers. Laura Knapp, editora responsável pela Scientific American Brasil, diz que a principal característica da revista é falar para um público que tem bastante conhecimento de uma ou mais áreas da ciência. Por isso as matérias publicadas são profundas e de nível acadêmico, ainda que com linguagem jornalística: — Mesmo assim, somos uma revista de divulgação científica. O nível de nossas matérias não é “fácil”, isto é, elas contêm informações sobre o estado-da-arte da pesquisa mundial, mas não estamos direcionados somente aos estudiosos da área. Somos uma revista feita para o público em geral, com cer-

ta base sobre os assuntos que publicamos. Diz Laura que geralmente as pautas são balanceadas entre o que se produz no Brasil e no exterior; em média, são publicadas duas matérias escritas por pesquisadores brasileiros ou que versem pesquisas nacionais. No caso das matérias internacionais, é feita uma avaliação para saber se há necessidade de complementação com fontes locais. Para o biólogo Mário Moscatelli, professor de Gerenciamento de Ecossistemas do Centro Universitário da Cidade, a Scientific American Brasil é interessante pelo arco de informações que oferece: — A edição nacional trata de assuntos muito diversificados com profundidade, principalmente nos artigos científicos. Confesso que muitas vezes alguma coisa me escapa à compreensão porque não está no meu universo de estudo, mas a revista me proporciona uma verdadeira viagem pelo mundo da ciência. Para quem como eu gosta de física quântica e ficção, é uma possibilidade de sonhar mais alto.

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Jornal da ABI INTERNET por Rodrigo Caixeta

Assuntos de interesse da comunidade jornalística, veiculados em qualquer mídia nacional ou estrangeira e sempre atualizados, estão disponíveis no ABI Online, graças a convênio firmado com a Vídeo Clipping. Para quem chegou agora: o site da ABI (www.abi.org.br) já disponibiliza um clipping multimídia com as principais notícias de interesse da comunidade jornalística, capturadas de jornais, revistas, sites, rádios e emissoras de TV aberta e por assinatura. O projeto faz parte de um convênio firmado entre a ABI e a Video Clipping Produções, dirigida pelo jornalista Herval Faria, antigo sócio e ex-Diretor da Casa. Foi dele a iniciativa da parceria: — Era uma idéia que eu já tinha há tempos, mas não era uma coisa fácil de se fazer. Além disso, é um trabalho que merece ser feito com qualidade e acabou se tornando uma contribuição minha para a ABI. Herval diz que o Clip na Web da ABI registra informações de interesse para os jornalistas associados à instituição e sobre o que acontece no mundo da imprensa: — É o que chamo de democracia, pela qual tanto brigamos. Como jornalista, é gratificante poder servir à nossa categoria. Sabemos das dificuldades de alguns coleguinhas, às vezes até mesmo para poder comprar um jornal ou revista, e ali estão disponíveis pelo menos as matérias referentes ao jornalismo. O clipping da ABI fala da situação das empresas, avalia as transformações no mercado jornalístico e o quadro da mídia. Para a posteridade Uma novidade recente no Clip na Web da ABI, revela Herval, foi o aumento em 65% da tela de exibição dos vídeos. Ele explica como é feito o controle de qualidade do material “clipado”: — Cada segmento da empresa tem um coordenador. As matérias de TV, rádio e internet são postas automaticamente no ar. Uma parte da equipe faz a sinopse e tem uma jorna-

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FOTOS RODRIGO CAIXETA

O site da ABI com algo mais Com o Clip na Web, diz Herval, a ABI vai armazenar dados sobre a Casa e sobre a história da imprensa.

lista responsável pela supervisão geral do conteúdo, corrigindo erros e adequando informações. Para Herval, uma das seções de destaque no clipping da ABI é a dos depoimentos de personagens da crise política que atinge o País, reunidos desde o início das CPIs. Segundo ele, cerca de 150 pessoas — incluindo redação, administração e técnica — são responsáveis pela produção do conteúdo: — A atualização é feita diariamente e a equipe trabalha 24 horas, a fim de que o noticiário seja disponibilizado quase que instantaneamente. Fazemos clipping de televisão ao vivo, por exemplo. O Jornal Nacional — que começa às 20h15 e termina às 21h — tem clipping disponível por volta das 22h. Assistimos, fazemos o resumo, marcamos o que deve ser digitalizado e vai tudo ao ar. Durante o dia, cinco pessoas ouvem as principais rádios do Rio (em termos jornalísticos) — CBN, Band News, Tupi e Globo —, coletam as informações mais importantes, redigem a sinopse e digitalizam o áudio. No setor online, a equipe vê, lê e ouve tudo o que sai na rede através de portais e agências nacionais ou internacionais. Para Herval, é preciso considerar a importância deste serviço para a posteridade, pois o conteúdo fica permanentemente no ar: — Daqui a dez anos, o clipping da ABI vai ter uma história. Não só a história da ABI na mídia, mas a história da mídia no País e no mundo. Não que seja completa, mas pelo menos 70% dela. É

um acervo histórico que a internet permite fazer, pois converge todos os meios. Será possível pesquisar, por exemplo, como era o rádio nos dias de hoje, como estavam as emissoras, como chegou ao Brasil a TV digital etc. Como encontrar O Clip na Web da ABI oferece informações para pesquisa desde junho de 2005. Informa Herval que está disponível desde o clipping de “carta de leitores” até o programa “Café com o Presidente”: — O diferencial é que todo o conteúdo está salvo em nosso servidor, tornando a conexão rápida e eficaz para o internauta. E já estamos dobrando nossa capacidade de armazenamento de dados. Nunca vamos ti-

rar a seção do ar e temos fé de que vamos conseguir fazê-la por cem anos ou mais. Considerado um portal — que reúne notícias veiculadas em todas as mídias —, o Clip na Web tem um refinado mecanismo de busca, que permite a consulta do material pesquisado através de palavras-chave, assuntos e programas, seja com áudio, vídeo ou foto, entre outros recursos. Em sua primeira página, o Media Center apresenta uma videoteca e uma audioteca com os destaques do rádio e da TV, que posteriormente ficam disponíveis para pesquisa e resgate. Em Jornais & Revistas, as reportagens publicadas nos principais veículos do País — inclusive nos fins de semana e feriados — são disponibilizadas em formato PDF. Na seção Internacional, o visitante pode acompanhar o noticiário mundial, em sua língua de origem e com fotos, além de ser possível fazer a consulta no site em que o assunto foi originalmente publicado. Em TV, o internauta pode ver o clipping de telejornais, talkA ilha da edição da Vídeo Clipping, shows, entrevistas ou sempre de olho debates monitorados no que interessa à ao vivo, 24 horas por ABI e à imprensa. Abaixo, a redação dia. Em Rádio, são disda empresa, que ponibilizados o resufica ligada no mo das notícias e o áunoticiário 24 horas por dia, todo dio de cada uma delas. santo dia. Internet oferece o conteúdo veiculado pelos principais portais e agências de notícias brasileiros, também com a possibilidade de ser visto no site de origem. Por tudo isso, clique www.abi.org.br

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Jornal da ABI LEGISLAÇÃO Por Jansen Fialho de Almeida

Não à mordaça da imprensa Noticia-se nos meios de comunicação prenúncio de eventual proposta do Governo em fase de estudo para reformular a legislação de escuta telefônica e, dentre elas, a possibilidade de punição de jornalistas que divulgarem o conteúdo dos grampos, ainda que realizados com autorização judicial. No entanto, ao se confirmar essa iniciativa, padecerá no nascedouro de inconstitucionalidade, provando que os meios, ao contrário do que alguns pensam, comprometem os fins, o que passamos a demonstrar. A Lei n° 9.296/96 já prescreve que a responsabilidade da guarda do segredo de Justiça está afeta ao magistrado, ao Ministério Público, às autoridades policiais, às partes, aos servidores que tiverem acesso aos autos e aos técnicos das operadoras dos serviços de telefonia, isto é, todos aqueles que direta ou indiretamente atuarem ou participarem da investigação. Nada mais lógico e justo. Assim, se há vazamentos do conteúdo dos grampos, partiram de algu-

ma das pessoas a que a lei restringe os dados obtidos no procedimento. A partir daí, enquadrar por via infraconstitucional o jornalista como coautor do crime, seja por saber, divulgar os dados ou omitir a fonte, se consubstancia em evidente heresia jurídica, data maxima venia. É imperioso assinalar que a Constituição Federal de 1988 relativizou quase todos os princípios, limitando aqueles antes denominados de “absolutos”, no fundamento da supremacia do interesse público sobre o privado, dentre eles o sigilo das comunicações telefônicas nas hipóteses de inquérito policial ou processo penal, sempre com prévia autorização judicial, até porque assegurado ao acusado a presunção de inocência (art. 5º, XII e LVII). A par disso, cumpre ter presente que a novel Carta, no mesmo artigo que excepciona o sigilo, extirpou a censura e assegurou o silêncio da fonte aos veículos de comunicação e jornalistas (incisos IX e XIV), reforçando

em capítulo específico — “Da Comunicação Social” — de expressamente vedar à lei conter qualquer dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística, ratificando no próprio texto as garantias fundamentais que tanto protegem o acusado quanto a mídia (art. 220 e §1º). Como se depreende da interpretação sistemática das referidas normas, a mitigação constitucional da censura e da liberdade de informação dos meios está na vedação do anonimato, no direito de resposta e eventual condenação ao pagamento de danos materiais e morais ao ofendido, ou ainda ação criminal por ofensa à sua honra, se comprovada judicialmente a não veracidade da notícia (incisos IV, V, X e XIII do art. 5º). Não podemos esquecer que a divulgação de uma notícia não raras vezes resulta no conhecimento de outros fatos correlatos, ampliando a investigação para a real elucidação do caso.

Neste contexto, criminalizar a pessoa do jornalista pela prática de qualquer ato no exercício do mister não resulta em harmonizar os princípios constitucionais pertinentes à espécie, mas notoriamente amordaçar aqueles a quem as normas protegem o direito/dever de informar os fatos à sociedade e resguardar o sigilo da fonte, prerrogativa inerente e essencial à profissão e princípio basilar à própria manutenção do Estado Democrático de Direito, de modo que qualquer aventura jurídica nesta seara, ainda que sem finalidade instilatória, será em vão, porquanto nitidamente inconstitucional. Por fim, aqui vale rememorar adágio do poeta alemão Friedrich Hebbel: “Há casos em que cumprir o dever é pecar”.

Jansen Fialho de Almeida é Juiz de Direito da Vara Cível de Planaltina, DF, e Juiz Presidente da 6ª Zona Eleitoral do Tribunal Regional Eleitoral do Distrito Federal.

ÉTICA Por Ângelo Fernandes

Sob o manto da corrupção

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sem nada fazer. Sem percebermos, o País agoniza, pede socorro e espera que despertemos desse tenebroso pesadelo que nos arranca as vísceras e nos arrasta para a vergonha e desqualificação moral. Por isso, precisamos reagir de forma corajosa e veemente às ações impostas pela sanguinária ditadura da corrupção, ou então seremos irremediavelmente condenados a conviver com um Estado Republicano Brasileiro em que o Executivo tem no seu comando um Presidente que não ouve e não vê, um Judiciário corporativista, distante do povo, e um Congresso que estimula o povo a exercitar a malandragem e a corrupção e prima por elas. Infelizmente, o Brasil não passa de um país de mansos conformados, onde o povo é sempre o último a saber. ANTONIO CRUZ/ABR

Não se constrói um país ético se o seu povo não possui esse atributo. Somos omissos, coniventes e manipulados. Não reagimos à degradação moral quando deveríamos fazê-lo para conquistar a nossa tão sonhada liberdade. Por mais miserável que um ser humano venha a ser, ele necessita, até como meio de sobrevivência, de um mínimo de dignidade e de amor próprio. Os registros de nossa História mostram a que preço conquistamos nossa aparente liberdade (se é que ela, de fato, existe). Só que essa liberdade está literalmente condicionada a uma relação de total promiscuidade com atos criminosos. Essas ilicitudes, escancaradas nos noticiários da imprensa, nos mostra como é inexistente e ineficaz a fiscalização que o povo exerce sobre os gestores dos poderes constituídos. Afinal, não basta apenas eleger. É preciso fiscalizar, e de forma rigorosa, o cumprimento das leis, penalizando os seus infratores. O rombo no erário é gigantesco. A carga tributária é a maior do planeta. Nossa dívida interna já passa de R$ 1 trilhão; quanto mais nos roubam, mais o governo aumenta os impostos. Nunca neste País se arrecadou tanto. Enquanto abastecemos o mundo de alimentos e matéria-prima, nada é feito com o resultado da sua comercia-

lização, que não retorna ao povo na forma de benefícios sociais, o que condena milhões de excluídos brasileiros a uma vida de miséria. O País é rico, mas o povo é pobre e miserável. Apenas um e meio por cento da população vive nababescamente e nossos governantes e congressistas, eleitos com os nossos votos, não nos

prestam contas de suas ações, esquecidos de que são servidores do povo e os mandatos não lhes pertencem. Tudo isso ocorre por nossa ignorância e omissão por não sabermos exercitar nossas prerrogativas constitucionais, do referendo e do plebiscito. Adormecidos em berço esplêndido, assistimos a tudo de braços cruzados

Ângelo Fernandes é Presidente da Associação Espírito-Santense de Imprensa-AEI.

Janeiro de 2006


Jornal da ABI DEPOIMENTO Entrevista a Rodrigo Caixeta

ARTE DE UCHA SOBRE FOTO DE RODRIGO CAIXETA

Com um currículo que lhe assegura o título de profissonal multimídia, Milton considera que bom mesmo é planejar como será cada edição

MILTON COELHO

“Melhor do que ser repórter é ser pauteiro”

A

os 75 anos, Milton Coelho da Graça, membro do Conselho Deliberativo da ABI e colunista do site Comunique-se, acumula no currículo experiência invejável em grandes publicações brasileiras. Embora não tenha formação em Jornalismo, ele sabe bem quais são as habilidades que formam um bom repórter. Entre as mídias, frustrou-se com o rádio, acredita na convergência entre o impresso e o online, julga correta a cobertura da crise que atinge o País e diz que o nível médio dos jornais nacionais se equipara ao dos melhores do mundo.

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Jornal da ABI — Trace um breve perfil do senhor. Milton Coelho da Graça — Carioca da Gamboa, nascido na seção de indigentes da Pró-Matre, 75 anos, casado, quatro filhos. Sua formação inclui Ciências Econômicas e Direito e até uma pós-graduação em Administração de Empresas na Suíça. O senhor exerceu alguma dessas atividades antes de se tornar jornalista? Em caso afirmativo, como foi a experiência? Como surgiu o interesse pelo jornalismo? Milton — Fui selecionado num concurso da General Electric entre formandos de Economia e tinha boas chances de ir para o seu Centro de Altos Estudos em Albany, Nova York. Mas, na hora do almoço, participei de um comício da União Nacional dos Estudantes-Une contra Roberto Campos, bem ali na esquina das Ruas Sete de Setembro e Quitanda. Minha foto, preso, saiu na primeira página do Globo e eu nem pude entrar mais na empresa. No ano seguinte, quando estava me formando em Direito, batalhei quase um mês para soltar três vagabundos que tinham sido presos em flagrante botando água no leite. Consegui um habeas corpus e os três se mandaram sem me pagar. Como dizia aquela versão de Caminito que foi muito cantada no Carnaval, fiquei “no oceano da vida como embarcação perdida”, até que o Maurício Azêdo, hoje Presidente da ABI, me levou para ser redator da coluna social do Diário Carioca. E, durante 50 anos, só saí de uma redação para a cadeia. O senhor passou por grandes jornais, como o já citado Diário Carioca e a Última Hora, hoje extintos. A que se deve o desaparecimento desses veículos e a conseqüente diminuição do número de periódicos? Milton — No caso de UH, o jornal foi destruído pela ditadura militar. O Diário Carioca morreu porque o dono não entendeu as mudanças no mundo, no País e na indústria da informação — explicação que vale também para a parte final da pergunta. Mas tenho dúvidas sobre o que você chama de “diminuição do número de periódicos”. Temos hoje sete diários no Rio (Globo, Extra, O Dia, O Povo, Jornal dos Sports, Lance e Meia Hora), mais uns três ou quatro na região metropolitana. E é preciso levar em conta os jornais de bairro (existem dezenas) ou de grupos políticos e sociais (Hora do Povo, Inverta, Jornal dos Aposentados e muitos outros) que não são diários, mas pesam na formação da opinião pública. Fale um pouco sobre sua passagem pelos principais veículos do País. Milton — Por ordem cronológica foram Diário Carioca (três vezes); Hoje; Shopping News; TV Rio; Última Hora

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Jornal da ABI RODRIGO CAIXETA

“Sinto-me em casa na internet”, diz Milton, colunista do Comuniquese. Ele acha que o jornalismo impresso e o online tendem a convergir, e não a colidir.

avalia? Acredita que a internet pode acabar com a imprensa? Qual o caminho a ser seguido? Milton — Fui editor, mas hoje sou apenas colunista e me sinto em casa na internet. Hoje — e, nessa área, é vital manter-se aberto às possibilidades que estão sempre surgindo — acho que jornal impresso e online tendem a convergir, não a colidir. O senhor também criou recentemente um blog. Com que freqüência o atualiza e quais as temáticas principais abordadas? Milton — Estou numa fase de dúvida sobre o presente e o futuro do blog.

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O bom repórter precisa ter ética, domínio da língua e cultura geral

(Rio); Última Hora (Recife); Diário da Noite e Jornal do Commercio (ambos de Pernambuco); Jóia, revista feminina da Bloch; sucursal Rio da Editora Abril, nas revistas Realidade, Quatro Rodas, Intervalo, Placar, Playboy e Documento Brasil; Fato Novo, Resistência e Notícias Censuradas, jornais clandestinos; Tênis Esporte; Vela & Motor; História do Rock; Arte Hoje; O Globo; Gazeta Mercantil; IstoÉ; TV Corcovado (comprada pela Record); Diário da Manhã (Goiânia); Diário da Amazônia; Grupo Gazeta de Alagoas (jornal, TV e rádios); Jornal do Commercio; Jornal dos Sports; e site Comunique-se. Quais os momentos mais marcantes dessa trajetória? Milton — Última Hora, Editora Abril, Gazeta Mercantil, IstoÉ e O Globo marcaram as “viradas” e aprendizagens mais importantes de minha vida profissional. Muitos jornalistas dizem que bom mesmo é ser repórter. Após ter acumulado tantas funções, como redator, chefe de reportagem e editor, o que mais o atrai no jornalismo? Milton — Melhor do que ser repórter é ser pauteiro. O que faz de alguém um bom repórter? Milton — Compulsão pelo conhecimento, compromisso ético com o bem público, excelente nível de conhecimento de nossa língua e bom nível

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de cultura geral, ou especializada. Para ficar só em títulos da Abril: Quatro Rodas, Placar, Playboy... Como é a experiência de ter trabalhado em editorias tão diferentes? De que forma isso se reflete em sua carreira? Milton — Eu não sou um “especialista”, sempre gostei de jogar nas 11 e nunca fui disciplinado na aprendizagem. Isso foi determinante na minha carreira “errática”. Voltando ao tempo dos jornais clandestinos, o senhor chegou a ser preso e torturado. Como foi o período da ditadura, olhando hoje em retrospectiva? Milton — Foram 20 anos de um projeto nacional equivocado, de agravamento das desigualdades, de desrespeito à Declaração dos Direitos Humanos e — pior — de uma herança institucional que ainda não conseguimos superar. Uma herança que atrasou e continua atrasando a formação de jovens lideranças; que deforma, com o absurdo “pacote de abril”, o Parlamento, a Federação e a representação democrática da cidadania; e mantém na cultura política a figura do “baixo clero” — a maior bancada tanto no Senado como na Câmara e em quase todas as assembléias estaduais —, parlamentares que apóiam qualquer Governo em troca de vantagens pessoais. Recentemente, a Secretaria de Estado de Educação do Estado do Rio dis-

tribuiu entre os 150 mil alunos da rede pública de ensino médio um folheto – produzido pelo senhor e intitulado Uma visão da história para jovens –, com uma biografia do jornalista Vladimir Herzog. Qual era sua relação com ele? Milton — Companheiro, amigo e admirador. Como foi a experiência de ser correspondente internacional em Londres e Nova York? Milton — Para quem começou na enfermaria de indigentes da PróMatre e ficou órfão aos 3 anos, sobreviver tem sido uma experiência notável, sempre enriquecida pelo maior prazer no amor e no trabalho. Que mais posso dizer sobre a inclusão de todos os Estados do Brasil, Suíça, Estados Unidos, Grã-Bretanha e outros 45 países nessa experiência?

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O senhor foi Diretor de Jornalismo de jornal, rádio e TV no Grupo Gazeta de Alagoas. Considera-se um profissional multimídia? Milton — Sim, embora não tenha tido no rádio a oportunidade que gostaria. Acompanho com interesse — e, confesso, inveja — o excelente trabalho dos companheiros da CBN e da BandNews.

Embora o Presidente Lula acuse a imprensa de irresponsável, não param de surgir denúncias de corrupção em todo o País. Como o senhor analisa a cobertura da mídia nesse cenário de crise política? Milton — Corretíssima, com os equívocos, exageros e deficiências próprios de uma imprensa democrática e livre. No caso brasileiro, tudo isso agravado pelas dificuldades econômicas e o esforço de governos, grandes empresas e políticos, em todos os níveis, para suborná-la, enganá-la e/ou submetê-la. Concorda com alguns articulistas, que dizem que a imprensa é a memória da cidadania? Milton — Concordo, ressalvando que ela não é a “única” memória. Defina o que é ser um membro da “esquerda possível”. Milton — Possível qualquer esquerda é, desde que respeite as normas da convivência com outras correntes de pensamento. Mas a condição básica para o sucesso de qualquer política de esquerda é que ela tenha sua inspiração e suas propostas na realidade e no conhecimento, não em visões éticas, desejos, utopias — tudo aquilo que é domínio da religião, não da política. Como nos disse Geraldo Vandré em enigmática canção do final da década de 60, “quem sabe faz a hora, não espera acontecer”. É um chamado à militância, mas os jovens interpretaram a palavra “sabe” como “quer”. E não adianta só querer, é preciso saber.

Muitos chefes fogem da busca incansável da excelência

Hoje, a internet configura-se como uma importante mídia jornalística, com coberturas em tempo real. O senhor é editor e colunista do Comunique-se, ou seja, já está familiarizado com esse ambiente. Como o

Recentemente, em sua coluna no Comunique-se, o senhor criticou o processo seletivo do jornal O Globo, que, apesar de “um severo sistema de recrutamento de novos jornalistas”, é publicado com freqüentes erros de português em todas as editorias e até mesmo em colunas

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Jornal da ABI

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O senhor também escreveu nesse mesmo artigo que as empresas adotam cada vez mais estratégias e organogramas elaborados por consultores ou administradores, sempre com uma tônica comum: reduzir custos de pessoal, mesmo com queda na qualidade editorial. Como o senhor avalia essa tendência? Milton — Nossos jornais — pelo menos a grande maioria — foram criados e dirigidos durante décadas por jornalistas empreendedores, não especialistas em administração. E muitos de seus herdeiros não são nem uma coisa, nem outra. A primeira e única empresa que teve a preocupação de, já nos anos 70, mandar editores para estudar Administração nos Estados Unidos ou na Europa foi a Editora Abril. Quando os herdeiros dos fundadores começaram a assumir as empresas de mídia, optaram por contratar consultorias internacionais, fortes em gestão financeira e administrativa, mas sem know-how específico na área de comunicação. Navarra — imaginem! — passou a ser a Meca da nova geração de comandantes da imprensa. O Diário de São Paulo é um nítido exemplo dessa importação inadequada.

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senhor escreveu um artigo levantando uma série de questões como a confidencialidade da informação em off e a relação de jornalistas e outros cidadãos a respeito de cumprimento da lei. Agora repito um dos questionamentos feito aos leitores: a liberdade de imprensa pode ter exceções? Milton — Vou tomar dos nossos procuradores e juízes uma definição que eles repetem sem cessar e que ninguém contesta: nenhum direito é absoluto. Acho que a ABI, a ANJ (Associação Nacional de Jornais) e outras organizações preocupadas com o futuro da imprensa deveriam manter um fórum permanente de discussão sobre este assunto. O senhor também dá aulas. O que o levou a ingressar no mundo acadêmico? Milton — Primeiro, para melhorar minha renda, porque depois de pagar INSS durante décadas sobre 20 salários-mínimos; recebo pouco mais de seis. Segundo, porque quero compartilhar minha experiência com jovens dispostos a aproveitá-la. Terceiro, porque estou convencido de que a batalha fundamental na espécie humana se trava entre a busca do conhecimento e a ignorância.

Imaginem! Navarra, Espanha, é a nova Meca da técnica de jornal

Sobre a prisão de Judith Miller, do New York Times, por se recusar a revelar a identidade de sua fonte, o

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Embora não tenha formação superior em Jornalismo, profissão que exerceu a maior parte da vida, o senhor concorda com a exigência do diploma? Por quê? Milton — A prática do jornalismo exige educação de nível superior. Mas a juíza nos alertou: todos os cidadãos têm a garantia constitucional da liberdade de expressão. Não podemos nos confortar com privilégios educacionais ou corporativos. Temos de lutar para que o preceito constitucional seja efetivamente respeitado. Na atual conjuntura do País, acha possível viver do jornalismo? Milton — Acho. Mal, é claro, mas marceneiros e cortadores de cana também têm dificuldade para ganhar um salário mais justo. E tudo indica que a vida do jornalista só ganhará em qualidade se estivermos ao lado de marceneiros e cortadores de cana na luta contra a desigualdade.

ROBERTO, MEMÓRIA O compositor e poeta de O Bêbado e a Equilibrista presta homenagem ao jornalista, escritor e crítico musical Roberto Moura, membro do Conselho Deliberativo da ABI, falecido em 26 de outubro passado. Escrevo, não por acaso, no dia de São Sebastião, padroeiro do Rio. Maltraçadas sobre Roberto M. Moura não são fáceis. Seu talento multifacetado leva aquele que se arrisca a traçar um perfil a privilegiar um aspecto em detrimento de outro igualmente importante. O historiador rigoroso (No princípio era a roda é um livro que pode ser chamado sem medo de seminal, por mais que andem gastando a palavra em merrecas) merece elogios? E o jornalista ardoroso, consciente das polêmicas em que se envolvia e das mágoas que, inevitavelmente, causava? O apaixonado por nossa cultura popular, da simples bola de gude à suntuosidade do carnaval, mereceria um livro. O menino que ajudou, com outro livro categórico, a imortalizar a Praça Onze, gerará outras tantas teses de seus alunos agradecidos. Meio embargado, prefiro escrever sobre o amigo que perdi. Eu o conheci, pasmem, meio roqueiro, no finzinho dos anos 60, defendendo suas preferências musicais com a paixão que se derramaria mais tarde definitivamente sobre nosso povo. Acompanhei seu sofrimento pela morte precoce do irmão querido, pela perda do pai, pela cardiopatia da mãe venerada, seu estremado jeito de amar, de envolverse – como um certo Mestre-Sala – em AGÊNCIA O GLOBO

e títulos. Na sua opinião, qual o nível de qualidade dos jornais brasileiros atualmente? Milton — O nível médio dos nossos jornais se equipara ao das melhores imprensas do mundo — e não apenas dos grandes, também entre médios e pequenos, como demonstra o mensário Já, de Porto Alegre, e muitos outros Brasil afora. Mas existem sérias lacunas na formação educacional, pouca gente para muito trabalho nas Redações e, infelizmente, muitos chefes que fogem de sua principal responsabilidade: a busca incansável da excelência. Como pode sair no Jornal Nacional a informação de que a Turquia não está na Ásia? Ou como podem sair publicados os mesmos erros gramaticais sem que os autores sejam chamados para “uma aulinha particular” com o editor-chefe?

Um artigo especial de Aldir Blanc

ILUSTRAÇÃO UCHA

A batalha essencial da espécie humana é entre o conhecimento e a ignorância

lutas inglórias, em causas perdidas, que fariam São Judas Tadeu balançar, reticente, a cabeça. Fico fora de mim ao pensar no dano irremediável que um carrapato filhoda-puta causou a toda uma cultura. Roberto era homem de projetos sonhadores e nem quero pensar em quantos, importantíssimos para todos nós, ficaram só esboçados em sua mesa de trabalho, em sua prodigiosa memória. A morte prematura de Roberto passou cerol no vôo de muitas pipas cariocas. Meu único e paupérrimo consolo é que ele não viu a volta de Kleber Danoninho ao Mengo, outra paixão pra Ari Barroso não gongar – nem viu a estapafúrdia divisão do Fla em time A e B. Ele morreria... Numa discussão – e elas eram sempre quentes – sobre um show que faríamos juntos, eu o chamei de M. Moura nacional. Ele retrucou dizendo que eu, com meus acessos de fúria, ia acabar partidário do Eurico Miranda, o Maquiavel ao Zé do Pipo. Essa última discussão arde em meus olhos. Roberto é insubstituível. Basta ver a quantidade de canalhas defendendo as respectivas quadrilhas nas CPIs para sentir a falta que um único homem de caráter faz ao Brasil. Rio, 20.01.2006 Aldir Blanc

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Jornal da ABI DEPOIMENTO Entrevista a Solange Noronha

NAHUM SIROTSKY

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orrespondente em Israel de um jornal diário e um site, Nahum Sirotsky acaba de completar 80 anos (em 19 de dezembro), dos quais mais de 60 dedicados ao jornalismo, que entrou em sua vida quase por acaso. De todo esse tempo, sua maior lição para qualquer um que pretenda se tornar profissional da imprensa é simples: aprender mais, sempre mais, e acima de tudo manter-se atualizado, já que compara o jornalista à própria notícia. Em conversas via

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ARTE DE UCHA SOBRE FOTO DE JAIRO SHNAIDER

“Jornalismo é como a notícia: ou se é atual, ou já era”

internet, Sirotsky dispensa o tratamento formal e conta detalhes de sua trajetória, iniciada na redação da revista Diretrizes, onde era contínuo e, graças ao curso de datilografia feito em Passo Fundo, RS, começou a fazer trabalhos de foca para Joel Silveira. Conheceu, como ele mesmo diz, “o que havia de melhor nas letras e nas artes”. A desorganização e as muitas viagens mundo afora, porém, fizeram que perdesse os souvenirs de tempo tão rico e até mesmo o contato com muitos dos amigos. Janeiro de 2006


Jornal da ABI Jornal da ABI — Sua ligação com a ABI é especial, não é verdade? Foi Herbert Moses, Presidente que dá nome ao edifício-sede da instituição, quem lhe arrumou o primeiro emprego. Nahum Sirotsk y — Minha ligação Sirotsky com o ABI é fundamental. Trabalhava de contínuo na revista Diretrizes, de Samuel Wainer, onde conheci alguns dos melhores jornalistas e escritores do País. Também era aproveitado por saber datilografia. Entre os colaboradores estava Joel Silveira, repórter insuperável, bom colega, boa gente, que resolveu me aproveitar em trabalhos de foca. Fiz amizades para toda a vida. Trabalhava para pagar meus últimos anos de secundário. Certa manhã, chego e descubro tudo fechado por ordem do Dip (Departamento de Imprensa e Propaganda), da Censura e do Dops (Departamento de Ordem Política e Social). Sem emprego nem meios, fui procurar gente que eu conhecera. Dirceu do Nascimento — que, anos depois, eu levaria para a revista Manchete — era secretário-geral da Agência Meridional, dos Diários Associados. Por insistência de Joel, que acreditava em mim e até me chamava de “foca zero”, eu tinha feito uns trabalhos para a Dom Casmurro, histórica publicação criada e dirigida por Brício de Abreu, que publicou um deles e me encomendou uma entrevista com o crítico literário do Globo, Elói Pontes, sobre o novo crítico literário do Correio da Manhã, o jornal carioca de maior prestigio na época. Escrevi um dos piores textos da minha vida, mas uma declaração do entrevistado me marcou: a de que o crítico do Correio era “de enciclopédica ignorância”. Os dois entraram em briga literária pelos seus jornais e eu fui citado várias vezes.

dizendo sim, até espanhol, apesar de ter aprendido apenas palavras de inglês e francês no ginásio. Mas nada tinha a arriscar, pois pretendia uma vaga de boy. Só não entendi, nem quis saber, para que as línguas. Ele escreveu algo num papel e disse: ”Vá ao Globo e entregue este bilhete ao Pinheiro.” Lá fui eu ao Alves Pinheiro, um dos maiores chefes de reportagem que conheci em toda a minha longa vida profissional, incluindo anos de exterior. Vasto bigode, charuto na boca, lápis escrevendo sem parar e, ao mesmo tempo, falando ao telefone. Leu o bilhete e, com forte sotaque baiano, perguntou: “Verdade?” E me deu um endereço e um nome: um tal Dr. Peck — jamais vou esquecer —, médico norte-americano. Saí caminhando e imaginando que estava indo buscar algo já pronto, um primeiro teste de minhas habilidades de contínuo. No hospital, o diretor, um médico brasileiro, disse que o Dr. Peck estava operando e logo viria me atender. Entendi: era para entrevistálo. Fui logo explicando que nada sabia de medicina e que talvez fosse melhor ele me ajudar e ouvi um elogio, de que assim deviam ser todos os jornalistas. Ele fez tudo, peguei um texto pronto. Na redação, o Pinheiro leu e foi logo dizendo que não estava em linguagem jornalística, mas tinha todas as informações: “Deixa comigo que eu acerto.” Apontou para uma mesa vazia, disse que aquela era a minha mesa de trabalho, e gritou para a redação: ”Conheçam o novo foca, o Nahum. Ele fala inglês!” Ganhei um emprego que não imaginara. E assim comecei minha carreira.

“Conheçam o Nahum, o novo foca. Ele fala inglês!”

Como isso o levou a Herbert Moses? Nahum — Como fui muito mencionado, Dirceu deu a sugestão que mudou a minha vida — e meu sonho de ser cientista: sugeriu que fosse ao então Presidente da ABI, Dr. Herbert Moses, e me apresentasse dizendo meu nome com ênfase, pois ele se gabava de conhecer de nome todos os jornalistas. ”Doutor Moses, sou o Nahum Sirotsky. Como sabe, fecharam Diretrizes e preciso de emprego para sobreviver“, eu disse. Ele me encarou — era diretor do Globo, jornal dos Marinho —, explicou que nada podia oferecer, mas, após uma pausa, acrescentou: ”Precisamos de alguém que fale idiomas.” A todos fui

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Você hoje mora em Tel Aviv e é correspondente do Zero Hora e do Último Segundo. Há quanto tempo está nessa função? Nahum — Há alguns anos sou correspondente da RBS (Rede Brasil Sul de Comunicação, à qual pertence o jornal Zero Hora) e do Portal iG (a que pertence o site Último Segundo), mas minha primeira passagem por Tel Aviv foi de 1965 a 1972, adido à Embaixada do Brasil. Depois de deixar o Itamarati, voltei a Israel como correspondente do Jornal do Brasil e do Estado de S.Paulo. Fiquei lá uns anos, depois voltei ao Brasil. Quando a internet entrou na sua vida? Sentiu diferença entre escrever para os veículos tradicionais e um site? Nahum — A internet entrou na minha vida logo depois que seu uso foi

liberado. Tive de aprender ou não teria trabalho. A meu ver, a diferença básica é que é preciso ser mais sintético e objetivo, usar frases mais curtas. Ler textos extensos no computador cansa demais a vista. Há muita gente com menos idade que resistiu (ou resiste) a aderir ao computador. Nahum — Minha idade não impediu o aprendizado nem a prática. Por incrível que pareça, fui dos primeiros a usar máquina de escrever em redações. Passei da mecânica à elétrica e à eletrônica e desta ao computador como necessidade profissional, do mesmo jeito que tive de aprender novos estilos de escrever textos jornalísticos. Jornalismo é sempre o agora, o hoje. Temos que fazer força para nos mantermos atualizados em tudo. Do contrário, somos ultrapassados pelas mudanças culturais e tecnológicas, ficamos falando sozinhos. O que não mudou? Nahum — Quando comecei, a profissão era uma vocação e a escola era a prática. Mas logo se descobria que os melhores eram os que se preocupavam em adquirir cultura, conhecimentos gerais e estar atualizados como meio de conseguir as melhores informações e produzir as melhores matérias possíveis para os seus veículos. Eram os que sabiam o que perguntar, o que pesquisar, como expor. Vocação não bastava muito além dos primeiros passos. Aqueles que não procuravam crescer culturalmente acabavam encostados em funções menores ou tentavam novos caminhos.Tive a sorte de ter um Alves Pinheiro como primeiro mestre e um Roberto Marinho como primeiro empregador. Pinheiro me ensinou a importância da pergunta e da dúvida e a sentir cada reportagem como um desafio nunca enfrentado. Roberto Marinho acreditou em mim e me fez correspondente do Globo em Nova York nos meus 20 anos de idade. Fui o primeiro jornalista brasileiro a se credenciar junto às Nações Unidas. Aprendi uma barbaridade com o jornalismo norteamericano. Acho que foram os meus anos nos Estados Unidos que me ensinaram a importância da autocrítica e a me empenhar em me manter atualizado. Continuo empenhado.

viado a vários, mas não há espaço numa entrevista para lembrar tudo. O mais relevante deles foi político. Em 1947, o Conselho de Segurança das Nações Unidas reuniu-se para discutir uma agenda à qual se opunha a então União Soviética, que ameaçava se desligar da organização criada durante a Segunda Guerra por falta de confiança no então monarca persa, um Pahlevi simpático aos nazistas. Os russos passaram a ser a influência dominante. Finda a guerra, norte-americanos e ingleses resolveram que o país tinha de ser desfeito ou algo parecido. Tinham ido de Moscou, entre outros, Molotov e Vishinsky, líderes obedientes a Stálin. Um norte-americano presidia o Conselho. O salão permitia um público de milhares de espectadores. Lembro-me de o americano abrir a reunião e anunciar a questão do Irã, assim se chamava o problema do Curdistão. Molotov, Vice-Primeiro Ministro e Ministro do Exterior soviético, Vishinsky, poderoso Ministro da Justiça, se não me falha a memória, e os demais membros da delegação soviética levantaram-se de seus lugares e lentamente avançaram para a porta da saída. Nesse momento, um dos 11 do Conselho teve um acesso de tosse e se viu cair na mesa sua dentadura em forma de ferradura. Era grande a tensão. O público imaginava que assistia ao que poderia ser um primeiro momento de uma guerra entre Estados Unidos e União Soviética. Um outro embaixador tirou o lenço branco do bolso, segurou a dentadura e a passou a outro, que foi passando o pequeno pacote até seu dono. Silêncio, dentadura recolocada. O público ainda em silêncio. Novo acesso de tosse e nova queda dos dentes. Alguém riu, todos começaram a rir de fazer pipi nas calças. Os soviéticos nem se viraram. Terão entendido que se riam deles? Os jornais não contaram da dentadura, mas falaram da reação do público. O Curdistão acabou. Reza Pahlevi, filho do rei deposto, assumiu a monarquia que acabaria derrubada pelos aiatolás décadas depois. Foram dos primeiros momentos da “Guerra Fria”.

“O homem é mais feroz do que qualquer outro animal”

Você cobriu muitos conflitos mundo afora. É possível relembrar quais e quando? Nahum — Sim, vi conflitos, fui en-

E mais recentemente? Sei que há algum tempo você foi atingido com uma pedrada no joelho na Cisjordânia. Nahum — O que vi de mais impressionante nos últimos tempos foram locais destruídos por homens-bomba, extremistas islâmicos que se fazem explodir para matar inimigos. As lembranças viram pesadelos. Acredite, porém, que não há nada de

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Jornal da ABI

Muitos foram também os veículos nesses mais de 60 anos. Consegue listá-los? Nahum — De foca do Globo, logo virei repórter para todo tipo de confusão. Depois, fui repórter do Diário da Noite, voltei ao Globo, fui chefe de reportagem, único repórter e, mais tarde, diretor da revista Visão, diretor do Diário da Noite, diretor de Manchete, imaginador e diretor da revista Senhor, assessor de Roberto Campos na Embaixada em Washington, colunista de Economia do JB,

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JAIRO SHNAIDER

E como é ser mandado de um lugar a outro, sempre para o olho do furacão? Conhece algum caso de jornalista que foi, digamos, cobrir os desfiles da coleção primavera-verão em Paris e, de repente, se viu em meio a uma guerra? Nahum — O repórter é instrumento do seu veiculo, vai aonde é mandado ou desiste da profissão. E pode acontecer de ir para uma festa, ou outro tipo de evento internacional, e se ver no meio de uma guerra civil. Assim foi com o pequeno grupo encarregado da cobertura de uma conferência interamericana em Bogotá. Estávamos almoçando na residência do embaixador brasileiro, que homenageava os jornalistas, quando, no meio de um copo de bom vinho, ele recebeu um telefonema de emergência. Voltou pálido. Mataram Gaitán (Jorge Eliecer Gaitán, líder político e membro do Partido Liberal colombiano, assassinado em 9 de abril de 1948). O povo se revoltou. Tivemos de percorrer a pé uma grande distância para chegar ao centro da confusão que se espalhava e viria a ser chamada de Bogotaço. Boa parte da parte antiga e bela da cidade foi incendiada e destruída. Éramos Joel Silveira, José de la Peña Jr., Antonio Calado, Barreto Leite Filho e eu. Milhares foram mortos por armas brancas. Foi o começo da guerra civil que dura até hoje. Ao longo da minha carreira, houve outros deslocamentos de emergência. Muitos.

GUARACY ANDRADE-ZERO HORA

romântico nem de bonito em guerras além do medo permanente, do fedor de fezes do descontrole que ocorre nos bombardeios, da morte e de partes de seres humanos. De como o homem é mais feroz do que qualquer outro animal. De como o jornalista de guerra tem de ter preparo físico de atleta e se vicia com a emoção de sentir sua vida em risco e sobreviver. São muitas as seqüelas físicas, mas as piores e incuráveis são as psicológicas.

A partir do emprego de contínuo em Diretrizes, Nahum não parou de aprender, mesmo na era eletrônica. “Só não aprendi a ficar rico”, diz.

adido da Embaixada em Israel, correspondente do JB e do Estadão em Israel, e mais e mais. Lembro que fui diretor do primeiro jornal da Rádio Globo, O Globo no ar, comentarista e entrevistador de programas de TV, redator da AP, da AFP e da Reuters. Em Nova York, estagiei no New York Daily News, fui repórter do já desaparecido PM, único jornal que imaginou viver sem aceitar anúncios, e comentarista da NBC em português etc. etc. Também cheguei a ter uma assessoria e consultoria de engenharia de imagem. Tem sido uma vida interessante, na qual aprendi muito. Só não aprendi como ficar rico. Como foi a criação da Senhor, verdadeiro marco na história da imprensa brasileira? Nahum — Senhor surgiu de um improviso da minha mulher, a atriz e escritora Beyla Genauer, numa festa de Abrão Kogan, um dos proprietários da editora DeltaLarousse. Beyla perguntou a ele por que não me chamava para fazer uma revista. Na época, eu trabalhava com o Alberto Dines na hipótese de um semanário de política e economia. O Kogan me chamou na hora e me sugeriu que fosse falar com seu sócio e sobrinho Simão Weizmann, que me disse que vivia sonhando com a idéia de uma revista original, à altura da editora. Falei que tinha idéia semelhante e fui improvisando. Ele quis uma amostra. Na mesma noite, com a Beyla, pedi ajuda ao (Carlos) Scliar, que veio com o Glauco (Rodrigues), cola e tesoura. Criamos uma bone-

ca, mostrando como imaginamos que deveria ser a revista. Weizmann gostou e topou a parada. Deu-me carta branca. Como era trabalhar com aquele time de feras que tinha Paulo Francis, Luiz Lobo, Jaguar, Millôr e tantos outros nomes de peso? Conte um pouco sobre aquele período tão fértil que terminou de forma tão trágica, com o golpe de 64. Nahum — Tinha também Newton de Almeida Rodrigues, Clarice Lispector... Transformamos a hipótese numa realidade. Fiquei na direção de Senhor de 58 a princípio de 61, até que o controle foi vendido a outro grupo. Não acompanhei os anos seguintes e o fim. A equipe inicial era de indivíduos de grande criatividade e profissionalismo, todos excepcionais no que faziam. Não tivemos problemas pessoais: cada um brigava por suas idéias e Senhor foi a síntese da criatividade de todos com o dinheiro que Simão e Sergio, os dois irmãos sócios na Delta, ousaram investir. Nunca imaginamos estar fazendo algo para a História; fazíamos o que achávamos que era o melhor de tudo quanto existia ou existira no campo de revistas brasileiras, acreditando que haveria um público leitor. E deu no que deu.

“A revista Senhor foi a síntese da criatividade de todos”

Onde você estava quando a revista acabou? Nahum — Passei a maior parte do período entre 1965 e os anos 70 trabalhando no exterior. Como repórter, fizera boas relações com muitos

dos que seriam importantes nos governos da época, como Roberto Campos, Mário Henrique Simonsen, Dion de Melo Teles, Nei Braga, Vasco Leitão da Cunha, Juraci Magalhães, Hélio Beltrão, generais, almirantes... Conheci chefes índios e chefes de Governo e políticos estrangeiros, Tito, Che Guevara, Truman, Winston Churchill... João Neves da Fontoura foi meu padrinho de casamento. Da época, voltando de Israel, lembro-me de quando fui convidado a jantar com JK — que eu conhecera quando Prefeito de Belo Horizonte — e membros de seu antigo ministério. Ele me disse então que sairia da cassação, seria eleito Presidente e eu seria o embaixador dele em Israel. Repórter roda muito e conhece muita gente. Se souber preservar a confiança de suas fontes, ganha delas amizade e informações. Soube fazê-lo. Nada sofri. Como vê a discussão sobre a necessidade de diploma para nossa profissão? Tem idéia da situação do ensino de Jornalismo no Brasil? Nahum — Quis ser cientista, acabei estudando Economia, fazendo cursos de Ciência Política e de Relações Internacionais, nunca terminando faculdade alguma. Então, posso me classificar como autodidata. Pouco sei da qualidade das escolas de Jornalismo no Brasil. Diria, porém, que é essencial que o jornalista tenha amplos conhecimentos gerais. Há excelentes profissionais no jornalismo brasileiro de hoje. Teria algum recado para os futuros jornalistas brasileiros? Nahum — Tudo que posso sugerir aos novos colegas é que em tempo algum imaginem que eventuais sucessos significam que já se sabe tudo. O jornalismo é como a notícia: ou se é atual ou já não se é mais.

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Jornal da ABI DENÚNCIA por Li Xinguang Tradução de Maria Ilka Azêdo

O

tópico ao qual irei me referir sumariamente aqui é sobre o jornalismo no 11 de Setembro e os valores universais a respeito de notícias dignas de interesse. Imprensa livre significa pluralismo, pontos de vista diversificados, culturas variadas. Imprensa livre também significa que pessoas serão informadas de notícias relevantes e importantes. O jornal The Economist descreve os ataques terroristas no World Trade Center como “o dia que o mundo mudou”. Mas o mundo real em que estamos vivendo não mudou por causa dessa tragédia. Os maiores problemas e desafios que a raça humana está enfrentando, como pobreza, poluição e doenças, estão apenas ficando piores. Na verdade, foi o mundo criado e mediado pela indústria da mídia que mudou dramaticamente. Os interesses públicos, a segurança pública e a saúde pública de toda a comunidade global não são mais o ponto principal do interesse e atenção da mídia altamente comercializada e globalizada. No mesmo dia em que o World Trade Center foi atacado e aproximadamente 2.500 pessoas foram mortas, 40.000 crianças morreram de fome, doenças e pobreza, sendo 8.000 ao redor do mundo mortas pelo HIV/aids. Mas os números de mortes dessas causas perderam sua importância na mídia se comparados aos dramáticos eventos de 11 de Setembro. Seguindo a pauta, “lutar contra a primeira guerra do século 21”, a indústria da mídia global desde então tem feito uma intensa cobertura do 11 de Setembro, da posterior Guerra no Afeganistão, da campanha contra as armas de destruição em massa do Iraque e da Guerra do Iraque. Com bombardeios diariamente na mídia e milhões de repetições do mesmo tópico, da mesma pauta, da mesma linguagem, das mesmas palavras-chave, das mesmas fotos e das mesmas seqüências, a mensagem do terrorismo e do anti-terrorismo e a idelogia contida nas informações foram tomadas pela audiência como o único discurso jornalístico politicamente correto e legal. O mundo mediado pela mídia global tem sido aceito pela comunidade internacional como o mundo verdadeiro. A audiência global não se importa ou até mesmo esquece dos problemas que seu próprio mundo enfrenta e apenas se preocupa com aquele apresentado pela poderosa mídia mundial. O impacto negativo do 11 de Setembro nos valores e éticas do jornalismo pode ser resumido a seguir: A pauta antiterrorista suprimiu todas as outras questões globais. Ela se tornou um

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O impacto do 11 de Setembro no jornalismo Li Xinguang é Diretor do Centro Internacional de Estudos de Comunicação da Universidade de Tsinghua, Pequim.

“‘Nossas notícias’ estão sendo ignoradas, enquanto as ‘notícias deles’ estão sendo amplificadas.”

O atentado às Torres Gêmeas de Nova York mudou o foco, a linguagem, o espaço e o tempo das coberturas da mídia global, que se comoveu com as 2.500 mortes no World Trade Center e ignorou os 400.000 mortos pela gripe e pela hepatite B na China. Um desabafo do jornalista chinês Li Xinguang num dos painéis do Congresso do Instituto Internacional de Imprensa, conhecido pela sigla inglesa IPI.

critério para comportamento político apropriado, onde apenas uma opinião é legal e a outra é ilegal ou marginalizada; As fontes estão sendo mais centralizadas em um governo só. Fontes que contribuem para ongs e outros governos e pessoas estão sendo desconsideradas ou até mesmo tachadas de ilegítimas. O jornalismo honesto está sendo prejudicado por falsas coberturas, como aquela sobre as armas de destruição em massa. Conseqüentemente, há um declínio da confiança do público na imprensa. “Nossas notícias” estão sendo ignoradas, enquanto as “notícias deles” estão sendo amplificadas. Notícias relativas a pessoas locais estão sendo ignoradas. Notícias da África, notícias sobre os países em desenvolvimento e notícias sobre o desenvolvimento estão sendo ignoradas. Os leitores, observadores e ouvintes locais estão virando espec-

tadores da guerra e violência de outras pessoas. Eles estão sendo entretidos pelo sofrimento de outras pessoas enquanto seus próprios sofrimentos estão sendo queimados por essa mesma mídia. Em todos os lugares do mundo, a imprensa está contando histórias sobre o terrorismo e o antiterrorismo, quando a maioria das famílias está sendo morta pelo HIV, hepatite B, gripe, tuberculose; está sendo morta pela pobreza, escassez e conflitos locais. As notícias sobre as causas originárias do terrorismo, que são a desigualdade, a injustiça, a pobreza, doenças, a discriminação racial e cultural e abusos universais dos direitos humanos, estão sendo ignoradas. Fontes de propaganda do governo criaram um glossário jornalístico sobre o 11 de Setembro, que agora é utilizado como uma Bíblia por muitos jornalistas ao redor do mundo. Como resultado desse glossário, os

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Jornal da ABI

Guerra do Iraque terminasse, o que aconteceu exatamente dois meses depois, quando a Sars foi noticiada em 11 de abril, um dia após a queda de Bagdá. Os sistemas de comunicação mundial e a diretoria de marketing do Governo chinês trabalharam juntos e não mediram esforços para impedir a exposição da crise de saúde pública no país. Entre os dias 5 e 15 de março, o noticiário noturno oficial de notícias do país, Xinwen lianbo, da Central de Televisão da China (CTVC), destinado a noticiar os acontecimentos políticos nacionais e sua agenda, focou quase que ex-

Devido à natureza do entretenimento e do infotainment, o problema que irá acontecer com o público em geral é que quanto mais mídia de massa eles consumirem hoje, menos irão saber sobre o mundo à sua volta. O infotainment e o militainment tendem a simplificar as notícias tal como preto e branco, anjo e demônio, bem e mal. O padrão de reportagem do jornalismo do 11 de Setembro é: Mocinhos x bandidos George Bush x Saddam Husseim Ou está com a gente ou está contra a gente A cobertura da Sars é um caso ilustrativo para se demonstrar como a mídia chinesa mudou com o contexto do jornalismo do 11 de Setembro. As notícias sobre a Sars chegaram ao povo chinês em Guandong por meio de uma curta mensagem de texto, enviada para celulares de Guandong na tarde do dia 3 de fevereiro de 2003. “Há uma gripe fatal em Guangzhou”, dizia. Essa mesma mensagem foi reenviada 40 milhões de vezes naquele dia, 41 milhões de vezes no dia seguinte e 45 milhões de vezes no dia 10 de fevereiro. A agência chinesa de notícias Xinhua só reportou a Sars no dia 11 de fevereiro, e no dia posterior toda a imprensa da nação dava a notícia. Mas a mídia global não chamou a atenção para a séria epidemia até que a

clusivamente no Congresso Nacional. Após o fechamento do Congresso Nacional em meados de março, a mídia chinesa imediatamente desviou sua atenção para a iminente Guerra do Iraque. De 20 de março a 10 de abril, as atenções foram concentradas em notícias sobre o Iraque. A mídia eletrônica chinesa, rigorosamente controlada, abriu caminhos em 20 de março para fazer ao vivo reportagem sobre o início da guerra. Dentro dos poucos minutos em que os mísseis americanos atingiam Bagdá, os canais da televisão estatal e o rádio começaram simultaneamente a cobertura dos eventos em parceria com a CNN, incluindo um discurso do Presidente Bush ao vivo para toda a rede nacional. Os três principais canais de transmissão da CTVC obtinham suas imagens da CNN no Iraque e as notícias eram acompanhadas e traduzidas para o chinês. Xinhua e o People’s Daily também entraram em ação publicando notícias atualizadas sobre a Guerra e ainda colocaram no ar em seus websites um discurso do Presidente Bush completo e traduzido. Estações de rádio e TV em todo o país ainda interrompiam suas programações normais para exibir a cobertura com plantões ao vivo. A decisão do Governo de permitir a livre cobertura sobre a guerra estava mais rela-

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cionada com as demandas crescentes da altamente comercializada indústria de mídia do país do que com uma decisão política de liberar a imprensa nacional. Como resultado da comercialização e industrialização da imprensa do país, as organizações de mídia chinesas estão cada vez mais dependentes dos dólares provenientes da propaganda para sua sobrevivência. Na batalha de vida ou morte pela sobrevivência e desenvolvimento, a mídia chinesa viu-se obrigada a cobrir esses eventos ao vivo ou então perderia audiência. O que foi feito pela mídia na cobertura da Guerra do Iraque foi um esforço bem sucedido para agradar as massas e os anunciantes para conseguir expandir seus mercados. E eles realmente tiveram uma boa interação com seus leitores e espectadores. Estudos mostram que a média de audiência da CTVC aumentou 28 vezes desde que começou a cobertura simultânea da Guerra. Durante a Guerra do Iraque, os lucros provenientes de comerciais na TV nacional aumentaram US$ 12 milhões, um salto de 30% em relação ao mesmo período do ano anterior. Muitos críticos de mídia chineses e ocidentais elogiaram a cobertura chinesa da

UM TEXTO INÉDITO

valores das notícias estão sendo redefinidos e um novo valor universal para tornar as notícias interessantes está sendo criado. Por exemplo, para conseguir matérias principais e primeiras páginas, os jornalistas têm de usar a linguagem pós-11 de Setembro. Desse modo, armas de destruição em massa, terrorismo, Jihad, fundamentalistas islâmicos, extremistas muçulmanos, Talibã, militantes iraquianos, exército de coalizão, reféns e decapitados, Bin Laden, Saddam Husseim, George Bush, Casa Branca e Pentágono têm-se tornado as expressões adequadas para as notícias mais importantes do jornalismo em cada parte do mundo. O impacto do 11 de Setembro no jornalismo foi tão intenso que certos vocábulos e terminologias tornaram-se globais, enquanto outras foram quase extintas e são usadas com o risco de a história contada ser alienada pela mídia. O glossário do 11 de Setembro está substituindo o glossário jornalístico que inclui pobreza, carência de água, mortes de crianças e mulheres, Sars1, HIV, tuberculose e hepatite B. Observando essa mudança no cenário da mídia, o que os leitores, ouvintes e espectadores esperam dela? Eles querem ver mais violência, mais guerras, mais infotainment2, mais militainment3.

O presente texto foi publicado nas páginas 62-63 do Kenya 2005 – IPI Congress Report, editado pelo Instituto Internacional de Imprensa com os textos das intervenções feitas no Congresso Mundial & 54ª Assembléia-Geral da entidade, realizados em Nairóbi de 21 a 24 de maio de 2005. O painel em que Li Xinguang interveio foi dedicado ao tema Terrorismo e Liberdades Civis e teve também como expositores os jornalistas Simon Li, do Los Angeles Times, e Peter Preston, Diretor da Fundação Guardian, de Londres. É esta a primeira vez que seu texto integral é publicado no Brasil.

“O impacto do 11 de Setembro no jornalismo foi tão intenso que certos vocábulos e terminologias se tornaram globais, enquanto outras foram quase extintas e são usadas com o risco de a história contada ser alienada pela mídia.”

guerra como um avanço e progresso para o sistema de imprensa do país. Ironicamente, a fixação nacional nesse novo fenômeno da mídia retardou a atenção do Governo e da imprensa para o vírus da Sars, um problema muito mais relevante para o povo chinês. Foi apenas após a queda de Bagdá que a história da Sars começou a dominar as manchetes dos jornais e televisões. Epidemias na China nunca foram um evento merecedor de primeira página na mídia global, como por exemplo a hepatite B, a gripe e a tuberculose, a não ser que fossem achados elementos que dramatizassem a situação a ponto de a comunidade mundial poder prestar atenção. Todos lembram da Sars, que matou 345 pessoas em 2003. Mas nesse mesmo ano 100.000 chineses foram mortos pela gripe e 300.000 pela hepatite B. A mídia não noticiou isso. Não se adequava ao jornalismo do 11 de Setembro. 1 Sars significa Síndrome Respiratória Aguda Grave (do inglês Severe Acute Respiratory Syndrome), pneumonia atípica causada por razões desconhecidas que surgiu na Ásia em 2003. 2 “Infotainment” é um neologismo do idioma norteamericano que deriva da fusão de duas palavras: informação – information, e entretenimento – entertainment. 3 “Militainment” é a fusão de militarismo e entretenimento.

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Jornal da ABI LIBERDADE DE IMPRENSA

Uma declaração em defesa do sigilo das fontes O Congresso do Instituto Internacional de Imprensa-IPI (texto publicado nas páginas 17 e 18 desta edição do Jornal da ABI) aprovou uma declaração em defesa do sigilo das fontes. Seu texto é divulgado a seguir. “No encontro de sua AssembléiaGeral Anual em 23 de maio de 2005 em Nairóbi, no Quênia, os membros do IPI unanimemente pediram aos governos que respeitem a necessidade dos jornalistas de proteger suas fontes confidenciais de informação. Recentemente, nos Estados Unidos, houve indícios de que o governo federal e alguns governos locais estavam tentando abafar certas iniciativas de jornalistas por meio de ataques contra a utilização de fontes responsáveis, porém confidenciais. No que se revelou como um desvio da justiça, alguns repórteres nos Estados Unidos e em outros lugares foram presos; outros enfrentam sentenças de prisão. Como jornalistas, não buscamos privilégios nem tentamos suprimir o direito das autoridades de realizar investigações criminais ou interferir na administração da justiça. Os jornalistas procuram sempre atribuir a informação às suas fontes; no entanto, de acordo com os interesses da sociedade como um todo, nós devemos também ser capazes de garantir a proteção para as fontes de informações que foram fornecidas confidencialmente. Nesse sentido, reconhecemos como importante a idéia de que os jornalistas devem se proteger da manipulação daqueles que acabariam com a discrição em questão para fins individuais e pedimos que mantenham suas fontes. O jornalismo possui funções paralelas às da Justiça, como, entre outras, informar os cidadãos – incluindo também os representantes de governo – sobre as condições e interesses das sociedades, para desmascarar abusos ou traições da confiança pública e para promover opinião, comentário e análise, bem como plataformas para o debate. O jornalismo independente promove a justiça trazendo à tona informações importantes para o conhecimento dos cidadãos que de alguma forma poderiam estar ocultas. Se a mídia de notícias funciona como um cão de guarda da sociedade, os jornalistas devem ser capazes de reunir informações sem temer punições para si mesmos ou para suas fontes.”

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ONDE MORA A LIBERDADE Os países da Escandinávia, à frente a Dinamarca, lideram a lista da liberdade de imprensa no mundo, revela a organização Repórteres sem F ronteiras. Dentre Fronteiras. 167 nações, o Brasil ocupa o 63° lugar lugar,, atrás da Bolívia.

E

Estados Unidos. Na Colômbia, um jornalista foi assassinado numa região dominada pelo narcotráfico e pela corrupção e as rádios e TVs são alvos constantes de atos de sabotagem. A RSF diz ainda que sete jornalistas tiveram que abandonar suas cidades, ou mesmo o país, desde o começo de 2005. Recuo dos EUA Alguns países ocidentais registraram retrocesso na classificação de 2005. Os Estados Unidos (44º), por exemplo, caíram 20 posições. O motivo principal apontado foi a prisão da repórter Judith Miller, do New York Times, além de outras medidas judiciais que puseram em risco o anonimato das fontes. O Canadá também perdeu posições pela mesma razão, ao tomar decisões, segundo a RSF, que pretendiam transOS 10 PAÍSES formar jornalistas VIZINHOS DO BRASIL em auxiliares da 58 Timor-Leste 59 Argentina Justiça. Na França, 60 Botsuana a queda de sua po61 Ilhas Fiji sição foi justifica62 Albânia da pela prisão de 63 Brasil jornalistas e a cri64 Tonga ação de novos de65 Sérvia e Montenegro litos de imprensa. 66 Gana Ainda que os 67 Panamá países mais bem 68 Nicarágua classificados sejam europeus, as diferenças entre os integrantes da União Européia têm aumentado. A Polônia perdeu mais de 20 posições por penalizar um jornalista com uma multa grave devido a declarações consideradas ofensivas ao então Papa João Paulo II, enquanto outro quase foi preso por se recusar a revelar a identidade de sua fonte. A Espanha (40º) perdeu uma posição, pois, diz o relatório, os jornalistas do país são ameaçados pelo Eta — sigla que, em português, significa Pátria Basca e Liberdade — por não compartilharem do ponto de vista político do grupo separatista.

de o início do último conflito, em m 2005, a Classificação Mundial março de 2003, 72 profissionais e code Liberdade de Imprensa da orgalaboradores de meios de comunicação nização Repórteres sem Fronteiforam mortos no país. ras chegou à sua quarta edição. A pesquisa é feita com a ajuda de instituiNossa América ções parceiras e seus correspondentes, Há quatro anos, a República de além de jornalistas, pesquisadores, juTrinidad e Tobago preserva-se como o ristas e militantes dos direitos humaprimeiro país do continente americanos, que respondem a um questionáno a aparecer na lista. El Salvador, cuja rio de 50 perguntas sobre o panorama democracia ainda é frágil depois de da liberdade de imprensa em seu país. muitos anos de uma guerra civil, é o Na última edição, assim como em segundo, em 28º, seguido pela Costa 2004, foram apurados dados de 167 Rica, em 41º. nações — o motivo de algumas não fiA Argentina (59º) subiu 20 posições gurarem na lista é a ausência de inforem relação a 2004, principalmações. Nas primeiras e meOS 20 MELHORES mente devido à diminuição lhores posições, liderados pela PAÍSES das agressões a jornalistas, à Dinamarca, estão os países 1 Dinamarca garantia dos meios de comuescandinavos, que garantem, 2 Finlândia nicação em preservar o anoniinforma a RSF, real e estável 3 Irlanda mato de suas fontes e à restauliberdade de imprensa. No 4 Islândia ração da legislação de imprencontinente americano, o desta- 5 Noruega sa. Na classificação de 2005, a que é para Trinidad e Tobago, 6 Países-Baixos Suíça RSF diz que, embora a Lei de país que aparece em 12º lugar 7 Eslováquia Imprensa brasileira date do peno ranking, ao lado de Hungria, 8 9 República Checa ríodo da ditadura militar — Nova Zelândia e Suécia. Eslovênia que estabelece penas de cárceO Brasil aparece em 63º, 10 Estônia re —, ela não é aplicada. No tendo subido três posições em 11 Hungria entanto, os jornalistas contirelação à pesquisa anterior. Da 12 Nova Zelânda nuam expostos a violentas reAmérica do Sul, a Bolívia é a 13 Suécia Pobreza & liberdade presálias, como a que levou à mais bem colocada, ocupando 14 A Classificação 2005 da RSF diz aina 45ª posição, 31 à frente do 15 Trinidad e Tobago morte José Cândido Amorim Áustria da que alguns países que conquistaPinto, diretor de uma rádio coranking de 2004. Em contra- 16 17 Letônia ram sua independência ou a retomamunitária pernambucana, em partida, o Uruguai — 42º no 18 Alemanha ram em menos de 15 anos mostram1º de julho de 2005. ano passado — caiu quatro 19 Bélgica se respeitosos à liberdade de imprenO relatório aponta ainda posições e a Colômbia, que fi- 20 Grécia sa, como Eslovênia (9º), Estônia (11º), que no Peru (116º), embora cou em 128º e nas edições anLetônia (16º), Lituânia (21º), Namíbia não tenha havido nenhum assassinateriores ocupara o último lugar entre (25º), Bósnia-Herzegovina (33º), to de profissionais da imprensa, os os países latino-americanos, deu a vez Macedônia (43º), Croácia atos de violência contra jornaao México (135º). OS 20 PIORES (56º) e Timor Leste (58º). listas aumentam em proporTurcomenistão, Eritréia e Coréia do PAÍSES Maldivas A RSF afirma que sua clasções gigantescas. Já o Haiti 148 Norte — os três últimos no ranking, resSomália sificação rebate a teoria de al(117º), mesmo com a queda 149 pectivamente — são países onde não há Paquistão guns líderes de países pobres, de Jean-Bertrand Aristide, 150 imprensa privada e a liberdade de exBangladesh que apontam o desenvolvicontinua sendo arriscado para 151 pressão não existe, porque os meios de jornalistas — houve um assas- 152 Bielo-Rússia mento econômico como concomunicação oficiais reproduzem apeZimbábue dição prévia indispensável sinato, exílios forçados e ten- 153 nas propaganda de seus governos e qual154 Arábia Saudita para a democratização e o tativas de seqüestro de profisquer desvio dessa condição pode render 155 Laos respeito aos direitos humasionais em 2005. uma severa punição ao jornalista. O México desbancou a Co- 156 Uzbequistão nos. Mesmo que os países riAinda de acordo com a RSF, na Ásia 157 Iraque cos ocupem o topo da lista, lômbia em função do que os oriental e central e no Oriente Médio 158 Vietnã nações como Benin (25º), meios de comunicação daque- 159 estão os países onde é mais difícil exerChina Máli (37º), Bolívia (45º), le país chamam de “abril ne- 160 cer-se a liberdade de imprensa, seja Nepal Moçambique (49º), Mongógro”, quando, no espaço de 161 pela repressão das autoridades ou pela Cuba lia (53º), Nigéria (57º) e apenas uma semana, dois jor- 162 violência exercida pelos grupos armaLíbia Timor Leste (58º) — cujos nalistas foram assassinados e 163 dos, que impedem os meios de comuBirmânia PIBs, em 2003, não ultrapasoutro desapareceu. Além dis- 164 nicação de se expressar livremente. O Irã so, diz o relatório, a liberdade 165 Turcomenistão savam os US$ 1 mil por haIraque apresenta o quadro mais crítibitante — estão entre as 60 de imprensa piora nos Estados 166 co, onde mais de 20 jornalistas foram Eritréia que fazem fronteira com os 167 Coréia do Norte primeiras colocadas. mortos desde o começo de 2005. Des-

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Jornal da ABI LIBERDADE DE IMPRENSA

INCENDIÁRIOS CONDENADOS A VIVO Justiça de São Paulo trabalha rápido e condena Bruno Gaudêncio Coércio, Amarildo Barbosa e Amauri Delábio Campoy a 12 anos de prisão por incêndio contra rádios e jornal. A Justiça de São Paulo condenou Bruno Gaudêncio Coércio, Amarildo Barbosa e Amauri Delábio Campoy a 12 anos de prisão pelo atentado que praticaram, no dia 8 de setembro do ano passado, contra o prédio do jornal Diário de Marília, onde funcionam também as rádios Diário FM e Dirceu AM. Os três foram condenados ainda pelo roubo ao porteiro Sérgio Araújo. Em matéria publicada no dia 25 de janeiro, o Diário de Marília informou que o Juiz José Roberto Nogueira Nascimento condenou os três criminosos por “planejar e executar com excesso de violência” o atentado contra o grupo de comunicação. Além de apontar a gravidade do atentado contra a liberdade de imprensa na cidade, a sentença, informou o jornal, “desmonta todas as mentiras da defesa e confir-

ma que a diretoria das empresas não teve qualquer envolvimento no caso”. O Juiz José Roberto Nogueira Nascimento determinou também a transferência dos condenados do Centro de Ressocialização de Lins, onde aguardavam a sentença, para um presídio. A decisão acompanhou a acusação feita pelo Ministério Público e pelos advogados Telêmaco Luiz Fernandos Júnior e José Cláudio Bravos na avaliação sobre o motivo do crime: — O propósito dos acusados era, inegavelmente, atear fogo no prédio da empresa CMN com o intuito de inutilizar as duas rádios que ali funcionavam e também o jornal, impresso naquele mesmo local — disse o juiz. Os réus também foram condenados ao pagamento de 53 dias-multa no va-

lor de um trigésimo do valor de um salário-mínimo vigente na época dos fatos, o que corresponde a R$ 530,00. A condenação pelo incêndio criminoso foi de seis anos e oito meses, mas o juiz avaliou que outras situações justificavam uma pena maior, em especial delas o atentado à liberdade de imprensa: — Justifica-se o acréscimo dada a motivação do crime, qual seja destruir o jornal Diário de Marília e as dependências de duas rádios da comarca, situação essa que poderia gerar prejuízo não só material a seus proprietários, como alijar de três órgãos de imprensa a população de toda a comarca, que se utiliza das empresas jornalísticas para obter informações no seu dia-a-dia e veicular anúncios e matérias de interesse regional.

Bomba não abala o Mogi News Bomba de efeito moral (assim impropriamente chamada) é lançada na porta do jornal, de madrugada, tentando intimidá-lo. Criminosos até agora não identificados lançaram uma bomba de efeito moral na porta do periódico Mogi News na madrugada do dia 13 de janeiro, mas não atingiram seu propósito de intimidar o jornal, que no dia seguinte publicou editorial sob o título Sem medo, advertindo que não recuará na denúncia dos que transgridem as leis. A seguir, o texto da corajosa tomada de posição do Mogi News. “A Imprensa honesta carrega consigo, além da missão de informar, a tarefa indelegável de formar opiniões, de interagir com a sociedade, comprando suas brigas mais legítimas e prestando serviços decentes a ela. A Imprensa honesta desvenda, desmascara, escancara, desossa, esmiúça e revela bastidores e intenções, inclusive as mais vis e interesseiras. A Imprensa honesta resiste à tentação do dinheiro fácil oriunda da barganha por sobre a notícia e evita que a opinião pública se transforme em refém dos maus empresários, dos péssimos políticos, dos enganadores e dos canalhas. Houve um tempo neste País em que a liberdade de Imprensa chegou a ser esmagada pelos coturnos da ditadura. Era a época do Regime Militar, e gente de bem, composta in-

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clusive por jornalistas, era espionada, presa sem ordem judicial, torturada e até morta. Houve um tempo neste País em que, para frustrar a marcha da liberdade, quem detinha o poder mandava forjar atentados, para imputar aos subversivos a culpa e para ter o argumento de que a democracia precisaria ser revogada, até que, em um dia distante, ela pudesse retornar. Há o tempo atual em Mogi das Cruzes e no Alto Tietê, que é marcado firmemente por algumas empresas de comunicação que fazem o jornalismo ético, vibrante, inovador e revolucionário. Uma dessas empresas é o Mogi News. Diferentemente do que se fazia em outros tempos por aqui, agora, por exemplo, funcionários prejudicados por uma empresa que não cumpre com suas obrigações têm a possibilidade de denunciar a este jornal as injustiças sofridas. O Mogi News ouve — ou pelo menos tenta insistentemente ouvir — todos os lados da notícia. Diversamente dos tempos do silêncio e da omissão, o que se tem em Mogi e no Alto Tietê, por meio dos setores honestos da Imprensa, são denúncias francas e abertas, que atacam desde a indústria da multa

até a falta de segurança, desde o buraco da rua até a falta de ônibus, desde a ausência de médicos numa unidade básica de saúde até a queixa de um consumidor que se diz lesado por uma loja. E é por isso que há quem se sinta ameaçado e que, muito provavelmente acuado, queira calar a boca da Imprensa ou, mais propriamente, apagar as matérias, as colunas e os editoriais escritos pelo Mogi News. Tal intenção abjeta se perde por completo na baixeza e no crime de uma tentativa truculenta de intimidação, uma bomba de efeito moral — que deveria ser para uso exclusivo do Exército — jogada na porta do Mogi News na madrugada de ontem. Tal ato, uma mistura de banditismo e terrorismo, não impedirá que este jornal prossiga desmascarando quem transgride as leis, quem, sentado no trono falso da impostura, sinta-se ameaçado. O Mogi News acredita nas polícias Civil e Militar, no Ministério Público, no Judiciário e, acima de tudo, na justiça de Deus. Por isso, crê com tranqüilidade que os fatos e as responsabilidades que cercam o atentado de ontem de madrugada serão desvendados e os culpados, punidos, custe o custar, doa a quem doer.”

ERROU NA GAZETA Inquérito concluiu que funcionário da operadora trocou o número de firma que seria investigada pelo da empresa jornalística O inquérito policial que apura o caso do grampo na Rede Gazeta de Comunicações, no Espírito Santo, concluiu que houve erro, cometido por um funcionário da operadora de telefonia celular Vivo. A autorização de escuta, dada inicialmente pela 4ª Vara Criminal de Vila Velha, fora prorrogada pelo Desembargador Pedro Valls Feu Rosa, do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, durante a investigação do assassinato do Juiz federal Alexandre Martins, em março de 2003. O delegado encarregado pelas investigações, Joel Lyrio, informou que o empregado da Vivo trocou o número de telefone da Telhauto (alvo da investigação) pelo da empresa jornalística. O telefone da Rede Gazeta é 9944-6352 e o da firma que seria investigada, 99446362 — portanto, o erro teria sido de um dígito. Disse o delegado que o funcionário da Vivo não soube justificar tecnicamente o erro cometido. Por isso, a partir de então caberia ao Ministério Público avaliar se sua conduta foi dolosa (com intenção) ou culposa (sem intenção). O site Comunique-se e a Folha de S. Paulo informaram que o Delegado Joel Lyrio afirmou que as investigações vão continuar e solicitou que seja apurado o vazamento de informações sobre o assassinato do Juiz Alexandre Martins, que corre em segredo de Justiça. Em nota, a operadora telefônica disse que iria aguardar a conclusão do caso na Justiça: “Em respeito e observação às obrigações legais de confidencialidade e sigilo que caracterizam sua atividade, a Vivo informa que não comentará sobre os procedimentos investigatórios até que estes estejam definitivamente concluídos.” No ano passado, a Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI aprovou moção de solidariedade à Rede Gazeta.

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Jornal da ABI LIBERDADE DE IMPRENSA

A ABI CONTRA A NOVA LEI DO GRAMPO É inconstitucional o projeto gestado pelo Ministro Márcio Thomaz Bastos, diz a entidade. A ABI divulgou no dia 18 de janeiro declaração de repúdio à tentativa do Governo Federal de punir com prisão de um a três anos os jornalistas que divulgarem conteúdo de gravações objeto de escuta telefônica. A ABI considera inconstitucional a proposta, que no seu entender viola o artigo 220 da Constituição da República em seus parágrafos 1º e 2º. A declaração tem o seguinte teor: “A Associação Brasileira de Imprensa manifesta a sua apreensão diante da informação de que o Governo Federal cogita da apresentação de um projeto de lei de revisão da legislação da chamada escuta telefônica, o qual incluiria disposição que tipificaria como crime a divulgação jornalística do conteúdo de gravações telefônicas, mesmo

quando autorizadas pelo Judiciário, e instituiria a pena de prisão de um a três anos para o jornalista que promovesse tal divulgação. A ABI recebeu tal informação com perplexidade, derivada da circunstância de, segundo o noticiário a respeito, o projeto ter sido idealizado pelo Ministro Márcio Thomaz Bastos, que confiou sua elaboração a uma comissão constituída por cinco advogados. É admissível que esses profissionais, conforme a sua formação, imaginassem uma legislação com disposições totalitárias, como essas de punição dos jornalistas. É incompreensível, porém, que o Ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos encampe ou subscreva proposição desse teor, pois tem Sua Excelência o dever de respeitar a sua bio-

grafia, na qual se inclui a sua vigorosa participação, como Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, na luta pela instituição do Estado Democrático de Direito no País. Quanto às disposições do projeto que visam a apenar jornalistas, a ABI considera que não podem ser aceitas pelo Governo, que deve reexaminar a matéria para fim de expurgá-las da proposição a ser submetida ao Presidente da República, nem acolhidas pelo Congresso Nacional, em face do claro teor de inconstitucionalidade de que se revestem, à luz do artigo 220, parágrafo 1º, da Constituição Federal. Esse preceito constitucional estabelece que ‘nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de infor-

mação jornalística em qualquer veículo de comunicação social’, o que condena à morte, no nascedouro, esse argumento totalitário que se pretende consumar. Ademais, a disposição inquinada constituiria uma forma de censura, instituída prévia e abrangentemente, em colisão com o parágrafo 2º do citado artigo 220 da Constituição, que é nítido ao dispor que ‘é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística’. Dado o risco que a medida cogitada oferece à integridade da democracia no País, a ABI exorta os jornalistas, os meios de comunicação e as instituições da sociedade civil à resistência a essa proposta liberticida. Rio de Janeiro, 18 de janeiro de 2006. (a) Maurício Azêdo, Presidente da ABI.”

Uruguaios agradecem solidariedade

A moção foi assinada pela Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da ABI e destaca que a Associação considera “inadmissível que num regime democrático alguém seja preso por participar de manifestação pública”. No comunicado enviado à ABI, os jornalistas uruguaios agradecem a solidariedade da instituição para o caso dos colegas presos e ressaltam os ideais de justiça social e igualdade que unem brasileiros e uruguaios na luta pela democracia.

DIREITOS HUMANOS

NOVAS MORTES NA CEMIG Sindicato dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais-Sindieletro-MG faz novas denúncias contra a Cemig e pede apoio da ABI. Em novo comunicado enviado à ABI, o Sindicato Intermunicipal dos Trabalhadores na Indústria Energética de Minas Gerais-Sindieletro-MG apresentau novas denúncias de acidentes fatais envolvendo trabalhadores da Companhia Energética de Minas Gerais- Cemig e pessoal terceirizado, que somaram dez casos em 2005. Os dois últimos acidentes registrados pelo Sindicato ocorreram em dezembro do ano passado. No dia 27, morreu o eletricista Lindomar Castilho dos Santos, 31 anos, que trabalhava na empreiteira KPL. O acidente aconteceu em Divinópolis, quando o trabalhador realizava substituição de ponto de iluminação pública. No dia 29, a vítima foi o ajudante de eletricista Admar Moreira Rodrigues, 33 anos, da RCE, quando fazia o serviço de extensão de rede do Programa Luz para Todos, no Município de Ponto Chic, no Norte de Minas. Desde o início do ano passado o Sindieletro-MG vem denunciando os acidentes ocorridos na área da Cemig. A entidade critica também o fato da ocorrência dos acidentes num período em que a empresa teria gastado milhões em propaganda, justamente com a campanha “2005 — Acidente Zero”. Na mensagem encaminhada à ABI,

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o Sindicato ressalta sua “indignação com os Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário”: “Estes, na maioria dos casos, não respondem às nossas denúncias ou simplesmente se dizem incompetentes para as diligências cabíveis”. Como fez anteriormente, a ABI vai encaminhar as denúncias do Sindieletro-MG ao Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, em Brasília, reiterando a primeira denúncia recebida. A ABI critica o fato de as denúncias dos trabalhadores da indústria energética de Minas terem sido levadas apenas à Agência Nacional de Energia Elétrica-Aneel, que, diz a Casa, “não tem eficácia para apurar um caso de extrema relevância”. Dados apurados pelo SindieletroMG mostram que desde 1999 já foram registrados 51 casos de acidentes fatais em obras da Cemig; 16 ocorreram com funcionários da empresa e 35 com pessoal contratado de empreiteiras, que prestam serviços à companhia energética mineira.

ABI apela ao BB por Nequete

Jornalistas uruguaios enviam mensagem à ABI, por sua moção pela libertação de quatro colegas. A ABI recebeu um comunicado de agradecimento da Organização dos Trabalhadores do diário La Juventud e da Rádio CX36, do Uruguai, pela iniciativa do Conselheiro Mário Augusto Jakobskind de propor ao Conselho Deliberativo da instituição uma moção de solidariedade à campanha pela libertação dos jornalistas Fiorella Gonzáles, Ignácio Corrales, Lílian Bogado e Cláudio Piñeyro, que se encontram presos por motivos políticos.

A ABI encaminhou ofício ao Presidente do Banco do Brasil, Rossano Maranhão Pinto, pedindo que a instituição desista do recurso que impetrou contra a sentença de primeira instância que o condenou a pagar uma indenização ao requerente Edison Curie Nequete, associado da ABI, devido a lesões sofridas quando transpunha a porta giratória da Agência. Primeiro de Março, no Centro do Rio de Janeiro. Na justificativa, a ABI destaca que Edison Neguete, atualmente com 79 anos de idade, ainda padece das conseqüências do acidente e, “alquebrado pelo sofrimento, teme que o recurso do BB seja apenas uma forma de privá-lo de usufruir da compensação pecuniária a que tem direito”.

A moção “Exmo. Sr. Presidente da República Oriental do Uruguai A Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e Direitos Humanos da Associação Brasileira de Imprensa (ABI) aprovou moção de solidariedade aos quatro presos políticos uruguaios — Fiorella González, Ignácio Corrales, Lílian Bogado, Cláudio Piñeyro — e expressou sua adesão à campanha do povo uruguaio por um Natal sem presos políticos. A ABI considera inadmissível que em uma democracia alguém vá preso por participar de manifestações, neste caso contra a Alca, por considerar este projeto como uma estratégia de dominação de uma potência sobre uma região. A moção, apresentada pelo integrante da Comissão e do Conselho Deliberativo da ABI Mário Augusto Jakobskind, foi aprovada por unanimidade. (a) Mário Augusto Jakobskind, em representação da Comissão de Direitos Humanos e Liberdade de Imprensa da ABI.”

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Jornal da ABI VIDAS

LUIZ PINTO, O FOTÓGRAFO Grande artísta da imagem, ele manteve até o fim seu bom humor contagiante Sócio da ABI havia 38 anos — associou-se à instituição quando ainda era repórter-fotográfico da Última Hora, em 1968 —, Luiz Pinto era presença constante nos eventos da Casa e contagiava a todos com seu bom humor. Por registrar momentos importantes da História do Brasil, Luiz Pinto foi homenageado — ao lado de três outros fotógrafos —, em dezembro passado, na entrega do Prêmio Embratel. Ele morreu no dia 20 de janeiro, aos 72 anos, de complicações pulmonares. Dos

três filhos, um, Guilherme Pinto, seguiu sua carreira e é fotógrafo do Extra. Vencedor do Prêmio Esso de Fotografia em 1966, com a foto Subindo e fazendo força, que mostrava a dificuldade do Presidente Castelo Branco para subir num jipe do Exército, Luiz Pinto foi o segundo entrevistado da seção Em Foco, do ABI Online, numa reportagem em que falou sobre sua trajetória profissional. A seguir, seu relato, atualizado, e as fotografias que ele selecionou e legendou.

Prevendo a dificuldade de Castelo Branco, Luiz Pinto ficou de tocaia para o clique. A foto lhe deu o Prêmio Esso de 1966. Castelo (à dir.) fugia ao ver Luiz Pinto, que se especializou em fotos diferentes dele.

Foi tirada no Largo da Carioca e saiu na primeira página da Tribuna, em 1º de abril de 1993. Quis mostrar a realidade brasileira no Dia Mundial da Mentira

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Roberto Campos na primeira página da Tribuna, em 1966, publicada sob o título ‘Em terra de cego, quem tem olho é rei’.

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Jornal da ABI

Roberto Marinho e Dona Lily, acompanhados de seguranças, em visita ao navio-escola português Sagres. Na foto à direita ele começa a escorregar e os seguranças tentam evitar a queda. O idílio BenéGarotinho, na campanha estadual de 1998. E um José Serra fantasmagórico.

“O clique acontece primeiro na cabeça” Paraense de Belém, filho de fotógrafo, Luiz Pinto desenvolveu sua arte fazendo registros de eventos sociais em sua cidade. Aos 15 anos, estagiou no jornal A Província do Pará, escola para cinco de seus 11 irmãos que se tornaram profissionais da imprensa. Para Luiz, o impulso que o levava a pôr a máquina em ação é um simples “estalo”: o clique acontece primeiro na cabeça do repórter — A notícia é que faz o profissional, e não o contrário. O impulso é o mesmo, tanto faz se a fotografia é digital ou em chapa de vidro, como quando comecei. Um dos cliques mais importantes da carreira de Luiz foi feito na Vila Militar do Rio de Janeiro, em julho de 1966. Luiz ouviu um diálogo entre dois oficiais nos minutos que antecediam ao desfile com a presença de Castelo Branco, o primeiro general a assumir a Presidência após o golpe militar: — Um dos oficiais informava que o jipe tinha um estribo muito alto. O outro sugeriu que trocasse o carro, mas já não havia mais tempo. Com a máquina já em posição, Luiz Pinto fez o registro que lhe renderia o

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Prêmio Esso de Fotojornalismo daquele ano. A foto mostrava a dificuldade do Presidente, de baixa estatura, para subir no veículo em que participaria da parada militar. Foi publicada em seis colunas na Tribuna da Imprensa, com o título Subindo e fazendo força: — Passei a ser vigiado pelo Exército. Fui preso no Rio várias vezes, fichado e espancado. Qualquer pretexto servia: uma manifestação de estudantes, uma agitação no Centro, qualquer coisa. “Uma época de ouro”. Assim Luiz definia o período em que trabalhou na Tribuna da Imprensa e na Última Hora, jornais que ousavam afrontar a ditadura. Quando foi para O Globo, sentiu uma grande diferença, pois o jornal não publicava fotos que criticassem o regime. Desse tempo Luiz também destaca que a fotografia não era prestigiada pelo jornal, realidade que mudou com a chegada de Erno Schneider à chefia do Departamento Fotográfico. — Erno instituiu o uso da teleobjetiva, da seqüência fotográfica, o uso mínimo do flash. O Globo passou a publicar páginas gráficas.

Dias antes do seu passamento, Luiz Pinto esteve na ABI, com seu jeito alegre, seu otimismo, sua irreverência.

Como repórter-fotográfico, Luiz Pinto viajou por todo o Brasil e boa parte do mundo, inclusive a Antártica. Ele próprio foi notícia ao ser preso na Argentina durante os distúrbios que se seguiram à queda de Perón; na Venezuela e na Bolívia, em golpes militares; na França e na Itália, confundido com terrorista argelino; e até em Belém do Pará, quando cobria a queda do Governador Aurélio do Carmo, deposto pelos militares em 1964. Personagem de livros, participou da cobertura de quatro Copas do Mundo e recebeu dezenas de prêmios. Luiz Pinto orgulhava-se também de ter sido o autor da fotografia que correu o mundo como o melhor flagrante do movimento pelas Diretas Já: a multidão, em Brasília, se abrigando da chuva sob a bandeira brasileira, em março de 1985. Aposentado, acompanhava com orgulho o trabalho do filho Guilherme, fotógrafo do jornal Extra. Ele seria personagem de um livro a ser lançado em maio: Brasil — 20 anos de território antártico, de Marcomede Rangel, que o acompanhou em diversas viagens à Antártica.

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Jornal da ABI VEÍCULOS por José Reinaldo Marques

SONHO E REALIDADE NA IMPRENSA DO RIO Lançados recentemente no Rio, os tablóides Q! e Meia Hora passaram por realidades bem diferentes. O primeiro saiu de circulação, enquanto o segundo aposta no crescimento e segue em frente. Lançados no ano passado como duas grandes novidades do mercado editorial do Rio de Janeiro, o vespertino Q! e o matutino Meia Hora viveram realidades diferentes. O primeiro, por falta de uma boa estratégia comercial que lhe garantisse anunciantes, teve uma circulação meteórica e interrompeu sua edição no dia 4 de janeiro. A notícia da paralisação do Q! foi dada à equipe por email, no qual Ariane Carvalho, mentora e diretora do tablóide, informava que o jornal deixaria de circular temporariamente e que a partir do dia 6 uma sexta-feira, somente sua versão online seria atualizada. O Q! foi lançado em 7 de novembro do ano passado e tinha uma redação com 70 profissionais, comandada pela jornalista Paula Fernandes. Ariane Carvalho não foi encontrada para falar sobre o fechamento do tablóide, mas à época do lançamento, em entrevista ao ABI Online, disse que não temia o fato de diversas pesquisas apontarem para a queda de circulação que atingia todos os jornais. Ela confiava nas pesquisas que havia feito e que demonstravam o interesse do público por um vespertino. Também não estava preocupada com os riscos de ter lançado um produto editorial sem qualquer tipo de promoção, porque queria testá-lo. Resultado: os sócios do empreendimento — Mídia 1 e a Foco Investimentos — não conseguiram atrair investidores e anunciantes para o projeto. Em entrevista ao site Comuniquese, o Diretor Financeiro do Q! disse que, durante o mês de janeiro, seria feita “uma reavaliação do projeto do produto” e que um dos motivos da paralisação do vespertino é “preservar a marca e o ideal do veículo”.

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As criações das irmãs Gigi e Ariane Carvalho: Meia Hora, que vai de vento em popa, e Q!, que parou com esperança de voltar

Popular, sem apelação Enquanto Ariane interrompia um projeto que acreditava que se transformaria num bom negócio, sua irmã, e hoje desafeto e concorrente, Gigi Carvalho comemora meses de sucesso do Meia Hora, também em formato tablóide. Segundo a Direção do Grupo O Dia de Comunicação, a idéia de lançar o jornal nasceu de uma necessidade de expansão de negócios a partir de um produto editorial que eles consideram consolidado: O Dia. Mas, de acordo com algumas fontes que preferem não ser identificadas, o Meia Hora foi criado para enfrentar o sucesso do Extra,

das Organizações Globo, no mercado dos jornais populares — até a chegada do concorrente, O Dia liderou o segmento no Rio durante muito tempo. Lançado em 19 de setembro do ano passado, o Meia Hora, além de ser um produto que visa a aumentar o faturamento do Grupo O Dia, segundo Gigi Carvalho, “foi criado para democratizar a informação”, tanto em matéria de preço quanto de informação descomplicada. — É por isso que mantemos um noticiário popular, mas sem a apelação do sexo e da violência. Antes de lançar o produto, identificamos que havia um público que deixou de ler jornais porque são caros e estão fora do alcance do seu poder aquisitivo. Além disso, esse leitor reclama da grande variedade de cadernos, principalmente nos fins de semana, na maioria dos periódicos. Isso, para essas pessoas, é um dos fatores de impedimento de leitura — diz o editor-chefe Humberto Tziolas. Tiziolas diz que os principais assuntos do Meia Hora são empregos, cidade, esportes e informática. A redação conta com 30 profissionais — tratadores de imagens, repórteres, redatores, diagramadores e editores — e funciona em parceria com a equipe do Dia, aproveitando principalmente as matérias das editorias de Cidade e Esportes, que ganham então outro formato. De segunda a sexta-feira, o tablóide circula com 32 páginas, a R$ 0,50; aos sábados, com 40 páginas, também a R$ 0,50; e no domingo, com 48, em função dos cadernos de TV, Saúde e Esportes, a R$ 1,00: — Procuramos fazer um jornal sob medida para o nosso público, que se interessa somente pelo essencial. Por isso usamos textos curtos, com muitas fotos — explica Tziolas. O preço pesa Para evitar a “canibalização” do Dia, foi feito um trabalho junto aos jorna-

leiros em todo o Grande Rio, para estabelecer qual seria a demanda do Meia Hora. O Superintendente de Circulação do Grupo O Dia, Javier Fernandez, conta que o resultado foi mais do que satisfatório: — Os jornaleiros têm sido nossos parceiros, fizemos um trabalho conjunto e conseguimos minimizar o impacto que o lançamento do Meia Hora teria sobre O Dia. Devemos muito aos donos das bancas, pois, graças ao esforço empreendido, nós, que começamos com uma tiragem de 40 mil exemplares por dia, hoje alcançamos 120 mil. E não pára por aí: tivemos um aumento de 45 mil novos leitores e estamos vendendo 100 mil exemplares diariamente. Para Simone Boto, Coordenadora de Marketing, o novo jornal se encontra numa base segura de leitores e anunciantes. Segundo ela, a partir dos dados apurados numa pesquisa qualitativa, criou-se um produto editorial que atendesse às necessidades do leitor de baixa renda e que tivesse uma comunicação de fácil entendimento: — O Meia Hora não é um jornal de promoção. É um veículo que veio para atender um público novo, tanto jovem quanto adulto, de baixo poder aquisitivo, que havia deixado de ler jornais por causa do custo e da linguagem. Por isso optamos por um jornal de leitura rápida e de fácil assimilação, que também fosse alegre e falasse ao coração do leitor. Um levantamento realizado pelo Grupo O Dia verificou uma grande queda na circulação dos jornais, que atinge até os mais tradicionais. Pelos números apurados, desde 2001 deixaram de ser vendidos 70 milhões de exemplares anualmente. A questão do preço também aparece na pesquisa como fator de exclusão de um enorme número de leitores: — É por isso que nossa proposta ao lançar o Meia Hora foi de criar um veículo cuja leitura não fosse cara. E nesses três meses de circulação temos conseguido fidelidade com nosso público. Estamos atraindo as pessoas pelo preço e pelo entretenimento — diz Simone.

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