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Moreira Lima engalana os 98 anos da ABI Página 19

Jornal da ABI Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa

Abril de 2006 • Número 307

ARQUIVO TRIBUNA DA IMPRENSA

Justiça para Sônia Angel, morta em 1973

REPRODUÇÃO

Assassinada pela repressão em 1973, Sônia de Moraes Angel Jones, mulher de Stuart Angel, recebe uma reparação moral 33 anos depois. Sua tragédia é relembrada em artigo especial de Aziz Ahmed, autor de um livro proibido sobre ela. Página 27

Vítimas de obras de barragens, os novos excluídos Há novos excluídos, e a imprensa ignora: as vítimas de obras de barragens de usinas hidrelétricas. Páginas 28 e 29 e Editorial na página 2

TODA A HISTÓRIA DE HÉLIO FERNANDES

-----------------A ABI PENSA O CINEMA DIVULGAÇÃO

Cinema nacional conta o que fez e a ABI vai editar Zelito Viana (foto) abriu série de depoimentos sobre o cinema brasileiro que a ABI vai editar. Páginas 24 e 25

“A DITADURA VAI ACABAR, NÓS NÃO” Foi com essa manchete, valente e insubmissa, que a Tribuna da Imprensa circulou no dia 27 de março de 1981, depois de ter sofrido na véspera um atentado terrorista jamais investigado. Hélio Fernandes, Diretor da Tribuna, chegou ao jornal com parte da oficina ainda a fumegar e repeliu a provocação expressa na pichação, que pretendia atribuir o ataque à esquerda. Esse é um dos muitos episódios dramáticos que Hélio narrou em memorável aula magna na ABI. Páginas 3 a 15 e 18


Jornal da ABI EDITORIAL

O dever dos pauteiros Embora sem merecer as atenções da grande mídia, mais sensível às estridências das Comissões Parlamentares de Inquérito e a ruidosas diligências da Polícia Federal nas investigações de ações de corruptos em diferentes latitudes, as atividades do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana têm permitido às instituições que dele participam o conhecimento e o contato com mazelas que não chegam aos meios de comunicação, por maior dimensão que possam ter. É espantoso mas real: há cerca de dois anos o Conselho investiga quase sob a indiferença dos meios de comunicação a situação dos presos comuns do Estado de Roraima, que apresenta singularidades de pasmar. O Estado não tem sistema penitenciário nem pessoal próprio pasra cuidar do único estabelecimento prisional existente e se conformou e passou a conviver com a realidade mais forte que a vontade do Poder Público: são os presos que mandam no presídio. O Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana já realizou inspeções in loco , tentou audiência com o Governador do Estado para discussão dessa anomalia e de alternativas de soluções e nunca conseguiu falar com Sua Excelência. Sobre essa intrincada e dramática situação não saem uma magra linha na imprensa nem um tênue ruído nas radios nem uma pálida e fugaz imagem na televisão. Nunca um repórter acercou-se do Conselho para levantar informações sobre esse nem sobre outros casos relevantes. Agora o Conselho está diante da denúncia do Movimento dos Atingidos por Barragens,que revela a brutalidade imposta a centenas de milhares de patrícios pelas empreiteiras construtoras de usinas hidrelétricas, que inundam e arrasam largas porções de terras, destróem plantações, empreendimentos e todo tipo de construção e habitação, sonegam indenizações por esses danos materiais e tratam as pessoas simples com absoluto desprezo e impiedade. Em textos que o Jornal da ABI publica nesta edição, tem-se exemplo dessa arrogância e desumanidade, como a coação e a ameaça feitas a uma cidadã comum por preposto de poderosa empreiteira: “Ou você assina ou te dou um tiro na cara, sua velha, para parar de encher o saco”. Na ponta da grande mídia estão os pauteiros de veículos de comunicação com sede ou sucursal em Brasília: sob pena de grave capitulação como profissionais, eles não podem deixar de acompanhar no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana a evolução das absurdas situações que ora relatamos e condenamos como intoleráveis ofensas à dignidade de cerca de 1 milhão de patrícios.

NESTA EDIÇÃO Toda a história de Hélio Fernandes A noite de gala dos 98 anos, com Arthur Moreira Lima

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Os tucanos pousam entre nós

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Relatório aprovado por unanimidade

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Só podia dar Prudente

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“O Brasil está sem rumo há um quarto de século”

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Lessa: “observações fragmentárias”

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A ABI pensa o cinema. O nosso, claro.

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Spray de pimenta na cara de servidores em greve

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Justiça para Sônia Angel

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Uma nova classe de excluídos (e ignorados): os atingidos por barragens

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Ai que saudades da Patrice Lumumba

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Congresso ambiental põe a mídia na berlinda

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Um trator chamado Fabiano

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Telê: elegante no campo e fora dele

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A ABI perde Jorge Vianna, seu servidor mais antigo 31 Um dia (quase) ignorado

Associação Brasileira de Imprensa

CONSELHO CONSULTIVO Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira, Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura CONSELHO FISCAL Jesus Antunes – Presidente, Miro Lopes – Secretário, Adriano Barbosa, Hélio Mathias, Henrique João Cordeiro Filho, Jorge Saldanha e Luiz Carlos Oliveira Chester CONSELHO DELIBERATIVO (2004-2005) Presidente: Ivan Cavalcanti Proença 1º Secretário: Carlos Arthur Pitombeira 2º Secretário: Domingos Xisto da Cunha Conselheiros efetivos (2005-2008) Alberto Dines, Amicucci Gallo, Ana Maria Costábile, Araquém Moura Rouliex, Arthur José Poerner, Audálio Dantas, Carlos Arthur Pitombeira, Conrado Pereira, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima, Joseti Marques, Mário Barata, Maurício Azêdo, Milton Coelho da Graça e Ricardo Kotscho

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Errata No subitem 13.2 do Relatório da Diretoria, página 17 do Suplemento 307-B desta edição, onde se lê Catálogo-Coletivo, leiase Catálogo Anotado de Periódicos Brasileiros Correntes.

Conselheiros efetivos (2004-2007) Antonieta Vieira dos Santos, Arthur da Távola, Cid Benjamin, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Héris Arnt, Irene Cristina Gurgel do Amaral, Ivan Cavalcanti Proença, José Gomes Talarico, José Rezende, Marceu Vieira, Paulo Jerônimo, Roberto M. Moura, Sérgio Cabral e Teresinha Santos

DIRETORIA – MANDATO 2004/2007 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Audálio Dantas Diretora Administrativa: Ana Maria Costábile Soibelman Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Souza (Pajê) Diretora de Jornalismo: Joseti Marques

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Conselheiros efetivos (2003-2006) Antonio Roberto da Cunha, Aristélio Travassos de Andrade, Arnaldo César Ricci Jacob, Carlos Alberto Caó Oliveira dos Santos, Domingos João Meirelles, Fichel Davit Chargel, Glória Sueli Alvarez Campos, João Máximo, Jorge Roberto Martins, Lênin Novaes de Araújo, Moacir Andrade, Nilo Marques Braga, Octávio Costa, Vitor Iorio e Yolanda Stein Conselheiros suplentes (2005-2008) Anísio Félix dos Santos, Edgard Catoira, Francisco de Paula Freitas, Geraldo Lopes, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Amaral Argolo, José Pereira da Silva, Lêda Acquarone, Manolo Epelbaum, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Pedro do Coutto, Sidney Rezende, Sílvio Paixão e Wilson S. J. Magalhães Conselheiros suplentes (2004-2007) Adalberto Diniz, Aluísio Maranhão, Ancelmo Gois, André Louzeiro, Jesus Chediak, José Silvestre Gorgulho, José Louzeiro, Lílian Nabuco, Luarlindo Ernesto, Marcos de Castro, Mário Augusto Jakobskind, Marlene Custódio, Maurílio Ferreira e Yaci Nunes Conselheiros suplentes (2003-2006) Antônio Avellar C. Albuquerque, Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Antonio Roberto Salgado da Cunha, Domingos Augusto G. Xisto da Cunha, Hildeberto Lopes Aleluia, José Carlos Rego, Lorimar Macedo Ferreira, Luiz Carlos de Souza, Marco Aurélio B. Guimarães, Marcus Antônio M. de Miranda, Mauro dos Santos Vianna, Pery de Araújo Cotta, Rogério Marques Gomes, Rosângela Soares de Oliveira e Rubem Mauro Machado

COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Ely Moreira – Presidente, Jarbas Domingos Vaz, José Ernesto Vianna, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Maurílio Cândido Ferreira COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Artur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Arthur Cantalice, Arthur Nery Cabral, Daniel de Castro, Germando Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva, Orpheu Santos Salles, Wilson de Carvalho, Wilson S. J. Magalhães e Yaci Nunes

Jornal da ABI Rua Araújo Porto Alegre, 71, 7º andar Telefone: (21) 2220-3222/2282-1292 Cep: 22.030-012 Rio de Janeiro - RJ (jornal@abi.org.br) Editores: Francisco Ucha, Joseti Marques e Maurício Azêdo Projeto gráfico, diagramação e editoração eletrônica: Francisco Ucha Apoio à produção editorial: Ana Paula Aguiar, Fernando Luiz Baptista Martins, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo e Solange Noronha. Diretor responsável: Maurício Azêdo Impressão: Gráfica Lance Rua Santa Maria, 47 - Cidade Nova - Rio de Janeiro, RJ. As reportagens e artigos assinados não refletem necessariamente a opinião do Jornal da ABI.

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Jornal da ABI AULA MAGNA RICARDO COELHO

TODA A HISTÓRIA DE HÉLIO FERNANDES (Com ela, a recente História do Brasil)

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ABI abriu as comemorações do seu 98° aniversário de fundação com um evento muito especial: Hélio Fernandes foi convidado a proferir a aula magna de inauguração dos Cursos Livres de Jornalismo de 2006 e a narrar sua trajetória profissional, que se confunde com a História do Brasil das últimas seis décadas e principalmente com a

quadra dramática que o País viveu entre 1964 e 1985. É este seu longo depoimento, feito no dia 7 de abril de um fôlego só, sem parar para beber um gole só de água, que veremos a seguir. A degravação das fitas foi feita por Celeste Cintra; a montagem e edição final do texto, por Maurício Azêdo. Fotos Arquivo Tribuna da Imprensa. Abril de 2006

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Jornal da ABI

Joseti Marques – É uma honra e um prazer tê-los aqui e nós estamos neste momento inaugurando os cursos de Jornalismo da ABI. Muito mais do que alunos e professores, todos os que estão participando desta iniciativa estão colaborando cada vez mais para o fortalecimento da ABI. Hoje a palavra é de Hélio Fernandes. Eu não quero me alongar para que vocês possam compartilhar todo o conhecimento, toda a vivência e experiência desse jornalista fantástico que ele é. Antes, gostaria de convidar à mesa a jornalista Cecília Costa, professora do curso de Jornalismo Cultural que iremos realizar; a jornalista Ilza Araújo, que ministrará o curso de Assessoria de Imprensa, e o Professor

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ERNESTO SANTOS

Maurício Azêdo – A ABI dá boas-vindas a todos, esperando que no decorrer de nossos trabalhos outros companheiros se juntem ao nosso grupo para ouvir o jornalista extraordinário que é Hélio Fernandes, que tem densa biografia e é um dos mais antigos repórteres do País. Depois do passamento de Barbosa Lima Sobrinho ele é talvez o jornalista que há mais tempo assina matérias na imprensa diária do País; mais do que jornalista, Hélio Fernandes é um homem público, dedicado às grandes causas da Cidade do Rio de Janeiro, do Estado e do País. Sua atuação lhe valeu uma perseguição indormida da ditadura militar, que lhe cassou direitos políticos, privouo da liberdade; promoveu, pelas forças que se associavam ao regime, atentado ao seu jornal, Tribuna da Imprensa, submetida a uma censura prévia feroz. Em nenhum momento, ao longo de mais de 20 anos, Hélio Fernandes faleceu na defesa das suas idéias, dos interesses do País e de princípios que foram incorporados à Constituição de 5 de outubro de 1988, caracterizando a instituição do Estado Democrático de Direito no País. Esta é uma ambição que estamos ainda por promover integralmente, mas que já está insculpida na nossa Carta Maior como uma aspiração e uma definição de propósitos da sociedade brasileira. É com esta ligeira apresentação que convido, com muita honra para a ABI, Hélio Fernandes a assumir a sua cadeira de conferencista. Para presidir os trabalhos da sessão convido a Diretora de Jornalismo da ABI, nossa companheira Joseti Marques, que fará em seguida as chamadas para a composição do restante da mesa.

Paulo César Castro, coordenador dos Cursos Livres de Jornalismo da ABI. Hélio Fernandes – Quase sem querer Maurício Azêdo acertou inteiramente. Eu sou o jornalista mais antigo em atividade e em idade. Mais idade do que eu só o Barbosa Lima Sobrinho e mais ninguém realmente. Eu entrei na primeira Redação, que foi a da revista O Cruzeiro, quando tinha 12 para 13 anos, em 1936. Aceitei este convite, anteontem, logo que o Maurício mandou me convidar, porque estou completando, neste momento, 70 anos de jornalismo diário e ininterrupto e 50 anos de coluna e artigos diários, começados em 1956, no Diário de Notícias,

“João Dantas não deixou nem ele terminar e disse: – Em dúvida consulte o interesse nacional.” Hélio Fernandes fez a sua iniciação profissional na revista O Cruzeiro, na qual já trabalhava seu irmão Millôr. Hélio atribui o êxito de O Cruzeiro à criação por Millôr da seção humorística Pif-Paf, que este relançaria 30 anos depois como publicação independente. No oitavo número, foi proibida.

que era, então, o maior jornal do Rio de Janeiro. Naquela época todos os jornais tinham um slogan e o do Diário de Notícias era “o jornal de maior circulação no Distrito Federal”. Era um prazer trabalhar no Diário de Notícias porque quando me contratou o João Dantas disse: – Hélio, eu faço questão de ler a tua coluna e o teu artigo no dia seguinte. O editorialista do Diário de Notícias dessa época era o Oliveira Bastos, um famoso jornalista também. O João Dantas ficava ali na Rua Riachuelo, onde era o prédio do Diário de Notícias, que funcionara primeiro na Rua da Constituição. O Oliveira Bastos um dia estava fazendo um editorial e telefonou às 7 horas da noite para o João Dantas e disse : – João, estou com uma dúvida. João Dantas não deixou nem ele terminar e disse : – Em dúvida consulte o interesse nacional. E desligou. Era esse o Diário de Notícias. Eu comecei em 1936. Nasci no Méier, onde fiz escola pública, que era uma coisa fantástica naquela época; hoje nem existe mais, mataram a escola pública, que era o que de melhor existia no Brasil em tudo, tudo. Em 1936, comecei na revista O Cruzeiro, que ainda não era a revista O Cruzeiro dos áureos tempos a partir de 1942, 1943 em diante, quando chegou a vender 750 mil exemplares, numa época em que não havia assinaturas, e era distribuída, no Brasil inteiro. Quando entrei na revista O Cruzeiro pela primeira vez, nunca havia entrado numa Redação. A revista era ali na Rua do Livramento, ali quase pegada ao Túnel João Ricardo, aquele túnel escuro, sujo, pequenininho, que liga o Centro da Cidade à zona da Saúde, que naquela época era uma área muito importante e teve até um dos hospitais de maior importância no mundo, o Hospital dos Servidores do Estado, que hoje praticamente não existe, mataram. Grandes cirurgiões vinham aqui operar e ficavam impressionados com o Hospital dos Servidores do Estado. Entrei na Redação e não sabia o que era. Eu trabalhava no escritório de um despachante, tinha 12 anos, e na hora do almoço, de 13 às 14 horas — era ali na Abril de 2006


Jornal da ABI Rua Senador Dantas ,22 — eu atravessava a rua e ia para a Avenida Rio Branco, 241, onde era o Supremo Tribunal Federal. Eu entrava e assistia a grandes debates. Muitas vezes, eu ia à Rua Dom Manuel, 29, onde era o I Tribunal de Júri e assistia a grandes debates, numa época em que existiam crimes passionais, o marido matava a mulher, a mulher matava o marido, coisa que não existe mais hoje, porque, agora, com a permissividade, com a camisinha, com todos esses avanços, ninguém mais mata ninguém. Então a advocacia criminal não existe mais, realmente. Na revista O Cruzeiro já trabalhava uma pessoa chamada Millôr Fernandes, mais moço que eu 13 meses, e era uma coisa impressionante. Com 18 anos, o Millôr começou a fazer as duas páginas do Pif-Paf, que eram fantásticas. Foi o que alavancou a tiragem de O Cruzeiro. Depois vieram David Nasser, Jean Manzon, Nelson Rodrigues. Veio um grupo e formou uma das Redações mais extraordinárias que já existiram. E pela primeira vez havia o profissionalismo do salário. Naquela época, em 1936, quase todos jornalistas tinham emprego público. O jornalismo era uma espécie de bico, porque os jornais não tinham recursos. Na revista O Cruzeiro nós dávamos dois expedientes: entrávamos às 8h30min-9h, saíamos para o almoço e voltávamos 13h-13h30min até 17h17h30min. Vinte anos depois, eu diria ao Millôr uma coisa que digo até hoje a ele, carinhosamente: – Millôr, você é o meu maior adversário, porque você é meu irmão, da minha geração, da minha profissão, e gênio. É impossível, realmente, competir com ele. As pessoas falam: o Hélio é irmão do Millôr.

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Um momento de descontração de Hélio Fernandes em seu tumultuado enfrentamento da ditadura militar: ele, Millôr (1° à esq., acima) e Paulo Francis comentam com indignação e irreverência as violências do regime. Abaixo: Hélio protagoniza um momento histórico: Lacerda dá entrevista coletiva, na Tribuna, após ler o manifesto de lançamento da Frente Ampla. Ao fundo (2° à esq.), o jovem repórter Flávio Pinheiro, então em início de carreira.

Hélio cobriu a Constituinte de 1946. Dos 17 credenciados só ele está vivo. Em 1946, quando tinha 21 anos, fiz a primeira cobertura da Assembléia Nacional Constituinte, eleita em 2 de dezembro de 1945 e empossada em 31 de janeiro de 1946. Eram apenas 17 jornalistas. Os mais destacados eram figuras assim: Prudente de Morais, neto, Osório Borba, que depois foi deputado por Pernambuco, Rafael Correa de Oliveira, que depois foi deputado pela Paraíba, Osvaldo Costa, que depois foi diretor de O Semanário com Joel Silveira e Rubem Braga, uma coisa fantástica, e um senhor de 31 anos, que tinha dez anos mais do que eu, que conheci ali e de quem fiquei muito amigo: Carlos Lacerda. Desses 17, 16 já se foram. (Eu dizia sempre a vida toda, durante a ditadura: – Eu não quero me alongar muito e também não quero falar só sobre a minha vida porque aí eu vou falar dois dias seguidos – porque fiz muita conferência pelo Brasil nos intervalos das minhas prisões. Geralmente eu saía de uma palestra para a prisão).

Embora isso não me orgulhe, eu sou o jornalista mais preso de toda a História e o mais desterrado. Domingos Meirelles está aqui e sabe que alguns dos tenentes de 22, 24 e 26 foram desterrados duas vezes; eu fui desterrado três vezes: em 1967, 60 dias, em Fernando Noronha, quando ainda Fernando de Noronha não era uma atração turística, tinha sido penitenciária e depois foi presidio político. Três anos antes de mim estiveram lá os Governadores Miguel Arraes e Seixas Dória, que foram presos nos dias 31 de março e 1° de abril. Muitas vezes eu saía preso desses comícios; fiz seminários com a Juíza Salete Macaloz, que promoveu um debate no edifício da Justiça Federal do qual participaram Maurício Azêdo e Alberto Dines, entre outros. O Dines não queria falar depois de mim: “Não quero falar depois do Hélio de jeito algum”. Fiz a cobertura da Assembléia Nacional Constituinte, que foi um dos grandes momentos da democracia brasileira. Ela estava programada para 1934. Depois de promulgada a Constituição haveria 60 dias para a eleição, a primeira eleição direta para Presidente da República após a Revolução de 30. Mas não houve eleição porque a Câmara e o Senado elegeram indiretamente Getúlio Vargas para Presidente de 1934 a 1938. A reação popular foi tão grande que essa Constituinte se autodissolveu e convocou eleições para o novo Congresso para

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Jornal da ABI LEANDRO PIMENTEL

tregaram a direção a um jornalista que era até um bom cronista, mas que nada tinha a ver com a direção de revista e coisa nenhuma. Então, a capa do primeiro número da revista Manchete foi a liteira da Marquesa de Santos, que evidentemente não vende revista. O segundo número foi um bico de papagaio, muito bem impresso, mas quem compra uma revista com um bico de papagaio na capa? Eu vinha da revista O Cruzeiro, onde a liberdade era muito grande, não há dúvida nenhuma, foi uma Redação maravilhosa, com uma única restrição ou recomendação: não podia botar homem na capa, era só mulher, porque o resultado de uma pesquisa revelava que as pessoas compravam muito mais revistas com mulher na capa do que homem. Quando fui para a Manchete, a revista vinha caindo, caindo, quando chegou a 2 mil exemplares eles iam fechá-la. Ofereceram ao Samuel Wainer, que disse para eles: «Eu dou 500 mil cruzeiros para vocês porque gosto do título». E não fecharam o negócio. Aí me convidaram. Eu não queria, eu realmente não queria, porque não conhecia os Bloch. Aí tive um encontro com eles, que na verdade eram realmente diferentes do que se dizia. Eles me deram total LUIZ PINTO

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JORGE NUNES

o dia 3 de outubro de 1934. Só em 1945, no dia 2 de dezembro, foi eleita a nova Constituinte; o que seria em 1934 passou a ser em 1945. Nessa eleição de 1945 pela primeira vez as mulheres votaram para Presidente da República. Pela primeira vez havia o pluripartidarismo, antes só havia o Partido Republicano, que mudava de nome em São Paulo e Minas. Foi a primeira vez que o Partido Comunista teve um candidato, o engenheiro Iedo Fiúza, que, surpreendentemente, teve 11% da votação; não importa quanto fosse o eleitorado em 1945, como é hoje de 120 milhões, mas eram 11%, uma parte muito grande de votos, diga-se a verdade, conquistados pela campanha que o Carlos Lacerda fez contra ele. Carlos Lacerda era popular de um lado e impopular do outro. Ele fez uma campanha no Diário Carioca com o título geral «O rato Fiúza»; então, muita gente que não gostava do Carlos Lacerda votou no candidato do Partido Comunista, que até era um candidato muito bom, um engenheiro que não era radical coisa alguma. Continuei em O Cruzeiro até 1953, depois fui editor do Diário Carioca. Em 1953 sofri meu primeiro processo. E, evidentemente, só poderia ser da parte de Roberto Campos. Meu advogado era Evandro Lins e Silva e ganhamos a questão. Em 1957, então Ministro do Planejamento, o Roberto Campos me processou novamente e aí com toda a honra ganhamos. Foi quando foram feitos os famosos Acordos de Roboré, que agora estão muito na moda, entre a Bolívia e o Brasil: o Roberto Campos queria que esses acordos favorecessem os Estados Unidos, e isso não tinha nada a ver, porque o que interessava à Bolívia era o Brasil; era o acordo para o gasoduto que foi construído muito tempo depois. O advogado do Roberto Campos foi o Doutor Sobral Pinto, que era muito amigo dele; ele adorava Roberto Campos. O Doutor Sobral Pinto era um excelente advogado, um excelente caráter, mas era de extrema direita, e o Roberto Campos também. O Evandro fez uma argumentação fantástica e fui absolvido. Depois fui passando por outros lugares. Fui diretor da Manchete dois anos, 1952-1953. A Manchete ia fechar e os Bloch, então, me convidaram. Eles tinham lançado a revista em 1951 e a lançaram magnificamente. Eles eram grandes impressores. Como o Juscelino havia feito um decreto permitindo que as empresas jornalísticas importassem máquinas sem pagar direito alfandegário nem coisa alguma, o Adolfo Bloch, que era o chefe dos três irmãos, muito empreendedor, resolveu fazer uma revista. Eles tinham uma gráfica sensacional na Rua Frei Caneca e fizeram uma revista, lançada com 100 mil exemplares, mas en-

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Jornal da ABI

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No alto da página à esquerda, Hélio com o jornalista e escritor Edmundo Moniz e Barbosa Lima Sobrinho no habitual plantão no hall térreo do Edifício Herbert Moses, em dia de eleição. Ao centro, com Darci Ribeiro, uma constância na sua admiração. Abaixo, Hélio, Barbosa Lima e Nélson Carneiro em confraternização com Brizola, então no segundo mandato como Governador do Estado do Rio: identidade de sentimentos e de propósitos na luta comum em defesa dos interesses nacionais sempre agredidos.

O General Hugo Abreu conversava com os donos de jornal a mando de Geisel.

Prudente de Morais, neto (de óculos e bengala) bate em vão no Ministério da Guerra na tentativa de se avistar com o seu cliente Hélio Fernandes, preso ainda no Governo João Goulart por divulgar um documento reservado do Ministro, General Jair Dantas Ribeiro. Hélio protegeu o seu informante, General Osvaldo Cordeiro de Farias, que recusou essa proteção e revelou publicamente que fora ele que passara a informação ao jornalista.

era uma coisa inacreditável; a censura na Tribuna da Imprensa, em Movimento e no jornal de Dom Evaristo Arns, O São Paulo, levou dez anos; foram estes os últimos jornais liberados da censura, em junho de 1978. Dez anos. Eu estava na Copa do Mundo da Argentina quando me telefonaram dizendo que tinha acabado a censura. Era uma sexta-feira, eu já tinha mandado o artigo e a coluna para o sábado. No domingo, a Tribuna nunca saiu desde a fundação, há 56 anos. (A Tribuna foi fundada em 27 de dezembro de 1949 pelo Carlos Lacerda, e só um homem como Carlos Lacerda lançaria um jornal no dia 27 de dezembro. Não dá nem para comemo-

Na verdade trabalhei sempre para alguém até 1962, quando eu fazia a coluna do Diário de Notícias e assumi o ativo e passivo da Tribuna da Imprensa, que era um suicídio completo, porque já tinha havido a mudança da capital, veio o golpe de 1964. Então, era impossível fazer jornalismo. A censura começou no Ato Institucional n° 5, em dezembro de 1968, mas desde junho de 1968 nós já estávamos com censura militar, que durou seis meses. Os militares não gostavam realmente. Eles até me estimulavam a escrever artigos em defesa do interesse nacional, mas nada podia sair sobre prisões, sobre tortura, nada, nada. Eles sairam e vieram os censores da Polícia Civil, e aí

rar, porque você não encontra ninguém, todo mundo saiu ou para o Natal ou para o Ano Novo.) Começamos então uma luta tremenda contra a ditadura. Eu estava na Argentina. Voltei da Argentina no domingo. Já tinha mandado a coluna e o artigo para sábado. O Brasil jogava sábado com a Áustria para decidir a classificação. Pensei: Vou ver o jogo do Brasil com a Áustria, domingo pego o avião e já venho escrevendo para segunda-feira. Aí já vim botando tudo que eu podia realmente para fora, não havia nenhuma dúvida. O General Hugo Abreu, quando brigou com o General Ernesto Geisel — brigou não, foi preterido, ele era chefe da Casa Militar, queria ser candidato à Presidência da República. Era generalde-divisão como João Batista de Figueiredo. Ele era o número dois para promoção a general de quatro estrelas e o Figueiredo era o número quatro. Pelas disposições militares o general que é caroneado, como eles chamam, imediatamente passa para a reserva. O General Hugo Abreu não foi promovido. E o General Ernesto Geisel fez primeiro o general Figueiredo candidato à sucessão dele como generalde-divisão, coisa que seu irmão Orlando Geisel, em 1967, não admitiu: não quis que o General Afonso Albuquerque Lima, nacionalista, fosse candidato à Presidência porque ele só tinha três estrelas. Como ele, um general de quatro estrelas, iria fazer continência a um general de três estrelas? O General Ernesto Geisel escolheu o General Figueiredo para a sua sucessão e aí o promoveu, dando carona inclusive no amigo Hugo Abreu, que brigou e saiu da Casa Militar. O importante é que ele escreveu um livro fantástico, que vocês todos deveriam ler, que se chama O outro lado do poder. Como era o homem encarregado de conversar com os donos de jornais, ele conta todas as suas conversas com Roberto Marinho, com Nascimento Brito, com Júlio Mesquita e com o Otávio Frias, que está agora com 93 anos. Um repórter perguntou a ele: por que o senhor não citou a Tribuna da Imprensa e o Hélio Fernandes? Ele disse : GILMAR SANTOS

carta-branca. Ficou até uma espécie de folclore nas Redações: diziam que eu tinha proibido a entrada dos Bloch na Redação. O que era verdade; eu disse a eles: Vocês só vão ver a revista pronta. Muito bem, eu vou convidar várias pessoas e vocês dizem se querem pagar de forma semanal, quinzenal ou mensal e agora o que vocês combinarem tem que estar o cheque na caixa. Combinaram perfeitamente. Levei gente que estava começando. Em 1952, há 54 anos, levei Paulo Mendes Campos, levei Hélio Pelegrino, levei Otto Lara Rezende, levei Fernando Sabino. O único que tinha nome e sobrenome era o Rubem Braga e eu dei duas páginas para ele. Eram duas páginas de Rubem Braga. Um dia me aparece lá um garoto de 17 anos, e disse: «Eu quero falar com Hélio Fernandes». Eu o recebi. Ele disse: – Eu quero trabalhar na Manchete. Eu perguntei: – De onde você veio? Ele respondeu: – Do Espírito Santo. Eu perguntei: – Você tem alguma coisa que escreveu? Ele tirou do bolso quatro ou cinco laudas escritas por ele, eu li e disse: – Escolhe uma mesa onde você quer sentar porque você está contratado. Uns quatro ou cinco meses depois eu publiquei uma matéria com ilustração do Ylen Kerr, que tinha ganho prêmio de viagem à Europa de gravura e estava trabalhando comigo na Manchete. Esse garoto de 17 anos se chamava Carlinhos de Oliveira. E a matéria era o suicídio do pai dele. Nossa Senhora! Eu não sabia. Publiquei a matéria realmente sem saber; a matéria era uma coisa fantástica. Em seis ou oito meses, a revista subiu de tal maneira que chegou a 150 mil exemplares. Eu assumi em janeiro de 1952. Quando foi novembro de 1953, os Bloch me chamaram e disseram: “Olha, Hélio, nós não queremos que você saia de jeito algum, mas a carta-branca acabou, porque a revista está muito poderosa, muito política”. Eu não podia fazer uma revista que não fosse dirigida a todos os públicos realmente. Eu disse a eles: — Não tem problema nenhum, eu vou embora. Nunca trabalhei assim, e se criou no mercado jornalístico uma inverdade, a de que eu queria mandar mais que os donos de jornais.

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Jornal da ABI – Não citei porque eu mandava telefonar para conversar com o jornalista Hélio Fernandes e ele mandava dizer sistematicamente que não estava. Ele conta isso no livro. Eu não queria conversar com general nenhum. Eles me prendiam porque assim eu iria conversar com eles. A coisa mais terrível que existe é você às 2–3 horas da manhã ser levado para o Doi-Codi. Eu nunca fui torturado. Não

fui torturado porque existiam vários grupos dentro dos golpistas que ficavam em pânico. O que aconteceu com o Vladimir Herzog, em 1975? Ele era conhecido praticamente só em determinados círculos. Ele passou a ter um nome nacional só quando morreu. E aí o General Ernesto Geisel teve uma visão muito grande. Ele foi sozinho a São Paulo e demitiu o Comandante do II Exército, General Ednardo D’Ávila Melo, e restabeleceu a

Cenas do confinamento de Hélio em Pirassununga, interior paulista: o desembarque do avião da Fab que o transportou, a pose junto aos cartazes de cinema, que anunciam o filme Nem tudo se escreve, máxima que ele nunca observou, e a reunião na praça com a mulher, Rosinha, e os cinco filhos, entre eles Helinho (à dir.) e Rodolfo (atrás), hoje jornalistas. FOTOS LUIZ PINTO

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ordem. Se fosse comigo aquele assassinato, teria derrubado o Governo porque eu já era um nome nacional. Agora, você ir às 2-3 horas da manhã para o Doi-Codi e você ouvir os lamentos, o choro daqueles meninos de 20, 21, 22 anos... E da classe média, porque não prendiam para baixo, não. Prendiam porque sabiam que vinha logo o pistolão. Torturavam, tiravam as informações que queriam tirar e aí soltavam porque sabiam que vinha o pistolão. E eles soltavam realmente. Eu fui duas vezes ao Doi-Codi, uma que nem conto por que entrei e duas horas depois estava no Hospital Central do Exército. O Comandante do Doi-Codi era o General Adir Fiúza de Castro, o filho, não o pai, que foi nomeado Ministro da Guerra pelo Presidente Carlos Luz e não tomou posse. O General Fiúza foi chamado e imediatamente chegou lá; o Coronel Pacca, de uma família tradicional, de não torturadores, disse a ele que eu precisava ir para o Hospital Central do Exército. Foi decidido que eu iria, fiquei esperando só um carro. O General Fiúza estava com um terno de xadrez, um paletó de xadrez, gravata, e me disse: – Doutor Hélio, por que o senhor não escreve só sobre futebol? Eu gosto muito quando o senhor escreve sobre futebol. O senhor tem que escrever sobre nós? O que eu ia dizer? Daí a pouco, alguém falou em Codi Doi e o General Fiúza disse sem o menor constrangimento, com a maior naturalidade: – Você está enganado. Não é Codi-Doi, agora é Doi-Codi. O major perguntou: – Mas por quê? – Porque dói primeiro. Esse era o humor-negro daquele general. Outra vez fui levado para lá, fiquei três ou quatro dias, mas nunca fui torturado. Acredito até que eu não resistiria à tortura, não sei. O que se chama de síndrome de Estocolmo nada tem a ver com a explicação que se dá. O FBI, a CIA, o KGB, o Mossadi de Israel, todos esses órgãos de inteligência do mundo inteiro descobriram que ninguém resiste à tortura. Todo mundo sabia 20% do que devia saber. Agora ele sabia que hoje é dia 7 de abril e que no dia 14, num telefone público, ali em frente à Câmara Municipal, às 14 horas, o telefone ia tocar e ele ia atender. Ele atendia e dava instrução para mais 10%. Porque eles compreenderam muito bem que o homem não foi feito para ser torturado. Então, todo mundo dá a informação que tem. O pior de tudo é quando você é torturado e você não tem informação para dar. Eu tive três confinamentos, em 1967,1968 e 1969. Em 1967, o Nelson Rodrigues, que era grande amigo meu, trabalhei com ele dez anos, era um suAbril de 2006


Jornal da ABI LUIZ PINTO

Abril de 2006

Como ainda não havia o controle dos meios de comunicação pela censura do regime, as estações de rádio do interior, como a Difusora de Pirassununga, não perdiam a oportunidade de entrevistar uma grande atração: Hélio Fernandes. Na volta do confinamento (abaixo) ele é recebido com grande alegria pela filharada com saudade de sua presença.

“Doutor Hélio, por que o senhor não escreve só sobre futebol? O senhor tem que escrever sobre nós?”

Eu fui. Quando cheguei na Puc na porta estava o Reitor, Padre Laércio Moura, que disse: – Tem dois coronéis aí que vieram me dizer que o senhor não pode falar. Agora, se o senhor quiser falar, eu lhe dou toda a garantia de que o senhor pode falar. Eu disse a ele: Olha, padre, se o senhor me dá garantia, estamos perdendo tempo aqui, já devíamos estar no palanque. Fui. Fiz o discurso mais violento de toda a história da minha vida. Entrei com recurso naquele dia mesmo. Meus advogados foram Sobral Pinto, Adauto Lúcio Cardoso, Prado Kelly e Prudente de Morais, neto. Dois que acabaram no Supremo, o Prado Kelly e o Adauto, e dois que recusaram o Supremo, o Sobral e o Prudente. Este foi um grande amigo meu, trabalhei com ele no Diário Carioca, durante anos. Era uma figura maravilhosa. O pedido de hábeascorpus com liminar caiu para um ministro que tinha sido deputado e foi Presidente da Câmara e ele imediatamente concedeu o hábeas mandou registrar a minha candidatura. Evidentemente que o alto escalão da ditadura deu ordem ao Tribunal Superior Eleitoral não só para não registrar a minha candidatura, mas inclusive para não contar qualquer voto que fosse dado a mim; poderia aparecer votação e não poderia ser contada coisa nenhuma. Fui proibido de escrever. Fui proibido de dirigir jornal. Fui preso. Quando saí comecei a escrever com o pseudônimo de João da Silva, que foi um pracinha que morreu na Itália. Aí dei, então, uma nota na primeira página que o Carlos Lacerda disse que o Castelo Branco tinha dito a ele que isso não vai ficar sem resposta, nem sem revide. Então, muito bem. Botei na primeira página um espaço 3x4, pequenininho, que teoricamente era uma fotografia e uma legenda: A partir de hoje, a Tribuna da Imprensa tem um novo colaborador: João da Silva. Como ele é muito timido e não se deixa fotografar, tivemos que botar esse espaço em branco que seria ocupado pela fotografia dele. Passei a escrever as mesmas coisas que escrevia, com as mesmas palavras, rigorosamente verdadeiro, isso e aquilo, e a hipocrisia nacional sabia que era Hélio Fernandes, mas o que ia fazer? Aí comecei a fazer uma oposição violenta que não ficava sem revide, é lógico. Quando fui para Fernando Noronha houve uma comoção nacional porque Fernando de HEITOR REGATO

jeito extraordinário, estava no Maracanã no dia em que morreu o ex-Presidente Castelo Branco, assistindo a um jogo América e Botafogo, e o América aliás ganhou de 3 a 1. Naquela época anunciavam muitos assuntos assim e pediram um minuto de silêncio pela morte de Castelo Branco. O Maracanã inteiro vaiou. Nelson Rodrigues fazia naquela época na TV Rio uma das mesas-redondas das mais populares da televisão, porque naquela época a TV Globo estava apenas começando. Aqui a primeira televisão a ter audiência foi a TV Rio, depois a TV Record e depois a TV Excelsior, que lançou aqueles famosos duelos de música que projetaram Chico Buarque, Caetano, Gil, todo mundo realmente. O Nelson Rodrigues, que tinha uma voz meio fanhosa, no dia seguinte disse na televisão: – Não é possível, o Maracanã é muito cruel, vaia até minuto de silêncio. E realmente todo mundo vaiava. Em 1967 fui desterrado para Fernando de Noronha; em 1968, para Pirassununga; em 1969, para Campo Grande, capital de Mato Grosso do Sul. Em 1966 — eu não quero falar, vou encerrar e depois vou responder a perguntas de quem quiser, porque se eu for falar sobre a minha vida é muito chato –, eu era candidato a deputado federal pelo MDB. Fundador do MDB do Rio, como quase todos da oposição estavam ou exilados ou asilados, eu era tido e havido pelos institutos de pesquisa e até pelo SNI, que era o maior instituto que existia de tortura, de corrupção e de pesquisa, como o candidato que seria o mais votado do MDB. Eu estava fazendo campanha, lógico, em todos os lugares, e as pessoas me perguntavam: – Jornalista, o senhor é um jornalista importante. Para que o senhor quer ser deputado? E aí eu dizia, em todos os comícios, em todos os lugares: Eu não quero ser deputado. Eu estou começando um projeto político. Se eu venço agora, em 1966, como todo mundo está dizendo, em 1970 eu serei candidato a governador e em 1975 serei candidato a Presidência da República, porque eu me preparei para isso de todas as maneiras e acho que este País, que hoje está com 506 anos de atraso, pode avançar não 50 anos em cinco, como dizia o Juscelino, sem o retrocesso de Fernando Henrique Cardoso, de 80

anos em oito. Não, este País tem tudo para se recuperar em seis meses, um ano, não precisa muita coisa. Eu fui cassado, preso e proibido de escrever e de dirigir jornal no dia 12 de novembro de 1966. A eleição era no dia 15. Na verdade, eu fui cassado no dia 11. No dia 12 era o comício de encerramento do MDB. Eu já estava cassado. Mas o Mário Martins, que era candidato a senador, me telefonou e disse: – O fato de você estar cassado não tem nenhuma importância. Nós vamos fazer o comício de encerramento na Puc e a gente gostaria que você estivesse presente. Acho que não tem problema nenhum.

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Jornal da ABI

Com duas máquinas fotográficas portáteis em punho, Lacerda (1° à esq.) visita Hélio no confinamento de Fernando de Noronha, juntamente com um dos advogados de Hélio, George Tavares (1° à dir.). Hélio locomovia-se na Ilha num jipe do Corpo de Fuzileiros Navais. Não havia, porém, muito a ver em meio tão inóspito. Hélio levou sua máquina de escrever e não parou de elaborar seus artigos.

“Fernando de Noronha não era nada aprazível. Nós ficávamos num barraco de madeira e tinha muita lagartixa, mosquito e ratos.” 10

Noronha estava inteiramente afastado, já não existia mais, tinha sido penitenciária há muito tempo e depois acabou a penitenciária. Nunca ninguém fugiu de Fernando de Noronha, porque a distância de Fernando de Noronha para Recife e para Natal é muito grande. Não havia barco. Era como Alcatraz, com presos não políticos. Nunca ninguém fugiu de Alcatraz, porque era um mar imenso e geladissimo, não dava para você fugir. Bem, aí ficou uma briga muito grande, o General Muniz de Aragão brigando com Carlos Lacerda. O General escrevendo artigos em O Globo e o Carlos Lacerda na Tribuna da Imprensa e aí, depois de muito tempo, conseguiram uma licença para que os meus advogados, na época eram Evaristinho de Morais e George Tavares, me visitassem em Fernando de Noronha . Eles foram, com Carlos Lacerda. O que poderiam fazer? Não poderiam fazer nada. Ficaram lá seis a oito horas e voltaram no mesmo dia. Fernando Noronha não tinha nem aeroporto. Quando eu saí daqui, o ministro da Justiça, que era o Gama e Silva, deu ordem ao comandante, que era um capitão. Só tinha um capitão, que era o piloto, eu e minha mulher, Dona Rosinha, que cismou que tinha que ir e eles não queriam. E Dona Rosinha disse: Eu vou com o Hélio. Criou um problema, até que alguém, pouquinha coisa mais inteligente, disse: «O que essa maluca vai fazer lá? Quer ir com ele, então vá». Fomos, ela ficou uma semana e aí eu lhe disse que não havia condições para ela viver lá. Nós estávamos com quatro filhos, o mais velho de cinco anos. Nós tinhamos casado e combinado ter 11 filhos . Tivemos quatro em quatro anos. Uma amiga da Rosinha dizia: «Rosinha, você está grávida». Bom, mas aí tivemos que parar, porque não dava mais, realmente. Aí eu fiquei 60 dias lá e Fernando de Noronha não é nada de você dizer: «Puxa, foi uma coisa horrível». O André Gide um dia escreveu: «Eu jamais quís ir à Sibéria, mas se alguém disser que eu não posso ir à Sibéria aí mesmo que eu quero ir». Era o caso de Fernando de Noronha, que não era nada aprazível. Nós ficávamos num barraco de madeira e tinha muita lagartixa, mosquito e ratos. Era uma coisa. E Fernando Noronha tinha três oficiais, como até hoje. Como é um lugar muito ruim, o oficial que pedir para servir dois anos em Fernando de Noronha pode depois escolher quatro lugares para servir, geralmente a sua cidade. Geralmente são oficiais que não têm prestígio, ficam dois anos em Fernando de Noronha e voltam. Muito bem, fiquei 60 dias. Voltei e fui preso, preso, preso, e o jornal martirizado. Nós passamos de 64 páginas para 32, para 28, para 24, até ficar em 12, porque a perseguição continuou depois. Abril de 2006


Jornal da ABI Ênio, Flávio Rangel e Fadul ficaram intimíssimos de Carlos Lacerda. Essa história de democracia no Brasil é muito relativa. Quando houve o movimento da Frente Ampla, que começou na minha casa, foram oito reuniões, sendo duas na minha casa. Mas eu moro há 46 anos na mesma casa, que é uma casa de beira de rua. Se houver 8-10 carros parados na porta da minha casa e tudo aceso, é uma festa. Se houver 8-10 carros e tudo escuro, é uma conspiração. Às duas primeiras reuniões foram só pessoas que não conheciam Carlos Lacerda e que ficaram intimissimas dele: Ênio Silveira, Flávio Rangel, Wilson Fadul, Brigadeiro Francisco Teixeira. Tirando todas as lutas dele, Carlos Lacerda socialmente era uma pessoa admirável, capaz de beber um litro de uísque numa noite e ficar tranqüilo. O Brigadeiro Teixeira, a mesma coisa, o Ênio, o Flávio, a mesma coisa. Todos ali, exceto eu, que nunca bebi, que não gosto de bebida. O Ênio tinha um amigo, o Alberto Lee, que trabalhava com o Walter Moreira Sales. Ele era diretor de uma empresa de fios, muito rico, tinha a casa que eu considero a mais bonita do Rio de Janeiro, no Cosme Velho. Muito amigo dele, Ênio então arranjou que as reuniões fossem na casa dele. Foram mais seis reuniões lá. Alberto Lee tinha uma logística fantástica. Aquele pessoal bebia e fumava muito e eu não tinha como organizar as reuniões. Já a casa do Alberto Lee era fantástica; tinha 32 quartos, passava um rio no meio da casa, era uma verdadeira chácara. Muros altos. Entravam 8-10 carros e ninguém sabia de coisa nenhuma, nada. O Ênio era muito amigo do Alberto. Toda vez que a gente entrava lá — as reuniões começavam às 8h-9h e acabavam 3h-4h da manhã —, o Ênio dizia: «Quando a gente tomar o poder aqui vai ser a casa dos intelectuais do Partido». Era uma casa fantástica, realmente. Dessas reuniões surgiu a idéia de fazer um manifesto. Ninguém chamou de Frente Ampla, nada. Aí o Carlos Lacerda me pediu para redigir o manifesto. Ele podia redigir, mas ele ia assinar, preferia que alguém redigisse. O João Goulart ia Abril de 2006

“Hélio, você tem essa mania de redemocratização. Quando este País foi uma democracia?”

Dois importantes parceiros de Hélio Fernandes e Lacerda nos entendimentos que conduziram à formação da Frente Ampla: Wilson Fadul (PTB–MS), que aparece entre Jango e Tancredo Neves e o Senador Barros de Carvalho (PTB–PE), e Ênio Silveira (abaixo), cuja presença nas negociações assegurou a adesão da esquerda à Frente.

assinar e o Juscelino ia assinar e ele me pediu que redigisse. Então o que eu queria dizer era isso, ele, evidentemente, fez correções, o Jango fez correções, o Juscelino, até para não dizer que concordou com tudo, cortava alguma coisa. Quando estava lendo um trecho em que eu dizia que aquele movimento de três inimigos dito irreconciliáveis poderia trazer para o Brasil a redemocratização, Carlos Lacerda pegou o lápis, riscou e disse: – Hélio, você tem essa mania de redemocratização. Quando este País foi uma democracia? Depois, Lacerda leu o manifesto na redação da Tribuna da Imprensa. O Alfredo Machado, que era dono da Editora Record, assessor internacional do Carlos Lacerda, uma figura maravilhosa, extraordinária, convocou todos os correspondentes estrangeiros, havia mais de 200 jornalistas brasileiros. Nós tiramos todas as mesas e cadeiras da Redação. Fi-

cou um negócio enorme. Lá no fundo só uma mesinha e um microfone. Carlos Lacerda leu o manifesto, no dia seguinte os jornais chamaram de Frente Ampla. Nós nunca usamos essa expressão, nada. É como Watergate, que no dia seguinte à descoberta do assalto ao escritório do Partido Democrata os jornais dos Estados Unidos chamaram de Watergate. Nos grandes crimes, nos grandes casos, a imprensa é que identifica e rotula tudo. Aí o Carlos Lacerda combinou com o Fadul, que era do PTB e também extraordinária figura, que eu e Carlos Lacerda iríamos conversar com o Jango no Uruguai.. No dia eu não pude ir. Quando Carlos Lacerda chegou lá, o Presidente João Goulart perguntou a ele: – Governador, o jornalista Hélio Fernandes não vinha com o senhor? Lacerda respondeu que eu tive muitos problemas e não pude viajar. Aí Jango disse para ele : – Governador o momento diário de maior satisfação aqui entre todos os exilados é quando chega a Tribuna da Imprensa. Nós não conseguimos compreender como alguém pode resistir tanto sem sair do País. Todo dia aqui chegam 10-30 exemplares que passam de mão em mão porque não dá para todas as pessoas que querem. Aí uma revelação: Lacerda conversou com Jango sem qualquer constrangimento. Quando fui levá-lo ao aeroporto, já que não pude viajar, ele me disse : – Hélio, eu não tenho nenhum problema em conversar com o Jango e nem mesmo com o Brizola.

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Jornal da ABI RICARDO COELHO

A perseguição que o regime lhe moveu como jornalista empurrou Hélio Fernandes cada vez mais para o campo da militância política, que originalmente não o atraía como protagonista. Nesse engajamento, ele não recusava desafios de debates, como, à esq., com Artur da Távola, Célio Borja, Saturnino Braga, Rafael de Almeida Magalhães e, abaixo, com Mário Covas e Fernando Henrique Cardoso. À direita, com Ulisses Guimarães; abaixo ele aparece recoberto pelo carinho de Hélio Silva, seu companheiro no Conselho Deliberativo da ABI. HEITOR REGATO

ALCYR CAVALCÂNTI

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RICARDO COELHO

Lacerda contou-me depois um diálogo que manteve com Jango. – Presidente – disse —, preciso sair porque ainda tenho que ir a Atlântida levar o manifesto para ver se o Governador Leonel Brizola quer assinar. Jango empurrou o manifesto para ele, Lacerda, e disse: – Se esse senhor assinar, eu não assino de maneira alguma. Qual a explicação? É que em 6 de janeiro de 1963 houve o plebiscito e voltou o presidencialismo. O Jango, na verdade, só tomara posse por causa do Brizola e da Rede da Legalidade. Mais ou menos em junho de 1963, Brizola propôs ao Jango ser Ministro da Fazenda com o Marechal Henrique Lott como Ministro da Guerra, para ficar como garantia de sua palavra. Jango não recusou. No mesmo dia, recebeu em Palácio o Roberto Marinho e o Embaixador Lincoln Gordon, que vetaram completamente qualquer hipótese de Brizola como ministro da Fazenda. Eu estava defendendo na Tribuna da Imprensa a nomeação do Brizola para ministro da Fazenda. Essa é uma ques-

tão altamente surrealista. Na semana passada, eu estava conversando com Valdir Pires sobre isso, ele ria muito. No dia 21 de julho de 1963, com João Goulart Presidente, Darci Ribeiro, Chefe da Casa Civil, Abelardo Jurema, Ministro da Justiça, amicíssimo meu, Valdir Pires, Consultor-Geral da República, eu fui preso, incomunicável. Eu ia fazer um programa de televisão na TV Itacolomi, em Belo Horizonte, fui preso lá, fiquei na Infantaria Divisionária 4/ID-4, cujo Comandante era o General Olímpio Mourão Filho, responsável pela deflagração do golpe militar. Vim para cá preso e eu dizia: – Valdir, como um governo com você, Darci e Abelardo Jurema pode me prender? Meus advogados entraram com hábeascorpus no Supremo Tribunal Federal e foi o maior julgamento que Brasília já havia visto. Para mim foi altamente constrangedor, porque fiquei de braços cruzados ouvindo quatro ministros dizendo que eu era um herói nacional e quatro dizendo que eu era um traidor nacional. Dois estavam de férias e um não compareceu. Por que eu fui preso? Eu publiquei uma circular secreta do Ministro da Guerra, Abril de 2006


Jornal da ABI HEITOR REGATO JORGE REIS

Abril de 2006

OSWALDO CALZAVARA

General Jair Dantas Ribeiro, que tinha um carimbo de sigiloso, confidencial. Naquela época eram só 54 generais e o Ministro disse que só mandara para 12, que eram aqueles em que ele tinha total confiança. Ele não era nem um bom avalista das pessoas, porque na mesma madrugada um deles me procurou em casa, às 2 horas da manhã, e me deu o documento sigiloso e confidencial. Naquela época existiam matutino e vespertino. Estão aí Maurício Azêdo, Domingos Meirelles e outras pessoas que sabem que naquela época O Globo, a Tribuna e o Diário da Noite eram vespertinos. A gente fechava o jornal na Redação às 8 horas da noite e voltava 6h-6h30min da manhã e fechava na redação às 11 horas, para sair meio-dia, uma hora. Eu vi aquele negócio, fiquei maravilhado. Evidentemente, qualquer documento para mim que tenha o carimbo de sigiloso e confidencial é para publicar logo. Publiquei com uma explicação. Eu dizia o seguinte: Se o Brasil estivesse em guerra eu examinaria um documento vindo do Ministro da Guerra com um carimbo de sigiloso e confidencial. Como o Brasil não está em guerra, eu não tenho o direito de publicar, não. Eu tenho a obrigação de publicar porque não posso censurar os meus informantes, e dizer: Essa informação eu quero, essa não quero. Se o informante tem categoria e se o documento é oficial, eu sou obrigado a publicar. Na última linha havia uma provocação ao Ministro: se o Ministro não sabe tudo o que acontece no seu Gabinete, eu sei uma hora depois. Aí era pura provocação. Fui preso, fiquei incomunicável uma semana até para meus advogados. Quando os meus advogados puderam falar comigo, eles me disseram que depois iam dar o nome de um general; este logo foi corretíssimo, publicou em todos os jornais, disse a todo mundo. Os advogados me contaram: – Nós fomos procurados por um general que disse que não sabia que ia ter essa repercussão e que foi ele que deu o documento a você. Naquela época eu era muito moço. Hoje, nem ministro de Supremo eu trato de senhor, chamo todo mundo de você porque ninguém tem mais idade do que eu, em qualquer lugar. Aqui nesta sala, por exemplo, não há ninguém que seja mais velho do que eu; isso ocorre em qualquer lugar. Aí

Além de censurado, confinado e preso, Hélio Fernandes teve de responder a inúmeros processos na Justiça Militar, acusado de violação da Lei de Segurança Nacional. Aqui ele aparece em depoimentos em Auditorias do Exército e da Marinha.

“Eu tenho a obrigação de publicar porque não posso censurar os meus informantes” 13


Jornal da ABI “Mário Lago era uma dessas figuras que não existem.”

eles me deram o nome do general e eu disse para os advogados: – Não conheço esse general, não sei quem é. Como o caso está tendo muita publicidade, ele está querendo entrar nessa promoção. Não tenho nada a ver com ele. – Ele já disse que com ele não vai acontecer nada, ele assume a responsabilidade total de que foi ele que te deu o documento. Ele se chamava Osvaldo Cordeiro de Farias, era muito meu amigo. Aí eu disse: – De maneira alguma. Como é que eu ia entregar uma fonte minha, mesmo uma fonte não declarada? Eu não podia, evidentemente. Até hoje tenho grandes informantes. Eu pergunto, claro. Eu converso com Maurício Azêdo, ele me faz uma revelação, eu digo a ele: Maurício, como publico isso? Ele me diz: pode publicar em meu nome. E se disser é em off, é em off, está acabado. Mas podia dizer também: Eu aceito, então é o Cordeiro de Farias. Ele foi para os jornais e disse que era ele. Mas comigo não tem nada disso. Fui julgado em Brasília, ficou 4 a 4 e aí o Ribeiro da Costa, que era o Presidente do Supremo Tribunal, não deixou que suspendessem a sessão, como fez o Nelson Jobim outro dia no julgamento de uma liminar, como queriam mas não podiam porque pelo regimento do Supre-

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mo Tribunal Federal com a presença de oito ministros pode haver votação. Havia nove. Ribeiro da Costa era um homem bravissimo, corajoso, não deixou a sessão ser adiada para outro dia e anunciou: Vou desempatar. Eu sabia que pela Constituinte de 1946 que eu cobri mocíssimo, não existia mais aquele famoso voto em dúbio pro réu; o que existia era o voto de desempate, podendo o juiz, o desembar-gador ou o ministro desempatar contra o réu. Mas o Ribeiro da Costa desempatou a meu favor. Ganhei de 5 a 4. No mesmo dia fui solto, peguei um avião em Brasília — 8h30m-9h — com Millôr, Rosinha e meus filhos, o mais velho tinha cinco anos. Muito bem, aí continuou a pressão, que foi muito grande, muito, muito grande. Veio 1967, veio 1968, como todo mundo sabe em 13 de dezembro veio o Ato n° 5, mas dos bastidores pouca gente sabe. Eu saí do jornal às 8 horas, ainda era vespertino, fui

Entre os companheiros de Hélio na prisão que se seguiu à decretação do AI-5 estava o ator Mário Lago, membro do PCB e, por sua militância conhecida, vítima de prisão toda vez que se abria ou agravava uma crise política no País. Logo que chegou, Mário chamou o chefe dos carcereiros para ditar os direitos dos presos que tinham de ser respeitados. Abaixo, Hélio participa de um debate na ABI com a participação, à sua direita, do líder comunista Luís Carlos Prestes.

para casa às 8h30m. Quando liguei a televisão, às 21 horas, estava o Ministro da Justiça Gama e Silva anunciando o Ato Institucional n° 5, lido a seguir pelo locutor Alberto Cúri. Aí eu comecei a me vestir e a Rosinha me perguntou: «Você não acabou de chegar do jornal?». Eu disse: «Eu provavelmente serei o primeiro a ser preso e quero estar no jornal porque tenho que tomar umas providências para amanhã». Fui para o jornal. Quando foi 23 horas fui preso no jornal. Aí me levaram para o Regimento Caetano de Farias, da Polícia Militar, mas primeiro fui para a Polícia Central. Eu me lembro daquele prédio da Polícia Central, local de onde muita gente foi jogada daqueles andares, três quatro, cinco andares; depois botaram grades, porque diziam que as pessoas se suicidavam. Quando entrei naquele edifício da Polícia Central, hoje já desativado, aquele prédio era lúgubre. Quando olhei para o relógio, os dois ponteiros estavam um em cima do outro, meia-noite. Eu disse : – Nossa Senhora! Fiquei lá e depois fui levado para o Caetano de Farias, onde me colocaram num lugar enorme, cheio de grades, mas enorme. Parecia um campo de futebol, todo escuro . E lá do fundo do escuro veio uma pessoa que tinha sido presa antes de mim, uma figura extraordinária, uma pessoa que já morreu, o jornalista Osvaldo Peralva, que era redator-chefe do Correio da Manhã. Ficamos a noite toda conversando, não tínhamos como dormir. Quando eu estava saindo de casa – 9h, 9h15min —, Rosinha atendeu o telefone e me disse que era o Carlos Lacerda. Aí eu atendi e disse: – Carlos, estou saindo para o jornal, talvez a única pessoa que eu atendesse fosse você. Lacerda me perguntou o que iria acontecer. Eu disse que não sabia. E ele: – E comigo? – É evidente que você vai ser preso. Aí ele deu um grito de lá, um urro. – Você está muito enganado, você está acostumado a adivinhar. Agora você não vai adivinhar, não. Não vou ser preso de maneira alguma. Eu disse: – Carlos, você vai ser preso e vai ser cassado. Eu não tenho nada com isso. — Eu tenho de ir. Vou desligar. Desliguei. No dia seguinte, 9 horas da manhã, dia 14, quem chega no Caetano de Farias, preso? Carlos Lacerda. À tarde Abril de 2006


Jornal da ABI chegava o Mário Lago, que estava fazendo uma peça no Teatro Princesa Isabel. Ele interpretava um escocês, estava de roupinha de escocês e tudo mais, com as pernas de fora. Mário Lago era uma dessas figuras que não existem. Chegou brincando e disse para os outros que estavam ali: – Olha aqui, aqui só quem me conhece é o Hélio e o Carlos Lacerda, que já estiveram presos comigo. Eu estou com esta roupa mas não sou viado não. Naquela época não se usava a expressão gay. Era assim mesmo que se falava. Já acostumado a muitas prisões, Mário Lago chamou o Comandante, Coronel Quaresma, que veio, muito simpático. Ele era presidente do Olímpico, um clube da Zona Sul de mulheres, de jogos. Presidente do Olímpico não pode ser um torturador, não dá para ser. Ele veio e Mário Lago disse: – Coronel, o senhor toma nota que vou citar para o senhor os acordos de Genebra, Suíça. O Coronel chamou um capitão e disse: – Toma nota do que o Doutor Mário Lago vai dizer. Mário expôs os direitos dos presos: — Nós temos direito a uma ou duas horas diárias de banho de sol. Nós temos direito a mandar vir comida de casa. Nós temos direito de mandar vir todos os jornais. Nós não podemos ficar em celas individuais porque nós todos temos direito a prisão especial. O Coronel tomou nota de tudo e cumpriu integralmente tudo aquilo. Até que um dia eu disse para o Mário Lago: – Eu vou tirar esta prisão dos meus assentamentos porque está muito fácil. No dia 22, Carlos Lacerda saiu e eu até tive uma discussão muito grande com ele, porque ele mandou um filho falar com o General Sizeno Sarmento, que era Comandante do I Exército e tinha sido secretário do Governo dele. Mandou o outro filho falar com Abreu Sodré, que era Governador de São Paulo e amicíssimo dele. E o outro falar com o Cardeal D. Eugênio Sales. Eu disse: – Carlos, na prisão a gente não pede, nem consegue coisa alguma. Nada, nada. Ele saiu no dia 22, eu, Mário Lago e o Peralva saímos no dia 8 de janeiro. Passamos o Natal e o Ano Novo na prisão, o que também não era nada surpreenAbril de 2006

No dia 26 de março de 1981 a Tribuna foi alvo de um atentado terrorista jamais apurado. A potência dos artefatos destruiu as instalações da oficina do jornal, que não se abateu com a violência: com a solidariedade do Bispo de Nova Iguaçu, Dom Adriano Hipólito, a Tribuna rodou na gráfica da Diocese com uma manchete corajosa e profética: A ditadura vai acabar, nós não.

“Se era para me prender, tinham que me prender todo dia, porque eu escrevia sempre a mesma coisa.”

dente, eu já tinha passado outro. Saímos, voltei a escrever tudo o que eu escrevia. Em 1969, fui para Campo Grande, hoje capital de Mato Grosso do Sul, e passei 30 dias. Na verdade, também esse desterro eu tenho que cancelar, porque Campo Grande fica dentro do Pantanal e aqueles donos de fazenda me recobriram de atenções. Passei 30 dias praticamente no Pantanal. Foram as únicas férias que tirei na minha vida. Um dia eu contei no aeroporto ali 87 aviõezinhos que você liga feito táxi: você aperta o botão e ele sai voando e não cai de jeito nenhum. E aí eles pegavam ali um aviãozinho e me levavam; cada fazenda é mais linda que a outra. Isso durou até 1974, ano da minha última prisão, no final do Governo Médici. Em 1970, só por vingança, desculpem a palavra, só por sacanagem, como eu tinha ido a Copa do Mundo de 1958, de 1962, de 1966, eles me prenderam 15 dias antes de eu viajar, fiquei na prisão o tempo todo da Copa, que em geral leva 32 dias, e me soltaram 10 dias ou 15 dias após a Copa do Mundo. Depois fui à Copa de 1974, de 1978, 1982, 1986, 1990. Não quís ir à dos Estados Unidos, em 1994, porque era muito grande o tempo para você ir de um estádio a outro; levava-se nisso sete a oito horas. Fui à de 1998 na França, mas também não quís ir em 2002, que era em dois países na Ásia, a Coréia do Sul e o Japão. Aí você levava dez horas para ir de um lugar para outro. Minha última prisão, em 1974, foi no Doi-Codi, também não sei o porquê, porque eles não informaram nada. Se era para me prender, tinham que me pren-

der todo dia, porque eu escrevia sempre a mesma coisa. Em 26 de março de 1981, já com anistia decretada desde 1979, quase todo mundo já tinha voltado do exílio. Nesse dia o SNI promoveu a derrubada de todas as instalações da Tribuna. Derrubaram tudo, não sobrou nada. No dia seguinte fomos rodar em Nova Iguaçu, o bispo de lá, Dom Adriano Hipólito, nos cedeu as máquinas dele. Rodamos em tablóide 24 páginas, porque as máquinas dele só davam para tablóide. Saímos com uma manchete magnífica: «A ditadura vai acabar, nós não». Ficamos algum tempo sem parque gráfico. Era pura vingança do regime, porque o Governo Figueiredo já estava no fim. Não vou me alongar. Se alguém quiser fazer alguma pergunta, vou responder. Estou completando 70 anos de jornalismo e vou fazer 83 anos de idade e 50 de jornalismo sem parar. Não me arrependo de coisa alguma, não vou parar. Eu costumo dizer que meu último artigo será escrito no caminho entre a Rua do Lavradio e o São João Batista, no caixão aberto, porque tudo que eu faço é as claras realmente. Fico muito satisfeito de vir aqui. Quando o Maurício mandou telefonar eu aceitei na hora, coisa que normalmente não faço muito, porque gosto de falar sobre política, sobre História, sobre teatro, sobre cinema, sobre tênis, sobre futebol, tudo de que gosto, menos sobre as coisas das quais fui personagem. Mas eu não posso esconder que nestes últimos 40-50 anos fui personagem participante e inteiramente atuante. Muito obrigado.

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Jornal da ABI

Tribuna da Imprensa: a história de um título

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sem no meu tempo eu ia ficar felicissimo. Primeiro, você poderia ser candidato fora do País. O Epitácio Pessoa foi eleito Presidente da República no dia 1 de março de 1919 estando na França, onde foi representar o Brasil no tratado de rendição incondicional da Alemanha na Primeira Guerra Mundial, no dia 11 de jnovembro de 1918. Outra coisa também que a Constituição permitia, e seria ótima para mim, é que os presos políticos poderiam ser candidatos na prisão. O pai de Carlos Lacerda, Maurício de Lacerda, Hélio durante a conferência na ABI, no dia 7 de abril: ele falou sem recorrer a anotações, não parou nem para beber que era um orador fanum gole dágua. No fim, foi aplaudido de pé. tástico, foi candidato a deputado em 1922, preano depois, lançou-se candidato à so, e passou mais de um ano aqui no eleição de 19 de janeiro de 1947 para Hospítal São Sebastião, na Avenida a antiga Câmara de Vereadores do Getúlio Vargas, agora desativado, Distrito Federal. A Constituinte de onde foi torturado de todas as ma46, promulgada em 18 de setembro neiras, mas foi candidato e se elegeu. de 1946, marcou a eleição para goEle tinha sido preso também em vernadores de Estado, para as Cons1916, quando o navio brasileiro tituintes estaduais e para a Câmara Baependi foi torpedeado. Ele então de Vereadores do Distrito Federal fez um discurso violentissimo na para quatro meses depois. Quatro escadaria do Teatro Municipal e o Premeses daria 18 de janeiro, um sábasidente Venceslau Brás mandou do. Alguém disse: Vamos fazer no prendê-lo. O advogado dele se chamadomingo, dia 19. Então, a eleição foi va Peixoto de Castro, tinha 23 anos, em 19 de janeiro de 1947. e todo mundo dizia que ia ser um dos Lacerda candidatou-se a vereador maiores advogados do Brasil, mas ele e teve a maior votação da eleição do logo depois casaria com Zélia PeixoDistrito Federal. A Câmara Municito de Castro, que tinha uma fortuna pal era formada de 50 vereadores. O colossal, cavalos de corrida, inclusiPartido Comunista elegeu 18, a UDN ve a Loteria Federal, e ele abandonou elegeu 12, o PTB elegeu 11 e os outudo para ser o marido da Dona Zétros partidos ficaram com nove. O lia e ficou cada vez mais rico. PSD, que era o maior partido nacioEm 1948, o Partido Comunista nal, fez dois vereadores. O Partido teve o registro cassado e muita genComunista era até naquela época te acha que foi ordem dos Estados muito mais inteligente. Eles percebeUnidos. Eram cinco juízes do Triburam que não poderiam fazer o Presinal Superior Eleitoral, dois ficaram dente da Câmarta Municipal. A UDN contra a cassação do registro do pare o PTB se juntavam e tinham 23 e tido e dois a favor. O procurador-geeles só tinham 18. O que eles fizeral desempatou: 3 a 2. E aí resolveram ram? Apoiaram um vereador da cassar os mandatos dos 15 deputados UDN popularissimo, que todo munfederais e do Prestes, que era senador, do conhecia, que se chamava Jorge de o único senador do PCB. Naquela Lima, médico e poeta, que foi Presiépoca havia outra coisa muito boa. dente da Câmara Municipal indicaTodo cidadão podia ser candidato a do pelo Partido Comunista na UDN. deputado por sete Estados e a senaA UDN tinha Pascoal Carlos Magno, dor por um. O Prestes se elegeu aqui embaixador na Grécia. Naquela época no Rio senador e deputado federal. existiam duas coisas, que se existisGetúlio Vargas candidatou-se a senaRODRIGO CAIXETA

Pergunta fora do microfone Como surgiu o nome Tribuna da Imprensa? Hélio F er nandes - O Carlos Fer ernandes Lacerda era um daqueles 17 na cobertura da Constituinte de 1946. Lacerda não tinha limite. Ele fazia uma página no Correio da Manhã, a página 2. Só havia uma tripinha do lado esquerdo e ele fazia o que queria. Às vezes era a página inteira. O título era Da Tribuna da Imprensa da Constituinte, ele escrevia tudo o que queria. Às vezes escrevia sobre política internacional. Lacerda era muito melhor orador do que jornalista. Ele escrevia bem, mas era muito melhor falando que escrevendo. Falando ele era insuperável, realmente. Quando ele fundou o jornal existia uma indústria de títulos, o Samuel Wainer sofreu a mesma coisa quando lançou seu jornal em 1951. Ele não tinha título porque todos os títulos eram registrados por pessoas que negociavam com você o que queriam. Depois, 20 anos depois, surgiu uma lei segundo a qual os títulos de jornal só podem ser utilizados por aqueles que estão usando o título. Ninguém pode ter título registrado. Carlos Lacerda também não tinha título. Ele tinha brigado com o Paulo Bittencourt, dono do Correio da Manhã, que era uma pessoa ótima de conviver, mas que tinha também muitos amigos. Um dia Lacerda escreveu um artigo sobre o Soares Sampaio, que era riquíssimo, mas um homem indefensável. O Paulo Bittencourt estava numa estação de águas, em Poços de Caldas, para onde ia todo o ano, quando o Costa Rego, que era o redator-chefe, telefonou para ele e disse: – Olha, doutor Paulo, o Carlos Lacerda escreveu um artigo violentíssimo contra o Soares Sampaio. O Paulo Bittencourt disse a ele: não publica. Aí Lacerda disse: não escrevo mais. Paulo Bittencourt deu uma explicação para ele que é uma explicação genérica mas verdadeira. Ele disse: – Olha, Carlos, os Soares Sampaio são meus amigos, entram na minha casa sem tocar campainha, eu entro na casa deles, como vai sair um artigo? Ele abre o jornal amanhã e vê um artigo violentissimo contra ele. Lacerda não quís voltar atrás. Um

dor no Rio Grande do Sul e aqui no Rio se elegeu deputado federal. Aí teve de renunciar porque não podia exercer dois cargos, evidente. Escolhia sempre o Senado. E aí se criou aqui no Distrito Federal a bancada de 400 votos porque o Getúlio teve 100 mil votos, depois vinha fulano de tal, 450 votos, o outro, 430. Então os jornais que sempre apelidam tudo, como eu disse, chamaram a bancada dos 400 votos. Bem, aí resolveram cassar, também, os 18 vereadores do Partido Comunista. Aí tomaram uma decisão que dentro daquele quadro era uma decisão correta. O Governo Dutra decidiu o seguinte: se os suplentes dos comunistas assumissem, então eles teriam cassado os titulares com votos e iam assumir outros comunistas sem votos. Não preencheram. A Câmara Municipal de 50 vereadores ficou com 32. Em 1948, o Adauto Lúcio Cardoso e o Carlos Lacerda, que eram vereadores, renunciaram. Em São Paulo renunciou o vereador chamado André Franco Montoro, do PDC, e então assumiu o primeiro suplente dele. Como se chamava? Jânio da Silva Quadros. Em 1948, foi a primeira eleição dele, e foi a primeira vez que ele não se elegeu. Depois ele foi de vereador a Presidente da República, 12 anos, sem nenhuma derrota. Renunciou, em 1961, e aí, mostrando toda a indignidade daquele ato de renúncia, ele se candidata em 3 de outubro de 1962 a governador de São Paulo e perde para Ademar de Barros. Era evidente que ele queria retomar a carreira dele, ele era mocíssimo, estava com 43 anos. Em 1949, Carlos Lacerda resolveu fazer um jornal e não tinha título. Paulo Bittencourt, que tinha brigado com ele e era homem que não guardava ódio, disse a ele: – Ô, Carlos, por que você não bota no jornal o nome Tribuna da Imprensa? Lacerda deu então o título Tribuna da Imprensa ao seu jornal e fez um conselho consultivo na primeira página que era constituído por Alceu Amoroso Lima, Gustavo Corção, Sobral Pinto, Prudente de Morais, personalidades com tendências inteiramente diversas. Lacerda ficou à frente do jornal de 1949 até 1960, quando assumiu o Governo do antigo Estado da Guanabara.

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Jornal da ABI ACONTECEU NA ABI

A noite de gala dos 98 anos, com Arthur Moreira Lima FOTOS JOSÉ CARLOS VELLOSO

O pianista lembra com emoção que foi na ABI que ele deu seu primeiro recital solo, quando tinha oito anos.

Uma assistência numerosa (ao lado) assistiu ao recital de Moreira Lima, que, com preocupação didática, intercalou a execução de números com informações sobre as obras interpretadas (abaixo, à esq.). Moreira Lima, que ganhou uma placa da ABI (abaixo), fez entusiasmado elogio a Sérgio Cabral (à direita).

Convidado especial da comemoração festiva dos 98 anos de fundação da ABI, o pianista Arthur Moreira Lima encantou a platéia que lotou o Auditório Oscar Guanabarino, no dia 11 de abril, para assistir ao concerto que ele preparou para celebrar o aniversário da Casa, ocorrido dias antes, 7 de abril, quando o jornalista Hélio Fernandes, outro convidado especial, proferiu a aula magna dos Cursos Livres de Jornalismo 2006 da ABI. O evento teve o apoio do Governo do Estado do Rio de Janeiro e a apresentação, de cerca de hora e meia, incluiu obras de Bach, Mozart, Beethoven, Chopin, Astor Piazzolla, Pixinguinha, Vila-Lobos e Ernesto Nazareth. Entusiasmado com a presença do pianista na ABI, o Presidente da Casa, Maurício Azêdo, disse que a Diretoria e os associados se sentiam muito honrados por ele ter aceitado seu convite: — A Associação Brasileira de Imprensa está vivendo o seu momento de gala com este espetáculo maravilhoso que eleva bem alto a ABI, que é a mais antiga instituição de imprensa e também a mais aguerrida, que tem lutado em defesa da liberdade de imprensa e dos direitos humanos. É muito gratificante ter uma assistência como essa de hoje na comemoração do aniversário da ABI, que tem atuado sem desfalecimento no campo da liberdade e defesa do Estado Democrático de Direito do País, que temos que aperfeiçoar. Emoção Moreira Lima iniciou o recital tocando Jesus, alegria dos homens, de Bach, e falou sobre a sua emoção de estar se apresentando pela segunda vez no auditório da ABI: — É um prazer muito grande voltar a tocar nesta sala, onde eu fiz o meu primeiro recital solo, em 1948, quando tinha apenas 8 anos de idade. Para mim, é uma volta ao passado e uma grande emoção ter sido escolhido para essa homenagem à ABI na comemoração dos seus 98 anos de fundação. A ABI é um organismo que merece todo o nosso

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apoio e respeito e eu fico muito feliz com esse mimo que me foi oferecido — disse o pianista, referindo-se à placa que recebeu com a inscrição: Ao grande artista Arthur Moreira Lima, a homenagem da ABI por seu concerto comemorativo dos 98 anos desta instituição. Admirador do pianista, o jornalista e escritor Sérgio Cabral fez questão de prestigiar o concerto: — Achei maravilhoso a ABI ter convidado Arthur Moreira Lima para um evento comemorativo do seu aniversário. O único defeito dele é ser

Fluminense; no resto, é perfeito. Trata-se de um grande carioca de fato, além de ser um músico extraordinário. Arthur Moreira Lima dedicou ao “ilustre, querido, nobre e amado amigo Sérgio Cabral” duas composições de Ernesto Nazareth — Odeon e Apanhei-te cavaquinho — e disse que foi o pesquisador quem o despertou para a música de Nazareth: — Ele me reuniu com o Marcus Pereira na sua casa em Copacabana e lá surgiu a idéia de fazer um disco sobre Nazareth, um grande compositor brasileiro a quem não tinha sido permitido tocar no Municipal, somente em cabarés e casas de família. Orgulho Antes do fim do espetáculo, para o qual reservou Carinhoso, de Pixinguinha, e o Hino Nacional, Moreira Lima recebeu mais aplausos da platéia quando

lembrou um comentário do escritor Luiz Fernando Veríssimo sobre o ecletismo do povo brasileiro e disse sentir-se muito orgulhoso de sua nacionalidade: — Quando abro a carteira e leio no meu documento de identidade República Federativa do Brasil, eu gosto. Tenho muito orgulho de ter nascido aqui. Terminado o Hino, o público o aplaudiu de pé. Início O início das comemorações do 98º aniversário da Associação Brasileira de Imprensa, no dia 7 de abril, foi marcado por um evento que representa a continuidade de uma de suas tradições: a abertura dos Cursos Livres de Jornalismo, com aula inaugural do jornalista Hélio Fernandes. A ABI mantém-se assim na linha por ela definida em 1918, quando promoveu o 1º Congresso Brasileiro de Jornalistas, no qual o então Presidente João Guedes de Melo sustentou que os jornalistas deveriam ter formação de nível superior e manter permanente preocupação com seu aperfeiçoamento técnico, cultural e ético.

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Jornal da ABI ACONTECEU NA ABI

ASSEMBLÉIA-GERAL JOSÉ REINALDO MARQUES

Ato pró Eduardo Paes (1º à esq.) foi prestigiado pelos caciques do PSDB, como Alckmin (à dir.)

Os tucanos pousam entre nós O alto-comando do Partido da Social Democracia Brasileira-PSDB, à frente seu Presidente Nacional, Senador Tasso Jereissati (CE), e seu pré-candidato à Presidência da República, Geraldo Alckmin, compareceu em massa à ABI, no dia 24 de abril, para o ato de pré-lançamento da candidatura do Deputado Eduardo Paes (RJ) ao Governo do Estado do Rio. Entre os presentes, estavam o Governador de Minas Gerais, Aécio Neves, o ex-Governador Marcelo Alencar; o exPrefeito de Vitória, Luiz Paulo Veloso Lucas; os líderes do PSDB no Senado e na Câmara Federal, Senador Arthur Virgílio (AM) e Deputado federal Alberto Goldman (SP), respectivamente; o Senador Sérgio Guerra (PSDB-PE); Márcio Fortes, membro do Diretório Nacional pelo Rio de Janeiro; os Deputados federais Zulaiê Cobra (SP) e Ronaldo Cezar Coelho (RJ); os Deputados estaduais Luiz Paulo Corrêa da Rocha e Alice Tamborindeguy; os Vereadores Luiz Guaraná e Lucinha. O ato contou ainda com a presença de Maristela Kubitschek, filha do ex-Presidente Juscelino Kubitschek, e seu marido, Rodrigo Lopes. Delegações de vários pontos do Estado, lideradas por prefeitos e vereadores, acorreram à manifestação, que superlotou o auditório da Casa. Inicialmente, através do Deputado Márcio Fortes, o PSDB pedira a cessão de um espaço da ABI para uma entrevista coletiva à imprensa em que o partido anunciaria a escolha do nome do Deputado Eduardo Paes como seu candidato. Neste caso, seguindo a tradição da Casa, a dependência seria cedida sem ônus para o partido, em face de se tratar de evento de interesse da imprensa. Com o decorrer dos dias, o PSDB decidiu transformar a entrevista cogitada numa manifestação política, o que ensejou a cobrança da ocupação do espaço pela ABI Além da locação, o PSDB pagou uma boa dezena de vidros do Auditório Oscar Guanabarino quebrados pela militância em seu ardor partidário.

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RELATÓRIO APROVADO POR UNANIMIDADE A Assembléia-Geral Ordinária Anual instalada às 10h do dia 27 de abril, no Auditório Oscar Guanabarino, aprovou por unanimidade o Relatório de Diretoria relativo ao período de gestão de 19 de abril de 2005 a 18 de abril de 2006. O Conselho Fiscal também aprovou integralmente as contas do exercício de gestão de 2005. O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, abriu os trabalhos e submeteu à aprovação dos membros da Assembléia-Geral o requerimento, encaminhado por associados, indicando o jornalista Paulo Jerônimo de Souza (Pajê) para presidir a Mesa, o que foi aceito por unanimidade. A primeira e a segunda Secretarias da Mesa foram ocupadas respectivamente pelos jornalistas Carlos Rodrigues e Estanislau Alves de Oliveira, convidados por Pajê na forma estatutária. O Presidente do Conselho Deliberativo, Ivan Cavalcanti Proença, fez seus comentários e opinou pela aprovação do Relatório. Durante a sessão, também foram aprovadas algumas moções, entre elas a do jornalista Antonio Avellar — de aplausos aos médicos e funcionários do Hospital da Piedade, pelo profissionalismo com que têm superado as dificuldades por que passa o hospital — e a do Vice-Presidente da ABI, Audálio Dantas — de se dar início, na Casa, a um amplo debate sobre a implantação da TV digital no País, com a participação do Ministro da Cultura Gilberto Gil, a quem ele já fizera convite, por ele aceito. A Assembléia-Geral também aprovou a proposta de Audálio Dantas de que a cerimônia de abertura oficial da Representação da ABI em São Paulo seja feita em 1º de junho, Dia da Imprensa, com a for-

mação de um Conselho Diretor formado por jornalistas de diversas áreas, cuja função seria a de estabelecer uma discussão permanente sobre temas da vida nacional. Interrompida às 14h45, a Assembléia-Geral permaneceu instalada até o dia seguinte, quando, de 10h às 20h, teve lugar a eleição para renovação de um terço do Conselho Deliberativo, integrado por 15 membros efetivos e 15 suplentes, e para a escolha dos sete membros do Conselho Fiscal. Para a eleição inscreveu-se apenas uma chapa, a Prudente de Morais, neto, vitoriosa nas eleições de 2004 e 2005 — a ABI realiza eleição todo ano, para escolha de um terço do seu Conselho Deliberativo, constituído por 45 membros efetivos e 45 suplentes. Desde 2004, por força da reforma determinada pelo novo Código Civil, são eleitos também todo ano os sete membros do Conselho Fiscal

Moções A Assembléia-Geral aprovou uma série de moções, contemplando os seguintes temas: – Criação da Comissão Centenário da ABI, a ser integrada por 100 membros, e de uma Pré-Comissão de nove membros para definição de procedimentos, normas

ÊNFASE À LIBERDADE O Relatório da Gestão 2005-2006 é um documento dividido em 15 capítulos, entre os quais um sob o título Liberdade, liberdade, dedicado às ações da entidade em defesa da liberdade de imprensa. Nesse capítulo a Diretoria da ABI relata também ocorrências que marcaram o exercício da profissão pelos jornalistas, como o assassinato com 20 tiros, em 1º de julho passado, do radialista José Cândido Amorim Pinto, da Rádio Comunitária Alternativa de Carpina, cidade do interior de Pernambuco. O Relatório registra as iniciativas e realizações da Diretoria ao longo do exercício social, entre as quais o restabelecimento da Representação da ABI em São Paulo, dirigida pelo jornalista Audálio Dantas, Vice-Presidente da Casa. Num dos capítulos, sob o título O Estado nacional oprime a ABI, o Relatório denuncia o cancelamento do registro de entidade beneficente de assistência da Casa pelo Conselho Nacional de Assistência Social, medida que ensejou a imputação à ABI, pelo Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, de um débito de R$ 2,994 milhões relativo a cinco anos de contribuição previdenciária patronal, cobrada retroativamente. A Diretoria da ABI não reconhece a legitimidade dessa suposta dívida, porque a instituição é considerada de utilidade pública desde 1917 por lei sancionada pelo então Presidente da República Venceslau Brás. O texto do Relatório foi publicado em suplemento a esta edição número 307 do Jornal da ABI e está disponível no site da Casa (www.abi.org.br). Sua versão impressa pode ser pedida pelo e-mail presidencia@abi.org.br

e critérios de composição da Comissão Centenário (Autor: Jesus Antunes – Colocação de uma placa em homenagem ao antigo funcionário Jorge Vianna Bastos no Salão de Estar do 11º andar, em que ele trabalhou durante décadas. (Autor: Arthur Cantalice) Ver a propósito a seção Vidas. – Prorrogação por um ano, até à Assembléia-Geral de 2007, da anistia concedida aos sócios inadimplentes por Assembléias-Gerais anteriores, especialmente a de 2005. Para reintegrar-se plenamente nos direitos conferidos pelo Estatuto, o anistiando poderá pagar apenas a mensalidade do mês em curso. A deliberação beneficia todos os associados inadimplentes, incluídos aqueles que já se tenham beneficiado de anistias decretadas anteriormente. (Autor: Maurício Azêdo) – Voto de louvor ao programa Boca Livre, da Rádio Bandeirantes, por fazer competente radiojornalismo e manter uma linha editorial profissional e politicamente correta. (Autor: Arthur Cantalice) – Voto de louvor ao jornal Correio da Lavoura, de Nova Iguaçu, que mantém uma linha editorial de inflexível nacionalismo e de vigorosa defesa da liberdade de expressão e de combate aos que trocaram a política pela politicalha. (Autor: Arthur Cantalice) – Solidariedade às mulheres da Via Campesina e seus quatro dirigentes, indiciados pela Justiça do Rio Grande do Sul porque protestaram contra uma empresa que desrespeita os direitos humanos. (Autoes: Mário Augusto Jakobskind, Zilda Ferreira, Jesus Antunes e Miro Lopes) – Pedido ao Senado Federal para que o pronunciamento do Conselho de Comunicação Social acerca da TV digital seja precedido de consulta à ABI e outras entidades para que se manifestem sobre o assunto. (Autor: Milton Coelho da Graça) – Protesto contra o acordo firmado pelo Governo da União e o Japão para adoção do padrão japonês de TV digital, o qual favoreceria a transnacional Toshiba, em detrimento do Sistema Brasileiro de TV Digital defendido pela comunidade científica brasileira. (Autores: Jesus Antunes, Arthur Cantalice, Daniel de Castro, Ivan C. Proença, Mário Augusto Jakobskind e Miro Lopes) – A Assembléia rejeitou propostas de restrição de direitos dos associados Antônio Modesto da Silveira, Ivan Alves Filho e Oliveiros Litrento apresentadas pelo associado Arthur Cantalice.

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Jornal da ABI VOTAÇÃO

PARECER DO CONSELHO FISCAL/GESTÃO 2005-2006 O Conselho Fiscal, através de seus conselheiros Adriano Barbosa, Jorge Saldanha, Luiz Carlos de Oliveira Chester, Argemiro C. Lopes do Nascimento (secretário) e Jesus Antunes (presidente), reunido na sala do próprio Conselho, no 11° andar do edifício-sede da ABI, nos dias 9 e 28 de março do corrente ano, relata, recomenda e decide: Tendo realizado as reuniões mensais, durante os anos de 2005 e 2006, em função do exame de documentos contábeis, fiscais, financeiros, os devidos registros nos livros e o Balanço Fiscal de 2005, considerando ainda a filantropia, constatou que a Associação Brasileira de Imprensa contabilizou um superávit de R$ 288,425,01 (duzentos e oitenta e oito mil, quatrocentos e vinte e cinco reais e um centavo) e, para o ano de 2006, uma movimentação orçamentária de R$ 1.532,029,04 (um milhão, quinhentos e trinta e dois mil, vinte nove reais e quatro centavos) e um provável superávit em torno de R$ 112.623,84 (cento e doze mil, seiscentos e vinte e três reais e oitenta e quatro centavos). Quanto às Execuções Judiciais, fruto de débitos junto ao INSS (apropriação indébita), IPTU, PIS, IRRF e a discutível perda da isenção da contribuição previdenciária patronal – deixadas pelas diretorias passadas – que gerou um passivo de cerca de R$ 4.000.000,00 (quatro milhões de reais), o Conselho Fiscal recomenda à Diretoria e ao Conselho Deliberativo o recurso imediato da Ação Jurídica, evitando, em tempo, que parte do edifício-sede seja leiloado. A Diretoria Administrativa, ao considerar a filantropia, em 2004 e 2005, acumula benefícios obtidos com a renúncia fiscal de R$ 308.246,09 (trezentos e oito mil, duzentos e quarenta e seis reais e nove centavos). “Entretanto, cabe a ressalva de que a ABI, para se reabilitar à obtenção de nova certidão, objetivando a isenção de contribuições sociais, deve providenciar novo título de utilidade pública federal, expedido pelo Ministério de Justiça, bem como se inscrever no Conselho Municipal de Assistência Social do Município do Rio de Janeiro e no Conselho Estadual de Assistência Social”. Outrossim, ratifica, junto à Diretoria, o valor de R$ 100.542,10 (cem mil, quinhentos e quarenta e dois reais e dez centavos), diferença dos acordos salariais coletivos dos funcionários, anos 2003/2004 e 2004/2005, e que serão pagos no decorrer do ano em curso. Em 2005, por decisão judicial, foram bloqueados, em duas contas correntes do banco Bradesco, as quantias de R$ 47.992,95 (quarenta e sete mil, novecentos e noventa e dois reais e noventa e cinco centavos), débitos também oriundos de administrações anteriores. O Conselho Fiscal, ciente das Execuções Judiciais, 7 (sete), cobrança em fase de leilão, e mais de 37 (trinta e sete) certidões em processo de cobrança, recomenda à Diretoria prover-se de capital de giro, a curto prazo (Ativo Circulante), usando o recurso de venda o imóvel no Município de Bananal-SP, em conformidade com o dispositivo estatutário. O Conselho Fiscal, diante do comprometimento do patrimônio da Casa do Jornalista, por ex-diretores que exerceram cargos administrativos diretos, de 1995 a 2004, inclusive, recomenda à Diretoria e ao Conselho Deliberativo, segundo o artigo 17, do Estatuto da ABI, a exclusão dos mesmos do quadro social concomitantemente com ações Civil e Criminal cabíveis. Registramos, também, quatro procedimentos administrativos graves praticados pela atual Diretoria, em violação ao Estatuto: 1) Permitir a ocupação irregular da sala (parte) do 12° andara, pela Dama Comunicação, sem contrato de locação e o uso exclusivo do telefone 2240-3191, cujas contas do ano de 2005, no valor de R$ 1.146,27 (um mil, cento e quarenta e seis reais e vinte e sete centavos) foram pagas pela ABI, bem como a compra de um micro com processador AMD e uma copiadora, no valor de R$ 1.095,00 (um mil e noventa e cinco reais). A referida empresa teve, neste mesmo ano, ganho líquido de R$ 33.280,00 (trinta e três mil, duzentos e oitante reais); 2) As edições do Jornal da ABI, dos meses de setembro/outubro e novembro/dezembro de 2005, só foram impressos e distribuídos nos meses de fevereiro e março de 2006, atendendo compromisso de veiculação de anúncios para comprovar, junto a clientes, o faturamento da verba do ano de 2005; 3) O não pagamento, por parte da empresa Chediak Arte e Comunicação, do uso do 9º andar (saguão), em evento cultural-comercial contrariando o artigo 62/1° do Estatuto; 4) O Ato da Diretoria n° 1, memorando ABI.PRES 012/2006, de 18 de janeiro de 2006, alterando o Estatuto da ABI, ao determinar funções da Diretoria Administrativa ao Diretor Econômico-Financeiro. Embora o Diretor-Presidente insista em tal prática, o ato, por si mesmo, é nulo. Por último, entre os contratos analisados, o da ONG-Médicos Solidários, 6º andar, não atende aos interesses da Casa do Jornalista devendo, portanto, ser rescindido. Assim sendo, pelo exposto, com as devidas ressalvas e recomendações, o Conselho Fiscal aprova o Balanço Fiscal de 2005. Rio de Janeiro, 28 de Março de 2006. Jesus Antunes (Presidente) Argemiro C. Lopes Nascimento (Secretário) Adriano Barbosa Luiz Carlos de Oliveira Chester

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SÓ PODIA DAR PRUDENTE Apenas uma chapa, a Prudente de Morais, neto, concorreu à eleição para a renovação do terço do Conselho Deliberativo. minha história. Fundei o Cineclube Macunaíma e era o porteiro aqui do Auditório Oscar Guanabarino. Passava as noites de sábado recolhendo os ingressos. Antes de votar, o colunista de O Globo contou que participava de um almoço com o Presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), que o informou de que continua empenhado na luta pelo restabelecimento do registro de entidade beneficente de assistência social da instituição, conforme pleito que lhe foi submetido em audiência realizada no dia 22 de março. A jornalista Dilair de Queiroz Chaves, de 86 anos, afirmou que vai votar enquanto tiver consciência: — Eu me sinto bem e é uma forma de manter participação ativa na Casa. Assim, também quero estimular a participação dos jovens. Aziz Ahmed concorda em que a eleição é uma maneira de estimular a presença dos colegas, tenham eles a idade que tiverem: — Sou sócio há mais de 30 anos e sempre acompanhei as ações da entidade. Após votar, o ex-Presidente da ABI Fernando Segismundo disse que a instituição representa efetivamente as aspirações e realizações do povo brasileiro: — Sendo assim, tudo que se fizer pela Casa do Jornalista reverte para a sociedade e o País. A ABI é um centro cultural e cívico, daqui partiram movimentos patrióticos. Sua atuação é e tem sido ampla e será para sempre. Para Marcos de Arthur Poerner e Ancelmo Fois figuraram entre os participantes da votação Castro, é sempre imdo dia 28. – Eleição é bom pra tosse e pra gripe – brincou Ancelmo. portante participar das eleições, sejam elas de entidades de classe ou mais amplas, to a ausência da juventude, mas sei que a encomo para a Presidência da República: — Detidade já está conseguindo resgatar a presença mocracia se aprende votando. Mesmo com todos jovens. dos os problemas que a sociedade enfrenta, Ancelmo Gois associou-se à ABI na décacomo a pressa, devemos exercitar o nosso voda de 70, com um grupo que incluía Dominto. A eleição é a marca maior da democracia. gos Meirelles e Leda Nagle: — A ABI é minha casa, sinto um carinho muito grande pela insA posse tituição. Sempre que passo por aqui eu me A posse dos eleitos foi programada para o emociono, pois ela é um símbolo de luta pedia 15 de maio, segunda-feira, às 11h. Por forlas liberdades democráticas. Quando fui perça de disposição estatutária, ela deveria aconseguido na ditadura, foi aqui que me acolhetecer em 13 de maio; como este dia cai no sáram e me ajudaram. bado, a sessão de posse foi marcada para o priPara ele, eleição é sempre um bom momenmeiro dia útil seguinte. Nessa sessão se elege to: — Eu brinco que eleição é bom pra tosse, também a Mesa do Conselho Deliberativo, forpra gripe. Para mim, porém, é mais do que isso. mada por um Presidente e dois Secretários. Eleger os conselheiros da ABI tem a ver com a

Única inscrita para a eleição anual que a ABI realiza para escolha de um terço do seu Conselho Deliberativo — 15 membros efetivos e 15 suplentes — e da totalidade do Conselho Fiscal, a Chapa Prudente de Morais, neto, foi confirmada pelos associados que compareceram ao Auditório Oscar Guanabarino, no 9º andar do Edifício Herbert Moses,em 28 de abril. Apesar da falta de competição, compareceram à votação 126 associados. As eleições começaram às 10h e foram encerradas às 20h. Além de membros da Diretoria, compareceram à votação associados como Fernando Barbosa Lima, Milton Coelho da Graça, Arthur Poerner, Ancelmo Gois, Aziz Ahmed, Marcos de Castro, Dilair de Queiroz Chaves e Fernando Segismundo. Poerner acha muito importante participar da votação, pois a ABI é a entidade máxima da categoria. Sócio desde 1964, quando era redator do Correio da Manhã, ele lembra que a ABI sempre acompanhou as lutas dos jornalistas: — Momentos como este mantêm a sobrevivência da entidade, que tem feito trabalhos extraordinários na atual gestão Só lamen-

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Jornal da ABI RODRIGO CAIXETA

VOTAÇÃO

SEGISMUNDO DE VOLTA RODRIGO CAIXETA

O jornalista Fernando Segismundo, ex-Presidente da ABI, é um dos integrantes da Chapa Prudente de Morais, neto, eleita na votação do dia 28 de abril. “Fiquei muito honrado com a lembrança de vocês e é também com muita honra que aceito o convite”, disse Segismundo antes de assinar a autorização para a inclusão de seu nome entre os candidatos às 15 vagas de membros efetivos do Conselho na Chapa Prudente. Integraram ainda a lista de candidatos a membros efetivos do Conselho Deliberativo os jornalistas Antônio Roberto Salgado da Cunha, Arnaldo César Ricci Jacob, Arthur Cantalice, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Augusto Xisto da Cunha, Domingos Meirelles, Glória Suely Alvarez Campos, Heloneida Studart, Jorge Miranda Jordão, Lênin Novaes de Araújo, Márcia Guimarães e Pery de Araújo Cotta. Para conselheiros suplentes concorreram os associados Antônio Avellar, Antônio Calegari, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Antônio Henrique Lago, Carlos Eduard Ulup, Estanislau Alves de Oliveira, Hildeberto Lopes Aleluia, Luiz Carlos Bittencourt, Marco Aurélio Barrandon Guimarães, Marcus Miranda, Mauro dos Santos Viana, Oséas de Carvalho, Rogério Marques Gomes e Yedda Octaviano de Souza. Para o Conselho Fiscal foram eleitos Adriano Barbosa do Nascimento, Arthur Auto Nery Cabral, Argemiro Lopes do Nascimento, Geraldo Pereira dos Santos, Jesus Soares Antunes, Jorge Saldanha e Luiz Carlos de Oliveira (Chester). A apuração foi realizada logo após o encerramento da votação

G Gentil Fernando Lopes; Gerdal Renner dos Santos; Germando de Oliveira Gonçalves; Glória Suely Alvarez Campos

H Herval da Silva Faria

I

J

QUEM VOTOU A Adail José de Paula; Adilson Gonçalves Vianna; Adriano do Nascimento Barbosa; Alessandro R. Fonseca; Alfredo Aurélio de Belmont Pessoa; Amilton Loureiro da Silva; Ancelmo Rezende Góes; Anisio Félix dos Santos; Antonio Avellar Cavalcante Albuquerque; Antônio Calegari; Antônio Carlos Austregesilo de Athayde; Antônio Dominguez Calvo; Antônio Marins Lopes Filho; Antônio Modesto da Silveira; Antônio Mota Carneiro; Antonio Nery; Antonio Roberto Salgado da Cunha; Antônio Vieira Moreira; Araquém Moura Roulien; Argemiro do Carmo Lopes do Nascimento; Arthur Auto Nery Cabral; Arthur Cantalice; Arthur José Poerner; Audálio Ferreira Dantas; Aziz Ahmed

B Bernardino Capell Ferreira

C Carlos Alberto Marques Rodrigues; Carlos Arthur Pìtombeira; Carlos Felippe Meiga Santiago; Carlos Henrique Campany Nicolau; Carlos João di Paola; Cícero Lima; Clecy de Moraes Ribeiro

D Domingos Augusto Xisto da Cunha; Domingos João Meirelles; Dylahi de Queiroz Chaves

E Edimilson Gomes Soares; Edna Silva de Moraes; Eduardo Aguiar; Eleonora Grazina Monteiro; Eloy dos Santos; Ely Moreira da Silva; Elza Soares Ribeiro; Estanislau Alves de Oliveira

F Fernando F. Milfont; Fernando Henrique Gonçalves; Fernando Horácio Pereira Barbosa Lima; Fernando Segismundo Esteves; Francisco Paula Freitas

N Neuza Citrinitti Fraga; Nivaldo Pereira

Ilma Martins Silva; Ítalo Mário Andreolli; Ivan Cavalcânti Proença

Fernando Segismundo (à esq.) integrou a chapa que teve Aziz Ahmed (à dir.) como forte candidato.

Portocarrero; Mário Antônio Barata; Mário Augusto Jakobskind; Maurício E. S. Barbosa; Maurílio Cândido Ferreira; Milton Coelho da Graça; Murilo Gondim

Jarbas Domingos Vaz; Jesus Chediak; Jesus Soares Antunes; João Carlos Silva Cardoso; Joé Baptista de Souza; Jonas Vieira; Jorge Aquino Filho; Jorge Roberto Martins Freitas; Jorge Saldanha de Araújo; José Amaral Argolo; José Benedito de Assis; José Cristino Costa Ferreira; José Gomes Talarico; José Reinaldo Belizário Marques; Joseti Marques Xisto

K Katerine Lacarte; Kepler Alves Borges

O Orpheu dos Santos Salles; Oscar Maurício de Lima Azêdo; Osmar Amiccucci Gallo; Oswaldo B. F. da Silva

P Paulo Gerônimo de Souza; Pery de Araújo Cotta

R Renato Alves; Rogério Marques Gomes; Rosângela Soares de Oliveira; Rubem dos Santos (Confete); Rubem Mauro Machado; Ruth Pereira Lima; Ruy de Mesquita Bello

S L Lauro L. Leivas; Leda Acquarone de Sá; Lenin Novaes; Lincoln Mello Martins; Loris Baena Cunha; Lucy Mery C. Moreira Carneiro; Luiz Carlos de Oliveira Chester; Luiz Carlos de Souza

M Manoel Epelbaum; Manoel Pacheco dos Santos; Marcelo Lopes Monteiro; Marcio Novotny da Purificação; Marco Aurélio B. Jangada Guimarães; Marcos Alexandre de S. A. Mello M. de Castro; Marcus Antônio Mendes de Miranda; Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli; Maria Elizabeth Cardoso Lopes; Maria Ignez Duque Estrada Bastos; Maria Lúcia Amaral; Maria Nilza da Silva Pereira

Severino Mendes da Rocha; Sílvio Martins Paixão; Sylvio Pélico Leitão Filho

T Thales José Maciel Bento

U Ulisberto Lelot; Ulysses Cláudio Lonzeti

W Walter Antonio Mazella

Y Yeda Octaviano de Souza

Z Zilda Cosme Ferreira; Zilmar Borges Basílio

SEMINÁRIO

“O Brasil está sem rumo há um quarto de século século” Ao abrir na ABI o Seminário Pensando o Brasil, organizado pela Associação de Engenheiros da Petrobrás-Aepet e Conselho Regional de Economia do Estado do Rio, o jurista Fábio Comparato defende ações contra a estagnação. Na conferência inaugural do Seminário Pensando o Brasil, em que foi convidado a discorrer sobre o tema Democracia e República, o jurista Fábio Konder Comparato, professor da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, advertiu que “o País caminha sem rumo há pelo menos um quarto de século”. — Como diz a sabedoria popular — afirmou —, a marinheiro sem rumo nem vento ajuda. O Seminário foi organizado pela Associação de Engenheiros da PetrobrásAepet e pelo Conselho Regional de Economia do Estado do Rio de JaneiroCorecon, que pleitearam o apoio da ABI à iniciativa, que tem em vista a discussão de diferentes aspectos da vida nacional, a serem expostos por especialistas. A programação do Seminário, que conta com o apoio de outras instituições da sociedade civil, estende-se até começo de se-

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tembro e será desenvolvida no Auditório Oscar Guanabarino, no 9º andar do Edifício Herbert Moses, sede da ABI. O Presidente do Corecon, Professor João Paulo de Almeida Magalhães, salientou que é oportuna a realização do Seminário, programado para um ano eleitoral, em que estarão em debate as questões relevantes do País. — Este éum período importante — acentuou —, porque devemos escolher nosso futuro governante, mas também precisamos perceber que o Brasil não está crescendo como a Índia e a China. Precisamos identificar as causas desta estagnação e procurar alternativas para reverter o quadro. O Presidente da ABI, Maurício Azêdo, elogiou a Aepet e o Corecon pela iniciativa de reunir entidades da sociedade civil para debater questões de interesse do País: — Nesta noite, é uma

honra para a ABI receber o Professor Fábio Konder Comparato, um homem que sempre se pôs à frente das lutas democráticas no País. Comparato começou sua exposição acenmtuando que o Brasil enfrenta um grave problema político. Parafraseando os gregos, disse que os governantes devem avançar para um rumo determinado. Foi nesse ponto que fez a advertência: — Como diz a sabedoria popular; a marinheiro sem rumo, nem vento ajuda. O País caminha sem rumo há pelo menos um quarto de século. Ele contestou a idéia de existência de uma economia pura, sem interferência de fatores sociais — “isso é uma ficção, de conseqüências maléficas para todos os povos” — e alertou: — Ou nos organizamos para exercer pressão contra os detentores do poder, ou continuaremos sendo respeitados, porém, desprezados.

Comparato, que veio de São Paulo para o ato: A marinheiro sem rumo nem vento ajuda.

Sustentou também Comparato que uma sociedade que não se preocupa com as próximas gerações entra em processo catatônico: — O crescimento da dívida pública brasileira, por exemplo, é espantoso. Quando Fernando Henrique Cardoso assumiu a Presidência da República, a dívida era de R$ 60 bilhões. Ao final de seus oito anos, somava R$ 600 bilhões. No ano passado, a dívida atingiu a cifra de R$ 1 trilhão. Ele criticou certo ufanismo, como a promoção que tem sido feita pelo Governo em relação à auto-suficiência brasileira na produção de petróleo: — Ninguém está mirando o futuro, lembrando que o petróleo é uma riqueza natural exaurível e que tem data para acabar.

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Jornal da ABI SEMINÁRIO

Lessa: “observações fragmentárias” O economista diz que é preciso discutir questões ligadas à organização produtiva, “numa linha que pode ir do socialismo utópico ao socialismo produtivo”: — A indústria automobilística, por exemplo, é um paradigma da segunda revolução industrial. Devemos pensar na variada gama de empresas ligadas a esta indústria e outros elementos da força produtiva. O taxista é burguês ou proletário? Dono do capital ou da força de trabalho? Segundo ele, os bancos brasileiros têm crescido 30% ao ano e são os mais rentáveis do mundo. No entanto, também não se preocupam com a forLessa: — Se depender da elite brasileira, não haverá projeto nacional. ça de trabalho: — Se depender da elite brasileira, não haverá um projeto nacional. E a classe média também não se manifesta. Lessa diz que é preciso descobrir onde estão os protagonistas que podem dar sustentabilidade ao projeto nacional: — Eu não consigo imaginar como é viver com um salário-mínimo. Mas 40% da população brasileira vivem com menos. preservar sua nacionalidade, mas a pono entanto, são importados. Além disO povo cria continuamente estratégilítica de FHC, continuada por Lula, so, as quatro empresas que exportam os as de sobrevivência, com competência transfere seus títulos para a Bolsa de grãos são estrangeiras. e velocidade espantosas. Nova York. E a Vale — peça fundamenEle entende que a elite jamais se preA seu ver, há uma relação semiótica tal para eixos de integração brasileiros, ocupou com o povo; se no passado se preentre o Brasil do povo e o das elites: — como Carajás — quer ser uma ocupava com as forças produtivas, hoje Não há dois Brasis, é um único com mineradora em escala mundial. nem isso ela faz: — Atualmente, a riquemuitas caras. As relações de interpeneDiz Lessa que houve no Brasil um za da elite é em equivalência internacitração são brutais. Nos condomínios de processo de “desindustrialização reational; ela é dona de um patrimônio de coluxo da Barra estão grandes fortunas, va”: — Na República Velha, toda a infratação internacional. Por que os filhos dos mas também há centenas de empregaestrutura do café era nacional. Hoje, milionários vão estudar no exterior? Não dos que prestam seus serviços. estamos piores. A fazenda de soja e a é por causa da qualidade do ensino, mas O professor lembrou a frase de D. carreta que transporta a safra são napara formar relações com os filhos das Pedro I quando abdicou do trono: “Tudo cionais. A maquinaria e os fertilizantes, elites estrangeiras. farei para o povo, mas nada pelo povo”. — Se não dermos bola para o povo, nada será mudado. Temos uma população admirável, que sabe sobreviver diante de tantas adversidades. Organização produtiva é prestar atenção no que Dia 19/4 - Abertura: Democracia e República – Jurista Fábio Konder Comparato o povo faz para sobreviver. Dia 27/4 - Projeto nacional e organização social produtiva – Professor Carlos Lessa Como exemplo, ele citou um grupo Dia 4/5 - Educação – Reitor Aloísio Teixeira do interior de Minas Gerais, que, acomDia 11/5 - Ciência e tecnologia – Brigadeiro Sérgio Xavier Ferolla panhando a febre do surgimento do Dia 18/5 - Petróleo e soberania nacional – Engenheiro Fernando Siqueira tênis, passou a criar produtos concorDia 1/6 - Meio ambiente – Ambientalista Jean Marc Van der Weid rentes e a baixo custo: — Hoje, são 700 Dia 8/6 - Defesa nacional – General Luiz Gonzaga Schroeder Lessa empresas que respondem por 51% do Dia 29/6 - Cultura – Editor César Benjamin consumo nacional de calçados esportiDia 6/7 - Reforma agrária – Economista João Pedro Stédile vos. E eles serão sempre nacionais. Nova Dia 13/7 - Saúde pública – Médico José Noronha Dia 20/7 - Economia política do pleno emprego – Economista José Carlos de Assis Friburgo produz 25% da lingerie consuDia 27/7 - Setor elétrico brasileiro – Professor Luiz Pinguelli Rosa mida no Brasil. Dia 3/8 - Brasil no contexto mundial – Professor José Luiz Fiori Diz Lessa que os economistas batiDia 10/8 - Uma visão de longo prazo para o desenvolvimento – Professor João Paulo zam essas regiões de “arranjos produde Almeida Magalhães tivos locais” e segue adiante: — Com Dia 17/8 - Uma macroeconomia para o desenvolvimento – Economista João Sicsú eles, surgirá uma nova elite. Esses peDia 24/8 - Vulnerabilidade externa e desenvolvimento – Economista Reinaldo Gonçalves quenos grupos se baseiam numa econoDia 31/8- Finanças públicas para o desenvolvimento e a distribuição de renda – mia solidária. Se a elite atual não se Economista Carlos Eduardo Carvalho interessa pelo País, devemos buscar Dia 14/9 - Balanço e conclusões – Engenheiros Raymundo de Oliveira e Heitor Pereira aquelas que sejam mobilizadoras de um e Economista João Paulo de Almeida Magalhães projeto de ação — concluiu. ARQUIVO BNDES

Segundo conferencista do Seminário, o Professor Carlos Lessa discorreu no dia 27 de abril sobre o tema Projeto nacional e organização produtiva e social. Ao apresentá-lo à platéia do Auditório Oscar Guanabarino, o Presidente da Aepet, Heitor Manoel Pereira, destacou a importância das exposições programadas pelas entidades que patrocinam o Seminário. — Frente à conjuntura preocupante e ao desfalecimento dos partidos políticos, que não mais apresentam papel soberano — disse —, este ciclo de palestras pretende mobilizar a sociedade para problemas sérios. E a participação de Carlos Lessa, estudioso de longa data dos problemas nacionais, só vai acrescentar subsídios a este debate. Agradecido pelo convite, Carlos Lessa louvou a iniciativa e pediu licença aos participantes para começar seu

“Eu não consigo imaginar como é viver com um salário-mínimo. Mas 40% da população brasileira vivem com menos. O povo cria continuamente estratégias de sobrevivência, com competência e velocidade espantosas.” discurso fazendo “uma sucessão de observações fragmentárias”. Comentando a situação atual da Bolívia, ele recordou historicamente o processo de estagnação do país: — Quando se descobriu que a Bolívia tinha uma montanha cheia de prata, logo começou o processo de exploração discriminada. Havia 300 minas. No início do século XIX, já haviam retirado quase tudo. Então, ao final daquele século, a siderurgia descobriu a folha de flandres, baseada no estanho, que seria a próxima riqueza boliviana a ser explorada, pois era o mineral essencial para padrões mundiais de consumo. A Bolívia ficou sem nada, mas em um dado momento os mineiros de estanho chegaram a esboçar um projeto socialista. No Brasil, Lessa comentou a tendência de os grandes grupos nacionais sobreviventes se tornarem transnacionais e ganharem perfil de multinacionais. Ele lembrou o início das cervejarias no Brasil, quando D. Pedro II deu cartas patentes à Antarctica e à Brahma: — Elas cresceram tanto que suas marcas chegaram a ser sinônimo de cerveja. Depois, se fundiram e compraram a maior cervejaria. Esta, em 2004, já denominada Ambev, foi comprada por um grupo belga e os três proprietários brasileiros viraram bilionários belgas. É um crime de lesa-pátria. Outro exemplo é a Gerdau, que cresceu tanto e hoje é controlada por uma fundação em Amsterdã. Lessa considera que é preciso prestar atenção aos rumos da Companhia Vale do Rio Doce: — É a segunda maior empresa brasileira e não sei até quando vai

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Programação do Pensando o Brasil

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Jornal da ABI CULTURA Por Rodrigo Caixeta

A ABI pensa o cinema. O nosso, claro.

ALICE GONZAGA

Diretoria de Cultura e Lazer lança projeto para recontar, na voz dos seus protagonistas, a fascinante aventura do cinema brasileiro.

– Pouco mudou desde 1930

Um longo e entusiasmado depoimento do diretor Zelito Viana, que ali e ali parecia reviver momentos de sua intensa trajetória como um dos fundadores do Cinema Novo, marcou o início, no dia 4 de abril, do projeto ABI pensa o cinema, idealizado pelo Diretor de Cultura e Lazer Jesus Chediak para registrar em fita, dvd e, depois, em livro, a história

recente do cinema nacional contada na voz dos seus protagonistas. A programação inicial do ABI pensa o cinema incluiu depoimentos não só de Zelito Viana, mas também de Alice Gonzaga, Diretora da Cinédia, a empresa criada por seu pai, Ademar Gonzaga, que produziu obrasprimas do cinema brasileiro como Alô alô Carnaval; de Luiz Carlos

Barreto, que já havia estado na Casa em 28 de março, conforme registrado no Jornal da ABI (edição número 306, março de 2006, páginas 1 e 16), e de Letícia Spiller que gravou o seu depoimento no dia 25. Aqui, uma suma das intervenções dessas destacadas personalidades do processo de criação e produção cinematográfica no Brasil.

LUIZ CARLOS BARRETO

Vidas Secas é uma aula de cinema Na tarde de 20 de abril foi a vez de Luiz Carlos Barreto participar do ABI pensa o cinema, falando sobre um tema que domina bem:o Cinema Novo, Ivan Proença, Presidente do Conselho Deliberativo da ABI, estimulou o debate, perguntando sobre a relação entre o Cinema Novo e o neo-realismo italiano. Barreto respondeu: — O Cinema Novo é uma conseqüência do neo-realismo italiano. Certa vez, em Paris, conversava com Godard e Glauber Rocha e disse que o Cinema Novo é também um irmão da Nouvelle Vague francesa. Disse Barreto que, o Cinema Novo inaugurou um novo estilo, preocupado não só com conteúdo e estética. Ele e seus companheiros tinham idéias afinadas e formavam um movimento: — Conseguimos capturar a essência da alma do homem brasileiro, por meio de diferentes filmes, que variam de comédias a dramas. Lembrou Barreto que Bernardo Bertolucci teve o primeiro contato com o Cinema Novo durante o Festival de Cannes de 1964, em que foram inscritos os filmes Vidas secas e Deus e o Diabo na Terra do Sol: — Ele foi surpreendido pelo nosso modelo de produção e

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acabou se tornando um agente do nosso estilo na Itália, adotando até mesmo a nossa terminologia em seus trabalhos. As cenas finais de Memórias do cárcere e Deus e o Diabo na Terra do Sol são momentos memoráveis da história do Cinema Novo, diz Barreto,, que também fez referência ao modelo de “Vidas secas”: — Recentemente, a Petrobras patrocinou a restauração deste filme. Assisti a uma cópia sem som e vi que aquilo era uma aula de cinema. Não precisa de dialogismo, as imagens dizem tudo. Não é à toa que ele está entre as obras que deveriam ser preservadas contra uma hecatombe. Antes de convidar os espectadores para o debate, Barreto contou um detalhe pouco conhecido: — Na exibição de Vidas secas no Festival de Cannes, assim que o filme começou a rodar em sessão especial para os críticos do mundo inteiro eu e o Nelson Pereira dos Santos ouvimos um ruído incomodativo. Pensávamos que o problema era do projecionista, mas não podíamos interromper o filme, porque seria uma vergonha. Deixamos rolar. No final, os críticos franceses comentaram conosco aquele “som interessante”, que

O cinema conseguiu captar a essência da alma do homem brasileiro, disse Barreto.

era monótono, mas dava um toque a mais na produção. Só depois descobrimos que o ruído se devia à presença, na região, de um avião norte-americano que operava na mesma freqüência que o projetor.

Foi a revista Cinearte que levou Ademar Gonzaga a fazer cinema, conta Alice Gonzaga.

A origem da Cinédia e o esforço para preservar seu acervo de mais de 30 filmes e salvar parte importante da memória do cinema nacional. Estes foram os temas do depoimento em torno do tema 75 anos de Cinédia, feito no dia 11 pela produtora e diretora Alice Gonzaga, filha de Ademar Gonzaga, criador e executor desta que foi a primeira iniciativa brasileira de desenvolver a indústria cinematográfica no País. Na avaliação de Alice Gonzaga, o cinema feito hoje no Brasil pouco mudou em relação a 1930, ano em que a Cinédia produziu seu primeiro filme, Lábios sem beijos, de Humberto Mauro: — A estrutura é praticamente a mesma da década de 30. Mas é evidente que os filmes hoje são mais caros e contam com verbas do Governo e patrocínios. Em sua época, meu pai fazia filmes com seus próprios recursos. Hoje, a Cinédia não tem verba para produzir um filme e sobrevive da locação de estúdios e de pesquisas sobre o cinema nacional. Pouca gente sabe, mas a Cinédia surgiu a reboque da revista Cinearte, que defendia a necessidade de uma indústria cinematográfica no Brasil. — Meu pai era jornalista e idealista. Hoje a realidade é outra. Administro o estúdio e tomo conta de nosso acervo cultural — diz Alice. No acervo da Cinédia estão filmes como O ébrio, de 1946, protagonizado por Vicente Celestino e dirigido por Gilda de Abreu, que levou mais de 4 milhões de pessoas ao cinema. Entre outras relíquias preservadas e restauradas está também Tereré não resolve, produção de 1938, dirigido por Luiz de Barros, tendo no elenco Alvarenga, Maria Amado e Carlos Barbosa. — Minha preocupação maior é salvar estas obras. Para mim, elas têm valor inestimável – diz Alice. (Cláudio Carneiro)

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Jornal da ABI LETÍCIA SPILLER

A futura Anita Depois de densa trajetória na televisão, em novelas em que impressionou o público despertando reações ora de carinho, como o que recobriu as personagens Babalu, da novela Quatro por quatro (1994), e Flávia, de Esplendor (2000), ora de repulsa ou de raiva, como a Maria Regina de Suave Veneno (1998) e a Viviane de Senhora do Destino (2004), Letícia Spiller descobriu o cinema como possibilidade de recriação de personagens reais, como Anita Garibaldi, tema de um grande projeto em que se envolve atualmente, com co-produção estrangeira. — Anita é uma figura histórica importante, uma heroína brasileira que lutava pelos direitos humanos, pelas liberdades fundamentais. Foi uma guerreira de dois mundos, que acabou morrendo grávida, num conflito na Itália – lembra Letícia, que confessa sua atração por Anita. – Para um ator – diz –, não há nada melhor que interpretar um personagem real. Letícia revelou essa disposição ao participar, em 25 de abril, do ciclo de depoimentos ABI pensa o cinema, iniciado no começo do mês por iniciativa do Diretor de Cultura e Lazer Jesus Chediak com longa entrevista de Zelito Viana, um dos fundadores do Cinema Novo. O ciclo, que integra a programação Estação ABI, teve seqüência com os depoimentos de Alice Gonzaga, Diretora da Cinédia, de Luiz Carlos Barreto, maior produtor do cinema brasileiro, e Letícia Spiller, que impressionou os sócios e funcionários da ABI pela simplicidade: ela chegou e partiu sem nenhuma manifestação de estrelismo nem não-metoques – tinha o encanto despojado da Babalu que apaixonou milhões de espectadores no Brasil inteiro. Convidada a falar sobre o tema O ator no cinema nacional e sobre o trabalho de interpretação na televisão. Letícia começou por lembrar que se iniciou no

teatro ainda criança, ainda menininha. — Estreei quando estudava no Colégio Sagrado Coração de Maria. Depois, fiz um curso com o Roberto Bontempo. Também participei do programa da Xuxa, mas muito antes já demonstrava paixão pela interpretação. Profissionalmente, Letícia começou no teatro aos 17 anos, na época em que tinha aulas com Ítalo Rossi — com quem contracenaria em Per Gint, de Ibsen: — Mais tarde fiz a Oficina de Atores da Globo e entrei na novela Quatro por quatro. Já no cinema, estreei em O pulso, dirigido por José Pedro Goulart. Para Letícia, o cinema exige muito mais concentração: — É um processo muito mais trabalhoso, que exige dedicação total. Senti isso na pele quando fiz Villa-Lobos — Uma vida de paixão, de Zelito Viana, contracenando com Antônio Fagundes. Hoje, quando vejo o filme, penso que faria completamente diferente. Letícia sente que o problema do cinema brasileiro é que ele não se desenvolve: — Não temos capitais suficientes, não há investimentos maciços como no exterior. E para onde vai o dinheiro que é arrecadado através dos impostos? Sobre a experiência em Oriundi, em que contracenou com Anthony Quinn, relembra, emocionada: — Eu convivi intensamente com ele naquele período. Lembro-me de que o filho mais novo dele tinha a mesma idade do meu e tomávamos café da manhã juntos. Era um homem de grande imponência e considerava o cinema brasileiro amadorístico. Modesta, Letícia garante que jamais teve pretensão de fazer filmes em Hollywood: — Quero fazer filmes brasileiros, até mesmo para fomentar a nossa indústria cinematográfica.

Zelito Viana: O maior problema atual do cinema brasileiro é a hiperinflação dos orçamentos.

ZELITO VIANA

O tiro de Collor acertou a cultura

O cineasta Zelito Viana participou do projeto Estação ABI, falando sobre A Mapa Filmes e o cinema de autor. O encontro foi aberto pelo Diretor de Cultura e Lazer da ABI, Jesus Chediak, que disse ser aquele um momento especial e histórico para a Casa: — Estamos aqui com um dos fundadores do Cinema Novo. E a Mapa Filmes foi um ponto de convergência de encontros que redefiniu a forma de se fazer cinema. Este será também mais um depoimento para o Centro de Memória da ABI. Zelito Viana assinalou que o cinema brasileiro carece de políticas públicas permanentes e de apoio de autoridades e lembrou que na década de 60 poucos filmes foram produzidos: — Naquela época, o cinema era uma atividade mais potente e rentável. No entanto, desde então percebe-se um declínio no número de salas de exibição. Para Zelito, os franceses criaram o cinema e os norte-americanos, o público, pois foi a indústria de Hollywood que os levou ao domínio do mercado mundial na atividade: — O filme brasileiro ainda é marginalizado diante da produção mundial. Com a criação da Mapa Filmes, em 1965, porém, passamos a ter mais destaque internacional. Disse Zelito que a fundação da Mapa Filmes inaugura o Cinema Letícia Spiller, com o Diretor Jesus Chediak: Quero fazer filmes brasileiros e ajudar nosso cinema Novo, que teve destaque no ce-

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nário mundial, influenciou a forma de produção de filmes estrangeiros e ainda foi reconhecido por renomados cineastas, como Martin Scorsese: — O cinema de então não tinha subsídios e os atores trabalhavam por prazer, porque não havia salários. Zelito recordou que a década de 90 foi praticamente perdida para o nosso cinema, a partir da posse de Fernando Collor na Presidência da República: — Foi o pior período para o cinema brasileiro. O único tiro que o então Presidente queria dar contra a inflação acertou a cultura, com o fim da Embrafilme e da Funarte. Já a primeira década do século XXI, diz Zelito, é marcada pelos incentivos fiscais para as grandes obras: – O maior problema criado, porém, foi a hiperinflação dos orçamentos. Antes era possível fazer um filme de boa qualidade a baixo custo. Hoje, os custos mínimos para uma produção são de US$ 1 milhão. Se antigamente o cinema era popular, hoje ele se tornou produto de consumo das elites, que ainda assim preservam preconceito em relação às produções brasileiras, concluiu Zelito: — Até hoje consegui viver de cinema, apesar de todos os problemas. Mas a atividade ainda não se tornou profissão, porque não conseguimos manter uma constância nos trabalhos. É preciso criar uma política de subsídio à produção de filmes. O cinema leva apenas 1% da fatia dos incentivos fiscais e ainda não foi transformado em business.

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Jornal da ABI DIREITOS HUMANOS

Spray de pimenta na cara de servidores em greve De uso questionável numa sociedade democrática, o gás foi lançado contra profissionais da educação do Rio no plenário da Assembléia Legislativa do Estado, que inaugurou com seu corpo de segurança essa forma de repressão.

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ria ia começar. Por sofrer de problemas respiratórios, a professora desmaiou no momento em que usaram o spray de pimenta e acabou sendo pisoteada: — Sinto dores pelo corpo, mas só me lembro da hora em que acordei durante o atendimento no posto médico. Com 37 anos dedicados ao magistério, Leda disse nunca ter visto “tamanha truculência e violência”: — É um crime, inclusive, contra o Os professores e pessoal de apoio da educação foram alvo de repressão selvagem: a Professora Sonely Antunes (à dir., Estatuto do Idoso. ao alto) levou uma gravata de um segurança. A Professora Leda desmaiou com o spray de pimenta, caiu e foi pisoteada. Esses atos violenAloísio Neves, criou um clima de tenFlorinda Lombardi, ex-Presidente do tos são responsabilidade do Governo são que gerou todo o conflito. E o DeSepe-RJ, contou que quase se atracou Rosinha, que está deixando reviver os putado Sivuca (PSC) aplaudiu tudo. com o Presidente da Alerj, Deputado anos de chumbo. Hoje vi que a Alerj não Leda Teixeira, Diretora da Secretaria Jorge Picciani (PMDB), quando tentaé a Casa do Povo, porque seus dirigende Aposentados do Sepe-RJ, foi uma das va argumentar com ele a possibilidade tes podem até mesmo se tornar responvítimas. Ela disse que foi abordada por de permanência da audiência pública: sáveis por assassinatos. Em situações alguém da equipe de seguranças da — Ele pediu que saíssemos da Assemcomo esta é que percebemos que nós, Alerj, que a alertou de que a pancadabléia e, então, seu Chefe de Gabinete, eleitores, não somos respeitados.

FOTOS RODRIGO CAIXETA

Manifestantes do Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação–Sepe-RJ e outros servidores estaduais foram agredidos na tarde de 26 de abril por seguranças da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro após audiência pública convocada pelos Deputados Paulo Pinheiro (PPS) e Alice Tamborindeguy (PSDB), para discutir a greve no setor da educação estadual e o reajuste para o conjunto do funcionalismo. Um dos manifestantes, o Professor Antônio Almeida contou que a confusão começou quando o Deputado Paulo Pinheiro, que presidia a audiência, avisou que a sessão seria interrompida às 13h, para dar lugar a uma votação da Firjan: — Os seguranças pediram que desocupássemos o plenário, mas um grupo permaneceu lá dentro. Veio então uma ordem superior para que fôssemos removidos da sala e os agressores começaram a usar spray de pimenta. Almeida diz que nessa hora os professores já haviam feito um acordo para “saírem ordeiramente, de mãos dadas”: — Vários estudantes, senhoras e aposentados foram asfixiados pelo gás. Outros manifestantes foram retirados de forma violenta do plenário e arrastados para fora da Alerj. Três militantes chegaram a ser presos e só foram soltos depois que liberamos a passagem na Rua Primeiro de Março. A representante dos professores durante a audiência, Sonely Antunes, disse que os atos de violência foram iniciados no momento em que ela ia pedir ao grupo para se dirigir a outra sala e avisar que, após a audiência da Firjan, eles voltariam a discutir o problema da categoria: — Nesse momento, um dos seguranças agrediu o nosso fotógrafo e ainda teve a ousadia de dizer que este havia começado a confusão. Nessa hora, aliás, os microfones já haviam sido desligados para forçar a nossa saída e eu tentava avisar os professores em voz alta. Contou a Professora que levou uma gravata de um segurança e foi arrastada para o lado de fora da Alerj. Exibindo escoriações pelo corpo e os óculos quebrados, Sonely não se conformava com as agressões: – Não consigo entender o porquê de tanta violência. Viemos para cá a convite dos deputados e fazíamos um protesto pacífico.

– A repressão volta ao tempo da ditadura A pós os incidentes na Alerj, o Sepe-RJ emitiu esta declaração: “O Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação Sepe-RJ repudia com veemência a agressão aos profissionais da rede estadual, Uerj e Faetec, que provocou ferimentos em dez pessoas, durante manifestação nas dependências da Alerj no início da tarde de hoje. As categorias, que se encontram em greve por reajuste salarial, estavam participando de uma audiência pública, convocada pelo Deputado Paulo Pinheiro (PPS) para discutir as greves em todos os setores da educação estadual. Diante da postura do Presidente da Alerj, Deputado Jorge Picciani (PMDB), que, no meio da audiência, convocou o reitor da Uerj para uma reunião em seu gabinete no final do encontro, resolveram ocupar o plenário e reivindicar que a reunião fosse realizada com a presença de uma comissão representativa dos vários

segmentos do funcionalismo ali presentes. A ocupação foi realizada de forma pacífica e, enquanto os manifestantes negociavam com os deputados, o corpo de segurança da Assembléia, juntamente com policiais militares convocados pela direção da Casa, entrou em ação de forma violenta, agredindo arbitrariamente os manifestantes e disparando gás de pimenta indiscriminadamente sobre todos os presentes. Vários servidores ficaram feridos e foram submetidos a constrangimento e ameaças da parte dos seguranças da Alerj. A professora aposentada Leda Teixeira desmaiou depois que foi atacada pelas costas por um segurança, que a agrediu com um pontapé. Segundo relatos dos manifestantes e de deputados que participavam da negociação, a violência começou no momento em que os profissionais começavam a sair do plenário, já que a negociação se encontrava avançada. Já do lado de fora, os manifestantes voltaram a

sofrer agressões, desta vez por parte da Polícia Militar. Nesse novo ataque, o professor da rede estadual Umberto dos Santos foi o mais agredido pelos policiais e está com suspeita de fratura no braço. No total, dez manifestantes ficaram feridos no tumulto. Por entendermos que tal postura da segurança da Assembléia e da PM não condiz com a democracia e traz de volta mecanismos repressivos do tempo da ditadura militar contra o livre direito de manifestação, os profissionais de educação condenam a violência sofrida pelos militantes na tarde de hoje. A violência e arbitrariedade têm sido uma metodologia constante utilizada desde o início da gestão da Governadora Rosinha Matheus para reprimir as manifestações do funcionalismo. Não é a primeira vez que profissionais saem feridos durante manifestações, simplesmente porque estavam reivindicando os seus direitos.”

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Jornal da ABI DIREITOS HUMANOS

Justiça para Sônia Angel Mais de 30 anos após o seu assassinato, a Comissão Especial de Reparação reconhece que sua família tem direito a uma satisfação moral. Em sua reunião de abril, realizada no dia 27, a Comissão Especial de Reparação da Secretaria de Direitos Humanos do Estado do Rio de Janeiro fez justiça a Sônia Maria Lopes de Moraes Angel Jones, à Sônia Angel, mulher de Stuart Angel, assassinada em novembro de 1973 pela repressão da ditadura militar, aprovando a indenização de reparação moral requerida por sua família. Primeira das duas filhas do Professor João Luiz de Moraes, mais tarde lente do Colégio Militar, e da Professora Cléa Lopes de Moraes, nascida no Rio em 1925, Sônia passou a interessar-se por política em 1966, quando entrou para a Faculdade de Economia. Dois anos depois, em 1968, casou-se com Stuart Angel Jones, militante dos grupos de enfrentamento armado à ditadura militar, que também seria assassinado em 1971 durante sua prisão numa unidade da Aeronáutica sediada na Ilha do Governador e comandada pelo Brigadeiro Penido Burnier. Presa em maio de 1969, Sônia manteria uma trajetória de militância que culminaria com o seu assassinato sob torturas brutais. Conduzida ao exílio após a prisão, ela retornou clandestinamente ao Brasil, retomou a atividade política, chorou a morte de Stuart Angel e foi novamente presa. Foi o último drama de sua vida: em novembro de 1973, morreu sob tortura. Como aconteceu com outros combatentes, o corpo de Sônia Angel nunca foi devolvido à sua família. Seus pais travaram uma obstinada procura durante anos, enterraram vários corpos dados como se fossem o dela, até que finalmente puderam realizar o quinto e derradeiro enterro: um laudo emitido pelo perito Badan Palhares, da Universidade de Campinas, atestou que eram dela os ossos descobertos durante a escavação de um dos muitos cemitérios clandestinos onde a repressão lançou suas vítimas, sem nomes. A vida e o fim trágico de Sônia Angel foram relatados em dois documentos impressionantes: um livro de autoria do jornalista Aziz Ahmed, com a colaboração do Professor João Luiz de Moraes, e o vídeo Sônia Morta e Viva. A convite do Jornal da ABI,Aziz Ahmed, que é membro do Conselho Deliberativo da ABI, escreveu o texto que publicamos a seguir em que ele descreve a história do livro O calvário de Sônia Angel,cuja cirulação.foi proibida pela Justiça, atendendo ao pleiteado em ação judicial pelo Brigadeiro Burnier.

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A mãe de Sônia Angel, Professora Cléa Lopes de Moraes, foi uma das fundadoras do Grupo Tortura Nunca Mais do Rio e desenvolveu uma ação incansável de identificação das vítimas da ditadura e de apoio às suas famílias. Ela manteve essa atuação mesmo após a morte do Professor João Luiz de Moraes e só se retraiu em atividades recentemente, em razão de problemas de saúde decorrentes da idade. Em 31 de março passado, a Professora Cléa Moraes foi uma das personalidades distinguidas com a 18ª. Medalha Chico Mendes de Resistência. Além do processo relativo a Sônia Angel, a Comissão Especial de Reparação aprovou outros 18 pedidos de pagamento da indenização de reparação moral instituída pela Lei nº 3.744, de 21 de dezembro de 2001, e indeferiu três dos processos apreciados. Nesta página, a lista de processos.

PROCESSOS APRECIADOS DEFERIDOS Adail Ivan de Lemos Adilson Miguel de Castro Anita de Moraes Slade Ercílio Fernandes de Lima Iraci Rodrigues de Andrade (Falecido) Ivan Valente José Lazarini José Novaes José Roman (Falecido) Laércio Alves da Silva (Falecido) Laurindo Santiago da Silva (Falecido) Margarida Barbosa de Lucena Mário Fagundes Melquiades da Silveira Couto Pedro Guimarães Filho Rui Cardoso de Abreu Xavier Solange Albernaz de Mello Bastos Sonia Maria de Moraes Angel Jones (Falecida) Zenaide Machado de Oliveira INDEFERIDOS Felix Augusto de Athayde José Francisco da Silva Serge Michfi Sevin (Recurso)

Um artigo de Aziz Ahmed

Descanse em paz Um dia, o Professor João Luiz de Moraes convidou-me para um almoço e convocou-me para uma missão: contar o calvário da filha, Sonia Maria de Moraes Angel Jones, que classificamos de “uma história de terror nos porões da ditadura”. Foi no início de 1994. Ele queria que o livro saísse às vésperas das possíveis comemorações dos 30 anos daquilo que os senhores do poder chamavam de “Revolução Democrática”, que se completariam no cabalístico dia 1º de abril daquele ano. O livro foi lançado, esvaziou a festa e atingiu o objetivo de começar a resgatar a história. Verdadeira cara-pintada dos anos rebeldes, Sônia nasceu em Santiago do Boqueirão, no Rio Grande do Sul, onde o pai, então coronel do Exército, prestava serviço, no dia 9 de novembro de 1946. Teve apenas cinco anos de atividades político-revolucionárias, entre 1968 e 1973, alguns dos quais engajada na resistência armada ao regime militar, à qual se incorporou, em princípio, com o marido, Stuart Edgar Angel Jones, filho da estilista Zuzu Angel. Viveu apenas até os 27 anos de idade. No final do ano de 1973, com o seu então companheiro Antônio Carlos Bicalho Lana, o Matheus, foi presa num ônibus quando viajava entre São Vicente e Santos, em São Paulo. A partir daí, sofreu os horrores da tortura até à morte. A versão oficial, porém, dizia que morrera em conseqüência de tiroteio com tropas de segurança na Avenida de Pinedo, no bairro paulistano de Santo Amaro. A família passou anos numa empreitada tão difícil quanto dolorosa: procurar o corpo de Sônia, para que tivesse um sepultamento cristão. Foram feitos um enterro equivocado e seis exumações, algumas em cemitérios clandestinos da repressão militar, até ser achada a metade de uma ossada que a perícia comprovou ser a dela. A história real que me foi descrita pelo casal João Luiz e Cléa Moraes, a mãe extraordinária e abnegada, confunde amor e ódio, coragem e medo, obstinação e renúncia, inconformismo e resignação. De sua militância, pode-se resumir que, integrante do Movimento Revolucionário 8 de Outubro (MR-8), Sonia foi presa no dia 1 de maio de 1969 na Praça Tiradentes, Centro do Rio. Após quatro meses na cadeia, julgada e absolvida pela Justiça Militar, foi con-

denada pela justiça paralela que vicejava nos subterrâneos do regime implantado no Brasil a partir de 1964. Perseguida pelo “sistema”, acabou expulsa do último ano da Faculdade Nacional de Economia e empurrada para a clandestinidade. Ajudada pela família, passou um ano e meio em Paris, onde trabalhou na Escola de Línguas Berlitz, ensinando Português, no mesmo tempo em que freqüentava o curso de Economia da Universidade de Vincennes, na França. Depois, ficou um período em Santiago do Chile, onde soube da morte do marido Stuart, submetido a flagelos físicos, segundo testemunhas, no pátio de um quartel da Aeronáutica, em 1971: teria sido forçado a aspirar gases tóxicos expedidos pelo cano de descarga de uma viatura militar em funcionamento. Quando soube da morte do marido, resolveu retornar ao Brasil, no início de 1973, já em outro movimento armado, a Ação Libertadora Nacional (ALN), sabendo que estava marcada para morrer. Devido às circunstâncias daqueles tempos sombrios, são escassas as informações de Sônia nesse período de militância. Dos cinco anos, três foram de exílio, em Paris e Santiago. Os outros dois de confinamento na clandestinidade, marcados por dificuldades e insegurança. Segundo relato dos pais João Luiz e Cléa, eram poucos os contatos da filha não apenas com parentes, mas até mesmo com companheiros de ideal e de luta. Embora morta em fins de 1973, os restos de Sônia Angel só tiveram um sepultamento cristão quando terminou a via-crucis dos pais para localizá-los, 18 anos após a sua morte. Afinal, numa tarde chuvosa e triste de 12 de agosto de 1991, ao enterrar a filha no Lote 18.874 do Cemitério Jardim da Saudade, o pai, João Luiz de Moraes, despediu-se com as seguintes palavras: “Soninha. Este é o ato final do teu sepultamento. Recebes, finalmente, a sepultura imposta pela tradição cristã. Uma sepultura simples e despojada, como simples e despojada foi a tua curta vida. Aqui estaremos sempre, lembrando de ti, trazendo uma flor como reconhecimento à filha, à esposa, à companheira e à guerrilheira que, procurando transformar o Brasil de modo a diminuir as carências de seu povo, entregou seu corpo, sua alma e seu sangue generoso à sanha dos canalhas que comandaram este país a partir de 1964. Descanse em paz, Sônia Maria.”

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Jornal da ABI DIREITOS HUMANOS

Uma nova classe de excluídos (e ignorados): os atingidos por barragens Mais de 1 milhão de famílias foram expulsas de suas terras para a construção de hidrelétricas por empreiteiras que não indenizam ninguém. Em reunião especial realizada no Rio, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana ouviu minucioso relatório sobre uma grave questão que afeta milhões de brasileiros e é ignorada pelo conjunto da sociedade por aparecer raramente no noticiário dos meios de comunicação: os atingidos pelas obras de construção de barragens de usinas hidrelétricas, que são expulsas de suas terras e têm suas vidas dilaceradas. Levantamentos do Movimento dos Atingidos por Barragens indicam que 70% do total de mais de um milhão de famílias atingidas por esse desterramento não recebem qualquer indenização. A reunião do Conselho foi deslocada de Brasília para o Rio a fim de permitir que seus integrantes participassem, em Nova Iguaçu, do ato em homena-

O Movimento dos Atingidos por Barragens edita publicações em que denuncia seu desterramento.

gem às vítimas da chamada Chacina da Baixada, no qual 29 pessoas foram fuziladas por soldados da Polícia Militar. Na data da reunião, 31 de março, completava-se o primeiro aniversário da chacina. Após presidir a reunião, na Assembléia Legislativa do Estado, o Presidente do Conselho e Secretário Especial de Direitos Humanos da Presidência da República, Paulo Vanucchi, elevado à condição de ministro pelo Presidente Lula, seguiu com membros do Conselho para Nova Iguaçu, onde participou do ato convocado por instituições da sociedade civil. Da reunião na Assembléia participaram o representante permanente da ABI no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, Silvestre Gorgulho, e o Presidente da Casa, Maurício Azêdo.

“Ou você assina ou te dou um tiro na cara” No relatório entregue a Hina Jilani (ver página 29), o Movimento dos Atingidos por Barragens e a Federação de Órgãos para Assistência Social e Saúde-Fase denunciam as intimidações sofridas pela população que ocupava a região da usina hidrelétrica de Campos Novos, em Santa Catarina. Revela o relatório que a empresa responsável pela construção da usina se nega a pagar uma indenização justa às quase 750 famílias desalojadas, compostas em sua maioria por pequenos produtores e trabalhadores rurais. Ainda de acordo com o relatório, cerca de 300 famílias montaram acampamento ao lado do canteiro de obras; quando reivindicam seus direitos, são tratados como “ameaça à segurança nacional”. Mais de cem pessoas respondem a processo por resistir à construção de usinas, além de 39 ações em que algumas delas são acusadas, entre outras coisas, por formação de quadrilha e invasão de “áreas de segurança nacional”. A seguir trechos do relato de alguns dos atingidos:

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Anildo Hilário Salmória (in memoriam) Caso narrado pelo filho “Hilário Salmória, proprietário de terra atingida pela construção da usina hidrelétrica de Campos Novos, diz que sua família inteira foi criada no lugar, onde construíram relações de amizade com a comunidade. Alguns de seus filhos, mesmo depois de casados, permaneceram morando perto do rio, na área que agora é atingida. Com a construção da barragem e a perspectiva de alagamento, Hilário foi pressionado a fazer o acerto de indenização com a empresa Campos Novos Energia S/A. A empresa o pressionou para que fizesse o acerto, ameaçando prender um de seus filhos. Por isso, Hilário pediu que os filhos fizessem o acerto. Dois dias após o acordo, Hilário entrou em depressão profunda e teve que ser internado no Hospital de Anita Garibaldi, onde permaneceu 30 dias. Durante esses dias, sua família teve que sair da terra, que já era da empresa. (...) Após o acerto final da família com a empresa, ainda ficaram pedaços de terra sem acordo, os quais já foram alagados. A empresa nega o pagamento.” Gilberto Antunes Basílio “Gilberto morou e trabalhou aproximadamente 20 anos na área atingida. Era arrendatário da terra, de onde tirava seu sustento. Com a construção da usina, o proprietário da terra onde ele trabalhava a vendeu, sem comunicar-lhe, apenas informando-o de que a empresa acertaria com ele posteriormente. Houve exibição de armas de fogo na tentativa de intimidá-lo para que saísse sem acertar seus direitos. (...) Em meados de março de 2005, Gilberto saiu de casa para ir à cidade fazer compras; na volta, deparou-se com a casa queimada com todos os bens que lhe pertenciam, além dos produtos da safra. Ele continua sem respostas da empresa.” Maria Sutil Monteiro “Maria tinha direito ao reassentamento e um representante da empresa ECSA Engenharia Socioambiental foi à sua casa oferecer uma indenização de R$ 17 mil. Ao se negar a dar a quitação porque optava pelo reassentamento, Maria foi ameaçada de morte pelo representante, que lhe disse: ‘Ou você assina isso ou te dou um tiro na cara, sua velha, para parar de encher o saco’.”

100 mil famílias sob ameaça Criado no início dos anos 70, aos poucos o Movimento dos Atingidos por Barragens ganhou dimensão nacional. Sua história é marcada por lutas para garantir os direitos das vítimas de construções de usinas hidrelétricas, entre elas camponeses, pequenos agricultores, sem-terra, índios, pescadores, ribeirinhos, quilombolas e mineradores. De acordo com estatísticas do Movimento, são mais de 1 milhão de pessoas expulsas de suas terras, “de forma ditatorial”, para a construção de barragens; de cada cem famílias atingidas, 70 têm seus direitos negados pelas empresas construtoras; nos próximos três anos, cerca de 100 mil famílias estão ameaçadas pelo interesse de empresas transnacionais. O Mab tem representações regionais em 15 Estados. Entre seus objetivos está a criação de um Projeto Popular para o Brasil, baseado nos valores e princípios do Movimento, que defende também a construção de um novo modelo energético alternativo e popular, comprometido com a preservação dos recursos naturais. Informações disponíveis no site do Mab (www.mabnacional.org.br) revelam que foi a construção das usinas hidrelétricas de Sobradinho, Itaparica, Itaipu, Itá e Machadinho e Tucuruí que levou à fundação do Movimento. Ainda de acordo com o site, estas obras — que desalojaram centenas de milhares de pessoas — apresentam até hoje problemas sociais e ambientais pendentes de solução. Desde o III Congresso Nacional promovido pelo Mab, em 1996, o movimento vem lutando por uma política energética que assegure a participação popular no planejamento, decisão e execução das construções de usinas, priorizando questões sociais e ambientais, além de corrigir as distorções existentes no setor elétrico e acabar com desperdícios na transmissão, execução e consumo de energia, bem como eliminar os subsídios aos grandes consumidores. O Mab defende ainda que se invista na busca de novas fontes de energia, como a solar e a eólica.

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Jornal da ABI CONFRATERNIZAÇÃO Radicados em diferentes pontos do País, os antigos alunos da Universidade Patrice Lumumba decidiram reencontrar-se depois de muito tempo de formados. Ilma Martins da Silva saiu do Espírito Santo para estudar lá Filologia e Jornalismo.

UMA CARTA A KOFI ANNAN De acordo com o texto de carta apresentada aos participantes da reunião do Conselho, os casos de violação dos direitos humanos durante a construção de barragens hidrelétricas na Bacia do Rio Uruguai elevaram para mais de 1 milhão o número de famílias já prejudicadas em todo o Brasil por esse tipo de empreendimento. A carta denuncia que 70% dessas pessoas nunca receberam qualquer tipo de indenização. No encontro, foi entregue a Hina Jilani, representante especial do Secretário-Geral da ONU, Kofi Annan, um relatório em que são apontadas denúncias de cumplicidade e participação de órgãos do Poder Público na repressão à população atingida por barragens, para forçar a aceitação de indenizações irrisórias ou para impedir manifestações pacíficas por reivindicação de direitos. Em documento dirigido ao CDDPH, integrantes do Movimento dos Atingidos por Barragens-Mab pedem que seja criada uma comissão especial para investigar as denúncias e visitar as regiões atingidas. Solicitam também que se estude o aperfeiçoamento da legislação, de modo a assegurar a proteção dos direitos humanos e reparar os danos sofridos pelas famílias. O documento pede ainda a promoção de entendimentos entre autoridades judiciais, policiais e do Ministério Público, para que as liberdades de expressão e manifestação sejam respeitadas, o que não acontece atualmente. No mesmo documento, os representantes do Mab pedem rigor na apuração da violência cometida pela Polícia Militar de Santa Catarina, em 15 de fevereiro deste ano, contra uma manifestação pacífica em Anita Garibaldi, na qual foram presos militantes do Movimento, por ordem do advogado Luciano de Maria, da empresa Baesa, responsável pela construção da barragem de Barra Grande sobre o Rio Pelotas. Eles também querem a responsabilização dos policiais agressores e de Luciano pela conduta antiética diante do Judiciário. Foi pedido ainda ao CDDPH que interceda junto à Secretaria de Segurança Pública de Santa Catarina e ao Comando da Polícia Militar do Estado para que seus membros e oficiais se adeqüem aos padrões éticos e de respeito aos direitos civis e políticos da sociedade, a fim de não repetir ações truculentas contra os movimentos sociais. O documento recomenda que órgãos ambientais como o Ibama, a Fundação do Meio Ambiente de Santa Catarina-Fatma e a Fundação Estadual de Proteção Ambiental do Rio Grande do Sul-Fepam exijam o cumprimento das condicionantes da Licença Ambiental de Operação concedida à Baesa, para atuação na Bacia do Rio Uruguai.

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Ai que saudades da Patrice Lumumba Estudantes brasileiros da famosa universidade da antiga União Soviética reúnem-se pela quarta vez para relembrar os tempos acadêmicos. Cheios de saudade e de cabelos brancos, mas com o viço das boas lembranças que até hoje carregam, ex-estudantes brasileiros da antiga Universidade da Amizade entre os Povos Patrice Lumumba, de Moscou, reuniram-se pela quarta vez, desta feita na cidade de São Pedro, no interior de São Paulo, para uma confraternização em que relembraram os tempos acadêmicos, a vida que levavam na antiga União Soviética e o que lhes sucedeu depois que se formaram e voltaram para o Brasil. Entre os participantes do IV Encontro, no fim de abril, estava a jornalista Ilma Martins da Silva, sócia da ABI e ex-aluna dos cursos de Filologia e Jornalismo da Universidade, criada pelos soviéticos para promover a aproximação entre os povos do Terceiro Mundo e assegurar a possibilidade de formação em nível superior de

jovens das classes populares. A Universidade da Amizade entre os Povos recebeu esse nome em homenagem ao líder africano Patrice Lumumba, que dirigiu a luta do antigo Congo Belga para se libertar da opressão colonial e foi assassinado por mercenários belgas em 1961, após a declaração da independência do país, hoje denominado República Democrática do Congo. Ilma conta que a Universidade Patrice Lumumba tinha como objetivo congregar povos do Terceiro Mundo: — Era uma babel, mas formávamos uma grande família. E o grupo brasileiro costuma se encontrar para preservar as relações de amizade e companheirismo estabelecidas nos corredores e salas de aulas naquele tempo. Hoje rebatizada de Universidade da Amizade entre os Povos da Rússia, a instituição abrigou, na década de 60, cerca de 120 alunos brasileiros, aos quais foram

concedidas bolsas de estudo integrais, que custeavam o transporte, o curso e a moradia. Em 1961, Ilma Martins era secretária e redatora do jornal Folha Capixaba, jornal do Partido Comunista Brasileiro–PCB. — Pouco a pouco fui me interessando pela idéia de ir para a Rússia. Na época, eu estudava Contabilidade. Ainda assim, reuni o material necessário para concorrer à bolsa e enviei. Depois de muito tempo, quando já nem esperava ser convocada, recebi um telegrama na redação do jornal, com a resposta positiva e a data de embarque. Eufórica, Ilma espalhou a notícia para os amigos e parentes. Em casa, porém, a reação não foi muito boa: — Minha mãe ficou muito preocupada. Afinal de contas, ir para a Rússia na época da Guerra Fria não era uma idéia agradável. Mas ela não se opôs. Ilma embarcou para a União Soviética com um grupo de 15 brasileiros, ainda sem saber ao certo que carreira escolheria. — Tinha mil coisas na cabeça. Pensava em Engenharia, História, mas decidi pela faculdade de Humanidades. Cursei Filologia e fui a única a fazer Jornalismo. E cheguei a estagiar em alguns veículos russos. Isso sem contar que os estudantes daquele período tinham intensa participação nos eventos culturais da universidade. Assim, participei de um coral, dancei e me apresentei em programas de televisão, entre outras atividades. O próximo encontro do grupo será no Rio Grande do Sul, em cidade ainda a ser escolhida.

DEBATE

Congresso ambiental põe a mídia na berlinda O papel da mídia na construção de sociedades sustentáveis foi muito discutido e criticado no V Congresso Ibero-Americano de Educação Ambiental não só pela maneira como a grande mídia trata o tema, mas também pela falta de formação de seus profissionais. No grupo de trabalho de comunicação — do qual participou a representante da ABI, Zilda Ferreira —, o debate girou em torno de como mapear e implementar ações de comunicação associadas à educação ambiental e apoiar a elaboração de políticas públicas de educomunicação. Zilda Ferreira propôs o fortalecimento das rádios comunitárias e participantes da mesa a apoi-

aram com veemência. Durante o Congresso, realizado em Joinville, Santa Catarina, de 5 a 8 de abril, foram lançados o Sistema Brasileiro sobre Educação Ambiental (Sibea) e o Canal de Educação Ambiental pela Internet EA.NET (www.canal-ea.net). O Coordenador do Congresso, Marcos Sorrentino, Diretor de Educação Ambiental do Ministério do Meio Ambiente, disse que um relatório final sobre as conclusões do encontro será encaminhado aos países participantes. A Coordenadora-Geral de Educação Ambiental do Ministério da Educação, Rachel Trajber, disse que a educação ambiental deve ser pensada a partir do

meio ambiente e afirmou que o maior desafio é a formação de professores. A próxima edição do Congresso Ibero-Americano acontece na Argentina, em 2009. Mais informações estão disponíveis em www.5iberoea.org.br. Prêmio Durante o Congresso foi lançado o 5º Prêmio Docol/Ministério do Meio Ambiente de Jornalismo, cujo tema é Gestão dos recursos hídricos. Podem ser inscritas reportagens veiculadas entre 1º de dezembro de 2004 e 30 de novembro de 2006. Outras informações estão à disposição em www.mma.gov.br ou www.docol.com.br.

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Jornal da ABI VIDAS FOTOS: ACERVO DA FAMÍLIA VILANOVA

Após cassado, Fabiano sobreviveu como consultor de empresas, como a do metrô do Rio. Membro do PMDB, lutou com Mário Saladini pela candidatura Ulisses.

Um trator chamado Fabiano Em determinação, coragem e capacidade de fazer Fabiano Vilanova Machado era um trator, alguém que, como esses equipamentos, não se detinha diante de obstáculos menores, de qualquer origem. A imagem corresponde à sua compleição física: alto, forte – gordo, queixava-se nos últimos anos —, não enjeitava parada, mesmo nas situações mais adversas. No epísódio da morte do estudante Edíson Luiz de Lima Souto, assassinado pela repressão em março de 1968, foi Fabiano, então deputado estadual, quem comandou, ao lado de outros parlamentares dotados da mesma coragem, como Jamil Haddad e Alberto Rajão, a luta travada internamente na Assembléia Legislativa do antigo Estado da Guanabara para que as portas da Casa se abrissem para acolher o esquife do jovem morto, carregado em prantos, desde o antigo Restaurante do Calabouço, pelos companheiros que assistiram ao seu sacrifício. Fabiano, Jamil e Rajão sabiam os riscos que corriam e o poder que desafiavam, mas não recuaram na disposição de fazer da morte de Édison Luiz, como se fez, um vigoroso ato de resistência à ditadura. Foi da Assembléia, instalada no Palácio Pedro Ernesto, sede da atual Câmara Municipal do Rio de Janeiro, na Praça Floriano, Cinelândia, que saiu o enterro de Édison, acompanhado por multidão que caminhou até ao Cemitério São João Batista, em Botafogo, chorando e bradando: Mataram um estudante. E se fosse um filho seu? O aguerrimento de Fabiano não surpreendia os companheiros que testemu-

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nharam seu desempenho como repórter sindical do Diário Carioca, para o qual, ao lado do jornalista Mário Ribeiro, especialista do setor e então seu chefe direto, cobriu as tempestuosas assembléias sindicais do fim dos anos 50 e primeiros anos da década de 60. Nessas coberturas Fabiano temperou o seu ânimo de lutador e aperfeiçoou sua competência profissional, que o levou aos principais veículos do Rio e São Paulo: Tribuna da Imprensa, Última Hora, Correio da Manhã, Jornal do Commercio, O Estado de S. Paulo, editoras Bloch e Abril. Na Tribuna Fabiano manteve entre 1962 e 1964 a coluna Militares & Adjacências, na qual deixava visível seu alinhamento com os militares leais ao Governo João Goulart, o que o colocou na lista dos inimigos do regime implantado a partir de lº de abril de 1964. Fabiano foi eleito para a Assembléia Legislativa da Guanabara em 1966,como natural decorrência da sua atuação como repórter político que acompanhava a vida interna do PMDB. Como o ditador Castelo Branco cassara os líderes políti-

Fabiano e Nelson Lemos (com as esposas): eles foram companheiros na Sucursal Rio do Estadão.

cos de militância tradicional no Estado, ele e outros jornalistas, como o próprio Alberto Rajão. Hermano Alves e Márcio Moreira Alves, terminaram por inscrever-se no partido e se lançaram candidatos, com êxito: Fabiano e Rajão para a Assembléia, Hermano e Márcio para a Câmara dos Deputados. Todos, assim como Jamil, tiveram o mesmo destino: após o Ato Institucional nº 5, tiveram seus mandatos cassados e perderam os direitos políticos por dez anos. Como cassados, Fabiano e Rajão tiveram dificuldades de se reintegrar no mercado de trabalho da imprensa; no máximo, conseguiram trabalhar como freelancers,

sem assinatura da carteira de trabalho. Fabiano nunca se dobrou à adversidade: passou a fazer consultoria de imprensa, enveredou pela área do turismo – enfim, lutou brava e duramente para sobreviver. Nisso contou com a solidariedade de companheiros fraternais, como Mário Cunha, que conseguiu mantê-lo como freelancer na Sucursal Rio de O Estado de S. Paulo, de que Mário era Secretário. Fabiano era carioca da Tijuca, onde nasceu em 1936. Em 1 de abril foi finalmente vencido por um câncer a que resistiu durante dois anos. Deixou viúva, dois filhos e três netos. (Mauricio Azêdo)

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Jornal da ABI VIDAS AGÊNCIA GLOBO

Telê: elegante no campo e fora dele

Telê projetou-se como jogador do Fluminense, campeão em 1951. No Rio, treinou o Flamengo.

A ABI expressou o seu pesar pelo falecimento, no dia 21 de abril, do técnico Telê Santana, que foi apontado pela Casa como um profissional de futebol que marcou a sua atividade pelo respeito ao pessoal de imprensa, embora esse relacionamento fosse afetado em alguns momentos por um ou outro incidente. “Telê Santana, doente há alguns anos, já havia passado à história do nosso futebol como responsável por duas das mais refinadas seleções de futebol do Brasil, a de 1982, na Espanha, e a de 1986, na Itália”, disse a ABI em declaração divulgada após o passamento do treinador. O jornalista Manolo Epelbaum, membro do Conselho Deliberativo da ABI, que cobriu a Copa da Espanha para o jornal Clarín, de Buenos Aires, contou que assistiu no dia 3 de julho de 1982, após a derrota do Brasil por 3 a 2 para a Itália, à mais consagradora homenagem a um técnico de futebol. “Após o jogo – lembrou Manolo –, Telê foi festejado na entrevista obrigatória programada pela Fifa com uma ovação de mais de 300 jornalistas do mundo inteiro, que o receberam de pé com uma prolongada salva de palmas.

Eu já tinha visto homenagens dos jornalistas a técnico vencedor de uma partida, mas naquele dia pela primeira vez vi a consagração de um técnico cuja equipe saíra derrotada do campo.” A ABI destacou o currículo vitorioso de Telê Santana, que levou o São Paulo Futebol Clube ao bicampeonato mundial de futebol, iniciando a trajetória que levaria a equipe paulista à posição de liderança que ocupa atualmente no ranking do futebol brasileiro. “Telê era um grande desportista, que não admitia que seus jogadores procurassem superar as equipes adversárias através da violência das faltas antijogo”, salientou a ABI. Manolo Epelbaum disse que uma vez viu insatisfação de Telê diante do tratamento que suas equipes recebiam da imprensa. “Foi na preparação da Seleção Brasileira para aquela Copa de 1982, em que, com ironia, o jornalista e ator Jô Soares repetia em seu programa de entrevistas o refrão “Bota ponta, Telê! Bota ponta!” Aquele mote – lembrou Manolo – incomodava Telê, que montou um time da forma que considerou mais eficiente e não guardou mágoa do Jô.”

A ABI perde Jorge Vianna, seu servidor mais antigo A ABI perdeu no dia no dia 11 de abril seu funcionário mais antigo, Jorge Vianna Bastos, que morreu aos 74 anos. Ele ingressou na Casa em 16 de fevereiro de 1947, aos 14 anos, na função de mensageiro. Na ABI, onde também foi auxiliar administrativo, Jorge era o responsável pelo Salão de Estar do 11º andar, função para a qual foi designado em 2 de mio de 1969 pelo então Presidente Danton Jobim. Muito querido pelos colegas de trabalho e associados e por vários ex-Presidentes da Casa, como Herbert Moses e Barbosa Lima Sobrinho, Jorge Vianna Bastos era torcedor apaixonado do Vasco. Em 93, aposentou-se por tempo de serviço, mas continuou exercendo a administração da Sala Gastão Pereira da Silva porque não conseguia abandonar o convívio com os muitos amigos que cultivou nos 59 anos de bons serviços prestados à ABI. Ao comentar a morte de Jorge Vianna o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, lembrou: — Ele estava sempre com um sorriso nos lábios e uma história boa para contar exaltando uma pessoa ou um fato, sem nunca expressar desânimo ou depreciação pelas pessoas e pelas coisas. Enchia o peito de orgulho quando alguém cumprimentava um feito ou uma

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Vascaíno apaixonado, Jorge Vianna foi homenageado pelo cartunista Adail: o desenho decorava seu posto de trabalho.

conquista do Vasco, a tal ponto que se permitia celebrar com imagens e documentos relativos ao clube de coração seu

espaço de trabalho na ABI. Maurício Azêdo ressaltou também a dedicação de Jorge à Associação: — A

ABI era o outro objeto de seu carinho e de sua paixão e à qual ele serviu durante 59 anos. Infelizmente o destino nos privou da possibilidade de homenageá-lo em 16 de fevereiro de 2007, quando completaria exatos 60 anos de dedicação à ABI. Para Alfredo Duarte, além de um grande amigo, Jorge Vianna Bastos era uma figura muito distinta: — Era um ser humano por quem eu nutria uma grande admiração e que enchia de bondade e simpatia a nossa Praça Onze (referindo-se ao Salão de Estar no 11º andar). Herbert Moses e Barbosa Lima Sobrinho gostavam muito dele, é uma pena que tenha nos deixado. A jornalista Anete Cláudia também lamentou a perda: — É difícil encontrar palavras para falar da pessoa humana que ele foi para nós da ABI. Era uma pessoa muito solidária, e sei do seu valor como marido, pai e amigo. Mas realmente tenho dificuldade de achar palavras para falar de Jorge Vianna. Também jornalista, Augusto Bandeira tinha em Jorge um grande amigo: — Ele era uma pessoa afável e muito atencioso com os sócios. Além disso, foi um funcionário exemplar, que eu conheci desde garoto e com quem convivi por mais de 40 anos.

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Jornal da ABI DATA Por José Reinaldo Marques

P

or ofício, o jornalista é aquele profissional que vive da pesquisa e uma das principais características da função é transmitir com firmeza e precisão os principais fatos e acontecimentos de interesse público. Outro fator importante que ajuda muito no desenvolvimento da profissão é prestar atenção a datas e comemorações, que podem render pautas interessantes e enriquecer o noticiário. A Federação Nacional dos Jornalistas-Fenaj, estima que há no Brasil 100 mil registros de jornalistas, dos quais 60% correspondentes a profissionais em atividade. Destes, dois terços são sindicalizados. Agora, quantos sabem que foi instituída uma data para comemorar o exercício da profissão? E quantos sabem que 7 de abril é o Dia Nacional do Jornalista? Difícil dizer. O fato de 7 de abril ser o dia da fundação da ABI pelo jornalista Gustavo de Lacerda, em 1908, é um dos principais motivos para a comemoração do Dia Nacional do Jornalista nesta data. As fontes consultadas, porém, desconhecem quando e exatamente por que a data foi instituída. Há um regis-

João Antônio Barros acredita que o profissional de imprensa é mais focado nas causas alheias: — O melhor da profissão é saber que o nosso trabalho pode trazer benefícios para a população de maneira geral. Algumas vezes uma matéria acaba ajudando pessoas que você não conhece e nunca vai conhecer, mas isso não importa. Eu mesmo já recebi diversos telefonemas de cidadãos agradecidos. Para a repórter Simone Lamin, do Sistema Globo de Rádio, 7 de abril era o Dia Nacional da Saúde: — Não sabia que havia uma data para lembrar o jornalista. Acho que isso acontece por total falta de divulgação. Caberia às próprias entidades de classe esse papel de enviar comunicados às redações parabenizando os profissionais pela data, divulgando e promovendo eventos. Aí, sim, de alguma forma esse dia seria sempre bem lembrado. Na opinião de Bruno Agostini, editor de Turismo do Jornal do Brasil, o Dia Nacional do Jornalista seria mais lembrado se a classe fosse mais unida: — Sei que existe o Dia do Repórter (16 de fevereiro), mas não sabia que há uma data especí-

) e s a u (q

Um dia ignorado tro de que tenha sido em razão da Lei fica para o jornalista. Acho que a pounº 1.867, de 21 de outubro de 1970, mas ca representatividade sindical da cateninguém confirma. Atualmente, o que goria e a desunião dos profissionais é há de oficial é que está tramitando no um dos principais motivos para esse Congresso o Projeto de Lei 5.015/2005, esquecimento. Saímos para tomar chodo Deputado Fernando Ferro (PT-PE), pe, mas não somos muito unidos. já aprovado na Comissão de Educação, Antônio Werneck, repórter especipor indicação do relator, Deputado al de O Globo, só não esquece porque Irapuan Teixeira (PL-SP). No fim do ano a mãe não deixa: — Sei que 7 de abril passado, o projeto foi para a Comissão é Dia do Jornalista porque a minha mãe de Constituição e Justiça, que ainda não me lembra. Ela é ouvinte assídua desdesignou relator para a proposta. ses programas de rádio que diariamenMesmo sem ter sido ainda referente veiculam efemérides. Aí ela me liga, dado no calendário oficial brasileiro, o às vezes com uma semana de antecedia 7 de abril vem sendo comemorado dência. Por isso eu não me esqueço do pelas entidades representativas da clasDia do Repórter, da Imprensa... E como se jornalística. Além de atender ao desou casado com uma médica, do Dia sejo da categoria, a escolha, diz o Dedo Médico, que ela também não me putado Fernando Ferro, “é motivada deixa esquecer. João Antônio Barros (1º à esq.) acha que os jornalistas ignoram seu dia porque só pensam pelo fato de que, nessa data, comemoWerneck acha que pesa sobre o pronos outros, opinião também de Antônio Werneck (ao centro). Bruno Agostini faz uma ra-se o aniversário de fundação da As- avaliação autocrítica: O Dia Nacional do Jornalista seria mais lembrado se a categoria fosse fissional de imprensa um excesso de mais unida. “Saímos para tomar chope, mas não somos muito unidos”, diz ele. sociação Brasileira de Imprensa”: “com datas que ele é obrigado a recordar: quase um século de atuação em favor — A quantidade de informação que — Não sabia que 7 de abril é Dia do Jornalista. não só das liberdades de imprensa, de opinião e circula hoje em dia numa redação é muito grande. E acho que a maioria dos colegas desconhece que de expressão, mas de todas as demais liberdades Por causa do factual, somos obrigados a guarhá uma data para comemorar a profissão. Provademocráticas, a História da ABI se confunde com dar datas de crimes importantes e fatos polítivelmente porque nós dificilmente legislamos em a História da política nacional”, escreveu o parcos como o primeiro aniversário da crise do causa própria, não gostamos nem de usar os colamentar na sua justificativa. mensalão etc. Essas datas acabam tendo um peso legas como personagens em nossas matérias e com Sobre a falta de conhecimento dos colegas somaior na nossa memória e, de certa forma, faisso acabamos nos afastando das nossas própribre a data, João Antônio Barros, chefe de Reporzem que esqueçamos a data que diz respeito a as celebrações. tagem de O Dia, confessa: nós mesmos.

É impreciso o ato legal que instituiu como Dia do Jornalista o 7 de abril, dia em que Gustavo de Lacerda (ao alto) fundou a ABI

AJB

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O DIA


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