ARMANDO NOGUEIRA NOTÁVEL NO TEXTO, FOI UM PIONEIRO E MESTRE DO JORNALISMO Celebrado como cronista esportivo, ele foi mais que isso: criou o maior programa jornalístico da televisão e formou gerações de profissionais. VIDAS | PÁGINAS 40, 41 E 42
Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa
352
Jornal da ABI
MARÇO 2010
NÃO, IBSEN! ABI EM PERNAMBUCO
O LANCE DE LEDY, QUE
EM DEFESA DO DIPLOMA
DEU VOZ AOS LEILÕES
PRONUNCIAMENTO NA POSSE DA ASSOCIAÇÃO LOCAL REAFIRMA NOSSA POSIÇÃO. PÁGINA 13
SEU TALENTO PÔS NA PAUTA UMA ATIVIDADE QUE É TAMBÉM CULTURAL. PÁGINAS 19, 20 E 21
O povo saiu às ruas, como no tempo das diretas-já, em protesto contra o confisco dos royalties tramado pelo deputado gaúcho. PÁGINAS 8 E 9
A AVENTURA BRASILEIRA CADEIA PARA O BANDO DO FRANCÊS BAILBY QUE ASSASSINOU BARBON ESTUDANTE, ELE VEIO FAZER ESTÁGIO AQUI. GOSTOU E FICOU 15 ANOS. PÁGINAS 15, 16 E 17
JÚRI CONDENA OS MATADORES DO JORNALISTA. PÁGINAS 26 E 27 E EDITORIAL NA PÁGINA 2
DIVULGAÇÃO
O RIO UNIDO CONTRA A EXTORSÃO
Editorial
DESTAQUES DESTA EDIÇÃO 03
Mercado - O médium na mídia
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Mobilização - Mais de 150 mil disseram não a Ibsen
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Linguagem - "A internet pode favorecer a língua"
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O CASO BARBON E A BUSCA DE JUSTIÇA A CONDENAÇÃO AGORA EM MARÇO dos matadores do jornalista Luiz Carlos Barbon, assassinado em 2007 no Município de Porto Ferreira, interior de São Paulo, constituiu motivo de alento para a comunidade jornalística do País, que através de suas instituições representativas, entre as quais esta Associação Brasileira de Imprensa, vinha clamando por justiça, seja como punição dos criminosos, que não poderiam continuar à solta para a prática de novos delitos, seja como indicação de que as violências contra jornalistas e meios de comunicação doravante poderão encontrar a devida sanção pelo Poder Judiciário. NEM SEMPRE TEM SIDO assim, mas a decisão do júri realizado na cidade de São Paulo, e não naquela em que se deu o covarde homicídio, onde os jurados estariam sujeitos a pressões e represálias, demonstra que se abrem novos caminhos no tratamento conferido pela sociedade e pelo Poder Público em relação às garantias e à segurança que devem recobrir a atividade profissional dos jornalistas, que não trabalham para si próprios, e sim como agentes da comunidade, com os olhos voltados para as questões de toda natureza que marcam a vida social. O CASO BARBON DEVE TAMBÉM ser considerado, assim como outros de lembrança recente, como o sacrifício imposto ao jornalista Tim Lopes por seus cruéis assassinos, à luz da concepção daquilo que constitui a missão dos jornalistas e da imprensa: a busca da verdade e a defesa do interesse social, seja no plano coletivo, seja no plano individual, em que as provações impostas à criatura humana devem merecer a atenção dos meios de comunicação. Uma ofensa a uma pessoa humana é também ofensa ao conjunto da Humanidade.
Jornal da ABI Número 352 - Março de 2010
Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha Projeto gráfico e diagramação: Francisco Ucha Edição de textos: Maurício Azêdo Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, Conceição Ferreira, Diogo Collor Jobim da Silveira, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Mário Luiz de Freitas Borges. Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva, Paulo Roberto de Paula Freitas. Diretor Responsável: Maurício Azêdo Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, 71 - Rio de Janeiro, RJ Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 e-mail: presidencia@abi.org.br
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ALÉM DO TEOR DA SENTENÇA em si, que impôs as penas devidas ao bando criminoso, comandado por um oficial da Polícia Militar do Estado de São Paulo, é estimulante verificar que neste País em que a Justiça caminha a passo de cágado, quando caminha,o desfecho do Caso Barbon em primeira instância se deu com certa brevidade, resultante da indignação causada por sua execução e, também e sobretudo, do empenho das entidades de jornalistas, do Ministério Público e do próprio Poder Judiciário para que se fizesse justiça a esse corajoso e desafortunado companheiro. DESSE EMPENHO, COMO RELATADO nesta edição do Jornal da ABI, são prova a decisão da Juíza de Porto Ferreira, Milena de Barros Ferreira, de transferir o julgamento para uma Vara de Execuções da capital, a fim de assegurar o sigilo das investigações, e a reação do Promotor André Luiz Bogado Cunha, que no final do julgamento apontou o assassinato de Barbon como “uma ameaça clara à liberdade de imprensa” e seu resultado como “uma vitória da sociedade”. AINDA BEM QUE FOI assim, diferentemente do que ocorreu no caso do jornalista Manoel Leal de Oliveira, de Itabuna, Bahia, assassinado em 14 de janeiro de 1998 por denunciar irregularidades na administração da cidade. Somente agora, mais de uma década depois, sua família recebeu uma indenização de R$ l00 mil pela vida arrebatada por seus matadores. Espera-se que, em termos de tempo, o Caso Barbon passe a ser o paradigma de produção de justiça.
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DIRETORIA – MANDATO 2007/2010 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Tarcísio Holanda Diretor Administrativo: Estanislau Alves de Oliveira Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretor de Assistência Social: Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê) Diretor de Jornalismo: Benício Medeiros CONSELHO CONSULTIVO 2007-2010 Chico Caruso, Ferreira Gullar, José Aparecido de Oliveira (in memoriam), Miro Teixeira, Teixeira Heizer, Ziraldo e Zuenir Ventura. CONSELHO FISCAL 2009-2010 Geraldo Pereira dos Santos, Presidente, Adail José de Paula, Adriano Barbosa do Nascimento (in memoriam), Jorge Saldanha de Araújo, Luiz Carlos de Oliveira Chesther, Manolo Epelbaum e Romildo Guerrante. MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2009-2010 Presidente: Pery Cotta 1º Secretário: Lênin Novaes de Araújo 2º Secretário: Zilmar Borges Basílio Conselheiros efetivos 2009-2012 Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Álvarez Campos, Jorge Miranda Jordão, José Ângelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho. Conselheiros efetivos 2008-2011 Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos Arthur Pitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima (in memoriam), Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa.
Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda. Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808 Osasco, SP
Conselheiros efetivos 2007-2010 Artur da Távola (in memoriam), Carlos Rodrigues, Estanislau Alves de Oliveira, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico, José Rezende Neto, Marcelo Tognozzi, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa (Pajê), Sérgio Cabral e Terezinha Santos.
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Comemoração - “Maracanã, um estádio com alma”
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Reclamo - A posse da AIP, um ato em defesa do diploma
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Especial - A aventura brasileira do francês Édouard Bailby
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Justiça - Dines e Frias na Ordem do Mérito
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Crise - Jornais em queda, internet em ascensão
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P e rrfil fil - O grande lance de Ledy
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Homenagem - A mulher avança na imprensa brasileira
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Mídia - A cobertura como show em tempo real
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Veículos - Uma reforma para encher a mente e os olhos
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ARTIGO 11 Após alguns verões, por Rodolfo Konder ○
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SEÇÕES L I B E RRD D A D E D E IM P R E N SA NS 26 Afinal, justiça para Barbon ○
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D I R E I TTO O S HU M A N O S No Dia da Mulher, anistia para 15 perseguidas
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O Estado policial chega assim, pé ante pé
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L IVROS A "Rede da Democracia", uma criação dos jornais do Rio para depor Jango
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Gol de letra
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A arte conta a nossa História
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V I DA S Armando Nogueira
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José Ubiratan Solino | Antonio Domínguez Calvo
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Aristélio Andrade | Margaret Moth
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Glauco Villas Boas
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ERRATA No editorial Conservadorismo e má-fé da Edição nº 351, segunda coluna, segunda linha, leia-se “... a adoção de inúmeras disposições nele contidas depende de formulação...”, com o verbo no singular.
Representação de São Paulo Diretor: Rodolfo Konder Rua Dr. Franco da Rocha, 137, conjunto 51 Perdizes - Cep 05015-040 Telefones (11) 3869.2324 e 3675.0960 e-mail: abi.sp@abi.org.br
Jornal da ABI 352 Março de 2010
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Conselheiros suplentes 2009-2012 Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro Lopes), Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, Jordan Amora, Jorge Nunes de Freitas, Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo Coelho Neto (in memoriam) e Rogério Marques Gomes. Conselheiros suplentes 2008-2011 Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello (in memoriam), Salete Lisboa, Sidney Rezende,Sílvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães. Conselheiros suplentes 2007-2010 Adalberto Diniz, Aluízio Maranhão, Ancelmo Góes, André Moreau Louzeiro, Arcírio Gouvêa Neto, Benício Medeiros, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Luiz Sérgio Caldieri, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA Jarbas Domingos Vaz, Presidente, Carlos Di Paola, José Carlos Machado, Luiz Sérgio Caldieri, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Toni Marins. COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Orpheu Santos Salles, Presidente; Wilson de Carvalho, Secretário; Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva e Yacy Nunes. COMISSÃO DIRETORA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Paulo Jerônimo de Sousa, Presidente, Ilma Martins da Silva, Jorge Nunes de Freitas, José Rezende Neto, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli e Moacyr Lacerda. REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULO Conselho Consultivo: Rodolfo Konder (Diretor), Fausto Camunha, George Benigno Jatahy Duque Estrada, James Akel, Luthero Maynard, Pedro Venceslau e Reginaldo Dutra.
MERCADO DIVULGAÇÃO
As cenas do histórico programa Pinga-Fogo, com Chico Xavier, foram filmadas por Daniel Filho na ABI.
O médium na mídia
Centenário de nascimento de Chico Xavier é festejado este ano com o lançamento de filmes no cinema e dvds documentais. A data comemorativa dá mais visibilidade e gera a expansão do mercado de publicações – jornais e revistas – que divulgam a doutrina espírita. É hora de conhecê-las melhor. POR PAULO CHICO Dia 2 de abril de 1910. Francisco de Paula Cândido nasce na cidade mineira de Pedro Leopoldo. Morto, aos 92 anos, atendia pelo nome Chico Xavier. Pois é justamente na data em que completaria 100 anos – a primeira sextafeira de abril de 2010 – que o mais popular médium brasileiro volta à vida. Reencarna nas telas do cinema. A estréia do filme que conta sua história lança novas luzes sobre a trajetória do homem que deu voz a tantos outros. E traz à cena, mais uma vez, a diversidade religiosa do Brasil. País católico por formação, mas cuja prática, desde sem-
pre, cultiva o sincretismo. Uma das correntes com maior número de adeptos é justamente o espiritismo. Prova disso é que, além das fronteiras dos cultos ou sessões, faz tempo que os princípios da doutrina de Allan Kardec ganharam as ruas, em páginas de centenas de publicações. Elas são muitas. Jornais e revistas, títulos normalmente vendidos em bancas. Outros, apenas distribuídos em associações religiosas. Alguns dispõem de serviço de assinatura e sites, atualizados e com moderno arquivo digitalizado. Neste mês de março,
como não poderia deixar de ser, Chico Xavier foi capa de praticamente todas essas edições. Algumas dessas publicações são mais antigas que o próprio médium, transcendem seu centenário. É o caso da revista Reformador, que surgiu como jornal, em 21 de janeiro de 1883, e passou a ser órgão institucional da Federação Espírita Brasileira, desde a sua fundação, no dia 2 de janeiro de 1884. É daqueles casos raros de publicações periódicas que surgiram no século XIX e circulam até hoje. “O Reformador foi fundado por Augusto Elias da Silva, um fotógrafo por-
tuguês radicado no Rio, com recursos retirados de seu próprio patrimônio. A redação funcionava em seu endereço de residência e trabalho, na Rua da Carioca, 120, 2º andar. Começou com limitada tiragem, com quatro páginas. Hoje, temos 30 mil exemplares encaminhados, sem ônus, a mais de 12 mil casas espíritas do Brasil, a sócios e assinantes”, explica o Editor Altivo Ferreira, destacando que a proposta da revista, que não conta com publicidade mas divulga obras editadas pela Federação, é publicar artigos e matérias sobre o espiritismo e o movimento no Brasil e no exteJornal da ABI 352 Março de 2010
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MERCADO O MÉDIUM NA MÍDIA
rior. Para isso, conta com uma equipe no Rio, constituída por um diretor, um editor, três redatores, um jornalista responsável e um secretário, além de diagramadores e revisores. A editoração é feita no parque gráfico da Federação. A pauta é constituída por artigos de colaboradores permanentes e voluntários, observados os princípios espíritas. “Ela é feita com o objetivo de levar o conhecimento aos adeptos e simpatizantes da doutrina, e à sociedade em geral, sem qualquer preocupação de fazer proselitismo”, destaca Altivo. No entanto, ele reconhece que o momento é amplamente favorável à divulgação do kardecismo: “O próprio mercado de publicações espíritas experimenta um boom, tendo em vista a expansão dessa doutrina nos últimos tempos, o que pode ser constatado pelo grande interesse que o espiritismo tem despertado no público em geral, podendo ser dadas como exemplo as comemorações do centenário de nascimento do Chico Xavier. Além disso, o preconceito que sofríamos foi em grande parte combatido pela presença da temática espírita em novelas, programas de televisão e filmes.”
PAUTA FACTUAL, MAS COM
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Jornal da ABI 352 Março de 2010
DIVULGAÇÃO
FOCO NO ESPIRITISMO Outra expressiva publicação do segmento é o Correio Espírita, jornal mensal que circula praticamente em todo o Brasil. Mais precisamente, com a venda direta nas bancas, ao preço de R$ 1,50, está presente nas capitais de nove Estados, além de algumas cidades do interior, com tiragem média de 15 mil exemplares. “Nossas matérias são factuais, mas sempre voltadas para a ótica espírita, inclusive fazemos questão de fundamentar os conceitos nas obras básicas da doutrina de Allan Kardec. Existem também algumas abordagens como suicídio, aborto, eutanásia e tabagismo. São temas polêmicos, sobre os quais procuramos elucidar os leitores”, afirma Marcelo José Gonçalves Sosinho, jornalista responsável do Correio Espírita e professor universitário de Comunicação Social, também do Rio. Mantido pelo Centro Cultural de mesmo nome, o Correio é jovem. Foi fundado em 3 de outubro de 2004, e seu crescimento dá noção exata do poder de fogo desse mercado. Inicialmente, eram apenas dez páginas, com periodicidade bimestral. Depois, as dez páginas tornaram-se mensais, expandindo-se logo para 12. Atualmente, circula com 16 páginas. “O espiritismo está sendo muito badalado. Na verdade, todo mundo quer saber algo mais sobre de onde veio, onde está e para onde vai. Dentro do tripé ‘Filosofia, Ciência e Religião’, o espiritismo explica tudo, consola e elucida os corações”, acredita Marcelo, acrescentando que o jornal conta com publicidade, ainda que com ressalvas. “Não anunciamos tabacos, bebidas alcoólicas, motéis e qualquer tipo de
misticismo. Através do setor comercial, temos também permutas.” Em números oficiais, no Censo 2000, foram computados 2.337.432 espíritas no Brasil, o que corresponde a 1,37% da população. A região que teve mais adeptos foi a Sudeste, com 1.417.752, e o Estado com maior número de espíritas foi o de São Paulo, com 760.882. Mas esses números são relativos. Na ocasião da pesquisa, o entrevistado não tinha como opção de resposta o espiritismo. Quem era espírita marcava o X em ‘Outras’ e só alguns especificavam sua prática. Por isso, a crença de que esse número, sobretudo quando somado ao dos simpatizantes de Kardec, seja bem maior. Até mesmo pela razão de que, com o tempo, figuras como Chico Xavier e Bezerra de Menezes romperam a barreira do preconceito e são admiradas por pessoas de todos os credos. “Existem várias revistas espíritas. As mais tradicionais são O Reformador, órgão oficial da Federação Espírita, e a Revista Internacional do Espiritismo, sediada em Matão, São Paulo. Temos
também a Universo Espírita, Ser Espírita, Revista do Espiritismo, todas elas vendidas em bancas. A Folha Espírita é o mais tradicional e mais antigo jornal, mas só circula em casas espíritas, principalmente em São Paulo. Existe também o Correio Fraterno, de São Paulo, com circulação nos centros espíritas locais. A nossa proposta diferenciada, no Correio Espírita, foi captar o público espírita e também o não espírita. Por isso fomos para as bancas”, diz Marcelo José. Há exemplos de publicações que já nasceram no formato digital. É o caso da revista O Consolador, que foi ao ar pela primeira vez em 18 de abril de 2007, com atualização semanal exclusivamente na internet. Com acesso livre, não tem formato impresso nem é enviada aos leitores. “A revista não publica anúncios. Sustenta-se com recursos de seus fundadores”, diz Astolfo O. de Oliveira Filho, Diretor de Redação. Prestes a completar três anos, os números de O Consolador impressionam. “Já somamos 3,5 milhões de impressões de páginas e 658 mil downloads de textos publicados, com acessos em 95 países”, enumera ele, que também é editor do jornal mensal O Imortal, de 16 páginas e vendido por R$ 1,50.
MAIOR CURIOSIDADE AJUDA
Aparecido Belvedere: O preconceito na mídia está diminuindo.
A DERRUBAR PRECONCEITOS Citada como referência entre as publicações do gênero, a Folha Espírita é produto da FE Editora Jornalística desde 18 de abril de 1974, quando foi lançada pelo Deputado Freitas Nobre, destacado jornalista de São Paulo que chegou a liderar a bancada do antigo PTB na Câmara dos Deputados. Do início nas bancas, o jornal investe hoje nas assinaturas anuais. “As matérias são abordagens, sob o ponto de vista espírita, de fatos e tragédias do cotidiano. Nossa venda de publicidade é mínima. Este ano, porém, o movimento está mesmo em evidência. Temos sido solicitados para dar depoimentos à mídia, pelo nosso trabalho de pesquisa sobre a mediunidade do Chico, desenvolvido em conjunto com a Associação Médico-Espírita de
São Paulo, que resultou em A Vida Triunfa, livro que aborda 45 casos comprovados”, diz Ana Carolina Severino, gerente da publicação, que em 2004 passou por reforma gráfica pela passagem dos seus 30 anos em circulação. Aparecido Belvedere é Diretor da Casa Editora O Clarim, uma das mais antigas do ramo espírita, responsável pelo jornal O Clarim e pela Revista Internacional de Espiritismo, ambos fundados por Cairbar Schutel, falecido em 30 de janeiro de 1938. São 104 anos de atuação, tendo como meta a divulgação dos preceitos do espiritismo. “No jornal, fundado em 15 de agosto de 1905, damos matérias doutrinárias espíritas e o movimento nacional. Na revista, cujo primeiro número circulou no dia 15 de fevereiro de 1925, o foco são as matérias doutrinárias, algumas com versão em espanhol, sobre os movimentos espíritas nacional e internacional. E utilizamos os dois periódicos para divulgar os 140 títulos de livros espíritas por nós editados”, destaca Belvedere, lembrando que ambas as publicações não são vendidas em bancas, e sim nas livrarias das casas espíritas. Elas contam com cerca de 14 mil assinantes em todo o Brasil, e até no exterior. “O preconceito na mídia está diminuindo, mas alguns veículos publicam matérias nem sempre com a pureza desejada. Ainda existe uma confusão de interpretações entre o que defende o espiritismo com outras doutrinas ou seitas, que praticam o mediunismo não
FOTOS DESTA PÁGINA: ARQUIVO PESSOAL OCEANO VIEIRA
à luz de Kardec. Daí a necessidade de existirem veículos que publiquem matérias, de preferência da atualidade, sempre à luz da doutrina fundada por ele em Paris, em 1857”, diz Aparecido Belvedere, que considera crescente o interesse pelas publicações espíritas pela grande divulgação pela mídia não-espírita em torno do filme sobre Chico Xavier. “Não acho que sejamos vítimas de preconceito, mas sim de um pouco de desinformação, inclusive por parte de grandes veículos. Há entidades, como a Federação Espírita, que procuram transmitir aos jornalistas esclarecimentos sobre as questões espíritas, sobretudo quando é publicado algo errado. Muito comumente confundem o espiritismo com a umbanda ou outras crenças parecidas, igualmente respeitáveis. Nem todos sabem ainda, por exemplo, que as palavras ‘espiritismo’, ‘doutrina espírita’, ‘espiritista’ e ‘espírita’ foram criadas por Allan Kardec. Assim como ‘centro’ ou ‘casa espírita’ são os nomes dos locais destinados à divulgação deste pensamento”, concorda Flávio Olive, redator do Serviço Espírita de Informações-Sei. A idéia do Sei surgiu pela primeira vez em 1953, numa das reuniões realizadas em torno de Chico Xavier. O médium mineiro transmitiu a Jayme Rolemberg de Lima, um dos fundadores do Lar Fabiano de Cristo, o desejo do espírito Emmanuel, seu mentor, de se criar um meio para dar apoio aos pequenos jornais e programas espíritas de diferentes emissoras de rádio do interior e das grandes cidades. Assim, Emmanuel teria sugerido a elaboração de um boletim que, além de notícias, pudesse comentar matérias da grande imprensa e apresentar artigos de companheiros sobre temas doutrinários. Assim nasceu o informativo, primeiramente em português e esperanto e que é editado há alguns anos também em espanhol e inglês. Publicado originalmente pelo Lar Fabiano de Cristo, desde o ano passado passou para as mãos do Conselho Espírita Internacional, órgão ligado à Federação Espírita com circulação gratuita, via Correios e web.
Chico Xavier em três momentos marcantes com a imprensa: acima à esquerda, o jovem médium em1935 é entrevistado pelo jornalista Clementino Alencar, de O Globo; à direita, com Saulo Gomes na Comunhão Espírita Cristã, quando concedeu a entrevista que foi a sua primeira aparição de peso na televisão brasileira, gravada em 1968, três anos antes da polêmica participação no programa PingaFogo, da TV Tupi (ao lado).
O auxílio de dois seres de luz Usando um jargão do universo espírita, eles bem que poderiam ser considerados dois ‘seres de luz’. Certamente para este jornalista, a quem ajudaram a iluminar o caminho da apuração desta reportagem. Partiram deles dados fundamentais e a indicação de fontes e contatos. Todos absolutamente naturais. Tratamos aqui apenas de telefones e e-mails, que fique bem claro. O primeiro deles é Paulo Roberto Viola, 63 anos, advogado, jornalista e escritor, com diversos livros publicados, como Dom Pedro II e a Princesa Isabel, Uma Visão Espírita-cristã do Segundo Reinado, lançado em 2008 na Academia Brasileira de Letras, e que já se encontra na terceira edição. Também são dele Bezerra de Menezes: O Abolicionista do Império e Barão de Santo Ângelo, O Espírita da Corte, este lançado na ABI em novembro de 2009.
Enquanto prepara seu próximo livro – Princesa Isabel, Uma Viagem no Tempo, também com inspiração espíritacristã –, Viola cuida da estréia da Revista do Espiritismo, cujo lançamento, ocorrido em 28 de março, durante seminário do médium Divaldo Franco, reuniu cerca de 3.500 pessoas. “Podemos dizer que o ‘produto’ espírita está em expansão. Produtores, editores, roteiristas e diretores estão cada vez mais surpresos com toda a explosão de audiência diante das produções que abordam este universo. Este ano, não só nosso popstar Chico Xavier está atraindo multidões, com o filme sobre sua vida e obra, que promete recordes de bilheteria. Também teremos uma telenovela de fundo espírita, às 18h na TV Globo, e, ainda, o filme Nosso Lar, baseado no livro psicografado por Chico Xavier, que entrará em cartaz no segun-
do semestre. Em toda a grande mídia se ouve falar de espiritismo. Pelos menos uma operadora de tv a cabo já examina a possibilidade de inclusão de um canal específico em sua grade”, diz Viola. A produção Nosso Lar, citada por Viola, tem estréia prevista para setembro. Conta a história de um médico que acorda no mundo espiritual após a sua morte e acompanha sua jornada, desde os primeiros dias, numa dimensão de dor e sofrimento, até ser resgatado para uma cidade espiritual cujo nome intitula o filme, sob a direção de Wagner Assis. O elenco conta com Renato Prieto como André Luiz, Othon Bastos, Rosanne Mulholland, Fernando Alves Pinto, Inez Viana, Rodrigo dos Santos, Clemente Viscaíno e participações especiais de Ana Rosa e Paulo Goulart. Este último integra também o elenco de Chico Xavier, O Filme, dirigido por Jornal da ABI 352 Março de 2010
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MERCADO O MÉDIUM NA MÍDIA
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Paulo Roberto Viola (acima) acha que os espíritas sofrem discriminação mas ressalta que “isso está mudando”, com o que concorda Oceano Vieira (abaixo), Diretor da Versátil, empresa que já lançou vários dvds sobre o tema (à direita). DIVULGAÇÃO
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Brasil vai exibir nossos filmes, que retratam Chico Xavier, Eurípedes Barsanulfo e Divaldo Franco. Como espírita, sinto falta de matérias que falem de maneira respeitosa sobre os religiosos e as religiões em geral. A mídia costuma comparar os religiosos e as religiões com os aproveitadores da credulidade do povo. Há muitos pastores sérios que nunca mereceram sequer uma linha nos jornais”, lamenta. Na verdade, reconhece Oceano Vieira, os maiores divulgadores do espiritismo no Brasil são mesmo os departamentos de jornalismo das televisões, principalmente a TV Globo, e a chamada grande imprensa. “Com exceção da Veja, que costuma debochar dos espíritas. Chico foi o maior fato jornalístico do Brasil do século XX. Pena que alguns colegas o vissem apenas como uma pessoa exótica, pois usava peruca, falava de amor ao próximo e era ligado a uma filosofia religiosa e científica. E muitos deles se preocuparam com o que a Igreja Católica poderia dizer”, afirma. Vieira está envolvido em Chico Xavier, O Filme. “Levei a produção para conhecer o filho adotivo do Chico, assim como para mostrar a eles a simplicidade e a grandeza desse médium, que conheci pessoalmente em Uberaba, em 1984. Disselhes que Chico Xavier era maior do que eles imaginavam. Só se percebe sua grandiosidade quando se estuda ou pesquisa sobre ele. Disse ao Daniel Filho que ele tinha a grande oportunidade de fazer takes que o cinema nunca tinha feito. E que ele teria que assumir um risco, pois aquela cena seria algo espiritual, que nenhum diChico Xavier aos 38 anos, quando ainda era tratado retor jamais imaginara. Decom preconceito e desconfiança pela imprensa. sejo que seu filme seja a mai-
espiritismo que eduquei minha sensibilidade para a arte do cinema, da música e todas as outras que engrandecem o ser humano como ser imortal”. Aos 59 anos, Vieira atua no ramo cultural cinematográfico. Fundou em 1985 o Jornal do Vídeo. Em 1999, lançou a Versátil Home Vídeo, para distribuir em dvds os filmes humanistas, de arte, brasileiros e, sobretudo, filmes europeus e espíritas. “Minha função é fazer documentários biográficos em vídeos de personalidades espíritas. É um campo vasto, quase inexplorado. Em abril, o Canal
ARQUIVO PESSOAL OCEANO VIEIRA
Daniel Filho e que reúne estrelas como Tony Ramos, Christiane Torloni, Luís Melo, Cássia Kiss, Giulia Gam e Letícia Sabatella, além de um impressionante Nélson Xavier, dando alma a Chico na última das três fases retratadas de sua vida (de 1969 a 1975). O médium mineiro também é interpretado por Matheus Costa (quando criança, de 1918 a 1922) e Ângelo Antônio (1931 a 1959). Perguntado se a mídia reflete de forma equilibrada a diversidade religiosa no Brasil, Paulo Roberto Viola adota um tom moderado, apesar de crítico. “Temos que entender que se a natureza não dá saltos, a evolução também não. A mídia reflete o nosso atual estágio cultural. Tivemos seis séculos de ‘Santo Ofício’. E a dissolução dessa nuvem sobre a Humanidade nunca poderia ocorrer de pronto. A Inquisição acabou no século XIX, mas ainda permanecem alguns de seus remanescentes. Desde o tempo de Machado de Assis, que ti-
nha aversão ao espiritismo, por confundi-lo com feitiçaria e magia, sofremos discriminações, mas isso está mudando. Em breve, veremos autoridades da República e da vida civil participando de cultos, quando até recentemente só víamos essas personalidades em ofícios de uma só religião. Afinal, Dom Pedro II lutou muito para que o Estado brasileiro fosse laico”, diz Viola, para quem o Brasil possui cerca de 25 milhões de adeptos ou simpatizantes do espiritismo, constituindo o terceiro maior contingente religioso do País. Oceano Vieira de Melo foi o segundo guia desta matéria. Especialista no campo editorial espírita, alimentou a pauta com dados. “São mais de 200 publicações em todo o País. Todas têm publicidades de livros, psicografados ou não, mas sempre espíritas. Existem cerca de 5.600 títulos sobre a doutrina em circulação”, informa Vieira. Alguns de seus números, no entanto, inflacionam os apresentados por Viola. “Somos oito milhões de espíritas. Ou 30 milhões, se incluirmos na conta os simpatizantes. Espíritas são aqueles que praticam o espiritismo codificado por Kardec. Acreditam na vida depois da morte, na reencarnação, na pluralidade dos mundos habitáveis, e na evolução em cada encarnação, seja aqui na Terra ou em outros planetas. Sua evolução espiritual está em amar seus semelhantes, na benevolência e prática da caridade sem esperar retorno. Somos cristãos e temos Jesus como modelo e guia para chegar até Deus”. E os simpatizantes? Qual o perfil deste grupo? “São aqueles que têm outra religião, mas vão ao centro espírita, tomam passe, lêem um livro espiritualista pensando tratar-se de livro espírita... Às vezes, assistem a palestras no centro, mas seguem na sua religião. Ou seja, não querem compromisso, querem continuar na sua, obedecendo aos dogmas e rituais de sua tradicional formação familiar. A pessoa com esse perfil acredita em milagres, e acha que quando morrer vai para o céu ou inferno. Na realidade, é mais espiritualista, e não espírita. Os espíritas geralmente são pessoas de classe média e média alta. Assinam jornais diários, revistas semanais e têm tv por assinatura”, descreve Oceano Vieira, ele próprio um simpatizante convertido. “Eu estava católico por tradição familiar e descobri que era espírita ao ler os livros de Kardec. O Livro dos Espíritos, O Evangelho Segundo o Espiritismo, O Livro dos Médiuns e A Gênese. Aí tudo ficou claro para mim. Foi no
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or bilheteria do cinema brasileiro este ano. Me arrisco até a prever uns cinco milhões de espectadores, mas pessoalmente acho que Nosso Lar tem tudo para ser o maior sucesso de todos os tempos. Quem viver verá”, aposta.
O Diretor Daniel Filho durante as filmagens de Chico Xavier, em Paulínea, conversa com os atores Nélson Xavier e Ângelo Antônio.
Um personagem desconcertante to a postura deles. Eles estudam o esca, ilustrada por fotos humilhantes na Missão difícil a de Marcel Souto Maipiritismo com cuidado e estão sempre revista O Cruzeiro, durante o processo or. Contar a trajetória do médium resatentos a um dos dogmas da doutrina: movido contra ele pela família do jorponsável pela publicação de centenas o da ‘fé raciocinada’. São críticos e não nalista Humberto de Campos, morto de livros, que venderam cerca de 50 ficam presos a preconceitos que, muie um de seus ‘psicografados’. Em 1971, milhões de exemplares no Brasil, afotas vezes, cegam e paralisam”. esta relação mudou radicalmente quanra as inúmeras traduções. Chico Xavier Como era a relação de Chico Xavido surgiu diante das câmeras da extinta esquivava-se da responsabilidade por er com a mídia? TV Tupi no programa Pinga-Fogo, epitamanha produção. Nunca admitiu ser “Ele viveu diferentes fases na sua sódio bem explorado no filme de Dao autor de nenhuma dessas obras. Por relação com a imprensa. No início de niel Filho. Era um fenômeno de audiisso mesmo, jamais recebeu um centasua trajetória, foi alvo de investigações ência na época. Chico foi sabatinado por vo por elas. Doava todos os direitos a jornalísticas quando lançou o primeiespíritas e não-espíritas por mais de três instituições de caridade e organizações ro livro atribuído a espíritos, a coletâhoras, ao vivo. Falou de temas variados, espíritas. Tal como as cerca de 10 mil nea de poemas Parnaso de Além-Túmude drogas a homossexualidade, e se cartas por ele psicografadas, os livros lo. E foi vítima da dupla David Nasser transformou numa celebridade nacioseriam de autoria dos mortos, dizia. e Jean Manzon em reportagem irôninal”, relata Marcel Souto Maior. Diretor do programa Profissão RepórNos anos 1980, Chico foi ter, da TV Globo, Marcel, sem homenageado em especiais da o recurso da mediunidade e TV Globo, dirigidos por Auapenas com o seu talento de gusto César Vanucci. Respeijornalista, arriscou-se a escretado, ganhou espaço em prover As Vidas de Chico Xavier. gramas populares, como o de Referência, o livro serviu de Gugu Liberato, e em revistas base para o roteiro de Marcos de celebridades, onde aparecia Bernstein para o filme a carao lado de visitantes como go de Daniel Filho. Xuxa e Roberto Carlos. “Atuei como consultor e, “A história de vida dele, coconfesso, quase não tive traerente do início ao fim, derrubalho. Desde o primeiro tratabou preconceitos e gerou cremento estava tudo ali. Ambos dibilidade. Escreveu 420 livros, acertaram no tom e na estruvendeu mais de 25 milhões de tura do texto, já de primeira. exemplares em vida e doou a Costumo dizer que não terei renda a instituições beneficenaquela vaidade de autor: a de tes. ‘Os livros não me pertenouvir espectadores saírem das cem. Eu não escrevi nada. Eles, salas de exibição e dizerem os espíritos, escreveram’, repeque o livro é muito melhor do tiu até morrer na cama estreique o filme! As obras são simita de seu quarto simples, em lares. Fico feliz. Dá orgulho Uberaba, em 30 de junho de ver a história de Chico tão 2002. Aos que diziam que, bem retratada, com tanto cedo ou tarde, cairia desmasequilíbrio e honestidade”. carado como fraude, afirmava: Apesar do interesse pelo ‘Não vou cair, pois nunca me tema, Marcel não acompanha levantei’. Idoso, agradecia: o mercado editorial espírita. ‘Graças a Deus, aprendi a viver “Não costumo ler essas publiapenas com o necessário’. Por cações. É difícil fazer uma avaessas e outras, Chico é um liação responsável. O que posMarcel Souto Maior, autor do livro As Vidas de Chico Xavier: enigma que desconcerta os so dizer é que conheço jornaOrgulho de ver a história do médium retratada com equilíbrio. céticos”, define Marcel. listas da área e respeito muiDIVULGAÇÃO
DVDS COMPLETAM O RESGATE HISTÓRICO Exatamente com produção da Versátil, de Oceano Vieira, estão disponíveis no mercado três dvds sobre Chico Xavier, todos na linha documental. Pinga-Fogo com Chico Xavier recupera imagens e áudio originais das duas participações do médium no programa da TV Tupi mostrado no filme. Chico Xavier Inédito: De Pedro Leopoldo a Uberaba reúne quatro filmes sobre o personagem, realizados em 1951, 1955, 1983 e 2007. Por fim, também está no mercado o dvd Saulo Gomes Entrevista Chico Xavier em 1968, que traz a sua primeira aparição de peso na televisão brasileira, gravada três anos antes da participação polêmica no Pinga-Fogo. Programa que, aliás, rendeu outro fruto. No dia 29 de março, Saulo Gomes lançou, em Ribeirão Preto, São Paulo, Pinga-Fogo com Chico Xavier. O livro, com organização do jornalista, traz a transcrição do programa. Em recente depoimento ao Jornal da Região Sudeste, Saulo recordou o seu encontro com o médium. “A missão parecia impossível. Vários repórteres, inclusive espíritas, tentaram, em vão, furar a grande barreira que o separava da imprensa. Havia uma explicação para essa barreira. Chico, na década de 50, havia sido alvo de uma reportagem na revista O Cruzeiro, focalizando materialização de espíritos. Foi ridicularizado. Após tentativas frustradas, Chico aceitou conversar comigo, sem câmeras ou microfones. Segui para Uberaba com o caminhão de externa da Tupi, equipado com três câmeras e nove técnicos. Atendi a exigência e fui sozinho conversar com ele que, após a sessão, na Comunhão Espírita Cristã, me convidou para uma conversa, que começou às 22h30min e só terminou às 4 da manhã. Nos conhecemos, nos confraternizamos, e fechamos o compromisso de, na noite seguinte, gravarmos a sessão espírita e realizarmos a entrevista”. A reunião foi gravada com Chico psicografando mensagem assinada por Emmanuel. Terminado o encontro, teve início a tão sonhada entrevista. “Mostrei, pela primeira vez na televisão brasileira e ao público espírita e não-espírita o Chico Xavier psicografando uma mensagem. O impacto da reportagem, em 1968, foi extraordinário. Grandes órgãos de imprensa repercutiram o acontecido. Depois disso, ele passou a participar de alguns programas, sempre em minha companhia, inclusive em 1970, no Cidade contra Cidade, apresentado por Silvio Santos”, destaca Saulo Gomes.
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MOBILIZAÇÃO CARLOS MAGNO
Mais de 150 mil disseram não a Ibsen Na maior manifestação cívica dos últimos anos no Rio, o povo fluminense expressou seu repúdio à tentativa de apropriação dos royalties do petróleo pelos oportunistas. Mesmo sob forte chuva, que só parou por pouco mais de meia hora, uma multidão calculada em mais de 150 mil pessoas manifestou no dia 17 de março, no Rio de Janeiro, seu protesto contra a emenda do Deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) que confisca recursos destinados ao Estado do Rio e seus Municípios na exploração do petróleo. Iniciada pouco depois das 15h, com a concentração dos manifestantes diante da Igreja da Candelária, no Centro do Rio, a passeata percorreu a Avenida Rio Branco até à Praça Floriano, na Cinelândia, onde foi montado um palanque para os discursos das lideranças do movimento e de representantes da sociedade civil. Ao longo da caminhada, a multidão entoava, com adaptação, o refrão que marcou as lutas e as passeatas contra a ditadura militar: “O Rio, unido, jamais será vencido”. Convocada pelo Governador do Estado do Rio, Sérgio Cabral, com adesão de instituições e organismos 8
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da sociedade civil, como a ABI, a Ordem dos Advogados do BrasilSeção do Estado do Rio de Janeiro, o Clube de Engenharia, o Instituto de Arquitetos do Brasil, o Conselho Regional de Engenharia e Arquitetura do Estado do Rio-CreaRJ, centrais sindicais de trabalhadores e entidades do empresariado, como a Federação do Comércio do Rio de Janeiro-Fecomércio, a manifestação estendeu-se até às 20 horas, apesar da crescente intensidade da chuva. Às faixas de protesto, com a palavra-de-ordem Contra a covardia – Em defesa do Rio, estampada também em camisas exibidas por milhares de manifestantes, misturavam-se guarda-chuvas de todas as cores, que ajudaram a multidão a resistir à tempestade. Além de atrair grande massa de cidadãos comuns, parte deles jovens que participavam pela primeira vez de um ato político dessa envergadura, a manifestação reuniu líderes e representantes políticos de dife-
rentes partidos, que se juntaram aos Governadores Sérgio Cabral e Paulo Hartung, do Espírito Santo, ao Ministro do Meio Ambiente Carlos Minc (PT) e ao Ministro do Trabalho Carlos Lupi (PDT), aos Senadores Francisco Dorneles (PP), Paulo Duque (PMDB) e Marcelo Crivella (PRB), aos Prefeitos Eduardo Paes (PMDB), do Rio, Lindberg Farias (PT), de Nova Iguaçu, e Rosinha Garotinho (PMDB), de Campos, além de deputados federais e estaduais e vereadores de vários Municípios. Sob a liderança do Governador Sérgio Cabral, que os recepcionou no Palácio das Laranjeiras para a ida em bloco à manifestação, vários desses convidados deram-se os braços na cabeça das colunas de manifestantes desde a Rua da Assembléia até à Cinelândia. Nesse nomento a chuva estiara; adiante, desabou forte, novamente. Nessa primeira fila estavam, entre outros, o Presidente da Câmara Municipal, Vereador Jorge
Felippe (PMDB), o Presidente do Tribunal de Justiça do Estado, Desembargador Luis Zveiter, o Prefeito Eduardo Paes, a Prefeita Rosinha Garotinho, o Governador Sérgio Cabral, o Senador Francisco Dorneles, o Ministro Carlos Minc e o Senador Marcelo Crivella. Também artistas de renome aderiram à manifestação, como Xuxa e a atriz Letícia Spíller, que procuraram ter presença discreta, para não descaracterizar o conteúdo político do ato de protesto. Diante de câmeras de televisão e de repórteresfotográficos, ambas falaram a dezenas de jornalistas no Gabinete da Presidência da Câmara Municipal. Xuxa saiu da entrevista em companhia do Prefeito Eduardo Paes. Antes do encerramento do ato o Governador Sérgio Cabral concedeu entrevista coletiva no Salão Nobre da Câmara, durante a qual mais uma vez denunciou a Emenda Ibsen como uma agressão intolerável à economia fluminense, num momento em que a Cidade e o Estado do Rio de Janeiro têm pesadas obrigações perante a comunidade internacional, como a organização da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpícos de 2016. Apesar da insistência de vários líderes, Cabral recusou discursar no ato, porque, disse, queria evitar exploração de que ele o estaria utilizando para fins eleitorais, já que concorre à reeleição em outubro próximo. Para falar em nome dos organizadores da manifestação foi então designado o Prefeito Eduardo Paes. O ato foi encerrado com um espetáculo apresentado pelo cantor Tony Garrido e com a participação da cantora Fernanda Abreu, do conjunto Furacão 2000 e do cantor MC Sapão.
PAULO BOTELHO
CARLOS MAGNO SHANA REIS PAULO BOTELHO
Na Câmara Municipal, o Governador Sérgio Cabral (foto maior) falou sobre o ato público que uniu políticos de diferentes partidos (foto ao centro) com o objetivo de chamar a atenção para o projeto que confisca recursos dos Estados produtores de petróleo. A manifestação também teve o apoio de personalidades da área de cultura como a Presidente do Teatro Municipal, Carla Camurati, a bailarina Ana Botafogo e o maestro Sílvio Viegas (acima). Ao lado, manifestantes pintam o rosto para a caminhada e a Secretária de Cultura, Adriana Rattes, comemora o destaque dado ao ato pelo Jornal do Brasil.
EXTORSÃO
UMA EMENDA QUE DESRESPEITA O RIO DE JANEIRO Projeto aprovado na Câmara dos Deputados fere a Constituição ao confiscar recursos de Estados produtores de petróleo por interesse meramente eleiçoeiro. Prejudicados: Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo. A ABI classificou de confisco a aprovação da emenda do Deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) que subtrai dos Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo recursos provenientes da exploração de petróleo no País. No caso do Estado do Rio, a declaração divulgada pela Casa no dia 15 de março diz que a decisão da Câmara dos Deputados expõe a “irremediáveis riscos” eventos com que o Brasil se comprometeu perante o mundo, como a Copa Fifa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. A declaração da ABI tem o seguinte teor: “No cumprimento do dever de zelar pela integridade da Constituição da República, a Associação
Brasileira de Imprensa manifesta a sua indignação e o seu repúdio à decisão da Câmara dos Deputados de acolher no projeto de regulação da participação nos recursos gerados pela exploração do pré-sal a emenda do Deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) que reduz a percentual irrisório o valor a ser atribuído ao Estado do Rio de Janeiro, principal prejudicado, ao lado dos Estados de São Paulo e Espírito Santo, por uma proposição que promove inadmissível confisco de receitas essenciais para a vida fluminense. Tal decisão expõe a irremediáveis riscos eventos com que a Cidade do Rio de Janeiro, o Estado e o País estão comprometidos perante o mundo, como
a Copa Fifa de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. Entende a ABI que é legítima a participação de outros entes federativos, como os Estados, ainda que não produzam uma gota de petróleo, nas receitas decorrentes da exploração dessa riqueza natural, que deve reverter em benefício de toda a comunidade nacional. Essa participação, porém, há de se dar de forma e em percentuais que não caracterizem nem promovam o confisco imposto pela Emenda Ibsen Pinheiro, que agrava os danos causados ao Estado do Rio de Janeiro pelo parecer do relator do projeto, Deputado Henrique Alves (RN), seu correligionário. É inconcebível que uma proposta de tal importân-
cia tenha sido examinada e votada pela maioria da Câmara dos Deputados com uma visão paroquial, a que não estão alheios interesses eleiçoeiros, sempre presentes em ano de renovação de mandatos, como este 2010. A ABI expressa sua solidariedade ao Governador Sérgio Cabral pelo vigor com que está enfrentando essa trama confiscatória e espera que o Senado Federal promova a indispensável revisão da decisão da Câmara dos Deputados, para restabelecer o respeito ao artigo 20, parágrafo 1º, da Constituição da República e reparar a lesão que a Emenda Ibsen pretende impor ao texto constitucional. (a) Maurício Azêdo, Presidente.” Jornal da ABI 352 Março de 2010
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LINGUAGEM
"A internet pode favorecer a língua"
FOTOS: FRANCISCO UCHA
Nosso Vice-Presidente Tarcísio Holanda fala no Itamarati da difusão do idioma. Ao abrir no dia 26 de março, a convite do Itamarati, a discussão do tema Ampliação da língua portuguesa nos meios de comunicação de massa pelos participantes da Conferência sobre o Futuro da Língua Portuguesa, o jornalista Tarcísio Holanda, Vice-Presidente da ABI, destacou a importância da internet em qualquer esforço que se faça para a difusão do idioma no Brasil e no mundo. Ele defendeu a difusão da língua portuguesa na Europa, na Ásia e por toda a América, bem como no interior dos próprios países que têm o português como idioma. A exposição de Tarcísio Holanda foi feita na Sala San Tiago Dantas do Ministério das Relações Exteriores perante os delegados dos países de língua estrangeira representados na Conferência e de interessados em questões culturais convidados pelo Itamarati. Após sua intervenção, seguiram-se os debates, tendo como elemento condutor as observações que ele fez, como ao salientar a contribuição que a televisão, através, por exemplo, de minisséries, tem oferecido para o conhecimento da obra de importantes autores, como Machado de Assis, Guimarães Rosa, Rubem Fonseca e João Cabral de Melo Neto.
O TEMA, UM DESAFIO
Com intertítulos da Redação do Site da ABI, foi esta, na íntegra, a exposição de Tarcísio Holanda: “Como Vice-Presidente e representante da Associação Brasileira de Imprensa, estou muito feliz em poder me comunicar com os senhores na língua de Luís Vaz de Camões, Machado de Assis, Xanana Gusmão, Agostinho Neto, Pepetela e Craveirinha, Amílcar Cabral, entre muitos outros, e da poetisa Alda Neves da Graça do Espírito Santo, heroína da libertação de São Tomé e Príncipe, que nos deixou recentemente. Uma língua que se enriquece no Brasil, na África, em Portugal e no Extremo Oriente. A difusão pública da língua portuguesa constitui um tema bastante vasto e um permanente desafio para os Estados nacionais dos países que integram a CPLP (Comunidade dos Países de Língua Portuguesa). É legítimo o desejo de que o idioma português se expanda e se fortaleça em todo o mundo, mas essa perspectiva só veio a surgir no horizonte, de maneira mais nítida, a partir do momento em que Brasil e Portugal assinaram o Acordo Ortográfico, que abre caminho para que só exista uma língua portuguesa, assim como só existe uma língua inglesa ou uma língua espanhola. Os países que falam esses dois idiomas podem manter algumas poucas diferenças, mas não tantas como as que ainda existem entre o idioma falado e escrito em Portugal e aquele que se fala e se escreve no Brasil. 10
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A língua portuguesa nasceu na antiga Gallaecia romana (a parte da Lusitânia situada ao norte do Rio Douro e que abrangia a Galiza e a Província de Entre-Douro-e-Minho) e teve origem no galaico-português, que resultou da evolução do latim no noroeste da Península Ibérica. A difusão universal do português verificou-se nos Séculos XV e XVI, no auge das grandes navegações do império de Portugal, tempo em que o idioma esteve a serviço de uma vasta política de domínio econômico, de investigação científica e de evangelização cristã. Convém recordar que os primeiros dicionários e gramáticas surgiram no século XVI, para uso dos missionários (na década de oitenta desse século apareceu o primeiro Dicionário Português-Chinês, atribuído aos padres Ruggiri e Ricci). No início do século XXI, extinto seu império colonial, Portugal decidiu não se confinar ao restrito espaço territorial europeu e aceitou o desafio de partilhar com o Brasil e os países africanos de língua oficial portuguesa um patrimônio comum, a língua portuguesa. Esse instrumento de comunicação com as imensas virtualidades da língua, servindo a cerca de 250 milhões de falantes, possui um incalculável potencial de solidariedade humana e de cultura, de política e de economia. É notório que o idioma é um dos grandes valores do patrimônio histórico das nações, a base da relação permanente entre os indivíduos e de relacionamento entre os povos.
Durante a conferência no Itamarati, o Museu da Língua Portuguesa de São Paulo esteve presente com uma mini-exposição sobre a presença da língua portuguesa no mundo.
O PORTUGUÊS NO MUNDO, HOJE
O português é a sexta língua mais falada no mundo, a terceira mais falada no Ocidente, vindo logo depois do inglês, que se transformou em idioma universal, e do espanhol. Parece lógico e racional aproveitar essa indiscutível fase de expansão política e econômica do Brasil no mundo para estimular a penetração do idioma português não apenas entre as nações que constituem a CPLP, mas na Europa, na Ásia e por toda a América. Para isso, é fundamental conjugar os esforços dos Estados, das instituições e da sociedade para garantir a maior difusão do português dentro de nossos respectivos países e no mundo inteiro. Voltemos ao nosso tema central, que é a difusão pública da língua portuguesa: Ampliação da difusão da língua portuguesa nos meios de comunicação de massa. Temos os
jornais, o rádio e a televisão, os meios clássicos de comunicação, agora acrescidos da internet, que abre perspectivas revolucionárias no universo das comunicações no Brasil e no mundo. Temos a responsabilidade histórica de prosseguir na defesa, valorização e promoção do idioma de Camões e Machado de Assis, de Pepetela e Craveirinha, Mia Couto, Amílcar Cabral, Agostinho Neto e Xanana Gusmão.
A EXPERIÊNCIA DA TV
Precisamos começar a difusão do português dentro de nossos próprios países para tornar mais robusta e consistente a sua penetração no mundo. No Brasil, temos algumas experiências vitoriosas na televisão. É justo reconhecer o papel importante que tem desempenhado a TV Globo, com suas novelas e minisséries, algumas que se tornaram
NA INTERNET, 66 MILHÕES
E há a internet. O Brasil é o quinto país do mundo na internet. São 66 milhões de internautas. Segundo o Ibope, os brasileiros são os que ficam mais tempo diante da internet. Este é o novo e revolucionário veículo, que terá papel importante em qualquer esforço que se faça para a difusão da língua portuguesa. O livro eletrônico já está sendo lançado e é o mercado mais promissor. Em um só Kindle – nome de fantasia da Amazon – podem estar centenas de clássicos, desde A Divina Comédia, de Dante, a tragédias de Shakespeare, obras de Maquiavel e de Aristóteles, entre outros. Alguns jornais do mundo já estão nesses livros eletrônicos. Do Brasil, até agora, só O Globo. Qualquer programa de difusão da língua portuguesa terá que atribuir grande importância ao papel que a internet poderá desempenhar nesse esforço, junto com os jornais e as emissoras de rádio e televisão. Finalmente, espero que com este e outros encontros possamos lançar pontes ainda mais firmes e consistentes para consolidar as relações entre os países de expressão portuguesa. Devemos compartilhar nossas experiências para que a nossa língua seja a nossa Pátria comum, como canta o brasileiro Caetano Veloso. Se a Pátria é a nossa língua, nosso espaço no mundo cada vez mais globalizado é a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa-CPLP. Muito obrigado.”
Após alguns verões Os seres humanos já falaram 150 mil línguas. Hoje, falam menos de 6 mil. A cada quinzena, morre uma língua
ILUSTRAÇÃO DE MARIA
legendárias, como o afeto ou o amor de Riobaldo e Diadorim, os dois jagunços retirados de Grande Sertão – Veredas, o romance clássico do mineiro João Guimarães Rosa. Ou a trama tecida por Machado de Assis no seu clássico romance Dom Casmurro, entre Capitu e Bentinho, a história nada explícita, algo misteriosa, de uma traição que não se declara. Também virou minissérie. Assim como o suicídio de Getúlio Vargas, segundo Agosto, de Rubem Fonseca, ou Morte e Vida Severina, triste e belo poema do pernambucano João Cabral de Melo Neto. São avanços que estão a favor de nossa cultura. Mas há retrocessos, como a invasão da cultura norteamericana no rádio e na televisão, impondo expressões e até hábitos que nada têm a ver com as nossas tradições. Existem os jornais, os mais importantes, sem dúvida, no eixo Rio-São Paulo, como O Globo e O Estado de S. Paulo. Porém, há algumas fortes expressões regionais, como Zero Hora, em Porto Alegre, Gazeta do Paraná, em Curitiba, A Tarde, na Bahia, o Jornal do Commercio, de Recife, o Diário do Nordeste, em Fortaleza, para citar alguns.
POR RODOLFO KONDER Pauline Klavina falava letão, como habitante da Letônia. Mas sonhava em livoniano, que ela definia como “a língua do mar”. Durante 5 mil anos, aquela região do Báltico integrou a Livônia, uma cultura de pescadores que viveu seus momentos de glória na era dos cavaleiros teutônicos, no século XII. Depois, a Livônia entrou em declínio e, subjugada pela marinha russa, passou a integrar a Letônia. Nos tempos da falecida União Soviética, os livonianos foram afastados dos povoados costeiros e tiveram o ensino de sua língua proibido nas escolas. Pauline sonhava em livoniano, quando morreu. Com a velha senhora, portanto, também desapareceram frases, datas,nomes, rostos, entonações, vozes, porque ela era a última pessoa viva que conhecia a língua livoniana. Durante décadas, séculos, milênios, as pessoas criam palavras, elaboram uma sintaxe, desenvolvem uma gramática, definem uma musicalidade única, ao falar. Uma língua é o monumento à criatividade humana. Abriga hábitos, emoções, formas específicas de se ver o mundo. E tudo isso se foi, tudo mergulhou nas trevas com a morte de Pauline. As línguas, como os cisnes do poeta Alfred Tennyson, também estão morrendo “após alguns verões”.
Na verdade, a cada quinzena naufraga uma cultura inteira, com seus cantos e sua mitologia. A cada duas semanas, o mundo se torna mais pobre, menos diversificado. Os seres humanos já falaram 150 mil línguas. Hoje, falam menos de 6 mil. Apenas cinco línguas dominam o cenário atual: o inglês, o espanhol, o chinês, o russo e o hindu são falados por metade da população do planeta. Cerca de 45% dos seres humanos falam outras cem línguas. Os 5% restantes são responsáveis por milhares de pequenos idiomas. Como tirar da UTI as línguas que estão morrendo? O que fazer? Alguns especialistas garantem que
bastam investimentos da ordem de 200 mil dólares, além de pelo menos dois anos de pesquisas, para salvar uma língua. O que falta, então? Empenho das instituições e países mais ricos? Pressão internacional? Vontade política? Sempre cabe lembrar que a natureza só encontra seu equilíbrio na diversidade. É preciso que haja diversidade de plantas, sapos, macacos, peixes, para que a natureza preserve sua saúde. O princípio vale também para o mundo da cultura e para a sociedade humana. Nossa sobrevivência depende do nosso respeito à diversidade. Rodolfo Konder, jornalista e escritor, é Diretor da Representação da ABI em São Paulo.
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COMEMORAÇÃO
“Maracanã, um estádio com alma” O maior templo do futebol brasileiro é exaltado no Dia do Cronista Esportivo pela Acerj, a entidade que reúne os craques desse jornalismo especializado. O Maracanã foi definido duas vezes como um “estádio com alma”, expressão usada pelo decano da crônica esportiva do Rio, jornalista Luiz Mendes, e repetida pela Secretária de Turismo, Esportes e Lazer do Estado do Rio, Márcia Lins, que também é jornalista, na cerimônia com que a Associação dos Cronistas Esportivos do Rio de Janeiro-Acerj, comemorou o Dia do Cronista Esportivo, em 5 de março. Tanto Mendes como Márcia exaltaram o atual Estádio Mário Filho, cujo renome tem dimensão mundial, como acentuou Mendes, informando que em Belgrado, capital da antiga Iugoslávia, foi dado o nome de Maracanã a um
estádio, em homenagem ao maior templo do futebol brasileiro. Mendes contou que cobriu o início das obras de construção do Maracanã junto com o falecido radialista Raul Brunini. Ele lamentou que a capacidade do estádio tenha sido reduzida ultimamente e se situe agora em torno de 90 mil espectadores, menos da metade do público que já abrigou, como o de mais de 180 mil pessoas no jogo Brasil x Paraguai das eliminatórias da Copa do Mundo de 1954. Provocando risos dos presentes, Mendes contou que no dia do início solene das obras um dos diretores de uma das seis empreiteiras contratadas estava tão emocionado que levou ao ouvido, em vez da boca, o microfone com que Brunini o entrevistava. Realizado no Centro de Memória do Jornalismo, no hall térreo do estádio, e presidido pela Secretária Márcia Lins, com a presença do Presidente da Superintendência de Esportes do Estado do Rio de Janeiro-Suderj, Sávio Franco, e
seu Vice-Presidente, Jorge Guilherme Pontes, também jornalista, o ato foi aberto pelo Presidente da Acerj, Eraldo Leite, que convidou para tomar assento na direção dos trabalhos um elenco de ases do jornalismo esportivo: o decano Luiz Mendes; Orlando Batista, locutor que brilhou durante décadas na Rádio Mauá do Rio de Janeiro; Teixeira Heizer, um dos pioneiros do jornalismo na televisão e membro do Conselho Consultivo da ABI, e Sérgio Noronha, celebrado comentarista esportivo da televisão e do rádio. Ao lado deles, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, que liderou numerosa representação de associados da Casa. Após as intervenções de Mendes e Márcia Lins, o jornalista Lóris Baena Cunha, associado da ABI, foi convidado a contar a história dos poemas que fez em homenagem aos clubes que ganharam campeonatos regionais no Maracanã – América, Bangu, Botafogo, Flamengo, Fluminense e Vasco – reproduzidos em molduras que seriam em seguida inauguradas. Baena, que compareceu com a esposa, uma filha e
ARQUIVO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
MARCELO THEOBALD - AGÊNCIA O GLOBO
Decano da cobertura esportiva, Luiz Mendes (à direita, no alto) lamenta que o Maracanã já não abrigue multidões como a do Brasil x Paraguai de 1954. Teixeira Heizer (à direita, abaixo) concordou com Mendes.
um neto, contou que veio em 1947 de Belém, sua terra, para o Rio de Janeiro, onde se iniciou no jornalismo esportivo no diário Folha Carioca, cuja seção de esportes era dirigida pelo jornalista Canor Simões Coelho. Ao recebê-lo, Canor, com humor, descreveu-o como mais um “jornalista de exportação” vindo do Pará, somando-se a dois outros paraenses que já estavam radicados no Rio: Everardo Guilhon, que assinava crônicas esportivas sob o pseudônimo de XX, e Solange Bibas. A atuação de Canor Simões Coelho como líder dos jornalistas esportivos foi realçada também pelo Presidente Eraldo Leite, que lembrou que Canor dirigiu o primitivo Departamento de Imprensa Esportiva da ABI, celebrado sob a sigla Die. Este constituiu o embrião da atual Associação dos Cronistas Esportivos. Entre os associados da ABI que compareceram ao ato, encerrado com um coquetel, encontravam-se Antônio Nogueira Neto, Gerdal dos Santos, Germando de Oliveira Gonçalves, Miro Lopes e Paulo Marinho, que se somaram a outros jornalistas, entre os quais Nélson Rodrigues Filho.
FRANCISCO UCHA
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RECLAMO
A posse da AIP, um ato em defesa do diploma “Os ministros do SupremoTribunal Federal revelaram total desconhecimento da História da Imprensa no País e impuseram ao jornalismo um retrocesso intolerável”, sustentou a ABI na solenidade de posse da Diretoria da Associação da Imprensa de Pernambuco. retor e Vice-Diretor de Imprensa do Interior; Elias Roma Filho e Francisnaldo Gonçalves, Diretor e Vice-Diretor de Mídia e Divulgação; Ricardo Cardoso, Diretor de Cultura, e Ivaldo Ferreira, Diretor de Assistência Social e Patrimônio. Após a chamada dos membros efetivos e suplentes do Conselho Fiscal, o Presidente da ABI assinou o termo de posse, como testemunha. Antes do encerrramento da sessão, o plenário lotado aplaudiu com entusiasmo a declamação de um poema de Fernando Pessoa pela atriz Geninha da Rosa Borges, considerada a PrimeiraDama do Teatro de Pernambuco. Perfil e programa Graduado em Jornalismo pela Universidade Salgado de Oliveira, em Fi-
losofia pelo Mosteiro de São Bento de Olinda e em Teologia pelo Instituto Franciscano de Olinda e graduando em Direito pela Universidade Marista do Recife, Múcio Rodrigues Barbosa de Aguiar Neto, o novo Presidente da AIP, tem 32 anos e é também membro do Conselho Deliberativo da ABI. Em 2002 foi Superintendente Regional do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional-Iphan: então com 24 anos, foi o mais jovem ocupante desse cargo em todo o Brasil desde a criação do Instituto, nos anos 30. Em seu discurso de posse, Múcio informou que sua administração procurará soerguer a AIP, dando continuidade ao esforço desenvolvido com esse fim por seu antecessor, Calazans Neto,
agora seu Vice-Presidente; empenharse pela valorização dos profissionais da comunicação, atuando em estreita colaboração com o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de Pernambuco, sobretudo em questões fundamentais para o corpo social das duas entidades, como o restabelecimento da obrigatoriedade do diploma para o exercício da profisssão de jornalista; e desenvolver estudos e formular proposições acerca da questão urbana no Estado e principalmente no Recife. O Conselho Fiscal Como membros do Conselho Fiscal da AIP foram empossados os associados Flávio Chaves, Luiz Felipe Moura, Júlio Crucho, Jota Neto, José Marinho Nery da Silva e Kennedy Barreto.
Comissão Especial analisa PEC do diploma O Presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer (PMDB-SP), criou no dia 2 de março, a Comissão Especial que vai avaliar a Proposta de Emenda à Constituição-PEC 386/09, do Deputado Paulo Pimenta (PT-RS), que restabelece a obrigatoriedade do diploma de Jornalismo para o exercício da profissão. A Comissão Especial será composta por 18 membros titulares e 18 suplentes, que serão indicados pelos partidos. Após a instalação, a Comissão vai analisar o mérito da proposta e recomendar ou não a sua aprovação. Caso seja aprovado, o texto segue para votação no Plenário.
Projetos de lei precisam tramitar em diversas comissões antes de serem levados ao Plenário. Já as Propostas de Emenda à Constituição são submetidas a uma Comissão que analisa a constitucionalidade e por uma Comissão Especial que julga o mérito da questão. No mesmo dia, a Federação Nacional dos Jornalistas-Fenaj iniciou contatos com parlamentares para agilizar o processo: “Nossa expectativa é de que a PEC seja votada e aprovada ainda no primeiro semestre. Faremos tudo o que for possível para agilizar a tramitação da matéria”, afirmou o Presidente da entidade, Sérgio Murilo.
J. BATISTA/AGÊNCIA CÂMARA
Convidada a presidir a cerimônia de posse da nova Diretoria da Associação da Imprensa de Pernambuco-AIP, realizada em 26 de março, num dos auditórios da Assembléia Legislativa do Estado, a ABI transformou o ato numa manifestação em defesa da obrigatoriedade do diploma de conclusão do curso de Jornalismo ou de Comunicação Social para o exercício da profissão de jornalista e de crítica aos ministros do Supremo Tribunal Federal que derrubaram tal exigência em 17 de junho passado. “Os ministros do Supremo revelaram total desconhecimento da História da Imprensa no País e impuseram ao jornalismo um retrocesso intolerável”, disse o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, a quem coube a abertura da sessão. Pronunciamentos na mesma linha foram feitos a seguir pelo jornalista José Calazans Neto, que encerrava seu mandato como Presidente da AIP e tomava posse como Vice-Presidente da nova Diretoria, Múcio Aguiar Neto, empossado Presidente para o mandato 20102013, e Ayrton Maciel, Presidente do Sindicato dos Jornalistas Profissionais de Pernambuco, o qual denunciou o risco de queda do padrão de qualidade do jornalismo brasileiro trazido pela decisão do Supremo. Disse Ayrton Maciel que é lamentável que isso ocorra, pois a imprensa brasileira nada fica a dever em matéria de qualidade aos principais jornais do Ocidente. Chamados pela Segunda Secretária Svetlana Romagna Valentim, também empossada e que atuou como mestrade-cerimônia, tiveram assento à mesa diretora da sessão o Conselheiro Federal da Ordem dos Advogados do Brasil Jaime Asfora, que representou a direção nacional da OAB, o Juiz Corregedor do Tribunal Regional Federal Alfredo Aguiar, o Reitor da Pontifícia Universidade Católica de Pernambuco, Professor Pedro Rubens Ferreira Oliveira, o Cônsul da República Tcheca no Recife, Jiri Jodas, e o Deputado estadual Sebastião Rufino, além de Maurício Azêdo, Calazans Neto, Múcio Aguiar e Ayrton Maciel. Um a um, foram chamados a assinar o termo coletivo de posse Múcio, Calazans, Esmeralda Camacho, Primeira Secretária; a própria Svetlana Valentim; Isnaldo Acioli e Hílton Monteiro, Diretor e Vice-Diretor Administrativo-Financeiro; Ramos Silva e Mário Costa, Di-
Michel Temer criou a Comissão Especial que vai analisar a PEC do diploma.
Parlamentares se mobilizam em favor do diploma A Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul aprovou por unanimidade no dia 17 de março, o Projeto de Lei 236/2009, do Deputado Sandro Boka (PMDB), que torna obrigatório o diploma de Jornalismo para servidores estaduais. O texto seguirá para sanção da Governadora Yeda Crusius (PSBD). De acordo com o Presidente do Sindicato do Rio Grande do Sul, José Maria Rodrigues Nunes, a aprovação do projeto representa o reconhecimento da im-
portância da qualidade da informação e ratifica a posição dos deputados federais e senadores que já aprovaram a exigência do diploma nas Comissões de Constituição e Justiça das duas Casas. No mesmo dia, a Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa do Mato Grosso do Sul também aprovou projeto de lei do Deputado Pedro Teruel (PT), que exige o diploma de graduação em Jornalismo para o exercício da profissão nos órgãos esta-
duais. O texto segue para votação no Plenário. Já no Amazonas, o projeto de lei que tornava obrigatória a exigência do diploma em órgãos públicos do Estado foi vetado na Assembléia Legislativa, no dia 16. De autoria do Deputado Sabá Reis (PR), o texto já havia sido rejeitado em dezembro de 2009 pelo Governador do Amazonas, Eduardo Braga (PMDB), que se baseou na decisão do Supremo Tribunal Federal.
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JUSTIÇA
Dines e Frias na Ordem do Mérito O criador do Observatório da Imprensa e o publisher da Folha, morto em 2007 e representado por sua filha Maria Cristina Frias, recebem as medalhas da Ordem do Mérito do Ministério das Comunicações. JOSECRUZ/ABR
A homenagem póstuma a um publisher e o reconhecimento ao trabalho de um jornalista há 58 anos no batente, com boa parte de sua trajetória dedicada ao olhar crítico sobre a mídia. No dia 29 de março, Octávio Frias e Alberto Dines, criador do Observatório da Imprensa, foram agraciados com as medalhas da Ordem do Mérito do Ministério das Comunicações, em solenidade realizada no gabinete provisório da Presidência da República, no Centro Cultural Banco do Brasil, em Brasília. As comendas foram entregues pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A jornalista Maria Cristina Frias recebeu a medalha concedida ao pai, morto em 2007. Octávio foi proprietário do grupo que, entre outros títulos, publica a Folha de S.Paulo. O Ministro das Comunicações, Hélio Costa, que no dia 31 de março deixou a Pasta para disputar as eleições deste ano, explicou que a Ordem do Mérito foi criada em 2006 com o objetivo de homenagear profissionais com atuação marcante em prol da imprensa no País. “Entendíamos que deveríamos escolher nomes que fossem reconhecidamente de jornalistas ou da área de comunicação e que tivessem um grande serviço prestado à imprensa brasileira”, disse o Ministro. Maria Cristina Frias afirmou que uma das maiores contribuições do empresário do Grupo Folha foi fazer valer a idéia de que um veículo de comunicação precisa ser independente e plu-
ralista, “pois o público quer ver todos os lados dos fatos”, destacou. Lembrando Armando Em breve discurso, Dines prestou homenagem a Armando Nogueira, colega de profissão que falecera naquele mesmo 29 de março e recebera a medalha em 2007. “Quando ele foi agraciado com a primeira Comenda do Mérito das Comunicações, no Rio, fui advertido de que eu seria um dos próximos. Preferi não acreditar: jornalistas não gostam de ser criticados e o Governo não cometeria a gafe de homenagear a quem se dedica a criticar os meios de comunicação. Errei na previsão”, brincou Dines, que em se-
guida lembrou sua relação com o outro homenageado deste ano. “Quando, em 1975, fui contratado pelo saudoso Octávio Frias, sugeri que, além da chefia da sucursal carioca da Folha de S. Paulo e de um artigo diário, pelo mesmo salário eu escreveria a coluna semanal de acompanhamento da imprensa. Ao lado do inesquecível Cláudio Abramo, o velho Frias colocou a mão no meu ombro e disse: ‘Você vai ganhar muitos inimigos’. Nem ele nem eu poderíamos imaginar o quanto estava certo. Mas acho que estou em excelente companhia”, avaliou o fundador e apresentador do Observatório da Imprensa, exibido pela Rede Brasil e disponível também na internet.
Dines, diante de Cristina Frias, do Presidente Lula, Hélio Costa e Franklin Martins: "Não passamos um dia sem ler os jornais, como não passamos um dia sem olhar no espelho".
Dines, que também trabalhou na Editora Abril, na Manchete e no Jornal do Brasil, entre outros veículos, falou sobre o significado da homenagem.. “O Presidente, o Governo e o Estado brasileiro homenagearam um grande publisher e um jornalista que tenta fazer que a imprensa seja respeitada, apreciada, querida. Acho que este é um grande momento para a imprensa brasileira. No fundo, nós sofremos do mesmo vício: não passamos um dia sem ler os jornais, da mesma forma como não passamos um dia sem olhar no espelho. Alguns espelhos distorcem, outros são pequenos... Mas tudo isso tem jeito. O desperdício seria colocar o espelho virado para a parede. De costas para a vida”, ponderou.
DISPUTA
Caso Bloch: atualização de indenização é justa Um novo capítulo de uma pendência trabalhista que se arrasta na Justiça há dez anos. É justa a exigência da correção monetária sobre o valor da indenização trabalhista que deveria ser paga aos exempregados da Bloch Editores na época do anúncio de falência da empresa. Este é o entendimento da Justiça e da síndica da massa falida, Luciana Trindade. O caso se arrasta há quase dez anos, e na época nenhum trabalhador recebeu nada ao ser dispensado. A proposta, que é favorável aos exempregados da Bloch, foi apresentada pelo grupo de advogados que participaram de reunião em 2 de março com a síndica Luciana Trindade. O encontro foi considerado positivo, por causa do entendimento da síndica de que deve haver a atualização monetária, mas foi informado também que a pri14
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oridade deverá ser para o pagamento dos que ainda não receberam nada. Para Luciana Trindade, é necessário que se paguem todas as indenizações para depois se dar início ao processo de atualização monetária. “Não há dúvida quanto à correção monetária. O artigo 26 da Lei de Falências determina que a correção deve ser paga aos credores trabalhistas atualizada até à data da quebra da empresa, mas somente após o pagamento do valor histórico da dívida indenizatória.” Leilão Informou a síndica da massa falida que a partir do término desse pagamento os credores trabalhistas poderão receber a diferença com juros e cor-
reção monetária: “Como ainda temos 500 processos em curso. isto pode demorar, mas os trabalhadores já estão recebendo o principal”, informou Luciana Trindade. Segundo o Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Município do Rio de Janeiro-Sindijor-RJ, a síndica da massa falida teria dito que teme que o dinheiro arrecadado com os próximos leilões de imóveis, máquinas e obras de arte não seja suficiente para cobrir o total devido aos ex-empregados que ainda nem tiveram seus processos habilitados na Justiça. Luciana Trindade disse a representantes do Sindijor-RJ que “todos os bens da empresa já foram identificados e agora aguardam determinação judi-
cial para que sejam levados a leilão”. Os preços desses bens também já foram estabelecidos, mas é necessário que os valores sejam atualizados. Há o temor de que sejam leiloados por valores abaixo do estabelecido pelo mercado, o que acarretaria prejuízo para a massa falida afetando diretamente os ex-empregados da Bloch Editores. Já a cobrança dos juros sobre o valor das indenizações é encarada pelos advogados como uma questão “discutível” e que não deve ter prioridade entre as reivindicações do momento. Eles disseram também que os valores recebidos pelos ex-empregados referem-se a indenizações e por esse motivo não estão sujeitos ao desconto do Imposto de Renda.
ESPECIAL
A AVENTURA BRASILEIRA DO FRANCÊS
ÉDOUARD BAILBY POR ÉDOUARD BAILBY Eu tinha 19 anos e cinqüenta dólares no bolso quando desembarquei na Praça Mauá, em 16 de novembro de 1948, depois de atravessar o Atlântico durante dezoito dias a bordo do Désirade. Começava a grande aventura da minha vida! Não conhecia ninguém no Rio a não ser o escritor Álvaro Lins, diretor do suplemento literário do Correio da Manhã, que encontrara por acaso em Paris. Quando soube que estudava Português no Liceu Louis-le-Grand, além do inglês e do espanhol, e que era capaz de alinhar algumas palavras, com sotaque lusitano, ele se entusiasmou de tal modo que me disse: “Se você fôr ao Brasil, como pretende, antes de percorrer o resto da América do Sul, prometo conseguir uma bolsa do Itamarati para que possa estudar na Universidade e conhecer a nossa cultura.” Logo após a minha chegada, sentime tão feliz com a atmosfera tropical da cidade, os abraços calorosos dos cariocas, a beleza das mulatas e o esplendor da natureza que resolvi pedir a bolsa. Enquanto esperava a resposta vivi meses difíceis pois não tinha dinheiro. O pouco que ganhava com aulas particulares de Francês mal dava para me sustentar. Às vezes passava dois dias seguidos tomando apenas um cafezinho. Por sorte conheci brasileiros generosos que procuravam ajudar-me. Agüentei firme. Finalmente Álvaro Lins cumpriu a sua promessa e assim fui o primeiro estudante francês a receber uma bolsa do Itamarati. Não era muito mas deu para pagar durante quatro anos a minha cama na Casa do Estudante do Brasil, na Rua Santa Luzia, e tomar refeições completas com um copo de leite pelo preço de dois cruzeiros no restaurante universitário do Calabouço. Naquele tempo o aterro do Flamengo ainda não existia. Como o Clube de Regatas Vasco da Gama ficava perto, passei uma temporada remando diariamente às cinco da madrugada até o Pão de Açúcar. Uma hora e meia de ida e volta. Desde então sou vascaino de coração. Para conseguir a matrícula na Universidade, precisava revalidar o bacca-
O JORNALISTA FRANCÊS É DOUARD B AILBY , QUE MOROU QUINZE ANOS NO R IO DE J ANEIRO , COLABORANDO EM INÚMEROS JORNAIS E REVISTAS , FOI REPÓRTER DA Ú LTIMA H ORA DE 1956 A
1961 E EDITOR INTERNACIONAL DO JORNAL O S EMANÁRIO ATÉ DEZEMBRO DE 1963, QUANDO VOLTOU DEFINITIVAMENTE PARA
P ARIS . L Á TRABALHOU QUINZE ANOS NA REVISTA L’E XPRESS . N ESTE TEXTO EXCLUSIVO PARA O J ORNAL DA ABI, B AILBY CONTA A SUA EXPERIÊNCIA COM SAMUEL WAINER E OSWALDO COSTA, DEIXANDO ENTREVER SUA ADMIRAÇÃO E SEU CARINHO POR AMBOS .
lauréat, isto é, o diploma francês do ensino secundário. Não dava tempo. Única possibilidade: entrar para o curso de Jornalismo recém-criado na Faculdade Nacional de Filosofia, na Avenida Presidente Antônio Carlos, que não exigia o tal documento. Era a única alternativa para aproveitar a bolsa do Itamarati. Tive professores ilustres como Josué de Castro, Danton Jobim e Neusa Feital, esta da Rádio Ministério da Educação, onde acabei dando aulas de Francês. Finalmente recebi o diploma de bacharel em Jornalismo numa cerimônia oficial que teve lugar no Teatro Municipal. Logo depois, segui o curso de Línguas Neolatinas com Alceu Amoroso Lima, Manuel Bandeira e Celso Cunha, que foram mestres exemplares de quem guardo uma recordação inesquecível. Foi na revista Brasil Musical, com sede na Rua Evaristo da Veiga, que escrevi, em francês, o primeiro artigo da minha vida. Publicado em dezembro de 1948, um mês após a minha chegada ao Rio, levava por título Saudação dum jovem francês ao Brasil. Posteriormente, no suplemento literário do Correio da Manhã, em 19 de junho de 1949, antes mesmo de entrar para a Universidade, publiquei pela primeira vez um artigo num diário brasileiro de renome, com prefácio do Álvaro Lins recordando o nosso encontro em Paris. Título: Problemas do federalismo europeu. Continuei escrevendo vez por outra matérias literárias. Quando foi lançado, no início dos anos 50, o Journal Français du Brésil, propus a minha colaboração. Inicialmente não me pagaram pelos artigos mas acabei sendo contratado como redator. Mais tarde, de 1954 a 1956, fui redator-chefe do jornal, que era quinzenal, com uma tiragem de 15.000 exemplares. Oposto à guerra colonial na Argélia, tive uma série de atritos com a Embaixada da França, sendo finalmente demitido. Aproveitei para passar dois meses de férias em Paris, onde revi a minha família. De volta ao Rio procurei logo um emprego na imprensa do Rio para iniciar uma vida de autêntico repórter. Graças a João Etcheverry, amigo do Samuel Wainer, entrei para a Última Hora em julho de 1956. Foi o trampolim da minha carreira! Jornal da ABI 352 Março de 2010
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No exílio, após o golpe, Samuel Wainer pensava em fundar em Paris um jornal dedicado exclusivamente à América Latina. A saudade antecipou sua volta ao Brasil.
NA UH DE SAMUEL, APRENDI A ARTE DA REPORTAGEM
JORNAL DO COMMERCIO RJ
Acabei de resumir o meu percurso de 1948 a 1956 para sublinhar a importância decisiva que teve a Última Hora na minha vida profissional. Nos cinco anos que convivi ao lado de grandes jornalistas e fotógrafos formados por Samuel Wainer aprendi a arte da reportagem. Até então tinha publicado apenas artigos literários e políticos. Interessado no trabalho dos tipógrafos, ficava atento à composição das páginas na gráfica onde era impresso o Journal Français du Brésil, mas desconhecia o trabalho diário num jornal de grande circulação. Era a época da campanha O petróleo é nosso. O Globo e os demais órgãos da imprensa conservadora combatiam sem trégua o movimento nacionalista afirmando que não havia petróleo no Brasil, que era coisa de comunista. A Última Hora era o seu alvo preferido. Cheguei em boa hora. Recordo com saudade o edifício de dois andares na Rua Sotero dos Reis, em São Cristóvão. Calçada esburacada, casas modestas de ambos os lados, uma garagem para conserto de carros, um boteco na esquina. Todos se conheciam nesse bairro popular a poucos passos da Praça da Bandeira. Não tive a menor dificuldade em me adaptar. Na Redação do jornal estava cercado de colegas alegres e amigos. Tinha uma mesa de trabalho com máquina de escrever. Na minha frente o Renato de Castro, que usava o pseudônimo de Marijô para escrever a sua coluna Fala
MOACIR WERNECK, MIRANDA JORDÃO E MUITOS OUTROS
Edição de 7 de julho de 1956 da Última Hora: nesse mês Édouard Bailby começava no jornal que teve importância decisiva na sua vida profissional.
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Com uma pilha de laudas em cima da mesa, Moacir Werneck de Castro era o Chefe da Redação. Homem competente, de grande cultura, sabia transmitir as recomendações do Samuel sem jamais perder a calma. Continuo amigo dele até hoje e da sua esposa Nené. Outro amigo desde aqueles tempos, um irmão mais bem
dito: Jorge de Miranda Jordão, que posteriormente foi diretor da Última Hora em São Paulo e de outros diários. Percorremos várias vezes o interior da França no meu carro quando passava por Paris. Outro foi Aroldo Wall, que depois do golpe militar foi trabalhar na Prensa Latina em Cuba. Nunca conheci um jornalista que escrevesse tanto até altas horas da noite. Lembro o jovem desenhista Egberto, que ilustrou a única novela que escrevi na minha vida, em março de 1958, para a revista Jóia sob o título As aventuras de Pipoca. Guardo na memória muitos nomes: Octávio Malta, Pinheiro Júnior, César Donadel, Armindo Blanco, Amado Ribeiro, Iram Frejat, Flávio de Britto, João Ribeiro, Marita Lima, Flávio Tavares, Stanislaw Ponte Preta e as suas enxutas, além de Milton Coelho da Graça e tantos outros. A Última Hora foi o berço dos jornalistas da imprensa moderna no Brasil. Não posso deixar de recordar a este respeito José Carlos Rego, primeiro negro admitido no quadro de repórteres da imprensa do Rio, graças à abertura de espírito de Samuel Wainer. Era capaz de cobrir tanto um ato oficial solene como uma tragédia nas favelas. Com exceção de esportes, fiz de tudo. Atento aos menores acontecimentos, tanto na área social ou política como no que acontecia nas camadas mais pobres da população, imaginando a toda hora novos esquemas para dar impulso à Última Mais de 50 anos depois, Bailby guarda boas lembranças dos companheiros de UH, como Moacir Werneck, Chefe da Redação, que jamais perdia a calma.
NO JIPE DO JORNAL, SEM PORTAS TRANCADAS E SEMPRE BEM-VINDO Percorria o Rio num jipe com o logotipo azul da Última Hora, um motorista e um fotógrafo. Um deles que me acompanhou inúmeras vezes foi o Wal-
ARQUIVO JORNAL DA ABI
ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO
o Povo, denunciando os eternos problemas da cidade. Passava horas ouvindo as estações de rádio à procura dos locutores que tropeçando nas sílabas caíam do trapézio. Fazia questão de dar a hora exata com os minutos. Não muito longe sentava o Nélson Rodrigues batendo na máquina A Vida Como Ela É, que fez enorme sucesso. O homem escrevia com talento, porém era reacionário demais. Um dia, viajando de ônibus para Laranjeiras, perguntei-lhe se já havia visitado algum país estrangeiro. A resposta foi taxativa: “Para quê ? Na minha rua tenho os dramas da humanidade.” Afora o amor sempre tingido de sangue nas suas crônicas, o Nélson, como bom brasileiro, era fanático de futebol. Quando Juste Fontaine marcou o primeiro gol da França na Copa de 1958, ele exigiu que eu ficasse trancado na sala do telex porque estava segurando, dizia ele, a antena do rádio dando azar à Seleção. Por sorte a França perdeu.
Hora, dotado de uma excepcional vivacidade de espírito, grande profissional, Samuel Wainer considerava que tudo podia ser notícia. “Lugar de repórter, insistia, é na rua.” Não suportava o jornalista mal vestido. Foi assim que tive a sorte de entrevistar celebridades brasileiras, como Vinícius de Moraes, Niomar Muniz Sodré, Marcelo Roberto e Jorginho Guinle, bem como estrelas internacionais, como Louis Armstrong, Jean-Paul Sartre, Yves Montand, Linda Christian, Jane Mansfield e Giuletta Masina, intérprete italiana de La Strada. Cheguei a falar alguns minutos com Fidel Castro quando desembarcou no Aeroporto Internacional do Galeão, poucas semanas depois do triunfo da Revolução. Conheci o General Alfredo Stroessner, em Assunção, quando era ditador do Paraguai. Entrevistei misses, manequins de Christian Dior, artistas da Ópera de Pequim, deputados, ministros e gente humilde que sofria de tanto trabalhar para ganhar a vida. Fiz reportagens com retirantes do Nordeste, nas favelas do Rio e nos bailes do Carnaval. Cheguei a conhecer Volta Seca, braço direito de Lampião, quando era faxineiro na Leopoldina. Viajei, enfim, pela Europa, principalmente nos países socialistas. Samuel queria que o repórter estivesse sempre em movimento.
UM PATRIOTA DA IMPRENSA A campanha de Carlos Lacerda contra a Última Hora foi histérica. Na ver-
OSWALDO COSTA COM O SEU O SEMANÁRIO E SUA FÉ NO
FUTURO DO BRASIL
ARQUIVO DO ESTADO DE SÃO PAULO
SAMUEL, UM BRASILEIRO QUE AMAVA O SEU PAÍS.
dade, ela visava a desestabilizar o movimento nacionalista e popular. Filho de judeus humildes da Europa oriental, Samuel Wainer foi um autêntico brasileiro que tanto defendeu a Petrobrás e as conquistas trabalhistas de Getúlio Vargas como deu apoio à política desenvolvimentista de Juscelino Kubitschek. Não era comunista. Era antes de mais nada um patriota da imprensa. Quando foi obrigado a deixar o Brasil para exilar-se na França, tive com ele longas conversas. Era um homem magoado. Resolvido a lutar, ele quis fundar em Paris um jornal exclusivamente dedicado à América Latina. Descendo os dois a Avenida dos Champs-Elysées, A inauguração de Brasília teve grande destaque na desde o Arco do Triunfo até Última Hora, que apoiava a política de Kubitschek. à Praça da Concorde, queria que eu colaborasse com ele. Não levou adiante o projecomo se fôsse um velho amigo. Entre to, pois acabou voltando para o BraOswaldo e mim a afinidade foi total e sil, de onde não conseguia viver afasnão tive a menor dificuldade em trabatado. Nunca mais o vi. lhar ao seu lado. Acabei sendo contratado como redator com um salário modesto. Além do editorial de política internacional e reportagens tanto no Brasil com no exterior, assinei com pseudônimos artigos e notas de todo tipo. Nem precisava apresentar as minhas matérias ao Oswaldo antes de publicadas. Ele tinha absoluta confiança em mim sabendo que defendíamos a mesma causa. Deixei a Última Hora em julho de Quando os Estados Unidos ameaça1961. No final dos anos 50 já tinha ram intervir em Cuba para pôr fim ao começado a colaborar em O Semanário, regime revolucionário de Fidel Castro, o jornal do Oswaldo Costa, com Redaescrevi um editorial do qual até hoje me ção instalada na Avenida Presidente sinto orgulhoso: Nem agora nem nunca Vargas, mudando posteriormente para “seu” Kennedy. Mais tarde, face às noa Avenida Franklin Roosevelt. Sentiavas ameaças norte-americanas, pediu me solidário com a sua luta. Quando que preparasse com urgência um supleme apresentei para escrever um ou mento especial de quatro páginas. outro artigo de política internacional, Como o tempo era curtíssimo para fui logo recebido de braços abertos, solicitar a ajuda de colaboradores externos, tive de escrever praticamente sozinho todas as matérias da primeira até à última linha. Redator parlamentar, Oswaldo passou alguns meses em Brasília, em 1962 ou 1963, deixando-me na chefia da Redação para confeccionar o jornal com o meu amigo Fichel Davit Chargel, diagramador de O Semanário. De estatura baixa, gordo, Oswaldo Costa dava gargalhadas homéricas. Sempre bem humorado, gentil com todos os subalternos, inclusive o contínuo, ele tinha sólidas convicções nacionalistas e progressistas. Defendia as suas posições com uma fé inquebrantável no futuro do Brasil. As vezes achava “loucos” ou “irresponsáveis” alguns esquerdistas mas, grande democrata, dava a cada um a possibilidade de defender as Bailby deixou o Brasil quatro meses antes suas idéias. Cristãos progressistas, sodo golpe militar. Integrou-se em 1964 à cialistas, comunistas e castristas, todos equipe de L'Express, a mais importante tinham direito à palavra. Na época foi revista francesa, na qual trabalhou até 1979. ARQUIVO PESSOAL
ter Firmo, que reencontrei há poucos anos quando expôs as suas belíssimas fotos em Paris. Lembro um dia de enchente em São Cristóvão. Para ir até o final da rua, vestido de terno e gravata por causa de uma entrevista com um deputado, os colegas acharam uma velha banheira e me puseram dentro até acharmos mais adiante um táxi. O bom humor era permanente, a boa camaradagem também, pois o Samuel sabia criar um clima de convivência tipicamente brasileira. Trabalhávamos todos com entusiasmo. Sentados num jipe do jornal, sem portas trancadas, sabíamos que seríamos bem acolhidos na Zona Norte e nas favelas. Violência havia na cidade mas era limitada aos bairros mais pobres abandonados pela Municipalidade. Na Zona Sul só a Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, era perigosa nas altas horas da noite. No meu trabalho de repórter jamais ninguém me disse uma palavra desagradável ou me prejudicou porque era estrangeiro. Um belo exemplo de fraternidade. Não sofri censura na Última Hora. Apenas uma vez Samuel Wainer pediu que corrigisse a minha matéria. Foi por ocasião do primeiro vôo comercial a jato entre Londres e Buenos Aires, com escalas no Rio e em São Paulo. Mal entrei no Aeroporto do Galeão para cobrir o evento, ouvi uma senhora que dizia para outra: “Por causa desse jato que ninguém conhece atrasaram o meu vôo. Não poderei assistir ao casamento do meu filho em Londres. É um escândalo!” Estava fora de si. Dirigi-me para a sala onde estava sendo realizada uma recepção com uísque, champanhe e salgadinhos, antes do vôo de vinte minutos reservado aos convidados. Tempo maravilhoso em cima da Baía de Guanabara. Voltei para a Redação, escrevi a matéria, que entreguei ao Samuel. Ele leu, não gostou, dizendo que tinha de escrever a reportagem de outra maneira. “Pagaram anúncios em todos os jornais, menos na Última Hora”, explicou fulo de raiva. O que fiz? Para não mudar os fatos, em vez de começar com o vôo regado a champanhe do Comet, falei de entrada na senhora que dava berros. Em outras palavras, troquei o fim do artigo contra o princípio. Até hoje conto essa estória para explicar como as notícias formam um baralho. O repórter deve escolher a mais importante, no seu entender, sem trair a verdade.
o único jornal importante de esquerda, totalmente independente, que defendeu sem fraquejar os interesses do Brasil, tornando-se o órgão da Frente Parlamentar Nacionalista. A United Press e a Associated Press não davam a menor repercussão no exterior às nossas posições, ao contrário das agências do Terceiro Mundo e do campo socialista. Éramos respeitados. Oswaldo assinava na primeira página o editorial de política nacional, reservando o resto do jornal a nacionalistas ilustres como Barbosa Lima Sobrinho, Neiva Moreira, que depois fundou Cadernos do Terceiro Mundo, Eneida, Jurema Finamour, Gentil Noronha, Edmar Morel, Maurício Azêdo, hoje Presidente da ABI, e muitos outros patriotas. Di Cavalcânti, o grande pintor brasileiro, dava a sua contribuição financeira para ajudar O Semanário, que não recebia nenhuma propaganda comercial das empresas privadas por causa das suas posições políticas. Quando ocorria, Oswaldo entregava-me parte do dinheiro que dele recebia para distribuir entre todos os que trabalhavam na equipe. Era um patrão fora do comum.
“CUIDADO COM O DE GAULLE. O HOMEM NÃO É DE BRINCADEIRA”, DISSE-ME OSWALDO COSTA, RINDO. Ao voltar definitivamente para a França, em dezembro de 1963, Oswaldo disse-me rindo: “Cuidado com de Gaulle, o homem não é de brincadeira”, ao que retruquei: “Cuidado aqui, de tanto cutucarem o rabo do leão ele acabará comendo vocês todos”. A situação interna do Brasil estava ficando explosiva mas não imaginava que fosse acontecer tão cedo um golpe militar encorajado pelos Estados Unidos. O Semanário, com o seu logotipo vermelho, foi imediatamente fechado e proibido de circular. Abalado com os acontecimentos, Oswaldo Costa faleceu poucos meses depois. Eu já trabalhava no L’Express quando recebi, em Paris, o telegrama dando a triste notícia. Parei de escrever a minha matéria. Havia desaparecido um entranhável amigo, um jornalista de talento e um inesquecível humanista. Uma vez na França, graças à minha experiência no Brasil, segui a minha carreira de repórter na revista L’Express de 1964 a 1979, colaborando desde então em inúmeros jornais e revistas como Le Monde Diplomatique e Géo, além de vários órgãos da imprensa brasileira. O titulo e os intertítulos são da Redação do Jornal da ABI.
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CRISE
Jornais em queda, internet em ascensão Os números indicam redução na circulação de 11 dos 20 jornais do País avaliados pelo IVC. Nos Estados Unidos, a internet ultrapassa os tradicionais veículos impressos como fonte de informação. “O movimento que abalou vários setores da economia também afetou o segmento de jornais e o impacto foi mais forte nos primeiros seis meses de 2009.” A afirmação, do Presidente do Instituto Verificador de Circulação-IVC, Pedro Martins Silva, explica o mau desempenho dos 20 maiores jornais brasileiros no ano passado. De acordo com dados publicados no jornal Meio & Mensagem, a circulação somada desses veículos sofreu queda de 6,9% em 2009, quando comparada à do ano anterior. Pedro Silva frisou que houve recuperação na circulação dos jornais assim que a econômica global mostrou sinais de reversão, tanto que no comparativo entre os meses de dezembro de 2009 e de 2008 o índice de queda foi de apenas 3%. Do total de 20 jornais avaliados pelo IVC, 11 registraram queda na circulação, seis tiveram alta e três se mantiveram estáveis na comparação com os números registrados em 2008. Os jornais O Dia e Meia Hora, do Grupo O Dia, do Rio de Janeiro, apresentaram as maiores quedas – 31,7% e 19,8%, respectivamente. Na seqüência, o Diário de S. Paulo (-18,6%), Jornal da Tarde (-17,6%), Extra (-13,7%), O Estado de S.Paulo (-13,5%), Diário Gaúcho (-12%), O Globo (-8,6%), Folha de S.
Fonte: Instituto Verificador de Circulação-IVC
Paulo (-5%), SuperNotícia (-4,5%) e Estado de Minas (-2%) também sofreram baixas. O Correio do Povo, A Tribuna e Valor Econômico registraram números praticamente estáveis. No grupo dos que tiveram alta na circulação estão o Daqui (31%), Expresso da Informação (15,7%), Lance! (10%), Correio Braziliense (6,7%), Agora São Paulo (4,8%) e Zero Hora (2%).
Na liderança do ranking de circulação aparece a Folha de S. Paulo, com média diária de 295 mil exemplares. Em seguida foram registrados os diários SuperNotícia (289 mil), O Globo (257 mil) e Extra (248 mil), O Estado de S. Paulo (213 mil), Meia Hora (186 mil), Zero Hora (183 mil), Correio do Povo (155 mil), Diário Gaúcho (147 mil) e Lance! (125 mil).
Internet segue em alta Pesquisa do Pew Research Center, divulgada no final de fevereiro, revelou que os sites de notícias se tornaram mais populares que os jornais nos Estados Unidos. A pesquisa, que ouviu 2.259 adultos entre 28 de dezembro de 2009 e 19 de janeiro deste ano, revelou que a internet é agora a terceira forma mais corrente de acesso a notícias, citada que foi como uma das fontes de informação por 61% dos entrevistados, atrás das tvs locais, citadas por 78%, e redes nacionais, como CNN e Fox News, que somaram 71%. O número de leitores regulares de jornais caiu para 50%, abaixo do de ouvintes de rádio (54%). Segundo a pesquisa, a capacidade de interação é um dos diferenciais da internet. De acordo com pesquisa realizada pela empresa 4 International Media & Newspapers, diretório de jornais digitais que reúne mais de 7 mil títulos de 200 países, o jornal norte-americano The New York Times encabeça o ranking de publicação mais lida na internet. Em segundo lugar aparece o britânico The Guardian, seguido pelo chinês The People´s Daily. Na quarta colocação está o USA Today; em quinto lugar, El Mundo, do grupo Unidad Editorial. Dentre os sites em língua portuguesa, ainda de acordo com o estudo, a melhor colocação é de O Globo (81º), seguindo pelo português A Bola, em 137º, e pela edição online de O Estado de S. Paulo, que figura em 167º lugar. Este ranking é atualizado duas vezes por ano e aponta o nível de circulação dos jornais, não considerando critérios de noticiabilidade, posicionamento editorial ou qualidade da informação. Para o cálculo são utilizadas medições Google Page Rank, Yahoo Inbound Links e Alexa Traffic Rank. Fonte: Instituto Verificador de Circulação-IVC
Daqui (Goiânia), Expresso da Informação (Rio de Janeiro), Extra (Rio de Janeiro), Jornal da Tarde (São Paulo), Meia Hora (Rio de Janeiro), SuperNotícia (Belo Horizonte), A Tribuna (Santos), Valor Econômico (São Paulo), Zero Hora (Porto Alegre)
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PERFIL
FRANCISCO UCHA
O grande lance de
Ledy
Do início quase que por acaso na profissão de jornalista, Ledy Mendes Gonzales apaixonou-se por leilões. De pioneira, tornou-se referência na cobertura desses eventos no Rio de Janeiro. POR PAULO CHICO
“A
primeira coisa que deve entrar nessa matéria é um registro de agradecimento. Ela não pode começar sem que eu destaque os nomes de três pessoas que me ajudaram muito: Wilson de Oliveira, Maurílio Ferreira e Mário Vale.” Atendida a recomendação inicial, segue o texto sobre Ledy Mendes Gonzales, pioneira na cobertura de leilões e na descrição de disputados lances. Ela nos recebeu em seu apartamento, próximo ao Largo do Machado, Zona Sul do Rio, para uma entrevista repleta de lembranças. De emoção legítima e, por vezes, desconcertante. O ponto de partida é o ano de 1962. Capixaba de Vitória, Ledy enfrentava um momento difícil na vida particular. Separava-se do marido, então mergulhado no alcoolismo. Já com quatro filhos – uma ‘escadinha’, como diz – partiu em busca de emprego. A primeira tentativa não foi animadora. “Fui fazer um teste numa loja da Praia de Botafogo, a Sears, após ver um anúncio no jornal. A moça pediu que eu fizesse contas básicas de primário. Travei e não consegui fazer nada. Sofri uma espécie de bloqueio. Lidar com números é uma dificuldade enorme pra mim, ainda mais numa situação de pressão!
Bom, lá fiquei eu, uns 15 minutos, tentando. E não consegui”, recorda, esclarecendo que nos milhares de matérias sobre leilões que viria a fazer nos anos seguintes somente informava preços e avaliações. Não sofria com os cálculos. Frustrada a primeira investida, um conselho materno a levou a procurar um primo, com o qual não mantinha relações próximas. Mas Gilberto, representante do lado mais abastado da família, trabalhava no Ministério da Fazenda. Além disso, era bem relacionado. Tinha contatos. “Ok, vamos te arranjar um emprego. Mas o que você sabe fazer?”, perguntou. Sem formação específica, mas desde cedo com gosto pela leitura e escrita, Ledy estava disposta a escrever. Sobre qualquer coisa. E em qualquer lugar. “Desde garota eu era apaixonada por livros. Já tinha enviado matéri-
as para O Jornal, participado de concursos de poesia, um monte de coisas... Mas não passava pela minha cabeça atuar diretamente no jornalismo. Era demais pra mim...”, conta. Cerca de 15 dias após esse encontro, quando já começava a procurar outras alternativas no mercado, Ledy recebe um telegrama em sua casa, em Nova Iguaçu. “Favor apresentar-se no Jornal do Commercio, na Redação e coisa e tal. Fiquei doida! Eu nunca tinha visto o JC, nem sabia que existia. Me arrumei direitinho e fui lá, na Rua Sacadura Cabral.” Foi recebida pelo Chefe de Redação na época, Wilson de Oliveira. No entanto, terminou por não iniciar a carreira jornalística naquele momento. Uma tentativa de reatar a relação com o marido, que durou apenas mais dois anos, a fez suspender temporariamente a busca por um meio próprio de sobrevivência. Jornal da ABI 352 Março de 2010
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FOTOS: ARQUIVO PESSOAL
PERFIL O GRANDE LANCE DE LEDY
Casamento definitivamente desfeidante fazia o discurso e a Polícia veio to, Ledy Gonzales bate novamente à cercando tudo, dos dois lados. Quando porta do Jornal do Commercio, em 1964. percebi, eu estava rodeada por policiais. “Na primeira visita, dois anos antes, Os meninos repórteres logo quebraram fiquei com vergonha de dizer para o Dr. um vidro e se esconderam no porão de Wilson que eu não ficaria, pois ele me um prédio vizinho. E eu, de saia, salto recebera tão bem... Mas, mais uma vez, alto, não fui. Gritei: ‘Sou da imprensa, minha mãe recomendou que eu voltassou jornalista e estou trabalhando!’. E se lá, que não custava nada tentar. Lemsaí com o bloco de anotações em riste, bro que eu estava completando 30 anos. no alto da mão, em meio aos policiais, Entrei na Redação nervosíssima. Estava com um medo danado de levar uma cacetada... Aquele bloco foi a minha magrinha, frágil por causa do impacto arma”. da separação. O Dr. Wilson estava lá, A cobertura na área de literatura, com o charutinho dele, reunido com onde também atuou, rendeu a Ledy umas pessoas”. diversas visitas à Academia Brasileira de Ela aguardou um pouco, até que Letras-ABL. E um elogio do escritor José todos saíssem. E, então, se aproximou. Américo de Almeida. “Não sei se o senhor lembra de mim, “O Moacir Padilha, diretor do Jornal estive aqui há dois anos...” do Commercio, certa vez, me chamou à “Claro que me lembro! Você não é a sala dele. E lá fui eu, preocupada com o menina que estava procurando emprequê eu poderia ter feito de errado. E me go, tem quatro filhos e mora em Nova entregou uma carta, endereçada a ele Iguaçu? E agora? Veio pra trabalhar?” próprio, mas que seria, na verdade, pra “Bem, eu quero tentar, né? Quando mim. Era do José Américo, que dispuposso começar?” tava uma vaga na ABL, para a qual aca“Agora mesmo!”, disse Wilson de bou sendo eleito. Na carta, ele pergunOliveira. tava quem era eu, que ele não conhecia, Acomodada diante de uma robusta e fazia altos elogios à minha reportagem Remington, daquelas que pareciam que tratava da sucessão entre os acadêpesar algumas toneladas, Ledy recebeu micos”, conta Ledy. um monte de releases sobre peças de Finalmente, a cobertura de leilões teatro e alguns assuntos tipicamente começou aos poucos, meio que por acafemininos. so. Já naquela época o Jornal do Com“Isso é pra entrar na coluna da atriz mercio era o único a abrir espaço para Luiza Barreto Leite. Olha a responsaesse mercado. bilidade!”, recomendou Wilson. “Certa vez, fui cobrir o leilão de uma “Eu comecei a escrever, sabendo que escola no subúrbio. O proprietário tinha aqueles homens da Redação estavam morrido, e a família queria vender o me olhando... Havia, naquele tempo, imóvel. O leilão era feito pelo Ernâni apenas duas meninas na equipe do JC, Em frente aos Diários Associados em maio de 1971: “Minha escola foi a Redação do JC” Melo, e vi um cara esquisito na área. se não me engano. A Rosa Cass, que Fiquei sabendo que era o Zica, conhedeve estar batalhando por aí, e a Sônia cido como o Barão do Cais. Manuel da Silva Abreu, Coutinho, que se tornou escritora. Eu escrevia, achava Gabeira sentou-se ao meu lado, era repórter do Joro Zica, era um contraventor famoso por suas manoruim, e jogava tudo na cestinha de lixo”. nal do Brasil. Logo depois, fiz elogiada reportagem bras financeiras ilegais e pela grande fortuna. CriaNeste momento do papo, a emoção toma conta com crianças que viviam na Cinelândia, pedindo dira um esquema do contrabando, sobretudo de prode Ledy. nheiro nos restaurantes. Não eram pivetes, não! Eram dutos como bebidas, charutos, perfumes, cigarros e “Aquela Redação era uma festa! Minha escola foi crianças abandonadas. Foi difícil eu terminar a ensapatos. Poderoso, temido e rico, era figurinha fácil a Redação do Jornal do Commercio! Eu não tinha a trevista, pois comecei a chorar. Queria levar aqueles no mercado imobiliário. E freqüentador de leilões.” menor condição de ser jornalista. Mas todos eles me meninos pra minha casa, cuidar deles”, diz. “No dia marcado apareceu uma mulher com duas ajudaram, eram como uma família. Não havia a disOutra matéria, com Vicente Galliez, importante meninas. O Ernâni começou lembrando que aquela puta pelo poder que vemos hoje. Todos eram colaboempresário que estava à frente da Federação do Coseria a segunda tentativa, por isso o lance mínimo rativos, em especial os três que citei. Eles me ajudamércio e Indústria, arranca risos de Ledy Mendes. partia de 50% do valor do imóvel. E descreveu a casa: ram, me aturaram. O Wilson de Oliveira! Quem tra“A entrevista corria bem, com ele falando o básidisse que ali funcionava uma escola para carentes que, balhou com ele não esquece... Uma vez, me pediu uma co. Até que fiz uma pergunta a que, Vicente frisou, com a venda, deixaria de atender àquematéria sobre o Carlos Lacerda, e me fez las crianças. Começou o leilão, com o lanreescrever tudo sete vezes. Sete vezes! ce baixíssimo. E, é claro, havia muitos inFazia de novo, mostrava a ele e...” teressados. Digamos que a avaliação fosse “Não tá bom ainda. Você pode fazer de R$ 60 mil, mas venderiam a partir de melhor, Ledy”, salientava. R$ 30 mil. Aí essa senhora bancou os R$ “O Mário Vale, Secretário de Redação 30 mil! Ernâni perguntou se alguém dado JC, às vezes passava meia hora me ria mais. Silêncio absoluto! Ninguém orientando, me indicando leituras, mosabriu a boca. O Zica tinha feito um sinal trando jornais. Maurílio Ferreira, tamde acordo. A mulher o representava. bém Secretário e que hoje está na ABI, Como era poderoso, ninguém quis afrontá-lo. Então, foi como um pai pra mim. Um companheiro 100%. ele responderia em off. E eu lá sabia o que era isso? o lance mínimo foi confirmado e a casa prosseguiu A gente trocava informações, conversava muito. Ele Aí, ele disse um monte de coisas, meteu o pau no funcionando como escola. Na verdade, ali, o contrame dava conselhos. O jornal não me registrou logo Governo. E eu lá, anotando tudo... Até que, percebenventor foi o personagem bom da história. E todo munde cara, pois não tinha vaga. O quadro estava comdo que eu copiava, brigou comigo e me colocou pra do aplaudiu”, relata, emocionando-se mais uma vez. pleto. Era preciso sair algum repórter para entrar oufora da sala, por eu não respeitar o acordo”, ri. Em pouco tempo Ledy apaixonou-se por leilões. tro... Só em abril de 1966 é que eu fui efetivada”, Antes de ingressar na cobertura de leilões, Ledy “Me lembro do primeiro leilão de arte, também do recorda Ledy, em meio a lágrimas. correu muito pelas ruas do Rio, cobrindo pronunciErnâni, com uma coleção de um multimilionário, uma Alguns meses depois, e já com alguma bagagem e amentos de Vladimir Palmeira e José Dirceu, líderes coisa que não existe mais, com porcelanas, armas e experiência, Ledy é atirada aos leões. Isto é, enfim, do movimento estudantil. armaduras. Então, propus ao Wilson de Oliveira a crivai às ruas. “Adorava fazer essas coberturas. Uma vez, em Coação de uma coluna no Jornal do Commercio só sobre “Minha primeira matéria foi uma reunião de nepacabana, tive que me esconder. Outra vez, na Lapa, leilões, que o jornal já cobria de forma rotineira. Ele gócios, num prédio bem na Rio Branco. O Fernando onde é hoje a Associação Cristã de Moços, um estu-
“Grit pr list “Gritee i: ‘Sou da im impr pree nsa, sou jorna jornalist listaa e loc e stou tr aba om o bbloc traba aballhando!’. E saí ccom locoo ddee anot açõe m rist lto da mão mm anotaçõe açõess eem ristee, no aalto mão,, eem mee io aos po lic iais om um m polic liciais iais,, ccom mee do danado ddee llee var uma c ac loc oi a min ha arma”. aceetada... Aqu Aquee l e bbloc locoo ffoi minha
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topou e eu, entusiasmada, caí logo em campo. Saí entrevistando leiloeiros. Apresentei meu material e o pessoal da Redação, surpreso, disse que aquilo não daria uma coluna, mas sim uma página inteira! E assim foi feito. Isso foi em março de 1969. Ou seja, há 41 anos!”, conta, orgulhosa. A partir dessa data e até 2003, Ledy publicou suas matérias no JC em variados formatos. Ajudou a batizar e tornar famosos alguns espaços de leilões da cidade, como o Palacete Rosa e o Solar do Barreto. Colaborou para o reconhecimento de inúmeros artistas, como Sylvio Pinto. “Ele era um pintor desacreditado, que pagava até comida com seus quadros. Ninguém falava nele. Mas a gente chamou a atenção para seu talento e trouxe parte do merecido reconhecimento para ele e outros. E algumas pessoas me criticavam justamente porque eu falava de muita gente nova, que ninguém conhecia. Eu respondia: de que adianta falar de Di Cavalcânti? Esse já é badalado”. Sua saída do JC, acredita Ledy, teve relação direta com a morte de Ibanor Tartarotti, que era presidente do jornal. “Logo depois que ele morreu, em fevereiro de 2003, fui dispensada. Mais do que patrão, ele era meu amigo e admirador do meu trabalho”.
No final dos anos 60 Ledy colhe um depoimento do famoso leiloeiro Ernani. Embaixo, durante o lançamento de seu livro Como Matar Seu Marido, em dezembro de 1984, Ledy, acompanhada de sua neta Bárbara, recebe inúmeros amigos, como o leiloeiro Barreto.
E
m décadas de atuação, a cobertura sobre leilões atraiu anunciantes e ajudou a consolidar a imagem do veículo. Mas Ledy lamenta que, por vezes, para não gerar queixas dos leiloeiros ou problemas para a direção do jornal, tenha deixado de publicar saborosas informações de bastidores, como negociações suspeitas ou acirradas disputas familiares. No jornal Monitor Mercantil, onde assina a coluna Leilão & Companhia desde 2005, ela ampliou um pouco o foco de suas reportagens. “Há leilões muito emocionantes, que são verdadeiros duelos. No Monitor eu quis traduzir isso. Não falo só do bem em jogo, ou da peça em disputa. Lá atrás, em primeiro lugar, abri espaço para os leiloeiros, transformei-os em personagens, trouxe-os para dentro das matérias. Até então, eles sequer eram citados. Parecia que o leilão acontecia num passe de mágica. Hoje, passei a contar, por exemplo, a história do imóvel em leilão, o seu valor histórico. A importância de determinada peça...”. O traço mais marcante de Ledy, enquanto entrevistada, é a generosidade na descrição dos personagens, dos colegas feitos em décadas de jornalismo. Interlocutora emocionante, ela era, acima de tudo, uma jornalista emocionada. “Sempre fui assim. Sempre mergulhei nas histórias, me emocionei. Sou uma chorona... Até recusei certos trabalhos pelo fato de não terem nada a ver comigo. Por exemplo, tinha vontade de fazer publicidade. Mas, quando fui para a Artplan, o trabalho me decepcionou um pouco, sabe? Era difícil me emocionar escrevendo sobre produtos de cabelo... Não tinha clima...”, acha graça. O segredo para tornar-se referência de cobertura jornalística na área de leilões, acredita, foi a total identificação com o tema. “Eu me identifiquei com a arte, primeiramente via leilões, e depois com os próprios artistas. Visitava as galerias. Hoje é que estou um pouco cansadinha”, diz Ledy, que produz sua coluna para o Monitor Mercantil, publicada sempre às quintas, de casa mesmo. Tal fato, apesar de ser uma opção confortável, a faz lamentar a perda de contato estreito com os companheiros de Redação. Autora de três livros - Como matar seu marido; Bom Dia, Cascais e Os Vários Perfis da Arte Brasileira – Ledy
Gonzales chegou a atuar na assessoria da Sunab e a vender algumas peças, sempre a pedido de amigos. Hoje, vê o filho Alexandre Mendes Gonzales seguir com êxito a carreira de leiloeiro – e, nisso, jura que não há influência direta de sua parte. É justamente entre os profissionais do setor que a experiente jornalista coleciona amigos, como o falecido Sebastião Barreto. Alguns fazem questão de destacar o pioneirismo e a singularidade do seu trabalho. “Ledy é muito interessada, por isso conquistou a simpatia da maioria dos leiloeiros, e não só no Rio, pois participou de congressos nacionais. E procurava ajudar, principalmente, às pessoas que estavam começando”, descreve Norma Machado. “Conheço-a há mais de 30 anos, eu sequer era leiloeira ainda. E seu trabalho de divulgação já era de importância notável. Por isso, continuo acompanhando sua coluna, agora no Monitor Mercantil. Ela não perde o entusiasmo”, aponta Silvani Lopes. “Ela é uma grande incentivadora das artes, amiga dos leiloeiros, uma batalhadora, pessoa extremamente gentil. Durante muito tempo, foi referência no
Jornal do Commercio para todo o mercado de arte”, considera Teresa Brame. “É notável o seu interesse pelas artes, a sua sensibilidade, fundamental para alguém que exerce esse trabalho. Ledy Gonzales ajuda a divulgar a arte, segmento que não tem visibilidade, e nem profundidade nas coberturas, pois não há jornalistas especializados. Ela redige bem. E sabe do que fala”, elogia Valdir Teixeira. É com serenidade que Ledy vê, ao menos, um seguidor de seu trabalho. Com a habitual generosidade, tece elogios a seu substituto na antiga casa, o Jornal do Commercio. Aqui, mais uma vez, enche os olhos d´água. “Hoje quem assina essa página de leilões do JC é o José Pinheiro Jr. Conheci o pai dele, era contínuo do jornal... Zezinho, como nós o chamávamos, era meu amigo. Um homem ótimo, simples, e que desejava um futuro melhor para os filhos. Hoje, justamente seu filho é quem me sucede no JC. Ele ainda está tateando... Mas José Pinheiro Jr. já começa a ganhar um estilo próprio. Ele vai longe...”, prevê, com indisfarçável sentimento de torcida em favor do sucesso do colega. Jornal da ABI 352 Março de 2010
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MÍDIA ILUSTRAÇÃO MARIA HELENA, PARA CAPA DO JORNAL DA ABI - ESPECIAL DO CENTENÁRIO, VOLUME 3
A cobertura como show em tempo real POR CECÍLIA NERY
HOMENAGEM
A mulher avança na imprensa brasileira No Dia Internacional da Mulher – 8 de março – a ABI expressou seu contentamento por poder registrar que elas são maioria nas Redações dos veículos de comunicação, numa demonstração de quanto avançaram no campo da formação técnica e cultural e na afirmação de sua aspiração ao direito de igualdade com os homens. Esse processo de hegemonia das profissionais do sexo feminino tende a se alargar, diz a ABI, porquanto elas também formam o maior contingente de estudantes das faculdades de Jornalismo e de Comunicação Social. O avanço das mulheres, frisa a ABI, significa igualmente que o País se democratiza e elimina discriminações. As afirmações da ABI foram feitas na declaração com que a Casa do Jornalista saudou o Dia Internacional da Mulher, a qual tem o seguinte teor: “E com grande contentamento que a Associação Brasileira de Imprensa registra neste Dia Internacional da Mulher que elas são atualmente maioria nas Redações dos veículos de comunicação – imprensa, rádio, televisão e jornalismo eletrônico –, numa demonstração de quanto avançaram no campo da formação técnica e cultural e na afirmação de sua aspiração ao direito de igualdade com os homens nos diferentes campos da vida social. 22
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Para a ABI é estimulante assinalar que esse processo de hegemonia das profissionais do sexo feminino tende a se alargar, porquanto elas também formam o maior contingente de estudantes de Jornalismo e Comunicação Social no País. O avanço das mulheres significa igualmente que o Brasil se democratiza e elimina discriminações, contra as quais elas têm-se insurgido e mobilizado há décadas. Ao fazer o presente registro, a ABI presta homenagem às companheiras que atualmente exercem e enobrecem a profissão em todo o País e àquelas que arrostaram dificuldades para, vencendo preconceitos, abrir esse campo de trabalho e militância social e intelectual, como, em diferentes momentos, Eugênia Álvaro Moreira e Yvone Jean, que marcaram forte presença no jornalismo dos anos 30, 40 e 50, e, mais recentemente, como registrou a Casa no Jornal da ABI, Volume 3 da Edição Especial do Centenário, Adalgisa Nery, Cecília Meireles, Cláudia da Silva, Helena Ferraz, Hilde Weber, Lena Frias, Nair de Teffé e Sílvia Donato. Foram todas mulheres que romperam barreiras, cuja memória exaltamos neste Dia Internacional da Mulher como exemplos que devemos perpetuar e seguir. Rio de Janeiro, 8 de março de 2010. (a) Maurício Azêdo, Presidente.”
A notícia deixou de ser apenas uma informação. Ela se transformou, também, num espetáculo, uma prática cada vez mais comum nos veículos de comunicação, sobretudo, na mídia televisiva, que tem o poder de atrair os espectadores com sua cobertura em tempo real. O jornalismo do espetáculo, que se intensificou nos últimos anos, deu seus primeiros sinais no século XIX, nos Estados Unidos, e foi-se espalhando gradualmente por todo o mundo. Posteriormente tornou-se um padrão da imprensa de massa. E a televisão só fortaleceu esse processo. Essa tendência de tratar a informação como entretenimento remete àquilo que o jornalista José Arbex Júnior trata em seu livro Showrnalismo – A Notícia Como Espetáculo. Na obra, Arbex fala sobre “o enfraquecimento ou total apagamento da fronteira entre o real e o fictício”. Para ele, a informação abundante, a concorrência, a busca incessante por furos e a exaltação da novidade seriam alguns dos responsáveis por essa tendência. Por isso, faz críticas contundentes ao monopólio da informação e à sutil fronteira entre espetáculo e notícia. Nos últimos anos, a imprensa brasileira se fartou de diversos casos que puderam ser explorados à exaustão. Exemplo recente foi o julgamento de
Alexandre Nardoni e Ana Carolina Jatobá, pai e madrasta de Isabella Nardoni, acusados pela morte da menina em 2008, quando ela tinha cinco anos. O caso, pela monstruosidade que o cerca, suscitou inúmeras manifestações populares, impulsionadas, principalmente, pela cobertura da mídia, que o debateu insistentemente nestes dois anos. E o julgamento dos acusados, que aconteceu entre os dias 22 e 27 de março, em São Paulo, foi o ponto alto, aguardado com ansiedade por toda a população. A cobertura da mídia foi feita por um batalhão de repórteres e produtores de emissoras de televisão e rádio, revistas, jornais e internet, formado por mais de 200 pessoas, representando aproximadamente 50 veículos pequenos, médios e grandes. Houve até certo exagero, mas nada que comprometesse o resultado da sentença, que condenou Alexandre Nardoni a 31 anos e um mês de prisão, e Ana Carolina Jatobá a 26 anos e oito meses. Afinal, jurados, testemunhas, promotoria, defesa e todos os envolvidos no caso ficaram enclausurados no Fórum durante os cinco dias do julgamento, podendo chegar ao veredicto sem interferências. O poder das imagens A televisão, como meio mais popular e visto pela população, usou de todos os artifícios para mostrar o fato. Em todos os telejornais das grandes redes,
DANILO VERPA/FOLHA IMAGEM/FOLHAPRESS
Repórteres cercam o advogado de defesa Roberto Podval diante do Fórum.
NELSON ANTOINE/FOTOARENA/FOLHAPRESS
Centenas de jornalistas e pessoal das equipes técnicas de tvs e rádios acompanharam cada momento do julgamento. O Promotor Francisco Cembranelli (abaixo) não viu nenhum exagero: “A divulgação atendeu plenamente ao interesse demonstrado pela sociedade”
ZANONE FRAISSAT/FOLHA IMAGEM/FOLHAPRESS
e em vários programas de entretenimento, o julgamento reinou absoluto, ocupando grande parte do horário com discussões sobre o assunto com especialistas, jornalistas, juristas e advogados. O Jornal Nacional, da Rede Globo, deu grande cobertura ao julgamento, noticiando seu dia-a-dia, fazendo um retrospecto do caso, destacando os jurados e trazendo casos semelhantes ao de Isabella nos Estados Unidos, onde a punição para delitos do gênero é mais severa. A Rede Record foi quem mais ampliou a cobertura de forma a se aproveitar da grande comoção popular, apresentando nos noticiários e na grade de programas de entretenimento ao longo do dia fatos e discussões sobre o caso, além de acompanhar a aglomeração de interessados e curiosos que se postaram diante do Fórum nos cinco dias do julgamento. Os jornais diários, que não contam com o tempo real da informação, fizeram uma cobertura que privilegiou os detalhes, complementando assim aquilo que a televisão mostrou, principalmente nas edições do final de semana, quando os cadernos costumam ser maiores, possibilitando matérias mais longas, com análises e infográficos sobre os acontecimentos. A Folha de S. Paulo destacou durante o julgamento dois magistrados para expor as virtudes e defeitos do júri popular. O Estado de S. Paulo fez uma cobertura neutra, sem pender para este ou aquele lado, relatando os fatos como aconteceram e o transcorrer do julgamento, até à sentença final. Já as emissoras de rádio, apesar da agilidade na difusão da notícia, precisaram utilizar uma cobertura mais comovente para atrair a atenção dos ouvintes. Em contrapartida, as revistas semanais procuraram acrescentar um pouco mais de informação e análise. Em sua edição pós-julgamento, Veja estampou na capa a manchete Condenados – Agora, Isabella pode descansar em paz, com
a imagem da menina sorrindo logo abaixo. O tom emocional do título se estende para a reportagem, que procurou interpretar os fatos. Trouxe gráficos, ilustrações e fez um boxe relembrando casos como os de Guilherme de Pádua e Paula Thomaz, que assassinaram a atriz Daniela Perez; Francisco de Assis Pereira, o maníaco do parque; e Suzane Von Richtofen, que ao lado dos irmãos Cravinhos ajudou a matar os pais. O julgamento dia-a-dia A revista Época, por seu lado, apresentou uma reportagem objetiva, mantendo-se mais próxima dos fatos do que da interpretação. O título da capa tinha uma única palavra: Culpados. Na matéria, reportou o dia-a-dia do julgamento, publicou fotos e gráficos e dis-
Páginas das revistas Veja (no alto) e Época depois do julgamento que parou o País: apelo à emoção dos leitores.
tinguiu alguns personagens marcantes do caso, como a mãe de Isabella, a perita, a delegada, o casal acusado e o Promotor Francisco Cembranelli. IstoÉ procurou suscitar o debate, indagando na capa Por que eles mataram?, título em destaque com a metade do rosto dos acusados, pai e madrasta de Isabella logo abaixo. Dentro da revista, a matéria também abordou o dia-a-dia do julgamento e divulgou uma enquete feita com alguns populares sobre a razão do crime cometido pelos acusados. O espetáculo visto de fora Um ponto a destacar, no entanto, foi a cobertura da imprensa para o show que acontecia do lado de fora, em frente ao Fórum, onde uma multidão se aglomerou nos cinco dias do julgamento, mas sobretudo no último, quando foi anunciado o veredicto. Segundo um estudo da Professora Raquel Paiva, do Laboratório de Estudos em Comunicação Comunitária (LEECC/UFRJ), em casos semelhantes há uma diferença entre o estilo de cobertura praticado na mídia norte-americana e a brasileira. Nos Estados Unidos costuma-se entrevistar os envolvidos, mesmo nos casos mais monstruosos. Para o Promotor Francisco Cembranelli, que atuou no caso, respeitadas as circunstâncias, a cobertura da imprensa foi muito satisfatória: “Não vi nenhum exagero e a divulgação atendeu plenamente ao interesse demonstrado pela sociedade”, disse. “Assim, não houve qualquer influência da mídia no resultado do julgamento. Isso não passa de uma desculpa da defesa para justificar a condenação dos réus. É claro que os jurados já haviam lido e ouvido sobre o caso Isabella, como o Brasil inteiro. Mas o interesse REPRODUÇÃO demonstrado por eles durante a sessão, fazendo anotações e reperguntando, prova que não estavam predispostos a apenas condenar. Foi um júri limpo e honesto e quem disser ao contrário estará sendo leviano”, acrescenta Cembranelli. A despeito da intensidade com que a cobertura do caso foi feita pela mídia, a afirmação do Promotor mostra que a Justiça agiu com determinação, sem se deixar influenciar, e que a imprensa fez o seu papel de informar. E é esta, justamente, a missão da mídia. Não lhe cabe prejulgar o que ocorre, e sim expor os fatos e as diligências em curso, mesmo quando os dados parecem evidentes aos olhos de todos. Jornal da ABI 352 Março de 2010
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Liberdade de imprensa
Afinal, justiça para Barbon Quase quatro anos depois, assassinos do jornalista Luiz Carlos Barbon são condenados em julgamento que pode se transformar num marco da defesa da liberdade de imprensa no Brasil. POR CLAUDIA SOUZA E MARCOS STEFANO
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paradamente, já que seu advogado conseguiu desmembrar o processo. Tal qual os demais, ele responderá pelo crime de homicídio duplamente qualificado – com motivo torpe e recurso que dificultou ou impediu a defesa da vítima –, pela tentativa de homicídio contra Alcides Catarino, o Paquito, que foi atingido de raspão por um dos disparos, e formação de quadrilha. Deste último, Paulo César Ronceiro foi absolvido. Apesar da importância da decisão, até mesmo diante de diversos outros casos parecidos que continuam ocorrendo e ficando na impunidade, os quase quatro anos de espera pelo julgamento foram conturbados. Em diversas ocasiões, testemunhas e familiares de Barbon reclamaram de coação e ameaças. Os principais alvos seriam os dois filhos do jornalista, seu pai e a viúva. Por determinação do Promotor Gaspar Pereira Silva Júnior, do Grupo de Atuação Especial Regional para Prevenção e Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), os quatro PMs foram presos em março de 2008, no Presídio Romão Gomes, Zona Sul de São Paulo. Já o comerciante Alberto da Costa estava na penitenciária de Itirapina, a 220 quilômetros da capital paulista. Em abril do ano passado, a Juíza Milena de Barros Ferreira, de Porto Ferreira, transferiu o julgamento para uma Vara de Execuções Criminais em São Paulo, medida que considerou necessária para garantir o sigilo das investigações. Como é muito comum nesse tipo de processo, não faltaram recursos. O último deles, um pedido de habeas corpus do Capitão Avelino, foi negado pelo Supremo Tribunal Federal em novembro de 2009. Barbon foi morto por causa das matérias que publicava. Isso incomodava muita gente. O crime não foi apenas a morte do jornalista, mas uma ameaça clara à liberdade de imprensa – afirmou o Promotor André Luiz Bogado Cunha no final do julgamento,
UCHA
Quando o jornalista Luiz Carlos Barbon Filho foi assassinado a sangue-frio, com dois tiros de escopeta disparados por pistoleiros em praça pública, na noite de 5 de maio de 2007, um recado estava dado à imprensa de Porto Ferreira, cidade a 228 quilômetros de São Paulo: chega de investigações, nada mais de denúncias. O crime ecoou País afora. Pouco tempo antes, Barbon ficara conhecido por reportagens em que denunciava a participação de políticos da região em um esquema de aliciamento de crianças e adolescentes para a realização de orgias sexuais em chácaras nos arredores do Município. Como em tantas outras ocasiões, com a execução tentava-se intimidar a imprensa, forçar seu silêncio, prática comum em nossa História nacional. No sábado, 27 de março, a resposta veio na forma de uma sentença. Ao anunciar a condenação do Sargento Edson Luís Ronceiro, do soldado Paulo César Ronceiro, do Capitão Adélcio Carlos Avelino, todos da Polícia Militar, e do comerciante Carlos Alberto da Costa, pela morte de Barbon, o Juiz Cassiano Ricardo Zorzi Rocha, do 5º Tribunal do Júri de São Paulo, não apenas satisfez o desejo geral de justiça. Também declarou tacitamente que a luta pela liberdade de opinião resiste e que a violência não vai calar a imprensa. O julgamento teve início na manhã da quinta-feira precedente, dia 25. Foram três dias até que a sentença saísse. O Sargento Edson Ronceiro, acusado de ter recebido a arma depois do crime e facilitado a fuga do grupo, o Capitão Adélcio Avelino, apontado como o líder da ação, e o comerciante Carlos Alberto da Costa, que seria o dono da arma usada no assassinato, foram condenados a 18 anos e quatro meses de prisão. O soldado Paulo César Ronceiro, que estava dirigindo a motocicleta dos criminosos, vai cumprir 16 anos e quatro meses de pena. O soldado Valnei Bertoni, acusado de ter atirado em Barbon, será julgado se-
cujo resultado foi por ele apontado como “uma vitória da sociedade”. Tragédia anunciada O assassinato de Barbon era uma tragédia anunciada em Porto Ferreira. Com hora e data marcada por poderosos locais. Gente que, em algumas cidades do interior, ainda manda e desmanda, tal qual os antigos coronéis, e decidem tudo. Inclusive se alguém que incomoda deve viver ou morrer. E incomodar era algo que Barbon fazia muito bem. Depois de denunciar a participação de policiais, empresários, comerciantes e políticos da região no aliciamento de menores, trabalho que levou à cadeia vereadores, empresários e um servidor municipal, além de lhe ter proporcionado ser um dos finalistas do Prêmio Esso de Jornalismo de 2003, ele começou a investigar um esquema de roubo de cargas que também envolveria autoridades, policiais e comerciantes. Segundo o Ministério Público do Estado de São Paulo o assassinato foi tramado como represália à publicação de reportagens sobre essas irregularidades. Antes disso, Barbon já tinha recebido diversos telefonemas anônimos e, ameaças de seqüestros dos filhos; uma
bomba caseira foi atirada em sua residência. Como precaução, ele mandou aumentar os muros ao redor da casa e tentou comprar um colete à prova de balas. Foram cuidados insuficientes para evitar que a mulher, Kátia, e ele mesmo ficassem com os nervos em frangalhos. Nos últimos dias antes do assassinato, demonstrando nervosismo, impaciência com as crianças e sofrendo de insônia, Barbon varava a noite para escrever seus artigos para o Jornal do Porto e o JC Regional, semanários com os quais colaborava. Fazia tudo à mão, já que não gostava de computadores. Suas entrevistas e comentários iam ao ar ainda pela Rádio Porto FM. No dia 1º de maio de 2007, Barbon voltava para casa, no começo da noite, quando dois carros emparelharam com sua moto, no Centro da cidade. Um ocupante dos veículos sacou uma arma e fez disparos para o alto. Alguns colegas consideravam Barbon imprudente. Diziam que ele era obstinado e não ouvia o outro lado. Porém, depois da última ameaça, mesmo aqueles que admiravam seu trabalho passaram a aconselhar mais cautela. A estes ele apenas respondia que não poderia deixar de falar “em nome do povo”.
empreitou os dois pistoleiros que o Quatro dias depois, Barbon foi até mataram a queima-roupa. Agradeço o Bar das Araras, que fica a poucos manifestação de Vossa Excelência acermetros da rodoviária, em frente à ca de violação tão grave da liberdade de movimentada Praça Maria Libertucci imprensa”, dizia o documento assinaSalzano. Pediu ovos cozidos e sentoudo pelo Presidente da ABI, Maurício se a uma das mesas da calçada. Pouco Azêdo. depois, juntou-se a ele João Batista No final de 2008, Kátia Rosa CamarOliveira, pai de duas meninas, vítimas go, viúva do jornalista, procurou a Anisno caso de aliciamento de menores. tia Internacional e a ABI em busca de Como costumavam fazer nos três úlajuda. Sofrendo ameaças, ela temia por timos meses, passaram a colocar a consua segurança e pela dos filhos: versa em dia. Já eram quase nove ho“Estou com muito medo, pois vi carras da noite quando uma moto com ros estranhos parando na frente de dois homens se aproximou em alta nossa casa durante a madrugada. Um velocidade pela contramão e parou Gol branco sem placa e outro escuro, diante do bar. Os dois motoqueiros que não sei o modelo. Alguns dos sususavam capacetes com viseiras revespeitos, que são policiais militares, estidas de insulfilme. Quando um deles tão presos, mas infelizmente outros desceu e abriu o zíper da pesada jaquejá foram soltos e, com ta, pegando uma escoo passar dos dias, talpeta, Barbon tentou se ATUAÇÃO DA vez nem sejam mais levantar, mas não houE DA IMPRENSA COMO julgados.” ve tempo: o pistoleiro Outra vez, a ABI didisparou e acertou-o UM TODO TEM SIDO DE rigiu-se ao Governador no abdômen. SUMA IMPORTÂNCIA Serra pedindo uma Oliveira se jogou “apuração rigorosa e para o lado e correu GARANTINDO A eficaz” da situação: para dentro do bar. SEGURANÇA DA “A ABI encarece a Mesmo ferido, Barbon intervenção de Vossa também tentou fugir, FAMÍLIA E A CORRETA Excelência junto às mas foi atingido por autoridades de seguum segundo cartucho APURAÇÃO DO CRIME rança do Estado para de “balotes”, grandes que se assegure a proteção necessária esferas de ferro, e caiu ao lado da mesa. à senhora Kátia, cuja integridade físiAo lado de uma poça de sangue, agoca e cuja vida ficam sob a responsabinizou enquanto esperava pelo resgate. lidade direta de Vossa Excelência a Oliveira o amparava, mas a única coipartir da presente comunicação”. sa que Barbon balbuciava era: Em janeiro de 2009, ela e os dois fi“Não me deixe morrer”. lhos entraram para o Programa de ProJá não havia jeito: passava pouco da teção à Testemunha. meia-noite quando faleceu. “Muitas vezes, a Justiça precisa de Vitória da imprensa pressão para funcionar. Nesse sentido, Para a imprensa de Porto Ferreira, a atuação da ABI e da imprensa como desde a fundação da cidade, em 1896, um todo tem sido de suma importânhouve apenas dois momentos em que cia, garantindo a segurança da família o noticiário local teve grande repercuse a correta apuração do crime. Cumsão, a ponto de receber destaque naciprindo seu papel, a imprensa incomoonal e internacional. Primeiro, com a dou bastante”, elogiou Ricardo Ramos, denúncia de aliciamento de menores advogado da família Barbon. feita por Luiz Carlos Barbon Filho. DeAinda não é possível precisar bem pois, com o assassinato do próprio joro impacto que deve ter a condenação nalista. A estes dois, desde o histórico dos acusados pela morte de Barbon. dia 27, pode-se acrescentar a condenaPode ser cedo para afirmar que se tração dos acusados pelo crime, que deve ta de um “marco” na defesa da liberlevantar os ânimos nas Redações locais. dade de imprensa no Brasil, mas cerMas o recado não é somente da Justamente é um passo importantíssimo. tiça para os poderosos da localidade. É Principal responsável pela enorme também uma vitória da imprensa no repercussão internacional que teve o esforço para a construção de um Estacaso, a organização não-governamendo realmente democrático e contra tal Repórteres Sem Fronteiras acertou aqueles que ainda acham que têm o diem cheio no teor da nota oficial que reito de colocar uma mordaça na inforemitiu logo após o anúncio do resulmação. Desde o assassinato os jornais tado do julgamento: mantiveram uma cobertura responsá“O Tribunal de Justiça de São Pauvel e constante dos desdobramentos do lo enviou uma mensagem importancrime, com a intervenção de diversas te contra a impunidade ao condenar entidades. Logo depois da morte de Barquatro homens, entre os quais três pobon, a ABI começou a exigir a apuraliciais militares, pelo assassinato do ção do caso enviando ofício ao Goverjornalista Luiz Barbon Filho. A dificulnador de São Paulo, José Serra, pedindade em obter a condenação de repredo sua intervenção. sentantes das forças de segurança, en“Tratando-se de jornalista que devolvidos com demasiada freqüência nunciava crimes e irregularidades de nos ataques contra a liberdade de impolíticos locais, bastará eficiência e prensa, confere a esta decisão um vadeterminação para identificar quem lor exemplar ”.
“A
ABI
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Repórter é agredida por vigilante na Paraíba Pollyana Sorentino foi atacada pelo segurança após fotografar com seu celular um formigueiro numa unidade de saúde. A repórter Pollyana Sorentino, da Rádio 98 FM, de João Pessoa, denunciou que foi agredida na manhã de 11 de março por um vigilante do Programa de Saúde da Família-PSF, conhecido como Joel, no bairro Ernesto Geisel, na capital paraibana. A suposta agressão aconteceu no instante em que Pollyana estava fotografando, com a câmera do seu celular, um formigueiro em um terreno onde está instalada a unidade médica. O incidente ocorreu ao término de uma gravação ao vivo para o programa Correio da Manhã, da emissora, sobre a falta de infra-estrutura do ambiente onde funciona o PSF, quando foi surpreendida pelo vigilante. Segundo a jornalista, o homem interpelou-a aos gritos dizendo que ela não poderia fazer as fotos; em seguida pegou-a pela mão, obrigando-a a soltar o celular que usava para fotografar o formigueiro. Joel só devolveu o aparelho de Pollyana depois de repreendido por uma funcionária do PSF, que estava no local. A Polícia Militar foi acionada e prendeu o vigilante. “Quando acabei a matéria, peguei meu celular para bater umas fotos de uns formigueiros, e o segurança me seguiu e puxou meu braço. Não esperava, pois em momento algum faltei com o respeito ao segurança e aos funcioná-
rios do PSF, estava apenas cumprindo uma pauta”, disse Pollyana em entrevista ao site de notícias PB Agora. Enquanto Pollyana prestou queixa ao delegado responsável pelo caso, ao chegar à Delegacia Joel se negou a contar a razão da agressão à jornalista, afirmando que somente se pronunciaria na presença de um representante da Prefeitura, que é responsável pelo PSF. Por meio da sua Secretaria de Comunicação, a Prefeitura de João Pessoa divulgou nota contestando a denúncia de agressão do vigilante do posto de saúde à repórter Pollyana Sorrentino. De acordo com o comunicado, o exame de corpo de delito, realizado no mesmo dia do episódio, a pedido do Delegado Paulo Martins, da 4ª DP, atesta que não houve nenhuma lesão à jornalista. O laudo foi assinado pela perita Vilani Maia de Macedo Costa. De acordo com o site PB Agora, a unidade do Posto de Saúde da Família do bairro Ernesto Geisel é uma das que mais provocam reclamações de moradores, e por isso tem sido motivo de pauta da mídia local. Outras unidades médicas de João Pessoa também são alvo de denúncias. A maioria se refere ao mau atendimento e à falta de médicos e profissionais para atender a população.
Vereador condenado a indenizar jornalista Edil conhecido como Cuíca, de Miguel Pereira, RJ, excedeu-se no exercício da imunidade e vai pagar R$ 5 mil por seu destempero e suas demasias. O Juiz Luís Cláudio Rocha Rodrigues condenou o Presidente da Câmara dos Vereadores de Miguel Pereira (RJ), Vereador Cláudio Eduardo Alves de Moraes Soares (PSDB), conhecido como Cuíca, a indenizar por danos morais o jornalista Paulo Alves, diretor do jornal Metrô Press. De acordo com a sentença, o parlamentar vai pagar uma indenização avaliada em R$ 5 mil acrescida de juros de mora de 12% ao ano mais correção monetária. O réu foi acusado de proferir ofensas contra o jornalista em sessões da Câmara por causa de uma reportagem publicada no jornal em março de 2009. A matéria que provocou a ira do Vereador Cuíca informava apenas que o Ministério Público estava investigando contratações realizadas pela Câmara sob a presidência do Vereador Cláudio Eduardo Soares.
Segundo o Juiz Luís Cláudio Rocha Rodrigues, poderia haver o entendimento de que o Vereador estivesse exercendo a sua imunidade parlamentar nos limites da garantia constitucional, usando a tribuna da Câmara para se manifestar contra as acusações decorrentes da sua gestão como Presidente da Câmara dos Vereadores. Entendeu o Juiz, ao analisar todos os ângulos do processo, que o réu se excedeu quando se referiu ao autor chamando-o de canalha, vigarista, pilantra, safado e picareta. Para o magistrado, ao fazer essas adjetivações, o réu não agiu numa relação estrita com o exercício de seu mandato: “Agiu fora dos limites da imunidade. Abusou da prerrogativa, tendo agido, por via de conseqüência, fora dos limites da legalidade”. Jornal da ABI 352 Março de 2010
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Liberdade de imprensa
Aumentam assassinatos de jornalistas, diz relatório da Unesco NO BIÊNIO 2008-2009 MORRERAM 125 PROFISSIONAIS.
Um relatório divulgado pela Unesco, em 25 de março mostra o crescimento de assassinatos de jornalistas no mundo. No biênio 2008-2009, 125 profissionais foram assassinados, enquanto no período anterior (2006-2007) aconteceram 122 mortes, segundo os dados divulgados. O estudo da Unesco intitulado A Segurança dos Jornalistas e o Risco de Impunidade, foi publicado por ocasião da reunião do Conselho Intergovernamental do Programa Internacional para o Desenvolvimento da Comunicação-IPDC. Este é o segundo levantamento da entidade sobre o assunto, após um realizado em 2008. A pedido da Unesco, 15 dos 28 países onde ocorreram assassinatos de profissionais de comunicação social, no período entre 2006-2007, forneceram dados detalhados sobre os processos judiciais em curso relativos aos crimes. O levantamento destaca que a maioria dos crimes envolvendo jornalistas acontece em países em regime de paz, mas que assuntos como tráfico de drogas, violações de direitos humanos e corrupção podem levar à morte de jornalistas ou colocar suas vidas em risco. Informa o relatório da Unesco que 80% das mortes foram provocadas por ataques diretos e específicos contra as suas vítimas “por pessoas que não que-
UN/PAULO FILGUEIRAS
POR JOSÉ REINALDO MARQUES
Irina Bokova: É dever do Estado aumentar a proteção aos jornalistas.
rem jornalistas para investigar e divulgar informações ao público”. O balanço anual da Unesco mostrou que os 77 assassinatos ocorridos em 2009 são um novo recorde. O maior índice registrado anteriormente aconteceu em 2006 com 69 óbitos no onipresente cenário de guerra e violência instalado no Iraque. Neste contexto, o estudo da Unesco faz uma observação importante: os declínios significativos registrados em 2007 (53 assassinatos) e em 2008 (48) se devem em grande parte a uma melhoria da situação no Iraque.
Num dia, 30 mortes O relatório destaca que a ausência de ameaça é “essencial para defender o direito de todo cidadão de ter informações confiáveis e do direito dos jornalistas de tornar públicas essas informações, sem temer pela sua segurança”. Em relação ao aumento observado em 2009, a explicação se dá, em parte, pelo assassinato de 30 jornalistas em um único dia, registrado em 23 de novembro, em uma emboscada nas Filipinas. Por causa desse ataque, Filipinas, com 37 assassinatos, tornou-se o país mais perigoso, passando à frente do Iraque, onde o número de mortos passou de 62 para15 entre os períodos 2006-2007 e 2008-2009. Uma importante observação do estudo da Unesco entre os anos de 2008 e 2009 é que o percentual de homicídios que não têm relação com situações de conflito interno aumentou consideravelmente. A maioria das vítimas não era de correspondentes de guerra estrangeiros, mas jornalistas locais que trabalham em países em regime de paz, cobrindo assuntos de interesse geral. Outro dado relevante do relatório é que em 95% dos casos as vítimas eram homens. Silêncio pelos mortos O relatório contém ainda dois projetos de decisão. O primeiro recomenda que o IPDC continue acompanhando os assassinatos que vêm sendo condenados pela Unesco. O segundo pede à Conferência Geral da Unesco uma re-
comendação para que, anualmente, no dia 3 de maio – data oficial da realização da World Press Freedom Day (Dia Mundial da Liberdade de Imprensa) – seja observado um minuto de silêncio nas Redações de todo o mundo, em memória dos jornalistas assassinados. “Infelizmente, a freqüência de violência contra jornalistas é cada vez maior. Obviamente, esta situação constitui uma séria ameaça à liberdade de expressão e à nossa capacidade de buscar a verdade”, ressalta o estudo. Nada de atenuantes A condenação oficial da Unesco aos assassinatos de jornalistas teve início em 1977, quando foi adotada pela Conferência Geral da entidade a Resolução nº 29, coincidentemente na sessão de número 29. De acordo com o documento, os países não devem adotar quaisquer circunstâncias atenuantes em relação aos crimes que são praticados contra os profissionais de comunicação social, violação da liberdade de expressão e do direito à informação. A resolução da Unesco é clara quando exorta os Estados “a cumprir o seu dever de prevenir, investigar e punir tais crimes e remediar as suas conseqüências”. Para a Diretora-Geral da Unesco, Irina Bokova, não basta apenas a vontade política dos países para julgar os assassinos de jornalistas e de pôr fim à impunidade, “é um dever aumentar a proteção dos profissionais”.
95 MORTES EM APENAS 8 PAÍSES
Afeganistão 6
NO BIÊNIO 2008/2009
Outros 30
Iraque 15
México 11 Paquistão 6 Rússia 7 Filipinas 37 Somália 9 Total de jornalistas mortos: 125 28
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Índia 4
Direitos humanos
No Dia da Mulher, anistia para 15 perseguidas Militantes políticas quando jovens, muitas foram presas, torturadas e exiladas e só agora encontram justiça. Em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, a Comissão de Anistia promoveu no dia 8 de março sessão especial de julgamento presidida pela Vice-Presidente da Comissão, Sueli Belato, para apreciar os processos de 15 mulheres que foram perseguidas politicamente durante o regime militar entre 1964 e 1985. A sessão aconteceu em clima de muita emoção e relembrou a luta e o sofrimento das mulheres perseguidas politicamente durante a ditadura militar. Este foi o terceiro ano em que a Comissão homenageou a data. Em 2007 e 2008, 24 brasileiras vítimas da ditadura tiveram analisados seus requerimentos para concessão de anistia e reparação financeira. Vitória Lúcia Martins Pamplona foi a primei-
ra a ter o processo julgado e comemorou o resultado. “É uma vitória simbólica de todas as mulheres. Que não se repita jamais o que aconteceu conosco durante a repressão”, disse Vitória, que foi demitida da Infraero, presa e torturada na década de 1970. “É preciso que se saiba o que aconteceu, para que nunca mais aconteça”, afirmou Sueli Bellato, referindo-se às atrocidades cometidas durante o regime militar contra centenas de mulheres. Segundo ela, há muita coisa que não veio à tona – torturas, seqüestros e estupros – e estas iniciativas “são importantes para que se revele o que aconteceu”: “Os jovens precisam saber que foi duro lutar pela democracia”.
ANISTIADAS Este ano, foram declaradas anistiadas políticas estas militantes da luta contra a ditadura: Maria Cândida Raizer Cardinalli Perez Ex-esposa de Luiz Henrique Perez, militante estudantil e ex-preso político, é engenheira agrônoma formada pela Universidade de São Paulo. Foi demitida da Fundação Ipardes, no Paraná, no final em 1977 porque o nome de seu exmarido constava de lista do Serviço Nacional de Informações-SNI como um dos 97 comunistas ocupantes de cargos públicos na esfera federal ou estadual. Isa Mariano Macedo – Estudante e militante junto ao Diretório Acadêmico da Faculdade de Belas-Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, foi presa em fevereiro de 1970. Ficou detida durante 50 dias no Doi-Codi, onde sofreu tortura física e psicológica. Transferida para o Presídio São Judas Tadeu, também no Rio, foi solta tempos depois em virtude das torturas que sofreu. Maria Beatriz de Albuquerque David Militante ativa, foi presa pela primeira vez em 1968, em sua residência, enquanto dormia. Atingida pelo Decreto nº 477/69, foi impedida de estudar no Brasil e compelida ao afastamento da atividade que desempenhava junto ao Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada-Ipea. Refugiada no Chile, foi presa no Estádio Nacional do Chile após o golpe que destituiu o Presidente Salvador Allende, em setembro de 1973. Asilou-se na Suécia, onde permaneceu até fevereiro de 1979, quando retornou ao Brasil. Foi presa pela Polícia Federal após desembarcar com o filho de 11 meses. Somente depois de prestar longo depoimento foi liberada. Maria da Glória Jung – Estudante de Psicologia na Universidade Federal do Rio de Janeiro e professora, era militante estudantil e integrante da organização política clandestina Partido Comunista
Brasileiro Revolucionário- PCBR. Detida em 1970, foi denunciada em processo da 2ª Auditoria da Aeronáutica. Após muita pressão e ameaças, foi aconselhada a pedir exoneração para que não tivesse sua vida profissional “maculada por uma demissão por justa causa”. Denise Fraenkel Kose – Foi detida em setembro de 1969 quando lecionava em uma escola estadual em São Paulo. Casada com Renato Hermann Fraenkel, militante da Ação Libertadora NacionalALN, preso no 30° Congresso da União Nacional dos Estudantes-Une, em 1968, em Ibiúna. Denise viveu fora do País nos anos 1970, para se pôr a salvo das perseguições políticas. Seu nome constava de lista do Governo que citava os brasileiros exilados, refugiados, foragidos ou banidos do País. É filha de Joaquim Câmara Ferreira, o Toledo, que pertenceu ao Comando Nacional da ALN e foi preso em São Paulo, em 23 de outubro de 1970 e morto sob torturas no mesmo dia. Vera Lúcia Marão Sandroni – Presa em 1968 quando era estudante da Escola de Comunicações Sociais da Usp por também ter participado do 30° Congresso da Une, em Ibiúna. Foi indiciada em inquérito policial militar. Também teve que sair do País. Era monitorada pela Agência Brasileira de Inteligência-Abin e pela Polícia Federal. Elizabel Maria da Paixão Couto – É filha de Francisco Raimundo da Paixão, anistiado pela Comissão de Anistia, e de Edna Maria da Paixão. Ambos militavam junto ao PCB em Governador Valadares, MG. Com o golpe militar de 1964, houve um cerco à entidade de representantes de classe da cidade, onde foram disparados vários tiros pela polícia. Os disparos atingiram Elizabel, com apenas cinco anos na época. Seu pai foi compelido ao exílio, deixando os filhos e a esposa desamparados no interior de Minas Gerais.
Maria Alice Albuquerque Saboya – Estudante da UFRJ, foi presa em 1970 pelo Dops e foi compelida a deixar o estágio que fazia no Centro de Reeducação de Ipanema. Após ser indiciada pela Polícia, ficou sob liberdade vigiada. Refugiou-se no Chile, Argentina e Alemanha. Vera Lucia Carneiro Vital Brazil Estudante, militante de movimento estudantil universitário, integrante do PCBR, foi presa e torturada no Doi-Codi do Rio de Janeiro. Também foi indiciada em inquérito policial militar. Vitória Lúcia Martins Pamplona Monteiro – Psicóloga, trabalhava com recrutamento de pessoal na Infraero quando foi presa no Doi-Codi do Rio de Janeiro. Foi torturada, indiciada em inquérito-policial militar e demitida por razões políticas. Maria Inêz da Silva – Era estudante quando foi obrigada a exilar-se no Chile em 1973, para escapar da perseguição política. Logo após o golpe no Chile, refugiou-se na Argentina e posteriormente na Bélgica. Só retornou ao Brasil em 1980, após a instituição da Lei da Anistia. Maria Albertina Gomes Bernaccio – Era estudante de Arquitetura da Usp quando começou a militar nos movimentos estudantis e na ALN. Presa em abril de 1974, foi posta em liberdade quase um mês depois, após pressões da imprensa,
da Câmara dos Deputados e do então Cardeal Arcebispo de São Paulo, Dom Paulo Evaristo Arns. Helena Sumiko Hirata - Estudante da Usp, militava no Partido Operário Comunista-Poc. Também foi presa durante o 30° Congresso de Ibiúna. Indiciada em inquérito policial militar, exilou-se na França, onde permaneceu até a extinção da punibilidade da sentença que a havia condenado a quatro anos de reclusão. Celeste Fon - Após a invasão do apartamento de sua família em setembro de 1969, foi presa por agentes da Operação Bandeirantes-Oban. Nos anos 1970, desenvolveu trabalho político ativo junto à Comissão de Familiares de Presos Políticos de São Paulo, participando em diversas atividades pela campanha da anistia. Atuou também junto ao Sindicato dos Bancários. Ana Lima Carmo Montenegro (post mortem) - Ingressou no Partido Comunista Brasileiro-PCB ainda na década de 1940, época em que cursava Direito na UFRJ. Fundou diversas entidades de luta femininas e participou da Frente Nacionalista Feminina entre 1950 e 1964, além de uma série de outras atividades. Foi a primeira mulher exilada após o golpe. Morou no México e na Europa. Voltou ao Brasil com a anistia de 1979. Mais tarde atuou na Comissão de Direitos Humanos da OAB da Bahia. Faleceu em 30 de março de 2006, aos 91 anos.
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Direitos humanos ILUSTRAÇÃO DE ELIANE SOARES
O Estado policial chega assim, pé ante pé A TORMENTOSA PROVAÇÃO IMPOSTA A UM CIDADÃO VÍTIMA DE ARBÍTRIO. POR NILSON LAGE Vou lhes contar como dois pobres diabos revestidos (literalmente) de autoridade prendem quem não deve, espancam, perseguem e são apoiados por seus pares. Conduzem, desse modo, sua vítima a uma situação sem saída honrosa que pode levá-la (no caso, levar-me) a procurar outro lugar no mundo para viver (no caso, em instante da vida muito pouco adequado).
H
á cinco anos, jantei em um restaurante aqui do bairro e permaneci na sala sem clientes assistindo aos jornais da noite – Bandeirantes e Globo. Bebi duas garrafas de água mineral com gás e duas taças de vinho tinto, coisa que fiz nas últimas duas décadas e agora faço por indicação médica. Comi bolinhos de carne. Nada, aparentemente, que me pudesse fazer mal ou embriagasse. Na saída, mais adiante, dirigindo automóvel, senti que a rua se movia na minha frente. Devagar, andei mais alguns metros e estacionei no pátio de um posto de gasolina. Dormi. Ou desmaiei. Daí em diante, o relato é uma reconstituição. Alguém telefonou para a emergência da Polícia dizendo que um velho dormia em um carro estacionado. Vieram dois policiais do posto que ficava do outro lado da rua, a Avenida Pequeno Príncipe, no Campeche, Florianópolis. Acordaram-me, embora não tenha consciência de coisa alguma que se passava. Afirmam eles que lhes disse uma sucessão de desaforos. É possível: afinal, na década de l950 fui, por pouco tempo, repórter policial no Rio de Janeiro e esbarrei com combinações degradantes e violência e corrupção como jamais teria chance de ver nos longos anos de vida profissional que se seguiram. Mas, principalmente, é possível que de alguma gaveta esquecida da memória tenha saído, naquele instante de alienação, memórias da angústia do
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interrogatório de 13 horas que sofri na sede do Dops da Rua da Relação, na década de 1970. Não chegaram a me submeter a constrangimento físico mas as ameaças levaram-me, a certa altura, a dizer: “Se vocês querem fazer tudo isso, é melhor por economia me matar de uma vez porque não tenho a menor idéia daquilo que querem que eu diga”. Tudo resultado de denúncia falsa e vingativa de um professor que, sendo eu chefe de departamento na Universidade Federal Fluminense, tentou forçar uma jovem que tinha a idade de minha filha mais velha a fazer sexo com ele, sob pena de sucessivas reprovações na disciplina. Impedi que tivesse êxito e cumpri o regimento da Instituição.
“ESTOU SENDO CLARO?” RESPONDI: “NÃO, OBSCURO”. FOI O BASTANTE PARA O BRUTAMONTES CONCLUIR QUE EU O HAVIA CHAMADO DE ESCURO, O QUE DE FATO ERA – UM MULATO ESCURO – E QUE ISSO SERIA RACISMO. ESTAVA NA MODA.
Nada mais arriscado do que ser correto em um regime ditatorial. Volto a falar por mim mesmo. Acordei sentindo golpes nas pernas e nos braços. Fui algemado com os pulsos para trás do corpo e atirado no minicompartimento de presos no lugar do banco de trás de um carro pequeno. Levaram-me à Central de Polícia, autuaram-me e, quatro ou cinco horas depois, já de madrugada, trancaramme numa sala com os policiais que me haviam torturado e alguns de seus colegas. Lá estava o tal bafômetro em que eu, nas circunstâncias, sozinho em tal companhia, achei bom não assoprar. A certa altura um dos espancadores, sujeito musculoso, disse-me algo coisa que não entendi e concluiu: “Estou sendo claro?” Respondi: “Não, obscuro”. Foi o bastante para o brutamontes concluir que eu o havia chamado de escuro, o que de fato era – um mulato escuro – e que isso seria racismo. Estava na moda. Levou adiante essa acusação em todas as oportunidades seguintes e ela só não constou do processo porque estava com minha mu-
lher, que é negra, quando prestei depoimento e a escrivã preferiu não atender ao que obviamente não tinha sentido. Na época, o assunto teve repercussão no Rio de Janeiro (O Globo, Jornal da ABI), nos meios sindicais e corporativos de jornalistas (Fenaj, sindicatos do Rio de Janeiro e de Santa Catarina) e até na imprensa de São Paulo. Nada foi publicado nos veículos de comunicação de Florianópolis, exceto uma referência brevíssima de um colunista social na televisão. Um deputado estadual pediu explicações em requerimento ao governador. Fiz o exame dos ferimentos (escoriações nos braços, nas pernas e pelo corpo) no Instituto Médico Legal e recuseime, em juízo, a pagar a tal cesta-básica exigida nesses casos, preferindo ser julgado e absolvido, o que de fato ocorreu. No entanto, o processo administrativo no Detran prosseguiu. A médica psiquiatra que me trata forneceu atestado afirmando que me receitara drogas antidepressivas de efeito psicotrópico (venlafaxina, anafranil, bupropriona e tranqüilizantes), causa provável da perda temporária de consciência. Outra causa possível é a microisquemia
cerebral diagnosticada bem depois. São coisas de velhice que vão sendo tratadas e não me impedem de realizar as tarefas diárias, ler ou estudar. O laudo informou o recurso que apresentei. O resultado foi que apenas mudaram a acusação de “dirigir sob o efeito de álcool” para “dirigir sob o efeito de psicotrópicos”. Além do absurdo jurídico (mudar a acusação no curso de um processo), avulta aí a estreita mentalidade do policial que escreveu essa tolice. Os guardas que me prenderam alegaram que cheguei em alta velocidade (!), dei um cavalo-de-pau numa viela estreita (!) e cheirava a álcool. Quanto a isso, o carro é que cheirava a álcool. Ele deve ter sido um dos motivos da fúria policial: um Pálio novo, preto, modelo ainda raro, com ar-condicionado e direção hidráulica; bonito. A suposição se fundamenta no fato de que, após a prisão, os colegas dos agressores arranharam a lateral deliberadamente, esfregando contra a pintura cabos de aço. Formação de quadrilha, dir-se-ia, se a Justiça fosse mesmo igual para todos. Dirijo automóveis há 52 anos e faço isso bem. Já viajei de carro por quase todo o País e por alguns países vizinhos. Nunca fui multado, exceto uma vez, por estacionar perto do Hotel Glória e da então sede das empresas Bloch, onde policiais garantiam uma reserva informal de vagas para hóspedes, sem letreiros de advertência. Não movi processo cível contra o Estado porque não acho justo o povo pagar pelas tolices de dois malfeitores; esse dinheiro me faria mal. Não acompanhei o inquérito aberto na Justiça Militar mas soube, de fonte absolutamente segura, que foi desviado na Procuradoria para que não o julgassem jamais. A pessoa que me disse isso aconselhou-me a relatar os fatos numa página da internet destinada a isso. Deixei de fazê-lo por dois motivos: primeiro, porque cabe à Promotoria, e não à vítima, zelar pelos processos criminais; segundo, porque, devido à natureza do evento e a outros feitos atribuídos à Polícia Militar de Santa Catarina, preferi copiar o procedimento dos favelados do Rio de Janeiro com relação às estripulias dos traficantes de drogas. Proteger-me pelo silêncio. Eis que, enfim, esgotados os recursos administrativos, estou intimado a entregar minha carteira no Detran, passar um ano sem dirigir automóveis e me submeter a um desses cursinhos picaretas destinados a humilhar os infratores (reais ou supostos) e remunerar parasitas - “professores” e “escolas” de motoristas. Algo similar aos pequenos extintores que só um doido usaria para apagar incêndios em um veículo movido a gasolina, álcool ou gás, forrado e guarnecido com plásticos inflamáveis. Ou àqueles ridículos “estojos de pronto-socorro”, que geraram tantas anedotas e acabaram sendo abolidos. Aos “provedores” de internet banda larga. Ao mar de intermedi-
ários que ronda as repartições públicas. Fazer isso que exigem seria um desastre total para mim, além de ferir o orgulho e senso de justiça que preservo. Moro em bairro afastado, em frente a uma praia oceânica, numa casa confortável que construí com zelo, fruto de meus 55 anos de trabalho honesto. O sistema de transporte urbano é muito ruim na cidade: mal serve para transportar quem trabalha no Centro. As distâncias são imensas: até o fisioterapeuta, no mesmo bairro, 10 km. Ao restaurante self-service, outros dez. Ao mercado que freqüento, seis ou sete. À sede do Detran, no Continente, 50. A ameaça é consistente e contingente.
“ESTOU INTIMADO A ENTREGAR MINHA CARTEIRA NO DETRAN, PASSAR UM ANO SEM DIRIGIR AUTOMÓVEIS E ME SUBMETER A UM DESSES CURSINHOS PICARETAS DESTINADOS A HUMILHAR OS INFRATORES (REAIS OU SUPOSTOS) E REMUNERAR PARASITAS - ‘PROFESSORES’ E ‘ESCOLAS’ DE MOTORISTAS.”
Meu advogado pretende impetrar mandado de segurança, mas nada me garante que seja acolhido. Resta-me, se de fato tal coisa ocorrer, mudar-me para outro lugar, de preferência outro país, onde o Estado policial, típico do fim de um império, ainda não tenha sido implantado. Nele é a Polícia que julga a Polícia e a presunção de culpa precede o julgamento, de modo que cabe ao réu provar inocência. Não é fato isolado, As agências reguladoras, cujas diretorias são indicadas, direta ou indiretamente, pelas maiores empresas que deveriam fiscalizar, adquiriram poder legisferante e o usam para adotar medidas arbitrárias. Assim, por determinação da Anvisa, o médico de um Estado não pode ter sua receita aviada em outro, médicos são obrigados a preencher formulários e carimbos com entrelinha corpo 12, quantidades de medicamentos são arbitrariamente limitadas – ainda os de uso contínuo – e, ultimamente, para comprar um simples analgésico (aspirina, dipirona ou paracetamol) o cliente é obrigado a dirigirse ao balcão da farmácia, onde o balco-
nista, se devidamente remunerado, procederá à empurroterapia de interesse dos laboratórios. Por dever de ofício – afinal, fui professor por 35 anos, até ser aposentado compulsoriamente ao completar 70 (incrível; está na Constituição detalhista de 1988) – observo que campanhas como essa contra o alcoolismo estimulam excessos e erros como os que me vitimaram. O mesmo diria das campanhas contra a pedofilia (que custou a liberdade a um pai italiano que beijou a filha), pela aceitação da homossexualidade (que estimula o desagradável exibicionismo sexual, ferindo normas de convivência social), contra o racismo (negando a miscigenação, traço importante e orgulho da nação brasileira). Essa falta de limites se impõe diante da inexistência de oposição aceitável. A retórica que leva a isso compreende, primeiro, a proposição “Quem discorda de nós é um reacionário abominável”, seguida da pergunta: “Querem discutir conosco?” - e alguns rugidos de ameaça. Claro que só aparecem para discutir e dar o rosto à tapa os que são “reacionários abomináveis”. Preto e branco, nada cinza. É a verdade da versão que precede os fatos.
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VEÍCULOS
Uma reforma para encher a mente e os olhos Novo projeto gráfico e editorial de O Estado de S. Paulo inova para valorizar a informação, sem alterar sua linha política. POR CECÍLIA NERY Em uma época em que as imagens, a informação precisa e a interatividade andam lado a lado, desencadeando uma verdadeira revolução tecnológica nos meios de comunicação, desde o advento da imprensa moderna criada por Johann Gutenberg, em 1450, o mais tradicional jornal paulista, O Estado de S. Paulo, ganhou nova roupagem em seu projeto gráfico e editorial. A reformulação empreendida no veículo impresso atingiu, também, a versão eletrônica – Estadão.com, e constitui-se em um marco fundamental de integração às mídias do futuro. O projeto começou a ser pensado em 2004, com a inclusão de algumas seções, suplementos e cadernos, como o Paladar. Em 2008, editores e executivos passaram a discutir mais as mudanças, foram realizados debates internos, assim como seminários e contatos com as principais Redações do mundo, como The Guardian e Clarín. Finalmente em julho de 2009 a direção do Estadão começou a trabalhar no projeto para viabilizá-lo neste ano. A coordenação da reforma ficou a cargo do Editor-Chefe Roberto Gazzi, que se afastou das atividades que desempenhava para dedicar-se exclusivamente ao projeto, tendo em vista a sua grandiosidade. Para assumir temporariamente a função de Editor-Chefe foi convidado o jornalista Marcelo Beraba, da sucursal do Rio de Janeiro. “Pude então ficar full time no projeto e tratei de montar a equipe”, informa Gazzi. “Primeiro chamei a editora assistente de Cidades, Luciana Cardim, e em seguida o diretor de Arte Fábio Sales. Da diagramação vieram Andréa Paim e Arnaldo Afonso, além de um representante das áreas de Sistemas, Comercial, Circulação, Indústria, TI e Negócios”, explica. Gazzi dividiu a coordenação com Pedro Dória, editor-chefe de Conteúdos Di32
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DIVULGAÇÃO
primeiras mudanças na versão impressa puderam ser vistas no dia 13 de março, com a publicação do novo caderno Sabático (ver boxe). No dia seguinte, um domingo, entrou no ar o novo estadão.com.br.
Tradição e inovação “O importante da reforma era preservar a essência do Estadão, a idoneidade da empresa, com seu posicionamento econômico e político”, ressalta Gazzi. “Por outro lado, era fundamental trazer conteúdos novos, tanto na versão impressa quanto na digital. Entre esses, maior cobertura ambiental e de sustentabilidade, com Roberto Gazzi, coordenador da reforma: a criação de uma seção diária “Era fundamental preservar a idoneidade chamada Planeta, que uma vez do Estadão e trazer novos conteúdos” por semana teria uma página e uma vez por mês um caderno esgitais. Para ajudar a definir as mudanpecial”, acrescenta. ças mais adequadas, foi contratada a Outra inovação foi o desdobramenempresa de consultoria e estratégia to do Caderno 2 em dois segmentos: o editorial Cases i Associats, que foi resC2+Música, todos os sábados, que ponsável pelo redesenho de 2004. As aborda artistas, indústria e cultura mu-
sical, e o C2, que circula no domingo, com um aspecto mais jovial. “Além disso, lançamos, pelo C2 + Música, o Projeto Festival de Música Musique, que incentiva qualquer pessoa a musicar uma letra de um grande compositor da música brasileira, transformando-se assim em parceiro dele. A primeira letra do festival é inédita de Arnaldo Antunes, intitulada Planta Colhe”, revela Gazzi. Para participar, basta ao interessado enviar a canção (harmonia, melodia e ritmo) no arquivo MP3 para o site do Estadão. As inscrições serão aceitas até
de oferecer maior interação com os internautas e conexão com redes sociais e comunidades. O conteúdo, na tela, apresenta-se em duas colunas: noticiário importante e de outros interesses.
17 de abril. Os trabalhos serão avaliados por uma comissão de jornalistas e músicos convidados, e as cinco obras finalistas serão enviadas ao cantor, que se encarregará de escolher seu parceiro. O projeto, seus detalhes Na versão impressa, além dos novos suplementos, cadernos e conteúdos, o jornal ganhou um visual mais moderno e dinâmico. Já a versão digital apresenta uma nova lógica de edição e mais interação com as redes sociais. O novo design visa a facilitar a navegação e proporcionar maior interatividade. A reforma gráfica no jornal impresso conta com mudanças no leiaute, logotipo, cor e no brasão Ex-libris, tradicional símbolo do jornal que mostra o cavaleiro anunciando as notícias do dia. Na capa, o brasão Ex-libris foi reposicionado; a tipologia foi criada pelo português Mário Feliciano; e as colunas tiveram seu espaço reduzido de seis para cinco, com títulos maiores. Estes, na primeira página, utilizam fonte Estado Headline, adaptação da Eudald Headline. Nos textos, a fonte adotada
é a Freight, que torna a leitura mais agradável. Diferentemente da capa, as seis colunas foram mantidas nas páginas internas, por causa dos formatos publicitários, já padronizados pelo mercado. Em cada caderno, o logotipo apresenta uma cor diferente, que destaca a importância das informações. A utilização de recursos avançados gráficos, que aprimoram a organização da página, também está presente, para auxiliar o leitor sobre o que é notícia, análise ou informações complementares. Há uma valorização maior das imagens, fotografias e infográficos. Na versão digital, o conceito de inovação também é destacado, reforçando-se a característica de veículo de cobertura instantânea, mais aprofundada das matérias do jornal. Os internautas de São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Porto Alegre, Brasília e Salvador terão conteúdo próprio e diferenciado, devendo a iniciativa expandir-se para outras capitais. O site teve seu cardápio de conteúdos em vídeo e áudio ampliados, além
A resposta dos leitores Com 135 anos de história e 130 anos de vida independente, a nova roupagem do jornal O Estado de S. Paulo mistura tradição e inovação. O resultado da reforma ainda será mensurado pela equipe do Estadão, mas a julgar pelas primeiras impressões que chegaram à Redação ele tem sido satisfatório. “Recebemos manifestações de leitores, de personalidades e de anunciantes que nos parabenizaram pelas mudanças apresentadas. Até agora houve poucas reclamações, sendo que estas levamos em consideração e procuramos adequar”, avalia Gazzi. Para ele, a reforma ainda se estenderá por mais um tempo, buscando sempre vislumbrar mais ângulos da notícia, tornar o jornal mais atual, trazer análises, mostrar bastidores e fazer prospecção. “Ainda há muito o que fazer, por isso nos propomos a melhorar a cada dia. Sabemos que algumas inovações demandam investimentos, mas estamos no caminho, procurando levar a melhor e mais completa informação de forma mais legível e agradável”, conclui Gazzi.
As principais inovações O projeto de reforma gráfica e editorial dedicou especial atenção às edições de sexta-feira, sábado e domingo, além da reformulação dos cadernos TV, Estadinho e Suplemento Feminino. • PLANETA – Seção nova, com um caderno especial por mês com questões sobre ambiente, sustentabilidade, energia, água, moda, tecnologia e outros temas relacionados ao Planeta. É um espaço aberto para discussão e conscientização às boas práticas sustentáveis. • C2 + MÚSICA, com circulação aos sábados, aborda artistas, indústria e cultura musical. • C2, caderno cultural aos domingos. • Caderno DIVIRTA-SE, às sextasfeiras. • SABÁTICO, suplemento literário que traz informações sobre novas publicações no mercado e notícias sobre editoras. Como o próprio nome sugere, circula aos sábados. • Caderno ESTADINHO – Novo formato assemelha-se a um gibi.
SUPLEMENTO
Nosso Mundo Sustentável, um novo caderno de Zero Hora. Seu objetivo, diz o jornal, é descortinar um novo modo de vida. Começou a circular em 1º de março Nosso Mundo Sustentável, novo suplemento semanal do jornal Zero Hora, do Rio Grande do Sul, lançado para substituir dois cadernos que foram descontinuados: o semanal Globaltech – cujos temas ligados à tecnologia serão abordados no ZH Digital – e o mensal Ambiente. O novo caderno tem uma diagramação moderna, utiliza diversos tons de verde e busca se adequar à tendência mundial, trazendo à tona assuntos ligados à ecologia, meio ambiente e qualidade de vida. De acordo com os editores, o principal objetivo é deixar os leitores “em sintonia com um debate que está transformando o planeta”. Patrocinado pela Souza Cruz, o suplemento tem oito páginas e quer “descortinar a transição para um novo modo de vida”, informou o texto de divulgação publicado no site do jornal gaúcho, que ressaltou também que “o caderno revelará o que de mais interessante está sendo feito em diferentes pontos do globo e demonstrará que buscar novas formas de produção e de consumo são um bom negócio”. As reportagens do novo caderno do Zero Hora vão abordar iniciativas relativas ao desenvolvimento sustentável, e várias delas poderão ser acompanhadas também através do blog da publicação (wp.clicrbs.com.br/nossomundosustentavel). Nosso Mundo Sustentável também será veiculado pela Rádio Gaúcha, com os boletins de 30 segundos produzidos pela repórter Milena Schoeller e inseridos nos programas Chamada Geral 2ª Edição, Gaúcha Hoje, Gaúcha Repórter e Polêmica, de segunda a sexta-feira. Aos sábados, durante o Gaúcha Hoje, o programa terá dois minutos de duração e pode também ser ouvido na área de áudios do site da Rádio Gaúcha (www.radiogaucha.com.br). Jornal da ABI 352 Março de 2010
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Livros
A "Rede da Democracia", uma criação dos jornais do Rio para depor Jango Estudo do Professor Aloysio Castelo de Carvalho mostra e analisa a atuação do sistema formado pelos Diários Associados, O Globo e Jornal do Brasil em 1963 com o objetivo de desestabilizar o Governo Jango e proteger o País da “ameaça comunista”. ciados (representados por O Jornal), de O Globo e do Jornal do Brasil também uniram suas emissoras (Tupi, Globo e JB) e as páginas de seus jornais na Rede da Democracia. O objetivo comum era evidente: deter o Governo de Jango e suas reformas de base.
POR PAULO CHICO Aniversários costumam ser datas festivas, de celebração. Em certos casos, porém, a contagem redonda do tempo serve de alerta, para que fatos transcorridos no passado não se repitam no presente, nem no futuro. Pois foi neste intento que os 46 anos do golpe militar no Brasil foram lembrados num ciclo de debates realizado durante três dias na Livraria da Travessa, na Travessa do Ouvidor, Centro do Rio de Janeiro, com o título A Imprensa e o Golpe de 64. A série contou com a presença de jornalistas e professores que se dedicaram a pesquisas acadêmicas sobre aquela época. O debate mais surpreendente foi realizado no terceiro e último dia dos encontros, 31 de março, data exata da deflagração do golpe de 1964. Na mesaredonda A imprensa golpista foi discutida a atuação da chamada Rede da Democracia, sistema de rádio e jornais criado pelos grupos Diários Associados ,O Globo e Jornal do Brasil contra o “perigo comunista”. Uma ação orquestrada de questionamento do Governo de João Goulart, que chegava ao extremo de pedidos diretos e indiretos de intervenção dos militares em Brasília, para o suposto bem do País. A mesa, que teve início pouco depois das 18h, antecedeu ao lançamento de A Rede da Democracia: O Globo, O Jornal e o Jornal do Brasil na queda do governo Goulart, livro de Aloysio Castelo de Carvalho, professor da Universidade Federal Fluminense e doutor em História Social, que chega ao mercado pela Editora da Uff e Nitpress. Além do autor, participaram do debate o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, autor do prefácio da obra, e o jornalista Luiz Erthal, na função de mediador. Inspirada na iniciativa de Leonel Brizola, quando Governador do Rio Grande do Sul, que garantiu a posse do Presidente João Goulart em 1961 com uma mobilização nacional, organizada a partir de uma cadeia de rádios, parte da imprensa do Rio montou em outubro de 1963 uma versão conservadora da chamada Cadeia da Legalidade. Nesta nova versão, grupos de comunicação dos Diários Asso34
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Recortes com notícias sobre a formação da “Rede da Democracia”. Ao lado, capa do livro de Aloysio de Carvalho.
A palavra do autor “Esse sistema foi criado em 22 de outubro de 1963, reunindo as três principais emissoras de rádio e centenas de repetidoras em todo o País, além de publicação constante desses depoimentos em todos os jornais dos grupos. Aquele era um momento de radicalização entre a direita e a esquerda. Empresários da comunicação logo se colocaram contrários a Jango. A Rede de Democracia funcionava como uma espécie de sistema de propaganda em defesa da propriedade privada e contra os comunistas. Estes jornais abriam a mão de seu dever de promover o debate público. Assumiam logo a condição de porta-vozes do País e partiam para o ataque contra o Governo”, lembrou Aloysio. Apesar das divergências dos empresários sobre alguns pontos polêmicos, os discursos dos três grupos de comunicação foram se unificando – diante da ameaça comum. “No início havia divergências claras entre os jornais. O JB, por exemplo, apoiava a política externa independente de Jango, herdada do Jânio Quadros. Isso fez com que O Globo chegasse a acusar o concorrente de comunista. Depois, havia máxima concordância dos três jornais sobre os rumos a seguir. Isto é, atacar o Comando-Geral dos Trabalhadores, o então Deputado Leonel Brizola e os comunistas. Por exemplo: eles achavam que o Congresso era um espaço legítimo, mas caíram de pau na Casa quando, no final de 1963, ela aprovou proposta apresentada pelo Governo, que tratava da reforma agrária. Acusaram o Congresso de não se contrapor ao Executivo”, explicou o professor. A instalação da Rede da Democracia teria sido uma sugestão de João Calmon, Diretor de O Jornal. Roberto Marinho (O Globo) e Nascimento Brito (JB) chegaram a falar diversas vezes em nome da Rede. Já Assis Chateaubriand, dos Diários Associados, interveio apenas na inauguração. Nos depoimentos transmitidos
nas rádios, e depois desdobrados nos jornais, professores, políticos de oposição e militares apressavam-se em alertar os brasileiros sobre o risco de instalação de um regime comunista – com todas as implicações que isso pudesse trazer ao cotidiano das famílias. Apesar de toda essa unificação de intenções e discursos, tudo leva a crer que as conexões entre aqueles empresários e os militares se davam apenas no nublado campo das idéias. Ao menos, isso é o que revela a pesquisa que deu origem ao livro. “Não há nenhum documento oficial que ligue os dirigentes dessas empresas de comunicações a generais, por exemplo”, disse Aloysio Carvalho, que não se furtou a dimensionar o real peso histórico da atuação daqueles veículos: “Eles tiveram êxito na desestabilização do Governo Jango e promoveram a mobilização de milhares de pessoas nos principais centros, em eventos como a Marcha da Família com Deus pela Liberdade. Na verdade, acredito que o golpe militar ocorreria de qualquer forma. A conspiração já vinha de algum tempo e estava bem adiantada. A Rede da Democracia veio somar, dar voz e amplitude a essas forças reacionárias. Foi, sim, um ponto importante”, avaliou.
Os editoriais do Correio O encontro serviu para a recordação de passagens curiosas e contraditórias da atuação da imprensa. É o caso de dois famosos editoriais publicados pelo Correio da Manhã: Basta! (do fatídico 31 de março de
1964) e Fora! (de 1° de abril do mesmo ano). Neste segundo, o jornal, que não possuía perfil conservador e chegou a apoiar a posse de Jango em 1961, afirmava de forma contundente: “A Nação não mais suporta a permanência do Sr. João Goulart à frente do Governo. Chegou ao limite final a capacidade de tolerá-lo. Não resta outra saída senão a de entregar o Governo ao legítimo sucessor. Só há uma coisa a dizer a João Goulart: saia”. Por ironia, o Correio da Manhã logo estaria na oposição ao regime militar e sofreria represálias. Como jornal independente, resistiu até o AI-5, editado em 13 de dezembro de 1968. Quem debateu Os debates sobre a A Imprensa e o Golpe de 64 tiveram início no dia 29 de março, com o tema A Imprensa Amordaçada. Naqueles tempos em que a censura marcava ponto nas Redações, jornalistas e editores lançavam mão de artimanhas para denunciá-la, como a evasiva publicação de receitas culinárias no lugar de textos vetados. Nessa verdadeira queda-de-braço, o Governo também utilizava recursos de comunicação para despertar a simpatia da população. O debate teve como convidados os professores João Batista de Abreu e Antônio Serra, ambos da Universidade Federal Fluminense, e o jornalista Guimarães Padilha. Como mediadora atuou a jornalista e professora Sylvia Moretzsohn, também da Uff. Na terça, dia 30, foi apresentado o tema A Imprensa Independente, com a participação do jornalista Nilo Dante e dos professores Antônio Theodoro Barros e Beatriz Kushnir, ambos da Uff. Nessa noite a mediação ficou a cargo de Alceste Pinheiro, também da Universidade Federal Fluminense. Durante a ditadura, jornalistas afinados com as idéias políticas de esquerda fundaram jornais ou mesmo pegaram em armas contra o sistema vigente. Neste debate foram resgatadas as histórias de alguns desses personagens, além da narrativa de profissionais que presenciaram o empastelamento de contestadoras empresas de comunicação, como no já citado exemplo da Última Hora. DIVULGAÇÃO
E nos dias de hoje? A nítida unificação do discurso de alguns dos mais significativos jornais e emissoras de televisão do País, nos dias de hoje, não seria suficiente para caracterizar, por parte desses grupos, uma espécie de conluio em defesa de seus próprios interesses, como na época da Rede da Democracia? “Hoje não há uma organização desse nível entre o empresariado de jornais – até pela forte concorrência de mercado existente entre eles. Também faz falta um objetivo comum tão grave e latente, como era a derrubada do Governo Jango naquela época”, observou Maurício Azêdo. “Apesar disso, vemos o tom monocórdio de certas coberturas. Como no tratamento dado ao Lula e ao seu Governo, ambos alvos de constantes campanhas de desmoralização. O que impede ataques ainda mais ferozes é a altíssima popularidade do Presidente, o que inibe os meios de comunicação a peitarem o Governo tão fortemente. É o respeito à máxima da comunicação: não entrar demasiadamente em conflito com aquilo que pensam e sentem os seus leitores e telespectadores, sob o risco de perdê-los exatamente por desagrado em relação ao tom da cobertura”, ponderou o Presidente da ABI. Certamente, atacar um Presidente tão popular pode
levar a imprensa à impopularidade, como alerta Azêdo. Mas, Jango, naquela época, era mais polêmico e controverso do que popular – o que não freou em nada os ataques da mídia. “Este livro do Aloysio tem sentido revelador muito forte. Hoje vemos editoriais de jornais que se dizem paladinos da liberdade, fazendo supor que não tiveram qualquer participação suspeita nas trevas do regime militar. O livro promove o desmascaramento de supostos democratas. Veículos que, ainda hoje, buscam amenizar os abusos da ditadura, chamando-a de “ditabranda, tratar como criminosos os contestadores do regime e apresentar
como como bandidos os patriotas lutadores e cidadãos. Criticam aqueles que recebem indenização decorrente da anistia, buscam desmoralizá-los, difundindo a expressão “bolsa-ditadura”, sem informar que essas indenizações são legítimas e reparadoras”, disse. Maurício lembrou a atuação de Teófilo de Andrade, jornalista com poderoso domínio da linguagem e um discurso repleto de idéias reacionárias. “Teófilo atuava em O Jornal, no qual eram freqüentes os ataques ao Presidente João Goulart. Aquele era o órgão líder dos Diários, tinha baixo prestígio e também baixa circulação, mas o que era publicado nele fazia barulho graças à extensa rede dos Associados espalhada pelo País”, explicou, não sem antes fazer a ressalva de que, no contexto da imprensa do Rio, a única exceção nos ataques a Jango era a Última Hora, de Samuel Wainer, onde trabalhava. “No dia do golpe, em 1° de abril de 1964, portanto há exatos 46 anos, uma multidão, incitada pelo apresentador de tv Flávio Cavalcânti, invadiu e tentou destruir a Redação da Última Hora. O cenário seguinte à invasão era desolador: telefones com fios arrancados, máquinas atiradas ao chão e papéis rasgados e espalhados por todo lado. Precavido, Samuel já tinha montado um esquema especial de segurança: o parque gráfico fora cercado por grandes e pesadas portas de ferro e com isso escapou do ataque. Assim, os seguidores do Flávio Cavalcânti, que reproduzia o discurso do então Governador da Guanabara, Carlos Lacerda, não conseguiram calar o jornal”, emocionou-se.
À esquerda, recortes com textos exaltando a Rede da Democracia, com depoimentos de João Calmon, Nascimento Brito, Roberto Marinho e Amaral Neto. Acima, O Globo em 20 de março de 1964 dá destaque à “Marcha da Família”. Ao lado, Maurício Azêdo, Aloysio de Carvalho e Luiz Erthal, da Nitpress.
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Livros
GOL DE LETRA Aproveitando o clima de Copa do Mundo, o “País do Futebol” descobre sua vocação para os esportes também na literatura. POR MARCOS STEFANO
NILTON FUKUDA-AGÊNCIA ESTADO
Marcos Guterman: O futebol se mistura com a vida social do País, com a política, a economia e com os anseios e paixões da população.
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leitura, com fotos e fichas de cada jogador. Os textos são recheados de entrevistas e depoimentos de craques, mesmo aqueles que ficaram de fora das conquistas, seja por causa de uma contusão, opção do técnico, indisciplina e, no caso de Mazzola, campeão em 1958, por ter se naturalizado italiano para disputar a Copa de 1962 pela Itália, a Squadra Azzurra. As melhores seleções Aliás, lá fora também se joga bola. E bem. É o que lembra Mauro Beting, jornalista do Lance! e da Rede Bandeirantes. Ele é autor da obra que faz contrapartida ao livro de Leite, As Melhores Seleções Estrangeiras de Todos os Tempos, também publicada pela Contexto. Com sólida narrativa, belas fotos, listas de convocados e detalhando esquemas táticos, ele passeia pela história do futebol nas Copas, apresentando as equipes da Hungria, de 1954, da Inglaterra, de 1966, da Holanda e da Alemanha, de 1974, da Itália, de 1982, da Argentina, de 1986, e da França, de 1998. Para completar, há breves perfis do goleiro Gordon Banks, do zagueiro Beckenbauer, dos meio-campistas Maradona e Zidane e do atacante hungaro Puskas. Como diria o próprio Milton Leite: “Que beleza!”. Outra aposta da mesma Contexto é a coleção Os 11 Maiores do Futebol Brasileiro. A idéia é escalar os 11 melhores jogadores brasileiros de cada posição em respectivos volumes. O primeiro, fugindo um pouco a essa regra, veio de fora das quatro linhas, mas tem um papel cada vez mais determinante no mundo da bola: o técnico. Escrito por Maurício Noriega, comentarista do Sportv e da Rede Globo, o livro traz breves biografias de grandes estrategistas brasileiros, de Osvaldo Brandão a Muricy Ramalho, passando por Zagallo, Telê Santana, Vanderlei Luxemburgo e Felipão. Após o texto sobre cada técnico há uma entrevista com algum atleta de renome
que tenha sido comandado pelo “professor”. A mesma estrutura é usada por Paulo Guilherme, editor do portal de notícias G1, para colocar no papel Os 11 Maiores Laterais do Futebol Brasileiro, uma seleção que joga tanto pela direita quanto pela esquerda e conta com Nilton Santos, Carlos Alberto Torres, Júnior, Leonardo e Cafu. Marcelo Barreto, editor e apresentador do Sportv e da Rede Globo, prefere encarar o atual momento atravessado por literatura e futebol na torcida: “Obras sobre esporte, especialmente futebol, o mais popular do País, ganham cada vez mais espaço, mas é preciso que seja sempre assim e não algo sazonal. É importante que estamos vencendo o preconceito que existia e fazia com que futebol fosse visto como algo menor, apenas um lazer. Coisa a que certamente não se limita. Assim como a literatura sobre esporte deixou de estar restrita a manuais e regras DIVULGAÇÃO
O futebol não é apenas o esporte mais praticado no Brasil. É também o maior fenômeno social do País. A bola chutada em campos de Norte a Sul dá identidade nacional e significado aos desejos e sonhos de vitória da maioria dos brasileiros. Até bem pouco tempo essa relação tão forte era ignorada ou vista com preconceito por muita gente. Mas isso vem mudando. Há tempos, a política já acompanha com atenção a força do esporte e, agora, as ciências começam a estudá-lo. Não apenas por aqui, mas em todo mundo a força econômica e a paixão movida pelos gols parecem ilimitadas. Agora o futebol ultrapassa novas barreiras e conquista os domínios da cultura, especialmente o cinema e a literatura. Às vésperas de mais uma Copa do Mundo, livros de diversos gêneros invadem as prateleiras, de biografias de grandes craques, histórias de conquistas de seleções e clubes a trabalhos que estudam como um passatempo se transformou em expressão popular capaz de explicar o Brasil e o mundo. Entre os biografados estão Charles Miller, o inglês que trouxe o futebol para o Brasil, e gênios do passado como o inventor do gol de bicicleta Leônidas da Silva, o Diamante Negro, os pontas Garrincha e Pepe, Didi, criador da folha-seca e um dos destaques da Copa de 1958, Roberto Dias, ídolo são-paulino na década de 60, Basílio, um dos grandes responsáveis pelo fim de uma fila de 23 anos de títulos no Corinthians, e o Rei Pelé, que aos 70 anos ganha
uma fotobiografia. Também há importantes nomes do esporte na atualidade, como Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho e Rogério Ceni, para ficar apenas em nomes nacionais. Mas não só de talento vive o mercado da bola e das letras. Sem os grandes clubes, o futebol não seria o mesmo. Escolher os principais atletas da história de uma agremiação, comemorar uma data importante, nova conquista ou mesmo falar sobre as curiosidades dos campeonatos são motivos certos para novas publicações. “Demorou, mas finalmente o Brasil descobriu esse filão que é a literatura do esporte. Claro que a escolha do País como sede da Copa de 2014 e das Olimpíadas de 2016 ajuda, mas não é o fator mais importante. Acredito que temos aí uma conjunção de outros motivos para tantas novas obras. Econômicas, como melhores condições para o consumidor comprar livros, e práticas, especialmente profissionais qualificados para escrever”, observa o jornalista Milton Leite, apresentador e narrador do canal pago Sportv e da Rede Globo. Leite acaba de lançar pela Editora Contexto As Melhores Seleções Brasileiras de Todos os Tempos, obra em que aponta os seis melhores esquadrões canarinhos da História: as seleções das Copas de 1958, 1962, 1970, 1982, 1994 e 2002. Todas foram campeãs mundiais, com exceção do escrete de 1982, que, apesar de apresentar um futebolarte na Copa da Espanha e encantar o mundo, acabou derrotado. Diz Milton Leite que time bom nem sempre é o que vence e, por isso, os critérios que adotou para escolha foram o brilhantismo e os resultados. “O time de 1994, por exemplo, levantou a taça com um futebol pragmático e quase nenhum espetáculo. No entanto, superou a desconfiança das eliminatórias, as mais de duas décadas sem título e mostrou uma união dentro de campo que se tornou imbatível“, analisa Leite. Escrevendo para o grande público, ele apresenta um livro de fácil
Marcelo Barreto: Obras sobre esporte, especialmente futebol, precisam ganhar mais espaço e não ser algo apenas sazonal.
para falar sobre a sociedade, explicar sua formação e contar histórias de vida. O esporte tem uma dimensão transcendente.” Foi isso que ele buscou nos meses em que se dedicou a pesquisar, entrevistar e escrever Os 11 Maiores Camisas 10 do Futebol Brasileiro. Uma das mais aguardadas da nova coleção, a obra promete debates acalorados. Entre os maiores “10” do futebol brasileiro Barreto co-
dono do time, herdeiro da camisa de Pelé”, explica Barreto, que já está produzindo uma nova obra com o perfil da multiatleta Daniela Genovesi, que aos 41 anos entrou par a História do esporte nacional ao vencer a maior competição do ciclismo mundial, a Race Across America de 2009. Foram quase 5 mil quilômetros percorridos em 11 dias, 17 horas e 8 minutos, um feito inédito para o ciclismo brasileiro.
tórica, cultural e baseada em números e estatísticas, naquele que é um dos livros mais curiosos dessa “safra” recente. Soccernomics (Nation Books, ainda sem tradução para o português) – qualquer semelhança com Freakonomics não é mera coincidência – trata em um texto leve e cheio de historietas da cultura e dos negócios do esporte. Das três partes, clubes, torcedores e seleções, a que promete mais polêmi-
loca nomes indiscutíveis como Zizinho, Pelé, Ademir da Guia, Rivelino, Zico e Kaká. Mas também fazem parte da lista Neto e Ronaldinho Gaúcho e ficam de fora um Didi, um Pita, um Gérson. “Na verdade, apesar de serem grandes armadores, não considero Didi e Gérson camisas 10. No meu time de futebol de botão eles seriam o 8. Não é fácil definir essa função, já que não se trata apenas de um número. Roberto Dinamite jogou com a 10, mas era um centroavante. O 10 autêntico deve ser o mais técnico, o ponta-de-lança, por quem a bola passa nas principais jogadas e também é capaz de encostar nos atacantes para definir. Em suma, o
As vitórias, as derrotas Esse caráter transcendente do futebol surge em outros lançamentos e levanta questionamentos. Como explicar a vitória brasileira no mundo da bola? E a derrota dos pais da modalidade, os britânicos? Ou os seguidos fracassos de novas e velhas potências na América do Norte e na Europa? Para responder a essas questões, o jornalista Simon Kuper, colunista do Financial Times, e o professor de Economia Stefan Szymanski, do Cass Business School, em Londres, abandonam velhos clichês, como a batida questão da habilidade latina, e partem para uma análise mais profunda, his-
ca é a última. Afinal, quais serão as potências futebolísticas no futuro? Os autores apostam nos Estados Unidos, Japão, Austrália, Turquia e até Iraque.
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Milton Leite: Há uma conjunção de motivos para tantas novas obras, entre eles melhores condições para o consumidor comprar livros e profissionais qualificados para escrever.
Razões do êxodo Igualmente polêmicas são as reportagens investigativas. Em Bola Fora (Panda Books), Paulo Vinícius Coelho, o PVC, comentarista da ESPN Brasil e colunista da Folha de S. Paulo, discute o problema e as conseqüências do êxodo dos craques brasileiros para o exterior. “Não procuro contar o caso curioso, inusitado. Não é a história do jogador que foi passar fome na Turquia. É uma análise desse êxodo, mostrando que as transferências não começaram hoje, com a crise do capitalismo. O êxodo é mais antigo que o próprio futebol e não vai acabar tão cedo”, escreve PVC na apresentação da obra. Pode ser, mas ele revela que o primeiro brasileiro a jogar na Europa foi Arnaldo Porta, que deixou Araraquara, no interior de São Paulo, para jogar pelo Verona, da Itália, em 1914. Casos de jogadores que se iludem com a fama e acabam enfrentando imensas dificuldades, até passando fome, e não somente na Tunísia, mas no Brasil, são assunto para outra obra, 11 Gols de Placa (Editora Record e Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo). “Como diria o grande João Saldanha: meus amigos, 11 Gols de Placa é uma espécie de cartão amarelo para dirigentes e para todos que se aproveitam do futebol brasileiro”, explica Fernando Molica, organizador, na apresentação da obra. Ele se refere a algumas das mais importantes peças investigativas publicadas pela imprensa esportiva nacional nos últimos tempos. A seleção não é somente de grandes reportagens, mas também de craques do jornalismo esportivo brasileiro: Juca Kfouri, João Máximo, Fernando Rodrigues e André Rizek, entre outros. In-
vestigação Futebol Clube, como é chamado o livro em seu prefácio, mostra que o melhor futebol do mundo pode se tornar caso de polícia. Extraídas das páginas dos principais cadernos de esportes e revistas especializadas, estão reunidas denúncias como as feitas por conta dos contratos de patrocínio da Nike com a CBF, os três grandes escândalos da arbitragem no País e a absurda volta dos tetracampeões ao Brasil em 1994, quando cartolas forçaram a entrada carregados de muamba, sem pagar impostos, usando o inédito título como justificativa. Alguns desses casos também são relembrados pelo jornalista e historiador Marcos Guterman, editor da primeira página do jornal O Estado de S. Paulo, em O Futebol Explica o Brasil (o primeiro da série sobre futebol lançada pela Contexto). Apesar de ter como tema o futebol e usar como fio condutor da narrativa a trajetória da Seleção Brasileira pelas Copas do Mundo, ele ressalta que sua obra não é só sobre futebol: “É um livro sobre História. A eleição de um grande clube costuma render boas pautas também sobre política. Ao falar sobre patrocínio ou crise no futebol não dá para fugir da economia. Já a contusão de um atleta pode se desdobrar em outros assuntos sobre saúde ou mesmo tecnologia. O leitor vai se surpreender sobre como a maior expressão popular de nosso País se mistura com a vida social, com a política, com a economia e com anseios e paixões. De fato, impressiona como a História recente do Brasil pode ser contada por meio da preparação e participação em cada uma das Copas. Como, em 1938, uma nação ainda agrária passa a se ver como o “País do Futebol”, forma um jeito diferente de jogar e dá início a um tempo de modernização e industrialização. Ou como a globalização econômica e a crise dos anos 80 e 90 conseguem refletir-se na perda de identidade nacional dentro dos campos, tanto por conta da assimilação do estilo europeu de jogar, quanto na saída de seus maiores destaques. O último episódio é emblemático. Após faturar o penta na Copa da Ásia, em 2002, o capitão Cafu levanta a taça e homenageia o Jardim Irene, em São Paulo, lembrando a origem pobre dos atletas que ganhavam o mundo. Da mesma maneira que um torneiro-mecânico, Luiz Inácio Lula da Silva, havia assumido a tão esperada Presidência da República. “Claro que não se trata de mera coincidência. Infelizmente, a importância do futebol demorou para ser percebida. Acho que isso se deve muito ao regime militar. Nos anos 70 e 80, quem se debruçava sobre o futebol ou estudava o assunto era considerado “do sistema”. Algo que nos atrasou demais. Mas agora, pela qualidade do que está sendo publicado, fico otimista. Creio que, muito em breve, meu trabalho será superado por outros muito melhores. Só começamos a dar nossos primeiros chutes”, prevê Guterman. Jornal da ABI 352 Março de 2010
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OBRA DE DESCOURTILZ
Livros
A arte conta nossa História Pela primeira vez é mostrada ao público parte da Coleção Brasiliana Itaú, um dos mais ricos acervos de pinturas, aquarelas, livros, mapas e documentos que retratam a vida nacional desde o Descobrimento. POR MARCOS STEFANO Ainda na década de 1970, o empresário, banqueiro e político Olavo Egídio Setubal, do Banco Itaú, começou a comprar pinturas, aquarelas, livros, mapas e documentos relacionados à História do Brasil. Até sua morte, em agosto de 2008, o que começou como um hobby transformou-se num dos mais completos e significativos acervos de arte do País, só comparável ao da Biblioteca Nacional, no Rio de Janeiro. São mais de 5 mil peças iconográficas, imagens avulsas ou inseridas em dezenas de álbuns de gravuras e milhares de livros, documentos e mapas que contam e revelam o Brasil desde o Descobrimento pelos portugueses até o século XX. Apesar de tamanha importância, nas últimas décadas poucos privilegiados tiveram acesso às obras. Agora, porém, finalmente o público poderá conhecer melhor esse material que recebeu o nome de Coleção Brasiliana Itaú. Primeiro, com o lançamento de um luxuoso livro que apresenta a totalidade das peças. Depois, com uma exposição na Pinacoteca do Estado de São Paulo, que reúne de forma inédita suas principais peças. O nome “Brasiliana” não é exclusivo da coleção do Itaú. Muitos outros importantes acervos formados por pinturas, livros, objetos, imagens e documentos que se relacionam com os 500 anos da História brasileira levam esse título, incluído um com quase 500 obras doado à própria Pinacoteca de São Paulo em 2007 pela Fundação Estudar. O grande diferencial da coleção do Itaú é o período que abrange, desde pinturas do Brasil holandês até às primeiras edições dos mais conhecidos álbuns iconográficos do século XIX e livros de artistas ilustrados do século XX. Entre elas, obras assinadas por artistas da qualidade de Jean-Baptiste Debret, Johann Moritz Rugendas e Joseph Leon Righini. Além deles, todos os grandes artistas viajantes estão representados em gravuras, pinturas, aquarelas e desenhos originais. Em um dos mapas mais antigos que mostram o País e pertence à Brasiliana Itaú, feito pelo cartógrafo Waldsmüller, em 1525, o Brasil ainda recebia o nome de Terra Papagalli ou Terra
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dos Papagaios. À medida que os navegadores traziam novas informações, a costa foi-se tornando mais rica e detalhada, aproximando-se da realidade. Muito do que foi representado pelos gravadores encarregados de ilustrar os primeiros atlas e mapas vinha da imaginação, fomentadas pelas descrições dos primeiros viajantes. Especialmente, a feição dos nativos, uma das fascinações dos europeus. Governantes como o holandês Maurício de Nassau preferiam trazer artistas para cá. Dessa forma, Frans Post e Albert Eckhout pintaram o Brasil e inspiraram muitos outros com suas obras. Post, por exemplo, pintou Povoado Numa Planície Arborizada, retratando um típico agrupamento do Nordeste no século XVII. Os elementos são fidedignos, mas organizados segundo a imaginação do autor. Fora a experiência holandesa, somente com a chegada de Dom João VI, em 1808, é que os estudos de naturalistas sobre a fauna e flora nacionais passaram a ser autorizados. A mostra na Pinacoteca conta com cerca de 300 itens divididos em três grandes núcleos. Enquanto o primeiro apre-
IMAGENS: DIVULGAÇÃO
GRANDE ATLAS BLAEU, PUBLICADO NA HOLANDA EM 1662.
senta o Brasil colonial e as obras descritas acima, o segundo traz a visão de viajantes e naturalistas a partir da chegada da Família Real ao Rio de Janeiro, com ênfase na iconografia de São Paulo e Rio. Entre as raridades do período há uma tela a óleo de Arnaud Julien Pallière, com a vista panorâmica de São Paulo em 1821,
a primeira pintura conhecida que representa a cidade antes da fotografia, e a recém-descoberta Segundo Casamento de D. Pedro I, de 1829, de Jean-Baptiste Debret, que retrata a suntuosa união do monarca com Dona Amélia. Outra é a assinatura da Lei Áurea, em 1888, pintada por Victor Meireles.
JEAN-BAPTISTE DEBRET, CASAMENTO DE DOM PEDRO I E DONA AMÉLIA. 1829,.
VIDAL, VISTA PANORÂMICA DO PORTO DO RIO DE JANEIRO
Mais de 5 mil itens compõem a coleção Brasiliana Itaú, entre quadros, mapas, gravuras de viajantes e naturalistas, edições raras, como a de Grande Sertão: Veredas, a ópera Il Guarani, e um caderno de gravuras de Lasar Segall, além da carta de D. João VI que inicia a dívida externa brasileira.
RUGENDAS, LA SIESTA, 1850.
É a última parte, porém, que promete enlouquecer bibliófilos e amantes da literatura. O extenso acervo de livros, impressos e documentos traz as primeiras edições de grandes autores – algumas autografadas –, documentos originais dos governantes e uma rica documentação do período da escravidão. Entre tantas jóias, é impossível não notar o exemplar de Memórias Póstumas de Brás Cubas, de Machado de Assis, sobriamente ilustrado por Cândido Portinari, um caderno de gravuras de Lasar Segall com poemas de Mário de Andrade, Manuel Bandeira e Jorge de Lima, um manuscrito de Garota de Ipanema,
de Vinícius de Moraes, ou a dedicatória infantil feita por Monteiro Lobato em uma de suas Reinações de Narizinho. Para os jornalistas, ainda vale ficar de olho em algumas das mais antigas peças da imprensa do País como os primeiros exemplares do Correio Braziliense, da Gazeta do Rio de Janeiro e de revistas ilustradas que marcaram época na São Paulo do século XIX, compondo um retrato da vida, costumes e acontecimentos do período. “O propósito da Coleção Brasiliana Itaú é de justamente reunir um grande número de peças das mais diversas naturezas, mas inteiramente dedicadas ao
Brasil, sua História, arte e literatura. Impressiona saber que a maior parte do acervo foi conseguida nos últimos oito anos de vida de Setubal, um homem profundamente interessado em todas as manifestações da cultura nacional. A riqueza dessa coleção é única e forma verdadeira imagem simbólica do País – sublinha Pedro Corrêa do Lago, cu-
rador da exposição e editor do livro. A Brasiliana Itaú fica em exposição até o dia 2 de maio na Pinacoteca do Estado de São Paulo, ao lado da Estação da Luz. Depois disso, será necessário esperar. Há planos de expor novamente parte do acervo no Itaú Cultural. Mas além de não estar ainda confirmado, só deverá ocorrer em 2011.
ARMAUD JULLIEN PALLIÈRE, PANORAMA DA PROVÍNCIA DE SÃO PAULO,1821.
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Vidas LUIZ CARLOS DAVID/FOLHA IMAGEM-FOLHAPRESS
Um ícone da crônica esportiva, assim Armando Nogueira era reverenciado pelos colegas que o consideravam um dos maiores nomes do jornalismo esportivo brasileiro de todos os tempos. O jornalista morreu em 29 de março, aos 83 anos de idade, em decorrência de um câncer no cérebro diagnosticado em 2007. Nascido em Xapuri, no Acre, em 14 de janeiro de 1927, Armando Nogueira chegou ao Rio de Janeiro em setembro de 1944, quando tinha 17 anos de idade. Formou-se em Direito e em 1950 conseguiu o seu primeiro emprego como jornalista na editoria de Esportes do antigo Diário Carioca, fazendo a cobertura das equipes que vieram ao Brasil naquele ano disputar a Copa do Mundo. No mesmo jornal, além de repórter foi redator e colunista. Desse período em diante Armando Nogueira construiu uma das mais brilhantes carreiras do jornalismo brasileiro. Foi redator-chefe da revista Manchete e chegou também a exercer a função de fotojornalista em O Cruzeiro. No final dos anos 50, ingressou no Jornal do Brasil, no qual de 1961 a 1973 assinou a coluna diária Na Grande Área, e compartilhava a companhia de importantes figuras do jornalismo esportivo, como João Saldanha, Sandro Moreira e Oldemário Touguinhó. Não foi somente para a imprensa que Armando Nogueira contribuiu com o seu talento. Em 1959, ele iniciou uma bem-sucedida trajetória no telejornalismo na antiga TV Rio. No canal 13, Armando Nogueira foi um dos integrantes do programa Mesa-redonda Facit, que produziu um dos melhores debates esportivos da televisão brasileira. O programa era dirigido por Augusto de Melo Pinto e, além de Armando, contava com participações especiais de Nélson Rodrigues, João Saldanha, José Maria Scassa e Luiz Mendes. Em 1966, Armando foi convidado para trabalhar na Rede Globo de Televisão, onde foi diretor da Central Globo de Jornalismo até 1990. Criou dois dos telejornais de maior audiência da emissora, como o Jornal Nacional e o Globo Repórter e foi o responsável pelo toque de qualidade do Departamento de Esportes. Na Rede Globo, durante a campanha presidencial de 1989, teve que enfrentar um constrangimento que o levou a se afastar da emissora. O problema surgiu por causa de uma edição do debate entre os então candidatos Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor de Mello, cuja edição supostamente favoreceu a este último. “Eu fiquei muito decepcionado, mas não com meus superiores, e sim com os meus subordinados, que se portaram de maneira muito equivocada na adulteração do debate. Isso contribuiu, definitivamente, para eu sair da emissora”, afirmou Nogueira em entrevista que concedeu ao ABI Online, publicada também no Jornal da ABI. Depois que deixou a Rede Globo, Armando Nogueira trabalhou também na TV Bandeirantes, no canal Sport TV e na Rádio CBN. 40
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Notável como autor de crônicas esportivas, Armando foi o criador do mais importante informativo do País, o Jornal Nacional da Rede Globo, e formou uma geração de repórteres, editores, cinegrafistas e produtores de jornalismo eletrônico hoje presentes nas principais emissoras de televisão. POR JOSÉ REINALDO MARQUES
Exigente com ele próprio, Armando era meticuloso no exame dos textos do Jornal Nacional, como neste flagrante de 1979 (acima), em que lê uma notícia enquanto Franklin Toledo, no telefone, apura outra. Abaixo, em 1998, curte com Nélson Mota e Fernando Calazans a sua grande paixão: a bola, o futebol, a competição bem jogada. AGÊNCIA O GLOBO/WILLIAM DE MOURA
Testemunha Na época em que trabalhou no Diário Carioca, o jornal contava com figuras destacadas do jornalismo, como Prudente de Morais, neto (Presidente da ABI no período 1975-1977), Carlos Castelo Branco, Pompeu de Sousa, Sábato Magaldi e Jota Efegê. Oto Lara Resende era repórter político, e Fernando Sabino fazia crônicas e também mantinha uma coluna. O jovem aos poucos foi conquistando a confiança dessa turma. Como era muito comunicativo e chamava a atenção pela espontaneidade, lhe colocaram o apelido de Armando Doidinho. “Eu era muito safo e elétrico e eles achavam que eu tinha uma espontaneidade que atribuíam à magnitude da floresta acreana”. Costumava sair à noite com Rubem Braga, que era quem se encarregava de apresentá-lo aos amigos da boemia: “Este aqui é o Armando Nogueira, recém-chegado do Acre, onde vivia da caça, da pesca e da coleta de frutos naturais, como um bom nativo”. Nos primeiros anos como repórter no Rio de Janeiro, Armando Nogueira deu um furo de reportagem com o episódio do atentado contra Carlos Lacerda, na noite de 5 de agosto de 1954. Eles eram vizinhos em Copacabana. Armando, que estava entrando em casa quando presenciou a cena, tomou logo a iniciativa de entrar no bar da esquina e ligar para a Redação para relatar o que acabara de presenciar. Pediu a Pompeu de Sousa para atrasar o fechamento da edição, porque tinha presenciado o atentado, mas ainda precisava apurar alguns dados antes de retornar ao jornal. A partir de uma idéia magistral de Pompeu de Sousa, Armando transformou-se em testemunha do caso. Pompeu sugeriu que o texto fosse redigido na primeira pessoa e com isso fez de Armando o único repórter com acesso a todo o andamento do processo.
AGÊNCIA O GLOBO/ADIR MERA
Sina e sobrevivência Em fevereiro de 2007, quando completou 80 anos, na entrevista que deu aos veículos da ABI, Armando Nogueira disse que apesar dos sintomas da doença não pensava em parar de escrever os seus textos, porque redigi-los era a sua sina e sobrevivência: “Preciso escrever por necessidade profissional e existencial”, declarou. Na entrevista, ele falou de Nélson Rodrigues, do deslumbramento que teve ao desembarcar no Rio de Janeiro, de sua adoração por aviões, da paixão pelo futebol e pelo Botafogo, e relembrou os tempos de repórter no Diário Carioca, onde trabalhou ao lado de Oto Lara Resende, Pompeu de Sousa e Fernando Sabino. Para um jovem nascido no interior do Acre – que nunca tinha visto mar, rua asfaltada, bonde e só conhecera até aquele momento um carro na sua vida – a chegada ao Rio de Janeiro, depois de desembarcar de um vôo da extinta Cruzeiro do Sul, nas palavras de Armando Nogueira foi “mais que um deslumbramento, foi um choque emocional”. A primeira sensação que teve, contou, foi de que estava respirando um ar “que pertencia a outro, não a mim”. O primeiro contato com o Rio de Janeiro provocou nele um sentimento de que estaria “usurpando um meio físico de um carioca”. Demorou um tempo para se livrar da sensação de desconforto e insegurança provocada pelo choque da cidade grande. Pilotar aviões era o hobby predileto de Armando Nogueira, um desejo que ele acalentava desde os cinco anos de idade, quando ainda era um menino em Xapuri e sonhava que estava voando nas asas “de um regador de jardim”. A realização se deu no Rio de Janeiro, nos vôos de ultraleve que duraram até quando já era um octogenário e enquanto a saúde permitiu. Mas tudo começou nas aulas iniciadas no aeroclube de Rio Branco.
Repercussão A notícia da morte de Armando Nogueira foi recebida com grande pesar no ambiente esportivo e no meio jornalístico de maneira geral. Como repórter e cronista esportivo, ele participou de todas as coberturas de Copas do Mundo desde 1954, na Suíça, e também cobriu os Jogos Olímpicos a partir de 1980, em Moscou. Deixou uma lacuna que na opinião de especialistas dificilmente será preenchida. Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o VicePresidente Executivo das Organizações Globo, João Roberto Marinho, lembrou os anos em que conviveu com Armando Nogueira: “Foram 24 anos de uma colaboração estreita, primeiro com meu pai, Roberto Marinho e, depois, também comigo e meus irmãos, Roberto Irineu e José Roberto. Foi um período muito rico, em que Armando atuou ativamente para que o jornalismo televisivo ganhasse rigor e, por isso, relevância. Dele guardamos a imagem do profissional atento, mas também do amigo espirituoso, uma conversa sempre inteligente e cativante. Deixa saudades e um legado extremamente positivo, reconhecido por todos.” Falando também à Folha, o ator e diretor de cinema e tv Daniel Filho também se pronunciou sobre a morte de Armando Nogueira, afirmando que este tinha sido seu grande conselheiro: “Nos últimos 30 anos, não houve um passo que eu
desse na minha vida profissional e pessoal sem consulta ao Armando. Ele deixa esse buraco na nossa vida, que é o de conselheiro”. Juca Kfouri relembrou com saudades de algumas frases antológicas do grande cronista: “Nunca mais você terá o privilégio de poder abrir um jornal e ler que ‘Ademir da Guia tem nome, sobrenome e futebol de craque’. Ou que ’Deus castiga quem o craque fustiga’. Ou que se ’Pelé não tivesse nascido gente, teria nascido bola’. Nunca mais.” A obra Armando Nogueira escreveu dez livros, todos sobre esporte: Drama e Glória dos Bicampeões (em parceria com Araújo Neto); Na Grande Área; Bola na Rede; O Homem e a Bola; Bola de Cristal; O Vôo das Gazelas; A Copa que Ninguém Viu e a que Não Queremos Lembrar (em parceria com Jô Soares e Roberto Muylaert), O Canto dos Meus Amores; A Chama que Não se Apaga. O mais recente é A Ginga e o Jogo, lançado em 2003 pela Editora Objetiva. Seu corpo foi velado na Tribuna de Honra do Estádio do Maracanã. No dia 30, às 12h, foi enterrado no Cemitério São João Batista, em Botafogo, na Zona Sul do Rio. O Governador Sérgio Cabral e o Prefeito Eduardo Paes declararam luto oficial de três dias no Estado e na Cidade do Rio de Janeiro, respectivamente. O mesmo fez o Botafogo,o clube do seu coração. Jornal da ABI 352 Março de 2010
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Vidas FOLHA IMAGEM/FOLHAPRESS
Armando, em sua sala na TV Globo, em 1987.
Um formador de profissionais
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Naquele dia, seu time do coração iria novamente subir ao gramado do Maracanã para mais uma peleja pelo Campeonato Carioca. Mas, antes do grande clássico, o mestre Armando Nogueira, que tantos elogios já havia escrito ao futebol, foi homenageado pela Secretaria de Estado de Turismo, Esporte e Lazer, através da Suderj, com a inauguração de um espaço que
leva o seu nome, localizado na Tribuna de Imprensa do estádio do Maracanã. No Espaço Armando Nogueira, além de uma galeria da fama com fotos de grandes nomes do rádio, como Ari Barroso, João Saldanha, Jorge Cúri, Luiz Mendes, José Carlos Araújo, há uma placa de acrílico onde se encontra gravado o poema Maracanã, de sua
autoria, cujos direitos de uso foram cedidos pelo grande cronista esportivo à Suderj. Foi um dia de glória para o jornalismo esportivo. Mas, naquele dia, 30 de março de 2008, a festa não estaria completa se seu time do coração não saísse de campo vitorioso. Seu Botafogo foi guerreiro. 3x1 em cima do Fluminense. (Francisco Ucha)
MARACANÃ Armando Nogueira Revejo, com saudade, as bandeiras das tuas batalhas repartidas sobre o campo. Revejo, com saudade, a tua multidão que torce e distorce a verdade até morrer, doa a quem doer. Revejo, com saudade, as esperanças que se perdiam pela linha de fundo no entardecer de cada jogo. Quantas vezes foste a minha pátria amada, idolatrada, salve, salve a seleção! Quantas vezes a minha alma escapava de mim e, sem que o árbitro notasse, aparecia na pequena área, providencial, para fazer o gol da vitória. Perdi a conta dos gols que fiz com pés que nunca foram meus. Saudade de certa lágrima de vitória que, um dia, vi brilhar no rosto quase meu de uma criança. Maracanã. és fantasia da paixão que aproxima e divide: louvor e blasfêmia, alegria e desdita. és o gol de Gigghia, celebrado com um minuto de silêncio soberba nacional. és o ignorado herói de uma tarde cujo gol restou sem data como se nunca houvera sido feito. és gol de placa que ninguém sabe ao certo como nasceu mas que o tempo vem tratando de fazê-lo cada dia mais bonito. Gol de fábula.
És o craque que passa, sem pressa, tecendo a promessa de gol com a bola nos pés e os olhos na linha do horizonte. és Gérson e Jair da Rosa Pinto Que tinham no pé esquerdo o rigor da fita métrica. És Nilton Santos, futebol de fino trato, na majestade e no saber. És Zizinho, que conhecia, como ninguém, todos os atalhos da tua geometria. És Zico que driblava triscando a grama, suave como uma pluma. És a “folha-seca” de Didi, fidalgo de rara nobreza que tratava a bola como se trata uma flor. És Ademir Menezes correndo, olímpico, pelos indizíveis caminhos do gol. És Carlos Castilho, santo goleiro que obrava milagres pelos confins da pequena área. És Pelé, cujos gols eram tramados na véspera (ele trazia de casa as traves e a bola do jogo.) És Garrincha que dobrava as esquinas da área driblando Deus-e-o-Mundo com a bola jovial da nossa infância. Quanta saudade daquele drible direita que alegrava as minhas jovens tardes de domingo. És, enfim, a vitória e a derrota, caprichosa imitação da minha vida. E porque és uma parte da minha memória, seguirei cantando, comigo, a melodia de teu doce nome. Maracanã, Maracanã. AGÊNCIA O GLOBO/IVO GONZALEZ
A ABI expressou seu profundo pesar pelo falecimento de Armando Nogueira, apontado pela entidade como “um mestre do jornalismo” e responsável pela formação de profissionais que trabalham atualmente em emissoras de televisão em vários Estados. Em declaração que emitiu, afirma a ABI que Armando deixa seu nome gravado entre os profissionais que mais contribuíram para o elevado padrão de qualidade do jornalismo impresso e do jornalismo eletrônico entre nós. A declaração da ABI tem o seguinte teor: “A Associação Brasileira de Imprensa expressa o seu sentimento de profundo pesar pelo falecimento do jornalista Armando Nogueira, que deixa seu nome gravado entre os profissionais que mais contribuíram para o elevado padrão de qualidade do jornalismo impresso e do jornalismo eletrônico entre nós. Integrante, ao lado de Jânio de Freitas, José Ramos Tinhorão, Nilson Lage e outros talentosos jovens, de uma geração de profissionais que, na equipe do antigo Diário Carioca, modernizaram a técnica de redação jornalística da imprensa do Rio de Janeiro sob a liderança e a orientação de Danton Jobim, Pompeu de Sousa e Luís Paulistano, Armando Nogueira cedo alcançou preeminência como redator de textos, pela competência técnica, o forte domínio do idioma e a sensibilidade em relação às questões humanas e sociais sempre presentes no jornalismo. Após a destacada atuação que teve no Diário Carioca, Armando integrou com brilho excepcional a equipe com que o Jornal do Brasil se firmou, desde o fim dos anos 50 até à década de 80, como o paradigma do melhor jornalismo do País. No JB ele encontrou então a forma de realizar a sua paixão pelo esporte em geral e especialmente pelo futebol. Como cronista esportivo do jornal, Armando ofereceu ao longo de décadas textos que o impuseram à admiração pública pela alta qualidade literária e fino sentimento que ostentavam. Posteriormente, coube-lhe um papel de ponta na criação e implantação da mais importante produção jornalística do País, o Jornal Nacional, que ele dirigiu com extremada perícia e reconhecida ação pedagógica: pelas suas mãos passaram e se formaram jornalistas, produtores e cinegrafistas que, em numerosas emissoras e sob diferentes formatos, realizam atualmente um jornalismo de notável qualificação. Ao homenagear Armando Nogueira neste momento doloroso para sua família, seus companheiros de trabalho e seus incontáveis admiradores, a Associação Brasileira de Imprensa, triste e enlutada, celebra um dos maiores profissionais da comunicação que o País conheceu. Rio de Janeiro, 29 de março de 2010. (a) Maurício Azêdo, Presidente.”
Um dia de glória
Durante a inauguração do Espaço Armando Nogueira, no Maracanã, o jornalista recebe justa homenagem.
Ubiratan, um coração vascaíno “Enquanto houver um coração infantil, o Vasco será imortal.” A frase, numa gravação, era pronunciada com nitidez toda vez que alguém ligava para o telefone do jornalista José Ubiratan Solino, que tinha três amores na vida: a mãe, que ele sustentava como arrimo de família, o jornalismo e o Clube de Regatas Vasco da Gama. Por este, tinha um amor diferente, vulcânico, como diria o rubro-negro Ivan Alves: não era um amor comum, como tantos, mas uma paixão que ele carregou até os últimos dias. O amor pelo jornalismo surgiu e cresceu quando, ainda muito jovem, começou a trabalhar na Última Hora de Samuel Wainer, na qual logo se destacaria pela limpidez do texto, o rigor no emprego da técnica de redação, a adequação na arte de titular as matérias. Sem passar pela Reportagem, como era comum na época, logo ascendeu à função de Editor, um editor competente, seguro, responsável, com forte consciência da ética do jornalismo. O colapso da Última Hora levou-o a outras paragens, a outras Redações, onde exercitou com a mesma competência e zelo profissional as missões que lhe eram confiadas, como sucedeu em O Globo, de cujo processo de modernização participou, primeiro sob o comando de Moacir Padilha, depois sob a liderança de seu sucessor, Evandro Carlos de Andrade. Bira, como era chamado pelos companheiros, era um profissional a quem se podia entregar a missão de atualizar a edição do jornal, nos imprevistos das madrugadas. Ele trabalhou também no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro. Discreto, sem rompantes de sabetudo ou de rei-da-cocada-preta, Bira não enjeitava tarefas nem encargos. Nos últimos anos, com o padrão de vida
UMA HOMENAGEM DE ADAIL Ele mereceu um minuto de silêncio num jogo do seu Vasco da Gama! Sinal de respeito e luto pela paixão com fogo que queima tanto a quem ama! Homenagem ao berrante torcedor o colega José Ubiratan Solino Jornalista, simpático e competente. Reconhecimento a tamanho ardor que se arrepiava com hino e contagiava tanta gente...
aviltado pela crescente deterioração imposta aos proventos dos aposentados pelo Instituto Nacional do Seguro Social-INSS, Bira desdobrava-se para encontrar e atender a encomendas de trabalhos como freelancer. A encomenda podia ser a da edição de uma revista, como a que produziu para a Casa das Beiras em 2008, para celebração de um momento importante na vida dessa
tradicional e respeitada agremiação de portugueses e seus descendentes, seja para trabalho permanente, sem vínculo empregatício, como na Revista do Turismo, editada no Rio. Bira era também um dos editores eventuais do Jornal da ABI, do qual participava com trabalho de edição ou de produções que exigiam mais fôlego de pesquisa, tratamento burilado dos textos e linha de titulação no estilo revista. Nesse aspecto foi primoroso o trabalho que realizou para o Volume 3 da Edição Especial do Centenário do Jornal da ABI, para o qual produziu um texto sobre a caricaturista Nair de Teffé, uma das mulheres que romperam barreiras no jornalismo, apresentando-a na reportagem sob o título Rian: a caricaturista que tirou Rui Barbosa do sério. Para essa edição Bira produziu também vigorosos textos sobre nossos mortos, nossos mártires: Nestor Moreira, um coice de mula na democracia; Vladimir Herzog – 1975: A impunidade que não acabou; Tim Lopes, um repórter chamado coragem. O texto sobre o repórter Nestor Moreira, morto por
um policial em 1954, foi tão preciso e contundente que levou um dos seus leitores, o jornalista e escritor Roberto Sander, também sócio da ABI, a aprofundar e ampliar a pesquisa de Bira para contar em livro essa história dramática do jornalismo brasileiro. Bira era natural do Rio Grande do Norte, mas se tornou um grande carioca: além de curtir o futebol no Maracanã, onde, como conta o chargista Adail de Paula, membro do Conselho Fiscal da ABI, “fazia muita festa, muito extrovertido que era e expansivo com as colegas”, conhecia como poucos o bas fond da noite carioca, antes das inovações que marcam a Lapa destes dias: volta e meia pagava caro por suas incursões no mundo da malandragem, escapando com vida, por sorte ou milagre, das peças que lhe aprontavam depois que ele tomava umas-e-outras além da conta. Sócio da ABI desde 1972, Bira colaborava ultimamente não apenas com o Jornal da ABI, mas também com a equipe do Jornal do Casaca!, evidentemente uma publicação imparcialmente vascaína, e com o programa Casaca no Rádio, o qual manifestou assim seu pesar pelo falecimento do companheiro: “A nossa homenagem a um grande vascaíno. Os nossos sentimentos à família, a solidariedade aos amigos e a sensação imediata de vazio e saudade, (a) Equipe Casaca.” Bira morreu no dia 5 de março no Hospital do Andaraí, onde estava internado desde 26 de fevereiro, para tratamento de um câncer no pulmão. Em sua homenagem foi observado um minuto de silêncio no domingo dia 7, quando o Vasco jogava no Estádio de São Januário, e em jogo do Campeonato Carioca no Estádio do Maracanã. (Maurício Azêdo)
Calvo, um espanhol feliz Nascido em 1926, em León, na Espanha, o jornalista Antonio Domínguez Calvo, 84 anos, era sócio da ABI há mais de cinco décadas, na qual ingressou tendo como proponente o jornalista e Presidente da entidade Herbert Moses. Calvo deixou a Espanha em 1938, quando sua família fugiu da Guerra Civil. Os estudos em Jornalismo foram feitos na Argentina e no Uruguai. No final de 1952, Calvo integrou uma missão que veio ao Brasil para a assinatura de um convênio comercial com a Argentina. Na época, tinha 28 anos e
trabalhava no diário Mayoria, do Partido Peronista. A iniciativa de integrá-lo ao grupo partiu do Presidente Perón. Chegando ao Rio de Janeiro, a comitiva foi recepcionada com um jantar oferecido pelo Embaixador Juan Cooke. Calvo conheceu então a futura esposa, a pernambucana Lisete Pessoa Cantinho, também de 28 anos, sobrinhaneta de Epitácio Pessoa, Presidente do Brasil entre 1919 e 1922. O casamento foi celebrado em 8 de abril de 1953, data em que, dizia, ele se tornou “o homem mais feliz da face da Terra”.
Nesse mesmo ano Calvo ingressou na ABI, na qual exerceu o cargo de Conselheiro em diversos mandatos. Apesar do luto pela morte da esposa, ocorrida em 2005, Calvo continuou a escrever. Em 2 de junho de 2009, encaminhou ao Presidente da Casa cinco publicações reunindo matérias e artigos assinados ao longo de sete décadas de atividade na imprensa internacional. Todos os volumes da coleção apresentam textos dedicados à divulgação, integração e desenvolvimento comercial e cultural dos países hispano-ame-
ricanos. O Volume II reúne matérias e artigos publicados entre 1979 e 2004, nos jornais da Argentina, Uruguai e Brasil. Nos Volumes III, IV e V foram incluídos os textos publicados no Chile, Paraguai e demais países de língua espanhola. O corpo de Calvo foi sepultado na tarde de 9 de março, no Cemitério São Francisco de Paula, no Catumbi, Zona Norte do Rio. Amigos dele reverenciaram sua memória numa missa de sétimo dia celebrada no dia 15 na Paróquia Santa Mônica, no Leblon. Jornal da ABI 352 Março de 2010
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Aristélio, o pai da Nação Rubro-Negra Foi ele quem, meio a sério, meio a brinca, criou e difundiu a expressão agora inseparável da torcida do Flamengo. Dirigente do Sindicato dos Petroleiros de Duque de Caxias, RJ, de que foi um dos fundadores, Aristélio Travassos de Andrade foi um dos primeiros líderes sindicais do Rio de Janeiro a ser preso após a deflagração do golpe militar de 1º de abril de 1964. Levado para o Dops e depois para a chamada Casa de Detenção, foi barbaramente torturado física e psiquicamente: entre as provações a que o submeteram figurou a humilhação de ver a própria mãe, dona Adélia, ser desnudada e supliciada diante de seus olhos. As sevícias deixaram-no praticamente desfigurado: seu corpo, da cabeça aos pés, era uma massa de sangue, como narrou o ator, compositor e escritor Mário Lago, outro dos muitos presos pela repressão logo desencadeada pela Polícia Política do Governador Carlos Lacerda, numa pequena brochura sob o título 1º de abril – Estórias para a História, redigida ainda sob a emoção e a indignação de que Mário, Aristélio e muitos outros, entre centenas de patriotas então presos, estavam possuídos. Pernambucano nascido em 18 de março de 1934 em Timbaúba, ou Timbaúba dos Mocós, como ele gostava de frisar, aludindo a antiga denominação dessa cidade do interior do Estado, Aristé-
lio começou a trabalhar na Refinaria Duque de Caxias “quando esta plantava as primeiras estacas para se tornar a maior unidade da Petrobras”, como lembra o jornalista Francisco Canavarro, seu companheiro de lutas nessa época, demitido da empresa em 31 de março de 1964, assim como Aristélio, e que teve também de se reciclar, passando a trabalhar no jornalismo, diante das perseguições que sofria. Ao lado de outros companheiros, entre os quais Silas Conforto, Cid Cesare Salgado, já falecido, Valdevino de Souza Almeida e muitos outros, Aristélio fundou a Associação dos Trabalhadores Petroleiros Caxiense, a qual dois anos depois se transformou no Sindicato dos Petroleiros de Duque de Caxias. As perseguições que sofreu, entre as quais a demissão imediata da Petrobras, tinham dupla motivação: a atuação no Sindicato e a militância no Partido Comunista Brasileiro-PCB, de que era dirigente em Caxias e ao qual guardou fidelidade depois que este se transformou no atual PPS – Partido Popular Socialista. Formado em Contabilidade, estudioso de Ciências Sociais e História, amante da boa literatura brasileira e estrangeira, apaixonado por música popular de qualquer país e por música erudita
– os amigos o definiam como um melômano, que gravava todas as músicas que podia —, Aristélio passou após o golpe militar por penosas dificuldades para sustentar a família, a mulher, Marly, e os filhos Alexandre e Silas. Durante bom tempo, Marly, que trabalhava fora, foi o esteio da casa. Entre 1967 e 1968, finalmente, Aristélio encontrou uma possibilidade de atenuar as dificuldades, mas ao preço de trabalhar e morar em São Paulo, enquanto a família permanecia no Rio. Um companheiro de profissão e de partido, Ari Coelho,
REPRODUÇÃO
Margaret Moth, a destemida
Vítima de um câncer morreu no dia 21 de março, nos Estados Unidos, aos 59 anos de idade, a fotojornalista Margaret Moth. A doença foi diagnosticada há três anos e ela estava internada em um hospital de Minessota. Funcionária da rede norte-americana CNN, onde ingressou em 1990, Moth ficou conhecida depois que foi atingida, por um tiro no rosto, durante a cobertura de um conflito em Sarajevo, em 1992. O ferimento quebrou a sua mandíbula, a fotógrafa perdeu quase todos os dentes e parte da língua, sen44
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do obrigada a se submeter a várias cirurgias para reconstituição da face. Seis meses depois do tratamento, a fotojornalista voltou ao seu trabalho em Sarajevo dizendo em tom de brincadeira que ia “voltar a olhar os dentes ausentes”. Depois de sua morte, Margaret Moth foi reverenciada com um programa especial da CNN onde foram exibidas várias reportagens sobre a sua trajetória profissional e depoimentos dos colegas de trabalho. Pela postura no desempenho da sua função, Margaret
Moth foi tratada como uma mulher destemida. “Ela não tinha medo, era o tipo de mulher que não apenas deixa a câmera trabalhando durante um incêndio, mas ainda dá zoom em um soldado que está atirando nela”, diz um dos textos sobre a homenageada. Em outubro de 2009, Margaret Moth foi tema de um documentário da CNN chamado Fearless: a Margaret Moth Story. O documentário gira em torno das suas reportagens em zonas de guerra, onde ela aparece encarando perigos sem um pingo de medo.
que fora editor de Economia do Diário Carioca e, fechado este, assumira a coordenação da edição dos fascículos da Editora Abril, convidou-o para trabalhar num deles, Medicina & Saúde, que a irreverência das redações da Abril chamava de Câncer Ilustrado. Foi aí que Aristélio iniciou seu longo périplo jornalístico, que o levou a diferentes Redações, entre as quais Última Hora, Jornal do Commercio, Placar, O Globo, TV Serra Mar de Nova Friburgo, onde se radicou em meados dos anos 90 sem deixar de exercer o jornalismo: era articulista do jornal A Voz da Serra, o diário local, com o qual colaborou até às eleições de 2005, quando se candidatou a prefeito pelo PCB e ficou em segundo lugar. Aristélio foi o autor do projeto de criação da revista Placar, ao lado de Maurício Azêdo e Paulo Patarra, que dirigira a revista Realidade e, posto no ostracismo, foi designado pela Editora Abril para o cargo de Editor de Projetos Especiais, uma forma de mantêlo na empresa numa posição de relevo. Posto diante da idéia, Patarra pediu aos dois que elaborassem o projeto da nova publicação, o qual foi ganhando forma ao longo dos meses. No começo de 1970, Victor Civita deu sinal verde para o lançamento da revista, da qual Maurício foi o primeiro editor-chefe. Aristélio obteve então o que mais queria: a Chefia da Redação de Placar no Rio de Janeiro, onde durante vários anos liderou uma equipe que contou, entre outros, com repórteres como Fausto Neto, Raul Quadros, Teixeira Heizer, o próprio Maurício e os repórteres-fotográficos Fernando Pimentel e Ignácio Ferreira. Foi na função de comandante de Placar que, meio a sério, meio a brinca, Aristélio plasmou a expressão Nação Rubro-Negra para definir a torcida do Flamengo, clube pelo qual torcia apaixonadamente. Não supunha, então, que esta sua criação seria absorvida como uma realidade até hoje inseparável do clube que amava. Aristélio morreu no dia 5 de março, na Casa de Saúde São Vicente de Paula, na qual ficara internado quatro meses, para tratamento de um câncer no esôfago. Sócio da ABI desde 1972, ele foi Diretor Econômico-Financeiro da Casa na gestão iniciada em 13 de maio de 2004 e renunciou em abril seguinte, em razão de divergências no seio da Chapa Prudente de Morais, pela qual se elegera. Aristélio discordou da inclusão na Chapa do nome do associado Conrado Pereira da Silva e abriu uma dissidência em que foi acompanhado pelos diretores Mílton Temer, Vice-Presidente, e Fichel Davit Chargel, Diretor Administrativo. Os três lançaram uma chapa de oposição; derrotados na eleição, ele e seus companheiros renunciaram.
A carreira de Glauco Villas Boas, interrompida de forma precoce em 12 de março, num incidente que culminou em seu assassinato e também do de seu filho, Raoni, começou pelas mãos de um mestre do Jornalismo: José Hamilton Ribeiro. “Em 1976, eu estava dirigindo um jornal em Ribeirão Preto e fiz um artigo com o título: ‘Glauco Villas Boas, guardem bem esse nome!’ O texto apresentava aos leitores o novo chargista do jornal, uma pessoa totalmente desconhecida, nem era da cidade. Era da pequena Jandaia do Sul, no Paraná. Pois, uns dias antes, após ouvir boas referências dele como desenhista, Glauco chegou à minha sala, após atravessar a Redação. Era um rapaz entre 17 e 18 anos, vestido de forma meio hippie, barbicha rala, magrinho e tímido”, recorda o repórter do Globo Rural. Logo de cara, o iniciante desenhista disse que gostaria de fazer tiras em quadrinhos para o jornal. Hamilton argumentou que não era o caso, uma vez que a publicação contava com tirinhas muito boas, que saíam quase de graça. “De qualquer forma, pedi para ver os seus desenhos. Eram uns traços rudes, toscos, meio grosseiros — até sujo, vamos dizer. Porém, tinham a força de uma machadada. Ele era capaz, no espaço mínimo de um quadrinho, de sin-
Ao lado, reprodução da quarta página da revista Geraldão n°3 (abaixo) com Glauco e seu filho Raoni numa foto de Antonio Carlos Borja. Acima, o primeiro número da revista que foi lançada em 1987.
O TRISTE TRAÇO DA DESPEDIDA Colegas de profissão e amigos ressaltam a qualidade do trabalho de Glauco, cartunista da , assassinado em 12 de março. Criador de diversos personagens politicamente incorretos, com extremo humor afiado, ele fez História no universo das tirinhas. POR PAULO CHICO Jornal da ABI 352 Março de 2010
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tetizar uma situação e bater nela, com crítica e contundência. E, por outro lado, seus quadrinhos carregavam grande força de humanidade, de elevação, de espiritualidade”, diz Hamilton, dando pistas da busca espiritual que, anos mais tarde, levaria Glauco a fundar uma comunidade ligada ao Santo Daime. Zé Hamilton logo percebeu que estava diante de alguém especial, e acolheu aquele jovem, que pensava em prestar vestibular para Engenharia, na Redação do Diário da Manhã. “Disse que a tirinha não daria pra ele fazer. E que, se quisesse, poderia fazer a charge da página 3, daquele mesmo dia. Glauco apanhou um pouco no começo – estava acostumado a contar histórias em três quadros. Ali, só dispunha de um. Mas ele foi pegando o jeito e um ano depois ganharia um prêmio no Festival de Humor de Piracicaba. Era o primeiro reconhecimento e a certeza de que seu rumo era aquele mesmo, ser cartunista. Tornou-se, com o passar do tempo, o nosso grande Glauco, cuja morte precoce, aos 53 anos, ocorrida em Osasco, é uma coisa horrível, difícil de entender e aceitar”, lamenta José Hamilton. Simples, mas sofisticado Em 1977, Glauco começou a publicar suas tiras esporadicamente na Folha de S. Paulo. A partir de 1984, quando o jornal dedicou um espaço diário à nova geração de cartunistas brasileiros, ascendeu ao time de artistas fixos da casa. O cartunista é autor de uma 46
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família de tipos como Geraldão, Geraldinho, Dona Marta, Zé do Apocalipse e Doy Jorge. Para a estação UOL Humor, criou, em maio de 2000, os personagens Ficadinha, adepta do sexo casual, e Netão. Este último, segundo o próprio autor, era ‘um cara metropolitano, de uns 30 anos, que vive internado no apartamento e viaja só pela tela do computador’, definiu numa entrevista. Editor de Arte da Folha de S.Paulo, Fabio Marra ajuda a entender a graça do trabalho de Glauco. “Esteticamente, seu traço era simples e, ao mesmo tempo, sofisticado e rico em detalhes e personalidade. O marcante das tirinhas dele era a irreverência e a proximidade que ele tinha com os leitores, com aquele estilo de humor muito característico e peculiar. O bom humor e a maneira
simples e direta de ver as coisas faziam dele um artista bem especial. O sentimento aqui na Redação ainda é de tristeza por perder não só um grande talento, mas um amigo, de forma tão inesperada”, diz Marra, que fala do comportamento metódico de Glauco. “Ele parecia não confiar em e-mail. Diariamente ligava para a Redação e dizia para quem quer que o atendesse na Editoria de Arte: ‘Faaaala Panga! Confere se chegou minha tirinha...’. Era assim que ele fazia”. ‘Fala Panga’ nada mais era do que uma gíria utilizada diariamente por Glauco e que deu nome à exposição que entrou em cartaz em 30 de março, na Pizza do Babbo, tradicional reduto de desenhistas, em São Paulo. Nela estão reunidos trabalhos de 28 artistas, todos
Ao lado, a primeira charge de Glauco publicada na Folha de S.Paulo, em 26 de março de 1977. No mesmo ano o chargista foi premiado no 4° Salão de Humor de Piracicaba (no alto, à esquerda). No ano seguinte ficou em 3° lugar com o ótimo cartum da direita.
em homenagem ao cartunista. Amigos como Chico Caruso. “Nosso objetivo é recordar o Glauco através de seus colegas e desenhos. Pensar um pouco nessa luz que se apagou, e que refletia a genialidade do criador de tantos personagens divertidíssimos”, explicou o chargista de O Globo. Em tempo: ‘panga’, como Glauco se referia efusivamente a todos os colegas ao entrar na Redação, nada mais era do que o diminutivo carinhoso de ‘pangaré’ ou ‘cavalo véio’. Coisas de interiorano. Em declaração em nome da empresa, o Diretor de Redação da Folha de S. Paulo, Otavio Frias Filho, lamentou a morte do cartunista. “Glauco foi um grande artista e ser humano admirável. Sua obra ficará na memória das gerações que amaram seus desenhos e no traço de muitos artistas jovens que sua imaginação influenciou. Era uma pessoa que tinha a doçura de uma criança e a serenidade de um sábio. Sua morte e a de seu filho Raoni são motivo de profunda tristeza, especialmente na Folha, casa profissional do cartunista há mais de três décadas”, dizia o texto, divulgado na manhã de 12 de março. Xixi na pia dos pincéis O cartunista Orlando, que trabalha na Folha de S. Paulo desde 1985, é outro que tem boas recordações de Glauco. “Acho difícil que qualquer pessoa que tenha convivido com ele não tenha alguma história... Era um tipo interiora-
“Prestem atenção neste nome: Glauco Villas Boas”
no e se comportava como tal. Tirava sarro, pegava no pé de todo mundo, fazia xixi na pia onde a gente lavava os pincéis... O Glauco serviu de inspiração para os novos e também para os veteranos, figuras que, no trabalho dele, enxergaram uma espécie de autorização para relaxar em relação ao próprio humor, e se divertirem um pouco mais”, avalia. Na lembrança do colega, Glauco surge no cenário por volta de 1978, com traço e humor absolutamente irreverentes. Enquanto todos se pautavam pelo combate ao ainda em vigor regime militar, com charges e cartuns pesados e engajados, ele introduz assuntos como família, aborto, namoro e casamento. “Não era que ele fugisse dos temas políticos. Pelo contrário. Mas como o trabalho dele era muito intuitivo, esses assuntos se misturavam, e o ridículo vinha à tona de forma engraçada. Vários temas por ele abordados foram depois aprofundados pelo Angeli e Laerte. Juntos, eles produziram talvez as melhores crônicas sobre mudanças de comportamento da sociedade brasileira nos anos 80 e, principalmente, da sociedade paulistana”, diz Orlando, que considera que o traço rápido, a personalidade clownesca dos personagens e o humor que trafegava do sacana ao ingênuo fizeram de Glauco um cartunista único. Em alguns dos seus personagens, acredita, havia muito do autor. “Com o Geraldão, ele inaugurou ou recuperou a possibilidade do anti-herói. O personagem simpático, carente, irresponsável, boa gente. Muito como ele próprio”, diz Orlando. Para ele, o assassinato, cometido pelo jovem Carlos Eduardo Sundfeld Nunes, que, mesmo envolvido com drogas, estava sendo acolhido por Glauco na comunidade religiosa, acabou por despertar maior atenção sobre seu talento. “O trabalho e a genialidade dele ganharam evidência. Todo mundo percebeu o quanto aqueles persona-
O texto em que José Hamilton Ribeiro anteviu a densa trajetória do cartunista: “Talento ele tem de sobra, sensibilidade também. Só precisa, como todo artista, de estímulo e campo para expandir seu trabalho”. “Glauco é ‘boa gente’ a começar do sobrenome: Villas Boas (ele é primo em terceiro grau dos sertanistas Cláudio e Orlando Villas Boas). Paranaense de Jandaia do Sul, nascido sob o signo de peixes, Glauco Villas Boas, 19 anos, terceiranista do colegial (Otoniel Mota), é um artista versátil: compõe, toca com grande sensibilidade violão e guitarra (vai participar do 1º Concerto de Música Livre) e, principalmente – desenha. Ligado em todas as publicações de
humor e em cartunistas como Ziraldo, Henfil e, naturalmente, Millôr Fernandes, Glauco assimilou a forma de dizer as coisas, os traços e a sutileza dos gênios do cartum brasileiro. E o resultado não podia ser melhor: com um personagem criado, o ‘Rei Magro’, os cartuns de Glauco denunciam, contestam, falam de sua visão de mundo. Isso desde os 12 anos. Informado, ligado em filosofia oriental, Glauco Villas Boas não faz planos para o futuro. Terminando o colegial, ele parte para o curso de Engenharia, sabendo de antemão que agora não há ‘campo’ para o seu trabalho. “Com o diploma na mão vai me sobrar muito mais tempo para o que eu gosto. Porque parar de desenhar, eu não paro”.
Doy Jorge, Dona Marta, Módulo Lunar, Geraldinho, Casal Neuras, são alguns dos personagens antológicos criados por Glauco, que participou também da hilariante série Los 3 Amigos, que desenhava com Laerte e Angeli.
gens fizeram e fazem parte do nosso cotidiano. E nós passamos a discutir não só sua obra, mas a importância dos cartunistas e do humor”. A alma das festas O cartunista Ota também lembra de Glauco. “Eu o conheci em início de carreira, acho que por volta de 1984, quando ainda trabalhava na R edação da Folha. Havia uma sala da Arte. Às vezes, eu visitava o pessoal. Nós nunca trabalhamos juntos, já que morávamos em cidades diferentes. Nosso contato foi pouco, porém marcante. Ocorria em eventos e salões de humor. Pessoalmente, ele era ainda mais engraçado do que suas próprias tiras ou cartuns. De certa forma, era a ‘alma’ das festas, pois sempre aprontava alguma coisa divertida. Parecia um extraterrestre, tinha um jeito diferente de ver as coisas, um brilho especial”, descreve. Certa vez, num salão de humor no Piauí, quando os hóspedes já haviam che-
gado desde o início da noite, todos pensaram que Glauco havia furado. Depois, na madrugada, após as solenidades, os artistas foram se confraternizar. “Pelas duas ou três horas da manhã chega o Glauco, com suas mochilas e bagagens. Disse que tinha preferido vir a pé do aeroporto, pra apreciar o caminho. Agora, como descobriu que estávamos naquele bar, eu não sei. Entretanto, depois ele foi sumindo aos poucos, à medida que se aprofundava no Daime. Nem mesmo os amigos mais chegados o viam muito. O Glauco estava em outra. Acho que ele resolvia suas obrigações com a Folha em poucas horas e cuidava da igreja o resto do tempo”, acredita Ota. “O melhor elemento gráfico que ele criou eram aqueles braços e pernas rabiscados, para dar a impressão de movimento. Não sei se foi ele o primeiro a usar essa linguagem, mas foi o que melhor usou o recurso. E também a inovação do pin-
to de fora nos desenhos. Ele fazia aquilo de um jeito que não tinha como ser censurado. Acho que o Glauco não deixa um seguidor direto, mas muitos cartunistas das novas gerações captaram de algum modo algo da linguagem dele. Foi uma grande perda, não é? O desenho brasileiro está de luto”, resumiu Ota. Discípulo de Henfil Gualberto Costa, à frente da HQMix Livraria, que funciona na Praça Franklin Roosevelt, Centro de São Paulo, é outro que lamenta a morte do cartunista. “Nós perdemos um dos pilares da geração pós-Pasquim de humoristas gráficos. Um discípulo direto do Henfil, com humor anarquista e, ao mesmo tempo, politizado. Seu legado sempre estará presente na republicação de sua vasta obra.” Legítimo representante da turma do Pasquim, Ziraldo definiu o episódio do assassinato de Glauco como ‘uma tragédia grega e maluca’. “Acho que agora a gente tem que mostrar mais ao Brasil a qualidade do trabalho dele, que é absolutamente genial”, disse Ziraldo. Também representante da velha guarda dos cartuns brasileiros, Jaguar é outro que elogia a obra de Glauco e também seus companheiros de geração. “Ele tinha um trabalho bem diferente, embora tenha sido bastante influenciado pelo Henfil, principalmente no modo de desenhar pernas e braços duplicados ou triplicados, sugerindo movimento. Acho que o início de qualquer cartunista é sempre assim. Ele se inspira em alguém que admira, até ganhar autonomia para vôo próprio, desenvolvendo seu estilo pessoal. O traço do Glauco era aparentemente grosseiro, mas era extremamente refinado”, afirma Jaguar, que prossegue: “Essa geração mais nova, da qual fazia parte o Glauco, que acabou sendo vítima de uma barbaridade, é muito talentosa. A edição de Los Três Amigos, feita por ele com o Angeli e o Laerte, era genial. Esse pessoal mais novo olhava os representantes da minha geração um pouco de lado... Mas dei sorte. Eles gostavam de mim. Tanto que mereci uma edição especial de Los Três Amigos, em minha homenagem, na qual fui desenhado caracterizado de mexicano”, diverte-se Jaguar. Fundador da Circo Editorial, que esteve em atividade durante a década de 1980 e início dos anos 1990, Toninho Mendes lamentou a perda do talento de Glauco, que, assim como muitos colegas, publicou trabalhos em publicações da editora, como Geraldão e Chiclete com Banana. “Com ele morre parte do que esse País tinha de alegre, respeitoso, diferente e em busca do futuro. A gente trabalhou juntos na Circo Editorial, por quase dez anos. Eu não consigo acreditar no que aconteceu”, disse Toninho Mendes. Jornal da ABI 352 Março de 2010
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