LÚCIO FLÁVIO PINTO JUSTIÇA DO PARÁ É CONTRA O JORNALISMO INDEPENDENTE DIVULGAÇÃO
Submissos aos barões da mídia local, juízes expedem decisões absurdas contra o criador e editor do Jornal Pessoal. PÁGINAS 35, 36 E 37
Órgão oficial da Associação Brasileira de Imprensa
Jornal da ABI
364 MARÇO 2011
REPRODUÇÃO
Documentos levantados por um repórter do Estadão (Wilson Tosta) contêm informações que poderão conduzir, 40 anos depois, à identificação dos torturadores que o assassinaram. PÁGINAS 30 E 31 E E DITORIAL OCEANO DE CUMPLICIDADES NA PÁGINA 2
PÁGINAS 14, 15, 16, 17, 18, 19, 20, 21, 22 E 23
O DRAMA DOS REPÓRTERES NA COBERTURA NO JAPÃO
VISITA DE OBAMA GEROU PROCESSO-FARSA NO RIO
BENICIO, UM MESTRE DO DESENHO AGORA EM LIVRO
A CRIAÇÃO INTERROMPIDA: MOACYR SCLIAR E FARKAS
A S PRIVAÇÕES DOS JORNALISTAS APÓS O TERREMOTO E O TSUNAMI DE 11 DE MARÇO . PÁGINAS 3, 4, 5, 6, 7, 8 E 9
DELEGADO QUE AINDA APLICA MÉTODOS DA DITADURA PRENDEU , HUMILHOU E INDICIOU 13 QUE PROTESTAVAM. P ÁGINAS 32 E 33
O PERFIL E A OBRA DO CRIADOR DE MAIS DE 3 MIL CAPAS DE LIVROS E DE 300 CARTAZES DE FILMES BRASILEIROS . PÁGINAS 40, 41 E 42
A LÉM DA SAUDADE, O ESCRITOR E O FOTÓGRAFO DEIXAM OBRAS FECUNDAS . P ÁGINAS 44, 45 E 46
FRANCISCO UCHA
Suas atividades na ALN, a clandestinidade e o ativismo político. Os bastidores de Placar e de Playboy. Sua relação com Victor Civita e João Rath. A Rede Globo, Boni e Armando Nogueira. O futebol, Dunga e Ricardo Teixeira. O jornalismo eletrônico e a internet. Uma alegria: Carlos Zéfiro. Uma tristeza: Pelé.
Editorial
DESTAQUES DESTA EDIÇÃO 03
Tragédia - O repórter e a dor ○
OCEANO DE CUMPLICIDADES
PRESO EM CASA POR agentes da Aeronáutica que não se identificaram nem exibiram qualquer mandado que autorizasse a restrição de sua liberdade, o que deu à operação a característica de seqüestro – como, aliás, muitos outros em que tais procedimentos se tornaram norma e rotina –, Rubens Paiva foi levado para o quartel-general da 3ª. Zona Aérea, contíguo ao Aeroporto Santos Dumont, e ali submetido às primeiras torturas, ordenadas pelo comandante daquela unidade militar, o feroz Brigadeiro João Paulo Penido Burnier, o mesmo que em seu reacionarismo e em sua insanidade pretendia mandar pelos ares o Gasômetro, principal depósito de gás da cidade do Rio de Janeiro. Dali levaram-no para outra central de torturas, o 1º Batalhão de Polícia do Exército, onde Paiva encontrou a morte sob brutais sevícias. Armou-se então, como relatado nesta edição do Jornal da ABI, uma farsa para justificar a sua morte.
Jornal da ABI Número 364 - Março de 2011
Editores: Maurício Azêdo e Francisco Ucha Projeto gráfico e diagramação: Francisco Ucha Edição de textos: Maurício Azêdo Apoio à produção editorial: Alice Barbosa Diniz, Conceição Ferreira, Guilherme Povill Vianna, Maria Ilka Azêdo, Ivan Vinhieri, Mário Luiz de Freitas Borges. Publicidade e Marketing: Francisco Paula Freitas (Coordenador), Queli Cristina Delgado da Silva, Paulo Roberto de Paula Freitas. Diretor Responsável: Maurício Azêdo Associação Brasileira de Imprensa Rua Araújo Porto Alegre, 71 Rio de Janeiro, RJ - Cep 20.030-012 Telefone (21) 2240-8669/2282-1292 e-mail: presidencia@abi.org.br Representação de São Paulo Diretor: Rodolfo Konder Rua Dr. Franco da Rocha, 137, conjunto 51 Perdizes - Cep 05015-040 Telefones (11) 3869.2324 e 3675.0960 e-mail: abi.sp@abi.org.br Impressão: Taiga Gráfica Editora Ltda. Avenida Dr. Alberto Jackson Byington, 1.808 Osasco, SP
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Jornal da ABI 364 Março de 2011
A DIVULGAÇÃO RECENTE de documentos levantados pelo repórter Wilson Tosta, de O Estado de S. Paulo, oferece a oportunidade de rompimento daquilo que o Governador Leonel Brizola, em sua vitoriosa campanha eleitoral de 1982, definiu como oceano de cumplicidades: as parcerias e ligações que se formam para a defesa de práticas que colidem com o bem comum e, como neste caso, os direitos humanos. Tal oportunidade não pode ser desprezada por quantos têm o dever, sobretudo ético, de fazer do Caso Rubens Paiva o paradigma e o detonador do esforço que se impõe para colocar o País diante da verdade que muitos ocultam, mesmo sem terem participado das iniqüidades que marcaram essa abominável quadra da nossa História.
DIRETORIA – MANDATO 2010-2013 Presidente: Maurício Azêdo Vice-Presidente: Tarcísio Holanda Diretor Administrativo: Orpheu Santos Salles Diretor Econômico-Financeiro: Domingos Meirelles Diretor de Cultura e Lazer: Jesus Chediak Diretora de Assistência Social: Ilma Martins da Silva Diretora de Jornalismo: Sylvia Moretzsohn CONSELHO CONSULTIVO 2010-2013 Ancelmo Goes, Aziz Ahmed, Chico Caruso, Ferreira Gullar, Miro Teixeira, Nilson Lage e Teixeira Heizer. CONSELHO FISCAL 2010-2011 Jarbas Domingos Vaz, Presidente; Adail José de Paula, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha de Araújo, Lóris Baena Cunha, Luiz Carlos de Oliveira Chesther e Manolo Epelbaum. MESA DO CONSELHO DELIBERATIVO 2010-2011 Presidente: Pery Cotta Primeiro Secretário: Sérgio Caldieri Segundo Secretário: Arcírio Gouvêa Neto Conselheiros efetivos 2010-2013 André Moreau Louzeiro, Benício Medeiros, Bernardo Cabral, Carlos Alberto Marques Rodrigues, Fernando Foch, Flávio Tavares, Fritz Utzeri, Jesus Chediak, José Gomes Talarico (in memoriam), Marcelo Tiognozzi, Maria Ignez Duque Estrada Bastos, Mário Augusto Jakobskind, Orpheu Santos Salles, Paulo Jerônimo de Sousa e Sérgio Cabral. Conselheiros efetivos 2009-2012 Adolfo Martins, Afonso Faria, Aziz Ahmed, Cecília Costa, Domingos Meirelles, Fernando Segismundo, Glória Suely Álvarez Campos, Jorge Miranda Jordão, José Ângelo da Silva Fernandes, Lênin Novaes de Araújo, Luís Erlanger, Márcia Guimarães, Nacif Elias Hidd Sobrinho, Pery de Araújo Cotta e Wilson Fadul Filho. Conselheiros efetivos 2008-2011 Alberto Dines, Antônio Carlos Austregesylo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos Arthur Pitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Fernando Barbosa Lima (in memoriam), Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa.
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P olêmica - A grande onda
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Memória - Trinta anos sem Gláuber, Santo Guerreiro, por Rodolfo Konder
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AO LONGO DESTE período tenebroso, foram inúmeras as iniciativas que visavam à descoberta da verdade acerca do trágico fim de Rubens Paiva. Algumas esbarraram em declarados militantes do arbítrio, como o Ministro da Justiça Alfredo Buzaid, ou em falsos expoentes do liberalismo, como o também Ministro da Justiça Petrônio Portela, que fazia encenações como articulador de suposta aberura política, mas que, tal como fizera Buzaid com seu grosseiro descaramento, vetou a investigação do caso no Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Em outros momentos, como a gestão de Paulo Brossard no mesmo Ministério da Justiça, os óbices foram de ordem não apenas política, mas também material: tal como agora, os órgãos militares jamais franquearam o acesso à documentação na qual jaz a verdade.
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COMO EM MILHARES de outros casos pendentes de esclarecimentos que só poderão ser obtidos com a criação e instalação da Comissão da Verdade, como fizeram a Argentina, o Uruguai e o Chile, infelicitados, como nós, por impiedosas ditaduras militares, as décadas decorridas desde 20 de janeiro de 1971 não obscureceram as possibilidades de apuração das circunstâncias em que foi torturado e assassinado o exDeputado Rubens Paiva, que se tornou protagonista de um dos episódios mais degradantes do cortejo de horrores que marcaram a vida nacional no ominoso período 1964-1985.
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Depoimento - Ele não desiste nunca
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História - Contestado: 100 Anos
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Posse - Fux, um juiz que engrandece o Supremo
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Imortalidade - Lucchesi, um poeta e editor na Academia
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Denúncia - A Justiça do Pará é inimiga do jornalismo independente
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Exposição - A realidade de um mestre da ilusão gráfica
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Memória - Há 50 anos perdíamos um mestre: Luiz Paulistano
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Arte - Sexo, crime e muito talento ○
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SEÇÕES
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A CONTECEU N A AB ABII “O petróleo é nosso” ganha filhotes ○
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L IBERDADE D E I MPRENSA “Devemos preferir os sons das críticas ao silêncio das ditaduras”
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Blogueiro que faz denúncias sofre atentado
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No Paquistão morre um jornalista a cada mês
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D I R EIT O S HU M A N O S EITO Caravana faz julgamento em São Paulo e anistia 4
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Delegado da 5ª DP do Rio atua como no tempo da ditadura ○
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Há pistas que podem levar aos matadores de Rubens Paiva ○
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VIDAS Nos últimos escritos de Scliar, a saudade ○
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Farkas, desbravador da alma brasileira
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Cristina Gurjão, José Fernandes e Sidnei Basile
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Conselheiros suplentes 2010-2013 Adalberto Diniz, Alfredo Ênio Duarte, Aluízio Maranhão, Arcírio Gouvêa Neto, Daniel Mazola Froes de Castro, Germando de Oliveira Gonçalves, Ilma Martins da Silva, José Silvestre Gorgulho, Luarlindo Ernesto, Marceu Vieira, Maurílio Cândido Ferreira, Sérgio Caldieri, Wilson de Carvalho, Yacy Nunes e Zilmar Borges Basílio. Conselheiros suplentes 2009-2012 Antônio Calegari, Antônio Henrique Lago, Argemiro Lopes do Nascimento (Miro Lopes), Arnaldo César Ricci Jacob, Ernesto Vianna, Hildeberto Lopes Aleluia, Jordan Amora, Jorge Nunes de Freitas (in memoriam), Luiz Carlos Bittencourt, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Mário Jorge Guimarães, Múcio Aguiar Neto, Raimundo Coelho Neto (in memoriam) e Rogério Marques Gomes. Conselheiros suplentes 2008-2011 Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Ruy Bello (in memoriam), Salete Lisboa, Sidney Rezende, Sylvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães. COMISSÃO DE SINDICÂNCIA José Pereira da Silva (Pereirinha), Presidente; Carlos Di Paola, Marcus Antônio Mendes de Miranda, Maria Ignez Duque Estrada Bastos e Toni Marins (in memoriam). COMISSÃO DE ÉTICA DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO Alberto Dines, Arthur José Poerner, Cícero Sandroni, Ivan Alves Filho e Paulo Totti. COMISSÃO DE DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS Lênin Novaes de Araújo, Presidente; Wilson de Carvalho, Secretário; Alcyr Cavalcanti, Arcírio Gouvêa Neto, Daniel de Castro, Geraldo Pereira dos Santos, Germando de Oliveira Gonçalves, Gilberto Magalhães, José Ângelo da Silva Fernandes, Lucy Mary Carneiro, Maria Cecília Ribas Carneiro, Mário Augusto Jakobskind, Martha Arruda de Paiva e Yacy Nunes. COMISSÃO DIRETORA DA DIRETORIA DE ASSISTÊNCIA SOCIAL Ilma Martins da Silva, Presidente, Jorge Nunes de Freitas (in memoriam), Manoel Pacheco dos Santos, Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Mirson Murad e Moacyr Lacerda. REPRESENTAÇÃO DE SÃO PAULO Conselho Consultivo: Rodolfo Konder (Diretor), Fausto Camunha, George Benigno Jatahy Duque Estrada, James Akel, Luthero Maynard e Reginaldo Dutra. O JORNAL DA ABI NÃO ADOTA AS REGRAS DO ACORDO ORTOGRÁFICO DOS PAÍSES DE LÍNGUA PORTUGUESA, COMO ADMITE O DECRETO Nº 6.586, DE 29 DE SETEMBRO DE 2008.
TRAGÉDIA
O repórter e a dor
O terremoto do dia 11 de março no Japão causou um tsunami devastador e trouxe de volta o terror nuclear. Muitas das vezes com medo, os jornalistas brasileiros enfrentaram uma rotina de trabalho marcada pelo extenuante fuso horário, dificuldades de comunicação e falta de combustível, alimentos e água. Porém, o maior desafio foi como encarar o horror da dor, sempre presente no relato dos sobreviventes. POR PAULO CHICO Por definição, o repórter vive da tarefa de colocar-se no lugar de seus telespectadores, leitores e ouvintes. Ser os sentidos do público, onde este não pode estar. Pois bem. Que tal inverter esse jogo? Ponha-se você, leitor, no lugar dos profissionais de imprensa. Agora, imagine a situação. A terra treme sob seus pés. Por segundos, que parecem infinitos, falta-lhe o chão. Móveis e utensílios ameaçam cair-lhe sobre a cabeça. Situação de risco evidente. Passado o susto, seguem-se alertas de tsunamis. Em questão de minutos, ondas gigantes varrem regiões costeiras. Arrastam casas e edifícios, reviram barcos e carros, como se fossem de brinquedo. Reatores de usinas entram em colapso. A ameaça nuclear volta a apavorar o mundo.
Tudo isso ocorreu no Japão, todos sabem bem, no dia 11 de março. Milhares tombaram diante da força da natureza. O número final de vítimas talvez nunca venha a ser fechado. Por mais que sejam treinados e preparados para esses eventos, os japoneses vivem dias difíceis – ameaçados pelo temor dos tremores secundários e pelo evidente risco de contaminação radioativa. Experimentam racionamento de energia, comida e água. A decisão racional, em nome da sobrevivência e guiada pelo bom senso, é afastar-se. Seguir para regiões mais seguras. Muitos deslocaram-se do Norte – a região mais afetada – para o Sul do país. Na capital Tóquio, de ruas inacreditavelmente vazias, houve recomendação oficial do Governo para que as pessoas não saíssem de casa.
Apesar disso tudo, eles, os repórteres, permanecem por lá. Nas ruas. Mesmo sob risco pessoal e condições adversas de trabalho. Assim o fazem exatamente para que nós, aqui do outro lado do globo, saibamos de tudo. A eles fala mais alto o dever de serem os olhos que mostram ao mundo um inimaginável cenário de destruição. Dentre as centenas de profissionais da mídia internacional que participaram da cobertura dessa tragédia, destacam-se brasileiros. Alguns já estavam por lá. Outros foram para lá. Todos sofreram com o impacto dos fatos. Para cumprir sua missão, tiveram que superar obstáculos, desde a escassez de combustível ao cansaço causado pelo fuso horário de 12 horas. E, o pior de tudo, enfrentar a barra de cobrir a dor humana. Jornal da ABI 364 Março de 2011
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EWERTHON TOBACE
DIVULGAÇÃO
TRAGÉDIA O REPÓRTER E A DOR
Ewerthon Tobace verifica os mantimentos da equipe antes de partir para Sendai. Na cidade totalmente destruída pelo tsunami, ele registrou o caos: “Só consegui dormir, de verdade, no sétimo dia.”
Tinha a impressão de que estava num set de filme de catástrofe. Mas estava ali para reportar e foi o que fiz. Entrevistar as Ewerthon Tobace é brasileiro, de 34 vítimas é uma tarefa complicada. Muitas anos, há dez morando no Japão. Cobriu os últimos acontecimentos no país para estavam em choque e você nunca sabe o a BBC Brasil e Rádio CBN, inclusive com limite a ser explorado para que a pessoa entradas ao vivo. não reviva toda a tragédia e fique pior ainda. Na minha opinião, não vale explo“Atualmente, além de frilas para a granrar um drama humano apenas por causa de imprensa do Brasil, sou editor de uma do retorno para sua mídia. Mas nem torevista destinada à comunidade brasileira. dos pensam assim”, lamentou. Posso dizer que essa foi a situação mais estressante que já vivi aqui, pois fiquei Ewerthon Tobace entende que antes de tudo o repórter precisa ter consciênpraticamente quatro dias acordado. Nos cia dos perigos: primeiros dias, a caminho de Sendai, na província de Miyagi, cochilei algumas “Estava numa área ainda instável, com possibilidade de outros tremores horas no carro. E só. A tensão era tão granfortes e também tsunamis. As casas esde que não dava para dormir. Só consegui tavam abaladas, havia muita coisa pendormir, de verdade, no sétimo dia. E sindurada e era preciso estar atento para não to que ainda preciso dormir mais”, conser vítima também. Neste ponto, os ta Ewerthon, que chegou a fazer matérias editores da BBC Brasil me deram muitos sobre o terremoto e o tsunami para a Folha conselhos importantes, úteis para que eu de S.Paulo e o SBT. fizesse uma cobertura tranqüila, na Na sexta, dia 11, Ewerthon recebeu medida do possível.” uma enxurrada de pedidos de cobertura: A questão do horário é um dos princi“Como fechei primeiro com a BBC Brasil, fui repassando os pais problemas quando se está a serviço bem do frilas para outros colegas.” RA TUDO MUITO No Brasil, Ewerthon outro lado do planeta: SURREAL INHA A trabalhou como setoris“Se por um lado nós ganhamos tempo na cota de segurança pública IMPRESSÃO DE QUE para a Gazeta do Povo, no leta de informações duESTAVA NUM SET DE rante o dia aqui, ainda Paraná. Nesta função no Brasil, teaprendeu a conviver com FILME DE CATÁSTROFE madrugada situações extremas, comos que ficar à disposição dos editores durante a brindo rebeliões, seqüesAS ESTAVA ALI tros e o cotidiano das demadrugada, quando é dia PARA REPORTAR no Brasil. Isso é bastante legacias. Ao cair em camdesgastante. Na BBC Brapo, no Japão, a primeira diE FOI O QUE FIZ ficuldade perpassou a técsil não sofri essa pressão. Pelo contrário, os editores lá são experiennica profissional até então adquirida, e logo esbarrou no aspecto humano. tes e sabem lidar com este tipo de situação. Mas vi colegas sendo muito cobrados. “Enquanto tentava chegar à região Há veículos que pedem coisas absurdas, mais atingida pelo terremoto e o tsunami, a adrenalina e a pressão do fechamencomo incluir um personagem no texto às 2 horas da madrugada daqui. Acham que to acabaram me isolando de outros sentodos estão à disposição durante 24 horas. timentos. Ao ver aquelas cenas de destruição, amplamente divulgadas pela tevê e E não é bem assim...”, frisa. Acha Ewerthon que o fato de morar pela internet, não tive uma reação, digano Japão lhe permite uma percepção mos, emotiva. Era tudo muito surreal. Um brasileiro apaixonado pelo Japão
“E
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Jornal da ABI 364 Março de 2011
diferente daquela de quem vê as cenas pela tevê. “Decididamente, esse não foi um simples acidente. A real proporção da tragédia muitas vezes é exagerada ou diminuída. No caso deste terremoto e do tsunami, e também da crise nuclear, boa parte da imprensa brasileira exagerou. Procurei fazer um trabalho de repórter, isto é, reportar o que estava vendo e ouvindo. Houve desespero? Sim, houve. Mas não um caos, como muita mídia reportou. Não houve, por exemplo, fuga em massa da capital japonesa por causa do perigo da radiação nuclear. Os brasileiros que moram aqui se desesperaram? Sim. Muita gente preferiu pegar as coisas e ir embora. Contudo, esse comportamento não é inédito. Ocorreu em outros terremotos de menor destruição que já vivenciei aqui. Quiseram transformar em circo essa tragédia para ganhar mais ibope. E conseguiram. Então, muitos parentes no Brasil se desesperaram. E os que moram aqui e que viram o noticiário pela tevê e pela internet também.” Na raiz desses mal-entendidos, admite, está a falta de conhecimento ou a prevalência de interesses outros, que não sejam exatamente a informação. E o idioma japonês é, claro, uma barreira natural para jornalistas brasileiros que cumprem pautas no Japão – sejam elas de tragédias ou não. “Quando acertei a ida a Sendai, combinei com outros jornalistas de irmos todos juntos. Fui com mais três repórteres, um cinegrafista e um intérprete. Muitos dos profissionais não falam japonês e encontrar um intérprete disposto a ir à região mais afetada foi complicado. No meu caso, consigo me comunicar o suficiente para coletar as informações e conversar com as pessoas. Mas vi colegas sofrendo com o idioma. O transporte foi outro problema. Faltava gasolina, os trens não estavam funcionando naquela região e poucos motoristas queriam se arriscar numa aven-
tura destas. Sorte que encontramos dois brasileiros dispostos a ir conosco. E deu tudo certo.” Além do cansaço, Ewerthon Tobace extraiu alguns aprendizados pessoais dessa maratona jornalística: “Uma lição importante: respeitar as vítimas. Abordei japoneses que estavam transtornados e não queriam conversar. Temos que respeitar isto. Também aprendi a dar mais valor a coisas simples, como água e comida. Percebi o quanto somos dependentes de energia elétrica, eletrônicos e telefone. E, apesar de ter feito três treinamentos em caso de terremoto, pretendo me atualizar. Tenho meu kit terremoto pronto e uma mochila com mudas de roupas e documentos. Mas é preciso mais. Estamos acostumados aqui no Japão com os abalos constantes. Mas esse do dia 11 de março foi muito forte. Achávamos que estávamos preparados. Percebemos como somos insignificantes diante destes desastres.” De tudo isso fica a torcida pelo povo japonês. E a certeza de que a reconstrução e a recuperação não serão fáceis. E serão, certamente, inevitáveis: “O povo japonês é muito organizado. Muito mesmo! Até demais. Eles estão preparados para os desastres naturais. Aprendem desde pequenos, na escola, a se comportar em situações extremas. O país, além de terremotos, é castigado todos os anos por fortes tufões. São lições que eles aprendem à exaustão, mas torcem para nunca chegar o dia do teste final. Além disso, a sociedade japonesa pensa no conjunto, no coletivo, e não no indivíduo. Paciência e respeito são virtudes dos japoneses. Eles não se importam de ficar horas numa fila para receber um prato de comida, por exemplo. E ainda agradecem. Então, acho que o país vai superar, sim, essa tragédia, assim como superou as bombas atômicas, o grande terremoto de Kobe e outras graves crises”, aposta Ewerthon Tobace.
DIVULGAÇÃO
Roberto Kovalick e sua equipe: a produtora Sanae Ono, o cinegrafista Katsumi Suzuki e o auxiliar Marcelo Takenaka. Abaixo, Marcos Uchôa, que foi deslocado de Paris para auxiliar na cobertura da tragédia.
repórteres dos fatos, mas também personagens de reportagens, como é o caso desta matéria especial do Jornal da ABI. “Em alguns momentos contei nos telejornais o que eu e a equipe da IPC estávamos passando. Foi a primeira vez que fiz isso na minha carreira. Procuro evitar contar os meus dramas, porque, em todas as coberturas desse tipo, o sofrimento dos jornalistas pode ser grande, mas é ínfimo diante do que as pessoas que vivem nos locais atingidos estão passando. Desta vez, porém, tive que contar. Acho que foi ilustrativo da situação que o Japão estava passando.” Tragédias de ontem e hoje
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Deslocado de Paris para o Japão, Marcos Uchôa caiu direto no olho do furacão. Chegou a fazer matérias com máscaras de proteção – devido às altas taxas de radioatividade. Medos à parte e diante de tantos dramas pessoais, como fazer para que o olhar do repórter não seja ‘atropelado’ pela emoção? “Tento dar voz, ou falar um pouquinho que seja, da tragédia da vida das pessoas. Num primeiro momento, o maior drama é o dos mortos, de seus parentes, da torturante esperança em relação à volta dos desaparecidos. Mas esse é, felizmente, um universo relativamente menor. Onde o drama afeta mais gente é na perda de casas e empregos. Ali se tem a dimensão do impacto do prejuízo na vida da pessoa comum. Para essas centenas de milhares de japoneses e seus dependentes, esse é um tsunami que leva muito mais tempo pra passar.” da IPC, que ajuda a enfrentar tudo isso. Uchôa defende que, de forma geral, as Ainda não consegui avaliar as marcas dificuldades ou desconfortos dos repórque esta cobertura vai deixar em mim. teres não devem ser vistos como notícia: Com certeza serão profundas. Mas esta“O repórter está lá porque quer. mos no meio da crise. Ficará mais fácil Chega e vai embora quando quer. Exisavaliar quando eu enxergar toda essa tem dificuldades de ordem prática em história pelo retrovisor.” coberturas como essa: encontrar telefoAssistir a tantos dramas pessoais é ne, internet, luz, hotel, gasolina... E exisuma das partes mais desafiadoras do tratem dificuldades de ordem ética e sentibalho dos jornalistas: mental: mostrar solidariedade, compai“Desta vez foi muito difícil. O jornaxão, interesse pelas pessoas de uma lista tem que ser como um cirurgião maneira genuína. Não somos abutres num campo de batalha. É obvio que o nos beneficiando da tragédia alheia. É médico sofre com o dranecessário quase um cerma dos mortos e feridos, Á COBRI GUERRAS to pudor ao se lidar com mas se deixar a emoção gente que perdeu tanto.” QUE TÊM SUA COTA tomar conta não cumpre Com experiência de a missão de salvar vidas. coberturas em zonas de DE TRAGÉDIAS MAS conflito, Marcos Uchôa Em todas as outras coberturas, eu consegui fazer diz ter se surpreendido NUNCA NENHUMA isso mais facilmente, porcom a dimensão da deCOM ESSA ESCALA que as tragédias atingiam vastação no Japão: outras pessoas. Era duro, “Já cobri guerras que DE DESTRUIÇÃO triste, mas eu e minha têm sua cota de tragédias, família estávamos numa distância segumas nunca nenhuma com essa escala de ra. Agora não eram os ‘outros’, e sim ‘nós’. destruição. Fiz com o cinegrafista Sérgio Minha mulher sofreu muito, já que o Gilz o terremoto do Paquistão em 2005, prédio onde moramos não parou de bacom 80 mil mortos, o tsunami do Sudeslançar por vários dias. Meus amigos e te da Ásia em 2004, com mais de 200 mil colegas enfrentaram situações duríssimortos, e o terremoto do Chile em 2010. mas. Eu cheguei a chorar várias vezes. É claro que ver gente morta e tanto sofriMas a gente tem que respirar fundo e ir mento faz mal. Me sinto mal. No caso do em frente. Tentar clarear a mente. Eu era Japão, a questão nuclear, em grande parum dos poucos correspondentes brasite ainda virtual, no sentido de que não leiros no Japão naquele momento e causou mortes, eclipsou quase totalmenaquela não era uma hora para falhar.” te o sofrimento real de centenas de milhaA gravidade da situação fez com que, res de pessoas que viveram o tsunami.” quase de forma inédita, os jornalistas em A aparente pouca confiabilidade das trabalho no Japão se tornassem não apenas informações passadas pelo Governo ja-
virar noites, ficar sem comer... Eu, a produtora Sanae Ono, o cinegrafista Katsumi Suzuki e o auxiliar Marcelo Takenaka fiA TV Globo conta com 13 correspondentes internacionais, espalhados por camos três dias comendo só batata frita, lugares estratégicos do mundo. Tamaque compramos antes de sair de Tóquio”, contou Kovalick ao Jornal da ABI. nha estrutura permite o acesso rápido desses profissionais aos principais aconKovalick não titubeia ao apontar o tecimentos nos cinco continentes – com pior momento dessa cobertura: “Foi mesmo o primeiro dia, quando grande mobilidade para chegar às regiões em que não há repórter fixo. Todos os corestávamos em Kyoto, fazendo uma rerespondentes recebem treinamentos soportagem para o Fantástico, e ocorreram o terremoto e o tsunami. bre segurança e situações TRABALHO SE de crise, com a preocupaNão conseguíamos notíção de manter as equipes cias dos nossos parentes MISTUROU COM A e, ao mesmo tempo, tíresguardadas. Diante da dimensão da tragédia no PREOCUPAÇÃO COM A nhamos que viabilizar Japão, a TV Globo retientrada ao vivo no FAMÍLIA OI MUITO uma Bom Dia Brasil, poucas rou rapidamente a família do correspondente DIFÍCIL MAS EU SABIA horas depois. O trabalho Roberto Kovalick do país. se misturou com a preoQUE TINHA UMA cupação com a família. O próprio repórter foi deslocado de Tóquio para Foi muito difícil, mas eu MISSÃO A CUMPRIR Nagoia. E o corresponsabia que tinha uma INFORMAR missão a cumprir: infordente Marcos Uchôa, que fica baseado em Paris, foi enviado ao Jamar. Pensei na minha mãe em Porto pão para ajudar na cobertura, sempre Alegre e como ela ficaria preocupada se soubesse das notícias e não me visse no cercado dos mesmos cuidados. Por dias seguidos, o sacrifício imposto ar. Felizmente, conseguimos fazer as aos repórteres nessa jornada esteve estamtransmissões e logo retomamos o contato com as nossas famílias. Com os hotéis pado no rosto de alguns deles. Com diversas entradas ao vivo, em praticamente lotados, passamos a noite na estação, com todos os telejornais da emissora, Robertemperaturas muito baixas e bebendo chá quente. No dia seguinte, sem dormir, to Kovalick por vezes mal conseguia disfarçar os sinais do cansaço, sono e estresfizemos entradas ao vivo no Jornal Nase. Na verdade, tais evidências ajudavam cional e Jornal da Globo. Foi realmente fogo, mas o resultado compensou.” a melhor entender o clima na região – sempre traduzido com profissionalismo Repórter dos mais experientes, Roe competência nas reportagens. berto Kovalick já cobriu catástrofes e dramas semelhantes. Tiroteios e inun“Há 12 dias durmo muito pouco. Nos últimos dias fui para Nagoia, onde era mais dações no Rio de Janeiro. Sofreu ameaseguro e teríamos condições de transmiças por causa de denúncias: “Estive num quebra-quebra no Haiti, tir, caso ocorressem mesmo os apagões de comunicação e eletricidade que estavam onde tive que ser resgatado por carros previstos. A nossa preocupação era nunca blindados do hotel onde estava. Mas nada se comparou a esta cobertura. Quando parar de transmitir, mesmo no pior cenário. O sofrimento das famílias brasileiras soube da ameaça nuclear, comentei com que têm parentes aqui seria muito maior a minha equipe: ‘Ok, tsunami, terremoto, destruição... tudo isso a gente enfrense deixássemos de mandar reportagens todos os dias, para todos os telejornais. Foi ta. Agora, radioatividade?’. Felizmente, isso também que fez toda a equipe da IPC tenho uma equipe valente e competente Um cotidiano cercado de cuidados
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TRAGÉDIA O REPÓRTER E A DOR
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Estreando na função de correspondente internacional, André Tal chegou ao Japão e teve seu batismo de fogo: “Foi difícil controlar o medo.”
nada de sofrimento e dor. Eu e o cinegraponês sobre a gravidade dos vazamentos fista Luiz Cláudio Azevedo andávamos nucleares na usina de Fukushima parepor Porto Príncipe e víamos corpos muce ser um dos problemas adicionais dessa tilados e jogados nas ruas. Parecia uma cobertura. terra bombardeada. A geração de maté“Fiz matérias sobre isso, mostrando a rias era complicadíssima, por causa da ‘promiscuidade’ na relação entre o Goprecariedade de tudo. Um ano depois, verno japonês e a empresa dona da usiquando voltei ao Haiti, tudo parecia do na. Como existe uma história de omismesmo jeito. Aliás, a cidade continua um são e falsificação de dados sobre a segucenário de guerra e um milhão de pessoas rança dos reatores, tentei explicar que estão desabrigadas.” por isso eles não têm muita credibilidaEssa pouca capacidade de recuperade, mas no cotidiano é inevitável que se ção, talvez, seja a maior tenha que repetir as indiferença dos impactos RANDES formações passadas por de desastres naturais em eles; afinal não podemos TRAGÉDIAS SÃO países pobres e ricos: ir perto da usina para ve“As tragédias podem ser rificar nada.” DOLOROSAS TRISTES semelhantes na intensiRoberto Kovalick tamGENTE PASSA dade, na devastação, no bém fala das dificuldades sofrimento que causam, na apuração em cobertuDIAS TENTANDO mas a desigualdade de ras desse tipo: ASSIMILAR O QUE condições financeiras “Usamos informações para lidar com a destruido Governo japonês que, VIU E VIVEU ção é latente e faz diferenem alguns casos, se mosça. Basta ver que dentro de alguns meses, traram corretas, mas nem sempre. Tenno máximo um ano, o Japão terá poucos tamos obter dados de outras fontes espesinais do terremoto e do tsunami. Há cializadas – até mesmo no Brasil. E acho dinheiro em caixa para reconstruir o país que uma equipe em campo, mostrando e são muitos os aliados. Já o Haiti, um ano a realidade, contrabalança qualquer indepois de o terremoto ter deixado cerca de formação oficial falsa. Foi o que aconte230 mil mortos, não enxerga saída, pois ceu durante o furacão Katrina, nos Estaa miséria é centenária. O mundo estendos Unidos, em 2005. As equipes de jordeu as mãos ao país, mas nada parece ser nalismo conseguiram demonstrar que o suficiente. Os haitianos perderam o poudiscurso oficial estava furado simplesco que tinham e não têm perspectiva de mente mostrando os fatos, os dramas. Foi um dia mudar o rumo da História.” a verdade crua das ruas que derrubou a Lilia confessa ter sofrido diante das mentira oficial. Acho que isso funciona cenas recentemente transmitidas pela em todos os casos. É por isso que tenho televisão: orgulho de ser repórter.” “Apesar de o Japão ser um país que enJá de volta ao Brasil, Lilia Teles emofrenta terremotos todos os dias e se precionou os telespectadores da TV Globo para para os grandes tremores, foi como com o viés humano de suas reportagens se nada conseguisse conter a fúria da nadurante a cobertura do terremoto no tureza. E isso foi chocante para o munHaiti, ocorrido em 12 de janeiro de 2010. do inteiro. Me lembrei dos meus dias no Pouco mais de um ano depois, e a pediHaiti ao ver a dor do povo japonês. Era do do Jornal da ABI, a repórter faz um impossível não fazer uma relação entre balanço daquela experiência: as duas catástrofes. Apesar do desgaste “Foi a cobertura mais difícil e marque nos causa uma cobertura como escante da minha vida. Eu vi coisas que sas e do risco maior de contaminação rajamais consegui esquecer. Voltei impreg-
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dioativa, no caso do Japão, eu repetiria novamente a dose. E cumpriria com o dever de informar.” Na estréia, uma prova de fogo
O conceito de sorte ou azar é muito relativo. Veja-se só o caso do repórter André Tal, da TV Record: “Cheguei ao Japão, iniciando minha função de correspondente internacional, no dia 7 de fevereiro. O terremoto ocorreu no dia 11 de março. Já havia feito algumas reportagens. Mas, com certeza, essa cobertura marcou a minha presença no país. É interessante como a vida do jornalista muda em questão de segundos. Eu estava há dias gravando uma série de reportagens sobre a cultura e curiosidades do Japão para o Jornal da Record. Na hora do terremoto, estava gravando uma dessas matérias. A partir daquele instante, o foco do meu trabalho se inverteu completamente. Vai demorar para eu retomar a gravação da série. Certamente, ainda terei muitas matérias sobre os progressos na reconstrução do país e o recomeço de vidas”, contou ele ao Jornal da ABI. Jovem, aos 33 anos de idade André já soma vasta experiência na profissão, sobre a qual tem uma visão peculiar: “Acho que o jornalismo é um eterno exercício de controle de emoções. Não apenas em tragédias como essa, mas em diferentes situações pelas quais passei ao longo dos 12 anos de carreira. Aqui, foi uma experiência nova. Nunca havia vivido nada parecido. Eu acho que a emoção deve ser controlada, mas preservada na hora de relatar o que se vê. Acredito que o telespectador não espera apenas uma reportagem puramente informativa da situação. É nosso dever passar o que sentimos quando nos deparamos diante de cenas tão fortes. O mais difícil, nesse caso, foi controlar a emoção relativa ao medo pessoal. É impossível não se apavorar diante de tantos tremores seguidos. Claro que, em vários momentos, fiz um testemunho sobre o medo
FAZEM DAR MAIS VALOR À VIDA, RESPEITAR AINDA MAIS A DOR ALHEIA E, COMO REPÓRTER, REFLETIR SOBRE COMO REALIZAR O SEU TRABALHO SEM EXPLORAR O SOFRIMENTO DAS VÍTIMAS.” que sentia. A matéria não poderia ficar amarrada a isso. Então, tentava ser pragmático para dar seqüência ao trabalho.” Na visão de André, um ponto curioso dessa cobertura é, definitivamente, não conseguir enxergá-la de forma distanciada. Queira o repórter, ou não, ele não é mero espectador do caos. No caso do Japão, André Tal fazia parte dele, sofreu seus efeitos: “A minha cobertura começou numa situação em que eu era tão vítima quanto todos os que estavam por perto. Eu gravava uma reportagem num shopping de Tóquio quando o terremoto começou. Com a câmera ligada, corria pra fora do prédio ao lado de todos, acalmava minha mulher pelo telefone e me preparava pra fazer o relato do que estava acontecendo. Alguns segundos depois, na frente da câmera, passei a descrever o momento vivido e a falar sobre o susto que passara. Era o primeiro terremoto da minha vida.”, lembra. A partir do dia seguinte, André e sua equipe enfrentaram problemas de deslocamento, já que várias estradas estavam destruídas ou bloqueadas. Num dos trechos, levaram nove horas para percorrer 100 quilômetros: “Numa das noites não conseguimos um lugar para dormir. Chegamos a uma cidade onde nada funcionava. Passamos a noite num ponto de ônibus fechado. Havia muita dificuldade para comprar gasolina e comida, em toda a região atingida. O risco da radiação nos fez abandonar as áreas atingidas bem antes do previsto. De certa forma, fomos vítimas como muitos japoneses. Mas nada comparável ao que o povo das áreas mais atingidas, no Nordeste do país, sofreu. Não fui vítima do tsunami. Enfrentei dificuldades e algum perigo, mas não um grande risco de morrer.” E o cotidiano foi repleto de dificuldades e, é claro, superação: “Tivemos que tomar decisões a toda hora e abrir mão de situações interessantes em nome da logística. Tive que manter o tradicional raciocínio de que matéria boa é a que vai pro ar. Dependia de internet e energia para gerar minhas matérias. Então, não podia seguir diretamente para onde gostaria de ir. Com o risco da radiação, saí das áreas mais atingidas e tive que inovar para continuar a cobertura. Mudei o foco, mostrando a fuga das pessoas e a nossa, claro. E depois fui atrás de pautas relacionadas com a cidade de Kobe, que se reergueu após um grande terremoto, e outras usinas nucleares que ficam de frente para o mar, com população no entorno.” Ainda sob o impacto da devastação provocada pelo tsunami e assustado com os tremores secundários que teimam em não cessar, André Tal diz ter certeza de que sairá outro profissional dessa maratona de reportagens no Japão:
KARINA ALMEIDA
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Adriana Araújo faz anotações ao sobrevoar a cidade de Fukushima. Karina Almeida observa os acampamentos em Sendai. Abaixo, a visão da tragédia através das capas das revistas semanais.
“Grandes tragédias são dolorosas, tristes. A gente passa dias tentando assimilar o que viu e viveu. Mas elas são sempre uma grande oportunidade de fazer reportagens marcantes, de aprender. No meu caso, era sempre lembrado pela cobertura do acidente com o avião da Tam, em Congonhas. Agora, acredito que estarei marcado por tudo o que mostrei aqui no Japão. Difícil é aceitar que uma tragédia como essa tenha um lado positivo.” Diante de tanta destruição e dor, o que fica de positivo é o aprendizado sobre si mesmo e a respeito do povo japonês: “Acho que estarei mais preparado para outras coberturas, e principalmente para enfrentar as dificuldades na hora de desenvolver o trabalho. Foi tudo muito difícil. Estarei mais capacitado para tomar decisões rápidas. Obviamente, não dá
“Esta história, felizmente, terminou bem, com todos os trabalhadores vivos. O terremoto no Japão foi, sem dúvida, a situação mais dramática, com maior número de vítimas e todas aquelas imagens da devastação que jamais vou me esquecer. Experiências assim te fazem dar mais valor à vida, respeitar ainda mais a dor alheia e, como repórter, refletir sobre como realizar o seu trabalho, sem explorar o sofrimento das vítimas. Este deve ser um exercício constante.” Adriana reconhece que é difícil não se comover diante de tamanha devastação: “Diria até que é impossível. Mas no momento de levar ao ar as informações, a notícia deve ser sempre a emoção das pessoas que sofreram a tragédia, das famílias que perderam parentes, que perderam tudo o que tinham. O repórter,
tempo de conversar com os chefes nessas horas. O principal é que eu entendo muito mais o Japão neste momento. Sei como os japoneses reagem a terremotos, destruição e dor. Sei mais como é o povo daqui. A gente conhece as pessoas em situações extremas. Esse aprendizado vai me ajudar muito nos próximos dois anos, período que devo ficar como correspondente no país.”
mesmo que se emocione, que se comova com tudo o que vê, deve ter a consciência de que está ali para reportar aquelas histórias e não deve jamais inverter os papéis. A emoção do repórter não é a notícia. A emoção das vítimas será sempre notícia. Tudo feito sem sensacionalismo. E com sensibilidade”, defende ela, que, depois de passar um período como correspondente da emissora em Nova York, está de volta a São Paulo. O primeiro desafio para qualquer equipe de reportagem mergulhada em coberturas desse tipo é vencer o próprio medo. Especialmente quando a ameaça são terremotos – fenômeno com o qual os brasileiros não estão acostumados. “Depois de passar o dia inteiro gravando, passávamos a noite – eu e o repórter cinematográfico Joaquim Leite Neto –
Sem sensacionalismo, mas com sensibilidade
Adriana Araújo foi enviada pela TV Record para o Japão. Enchentes e acidentes aéreos fazem parte de seu currículo de coberturas de impacto. No exterior, no ano passado, acompanhou de perto o soterramento e a minuciosa operação de resgate dos 33 mineiros no Chile.
enviando o material para o Brasil. Algumas vezes, dormimos apenas duas horas por noite. Também nos surpreendemos com os tremores em todas as cidades em que estivemos. Para nós era um pouco assustador. Para os japoneses, não. Na maioria das vezes o hotel balançava durante a noite. Sentimos tremores também no aeroporto de Tóquio, dentro de um restaurante. Nós ficávamos em suspense, mas eles estão preparados para isso. Foi o tsunami e depois a crise nuclear que abateram o Japão. Os tremores são parte da rotina.” Outra dificuldade de ordem prática – essa enfrentada por todos os jornalistas – ocorria diante de cada informação sobre a crise e seus desdobramentos: “Retratamos a desconfiança que havia sobre as autoridades japonesas. O povo duvidou do que estava sendo repassado pelas fontes oficiais, ficou preocupado e tentou escapar para o Sul do país, área mais distante da usina de Fukushima. Mostrando tudo isso estávamos necessariamente revelando a dúvida que pairava no ar. Colocamos no ar os questionamentos que vinham de todos os organismos internacionais. Acho que ficou claro para todos que o Governo japonês falhou ao omitir informações e não dimensionar o tamanho da crise nuclear que tinha que enfrentar. Faltaram transparência e agilidade. E o próprio governo reconheceu isso.” É preciso mesmo ter disposição, desprendimento pessoal e algum espírito de aventura para embarcar, de corpo e alma, em coberturas como a do Japão. “Só chegamos até Sendai, a região mais devastada, porque conseguimos fretar um helicóptero. Muitas equipes tentaram chegar de carro e ficaram pelo caminho, sem gasolina. Depois que chegamos a Sendai, também ficamos presos lá, pois não havia trens, ônibus e os taxistas não tinham combustível para seguir viagem conosco rumo ao Norte do país, onde queríamos mostrar outras cidades destruídas pelo tsunami. Isso foi um pouco frustrante. Você saber que estava tão perto de tantos lugares destruídos, com tantas vítimas, e não conseguir sair do lugar.” Adriana Araújo faz um balanço do trabalho realizado:
“Passamos alguns dias comendo apenas barras de cereal. E chegamos a nos ‘hospedar’ no saguão de um hotel. Isso é do jogo. Sempre que passo por situações assim, penso nas vítimas reais. Aquelas que perderam filhos, pais, que estão nos abrigos sem ter para onde ir. Isso, sim, é sofrimento de verdade. Nos dez dias em que estivemos lá, buscamos mostrar toda a dramática situação enfrentada pelo Japão. E ouvir os brasileiros que moram em Tóquio e nas províncias vizinhas. São 250 mil brasileiros por lá. E muitos querem desistir do sonho de prosperidade no Japão depois deste grande susto. Este foco, acredito, foi um diferencial da nossa cobertura.” Conflitos entre a vida e a profissão
Situações extremas costumam provocar reações na mesma voltagem. O terremoto do dia 11 de março no Japão, mais do que sacudir prédios, fez tremer a estrutura de muitas pessoas. E os repórteres, é claro, não estão isentos dos conflitos típicos dos momentos de crise: “Tive que driblar a emoção, quando uma família japonesa muito próxima a mim me pediu insistentemente para não viajar até Sendai. Eles diziam que eu correria perigo não apenas por causa dos tremores secundários mas, principalmente, por causa do vazamento na usina nuclear de Fukushima. O lado jornalista falou mais alto e, obviamente, não desisti da viagem. Mas me senti mal por contrariar a vontade de pessoas queridas e por deixálas preocupadas”, conta Karina Almeida. Editora da revista Alternativa, voltada para a comunidade brasileira no Japão, a jornalista, também uma jovem de 33 anos, mora em Kanagawa, bem perto de Tóquio. “Esse episódio me fez pensar em até que ponto vale a pena se arriscar pelo trabalho. Se tivesse que chegar perto da usina nuclear, por exemplo, eu perderia o emprego, mas não faria isso. Aliás, escolhemos uma rota alternativa para garantir a nossa segurança. Em Sendai, tive de ser fria para não deixar de fazer o meu trabalho. Logo que cheguei, achei tudo tão surreal, que fiquei sem reação. Não senti nada! Levei algumas horas para acreditar que aquilo era real. Aí sim, comecei a pensar naquelas pessoas, nas coisas espalhadas, na força da onda que havia passado por ali e Jornal da ABI 364 Março de 2011
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POLÊMICA KARINA ALMEIDA
A grande onda Publicada um dia após o desastre no Japão, uma charge da Folha de S. Paulo é alvo de críticas e reacende antigas polêmicas sobre o papel da arte na imprensa. POR M ARCOS S TEFANO
Karina também fotografou a destruição, como nesta imagem que ela publicou em seu blog.
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em como somos vulneráveis. Mas ao ponto, eu me sinto privilegiada por momesmo tempo eu pensava no que escrever, rar aqui. Não sou fluente em japonês, mas no que fotografar; enfim, em como conconsigo me virar em muitas situações e tar o que eu estava vendo. E me preocupei conheço bem os costumes e o jeito de ser muito com a forma de abordar as vítimas, deste povo. Acho que muitas das reportaem respeitar o sentimento delas e fugir do gens sensacionalistas ou informações sensacionalismo.” erradas se devem a essa viE assim foi feito. No BraSSE EPISÓDIO ME são distorcida que a maiosil, o trabalho de Karina, ria dos estrangeiros tem do que mantém um blog so- FEZ PENSAR EM ATÉ Japão.” bre o cotidiano no Japão Não há dúvida de que QUE PONTO VALE A (www.meujapao.com), os jornalistas brasileiros PENA SE ARRISCAR se desdobraram e fizeram pôde ser acompanhado no blog Veja Acompanha, da uma cobertura competenPELO TRABALHO Veja Online. te. E até comovente, do “Já havia participado da cobertura de ponto de vista da dedicação e dos sacrioutro grande terremoto no Japão, em fícios aos quais foram submetidos, mas 2004, na província de Niigata, e imaginem por isso isenta de falhas. nei que a situação fosse parecida. Foi bem “Houve mais de um veículo que desdiferente. Desta vez, a tragédia foi muito tacou a ausência de saques na região demaior, as condições de trabalho muito vastada pelo tsunami, mas ocorreram mais precárias e a viagem muito mais saques, sim. Talvez os repórteres brasileilonga e cansativa. Foi um custo chegar ros não tenham percebido, porque os a Sendai. Não havia motorista que encasaqueadores agem discretamente, em rasse a viagem, pois muitos tinham silêncio, sem fazer baderna, e não costumedo, e faltava combustível. A viagem mam levar tudo o que vêem pela frente. que levaria quatro horas em condições Eles escolhem os objetos mais caros, como normais levou 28 horas.” peças de carro, por exemplo. CertamenAs condições precárias foram um dos te, esses repórteres encontraram muitos entraves enfrentados por Adriana em saqueadores em Sendai, mas devem ter serviço no país – exatamente reconheciimaginado que eram apenas curiosos.” do como referência na área tecnológica: “Foi difícil lidar com a falta de enerUm desafio: saber mais gia elétrica e de internet. Meu laptop As especificidades dos costumes de ficou sem bateria e a internet móvel que um povo, ou a complexidade de determilevei nem sempre funcionava. Meu cenados assuntos, são uma constante na lular também ficou várias vezes sem vida de repórteres que atuam no exterisinal. Por isso, não pude acompanhar or. Como destaca Marcos Uchôa num direito o noticiário durante a viagem e balanço final sobre as lições aprendidas nem mesmo quando estávamos em Senaté aqui, no Japão: dai. Na sede da Prefeitura, tudo funcio“Em relação à radiação, sempre li basnava, mas não podíamos ficar indo e tante o que diziam os cientistas: que vindo porque faltava combustível na Fukushima não repetiria Chernobyl, cidade e tínhamos de economizar o porque as condições eram bem diferenpouco que tínhamos. Outros jornalistas tes. Confirmava que os ventos sopravam que viajaram comigo tiveram as mespara o Pacífico, e, claro, mantivemos mas dificuldades. E ficávamos um tensempre uma distância segura. Estivemos tando ajudar o outro.” rapidamente na cidade de Fukushima, Além da questão do idioma, as difeque fica a uns 60 quilômetros da usina, renças culturais são outro ponto que por mas ficamos poucas horas. Mesmo se vezes complica a vida dos jornalistas houvesse uma explosão naquela hora, brasileiros presentes na região. teríamos tido tempo de nos afastar mais. “No Japão, a maior dificuldade da imAcho que nós, jornalistas, tão ignoranprensa internacional costuma ser o idiotes das questões mais complicadas da ma. E, mais do que isso, a diferença culciência, devemos nos calçar, nos cercar tural. Muitos profissionais contratam de mais especialistas para passarmos uma idéia mais precisa sobre assuntos comintérpretes. Porém, nem assim conseguem entender o que acontece. Nesse plicados como esse.”
O terremoto seguido de tsunami que devastou parte do Japão em 11 de março foi um dos temas mais abordados recentemente pela imprensa brasileira, mas o assunto mais comentado e que rendeu grande polêmica nos dias seguintes à tragédia foi um desenho. Publicada na prestigiada segunda página da Folha de S. Paulo do sábado, dia seguinte ao desastre, a charge do jovem cartunista João Montanaro, de apenas 14 anos, mostrava uma onda carregando destroços, casas, veículos, árvores e até uma ponte. Ao fundo, aparecia uma usina nuclear, prevendo o perigo que se transformaria no maior pesadelo dos japoneses desde então, e as chamas de um incêndio. Tanto bastou para que dezenas de leitores mandassem mensagens protestando contra a publicação, considerada por eles “de mau gosto” ou um “desrespeito” diante da dor provocada pela catástrofe. Logo a discussão extrapolou as páginas do jornal para tocar numa questão antiga e que é fonte de constantes discórdias na mídia: o papel da charge. Afinal, ela só serve para fazer rir? Claro, nem todos os leitores se incomodaram. Geralmente, quem escreve o faz para reclamar. Mas entre os que protestaram, não havia somente leigos, como argumentaram muitos. Uma das indignadas leitoras era a ilustradora Rosana Urbes, que trabalhou durante vários anos para os Estúdios Disney. “Morei um tempo no Japão e quando vi o dese-
nho fiquei com o estômago retorcido. Ele parecia dizer: ‘Olha que sacada a minha! Peguei o ícone da gravura japonesa e coloquei casinhas flutuando e uma usina’. Péssima escolha”, disse ela ao jornal. “Os japoneses prezam muito os seus ícones. Além disso, esse momento não é oportuno para tocar nesse assunto”, completou a escritora Sônia Luyten, autora de Cultura Pop Japonesa (Editora Hedra). Também ouvidos pelo jornal, outros ilustradores e cartunistas defenderam a escolha do jovem. “É um desenho imparcial, inocente como o ilustrador. O problema é que o humor acaba funcionando por conta dessa contra-onda, desse mau humor e da burrice dos críticos”, observou Adão Iturrusgarai, também chargista da Folha. Ziraldo também viu o trabalho sob outro enfoque: “É uma homenagem à arte japonesa. Eu gostaria de ter tido essa mesma ideia.” No meio do acirrado debate, Montanaro declarou à publicação que foi malinterpretado. Quando acordou naquela sexta-feira, ele já tinha em mente o tema que usaria para a charge do dia seguinte. Ao ligar a televisão e ver carros e casas sendo carregados como brinquedos pelo mar que avançava, mudou de opinião. “Não dava para fazer um desenho sobre política”, explicou. Apesar dos contratempos, inclusive na escola, onde foi chamado até de “babaca”, ele procurou não se intimidar: “Acho que não entenderam a charge. Minha intenção não era fazer uma piada com aquela difícil situação.”
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Muito barulho por nada: Acima, o desenho de Montanaro que ofendeu alguns leitores da Folha de S.Paulo e, abaixo, na página anterior, sua inspiração, A Grande Onda, de Katsushika Hokusai.
O espanto do cartunista é ainda maior por conta da obra em que se inspirou para produzir seu trabalho. A motivação foi a xilogravura A Grande Onda de Kanagawa, de Katsushika Hokusai (17601849), produzida entre 1830 e 1833. Na pintura, observa-se uma enorme onda que ameaça barcos de pescadores, na província de Kanagawa. Como em outros trabalhos da mesma série, é retratada uma área ao redor do Monte Fuji. A gravura é a mais famosa do artista e tornouse um ícone mundial. Do molde usado foram feitas diversas cópias que, a partir da década de 1870, chegaram às mãos de colecionadores europeus. Hoje, ela pode ser vista em vários museus, como o Guimet, em Paris, o Metropolitano de Arte, em Nova York, o Britânico, em Londres, e na Biblioteca Nacional da França. “Eu quero mocotó”
Cartunistas andam sobre a corda bamba e não é de hoje. Em novembro de 1970, no auge da ditadura militar, o semanário – ou hebdomadário, como preferiam seus criadores – O Pasquim publicou uma charge de Jaguar que satirizava o quadro Independência ou Morte, de Pedro Américo. No desenho, Dom Pedro I aparecia às margens do Ipiranga dizendo: “Eu quero mocotó”, refrão de uma música da época de autoria do Maestro Erlon Chaves. A charge foi publicada graças aos pileques oferecidos à censora que dava expediente na Redação, mas resultou na prisão de onze “subversivos”, a equipe inteira do jornal, por dois meses. Com o encarceramento de profissionais como Jaguar, Sérgio Cabral e Tarso de Castro, os militares esperavam que a publicação saísse de circulação e os leitores perdessem o interesse. Mas Millôr Fernandes, que escapara à prisão, e uma equipe que contava com Henfil, Chico Buarque, Antônio Callado, Rubem Fonseca, Odete Lara e Gláuber Rocha mantiveram o jornal na ativa entre o fim daquele ano e o começo de 1971. São igualmente bastante comuns os processos motivados pela publicação de charges, mas o que se viu no começo de março, com o desenho de Montanaro, foge a tudo isso. “Algumas pessoas não sabem ler uma charge e a interpretam com seus preconceitos e fantasmas. Com tantos problemas na educação e com o sumiço do humor nas revistas e jornais, o brasileiro parou de exercer duas ferramentas essenciais à inteligência, que são a ironia e o sarcasmo”, avalia Ernani Diniz Lucas, o Nani Lucas,
redator de humor dos programas Zorra Total e Batendo Ponto, em entrevista ao Jornal da ABI. Para exemplificar, Nani conta que publica suas charges em seu blog sem nenhum tipo de censura, mas quando elas vão para outros meios, assim como em sua tira Vereda Tropical, que sai em vários jornais, toma o cuidado de colocar até um enunciado sobre o desenho, para evitar que alguém não entenda a sutileza ou o contexto de sua arte. “Infelizmente, muitos ignoram que charge é oposição, uma crítica ou idéia diferente. Se for só favorável, vira ilustração de cartilha ou panfleto de partido.” A recepção à charge brasileira foi semelhante à de outra, publicada na Malásia, na semana seguinte. O desenho, assinado por Mohamad Zohri e publicado pelo jornal Berita Harian, mostrava o herói japonês Ultraman fugindo de uma onda. No dia seguinte, uma petição contrária à obra começou a rodar o mundo pela internet. O jornal teve que vir a público se retratar e pedir desculpas. “Piadas envolvendo tragédias sempre dão confusão. É o caso do desenho malasiano, mas não da charge do Montanaro. Assim, como não tem cabimento comparar a obra dele com as caricaturas de Maomé, publicadas alguns anos atrás. Estas envolviam fanatismo religioso e ofendiam toda aquela cultura. O trabalho do João é respeitoso, uma homenagem a uma gravura clássica. Algumas pessoas se ofenderam porque estavam sensibilizadas”, aponta Otacílio D’Assunção, o Ota, ex-editor da revista Mad e um dos responsáveis pelo lançamento no mercado do jovem cartunista da Folha. Nem toda charge costuma fazer esse mesmo estrago. Em 2004, quando outro tsunami matou mais de 200 mil pessoas na Ásia, a mesma Folha publicou charge de Glauco que mostrava a onda vinculada à realidade nacional. Avassaladora, ela trazia em seu corpo “2005” e na crista um punhado de brasileiros assustados. Poucos dias depois de Montanaro, o jornal também publicou desenho de Angeli sobre o terremoto, no qual a morte jogava golfe. Fora do País, o mesmo se repetiu. No dia 15 de março, apenas três dias depois da polêmica charge brasileira, Le Monde trouxe em sua capa uma ilustração muito parecida com a do jornal brasileiro. Em todos esses casos não houve qualquer reação. Ninguém disse absolutamente nada. Como dá para perceber, a questão é mais de sentir o momento do que pensar em
criar uma regra, algum tipo de censura. Mesmo assim, o humor sempre será uma incógnita. Afinal, nem a experiente chefia de Redação da Folha, que aprovou o desenho de Montanaro, poderia prever tamanho problema. Ao humor não se aplicam regras estritamente jornalísticas. Se fosse assim, perderia toda a graça e a necessária liberdade. E se o critério fosse evitar problemas, como disse a ombusdman do jornal paulista, Suzana Singer, “95% dos textos de José Simão, o colunista mais lido do jornal, seriam proibidos.” Em sua coluna, publicada pelo jornal no dia 20 de março, Suzana Singer faz um questionamento pertinente: “Uma ilustração não pode ser entendida só por aqueles que conhecem determinadas referências. Estamos falando de um desenho publicado em 300 mil exemplares.” Pode ser, mas para isso é preciso negar que a xilogravura japonesa seja a obra do gênero mais conhecida no mundo. E não justifica a proposta seguinte: “Mesmo sem a intenção, o desenho foi visto como uma piada, o que põe em debate limites para o humor.” Afinal, como seriam estabelecidos esses limites? “Esse episódio serve como reflexão para os artistas, amadurecimento para o Montanaro, no sentido de pensar sobre o que publicar. Mas não pode servir para
estabelecer uma mordaça no trabalho dos cartunistas”, adverte Ota. O Jornal da ABI tentou ouvir Montaro, mas seu pai, Mário Sergio Barbosa, disse que por ora ele não falaria. Primeiro, porque a polêmica já está sendo considerada pela família como esgotada. Principalmente com as várias matérias da própria Folha que repercutiram o assunto. Segundo, porque o garoto está desgastado e precisa se preservar. Realmente, mas aí o próprio jornal tem culpa, pois chegou a colocar o assunto na capa de seu caderno de cultura, a Ilustrada, em uma de suas edições seguintes. A realidade é que ainda é preciso uma compreensão maior do papel da charge na imprensa brasileira. “O objetivo final não é somente divertir, mas provocar reflexão. A charge do João é contemplativa, até contida se comparada com outras que vi por aí, como a do Ultraman malasiano ou a que mostra um Godzila arrastado pelas águas. Charges ruins, diga-se de passagem”, defende Alberto Benett, cartunista da Folha de S.Paulo e da Gazeta do Povo, de Curitiba, Paraná. “As pessoas ligam a palavra charge a coisas alegres. Só que a proposta não é fazer rir, mas ser um convite ao pensamento”, completa o quadrinista Maurício de Sousa.
“Para o humor nada é sagrado” O que pensam chargistas, cartunistas e caricaturistas. “Já recebi muitos elogios e muitas ‘espinafradas’ de leitores que não acreditam ser possível abordar uma tragédia por meio de charge, crentes de que apenas gargalhadas devem surgir deste tipo de trabalho. Porém, o humor gráfico tem tantas nuances que se pode tratar de qualquer assunto que esteja na ordem do dia. O que serve de matéria-prima para um texto e uma foto serve de base também para o chargista. Desde que, no caso das tragédias, aborde temas como solidariedade, coragem ou incredulidade também. No caso da obra do Montanaro, não houve desrespeito. Outro chargista, Marco Jacobsen, da Folha de Londrina, no Paraná, usou a mesma gravura e não houve qualquer problema.” DÁLCIO MACHADO Chargista, cartunista e caricaturista. Trabalha para veículos como o jornal Correio do Povo, de Campinas,SP, e a revista Veja. ........................................................................ “A charge de Montanaro fez uma reinterpretação da onda de Hokusai. Eu já tinha visto outras versões publicadas nos Estados Unidos que foram aceitas com normalidade, pois trata-se de uma imagem bastante conhecida, um ícone da arte japonesa. Não entendi a indignação de alguns leitores da Folha. Parece que depois desses programas de tv, como o Big Brother, uma parte da população está ficando cada vez mais imbecilizada.” OSMANI SIMANCA Cartunista do jornal A Tarde, de Salvador,BA. ........................................................................ “Um chargista precisa utilizar imagens visuais, símbolos e ícones da cultura, da história, das artes, da religião, da biologia, da matemática. Enfim, do conhecimento humano. Para o humor nada é sagrado – no sentido de que tudo pode ser usado para provocar riso, denúncia, esclarecimento e indagações. A charge do Montanaro usa uma imagem da cultura japonesa para
ilustrar um fenômeno natural, não está rindo do povo japonês. Assim como uma charge ecológica não se resume a uma pessoa sofrendo com a poluição, mas denuncia o grande capital que provoca a poluição. Uma charge de guerra não ri de um soldado que é bucha de canhão, mas o mostra com objeto de interesses dos governantes das grandes nações belicosas. A charge é mais profunda do que aquilo que mostra superficialmente.” NANI Autor da tira Vereda Tropical e redator de humor dos programas Zorra Total e Batendo Ponto, da Rede Globo de Televisão. ........................................................................ “Não acredito que vão tornar ilegal a profissão de chargista por causa de um desenho que causou polêmica. Tanto que a charge foi aprovada sem problemas pelos editores da Folha. Se as pessoas fossem mais cultas saberiam que se trata de uma homenagem a uma gravura clássica. Mas esse episódio deve servir para conscientizar todos, inclusive leitores, e não como mordaça ao trabalho do cartunista.” OTA Cartunista, autor do livro Relatório Ota do Sexo e ex-editor da revista Mad. ........................................................................ “Precisamos discutir mais o assunto. Se não mudar essa situação, desconfio que todos sairão perdendo. Os autores, os jornais e os leitores perderão. Quando abro um jornal, não espero ler colunistas condescendentes, reprodutores do senso-comum. Espero alguém que pense a sociedade de maneira original e crítica, desafiadora e corajosa. Se o desenho fica prejudicado com o patrulhamento? O politicamente correto está para os cartunistas como o sol vermelho está para o Superman.” ALBERTO BENETT Cartunista da Folha de S. Paulo e da Gazeta do Povo.
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MEMÓRIA
Trinta anos sem Gláuber, Santo Guerreiro Ele não era apenas o maior cineasta brasileiro, era um intelectual apaixonado, indignado diante das injustiças. POR RODOLFO KONDER
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ELIANE SOARES
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láuber Rocha tinha 42 anos e morreu de madrugada. Era baiano de Vitória da Conquista, de família protestante. Talvez nisso resida um pouco do seu segredo. Estudou em Salvador, onde começou a trabalhar no rádio, no teatro e na imprensa. E foi também ali que se deixou morder pela política. E pelo cinema. Em 1958, realizou seu primeiro curta-metragem: O Pátio. Em seguida, fez A Cruz na Praça. Em 1962, a fama chegou com sua estréia no longa-metragem: Barravento conquistou o Prêmio Obra-Prima no Festival de Karlovy Vary, na Tcheco-eslováquia. À frente do chamado Cinema Novo, dirigiu Deus e o Diabo na Terra do Sol, um filme magistral sobre o grande drama dos trópicos. Conquistou vários prêmios no exterior, inclusive na Itália e no México, com esse trabalho. Produziu Menino de Engenho e co-produziu A Grande Cidade, antes de dirigir Terra em Transe, em 1967. Mais prêmios: Cannes e Havana entre eles. O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro foi seu sucesso seguinte. Em 1970, dirigiu O Leão de Sete Cabeças. A seguir, fez Cabeças Cortadas. Três anos depois, realizou História do Brasil, produção ítalo-cubana. Em 77, filmou o documentário Di Cavalcânti. Seu último filme, A Idade da Terra, foi lançado em novembro de 1980. Mas tudo isso é pouco para se falar de Gláuber. É preciso lembrar que Gláuber não era apenas o maior cineasta brasileiro: era um intelectual apaixonado, um homem capaz de se indignar diante das injustiças, uma vítima do autoritarismo. Era um perseguido. O odiento AI-5, de tão triste memória, levouo ao exílio. Durante anos, o irrequieto, irreverente cineasta deambulou pelo mundo, para se manter longe das garras da ditadura que assombrava seu País, como O Dragão da Maldade. Cabeças Cortadas ficou por muito tempo no pelourinho da censura, até ser finalmente liberado, em 1979. Mesmo a última viagem de Gláuber
ao exterior se fez à sombra das ameaças da ultradireita radical. Quando ele embarcou para a Europa, o Brasil inteiro tremia com as explosões de bombas colocadas pelos inimigos da abertura política na goela do próprio regime. Nos últimos anos, Gláuber também se viu odiado pela esquerda autoritária. Muitos democratas discordavam dele, embora continuassem a respeitar seu gênio. Os autoritários, porém, odiavam-no. Jamais puderam compreender seus rompantes, sua irracionalidade. Não adiantava ele mesmo dizer que era “apenas um artista, um intérprete do inconsciente coletivo”, nem pedir que não lhe exigissem coerência, advertindo que podia “mudar a qualquer momento”. Viam somente seus elogios indignados ao General Golbery e ao Presidente Figueiredo. O artista que gostava de chocar, ora comparecendo a um jantar a rigor, em Paris, de chinelos e jeans, ora candidatando-se à Presidência da República, como “candidato alternativo”, era um profeta. E um profeta, como ele dizia, “não tem obrigação de acertar, sua função é profetizar.” Mas o profeta jamais se desligou da realidade brasileira. “Minha intenção”, disse, “é mergulhar nela, em suas lutas e lendas, para exprimir a alma do meu povo em toda a sua profundidade”. Cumpre fazer mais uma citação sua: “Não podemos continuar fazendo política baseada no latifúndio improdutivo e injusto, com uma oligarquia atrasada, ignorante, e uma burguesia decadente que não modernizou o Brasil, não fez uma revolução capitalista e que aceita passivamente um País metade estatizado, metade nas mãos das multinacionais.” Gláuber Rocha tinha apenas 42 anos e morreu de madrugada. A morte sempre me pareceu mais triste de madrugada. Mais triste ainda se toma da gente um pedaço da nossa justa indignação – que se foi com ele. RODOLFO KONDER, jornalista e escritor, é Conselheiro da ABI, Diretor da Representação da ABI em São Paulo e membro do Conselho Municipal de Educação da Cidade de São Paulo.
Aconteceu na ABI
“O petróleo é nosso” ganha filhotes Concurso promovido pelo Sindicato dos Petroleiros e pelo Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação do Rio de Janeiro familiariza o alunado de 133 escolas do Estado e 50 universidades com as questões relacionadas com a memorável campanha pelo monopólio estatal, lançada na ABI em 4 de abril de 1948. POR C LAUDIA S OUZA Durante quase dez horas – das três da tarde até quase dez da noite –, centenas de crianças, adolescentes e jovens fizeram ruidosa festa cívica e musical no Auditório da ABI e seu amplo saguão, ocupados em 25 de fevereiro pela cerimônia de premiação do 1º Concurso Estudantil da campanha “O petróleo tem que ser nosso”, que mobilizou o alunado de 133 escolas do Estado do Rio de Janeiro e de 50 universidades de todo o País para redações em torno do tema “Petróleo, para que e para quem? O futuro do Brasil em nossas mãos.” O certame foi idealizado e promovido pelo Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro-Sindipetro, em parceria com o Sindicato Estadual dos Profissionais de Educação-Sepe-RJ. Os alunos da rede de ensino básico concorreram nas categorias Texto, e Imagem (desenho); os universitários, nas categorias Texto Acadêmico, Texto Literário e Artes Plásticas (desenho e fotografia). Os trabalhos foram selecionados por uma banca examinadora formada por professores associados do Sepe, jornalistas e petroleiros, que classificaram 40 estudantes. Os primeiros colocados em cada categoria foram anunciados durante a solenidade na ABI, e receberam vale-livros e laptops e tiveram seus trabalhos publicados no livro Petróleo, Para Que e Para Quem?, lançado durante a solenidade. Os professores que orientaram os participantes foram premiados com câmeras digitais. A cerimônia foi conduzida pelo radialista Nato Kandhall, da Rádio Petroleira, e Vivian Moura, assessora administrativa da Agência Petroleira de NotíciasAPN. Mais de 500 pessoas prestigiaram o evento, que ocupou durante a tarde inteira e parte da noite o amplo espaço do Auditório Oscar Guanabarino, situado no 9º andar do Edifício Herbert Moses, sede da ABI. O Secretário-Geral do Sindipetro-RJ, Emanuel Cancella, deu início à solenidade agradecendo a participação de todos e destacando a importância da campanha “O petróleo tem que ser nosso”: “Gostaria de chamar a atenção para o símbolo desta campanha, representado pela figura de nossa companheira e madrinha, a médica Maria Augusta Tibiriçá, 94 anos, que nos honra com a sua presença na platéia da ABI, onde teve início a luta pelo petróleo no fim dos anos 1940, tendo Maria Augusta como uma das organizadoras. É nossa responsabilidade resgatar o nacionalismo na mente e no coração dos brasileiros. Não podemos entregar o petróleo e o pré-sal para as mesmas multinacionais que fi-
zeram pressão no passado contra a criação da Petrobras e o monopólio estatal do petróleo.” Na seqüência, músicos da Orquestra de Cordas da Grota, formada por jovens carentes de uma comunidade de Niterói, executaram o Hino Nacional e obras de Mozart e de Luiz Gonzaga. Dando continuidade ao evento, Francisco Soriano, Diretor do Sindipetro-RJ, falou sobre a relevância do 1º Concurso Estudantil da campanha “O petróleo tem que ser nosso”: “Há cerca de vinte anos foi realizado um concurso de textos promovido pela Associação dos Engenheiros da Petrobras-Aepet, que representou um sucesso extraordinário. Todos nós sabemos que desde a Segunda Guerra Mundial não houve nenhum conflito no mundo
A alegria de Maria Augusta, na luta desde 1948 A presença de jovens comove uma das iniciadoras da luta pelo monopólio estatal do petróleo: ela tem 94 anos. Uma homenagem especial foi prestada à Doutora Maria Augusta Tibiriçá Miranda, Presidente do Movimento em Defesa da Economia Nacional-Modecom, aplaudida de pé pela platéia: “Neste momento, neste local onde sempre lutamos na campanha “O petróleo é nosso”, eu preciso reviver aqueles momentos em 1948, 1949, 1950, 1955, onde este auditório lotava com o mesmo entusiasmo que estou vendo hoje em todos vocês. Lutamos ininterruptamente para termos a vitória que tivemos, criando o monopólio estatal do petróleo e a sua executora, a Petrobras. Todos os particularismos ficam de lado porque quem manda é o Brasil. Formamos uma organização de Norte a Sul do País, atingindo todos os pontos do nosso território. Tínhamos sedes que funcionavam dia e noite. Generais, desembargadores, camponeses, todos iguais, fazendo parte do movimento intensivo. Nunca paramos.”
cujo motivo não fosse o petróleo. Sobre o concurso atual, os excelentes trabalhos apresentados pelos estudantes foram reunidos em uma publicação que temos a honra de lançar neste evento. Vocês, estudantes, estão ajudando a escrever esta História, que contou com a participação ativa de Maria Augusta Tibiriçá e de outras pessoas importantes, como Frei Caneca, que lutaram pela independência deste País.” Fátima Lacerda, jornalista da Agência Petroleira de Notícias, integrante da comissão julgadora do concurso, cumprimentou os estudantes que participaram do concurso e elogiou a qualidade dos trabalhos apresentados: “Foi muito difícil fazer a seleção, já que os textos e desenhos estavam mui-
Maria Augusta Tibiriçá assinalou a necessidade da participação dos jovens para o avanço do movimento: “Esta nova fase, que alegria, com os estudantes! Isto é maravilhoso! Sem vocês, nada feito. Sugiro que continuemos assim. A consciência nacionalista até hoje nos ajuda a manter esta e outras campanhas, como a da Amazônia. Vamos caminhar, prosseguir, levar em frente esta campanha que hoje aqui revivemos. Precisamos recompor a participação de todos. Conseguimos a Lei nº 2004, de 1953. Nos anos 90, o recém-falecido Senador Eliseu Resende fez um substitutivo piorado e destruiu o monopólio estatal. Contudo, nós não podemos nos deixar subjugar nem pelas idéias nem pelas ordens dos estrangeiros. Diante do pré-sal, precisamos seguir objetivos táticos e estratégicos. Nunca permitam concessões. Nós ainda não largamos a peteca, e vocês, jovens, já a tomaram nas mãos para que continue sendo nossa.” O começo, na ABI Em seguida, o Presidente da ABI, Maurício Azêdo, saudou os participantes, e destacou a luta de Maria Augusta Tibiriçá pelo petróleo e a importância histórica da ABI neste processo: “Prestamos uma homenagem pela longa militância de Maria Augusta Tibiriçá em defesa dos interesses do povo brasileiro. Em nome da Diretoria da ABI, quero dizer que
to equilibrados. Para aqueles que não foram escolhidos, quero dizer que não desanimem e não se sintam desestimulados. Todos estão de parabéns. Seguindo a programação, foram lançados o livro com os trabalhos premiados no concurso, dois livretos de literatura de cordel, de autoria de João Cabral de Melo Neto, e a revista sobre as atividades da campanha pelo petróleo realizadas em 2010. Os vencedores do concurso subiram ao palco para receber os prêmios, entregues por representantes das entidades organizadoras do evento. O apoio e incentivo de professores e diretores das escolas participantes também foi destacado, em especial o de Maria das Dores Pereira Mota, Coordenadora do Sepe-RJ.
estamos muito honrados em recebêlos em nossa Casa, que, como disse a Doutora Maria Augusta, foi o cenário onde se iniciou a campanha “O petróleo é nosso”, em 4 de abril de 1948. Se hoje nós temos uma economia pujante e forte, com uma empresa como a Petrobras, que pode ser comparada às melhores do mundo, isto se deve a um movimento iniciado neste plenário por um grupo de patriotas que venciam a desconfiança e as campanhas dos entreguistas para afirmar que o petróleo era nosso, que o petróleo seria nosso, que o petróleo tem que ser nosso.” “Em nome da ABI, quero felicitar os organizadores deste concurso, os professores que aderiram a esta idéia do Sindicato dos Petroleiros de tornar uma coisa viva este concurso e, especialmente, aos jovens que participaram desta motivada campanha para levar à consciência das pessoas a idéia de que o Brasil, que é um País rico, pode ser mais rico ainda na medida em que dominar as suas fontes de riqueza, como o petróleo. Parabéns pela demonstração de vitalidade e alegria que vocês estão dando.” Após o discurso de Maurício, o grupo Teatro de Mentirinhas encenou a peça Coro de Piolho, e o coral A Voz da Luta, do Sindipetro, apresentou seu repertório, encerrando a cerimônia. A garotada, excitada nesse dia de tantas novidades, continuou sua festa, no saguão do Auditório.
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Aconteceu Mensagens na ABI ASSEMBLÉIA-GERAL
Edital convoca eleição para 29 de abril Pela segunda vez após a reforma do Estatuto, os sócios da categoria Cooperador vão poder votar e ser votados. O Presidente do Conselho Deliberativo da ABI, Pery Cotta, publicou no Diário Oficial da União e no Jornal do Commercio do Rio de Janeiro edital de convocação da Assembléia-Geral Ordinária de 2011, o qual fixa a data de 29 de abril para a eleição do terço do Conselho Deliberativo para o mandato 2011-2014 e do Conselho Fiscal para o exercício social 20112012. Da eleição poderão participar, como eleitores ou como candidatos, os associados da categoria Cooperador, que tiveram o direito de votar e serem votados pela reforma do Estatuto aprovada na Assembléia-Geral Extraordinária de fevereiro de 2010. Como determinado no Estatuto, a Assembléia-Geral Ordinária será desdobrada em duas etapas: a primeira, a partir das 10 horas da manhã do dia 28, quinta-feira, para apreciação do Relatório da Diretoria, das Contas de Gestão e do Parecer do Conselho Fiscal e das propostas que os associados houverem por bem apresentar; encerrados os trabalhos, a Assembléia-Geral será suspensa para reabertura às 10 horas da manhã do dia 29, sexta-feira, para votação, que se encerrará às 20 horas e será seguida da declaração dos eleitos.
A eleição do terço destina-se ao provimento das vagas de Conselheiros efetivos atualmente ocupadas por Alberto Dines, Antônio Carlos Austregésilo de Athayde, Arthur José Poerner, Carlos Arthur Pitombeira, Dácio Malta, Ely Moreira, Leda Acquarone, Maurício Azêdo, Mílton Coelho da Graça, Pinheiro Júnior, Ricardo Kotscho, Rodolfo Konder, Tarcísio Holanda e Villas-Bôas Corrêa. Desse terço fazia parte Fernando Barbosa Lima, que faleceu em setembro de 2008. Também serão eleitos os suplentes desse terço, que são Alcyr Cavalcânti, Edgar Catoira, Francisco Paula Freitas, Francisco Pedro do Coutto, Itamar Guerreiro, Jarbas Domingos Vaz, José Pereira da Silva (Pereirinha), Maria do Perpétuo Socorro Vitarelli, Ponce de Leon, Salete Lisboa, Sidney Rezende, Sylvia Moretzsohn, Sílvio Paixão e Wilson S. J. de Magalhães. Integrava esse terço o associado Ruy Bello, que faleceu em dezembro de 2009. Deverão ser providas igualmente as sete vagas do Conselho Fiscal, composto atualmente por Jarbas Domingos Vaz, Presidente, Adail José de Paula, Geraldo Pereira dos Santos, Jorge Saldanha de Araújo, Lóris Baena Cunha, Luiz Carlos de Oliveira Chesther e Manolo Epelbaum.
A ABI foi convidada pelo Governador Sérgio Cabral a participar do ato em que o Presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, fez uma saudação ao povo brasileiro no domingo 20 de março, segundo dia de sua visita ao País. Inicialmente previsto para a Cinelândia, onde seria armado um palanque destinado ao Presidente e aos convidados do Governador, o discurso de Obama foi pronunciado no Teatro Municipal, onde o visitante contou com uma audiência numerosa, ainda que não tanto quanto a que haveria na Praça Floriano se mantida a idéia inicial de um pronunciamento em espaço público: em vez dos 50 convidados inicialmente cogitados, o Governador pôde estender seu convite a mais de mil pessoas. A ABI foi representada por seu Presidente, Maurício Azêdo, que teve assento na segunda fila da platéia do Teatro, a pouco mais de dois metros da tribuna montada para o pronunciamento do Presidente Obama. Na primeira fila sentaram-se a Ministra do Supremo Tribunal Federal Ellen Gracie, o Presidente da Assembléia Legislativa do Estado, Deputado Paulo Melo, o Presidente do Tribunal de Justiça, Manoel Alberto Rebelo dos Santos, o Procurador-Geral de Justiça do Estado, Cláudio Soares Lopes, o ex-Presidente do Banco Central HenriqueMeireles e o Deputado André Corrêa. Na segunda fila tiveram assento, ao lado do Presidente da ABI, o Presidente da Agência de Desenvolvimento do Estado do Rio, Maurício Chacur, a ex-Senadora Marina Silva, o Presidente da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro-Firjan, Eduardo Eugênio Gouvêa Vieira, e a Deputada Benedita da Silva, entre outros convidados. PLATÉIA
A ABI a 2 metros de Obama
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Uma análise da Edição 363, por Pinheiro Júnior Conselheiro da ABI, ele leu de ponta a ponta a edição de fevereiro do Jornal da ABI e expõe suas impressões em detalhado e-mail. “Caro Maurício, Embora já tenha me pronunciado a respeito em reuniões do Conselho Deliberativo, desta vez não posso deixar de lhe escrever umas tantas linhas. Pois li com íntimo entusiasmo jornalístico a edição fevereiro/2011 do (nosso) Jornal da ABI. Li-o sem parar, de “cabo-a-rabo”, como falou Zé Lins do Rêgo em referência à Bíblia que ninguém lia de uma só vez do Gênesis ao Apocalipse. Assim eu sempre leio essa nova bíblia mensal com que a ABI tem-nos brindado, desde o inaugurar de sua Presidência, como a melhor das opções/ substituições para a imprensa mensal que parece aos poucos e tristemente estar abandonando as bancas de jornais. Fenômeno, talvez, registrado em todo o mundo. Salvo exemplos nacionais como a Caros Amigos e exceções oferecidas pelas Editoras Abril e Globo. Minha sensibilidade de repórter – que chegou a editor e diretor ao longo de meio século de jornalismo – foi tanto mais tocada ao ler os relatos dos jovens companheiros friburguenses que sentiram o mais de perto possível a tragédia que se abateu sobre as cidades serranas ceifadas de vidas e belezas e que aos poucos, baixando virtualmente a poeira, vão-se recuperando para o necessário dia-adia de trabalho e lazer. Durante 18 anos tive apartamento em Nova Friburgo. Assim sempre me senti (cachoeirense-de-itapemirim que sou por nascimento) um friburguense por adoção e admiração particulares. Coincidentemente, estava sendo bombardeado de notícias via tv sobre o terremoto/maremoto-tsunami no Japão, com envolvimento inevitável de companheiros repórteres lançados no front da contaminação nuclear, quando li os depoimentos dos colegas friburguenses José Duarte, Henrique Amorim, Carlos Marques, Wanderson Nogueira, Wilson Mendes, Marianny Mesquita, Gláucio Mizael, Coaracy
Martins, Cristiane Armond, Antônio Fernando e Leonardo Lima. E não pude deixar de fazer a evidente correlação catastrófica, sem me permitir guardar restrição à proporção das tragédias. O Park Ville, onde até recentemente tivemos nosso apartamento, no bairro Duas Pedras, foi completamente varrido pelas enxurradas procedentes de um riacho e cachoeirinhas que perderam a tão cara docilidade com os temporais de 11 de janeiro. Temporais que correram montanhas abaixo como tsunamis de lama e detritos deixando praças, ruas e casas arrasadas e materializadas em imagens como a da igrejinha de Santo Antônio e a da Praça do Suspiro, convertidas em indeléveis monumentos à grande dor de moradores e visitantes. Mais me alongaria nesta, vamos dizer, panegirical consideração sobre o Jornal da ABI, não fosse a certeza de que seus editores, redatores e repórteres continuarão nos oferecendo, a cada mês, novas e ainda mais louváveis informações não só sobre as atividades da nossa Associação como ainda artigos e reportagens pautadas segundo a atualidade de fatos como o fenômeno jornalístico do WikiLeaks e as tão fecundas vidas de Moacir Werneck de Castro, Reynaldo Jardim, José Gomes Talarico, Jorge Nunes e Oderfla Almeida – com os quais tivemos a honra de trabalhar. Outro destaque deste sensacional Jornal da ABI foram as rebeliões que conflagram o Norte da África, com foco no Egito e protagonizando companheiros dos jornais e da tv subitamente envolvidos em outro tipo de tragédia coletiva – a da política econômica que teima em ensangüentar nações ricas em petróleo, ou logística e geograficamente nas proximidades destes tesouros telúricos cada vez mais cobiçados. Abraços do velho companheiro Pinheiro Junior.”
ERRATA Na matéria Com Ava Gardner, sobre as nuvens, publicada nas páginas 18 e 19 da Edição 363, onde se lê “(...) que filmavam Só Ficou a Saudade, título original da produção (...)”, leia-se: título em português da produção. Adiante: “(...) Frank Sinatra (1915-1998) e Tony Curtis (1925-2010), que posaram com Ruy (...)”, com acréscimo da vírgula após os nomes.
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FOTOS: FRANCISCO UCHA
DEPOIMENTO
Um dos mais importantes jornalistas esportivos do País, Juca Kfouri abre o verbo para falar de sua trajetória como militante político e de sua caminhada na profissão, com a exatidão de quem tem uma memória prodigiosa e a coragem de quem não se intimida diante do poderio dos donos do esporte no Brasil.
ELE NÃO DESISTE NUNCA POR CELSO SABADIN E FRANCISCO UCHA
JORNAL DA ABI – ANTES DE ENTRARMOS NO ASSUNTO DA SUA CARREIRA JORNALÍSTICA , GOSTARÍAMOS DE FALAR
Juca Kfouri é um dos maiores jornalistas do Brasil. Literalmente. Com quase 2 metros de altura, decidiu que o basquete não era a sua praia logo depois que o time onde jogava levou uma surra de ninguém menos que o seu tão querido Corinthians. Melhor para o jornalismo. O homem que descobriu a identidade de Carlos Zéfiro conta antigas histórias com o mesmo entusiasmo como se as tivesse vivido ontem. Inquieto, provou que uma publicação esportiva pode ser investigativa. Perfeccionista, mostrou que uma boa revista de mulheres nuas também se faz com entrevistas históricas. Ético, briga diariamente até hoje contra as injustiças da profissão com fôlego de menino. Irrita-se quando fala de merchandising, inflama-se quando fala de liberdade de imprensa e se enche de orgulho quando fala dos filhos. Sem esconder a mágoa que ainda guarda por Pelé. Falante, animado, sorridente, Juca recebeu o Jornal da ABI no seu apartamento/escritório no bairro paulistano de Higienópolis, numa tarde de feriado. Chegamos logo após o almoço. Saímos à noite. E com um gostinho de “quero mais.” 14 Jornal da ABI 364 Março de 2011
UM POUCO SOBRE SUA FAMÍLIA , SUA CRIAÇÃO E DE SEU ENVOLVIMENTO EM ATIVIDADES CLANDESTINAS DURANTE A DITADURA MILITAR ...
Juca Kfouri – Engraçado, estou vivendo isso de uma maneira muito especial. No dia 15 de dezembro de 2010, houve uma homenagem ao velho Joaquim Câmara Ferreira, o Toledo, o braço-direito de Marighela. Depois que Marighela foi morto, Toledo virou o número 1 da ALN (Aliança Libertadora Nacional), e algumas vezes o servi como motorista ou levando comida e roupa pra ele, essas coisas. Eu tinha uns 19 ou 20 anos e estava na chamada Liga Auxiliar da ALN. Devo muito a ele o fato de estar vivo, porque eu tinha entrado na Faculdade de Ciências Sociais e tinha sido liberado do Exército por excesso de contingente. Ele então me convenceu a me alistar para aprender a ser guerrilheiro. Isto em 1969. Fui dispensado em 1968, entrei na faculdade em 1969 e me alistei como voluntário da Infantaria do Centro de Preparação de Ofi-
ciais da Reserva-CPOR. Em 1970 fui convocado para servir no CPOR. Tudo bem, vou lá, tiro medida para fazer farda, tem o trote, faço teste físico, e acontece o convite para trabalhar na Editora Abril. Este convite aparece porque no Departamento de Documentação-Dedoc eu tinha um amigo que sabia da minha paixão por esporte, e que eu tinha mania de fazer arquivos. E tinha mesmo! Tenho até hoje material daquela época de basquete, Corinthians, Pelé etc. Eu não tinha a menor intenção de ser jornalista: queria fazer carreira universitária. Tinha vagamente a idéia de fazer uma tese de mestrado ou doutorado sobre futebol como fator de integração e não como fator de alienação porque era essa a visão que a esquerda tinha do futebol. Pois bem, vou até a Abril e sou entrevistado pelo Paulo Patarra, Hamilton Almeida Filho, Roger Karman, Maurício Azêdo... – foi o Maurício que me deu meu primeiro frila dentro da Abril, fazendo a seção de testes da última página da Placar – e o Cláudio de Souza, que foi quem criou o nome Placar. Passei na entrevista e avisei que tinha um probleminha: o
CPOR. Eles falaram que ou me livrava do CPOR ou o emprego não seria possível. Para resumir, o salário no Dedoc, na época, era alguma coisa na casa hoje de uns 3 mil dólares, um bom dinheiro para um moleque de 20 anos. Eu namorava desde os 15 anos, queria me casar, queria sair da minha casa porque eu temia muito que as minhas atividades subversivas colocassem em risco o meu pai, que era Procurador de Justiça, minha mãe e meus irmãos. Morria de medo de um dia o Doi-Codi levar todo mundo da minha casa. Então, falei: “É esta a chance!”. Nessa altura o Marighela já tinha morrido e eu fui conversar com o Joaquim Câmara Ferreira. Se ele não me liberasse, não tinha conversa. Ele me disse então a frase que eu publiquei no meu blog em sua homenagem: “Não tente resolver o problema dos outros antes de resolver os seus”. Ele sabia que não fazia sentido pegar um menino e submetê-lo a bucha de canhão. J ORNAL DA ABI – QUAL ERA EXATA ALN? Juca Kfouri – Eu era motorista, ajudei a tirar gente do Brasil. Um caso MENTE A SUA ATIVIDADE NA
“MORRIA DE MEDO DE UM DIA O DOICODI LEV AR TODO DOI-CODI LEVAR A MINHA C ASA. ENTÃO , F ALEI: “É EST A A CHANCE!” MUNDO D DA CASA. ENTÃO, FALEI: ESTA muito difícil foi o do Carlos Knapp, que tinha um problema na perna. Ele era o Washington Olivetto dos anos 60, tinha a melhor agência de propaganda de São Paulo, e uma Mercedes Benz que ficou com o Delegado Sérgio Fleury. Tirei muita gente também de dentro da Abril, como o Sérgio Capozzi, Jane Capozzi, um bando de gente. Este era o meu trabalho. Nunca peguei em arma e nem sequer andei armado. Entregava e levava coisas; enfim, era o que eu podia fazer com aquela idade. Tinha absoluta clareza, fruto da indignação da ditadura, e de minha formação familiar, porque a minha prima mais velha, Maria Moraes, que era a “ídola” da minha juventude, era também militante de esquerda, casada com Norberto Nering, que foi morto no Doi-Codi, durante a Copa do Mundo de 1970. O irmão dela, meu primo irmão João Carlos Kfouri Quartim de Moraes, mais conhecido como João Quartim, era professor de Filosofia da Usp e membro da VPR (Vanguarda Popular Revolucionária). Enfim, eu tinha essa formação. Meu pai era um liberal, um democrata, mas eu tinha muita influência desta prima e de meus primos, e achava que era indigno não fazer alguma coisa. Consegui sair do Exército graças ao meu avô paterno, Salomão. Eu tinha pedido para ser dispensado, e precisei falar que tinha entrado na Faculdade de Economia, o que era mentira. Sim, porque se eu dissesse a verdade no CPOR, que tinha entrado em Ciências Sociais, ia ficar um tremendo mal-estar. Eles me dispensaram do CPOR mas me mandaram para a PE, Polícia Especial. Eu, com 1,86 metro de altura, fiz teste de motorista fardado para dirigir caminhão da PE. Não passei no teste do caminhão porque o cara mandava mudar a marcha sem usar a embreagem. Não consegui. Meu avô Salomão era amicíssimo do gerente da Antarctica em São Paulo, o Senhor Bittar, que era avô de um fotógrafo famoso da Folha de S. Paulo, João Bittar. O Senhor Bittar fornecia refrigerantes e cerveja de graça para o Comando do I Exército. Ele pediu para o Major Ivan que me liberasse da PE, o que aconteceu em março de 1970. J ORNAL DA ABI – SÓ A LIBERAÇÃO JÁ FOI UMA AVENTURA !
Juca Kfouri – Ah, foi! A dispensa foi uma aventura... Comecei a trabalhar na Abril e fazia o Curso de Ciências Sociais à noite. J ORNAL DA ABI – M AS ELES NÃO SOUBERAM QUE VOCÊ ERA ESTUDANTE
CIÊNCIAS S OCIAIS ? Juca Kfouri – Souberam sim, e quando descobriram eu levei um esporro do tenente do CPOR, dizendo que eu tinha mentido. Eu falei que fiquei com medo de eles acharem que era coisa de esquerdista, mas eu queria muito fazer o CPOR mesmo. Eu tinha uma desculpa verdadeira porque meu pai tinha feito. Meu pai era oficial de Cavalaria. Então, eu dizia que era por isso. Eles engoliram meio sem engolir, tanto que não me
DE
dispensaram integralmente: mandaram eu me apresentar na PE, que era uma forma de me castigar.
“Surpreso, seu viadinho? Porque você é tão preconceituoso quanto seus colegas, que me impediram de ver Brasil e Romênia na Copa de 1970”. “Peraí, professor! Quem marcou a prova foi você, porra, não fui eu.” “Claro que eu marquei, eu sou desligado, não atinei que era o dia do jogo. Mas estava certo de que você ganharia aquela votação que você perdeu. Agora o problema não é esse, Juca. Saiba você que eu sou tão corintiano ou mais do que você, e que não acredito em sociólogo no Brasil que não tenha os fundilhos das cal-
afirmava para mim mesmo a minha intenção de seguir carreira universitária.
J ORNAL DA ABI – M AS VOCÊ NÃO JORNAL DA ABI – E COMO FOI TRAPASSAVA MAIS TEMPO NA P LACAR QUE ABRIL E ESTUDAR AO MESMO NO D EDOC ? TEMPO ? Juca Kfouri – Sim. Mas aí é a veJuca Kfouri – Bom, comecei a tralha história: apaixonado por futebol, balhar na Abril de dia e a estudar de noite. Um belo dia, ou uma bela noimoleque, metido, com uma turma mais velha... eles meio que me adote, o Professor Gabriel Cohn marca taram. Eu era da turma que achauma prova para uma quarta-feira. “Mas professor, quarta-feira tem va que a solução contra a ditadura era a luta armada, mas nessa altuBrasil e Romênia!”, eu falei. Era a ra a luta armada já era uma loucuCopa do Mundo de 1970. A classe me dá uma tremenda ra. Enfim, minha prática, minha militância vaia e o professor propolítica era muito mais põe resolver o caso de“SAIBA V OCÊ QUE EU SOU VOCÊ mocraticamente. Foi próxima daqueles gruTÃO CORINTIANO OU MAIS pos que saíram da luta naquele dia que eu DO QUE V OCÊ, E QUE NÃO VOCÊ, armada, mas que foram aprendi que a minha classe tinha 21 alunos, para o combate. Eu ACREDITO EM SOCIÓLOGO acabo entrando para o pois a votação deu 20 a NO BRASIL QUE NÃO Partido Comunista um 1 pela manutenção da TENHA OS FUNDILHOS prova. Acabou a aula, pouco antes da morte DAS CALÇAS PUÍDOS do Vlado, e muito pela eu saí da classe e peguei influência destes meus no braço do professor: PELA S ARQUIBANCADAS.” PELAS “Mestre, eu não venho colegas mais velhos. Na verdade eu sou fazer a prova. Eu vou convidado para ser Chefe de Reporças puídos pelas arquibancadas.” ver o jogo”. Olha, eu cursei Sociologia 1, 2, 3 e 4 com ele, e esta foi a única tagem da Placar para minha granNunca me esqueci desta frase! E ele de surpresa, pois eu nunca tinha continuou: “E você é tão preconceivez que o vi irritado. Irritadamente feito uma reportagem na vida! Platuoso quanto aqueles caras, porque ele falou: “Tudo bem, tudo bem, você vem na sexta-feira, pega uma clascar tinha baitas repórteres como nós passamos quatro anos juntos na José Trajano e Carlos Maranhão, o faculdade, Juca, e eu sabia muito se vazia e faz a prova sozinho”. Fique me faz perguntar para o Jairo bem o que você fazia, e você nunquei com fama de alienado. Para muita gente naquela época cada gol Régis: “Por que eu?”. Ele me diz: ca falou de futebol comigo. Você “Porque eu preciso de um cara orgatambém achava que futebol não do Brasil atrasava a revolução em nizado como você. Os macetes você era assunto para aquele espaço, que dez anos! Eu discutia com os caras, dizia que isso era um absurdo! Eu pega em 15 dias, alguns vão tentar nas Ciências Sociais não se falava te testar, e você é seguro o suficiende futebol.” dizia: “vocês estão permitindo que a ditadura roube da gente as coisas te”. Só que tinha uma coisa: na uniEsse cara, o Gabriel Cohn, é de almais íntimas. Ela já me invade, já versidade brasileira elitista, o curso guma forma responsável por eu ter de pós-graduação era só diurno. A virado jornalista. Porque no meu não tenho telefone em casa para não último trabalho, no quarto ano das ser grampeado, tenho medo de perua Abril incentivava seu pessoal a faCiências Sociais, mais ou menos Chevrolet porque o Doi-Codi usa, a zer extensões universitárias, até concomitantemente com o convidava bolsas. No meu caso, não precigente vive achando que está sendo te que eu vou receber para sair do seguido. Vocês estão malucos. Não sava de bolsa, que era na Usp. Então, Dedoc e ser Chefe de Reportagem da é assim! Quer dizer que o Hino do o melhor dia da minha vida era terPlacar, eu fiz um trabalho sobre ça-feira, quando eu não ia para Abril Brasil não pode me emocionar mais? Émile Durkheim com a arrogância Eu me emociono com Hino, e agora e passava o dia na Usp, porque meu de um moleque de 23 anos, cujo não pode mais? O Hino brasileiro é trabalho, naquela altura já como getítulo era Émile Durkheim, um conrente do Dedoc, me permitia isso. o Hino da ditadura? Não! Eles nos servador, e esculhambava com ele, usurparam isso tudo.” Todo mundo achava glorioso eu esesculhambava, esculhambava. O Em 1971 foi pior. No Pan-Ametar na Usp. Era impossível fazer isso Gabriel corrigiu o trabalho e fez uma na Placar porque ela fechava na ricano de Porto Rico, Brasil e Cuba observação. Ele deu 9,5 e me disse: fizeram a decisão do basquete. madrugada de domingo para segun“Você tem certeza de que não quer Quando eu falei para os caras que eu da, e segunda era folga. Na terça-feira ser jornalista?”. Eu perguntei o poro Chefe de Reportagem pegava as ia torcer para o Brasil, teve gente quê e ele disse que “Isso aqui é muiquerendo me matar. Imagina torcer pautas, distribuía, cobrava as coisas to mais uma resenha de um jornacontra a ilha do “Comandante”! em andamento... como eu poderia lista que um trabalho acadêmico. Se faltar às terças-feiras? Aí me vi na Bom, 12 anos depois do caso da isso aqui fosse um pré-trabalho de fatídica prova do Professor Cohn, encruzilhada. Vou ter que definir o mestrado, ou coisa que o valha, em 1982, vivíamos o Governo Franque fazer na vida, se eu vou ser jorvocê seria arrasado. Quem é você nalista ou seguir carreira acadêmico Montoro, primeiro governador para escrever assim?.” eleito em São Paulo em muitos anos. ca. Percebi que estava indo para o Isso aconteceu em novembro de O Diretor do Arquivo do Estado era lado do jornalismo e fiquei. 1973. Em março do ano seguinte eu o Professor José Sebastião Witter, que JORNAL DA ABI – VOCÊ JOGOU BASjá estava fazendo pós-graduação eu havia conhecido quando ele era QUETE SÓ COMO ESTUDANTE ? em Política, e decidido a seguir carreira professor da Escola de Altos Estudos Juca Kfouri – Joguei basquete no universitária. E o Dedoc da Abril era da Universidade de São Paulo-Usp. Clube Atlético Paulistano durante um lugar absolutamente adorável Ele me telefona, eu já era Diretor da quatro anos nas categorias Infantil de se trabalhar porque o que menos Placar, e me diz: “Estamos reunine Juvenil. Joguei seis meses no time tinha ali era jornalista. Tinha gendo um grupo de pessoas para fazer principal e parei de jogar basquete te formada em História, Economia, uma enciclopédia do futebol brasino dia em que o Corinthians foi Letras, e malucos como o Zago, a Ireleiro. Te interessa participar?” “Nosjogar no ginásio do Jardim América de Cardoso, o João Guizzo – que foi sa, se interessa!” “Então vamos nos e ganhou da gente de 135 a 60. No um dos que a gente teve que tirar do reunir quarta-feira às 10 da manhã”. banho logo depois da partida, me dei Brasil –, Celso Ming; enfim, aquilo Quarta-feira, 10h20, quem entra na conta que aquela não era a minha ali era uma microuniversidade. Tosala? O Professor Gabriel Cohn. praia. Enquanto era juvenil, tudo dos tinham interesses variados que Fazia tempo que eu não o via. “Mesbem. Mas o time do Corinthians, não se esgotavam nas revistas da tre, que surpresa vê-lo aqui!”. Ele foi para você ter uma idéia, tinha VlaAbril. Aquele meu trabalho só reentrando na sala e me disse assim: BALHAR NA
mir, Peninha, Rosa Branca, Amaury, Ubiratan, Renê, Edvar... era um puta de um time! Eu falei: “Não dá”. O Amaury não gosta do que eu vou contar, e ele inclusive nega peremptoriamente esta história, mas eu estava lá, e não tenho a menor dúvida de que a história é verdadeira. Fui eu que senti. Somos amigos hoje, ele é meu ídolo, mas o Amaury diz que é mentira. É o seguinte: Eu jogava de ala e no primeiro tempo estava na zona de marcação do Vlamir, que só ficava rindo à distância e dizia para mim: “Levanta mais o punho, quebra o pulso mais em cima” cada vez que eu ia chutar. E claro que eu errava! E o jogo seguia. Quando voltou para o segundo tempo, o meu técnico inverteu a minha posição e eu caí na zona do Amaury. Ele ficava falando baixinho pra mim: “Larga a bola, viadinho, larga a bola, viadinho, eu sou Amaury Pasos, viadinho”. Eu saí do jogo indignado com ele! O Vlamir me tratou tão bem e o Amaury me tratou desse jeito. Mas meu técnico disse que eu estava muito enganado, que o Amaury me tratou com respeito, que ele me tratou como adversário, o Vlamir me tratou como aluno, como criança. Quer dizer, em última análise do ponto de vista da ética esportiva, quem estava certo era o Amaury. Só que o Amaury não acha isso, fica puto cada vez que eu conto isso. Ele fica bravo, diz que isso não é verdade, e eu falo: “Amaury, eu não ia inventar esta história, eu estava lá.” J ORNAL DA ABI – D O BASQUETE PARA A SOCIOLOGIA , DA SOCIOLOGIA PARA O JORNALISMO ?
Juca Kfouri – Isso. Com uma interrupção subversiva que eu mantive como uma operação clandestina até o dia em que o Partido Comunista Brasileiro foi legalizado. Neste dia, eu fui ao Congresso me despedir dos companheiros e decidi que tudo aquilo não me interessava mais. Caí fora e nunca mais me filiei a partido nenhum. Uma coisa meio bizarra, que eu só fui saber um tempo depois, é que eu fui o mais jovem membro do Comitê Estadual não só de São Paulo como no Brasil também. Eu era clandestino, meu codinome era Bira, só que eu aparecia na televisão. Eu ia para os encontros, Congressos, de olhos vendados, subterrâneos, e todo mundo sabia quem era o “Bira”. O pessoal aqui de São Paulo era tachado de ala italiana do Partido Comunista, os eurocomunistas. Então, criávamos mil casos porque, imagina, o Rodolfo Konder era da minha base, ele se insurgiu contra a invasão da TchecoEslováquia; enfim, vivia sendo suspenso, uma delícia. (risos) JORNAL DA ABI – NA PLACAR VOCÊ SE SENTIA EM CASA ?
Juca Kfouri – Eu estava tão em casa que cometi um erro que nenhum jornalista deve cometer: o de achar que aquilo tudo era meu. Aquela coisa que a gente tem de se entregar de corpo e alma, de vestir a camisa. A Placar era minha casa. Jornal da ABI 364 Março de 2011
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JB SCALCO
DEPOIMENTO JUCA KFOURI
JORNAL DA ABI – VOCÊ FALAVA QUE ERA SEU FILHO MAIS VELHO .
Juca Kfouri – Veja bem, eu entrei na Abril com 20 anos de idade e saí com 45. Durante 25 anos fiquei na Abril todos os dias. Quando eu saí da empresa, eu tinha de Abril mais tempo do que eu tinha de vida quando entrei na Abril. Naquela época de ditadura, o exercício da imprensa era exercício da resistência. Além do trabalho profissional, eu ajudava o Milton Coelho, ajudava o Raimundo Pereira a fazer o Movimento, eu trabalhava de madrugada com o Serjão Gomes na Oboré fazendo jornal sindical com Elifas Andreato, com Laerte. A gente fazia o jornal do PMDB, ia para as convenções do PMDB no litoral norte com o Doutor Ulysses Guimarães e com a bandidagem do PMDB, que ainda era MDB, ou já era PMDB? Não sei precisar exatamente em que ano foi. Só para dar uma idéia da confusão que eu fazia, da mistura que eu fazia na minha cabeça entre a Abril e a minha vida particular, vale relembrar o seguinte: Roberto Civita comprou do Richard Civita a parte dele na Editora Abril. Foi quando houve a separação: o Richard ficou com os fascículos, da Abril Cultural, e o Roberto ficou com a editora. Mas a editora valia mais que a Abril Cultural, portanto o Roberto tinha que pagar a diferença para o irmão. E era uma montanha de dinheiro em pouco tempo. Aconteceu de um Diretor da Placar me chamar para a reunião dos Diretores de Redação e dizer: “Olha pela primeira vez na história da Abril o salário não vai sair no dia 15 porque eles estão sem caixa. Avisa o pessoal, controlem a ansiedade de seus times porque o salário vai atrasar”. Foi então que eu propus que a gente abdicasse dos nossos salários por um tempo, até que o Roberto pagasse a dívida para o Richard, e que depois ele nos pagaria. E a minha proposta quase passou. Alguém, que eu não me lembro, disse: “Peraí, vocês estão malucos! Isto não é profissional, não. Vamos encarar que é uma dificuldade, vamos segurar, mas abdicar de salário? Vocês estão malucos?” Chegou a esse ponto a minha relação apaixonada com a Abril! JORNAL DA ABI – VOCÊ CHEGOU A TER VICTOR CIVITA , NÃO? Juca Kfouri – Eu conheci Seu Victor, ele tinha esta coisa paternalista, coisa italiana, um pouco mafiosa de que somos todos do mesmo time. O Richard já era um cara mais distante. O Roberto tentou ser igual ao Seu Victor mas nunca conseguiu, não tem o carisma do Seu Victor, que era essencialmente uma figura muito carismática, em todos os sentidos. CONTATO COM O
JORNAL DA ABI – A PLACAR COMEÇA EXCLUSIVAMENTE COMO REVISTA DE FUTEBOL , SE TRANSFORMA EM REVISTA ESPORTIVA E VOLTA A SER DE FUTEBOL ?
Juca Kfouri – Ela nasce como uma revista de futebol, em seguida aparece o Emerson Fittipaldi e ela começa a cobrir também Fórmula 1, dava umas tacadas em outros esportes
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em épocas de Olimpíadas e PanAmericano ou em momentos de conquistas do Brasil. Ela segue como revista de futebol até 1983 quando, por imposição do Roberto Civita, ela passa a ser Placar todos os esportes, que era uma tentativa de fazer a Sport Illustrated no Brasil, mas que não deu certo. Logo voltou para ser eminentemente uma revista de futebol. JORNAL DA ABI – A REVISTA COMEÇA A SER INVESTIGATIVA, ATÉ DE DENÚNCIA . I STO FOI UMA COISA SUA ?
Juca Kfouri – Na verdade, a revista já tinha feito coisas investigativas antes mesmo de eu chefiar a reportagem. A Placar já tinha feito uma série de matérias que derrubou o Wadih Helou da presidência do Corinthians, porque tinha um time de jornalistas muito bons, e não especificamente jornalistas esportivos. Mas o grande marco que fez da JB SCALCO
Placar uma revista investigativa foi a matéria sobre a Máfia da Loteria Esportiva, em 1982. Ela foi o resultado de uma investigação de um ano, feita sem o conhecimento da Editora Abril, com enorme investimento e um enorme resultado. É uma das coisas mais gratificantes profissionalmente da minha carreira, porque quando eu comuniquei ao meu chefe, Thomaz Souto Corrêa, que nós tínhamos uma bomba na mão e que ia causar um grande escândalo no Brasil e, certamente muitas ações judiciais, ele mesmo antes de ler falou: “Tudo bem, você vai levar esta matéria para o Dr. Edgard de Silvio Faria”. O Dr. Edgard era o Diretor responsável da Veja, um zagueiro dos tempos da censura da revista, uma pessoa que se sentava sem encostar as costas na cadeira. Nunca vi ninguém ter uma postura tão ereta quanto ele! Olhos claros, azuis, que te olhavam lá dentro e sabiam que você não simpatizava com ele. Embora eu não tenha nenhuma queixa dele, ao contrário: comigo ele sempre foi muito direito, muito leal. Eu levei para ele, não sei dizer quantas laudas, mas me lembro bem da chamada de capa: “13 páginas que vão abalar a história do futebol brasileiro”. Uma matéria de 13 páginas na Placar! Sei que sentei com ele, entreguei algo em torno de 150 laudas, e lhe expliquei que o repórter Sérgio Martins estava lá
ANDRÉ BOCCATO
Três momentos típicos do jovem Kfouri: Em sua sala, na Placar, com cartazes dos craques da Seleção Brasileira e do inesquecível time do Flamengo de 1981, e uma gozação ao Partido Popular, criado por banqueiros em 1982; com os filhos Camila (no colo), Daniel e André durante evento que comemorou os 40 anos do Pacaembu; e no Vale do Anhangabaú, em São Paulo, chamando a população para o comício das Diretas Já.
embaixo à disposição. O Dr. Edgard sentou-se com a pilha de laudas e não piscava o olho, não olhou para mim nenhuma vez, não levantou para fazer xixi, não tomou um copo d’água, nada. Ele acabou de ler, e disse: “É a melhor coisa que eu leio nesta editora em muitos e muitos anos. Parabéns! Você me permite fazer três considerações?” Eu falei “Dr. Edgar, à vontade”. Ele respondeu: “Aqui onde está escrito editor do jornal O Liberal de Belém, Horácio Mayorana, tira o nome dele, mantenha apenas O Liberal porque os acionistas da companhia podem se insurgir contra o fato de ter dado o nome da empresa além do nome do jornal”. Enfim, eram apenas três alterações deste tipo. Em vez do nome do hotel, diga, “um hotel no centro do Rio de Janeiro”, essas coisas. A partir daí a Placar entrou muito nessa linha de investigação, das coisas da CBF. Tomamos com a matéria da Loteria Esportiva os pro-
cessos que estavam previstos. Foram mais de trinta, num universo de 125 pessoas denunciadas. Ganhamos todos. E tivemos que dar um direito de resposta para o jogador Samarone. J ORNAL DA ABI – EM CONTRAPARTIDA A ESTA MATÉRIA, QUE É MUITO MAIS SÉRIA , VOCÊ SE ORGULHA DE UMA MA TÉRIA SOBRE OS PÉS DOS JOGADORES ...
Juca Kfouri – Era neste tipo de coisa que o Jairo Régis pensava quando dizia que eu podia ser sabotado. Porque eu era moleque, comunista, aluno de Ciências Sociais, que ia tratar com jornalistas já aprovados, experientes e tudo mais. A história é a seguinte: eu, Chefe de Reportagem da Placar, pela primeira vez na minha vida vou ao futebol credenciado. Pela primeira vez na minha vida entro no vestiário do Pacaembu, num jogo de futebol. No vestiário do Corinthians. Além de toda a novidade, me chamam a atenção os pés massacrados dos jogadores. Olhos de peixe, calos, falta de unha, e o cacete. Aí vamos para reunião de pauta depois do fechamento no domingo de madrugada, e eu proponho fazer uma reportagem sobre os pés dos jogadores de futebol, que me impressionaram muito. A gargalhada é geral. “Juca, você acha o quê? O cara chuta bola, tem o pé pisado, e você queria pé de bailarina?” Todos riam. Depois descobri que pé de bailarina também é maltratado, mas essa é
outra história. Eu fiquei aterrorizado. Na terça-feira, deixo pra lá esta história dos pés e começo a expedir as pautas para cada repórter. O José Maria de Aquino chega pra mim e pergunta: “De que jeito você quer que eu faça esta matéria?”. Eu respondi: “Você sabe, não sacaneia, você sabe melhor do que eu”. Ele fez a matéria, mas a matéria não era exatamente o que eu queria. Era muito melhor. Mas eu falei para ele: “Não era essa a matéria que eu queria”. Pronto: ele nunca mais me perguntou como é que eu queria a matéria. Fui ganhando mais segurança, passei a dizer como é que eu queria as matérias, como é que eu não queria, mas na semana seguinte aquela história dos pés dos jogadores ficou me remoendo. Aí caiu a ficha mais óbvia: este pessoal não se dá conta de como os pés dos jogadores são impressionantes porque para eles isso é absolutamente normal. Já para o torcedor, que nunca entrou num vestiário, é uma coisa absolutamente desconhecida. Insisti, voltei a insistir. Houve uma certa rejeição, mas o Edil Vale Júnior, Chefe de Redação, achou que eu estava certo. Resumo desta ópera: fizemos esta matéria com o título “De quem é este pé?”. Era o pé do Pelé, em cima de uma bola. A matéria ganhou prêmio, e o São Paulo Futebol Clube imediatamente e montou um esquema de pedicure dentro do Mo-
“ LIGUEI E ELE FOI LOGO ME DIZENDO FILHO D A DIZENDO:: ““FILHO DA PUT A, V OCÊ NASCEU COM RAB O VIRADO PRA LU A. PUTA, VOCÊ RABO LUA. O BONI EST AVA INDIGNADO COM V OCÊ HOJE” ESTA VOCÊ rumbi para tratar os pés dos jogadores. Daí em diante, eu comecei a fazer coisas assim: “Eu quero uma matéria sobre os estacionamentos do Corinthians, do Palmeiras e do São Paulo para eu ver quem tem os melhores carros”. “Ah, você está louco!”, me respondiam. Impressionante: você descobria quem estava em melhor situação no campeonato pelos estacionamentos dos jogadores. Eu tinha uma visão de torcedor. Por exemplo, jamais admiti repórter setorista na Placar. Cada semana o repórter ia para um clube diferente, para não criar vícios, para não criar amizades que pudessem tolher sua liberdade. JORNAL DA ABI – DE UM LADO VOCÊ ERA O JUCA COMUNISTA, QUE QUER SA BER DO PÉ DO JOGADOR .
D O OUTRO
LADO VOCÊ TRABALHAVA NUMA DAS MAIORES EMPRESAS JORNALÍSTICAS DO
cisa falar bem, mas pára de falar”. Foi quando tive uma conversa com o Roberto Civita, na qual eu disse: “Estou te entendendo, você se orgulha, com razão, de ter derrubado o Collor num momento em que a Editora Abril estava frágil economicamente. De ter colocado uma bandeira do Brasil de cima a baixo no prédio da Abril na Marginal Pinheiros durante a campanha de impeachment do Collor. Se aquilo não acontece, ele não cai. Pois bem, o Ricardo Teixeira é o meu Collor”. Ele falou: “Não precisa falar bem, mas é o seguinte: metade da motivação de quem faz assinatura de tv fechada é futebol e a outra metade é filme. Se eu não tiver o futebol, não tenho nada”. Eu não concordei, fiz duas ou três transgressões, e na terceira, o Thomaz me chamou e disse: “Nós, Roberto e eu, não te vemos mais dirigindo a Placar”. “Um dia
RODOLPHO MACHADO
que se interessou e chegou a fazer proposta, mas quando souberam que o interessado era o Pelé, aumentaram o preço e o negócio não saiu. O imbróglio era o seguinte, queriam fazer aquele velho comunicado do tipo “o jornalista Juca Kfouri, depois de 25 anos de bons serviços prestados nesta Casa, em busca de novos desafios, nos congratulamos, e etc etc”. Não é por aí. Exigi que ficasse claro que eu estava saindo por divergências editoriais, e assim acabou sendo feito. O único comunicado da minha saída da Abril foi feito nestes termos. J ORNAL DA ABI – O NDE ENTRA A P LAYBOY NO MEIO DISSO TUDO ? Juca Kfouri – Eu assumi a Playboy em 1991 e a dirigi até o final de 1994, quando saio para relançar a Placar. Neste mesmo tempo eu trabalhava no Jornal da Globo. Na Globo, sim, era complicado porque vira e mexe eu dava minhas cotoveladas, e causava problemas. Fiquei na TV Globo de 1988 a 1994. JORNAL DA ABI – HAVIA ASSUNTOS DOS QUAIS VOCÊ NÃO PODIA FALAR ?
PAÍS , QUE SUPOSTAMENTE TEM VÁRIOS INTERESSES . C OMO ERA O EQUILÍBRIO DESTA RELAÇÃO ? Juca Kfouri – Dei a sorte de trabalhar numa empresa, durante 25 anos, cujo comando não dava a menor importância para o futebol, não entendia bulhufas de futebol, e jamais interveio em rigorosamente nada. Daí minha decepção quando eu saio. Porque eu, ingenuamente, repetia uma coisa que eu adorava ouvir o Roberto Civita dizer: “Quem manda na Editora Abril são os leitores, a Editora Abril não tem amigos, não tem anunciantes, tem como patrão apenas seus leitores. Eu passo 95% do meu tempo resolvendo problemas que a Veja causa para minha empresa, e 5% do meu tempo resolvo problemas menores que as outras revistas causam também, mas faz parte do jogo. A minha melhor defesa é poder dizer para quem me reclamar que eu não me meto em outros lugares da revista, e que vá falar com o diretor.” Eu repetia isso quase como um mantra, quando ia fazer palestras para estudantes. Aí a Editora Abril montou sua televisão, e quis comprar direitos de futebol. Mas os que vendiam direitos de futebol diziam: “Eu não quero vender nada para você, você tem uma revista que toda semana me enche o saco, que me denuncia, me critica, me chama de ladrão”. Um dia eles me falaram: “Não pre-
Juca Kfouri e Oswaldo Brandão no evento comemorativo dos 10 anos da revista Placar.
isto teria que acontecer”, respondi. “Chama o Fulano, que é Diretor de Recursos Humanos, faz as contas, me paga que eu vou embora”. “Você está maluco que você vai embora! Nós temos planos para você”, disse o Thomaz. “Mas eu não tenho mais planos para a Abril. Vou embora”, falei. Aí foi um drama, foram os piores 45 dias da minha vida. Primeiro eles me propuseram um ano sabático. “Pega seu cartão corporate, pega a Ledinha [Leda Orosco Kfouri], se manda pelo mundo e quando você voltar vai para Navarra fazer um curso para implantar novas mídias aqui”. Eu digo para ele: “Escuta, nós tínhamos acabado de relançar a Placar, Futebol, Sexo e Rock’n roll, que estava vendendo pra cacete, puta sucesso. Se você me chama e diz para mim assim: ‘Parabéns, três edições da nova Placar, um puta sucesso, chega de Placar para você, temos novos planos, queremos te dar um prêmio, você vai passar um ano com a tua mulher viajando pela Europa, e quando você voltar, outra vida’, eu topava na hora. Agora, prêmio de consolação eu não topo! [faz o sinal de banana com os braços] Chegou ao ponto de examinarem uma proposta de vender a Placar para mim. Quase fui sócio do Pelé,
Juca Kfouri – Nunca. Te conto exatamente as crises maiores, o que eu não pude falar, porque são jeitos engraçados e diferentes de resolver as coisas. Primeiro, deixar claro, a Globo pra mim era bico, quase um hobby. Isto era muito claro para a TV Globo. Eu não faria nada na Globo que atrapalhasse meu trabalho na Abril. Eu fui surpreendido pelo convite para trabalhar na TV Globo exatamente pelas minhas características. Armando Nogueira um belo dia me chama com estas palavras: “Precisamos ter uma cara inteligente no esporte, quero que você venha fazer o Jornal da Globo e comentar junto.” Lá fui eu. O Armando era claro. No ato da contratação, ele me falou: “Quero que fique claro pra você que estou aqui para defender os interesses do Doutor Roberto Marinho e das Organizações Globo. Então, procure evitar de falar de João Havelange, que é muito amigo do Dr. Roberto. Se tiver que falar me consulte antes para a gente ver de que jeito.” Tudo bem. Diferente dos termos da Editora Abril. É uma coisa profissional, que você aceita ou não. Toquei minha vida, falando as coisas que eu queria. Um belo dia, o Presidente da Federação Paulista de Futebol, Eduardo Farah, mandou uma carta para o Armando, dizendo: “Eu não entendo. Vocês compram a preço de ouro o Campeonato Paulista e o colunista de vocês esculhamba a competição, dizendo que ela não tem a menor importância”. O Armando me telefonou: “Juca, estou te mandando uma carta que recebi do Farah. Te peço para você responder, mandar de volta para mim, para eu assinar. Eu acho que você responderá melhor do que eu. Faço questão de que você diga que aqui na Rede Globo há uma clara separação entre a compra de direitos e o jornalismo”. Escrevi uma carta para o Farah, em nome do Armando, me defendendo. Esta foi a primeira.
Tempos depois houve uma briga do Ayrton Senna com o Balestre, Presidente da FIA. Eu não me metia em Fórmula 1, mas a briga estava acesíssima, e eu fiz um comentário dizendo que o Senna inevitavelmente teria que recuar porque ele era muito moço ainda para correr na FIndy, que era o que acabaria acontecendo se ele peitasse o Balestre. No dia seguinte, o Armando me telefona: “Juca, você gosta de Fórmula 1?”. “Você sabe que não”, respondi. “Você entende de Fórmula 1?”, ele retrucou. “Um pouco, né, Armando?”. “Então vamos combinar uma coisa: deixa que o Galvão Bueno e o Reginaldo Leme falem do assunto. Estamos aqui ofendidíssimos porque você fez uma gozação com Ayrton Senna. Então, não te mete nisso, tá?” Mas o melhor dos episódios com a Rede Globo deu-se exatamente às vésperas da Copa de 1990, já sem o Armando Nogueira, e com o Alberico de Souza Cruz de Diretor de Jornalismo. O Flamengo havia entrado na Justiça comum contra uma mudança de estatuto que o Ricardo Teixeira havia feito na CBF. A Fifa chamou o Ricardo Teixeira e disse a ele que ou o Flamengo tirava a ação da Justiça ou o Brasil corria risco de ser tirado da Copa da Itália. Nesta época, a Rede Globo era na Praça Marechal Deodoro [em São Paulo] e eu gravava meu comentário para o Jornal da Globo, que era apresentado pelo Eliakim Araújo e pela Leila Cordeiro. Entro no estúdio para gravar meu comentário com o Jornal Nacional ainda no ar, e ouço o Joelmir Betting dizendo ao vivo: “Está na hora do Senhor Márcio Braga abdicar de suas questões pessoais com o Presidente da CBF e retirar esta ação da Justiça porque o Brasil correr o risco de não participar da Copa do Mundo é um assunto muito sério. Boa noite.” Acaba o Jornal Nacional, apagam as luzes, o Joelmir me vê e diz pra mim, com ironia: “Assinado, José Bonifácio de Oliveira, o Boni”. E eu falei: “Não, assinado Joelmir Betting. Se as pessoas que estão te vendo achassem que é uma determinação da Casa, o Cid Moreira ou o Sérgio Chapelin que lessem, e não você. Quando você entra, é a sua cara. E o pior é que você está errado, porque o Flamengo não vai recuar. A CBF vai recuar, a Fifa vai recuar”. “E como você sabe, Juca?”. “Este vai ser o meu comentário para o Jornal da Globo”, respondi. “Faço questão de ver”, me disse o Joelmir. E eu fiz o comentário, dizendo que “a Fifa não sabe a confusão que armou para si mesma: o Presidente do Flamengo, Márcio Braga, com quem conversei, está indo ao Tribunal de Haia contra a Fifa por ter se metido numa questão local entre a CBF e o Flamengo. É direito constitucional no Brasil ir à Justiça comum para qualquer caso, e o Presidente do Flamengo quer discutir isso internacionalmente. É tudo o que a Fifa não pode admitir porque certamente o Tribunal de Haia dará razão ao Flamengo e o poder imperial da Fifa começará a ruir ”. Eu acabo de fazer este comentário e o Jo-
elmir vira pra mim e diz: “De duas, uma: ou este comentário não vai pro ar, ou é seu último comentário na TV Globo”. Fui embora pra casa e falei pra Ledinha que não podíamos perder o Jornal da Globo, pois poderia ser minha última participação. Perto da meia-noite, terceiro bloco, entro, faço o comentário, volta para o estúdio, tudo numa boa. Resolvi telefonar para o Editor de Esportes do Jornal da Globo, que era o meu chapa Marcelo Matte, que hoje é Diretor da Globo de Belo Horizonte. Minha idéia era ligar pra ele e dizer: “Vamos embora os dois amanhã, porque você colocou esta merda no ar.” O problema é que quando eu telefonei fiquei sabendo que o Marcelo não tinha ido trabalhar naquela noite, pois o neném dele estava com algum problema e tinha ido para o pronto-socorro. Cacilda! Com a ausência do Marcelo imaginei que ninguém tinha checado meu comentário. “Amanhã vai dar merda”, pensei. No dia seguinte, chego na Abril às 10 da manhã e minha secretária, Rita, logo me diz que o Alberico tinha ligado. Correu o dia, não consegui retornar o telefonema, fui almoçar, e quando voltei ele tinha ligado de novo. Liguei e ele foi logo me dizendo: “Filho da puta, você nasceu com rabo virado pra Lua. O Boni estava indignado com você hoje, ligou e perguntou para mim quem esse Kfouri acha que é para ir contra a posição da Globo!”. Então eu perguntei pra ele: “Por que você diz que eu tenho o rabo virado pra Lua se eu perdi meu emprego?” E o Alberico respondeu: “Não, você não viu as notícias da tarde? A Fifa recuou e mandou a CBF se entender com o Flamengo. O Boni ligou pra mim agora há pouco e falou que o Kfouri nos salvou. Parabéns!” Fica a lição que eu sempre falo para a garotada: não há nada como uma notícia bem colhida. Mesmo que contrarie os interesses da empresa para a qual você trabalha, porque a verdade acaba prevalecendo. Desde que você não faça uma provocação, não use um adjetivo, nunca chamei o Ricardo Teixeira de coisa nenhuma, nem a Fifa, nada. Apenas vai acontecer assim, e aconteceu assim. Na Rede Globo eu trabalhava com as minhas cautelas sem deixar nunca de pontuar as coisas que eu achava essenciais. Nunca! Houve crises, houve dias em que me tiraram de jogo como reprimenda ao que eu tinha dito na noite anterior, mas isso era muito mais o pessoal do segundo escalão do que do primeiro. São os que interpretam a cabeça do rei. São mais realistas que o rei, que pensam como o Doutor Roberto Marinho pensaria e tentam interpretar a cabeça do Doutor Roberto. Isso é que criava problemas. Saí da Globo porque quis, por causa do relançamento da Placar que ia me tomar um tempo maluco, e era justamente na época em que eu estava fazendo o Jornal da Globo ao vivo, com a Lilian Wite Fibe, às duas da manhã. E eu tinha que chegar na Abril às 10 horas e não estava agüentando. Jornal da ABI 364 Março de 2011
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Juca Kfouri no primeiro programa de tv que participou, em 1982. Abaixo, ao lado de João Saldanha num debate para o jornal Voz da Unidade do PCB.
DEPOIMENTO JUCA KFOURI
O INCRÍVEL E GENIAL JOÃO RATH “Ele punha os dois pés em cima da mesa e datilografava conversando com você. Tirava a lauda e não tinha um erro.” J ORNAL DA ABI – HÁ UM EPISÓDIO DIFÍCIL DE SUA CARREIRA, QUANDO VOCÊ ASSUMIU A
P LACAR E PRECISOU DEMI -
TIR UMA PESSOA QUE ADMIRAVA .
Juca Kfouri – Este é o episódio mais traumático da minha vida profissional. J ORNAL DA ABI – M AIS DO QUE A SAÍDA DA A BRIL ? Juca Kfouri – Mais do que a saída da Abril. Se você me perguntar se eu conheci um gênio na sua vida, vou te dizer que devo ter conhecido diversos, mas se puder escolher só um, eu diria João Rath. Ele era um jornalista gaúcho, trabalhou com Leonel Brizola, foi pro Rio de Janeiro e um belo dia apareceu na Placar, levado por Milton Coelho da Graça e por Jairo Régis. Cabelo branco, comprido, parecia um pajem, meio gordo, manso, ele punha os dois pés em cima da mesa e datilografava conversando com você. Tirava a lauda e não tinha um erro. Ele escrevia no quadro-negro com as duas mãos, gostava de tango. O Nelsinho Silva, Chefe da Sucursal da Veja no Rio de Janeiro e muito amigo do Azêdo, contava que um dia, em Buenos Aires, ele e o Rath foram para uma tangueria dessas autênticas, de raiz, e ficaram horas vendo os velhinhos cantando. E o João Rath acompanhando tudo. Quando deu umas quatro da manhã, os velhinhos vêm à mesa e dizem para ele: “O senhor não pode ser brasileiro. O senhor cantou dois tangos gravados pela última vez em 1922, que ninguém conhece, que meu avô me ensinou, e que o senhor não poderia conhecer.” Mas o Rath conhecia. Outra história dele: no meu último ano de faculdade fui fazer um trabalho sobre a Primeira República e pus em epígrafe uma frase do Graciliano Ramos que pouca gente conhece, que diz assim: “Naquele tempo os rádios não anunciavam o resultado dos jogos entre Flamengo e Vasco porque não existia rádio, nem Flamengo nem Vasco”. Eu pus isso no meu trabalho e o Professor Brás, de Política, que já morreu, me perguntou: “O que é isso?”. “Isso é do Graciliano Ramos”, respondi. E ele me disse: “Nós somos uns cretinos, né, Juca? A gente lê muito ensaio, muita sociologia, muita política, eu não conheço isso, que é maravilhoso”. Ele pediu que eu o ajudasse na organização de uma Semana de Literatura na Faculdade, onde começaríamos com Graciliano Ramos. Começo a pesquisar o assunto e descubro que a grande autoridade em Graciliano Ramos em São Paulo é o Professor Antônio Cândido, da Faculdade de Letras da Usp. Estavam acabando de relançar as obras de Graciliano, todas com prefácios feitos pelo Antônio Cândido.
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Como eu era muito amigo de uma discípula dele, Walnice Nogueira Galvão, ela me arrumou um encontro com Antônio Cândido na casa dele. Vou até lá convidá-lo para a tal Semana de Literatura, e ele me diz que adoraria fazer, mas que estaria em Paris naquelas datas. Mas me dá uma dica: “Tem um cara que eu não sei quem é exatamente, mas acho que é seu colega, jornalista, que sabe mais de Graciliano do que eu. Ele me enviou uma carta maravilhosa analisando meus prefácios”. O Antônio Cândido foi então pegar a carta de umas dez folhas manuscritas. Quem assinava a carta? João Rath! O Professor Antônio Cândido em pessoa me disse que o João Rath conhecia mais Graciliano Ramos que ele. Eu fui falar com o João: “Você é um canalha, você está sabendo que eu estou querendo fazer este troço, e nem me fala nada!”. “Mas não vou nem morto”, me responde o João. Ele era assim. Às quintas-feiras, o João ligava o rádio baixinho na Redação para ouvir as corridas do Jóquei aqui em São Paulo, e com dez segundos de corrida ele falava quem ia ganhar. E invariavelmente ganhava. Uma figura de outro mundo. Eu me separei do primeiro casamento sob administração do João Rath, Chefe de Redação da Placar e eu Chefe de Reportagem. Ele me dizia: “É sofrido, mas vai chegar um dia que você vai ter mais saudades de um armário que você deixou do que do casamento”. Eu estava deixando minha mulher, com quem namorei desde os quinze anos, e dois filhos. E não é que num belo dia eu me dei conta de que ele tinha razão? JORNAL DA ABI – E COMO FOI ESTA DEMISSÃO ?
Juca Kfouri – Em 1979, acaba a greve dos jornalistas, da qual eu participei como Diretor de Sindicato que era, como líder do piquete da Editora Abril, que não precisou de piquete porque foi a única empresa que teve adesão de 100%, como só poderia acontecer numa empresa que pagava melhor e que tinha o pessoal mais consciente. Tinha gente sendo demitida por tudo quanto é canto, maior depressão nas Redações de São Paulo. O Milton Coelho, publisher do Grupo Masculino de revistas, me chama e diz: “O Jairo Régis está indo ser dono de distribuidora da Abril em Vitória e você vai ser diretor da Placar”. Eu falei pra ele: “Miltinho, você está maluco? Acabei de liderar uma greve.” E ele me respondeu que o Roberto já estava a par, e que era pra eu subir pra conversar com ele. Entro na sala do Roberto, uma pessoa nesta altura com quem eu já tinha nove anos de convivência e intimidade: “Roberto, você endoideceu? Por quê?” E ele me respondeu:
“Tenho certeza de que você vai dirigir a Placar com a mesma gana com que você participou desta greve maluca que vocês inventaram. Parabéns, conto com você!” E assim eu comecei a dirigir Placar. João Rath, até então meu chefe, vai à minha sala e diz: “Juca, eu não esperava isso de você. Chamaram você para fechar a revista.” E eu respondi que de jeito nenhum, muito pelo contrário, que tinham me chamado para eu tocar a revista. João teimava que era para fechar, eu insistia em que não, e no meio da discussão disse a ele: “João, como é que eu posso ter um Chefe de Redação que acha que eu estou aqui para fechar a revista? Você está louco?”. Ele respondeu: “Você está me demitindo?”. E eu disse: “João, jamais passou na minha cabeça um negócio desses, mas com as coisas postas nestes termos o que você me aconselha? Você acha que eu posso trabalhar com alguém que acha que eu estou aqui para fechar a revista?”. Ele simplesmente disse “entendi”, levantou-se, foi embora e nunca mais voltou. Demiti. Pus o Celso Kinjô no lugar dele. Dois dias depois, estou trabalhando, começo a sentir uma pulsação no abdômen. É uma sensação cada vez mais forte de estrangulamento, pego o meu carro e corro para o hospital. No caminho, a sensação volta mais duas ou três vezes e eu tenho até de parar o carro para estender a perna. Chego no Hospital São Luís, no Itaim, explico o caso para o Dr. Vanderlei, que me manda deitar. Fico lá quinze minutos, vinte minutos, meia hora, e o médico me diz que eu não tenho nada. “Como, nada?” O Dr. Vanderlei me pergunta: “Juca, você teve alguma contrariedade, alguma emoção nestes últimos dias?” Respondi que sim, que tive que mandar embora o cara pelo qual eu tinha a mais profunda admiração. Ele me diz: “Você já teve palpitação na pálpebra?”. Pois é, você está tendo a mesma coisa na região do abdômen. Passa na farmácia, compra um calmante e toma a metade que passa.” Eu, que nunca tinha tomado calmante na minha vida, dormi 18 horas seguidas! Fui dormir às 10 da noite naquele dia e acordei às 6 da tarde no dia seguinte. Eu brinco sempre dizendo que tive uma “palpitação rathiana”. Depois ele foi para O Globo, brilhou no Globo. Morreu jovem, teve um câncer. É uma das coisas que eu lamento porque a gente nunca mais se viu, nem se falou. J ORNAL DA ABI – V OCÊ ESCREVEU P LACAR FEZ
UM EDITORIAL QUANDO A
18 ANOS QUE CONTA UM POUCO DA SUA ADMIRAÇÃO PELO R ATH . Juca Kfouri – Sim. Não tinha lembrança, mas fiz isso, sim. Mas os dois maiores orgulhos das coisas que fiz na minha carreira como jornalista são uma coluna do João Saldanha intitulada “Pois é isso, Juca”, que está ali pendurada na parede, e a matéria que eu fiz para a Playboy em que eu descubro a identidade do Carlos Zéfiro.
DIVULGAÇÃO TV RECORD
ACERVO PESSOAL
JB SCALCO
Dois flagrantes em 1982: Juca conversa com Kroll, jogador da Holanda, durante a Copa. Abaixo, ele troca olhares com Danuza Leão ao lado de Ricardo Amaral na Festa do Esportista do Ano de Placar que homenageou Zico.
“ PEÇO DESCULP AS, COISA E T AL, ELE SE A CALMA E COMEÇA DESCULPAS, TAL, AC ALO BAIXINHO NO OUVIDO A MOSTRAR AS FOTOS. AÍ EU F FALO DELE: “SENHOR ALCIDES, O SENHOR É O ZÉFIRO?”
A IDENTIDADE SECRETA DE CARLOS ZÉFIRO “Se tivesse que escolher uma coisa que eu tenha feito na minha vida de jornalista, seria esta a matéria” J ORNAL DA ABI – V AMOS ENTÃO PLAYBOY. NÃO SEM ANTES CITAR AQUELA FAMOSA PIADA MACHISTA : QUEM EDITA A P LAYBOY AINDA ACHA JUSTO GANHAR SALÁRIO ? Juca Kfouri – A Redação da Playboy é tão engraçada ou tão sem graça quanto a Redação da Quatro Rodas. Do mesmo jeito que na Redação da Quatro Rodas você não encontra ninguém com mão cheia de graxa, cheirando a gasolina, também na Playboy não tem coelhinhas servindo champanhe pela Redação. Foi um tempo muito legal. Chego na Playboy em condições traumáticas com a morte do Mário [Escobar de Andrade], que era muito meu amigo. Herdo uma Redação que não era a minha, era montada por ele. FALAR DA
JORNAL DA ABI – POR QUÊ? Juca Kfouri – Fui para lá por uma série de razões: primeiro: o sonho de Mário Escobar de Andrade era que trabalhássemos juntos. Estávamos começando a trabalhar juntos no grupo de revistas masculinas da Abril. Quando ele morre, o Thomaz me chama e diz: “Lastimavelmente vamos realizar o sonho do Mário sem o Mário. Quem vai assumir a Direção de Redação de Playboy é você”. Me ocorre então fazer da Playboy uma revista também investigativa, de levantar a verdadeira identidade do [Carlos] Zéfiro. Deixo a idéia arquivada. É aquela velha história que o Nélson Rodrigues falou: “Sem sorte você não chupa nem um picolé”. Eu estava há 20 dias com esta coisa na minha cabeça, e me aparece um professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Moacy Cirne, bela figura, me propondo que a Playboy patrocinasse um estande de quadrinhos eróticos num festival de quadrinhos que a UFRJ ia fazer no Centro Cultural Banco do Brasil. Eu IGNÁCIO FERREIRA
falei: “Claro, prestígio para a Playboy, que publicava histórias em quadrinhos eróticas, de um argentino e de um holandês”. Aproveitei o assunto e disse ao Moacy que tinha grande interesse no Zéfiro. Ele me disse que seria dificílimo chegar até o Zéfiro, mas que ele tinha o contato do amigo do editor dele, que seria proprietário de um sebo nos Arcos da Lapa. Fui atrás desta pista. A história toda foi publicada na Playboy de novembro de 1991, onde eu fiz um “making of ” da matéria. Foi uma coisa tão enlouquecida que apareceu até um falsário no meio que chegou a levar o Jaguar na conversa. O Jaguar publicou a notícia como se esse falsário fosse realmente o Zéfiro, mas não era. Eu quase joguei a minha carreira fora com esta história, bom, quer dizer, estou exagerando um pouco. Na verdade eu vou falar com o tal editor do Zéfiro, que o Moacy me indicou. Ele se chamava Hélio Brandão, uma figura de quase 200 quilos, atrás de um balcão no sebo no Largo da Lapa, no Rio de Janeiro. Quando eu entrei no sebo, ele me reconheceu, porque eu fazia o Jornal da Globo: “Oi, Juca, gosto de você. Quer ver material de futebol?”. Sentei com ele e falei: “Na verdade, eu queria conversar com você sobre o Zéfiro”. Ele me disse para eu não perder meu tempo, porque o juramento que ele tinha feito com o Zéfiro era um pacto de sangue, ao estilo dos índios, coisa muito séria e que ele jamais revelaria a identidade do Zéfiro. E eu respondi: “Te agradeço muitíssimo, porque pelo menos já sei que ele está vivo. Eu vou descobrir.” Passou mais um tempo e o Moacy me liga com outra dica, sobre um tal de Eduardo Barbosa, um sujeito que veio da Bahia. Eu burro, idiota, levo o cara no Antiquarius. O Moacy foi junto. O sujeito me diz que é o Zéfiro, que tinha trabalhado com Samuel Wainer, tinha feito a Bíblia Ilustrada, e me fala também que precisava fazer uma operação, e que só toparia dar o depoimento em que a gente o identificasse se a Abril pagasse a operação dele. Eu falei que nem pensar, que a Editora Abril não pagava informação. No final das contas o sujeito tomou um porre no Antiquarius e saiu carregado. Mais tarde, passo lá no sebo, para ver se tirava mais alguma coisa do Hélio Brandão. Dei um golpe nele: “Porra, descobri o Zéfiro! É o Eduardo Barbosa”. Não o senti nem decepcionado nem entusiasmado. Me despedi. Estou na porta, ele fala: “Juca, Juca, vem cá, não devia fazer isso. Devia deixar você se fuder. Mas eu gosto de você, seu metiê não é esse, seu metiê é futebol, você é um cara diferente. Eu não vou te dizer quem é, mas não é o Barbosa. Barbosa fez coisa com o Zéfiro, trabalhou com
o Zéfiro, às vezes fez coisas em nome do Zéfiro, mas não é o Zéfiro. Eu não vou lhe dizer quem é o Zéfiro.” Dei uma bronca nele: “Porra, Hélio, assim não vale, aí é uma sacanagem. Você não me diz quem é, eu descubro quem é, agora você me diz que não é, eu fico com uma puta interrogação, eu fico achando que o senhor quer protegê-lo mais do que ele quer ser protegido. O senhor quer me levar à loucura! O senhor não me dá uma dica de quem é ele.” Fiz assim, como se tivesse ficado muito bravo, e ele me disse: “Vou te dar uma dica, que não vai te adiantar nada, mas ele é parceiro de uma das canções de maior sucesso da música popular brasileira. E passe bem!”. Eu perguntei se era parceiro conhecido e ele falou que não. Para azar do Hélio Brandão, a minha irmã, Maria Luiza Kfouri, que chamo de Mana, é uma das maiores pesquisadoras de mpb que existe neste País. Ela tem um site maravilhoso chamado discosdobrasil.com.br, que tem a discografia quase completa da mpb, incluindo o cara que toca bandolim, o flautista, todos os músicos, um trabalho incansável que ela fez por conta e risco dela com pouquíssimo auxílio. Eu cheguei em São Paulo e perguntei para ela: “Mana, existe alguém que possa ser o Zéfiro?”. Ela responde: “Ah Juca, existem dezenas porque tem toda uma classe de pessoas que compravam a música, compravam a letra, só para ter o prazer de ser parceiro, de Chico Alves, não sei quem ou viceversa. Chico Alves não compunha porra nenhuma, mas comprava de um autor ”. Eu pedi, pra começar, dez nomes por ordem alfabética. Ela me deu. Aparece lá: Alcides Caminha, parceiro de Nélson Cavaquinho em A Flor e o Espinho, aquela do [cantarola] “tira seu sorriso do caminho que eu quero passar com a minha dor ”. Concomitantemente a esta pesquisa na mpb, eu descubro que aqui em São Paulo, na Rua Joaquim Floriano, no Itaim Bibi, tinha um outro editor, que andou editando o Zéfiro, colorido, já pós-ditadura. Vou falar com ele, um sujeito que nada tem a ver com o Hélio Brandão: paletó, gravata, meio yuppie, encantou-se em conhecer o Diretor da Playboy. Eu perguntei com quem ele tratava os direitos dos quadrinhos, e ele me disse que era com uma irmã do Zéfiro, lá em Anchieta, subúrbio do Rio. E me dá o telefone dela. Esqueci o nome, dona, sei lá, Zéfira Caminha. Telefono: “Estou fazendo uma reportagem para Playboy sobre grandes compositores que não tiveram o devido reconhecimento e soube que a senhora é irmã de um compositor que fez sucesso.” Ela responde: “Ah claro, ele mora aqui pertinho, mas não tem telefone, mas eu posso levá-lo lá”. No dia seguinte peguei o avião, fui pra casa dela, e ela me levou à casa dele. Chego lá, é uma casa pobre, fui atendido por uma senhora, mulher dele. Tinha um senhorzinho pequeno, humilde, e eu pensando “não pode ser o sacana que a gente conhece”. Porque havia mil teorias sobre o
Zéfiro. O Sérgio Augusto, por exemplo, tinha a tese de que Zéfiro tinha ligação com Eros da mitologia grega, deus do amor. Ou que ele era um ex-seminarista porque chamavam os livrinhos de catecismo, mil teorias. Eu começo a conversar, gravo com ele duas horas sobre Nélson Cavaquinho. Ele me conta que Nélson o ensinou a tomar conhaque, que os dois eram boêmios, que comeram metade do bairro, que a mulher dele sofreu muito por causa das aventuras dele, etc. Peço então uma foto dele. Ele me leva para o quarto, sentamos na cama dele, e ele abre uma gaveta para buscar a fotografia. E eu vejo que no pé da cama tem uma estante destas de aço com uma porção de pastas cor-de-rosa, quase iguais às do Dedoc de antigamente. Eu me levanto da cama, e enquanto ele mexe na gaveta, meto a mão numa das pastas e tiro uma página de revista, não lembro se Manchete ou O Cruzeiro, com uma propaganda de lingerie. Ele salta da cama, desesperado: “Pára, não mexe aí”. Eu digo: “Calma, Senhor Alcides. O que houve?”. Ele fica muito bravo: “Como o que houve? Você entra na minha casa, e vai mexendo nas coisas?”. Peço desculpas, coisa e tal, ele se acalma e começa a mostrar as fotos. Aí eu falo baixinho no ouvido dele: “Senhor Alcides, o senhor é o Zéfiro?”. Ele nega. Eu falei: “Senhor. Alcides, vamos estabelecer aqui um princípio. O senhor sabe quem eu sou, me vê na televisão. Eu não vou publicar rigorosamente nada a seu respeito que o senhor não consentir. E já poderia publicar, porque estou convencido de que o senhor é o Carlos Zéfiro. Não vou publicar nada, já tenho a matéria mesmo parando aqui. Mas quero que o senhor saiba que já tem gente que me disse ser o senhor.” Ele me pergunta quem e eu respondo: “Eduardo Barbosa. E eu quero entender porque o senhor teme tanto em aparecer ”. Ele me mostra o Estatuto do Funcionalismo Público, com um artigo que mostra que você perde a aposentadoria se for objeto de escândalo ou falta de decoro. E ele era funcionário público aposentado. Falo pra ele: “Senhor Alcides, o senhor acha que estamos ainda na ditadura? O senhor não vai ser objeto de escândalo, vai ser homenageado. Há gerações que querem saber quem é o senhor. Há gerações que tiveram iniciação sexual com seus catecismos. Como é que o senhor acha que isso pode lhe causar problema?” Dei o golpe. “Vou lhe dizer mais. Quanto é sua aposentadoria?”. Era algo em torno de R$ 150,00. Continuei: “Se nós viermos a publicar esta matéria e acontecer aquilo que o senhor tem medo... não há a menor hipótese, mas se acontecer, a Editora Abril manterá sua aposentadoria até que o senhor morra. Eu mesmo deixo de almoçar ou jantar num restaurante chique uma vez por mês e deposito na sua conta, tal mixaria é esta que o senhor recebe. Mas eu quero que o senhor me dê a chance de fazer esta matéria.”
Ele reluta e pede para que eu fale com o filho mais velho dele, Diretor de Recursos Humanos de uma empresa em Campo Grande, uma figura ótima, que até hoje me telefona no Natal. Fui conversar com ele, que me disse que toda a família já havia tentado convencer o Alcides a tornar tudo isso público. Torno a falar com o Alcides/Zéfiro e faço uma nova proposta, a de escrever a matéria e submeter todo o conteúdo a eles. Se a família aceitar, eu publico. Se não deixar, acabou. Vou embora, não se toca mais neste assunto e eu morro cúmplice deste segredo. Aí começam as coisas mais engraçadas que já me aconteceram, porque num belo domingo, pego um avião, vou a Anchieta e chego na casa deles, com todo mundo reunido: filhos, as noras, netos, todos numa mesa grande vendo o Fantástico. Nunca me esqueço. Fez “plim plim” na televisão, e eu com a pasta com as páginas pestapadas, pergunto: “Como é que vocês querem fazer? Quem vai ler?”. “Você mesmo lê”, me responderam. Fez o “plim plim” de novo e eu começo a ler a matéria. Leio, leio, leio, leio, leio, leio e de repente eu começo a ouvir que a mulher dele está chorando. Ele está fumando, os filhos prestando atenção. Quando eu acabo de ler é que acontece a cena mais bizarra: a família aplaude. É a única vez na minha vida, que eu saiba, que uma matéria minha é aplaudida. Todos aplaudem, eu saio com a minha matéria, pego a ponte aérea naquele mesmo domingo, e volto para São Paulo com a matéria para imprimir. JORNAL DA ABI – SE ELES FALAM NÃO, B? Juca Kfouri – Sim, eu tinha um plano B para colocar no lugar. Mas a matéria com o Zéfiro sai em novembro, em dezembro ele é entrevistado no programa do Jô Soares, em janeiro o Zéfiro é paraninfo da turma do Moacy na UFRJ, e em fevereiro ou março ele morre. Razão pela qual este filho dele me liga todo ano para dizer “ainda bem que o papai te deu esta entrevista”. Do ponto de vista jornalístico, isso me agrada muito, porque tira o conceito, equivocado, de que jornalismo investigativo no Brasil é necessariamente denúncia. Não é. Essa é uma matéria que deu este trabalho, teve estes percalços, essas idas e vindas, mas que deixou uma pessoa muito feliz. Quer dizer, não é aquela coisa da gente gostar só de miséria, de má notícia. Não é verdade. Se eu tivesse que escolher uma coisa que eu tenha feito na minha vida de jornalista, muito mais do que ter comandado a matéria da Loteria Esportiva, ou enfim, ter redundado uma matéria minha da Nike, da CBF, da CPI, seria esta matéria do Zéfiro.
VOCÊ TINHA UMA PLANO
JORNAL DA ABI – COM RELAÇÃO ÀS P LAY BOY , TEM ALGUMA QUE VOCÊ TENHA ... Juca Kfouri [interompendo] – Você é um canalha, né? [risos] Você sabe que tem porque já me viu falar em algum lugar. Fiz 48 capas de PlayGAROTAS QUE FORAM CAPAS DA
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PEDRO MARTINELLI
Juca Kfouri com Sérgio Cabral, Ruy Ostermann e Luís Fernando Veríssimo na Copa da Itália, em 1990.
DEPOIMENTO JUCA KFOURI
boy, entre elas a Bruna Lombardi. Mas teve a de uma moça que era de destruir casamento. Chamava-se Piera, lindíssima e apaixonante. Se ela piscasse o olho eu jogava tudo fora. De resto nada, nada, nada... Vou te dizer mais. Invariavelmente, eu participei de poucas negociações porque havia quem negociasse, quem produzisse. Não gosto nem de citar nomes porque invariavelmente achava tudo muito baixo. Por exemplo, a moça querer explorar o fato de ser Editora Abril e querer jantar no restaurante mais caro de São Paulo, escolher champanhe Cristal, vinho mais caro, entrar na minha sala para fazer um telefonema internacional para o marido que estava em Nova York, tudo à custa do Seu Victor Civita, entendeu? Era tudo muito mesquinho, eu acho. Por outro lado, há pessoas que eu admirei. A Glória Pires, por exemplo. Ela entrou na minha sala com o marido, virou-se para mim e disse: “Juca, muito prazer! Olha aqui, vou te deixar muito clara uma coisa, não vem com esta conversa pra cima de mim de nu artístico, esta coisa idiota, porque se eu posar para Playboy vai ser por grana, apenas por grana. Para fazer Playboy tenho que sair daqui com um apartamento.
Se não, nada feito”. Pergunto que tipo de apartamento ela quer, e ela responde: “Na Lagoa ou na Vieira Souto”. Falei para ela que não havia a menor hipótese de a Abril pagar um apartamento assim. “A menor, Juca?”, ela me pergunta. “A menor”, respondo. “Muito obrigada, foi um prazer”. Levantou e foi embora com o marido. Dez minutos. É bom que se frise, os últimos dois anos meus na Playboy foram, talvez, do ponto de vista da equipe, os dois anos mais gratificantes da minha carreira, e olha que ironia, graças ao “passaralho” em pleno plano Collor. Ele ganha a eleição, fica tudo congelado, e a Playboy teve que fazer das tripas coração para inventar ensaios porque não podia pagar grandes cachês. Foi a fase em que a Playboy inventou as trigêmeas, as gaúchas, a namorada do PC Farias; enfim, foi por aí. Mas aí teve um “passaralho” na Abril, com corte de 30% da folha, e eu faço de um jeito que aquilo que tirava da folha de pagamento eu pagava de freelancer. Assim, a Redação de Playboy passou a ter Humberto Werneck, Eugênio Bucci, Nirlando Beirão, uma equipe do cacete! Uma equipe que faz as coisas e você não mexe numa vírgula. Investimos no jornalismo. O Eu-
gênio fez uma matéria contando a cirurgia plástica do José Dirceu. Enfim, ganhamos prêmio pra burro, e criamos um ambiente como poucas vezes eu vi numa Redação. De maneira tal que justificava o cara dizer que comprava a Playboy pela entrevista. Playboy é uma revista de mulher nua que deve ter um recheio inteligente e de bom gosto. Houve épocas que teve e houve épocas que não teve. Agora está querendo voltar a ter, eu acho. A revista melhorou, e teve um período que foi um horror, há quatro ou cinco anos, que é o único caso que eu conheço de a revista baixar para o segundo colocado, e ficar mais parecida com a Sexy. Ao invés da Sexy se aproximar da Playboy, a Playboy se aproximou da Sexy, virou ginecológica, com entrevistas horrorosas. Foi uma experiência péssima que eles tiveram lá. Mas agora está retomando uma linha que nem era mérito meu, mas sim de Mário Escobar de Andrade, que era o fiel adepto da idéia de que Deus está nos detalhes. Ele era um editor de mão cheia. Playboy me deu o gosto de fazer uma coisa fora do futebol. Foram a Playboy e um programa de entrevista ao vivo que eu tive um período na CNT, que era um talk show em que eu entrevistava políticos.
LUIZ DANTAS
PEDRO MARTINELLI
A HORA DA MUDANÇA “Pensei: “Tô fudido. Depois de 25 anos, o mercado deve olhar para mim como móveis e utensílios da Abril.” JORNAL DA ABI – NÃO SEI SE FOI CO1994 PARA 1995 VOCÊ DÁ UMA VIRADA PROFISSIONAL NA SUA VIDA . TROCA A R EDE G LO BO PELA C ULTURA , O JORNAL O G LO BO PELA F OLHA DE S.P AULO E É TAM INCIDÊNCIA OU NÃO, MAS DE
BÉM JUSTAMENTE O MOMENTO EM QUE
A BRIL. Juca Kfouri – Exatamente. Não vou mentir para você, fazer de conta que não é assim. É impressionante! Eu não sei como você lida com a insegurança, mas é impressionante como eu sempre tive na minha vida uma insegurança permanente. Coisas do tipo “não vou passar de ano, não vou ser titular do basquete”. E como as coisas iam acontecendo, eu vi que não precisava mais ter medo, que eu passo de ano, que eu jogo no time. Nunca planejei nada. Nunca achei que seria diretor de revista, e eu acho que as coisas que aconteceram comigo aconteceram justamente porque eu não planejava, ou porque eu não lutava por elas. No dia em que eu falei para o Tomáz “manda fazer as contas que eu vou embora”, eu saí da sala dele e sentia falta de chão. Pensei: “Tô fudido. Depois de 25 anos, o mercado deve olhar para mim como móveis e utensílios da Abril. Devem achar que eu ganho uma fortuna e nem vão querem me fazer proposta nenhuma”. Tanto que eu procurei a Folha de S.Paulo, fui ao Otávio Frias Filho e disse que estava negociando minha saída da Abril. E propus a ele
SAI DA
20 Jornal da ABI 364 Março de 2011
uma coluna dominical de esportes como o Elio Gaspari tem a página dele na Folha. Ele olhou para mim e falou: “Não sei se eu quero uma coluna dominical como a do Elio Gaspari, mas que você me interessa como colunista da Folha, me interessa, deixa eu pensar. Me liga depois de amanhã”. Estou sendo claro, não é que eu saí da Abril e a Folha imediatamente me convidou. Eu fui lá me oferecer porque eu achava que ninguém ia querer saber. Volto para casa. Há no dia seguinte o acordo de como seria o comunicado da Abril, e isso corre no mercado. Matinas Suzuki, então Diretor de Redação da Folha fica sabendo, procura o Otávio, não o encontra, dizem para ele que o Otávio está na sala do Seu Frias, ele sobe à sala do Seu Frias, e diz: “O Juca Kfouri está saindo da Editora Abril”. Otávio diz: “Eu já sabia”. Seu Frias diz: “Contrate-o. Ele vai ser o Jânio de Freitas no nosso esporte”. Otávio me liga: “Juca, aquilo que era uma oferta sua virou uma obrigação. Você me deixou em maus lençóis. Meu pai mandou eu te contratar.” Isso muda os termos da negociação. Fui lá conversar com o Otávio, ele me mandou falar de dinheiro com o Matinas, mas não era exatamente o que eu esperava. Estou saindo da editora, toca o telefone era o Aluizio Maranhão, do Estadão, dizendo que o Doutor Rui Mesquita mandou ligar e para eu não fechar nada com ninguém. Eu disse: “Te
agradeço muito, tenho uma proposta da Folha, que não é exatamente a que eu esperava, mas eu vou trabalhar lá. Agradeço muito mas não vou fazer leilão”. Quando cheguei em casa, Matinas estava me ligando dizendo que o Otávio tinha aceito a proposta que eu fiz. Saí da Abril numa sexta-feira, minha coluna na Folha estreou no domingo. Imediatamente choveram propostas de rádio, e em dois meses e meio eu ganhava mais do que ganhava na Editora Abril durante 25 anos. Claro que havia diferenças, por exemplo, aprendi que o meu carro não era meu carro, que meu telefone celular não era meu, que o meu laptop não era meu, meu plano de assistência médica, que era ótimo, nada disso era meu. Era tudo da Abril, inclusive as duas passagens de classe executiva para a Europa por ano. Tive então de comprar um carro, de fazer um plano médico, comprar celular, laptop, todas estas coisas que acontecem com a vida da esmagadora maioria das pessoas. Também não preciso trocar de carro todo ano, como trocava de carro o leasing da Abril, eu também não precisava viajar necessariamente de classe executiva, e logo as coisas estavam iguais. E uma das melhores coisas que aconteceram na minha vida foi eu ter começado esta minha carreira solo, a ponto de prometer para mim mesmo que eu nunca mais estaria todo dia no mesmo lugar, na mesma hora. Promessa que eu rompi por causa da CBN, de um maluco chamado Agostinho Vieira, que dirigia o Jornalismo da Rádio. Lá eu fazia uma coluna diária com Heródoto Barbeiro, gravada, e uma participa-
ção no final da tarde com Sidney Rezende, ao vivo. Comecei a me cansar do compromisso de estar ao vivo todo dia, exatamente na mesma época de uma crise econômica do Governo Fernando Henrique que começou a cortar pessoas e reduzir salários nas Redações. E o meu contrato estava terminando. O Agostinho me ligou e disse que precisava conversar comigo. Eu achei que ele iria me propor uma redução de
Dois grandes ídolos do esporte: Juca Kfouri entrega o troféu de Esportista do Ano de Placar em 1986 para Ayrton Senna e, ao lado, com Telê Santana na Copa do México, nesse mesmo ano.
salário, o que seria uma deixa ótima para eu parar. E ele começa a conversa assim: “Juca, tem alguma coisa que te desagrada na CBN?”. Eu falei que sim, que me desagradava muito estar obrigatoriamente todos os dias às 17 horas em algum lugar com telefone fixo para eu entrar no ar. Até brinquei com ele, dizendo que eu não podia nem ir à matinê. Ele riu e falou: “Nós fizemos uma pesquisa e identificou-se que a voz do esporte na cabeça dos nossos ouvintes da CBN é a sua. Assim a gente quer te propor um programa de rádio todo dia às oito horas da noite, do seu jeito com a sua cara, com o nome que você propuser, como você quiser”. Eu respondi: “Agostinho, mas nem morto. Não há a menor hipótese de eu sair todos os dias na hora do rush da minha casa na Vila Nova Conceição para vir aqui na Rua das Palmeiras! Você está louco, não vou mesmo, não há hipótese!”. Aí ele me perguntou se eu estava rasgando dinheiro e me fez a proposta. Era impossível dizer não! Impossível. Principalmente levando-se em conta a realidade do rádio brasileiro, que é invariavelmente pobre. Minha mulher, a Ledinha, viveu a vida inteira dela aqui em Higienópolis, e eu sempre vivi pelo Itaim, Vila Nova Conceição e Vila Olímpia. Falei para ela achar um lugar em que eu pudesse fazer meu escritório também perto da rádio. Ela achou este apartamento, que tem uma história que
“ VOCÊ NÃO QUER CONVERSAR COMIGO COMIGO,, NÃO PRECISO OCÊ. EU SEI TE OB SER VAR CONVERSAR COM V VOCÊ. OBSER SERV AR,, EU SEI OUVIR O QUE ESTÁ EM TORNO OU PEDIR PELO TORNO,, EU NÃO V VOU AMOR DE DEUS P ARA V OCÊ CONVERSAR COMIGO .” PARA VOCÊ COMIGO.”
J ORNAL DA ABI – VOCÊ LIA TODOS N ÃO TINHA AJUDA? Juca Kfouri – O blog recebia entre 2.000 e 2.500 comentários por dia e eu lia todos para que não fossem publicadas ofensas, grosserias, enfim. E agora tem uma pessoa lá para fazer isso, o que me aliviou bastante. Em relação ao blog, quando a Folha quis que eu voltasse com a minha coluna lá, a maneira de viabilizar minha volta foi fazer um pacote com o Uol que incluía o blog e uma conversa minha, na época, com a Lilian Wite Fibe, que estava na Uol, às segundas-feiras. Lá me dizem que eu preciso postar no blog uma nota por dia, de segunda a sexta, o que aliás eu já fazia no Lancenet. Com a diferença que no Lancenet não tinha interação. Na véspera do blog entrar no ar, imaginei que se ele tivesse, talvez, uns 10 mil acessos, eu estaria feliz da vida. Acordei no dia seguinte às oito e meia da manhã e já tinha 60.000 acessos. Pensei: “E agora, como vai ser o dia inteiro? O cara vai entrar e só vai ter aquela notinha? Tenho que colocar outra porque se o cara gostou ele vai voltar”. Fiz uma segunda nota, uma terceira... e acabo fazendo em média de 8 a 9 notas por dia, mais ainda no final de semana, que eu não tenho obrigação, pelo contrário, mas tem os jogos. Comecei a acompanhar os jogos e a comentá-los um por um. Criei uma camisa-de-força para mim mesmo. Eu vou sair hoje daqui desta nossa conversa, vou para rádio, e quando eu voltar, à noite, vai ter gente me perguntando se estou de férias, se estou doente, se estou com problemas na família, se aproveitei o feriado porque faz seis horas que postei a última vez. É escravizador!
JORNAL DA ABI – EM MÍDIA ELETRÔ-
J ORNAL DA ABI – AINDA QUE COM
NICA, SUA ESTRÉIA FOI NO SBT EM 1984?
UM CERTO ATRASO .
Juca Kfouri – Não, a minha estréia em mídia eletrônica foi na Copa de 1982 por meio da produtora independente Manduri, do Mimito Gomes, que já morreu. Nossa, quanta gente de que falamos já morreu! Mimito morreu muito jovem. Fiz junto com ele e o Sérgio de Souza, que morreu há dois anos, um programa dominical na TV Record chamado Nossa Copa. Era um programa muito legal, moderno, que foi minha estréia na tv. Isso em 1982. Logo em seguida o SBT me chamou.
Juca Kfouri – Ainda que com um certo atraso, mas tomara que isso comece a acontecer mais cedo. O que eu não gosto é que isto influencie na cobertura. Você não pode editorializar sua cobertura, mas você tem todo o direito de dizer para o seu leitor que você acha que isso é melhor para o País, por que não? Até porque você acha, se você acha, você tem que contar o que você acha. É como eu negar para você que sou corintiano! É ridículo!
JORNAL DA ABI – O QUE VOCÊ ACHA
MENTO DESTA ENTREVISTA VOCÊ DISSE
HOJE DO JORNALISMO ELETRÔNICO NO
RICARDO T EIXEIRA É O SEU C O V OCÊ ACHA QUE ESTE C OLLOR NÃO TEM IMPEACHMENT NUNCA ? Juca Kfouri – Nunca! Por isso, faço
J ORNAL DA ABI – EM ALGUM MO -
B RASIL ? Juca Kfouri – Para resumir, posso te dizer que o jornalismo político da
QUE
LLOR .
to mais simples do que se imagina. O Dunga estava absolutamente correto em não dar privilégios para ninguém, em cortar os privilégios que, por exemplo, o Jornal Nacional teve na Copa na Alemanha, e ainda expondo os jogadores do Brasil a dar depoimentos ao vivo durante a madrugada, quando eles deviam estar dormindo para treinar no dia seguinte ou para jogar. Então, aplauda-se o Dunga por não dar privilégios. Eu brinco dizendo que ele não deu privilégio para ninguém: tratou indiscriminadamente mal toda imprensa. Este é um lado. Por outro lado, não lhe dá o direito da grosseria, da má-educação, como ele fez com o Alex Escobar e com a Fátima Bernardes. Ela é uma figura importante do dia-a-dia do País, âncora do jornal mais visto do País, ele não tiRICARDO CORRÊA AYRES
não existe: ele era de uma moça casadoira que queria se casar em Paris com seu príncipe encantado e queimou este apartamento por um terço do preço porque o casamento não deu certo. Rabo é para quem tem. Comecei a fazer o programa, e voltei a ter o compromisso de estar todo dia às seis e meia da tarde num determinado lugar. Mas agora estou a cinco minutos da rádio, e valendo a pena. Rádio é certamente a única coisa que eu me arrependa na minha vida profissional de ter começado tão tarde. É muito gostoso fazer rádio. O que me diverte mais é rádio, o que me deixa mais leve é rádio, mas eu sou um filho de Gutemberg, e eu tenho um grande respeito pela mídia escrita e impressa. Eu sou um felizardo! Sou ateu, mas todo dia de manhã eu acordo, olho pro céu, e falo “Ô meu, se as coisas continuarem do jeito que estão, passo a acreditar em você”. Realmente não tenho do que me queixar. Talvez, tenha sim do que me queixar, mas culpa minha mesmo, da minha obsessão, da minha ansiedade que é o tal do blog, que eu não imaginava que fosse me escravizar do jeito que escravizou. Eu comecei a ficar infeliz, muito nervoso e irritadiço, mas o Uol acabou resolvendo e colocou um cara para moderar os comentários.
OS COMENTÁRIOS ?
para ganhar mesmo que isto te leve para jogar com adversário mais poderoso. “Ah, mas ele ganhou, esquece”. Esqueço não. Ganhou. Parabéns. É competentíssimo, mas manchou o título. Vou dizer a vida inteira. Daqui a dez anos vou lembrar que o Mundial da Itália em 2010 teve o jogo que o Brasil entregou para a Bulgária. Puto! Porque é assim que é. O fato de ele ter ganho não ilude que isso não aconteceu. Se o Dunga tivesse ganho, seria poupado. Aí é aquela velha coisa brasileira da não compreensão dos fins e dos meios. Outro dia fiz uma coluna sobre isso na Folha, sobre o negócio do vôlei, dizendo “o fim nobre não pode ser atingido por meios podres, e nós usamos meio podre”. No fundo há uma relação promíscua, que não precisa ter, que também é filhote do jornalismo declaratório. Você não quer conversar comigo, não preciso conversar com você. Eu sei te observar, eu sei ouvir o que está em torno, eu não vou pedir pelo amor de Deus para você conversar comigo. Não vou sacrificar minha independência para você me dar uma entrevista por nada. Não preciso. Melhor que dê, mais respeitoso que dê, e vou te respeitar ao te entrevistar, mas não vou te bajular, e não vou te levantar a bola. É assim que deve ser. Infelizmente, na nossa imprensa eletrônica esportiva, raras são as figuras que levam isto deste jeito. J ORNAL DA ABI – VOCÊ ACHA QUE O JORNALISMO ESTÁ CAINDO DE QUA LIDADE ?
Juca Kfouri entra ao vivo no Jornal da Globo para comentar o jogo entre São Paulo e Santos em julho de 1992.
TV Globo é muito mais independente que o esportivo. Por causa exatamente das coisas que levaram o Roberto Civita a não querer que eu falasse mais do Ricardo Teixeira. Existe uma confusão que os americanos resolveram muito bem: uma coisa é o departamento de entretenimento/eventos, e outra é o jornalismo. São coisas independentes entre si e que permitem que você compre o evento, glamurize o evento e narre entusiasticamente o evento, mas que seu jornalismo diga as coisas negativas que tiver de dizer sobre este mesmo evento. Na nossa televisão isso não acontece, porque uma coisa está ligada à outra. Por exemplo, quem vai gerar a Copa do Mundo no Brasil? A sua tv. Vai ter Olimpíada, quem vai gerar ? A sua tv. Bom, e como esta mesma tv vai falar que o [Carlos Arthur] Nuzman estourou o orçamento do Pan? Que Ricardo Teixeira está sendo acusado de evasão de divisas? Não passa, não tem independência. Por outro lado o jornalismo político se faz de maneira absolutamente independente. Acho uma limpeza o Estadão recomendar para seus leitores que votem no José Serra.
meu merchan “tome chá de cadeira esperando a queda do Ricardo Teixeira”. Uma das últimas coisas a se mudar neste País será a superestrutura do esporte. O esquema que se montou no esporte brasileiro, tanto no Cob, como na CBF, é uma coisa monolítica, absolutamente reacionária, absolutamente corruptora e corrompida. Falei reacionária, não se trata de ser conservadora. Eu digo sempre isso: o mundo deve muitas coisas boas ao pensamento conservador, independentemente de você concordar ou discordar dele. Mas o pessoal do nosso futebol e dos nossos esportes olímpicos é extremamente reacionário, extremamente reativo a qualquer tipo de mudança que mexa no seu privilégio, e vive à base de corromper pessoas e de se corromper, e de não ter transparência. Então, se perpetua. J ORNAL DA ABI – QUAIS LIÇÕES O JORNALISMO PÔDE TIRAR DA ÚLTIMA
C OPA DO M UNDO ? Juca Kfouri – Essa Copa do Mundo tem um baita ensinamento para todos nós, jornalistas. Eu acho que é uma confusão que não precisava ser feita porque as coisas são mui-
nha o direito de deixá-la ao relento em Johanesburgo numa noite gelada que acabou lhe causando uma pneumonia. Ele tinha obrigação de pelo menos fazê-la entrar, oferecer um chá e acender a lareira. Não tinha a obrigação de dar entrevista, mas tinha a obrigação de se dar conta de que o alto salário que ele ganhava na CBF era pago por aqueles patrocinadores que ele estava impedindo de aparecer no Jornal Nacional. Uma coisa é você não dar privilégio para o Jornal Nacional, outra coisa é você não ter entendimento da importância que o JN tem como meio de informação da maior parte do povo brasileiro. Ele deu um tiro no pé por falta de educação, por burrice, por arbitrariedade, afora a incompetência. É a história agora do Bernardinho, que talvez seja o maior técnico de esportes coletivos da história, o que não lhe dá o direito de mandar o time perder o jogo como perdeu para a Bulgária, porque do ponto de vista da ética esportiva isto está errado. Você tem que ter o compromisso com quem paga o ingresso. Você não pode entrar em quadra para perder. Você entra em quadra
Juca Kfouri – Eu reluto em achar isso. Existe um lado saudosista que não me pega muito, embora já tenha tempo de carreira suficiente para ser saudosista. É um saudosismo que não me pega nem como torcedor de futebol. É claro que desde que vi o Pelé nunca mais vi ninguém parecido com ele. Não vi ninguém sequer parecido com o Garrincha, que para mim é o segundo depois do Pelé. Mas isso não significa que o futebol de hoje dos Ronaldinhos, do Messi, de Maradona e do Zico me divirta menos do que me divertia o futebol do Pelé. Eu acho que existiu uma imprensa com uma postura, uma qualidade, um objetivo, uma luta que retratava uma realidade que é muito diferente da realidade de hoje. Mas a quantidade que você tem de escolha hoje é maior. Perdemos por um aspecto, por exemplo, todos nós lastimamos o fim das grandes reportagens. Mas por outro lado você tem mais gente com capacidade de brilho, de fazer coisas diferentes, surpreendentes, e posso apostar que a boa e velha reportagem está em via de voltar, porque eu acho que principalmente no que diz respeito ao jornalismo impresso nós vamos começar a viver de fato a era da pósnotícia. Percebo que cada vez mais há consciência da necessidade da pós-notícia, que não faz mais sentido dizer simplesmente que o Papa morreu. No jornal do dia seguinte eu quero saber para onde vai a Igreja Jornal da ABI 364 Março de 2011
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Um abraço fraterno durante o lançamento da nova Placar: Pelé e Juca tinham muitas afinidades.
DEPOIMENTO JUCA KFOURI
Católica, não que o Papa morreu. O El País já faz isso muito bem. O Diário de S. Paulo está tentando fazer isso, talvez não seja o ideal, por ser um veículo popular, e fica no meio do caminho. Quero ver alguém ter coragem de fazer uma primeira página, por exemplo, se o Corinthians for campeão no domingo, na segunda a manchete não ser “Corinthians campeão”. Quero ver. Eu faria. Eu acho que essa é a trilha que pode rejuvenescer a imprensa escrita. Pode ser que eu esteja observando de maneira equivocada, mas os jornalistas mais experientes voltam a ser olhados de maneira mais respeitosa. Porque também esta é uma lacuna, o fato de a remuneração do jornalista ter se transformado da maneira que se transformou, e os jornalistas mais renomados terem virado pessoas jurídicas e se ausentado das Redações, Eles começam a ser requisitados de volta para preencher lacunas. Alguém tem que falar certas coisas. Eu sei que é contraditório, embora tenha uma molecada com novas ferramentas, tem muito ignorante também.
porque eu passei anos te mandando tomar água da bica, e ela me deu este apartamento, cinco carros importados, e uma casa em Paris? Ou eu dou a notícia e traio o cara que me pagou durante cinco anos? Como é que eu faço? Os mercadores de merchandising e propaganda e os empresários de eventos esportivos, estes que promovem o evento, cobrem o evento, assessoram o jogador e cobram o jogador, são fartamente responsáveis pela má imagem da imprensa esportiva. JORNAL DA ABI – É O CASO DA FÓRMULA I NDY, QUE NÃO TEM COBERTURA NA MAIOR EMISSORA DO
Juca Kfouri – Exatamente, é isso! Como é que você esconde um troço desse? Aí você dá razão àquela velha idéia de que o que existe aqui não é liberdade de imprensa, mas liberdade de empresa. Todas as vezes que uma empresa jornalística tratar algum acontecimento do ponto de vista dos seus interesses, ela estará fazendo um mau jornalismo. VALTER FERREIRA
José Trajano esteve presente na noite de autógrafos do livro Meninos, Eu Vi, em 2003.
JORNAL DA ABI – COMO É QUE VOCÊ VÊ O MERCHANDISING NA IMPRENSA ?
Juca Kfouri [levanta-se da cadeira, entre surpreso, irônico e irritado] – Me surpreende que alguém ainda tenha dúvidas sobre isso! Vai nos Estados Unidos pra ver se alguém ainda tem dúvida sobre isso! Na Alemanha, na Itália, o cara é expulso do Sindicato dos Jornalistas, vai para o Sindicato dos Publicitários, porque a incompatibilidade é tão óbvia que eu não entendo como é que se discute isso ainda! Se eu falo “Tome água da bica, a água que o Juca Kfouri indica”, e depois se descobre que ela é a água com maior número de coliformes fecais da indústria das águas minerais brasileiras, como é que eu faço? Eu omito
22 Jornal da ABI 364 Março de 2011
PAÍS PORQUE
O EVENTO PERTENCE À CONCORRENTE ?
J ORNAL DA ABI – T RABALHAR EM CNT TE DEU MAIS LIBERDADE ? Juca Kfouri – Isto é uma faca de dois legumes, como diria Vicente Mateus, famoso ex-Presidente do Corinthians. Estas pequenas empresas, quando vão se lançar, apostam em pegar alguns nomes que dêem credibilidade. Por exemplo, a CNT pegou o Ricardo Kotscho, me pegou, e nos colocou na linha de frente para mostrar que a coisa era séria. A Rede TV! pegou o Alberico [de Souza Cruz] para montar o jornalismo, mas em regra elas não agüentam muito tempo a independência. O dono da Rede TV!, num belo dia, veio falar comigo: “Juca, só o nosso programa não tem merchandising. Todos os outros têm, a Globo, a Bandeirantes...”. Eu falei pra ele que a Globo não tem, e ele argumentou dizendo que a Globo não precisa, mas que ele precisava. Respondi: “Claro, o espaço é seu, estou indo embora, porque merchandising eu não faço.” Na CNT, passei três anos em absoluta liberdade, entrevistando quem eu queria, do jeito que eu queria. Num belo dia, o já falecido [José Carlos] Martinez, dono da emissora, diz que quer virar Presidente do PTB e que precisa da minha ajuda. Que era para eu entrevistar o então Governador de São Paulo [Luiz Antonio] Fleury. Disse pra ele que eu o entrevistaria com todo o prazer, mas que certamente, por obrigação profissional, eu seria obrigado a lhe perguntar sobre o episódio do Carandiru. Martinez me diz para eu não abordar este assunto na entrevista, que isso iria atrapalhar. Eu disse que não seria possível e ele me deu outra opção: Roberto Jefferson. Mas sem falar do Collor. Claro que não dava pra entrevistar o Roberto Jefferson e não falar do Collor. A partir desta conversa, naquele mês ele não me pagou. Mandei um fax para ele: “MarEMPRESAS MENORES COMO A
ACERVO PESSOAL
tinez, somos os dois adultos o suficiente para saber quando quebra um vaso de cristal. Então é o seguinte, paga o que você me deve, e liquidamos nossa vida por aqui, rescindimos o contrato.” E assim foi feito. Imediatamente ele contratou o Ferreira Neto. Mas, durante três anos, foi ótimo. J ORNAL DA ABI – O FUTEBOL TEM TIDO UMA COBERTURA MUITO SENSA CIONALISTA DA IMPRENSA ?
Juca Kfouri – Acho que não. É evidente que a editoria de esportes tem que lidar com a emoção ao cobrir um evento esportivo. Mas entre lidar com a emoção e fazer sensacionalismo, que vai aí uma baita diferença. O lidar com a emoção não passa por iludir, não passa por omitir. É uma desculpa muito cômoda e confortável de boa parte da nossa imprensa esportiva dizer que o público, quando chega no esporte, quer um refresco. Que já passou pela política, pela economia, pelo crime, e não quer saber mais se o cartola é ladrão. Ele quer saber do gol, do passe, da contratação, do cara machucado. Não acredito nisso. O torcedor de futebol é um cidadão igual a outro qualquer que tem o direito de saber o que acontece nos bastidores do esporte que ele gosta. O que não impede que ele saiba do gol, do passe, da contratação. Uma coisa não exclui a outra. E essa é no fundo a angústia de muitos editores, de como equilibrar isso. Você também não pode fazer uma seção de esportes que seja só de política esportiva, de denúncia, de escândalo. J ORNAL DA ABI – VOCÊ COMEÇOU PLACAR, E A REVISTA FOI SUA POR 25 ANOS, NUMA FAIXA DE IDAMUITO CEDO NA
DE EM QUE O PODER SOBE NA CABEÇA DAS PESSOAS . ISSO REFLETIU EM VOCÊ ? VOCÊ TEVE DOMÍNIO SOBRE ISSO, TRABALHAR NA MAIOR EDITORA E NA MAI OR REVISTA ESPORTIVA DO B RASIL ? Juca Kfouri – De fato, eu tive poder muito cedo. Felizmente, a ponto de não me deixar levar por isto, e de adorar que de 1995 pra cá eu não contrato e não descontrato ninguém. Não quero mandar em mais ninguém na minha vida. Nunca me deslumbrei com isso, e sempre tive uma noção médico/ monstro desta relação, uma esquizofrenia. Não posso mandar no João Ratt, não posso mandar no Humberto Werneck, posso conviver legal com eles, discutir com eles e ter consciência de que na dúvida a opinião que vai prevalecer é a minha porque em último acaso o responsável sou eu. Até contraditório que possa parecer, por ter aprendido com Milton Coelho da Graça, que era um stalinista agradável, que é muito mais fácil você decidir uma capa de revista com as secretárias que ficam no corredor da editora, do que com jornalistas que estão dentro da Redação. Porque não são os jornalistas que vão comprar, são as secretárias. Sempre tive muito esta preocupação de ouvir. Entrei na Abril com 20 anos. Com 21 e meio era supervisor da
pesquisa de texto e com 23 era Gerente do Dedoc. Fui ser Chefe de Reportagem da Placar com 24 e Diretor com 29. As vezes em que tive que usar minha autoridade eu usei. A ponto de um repórter da Abril, o José Pinto, mandar uma carta para Roberto Civita se queixando de mim, dizendo que “ele ouve, ouve, ouve, mas chega num determinado momento ele diz que vai ser do jeito que ele quer”. O Roberto me mandou a carta de volta dizendo: “Parabéns! É assim mesmo que se comanda”. Eu ganhei um elogio do patrão autoritário. Mas houve casos em que você chega na necessidade da demissão. É absolutamente desagradável ter que fazê-la, mas aí você não pode se fazer de mártir ou de rogado. Ou você faz ou não faz. Ninguém te obriga a fazer, é você que faz. Na minha vida, eu dei um único grito na Redação, que foi com uma pessoa que eu adoro, o Roberto Maneiro, que não conseguia terminar de escrever um jogo na Redação da Placar. Eu fiz uma grosseria da qual me arrependi e pedi desculpas no dia seguinte. Tirei a lauda da máquina dele, levei para a minha, terminei a matéria e fechei a revista. Foi a única vez que fiz um gesto violento e falei alto com alguém dentro de uma Redação. Cansei de ver gente dirigindo Redação aos berros. Disso eu não gosto. Aliás, te conto um episódio que para mim é muito marcante. Tinha dois meses de Abril, de calça jeans, sandália, camiseta branca, barbudo e cabeludo. No prédio da Marginal onde só o sexto andar, da direção da Abril, tinha ar-condicionado. E vi meu chefe, o Diretor de serviços editoriais da Abril, Rogério Karman, tomando um baita esporro do Richard Civita. Eu devo ter feito uma tal cara de susto que o Richard olhou para mim e falou: “Menino, na indústria da comunicação se não for no berro, não sai”. Eu tinha dois meses de Abril, 20 anos de idade, mas falei pra ele: “Dr. Richard, vou lhe pedir um favor. Nunca berre comigo. Se o senhor berrar comigo, eu vou berrar com o senhor. Meu pai quando me deixou na porta do Grupo Escolar, aos sete anos de idade, no meu primeiro dia
de aula do primário, e me disse que ninguém encosta a mão em mim, que ninguém berra comigo. Que o pai e a mãe não fazem isso com você e ninguém pode fazer”. Meu pai me disse que uma vez jogou um tinteiro num padre carmelita do Colégio do Carmo, que foi pra cima dele bater com uma régua. Meu avô, pai dele, foi à escola e disse para o diretor: “Se alguém encostar a mão no meu filho dou um tiro. Na boca, para não estragar o couro.” Uma coisa que ouço muito em escola de Jornalismo é que eu não faço merchandising porque eu sou o Juca Kfouri. Que eu critico o Ricardo Teixeira porque sou o Juca Kfouri. E eu respondo sempre a mesma coisa: “Sou o Juca Kfouri hoje, 40 anos depois. Quando entrei na Abril não era nem o Juca, era o José Carlos Amaral Kfouri, porque não me deixaram pôr meu apelido no expediente”. Eu não tenho para te contar nenhum caso de alguém que tenha tentado me corromper. Seria do caralho eu poder dizer que o Ricardo Teixeira quis me dar uma grana para eu ficar quieto, mas isso nunca aconteceu porque o cara sabe em quem pode chegar e em quem não pode. Isto para mim é muito claro, é uma questão de postura, de como é que você entra nos lugares. Para mim é muito simples. Da mesma maneira o exercício do poder. Que poder? Eu sou francamente a favor de um ditado espanhol que diz “Las redacciones aburridas hacen diarios aburridos” Eu aprendi muito com uma figura chamada Hedyl Vale Júnior, que morreu de aneurisma, tomando banho. O pai do Hedyl fazia jornais libertários no Rio, e o primeiro livrinho que escrevi dediquei a ele. Hedyl era um jornalista brilhante, criativo, e um grande comandante de equipes. Sempre cantando, sempre brincando, ele fazia uma musiquinha para cada um de nós, uma musiquinha para cada situação. E nós trabalhaávamos feito malucos, virávamos madrugadas, e não tinha ninguém de mau humor, ninguém reclamando, todo mundo adorava ele. Quando era para chamar atenção, era sempre com calma, falando baixo. Aprendi muito com ele.
“EU PREFERIA TER ME MANTIDO NA POSIÇÃO APENAS DE TIETE DELE, DE NÃO TER TIDO A APRO XIMAÇÃO QUE TIVEMOS.” APROXIMAÇÃO
UMA TRISTEZA: PELÉ
dele como Ministro. Mas depois da recuada dele, ficou indefensável. J ORNAL DA ABI – E LE VIROU SUA
“Você vai me deixar escrever um capítulo do dia em que o Edson traiu o Rei Pelé?” J ORNAL DO ABI – DEPOIS DE TAN TAS IDAS E VINDAS, QUAL É SUA OPINIÃO
PELÉ ? Juca Kfouri – É de tristeza porque o Pelé, talvez, foi a última pessoa que eu me dei o direito de acreditar e que acabou me enganando. O Pelé foi fartamente responsável pela CPI, o Pelé estava numa cruzada que deixou esta cartolagem de joelhos, e na hora do golpe final na cartolagem, ele estendeu a mão por interesses comerciais. É uma coisa maluca, porque na verdade é assim. No tempo da minha militância e clandestinidade, eu brigava com meu pai dizendo que o Pelé era um alienado, e meu pai dizia que a gente devia exigir do Pelé só que ele jogasse futebol. Os anos foram passando e eu cheguei à conclusão de que o meu pai estava certo. Pelé não era para meu bico. Quando eu comecei, a primeira coisa que eu fui fazer com o Pelé foi a famosa entrevista da Playboy, onde ele diz coisas seríssimas, importantes e marcantes. Fomos processados pela entrevista, ele imediatamente me tirou do processo ao dizer ao juiz que eu tinha me limitado a transcrever as coisas que ele tinha dito. Que é uma coisa rara! Eu falei “Este cara é o cara!”. Ele tinha um carinho comigo, a gente acabou ficando próximo. Um dia, almoçando com as famílias, minha mulher, a Ledinha, disse que eu tinha mania de comprar relógio, o que é verdade. Mas comprar relógios desses de 100 dólares, não de comprar Rolex. Num belo dia, pouco antes do Natal, estava no meu escritório na Avenida 9 de Julho e chega uma entrega em nome do Pelé. Era uma caixinha com isso aqui dentro [mostra um relógio]. Está escrito: “Ao Juca, com agradecimento de seu irmão Edson Pelé”. Eu falei: “Nossa, que legal, por que será que ele me mandou isso?”. Liguei para o sócio dele, o Celso Grellet, que é muito meu amigo, e perguntei porque o Pelé tinha me mandado o relógio. Ele
SOBRE
ÁGUA DA BICA ?
Juca Kfouri – É isso. Ficou indefensável. Eu acho uma pena. O Zico até quando errou se corrigiu rapidamente. Não tem nada na vida do Zico que você possa dizer: “Puxa, essa é uma mancha”. Cagada todos fazemos. Mas nada que o manche. Você pode até acusá-lo de ter sido secretário do Collor, mas quanta gente boa não trabalhou no Governo Collor? E quando o Zico saiu do Governo do Collor? Quando percebeu a sacanagem, caiu fora.
falou: “Ah, a Ledinha falou que você tinha mania de relógio. Você não imagina o tempo que ele levou para decidir o que ia gravar na tampinha”. Mais perto do Natal, o Pelé me liga: “Guru-Mor, tudo bem? Estou ligando para desejar Feliz Natal. Gostou do relógio? Está bem guardado?”. Respondi que sim que estava na gaveta do meu criado-mudo. E ele me responde: “Então está mal guardado, Guru-Mor. Eu tinha duas coisas guardadas no meu cofre em Santos: uma réplica da Jules Rimet e este relógio. Guru-mor só existe esse. Eu ganhei de um suíço que era torcedor”. Fiquei absolutamente espantado! Eu achei que ele tivesse mandado fazer uns 30 desses para dar para os amigos, mas é uma peça única! Era assim a nossa amizade. Eu estava fazendo uma biografia autorizada do Rei Pelé quando se dá o abraço, o acordo dele com a cartolagem. Eu tive a oportunidade de dizer a ele, durante 10 dias, para ele não fazer aquele acordo. Que ele ia me obrigar a dar porrada nele. Ele falava que eu era muito briguento. Eu falava que não era briga, que aquele pessoal o estava enganando, que ia ser uma merda. Ele falou: “Você é muito radical, se eu estiver errado, eu te peço desculpas.” Respondi: “Mas eu não quero que você me peça desculpas, eu quero que você não faça.” Ele fez e me ligou: “Você está muito puto?”. Disse que estava decepcionado. Que eu queria saber quando é que o Edson ia pedir desculpas ao Pelé. Disse que ele fez merda e que eu não ia mais fazer a biografia dele. Ele reclamou e eu perguntei: “Você vai me deixar escrever um capítulo do dia em que o Edson traiu o Rei Pelé? Claro que não. Então não me interessa mais fazer o livro.” A relação desandou. Quando a gente se encontra ele me abraça, diz pro Celso Grellet que é uma pena que eu seja tão radical, mas sei o quanto me prejudicou essa relação porque eu era um ardoroso defensor FRANCISCO UCHA
JORNAL DA ABI – NO PROGRAMA NA G ERAL, DA RÁDIO BANDEIRANTES, FOI DITO QUE O PROBLEMA DO P ELÉ É QUE SE PERGUNTAREM A ELE SOBRE A SITUA ÇÃO SÓCIO - POLÍTICO - ECONÔMICA DA B ÓSNIA , ELE RESPONDE . Juca Kfouri – E é isso mesmo. Mas ao mesmo tempo é uma das pessoas mais absolutamente preparadas para ser líder que já vi na minha vida. O Celso Grellet conta que o Pelé acha que avião não atrasa, e que ele, Pelé, não atrasa. Mas ele atrasa os vôos, de 40 minutos a uma hora, porque ele é o Pelé. É o Pelé quem resolve quando o avião decola, porque ele se levanta, vai pra lá e pra cá, e aí as pessoas se levantam atrás dele pedindo autógrafos. E ele não recusa autógrafo pra ninguém. Ele é a figura mais simpática do mundo! Uma das cenas mais impressionantes que eu vi na minha vida foi quando eu o estava entrevistando para a Playboy, em 1993, em Cuenca, no Equador. Era o Dia dos Pais, e o distribuidor local da CocaCola tinha cedido a quadra de tênis da casa dele para o Pelé jogar enquanto estava lá. Ele convidou o Pelé para passar o almoço do Dia dos Pais para fazer um agrado aos filhos dele, e ele me pediu para ir junto. Nós fomos. Havia umas 30 pessoas na sala, todas brancas, mais o Pelé. Estávamos conversando em pé, e aparece descendo a escada um garotinho coçando os olhinhos de sono. Evidentemente ele foi acordado para ver o Pelé. Ele coça os olhos, olha, vê a mãe, os tios, avós, fixa os olhos no negão e fala assim para o pai “e la pelota?” [e a bola?]. Claro que eu suponho que este menino, antes de dormir, tenha ouvido “vem aqui o jogador de futebol que foi o melhor do mundo”. Mas o fato é que estamos falando de 1993, e o Pelé tinha parado de jogar bola em 1977. Este moleque tinha uns dois anos, olhou para a cara do Pelé e associou o Pelé à bola imediatamente. É uma coisa impressionante! Para responder à sua pergunta bem respondida, eu preferia ter me mantido na posição apenas de tiete dele, de não ter tido a aproximação que tivemos.
malandragem. Eu sempre fui e continuo a ser contra jornalista que faz livro reunindo coletânea de artigos. Eu acho uma maneira preguiçosa de fazer livro, e eu tenho um respeito reverencial aos livros. A verdade que eu fiz um assim chamado Meninos, Eu Vi, mas fiz deliberadamente. Quer dizer, quando comecei a fazer uma série de colunas para o Lance!, na última página, de memória, era mesmo para parar e transformar em livro quando chegasse na qüinquagésima edição. Fiz mesmo com esta finalidade. Agora, a história do Por que não Desisto é a seguinte: num belo dia veio um menino aqui chamado Márcio Kroenh, dizendo que estava fazendo o TCC [Trabalho de Conclusão de Curso] da universidade sobre a história da Placar. Ele veio me entrevistar e ficou encantado quando viu a coleção de Placar, porque ele não conhecia ninguém que tivesse a coleção desde o número zero. Ele me perguntou se podia vir aqui às vezes consultar a coleção, eu falei que sim, mas que não contasse com minha participação e que fosse discreto, que ele poderia ver coisas aqui no escritório. Percebo que ele estava marcando exageradamente todas as edições, e num belo dia, ele acabou o trabalho, virou-se para mim e disse: “Juca, enquanto estava fazendo o trabalho da Placar, eu me dei conta de que as suas colunas na revista poderiam render um livro”. Eu disse que não, por causa dos motivos que eu acabei de te contar. Arquivou-se. Tempos depois me telefona um ex-professor meu de Cursinho Universitário, José Bantim, dono de uma pequena editora chamada Disal, e me diz: “Escuta, me ocorreu uma obviedade. Por que a gente não faz um livro-coletânea de suas colunas?” Eu recusei, pelos mesmos motivos já citados. Dois anos depois, o Bantim me liga e me convida para almoçar com ele e com ninguém menos que o Márcio Kroehn. Bom, eles já tinham o livro pronto e faltava só definir o título e a capa. Deram uma foto para a editora de arte fazer a capa, e esta editora lembrou que eu tenho um filho fotógrafo, o Daniel. Foi na página dele na internet para ver se tinha alguma coisa de futebol, e ele por acaso estava acompanhando a trajetória do Corinthians na Segunda Divisão. Resultado: a foto da capa é uma foto do Daniel, meu filho. E o prefácio é do Tostão, que é uma das figuras que mais amo na minha vida. É um presentaço. No fim, me senti acanhadíssimo, obviamente, por eu ter um livro com a foto do meu filho, prefácio do Tostão, feito por um menino que veio aqui, e é da editora do meu ex-professor. Foi mesmo um presente. Eu inclusive me recuso a receber direitos autorais deste livro. JORNAL DA ABI – FALE UM POUCO
J ORNAL DA ABI – T UDO ISSO QUE VOCÊ FALOU RESPONDE À QUESTÃO
Guardado com carinho, Juca manuseia o relógio – único no mundo – que ganhou de presente do Rei Pelé e lê a dedicatória que ele mandou gravar.
“P OR QUE NÃO DESISTO ”, TÍTULO DO SEU ÚLTIMO LIVRO ? Juca Kfouri – Este livro é uma
DOS SEUS FILHOS .
Juca Kfouri – André é hoje repórter e âncora da ESPN Brasil. É um caso muito curioso porque o André era um bom aluno, sempre fez to-
das as boas escolas que ele escolheu aqui em São Paulo. Um belo dia fez vestibular para Direito, para ir para o Largo São Francisco, onde o avô tinha se formado. E para estranheza geral da família, ele não passou no exame. Dias depois, ele virou-se para mim e disse: “Pai, eu não quero fazer Direito. Quero fazer Jornalismo, e eu quero ser jornalista esportivo”. Eu falei pra ele: “Filho, você vai herdar todos os meus inimigos, que não são poucos, e os meus amigos não vão te ajudar em coisa nenhuma, como eu não ajudo os filhos dos meus amigos”. Tudo bem. Entrou numa faculdade vagabunda, ofereceu-se para ser rádio-escuta da Jovem Pan de madrugada, e aí volta aquela história do Nélson Rodrigues: sem sorte não se chupa nem um picolé. Um belo dia, o Ministro das Relações Exteriores do Brasil que estava em Nova York em reunião na Onu, Senhor Fernando Henrique Cardoso, é nomeado Ministro da Economia, durante a madrugada, pelo Presidente Itamar Franco. Terror na Rádio Jovem Pan: como achar o FHC em Nova York se ninguém fala inglês ali naquela hora? O André fala. Ele acha o FHC e bota o novo Ministro no ar, pelo telefone. Daí logo logo já colocaram o André no helicóptero para fazer trânsito, ele seguiu a vida e foi para ESPN. O Daniel é fotógrafo, tem um trabalho belíssimo, documental na área de sem-teto. É uma figura admirável. Neste momento [outubro de 2010] está no Chapadão do Bugre fazendo jogo de pólo aquático entre as cachoeiras. Camila trabalha com produção de cinema, trabalhou na Conspiração muito tempo, e agora está numa produtora menor com o Fernando Andrade, filho do meu amigo Mário Escobar de Andrade. E o Felipe, meu temporão de 19 anos, está fazendo Escola de Cinema e Audiovisual no Senac de Interlagos. JORNAL DA ABI – EXISTE IDEOLOGIA QUAL É SUA IDEOLOGIA ? Juca Kfouri – Sempre saio pela tangente nesta pergunta. Acho mentira esta coisa de dizer que não existe mais esquerda ou direita. Quem ainda está disposto a brigar para que os excluídos sejam incluídos é de esquerda, quem acha que isto é uma utopia, que não adianta, que é impossível, é de direita. Eu acredito que dê para incluir os excluídos, piamente. Não vou abrir mão desta crença, de fazer o que eu puder. Acho que jornalista que não queira melhorar o mundo errou de profissão. Jornalista tem lado, não pode falsear a verdade. O fato de ele ter lado não significa que ele possa distorcer uma informação que contraria o seu lado. Mas ele tem lado, claramente. Procuro estar ao lado dos que estão excluídos, dos que estão mal informados e de não bajular os poderosos. Sou francamente adepto de duas frases de Millôr Fernandes: “Quem se curva diante dos poderosos mostra o traseiro aos oprimidos” e “Jornalismo é oposição, o resto é armazém de secos e molhados.” HOJE ?
Jornal da ABI 364 Março de 2011
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Liberdade de imprensa
“Devemos preferir os sons das críticas ao silêncio das ditaduras”
sentações políticas e, sobretudo pela atividade da liberdade de opinião e de expressão. E, obviamente, uma liberdade que se alicerça, também, na liberdade de crítica, o direito de se expressar e se manifestar de acordo com as suas convicções.
Em pronunciamento na cerimônia comemorativa dos 90 anos da Folha de S.Paulo, a Presidente Dilma Rousseff reafirmou seu compromisso com a liberdade de expressão.
Nós, quando saímos da ditadura, em 1988, consagramos a liberdade de imprensa e rompemos com aquele passado que vedava manifestações e que tornou a censura o pilar de uma atividade que afetou profundamente a imprensa brasileira. A multiplicidade de pontos de vista, a abordagem investigativa e sem preconceitos dos grandes temas de interesse nacional constituem requisitos indispensáveis para o pleno usufruto da democracia, mesmo quando são irritantes, mesmo quando nos afetam, mesmo quando nos atingem. O amadurecimento da consciência cívica da nossa sociedade faz com que nós tenhamos a obrigação de conviver de forma civilizada com as diferenças de opinião, de crença e de propostas. Ao comemorar o aniversário de 90 anos da Folha de S. Paulo, este grande jornal brasileiro, o que estamos celebrando também é a existência da liberdade de imprensa no Brasil. Sabemos que nem sempre foi assim. A censura obrigou o primeiro jornal brasileiro a ser impresso em Londres, a partir de 1808. Nestes 188 anos de independência, é necessário reconhecer que na maior parte do tempo a imprensa brasileira viveu sob algum tipo de censura. De Libero Badaró a Vladimir Herzog, ser um jornalista no Brasil tem sido um ato de coragem. É esta coragem que
O discurso
Foi o seguinte o discurso da Presidente, que é reproduzido a seguir com intertítulos da Redação do Jornal da ABI. “Eu estou aqui representando a Presidência da República, estou aqui como Presidente da República. E tenho certeza de que cada um de nós percebe, hoje, que o Brasil é um País em desenvolvimento econômico acelerado, que aspira ser, ao mesmo tempo, um País justo,
JORGE ARAUJO/FOLHA PRESS
Convidada especial do jornal, a Presidente Dilma Rousseff reafirmou em discurso na cerimônia comemorativa dos 90 anos da Folha de S. Paulo, no dia 21 de fevereiro, o compromisso que assumira em sua primeira manifestação após a vitória eleitoral em 31 de outubro do ano passado, por ela definido agora como inabalável: “a garantia plena das liberdades democráticas, entre elas a liberdade de imprensa e de opinião.” “Reitero sempre – disse a Presidente – que no Brasil de hoje, neste Brasil com uma democracia tão nova, todos nós devemos preferir, um milhão de vezes, os sons das vozes críticas de uma imprensa livre ao silêncio das ditaduras.” Dilma Rouseff discursa durante a cerimônia comemorativa dos 90 anos da Folha de S.Paulo: “Estamos celebrando também a existência da liberdade de imprensa no Brasil.”
uma nação justa, sem pobreza e com cada vez menos desigualdades. Para todos nós isso não é concebível sem democracia. Uma democracia viva, construída com o esforço de cada um de nós, e construída ao longo desses anos por todos aqui presentes, que cresce e se
consolida a cada dia. É uma democracia ainda jovem, mas nem por isso mais valorosa e valiosa. A nossa democracia se fortalece por meio de práticas diárias, como os diferentes processos eleitorais, as discussões que a sociedade trava e que leva até suas repre-
A trajetória da Folha, em nove décadas P OR CLAUDIA SOUZA A presença da Presidente Dilma Rousseff foi o ponto mais destacado dos festejos de gala com que a Folha de S.Paulo comemorou seus 90 anos, numa noite que reuniu, além da Presidente, ministros e governadores de Estados, prefeitos e personalidades da vida política, econômica e social de São Paulo e do País. A celebração incluiu um concerto da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo e um ato multirreligioso na Sala São Paulo. Entre os presentes encontravam-se o Governador de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB), o Prefeito paulistano Gilberto Kassab, então no Dem, e Octávio Frias Filho, Diretor de Redação do jornal. A ABI foi representada no evento pelo jornalista James Akel, membro do Conselho Consultivo da nossa Representação em São Paulo. O ato multirreligioso reuniu o Cônego Aparecido Pereira, da Arquidiocese de São Paulo (catolicismo); Rolf Schünemann, da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (protestantismo); João Batista do Vale, Vice-Presidente da Federação Espírita do Estado de São Paulo (espiritismo); Xeque
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A forma civilizada
Abdel Hamid Mohamed Mohamed Aly Metwally, da Mesquita Brasil (islamismo); Monja Coen Murayama, representante da tradição Soto Zen (budismo); Mãe Liliana de Oxum, da Associação Centro de Mamãe Oxum (candomblé); Rabino Michel Schlesinger, da Congregação Israelita Paulista (judaísmo); Dom Datev Karibian, Arcebispo da Igreja Apostólica Armênia do Brasil (armênios apostólicos).
A caminhada Fundada há nove décadas por Olival Costa e Pedro Cunha, que haviam deixado O Estado de S. Paulo, a Folha de S. Paulo surgiu como o vespertino Folha da Noite, voltado para o leitor da área urbana. Em 1º de janeiro de 1960, os jornais Folha da Manhã, Folha da Tarde e Folha da Noite foram unificados para compor a Folha de S. Paulo. Dois anos depois, os empresários Octávio Frias de Oliveira (1912-2007) e Carlos Caldeira Filho (1913-1993) assumiram o controle acionário da empresa. Em 1976, o jornal, que apoiara o golpe militar de 1964, abre espaço em suas páginas para opositores da ditadura e se torna um dos catalisadores da abertura. Entre 1983 e 1984, apóia a campanha das Diretas-Já e lança um projeto editorial que busca promover o jornalismo crítico, apartidário e pluralista. Nessa época, a Folha passa a ser o jornal de maior tiragem do País. Tudo digitalizado Em comemoração aos seus 90 anos, a Folha disponibilizou gratuitamente na internet, a partir do dia 19 de fevereiro, o acervo digitalizado de sua hemeroteca, com
repercussão na vida política brasileira, os momentos históricos desde a fundação em 1921 e as homenagens aos 90 anos. Mensagem da ABI A ABI enviou mensagem ao Diretor de Redação da Folha, Octávio Frias Filho, felicitando-o pelos 90 anos de fundação do jornal. A mensagem tem o seguinte teor: “Caro Octávio Frias Filho, A Associação Brasileira de Imprensa cumpre mais do que simples dever protocolar ao lhe dirigir efusiva saudação pelos 90 anos da Folha de S. Paulo, que Você e seus colaboradores estão comemorando com as galas devidas. A Folha de S. Paulo é atualmente A primeira edição do jornal Folha da forte paradigma de jornalismo feito Noite, agora disponível na internet. com competência e independência, justificando o lema que sustenta há anos, segundo o qual o jornal tem o rabo preso apenas com o leitor. cerca de 1,8 milhão de páginas Ao felicitá-lo e aos jornalistas e publicadas desde 1921, por ela e pela demais trabalhadores da Folha, folga Folha da Manhã e a Folha da Noite. a ABI em registrar que o Grupo O processo de digitalização liderado por Octávio Frias, de durou cerca de um ano e envolveu saudosa memória, ocupa hoje um dezenas de funcionários de uma papel de extraordinário relevo tanto empresa especializada. As na comunicação como no campo hemerotecas dos extintos Folha da cultural, de que são exemplos suas Tarde e Notícias Populares também criações e seus lançamentos nas estão sendo digitalizadas. áreas da literatura, da música e das Na edição especial de artes plásticas. aniversário, a Folha de S. Paulo Cordialmente (a) Maurício Azêdo, apresentou as 90 reportagens que Presidente.” “fizeram história” por sua
aplaudo hoje no aniversário da Folha. Uma imprensa livre, plural e investigativa é imprescindível para a democracia em um País como o nosso, que, além de ser um País continental, é um País que congrega diferenças culturais, apesar da nossa unidade. Um governo deve saber conviver com as críticas dos jornais, para ter um compromisso real com a democracia, porque a democracia exige, sobretudo, esse contraditório e, repito mais uma vez, o convívio civilizado com a multiplicidade de opiniões, crenças, aspirações. Frias, uma referência
Garantia das liberdades
Reafirmo, nesta homenagem aos 90 anos da Folha de S. Paulo, meu compromisso inabalável com a garantia plena das liberdades democráticas, entre elas a liberdade de imprensa e de opinião. Sei que o jornalismo impresso atravessa um momento especial na sua História. A revolução tecnológica proporcionada pela internet modificou para sempre os hábitos dos leitores e, principalmente, a relação desses leitores com seus jornais. Como oferecer um produto que acompanhe a velocidade tecnológica e não perca a sua profundidade? Como aceitar as críticas dos leitores e torná-las um ativo do jornal? Sei que as senhoras e os senhores conhecem a dimensão do desafio que enfrentam. E que, com a mesma dedicação com que enfrentaram a censura, irão encontrar a resposta para esse novo desafio. E desejo a vocês o que, nesse caminho, sintetiza melhor o sucesso: que dentro de 90 anos a Folha continue sendo tão importante como agora para se entender o Brasil. É nesse espírito que parabenizo a Folha pelos seus 90 anos. Parabenizo cada um daqueles que contribuem e daquelas que contribuem para que ela chegue à luz, a todos esses profissionais que lhe dedicam diariamente o melhor do seu talento e do seu trabalho. Por fim, reitero sempre que no Brasil de hoje, neste Brasil com uma democracia tão nova, todos nós devemos preferir, um milhão de vezes, os sons das vozes críticas de uma imprensa livre ao silêncio das ditaduras. Muito obrigada.”
Apupado pelo povo no Carnaval, ele se vingou no jornalista que noticiou a vaia. O jornalista Alexandre Rolim, do Parecis.net, acusou o Prefeito de Campo Novo dos Parecis, Mato Grosso, Mauro Berft (PMDB), de tê-lo ameaçado e agredido em 11 de março. De acordo com o repórter, o Prefeito não gostou de ter sido noticiado que ele foi vaiado pelas ruas do Município durante o Carnaval. Num encontro no Departamento de Cultura, Berft chegou a apertar o ombro do jornalista contra uma mesa do escritório e também demonstrou insatisfação com outras publicações a seu respeito. Rolim registrou Boletim de Ocorrência e fez exame de corpo de delito, o qual comprovou lesão em seu ombro. Seminário no Rio
Intelectuais e profissionais de comunicação reuniram-se em 16 de março no Rio no Seminário Liberdade em Debate Democracia e Liberdade de Expressão, promovido pelo Instituto Millenium. No evento, dividido em três painéis, Cultura da intervenção x soberania popular, Liberdade x regulação e Politicamente correto e liberdade de expressão, foi discutida a importância da liberdade individual para o bem coletivo. Na abertura, Paulo Uebel, Diretor do Instituto, defendeu a liberdade e a melhoria da educação como forma de reforçar a democracia no Brasil. Uebel ressaltou que o debate teve como objetivo analisar as diversas restrições à liberdade que começam a surgir no Brasil. O jornalista e escritor americano David Harsanyi, um dos participantes, criticou a censura e defendeu o liberalismo. “O excesso de regras e restrições infantiliza a sociedade”, afirmou. A tutela excessiva do Estado foi um dos assuntos mais debatidos pelos participantes dos dois primeiros painéis, de acordo com o blog do Instituto Millenium, que fez a cobertura do evento ao longo do dia. O terceiro painel levantou polêmicas entre os convidados. Apesar das divergências, eles concordaram em que a cultura do politicamente correto ameaça a liberdade de expressão, é um risco para a democracia e está tornando o mundo mais chato, como noticiou o blog. (Fonte: Tambor da Aldeia, de Vilson Romero, nº 12, ano VI, 21 de março de 2011.)
Blogueiro que faz denúncias sofre atentado P OR M ARCOS S TEFANO
tra o Prefeito Eduardo Paes. “Foi um golpe! Em 24 horas, o Prefeito mudou critérios e ‘milagrosamente’ acabou com o surto de dengue em 14 bairros”, ataca a página de Gama. A manchete é seguida pela reprodução de uma reportagem do jornal O Globo informando que, um dia após o primeiro bairro da Zona Sul ter sido incluído na lista de locais com situação gravíssima, os técnicos da Secretaria de Saúde decidiram incluir mais critérios para considerar que uma região tenha de fato um surto da doença. Esteticamente, o blog de Gama não é bonito. Seus textos também não se atêm a regras jornalísticas nem têm estilo
O blogueiro Ricardo Gama foi alvejado com três tiros no dia 22 de março na Rua Santa Clara, em Copacabana, Zona Sul do Rio, presumivelmente por represália de pessoas e grupos contra os quais fazia contundentes denúncias em seu veículo. Testemunhas que presenciaram o crime contaram que os disparos foram feitos por homens que o abordaram em um carro cor prata. Gama foi atingido por um tiro na cabeça, um no pescoço e outro no ombro direito. Socorrido por populares e encaminhado ao Hospital Copa D’Or, ele foi submetido a duas cirurgias. A primeira, no cérebro, foi realizada para tratar de lesão provocada por uma das balas. A boa recuperação – no último fim de semana de março, ele já respirava sem a ajuda de aparelhos e caminhava com a ajuda de fisioterapeutas – permitiu que a equipe médica realizasse a segunda intervenção, esta mais simples, para fixar o Além do blog, Ricardo Gama tem um canal no YouTube. osso maxilar. Apesar disso, Gama continuava na UTI e não havia previsão de alta. refinado. As manchetes são sensacionaAdvogado de formação, Ricardo Gama listas e as frases, de incrível espontaneiencontrou na internet a ferramenta que dade. A audiência, no entanto, não pára precisava para amplificar sua voz de de crescer. Ele consegue captar a alma das protesto. Em seu blog, ele costuma traruas, diz o que muitos gostariam de fatar de temas polêmicos, normalmente lar e não conseguem. Por outro lado, relacionados à política e a casos de Polítambém acaba colecionando desafetos. cia. Sua página é marcada por ferozes Em uma de suas últimas postagens, ele críticas ao Governador Sérgio Cabral e fez comentários sobre um “empresário” ao Prefeito Eduardo Paes. Foi ele, por que abasteceria a Favela da Rocinha de exemplo, que divulgou, nas eleições do cocaína e que estaria de volta às ruas. ano passado, o vídeo em que o adolescenOutro denunciava que “cinco vagabunte Leandro foi chamado por Cabral de dos da quadrilha do traficante Nem, da “otário”, durante a inauguração de obras Favela da Rocinha, envolvidos em tirodo Pac de Manguinhos, em 2009. teio em hotel, estão voltando para o Rio Andando pelas ruas da cidade com de Janeiro.” uma câmera na mão, fazendo comentáExatamente por causa de textos como rios fortes diante do computador ou esse a Delegacia de Homicídios comepostando e analisando notícias de jorçou a investigar a hipótese de atentado nais, Gama não é homem de meias-paem razão das denúncias do blog. O prólavras. Em um de seus textos mais recenprio Gama, que chegou consciente ao tes, ele criticou a prisão de uma idosa que hospital, já havia informado ao delegatomava parte em um protesto contra a do responsável pelas investigações que visita do Presidente Barack Obama. A vinha sendo ameaçado. Na manhã de 25 mulher, de 69 anos, foi acusada de perde março parentes e amigos do blogueitencer a um grupo também acusado, ro realizaram uma manifestação em este de jogar um coquetel molotov confrente ao Palácio Guanabara, sede do tra o Consulado dos Estados Unidos. Governo do Estado, nas Laranjeiras, co“É um absurdo! Uma volta aos tembrando agilidade nas investigações. Por pos da ditadura! Ao mandar a vovó para sua vez, a Polícia garantiu o máximo de um presídio, a Polícia agiu com o único empenho e informou que pretende intuito de intimidar a população para usar as imagens das câmeras de seguranque não fizesse mais protestos”, escreveu. ça instaladas na Rua Santa Clara para Noutra postagem, a denúncia é conapurar o caso. Jornal da ABI 364 Março de 2011
REPRODUÇÃO
Este evento é também uma homenagem à obra e ao legado de um grande empresário, um homem que é referência para toda a imprensa brasileira. Octávio Frias de Oliveira foi um exemplo de jornalismo dinâmico e inovador. Trabalhador desde os 14 anos de idade, Octávio Frias transformou a Folha de S. Paulo em um dos jornais mais importantes do nosso País e foi responsável por revolucionar a forma de se fazer jornalismo no nosso Brasil. Soube, por exemplo, levar o seu jornal a ocupar espaços decisivos em momentos marcantes da nossa história, como foi o caso da campanha das “Diretas Já!”. Soube também promover uma série de inovações tecnológicas, tanto nas versões impressas dos seus jornais, como nas novas fronteiras digitais da internet.
Prefeito de MT agride repórter
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Liberdade de imprensa
No Paquistão morre um jornalista a cada mês Tudo conspira contra os profissionais: tensões com a Índia, ameaças terroristas, poder arbitrário das autoridades, conflitos tribais. Em 13 meses, mataram 13 jornalistas. O Paquistão ainda figura como o país mais perigoso para o exercício do jornalismo, considerando-se os registros de mortes de profissionais de imprensa dos últimos 13 meses, informou um relatório da organização não-governamental Repórteres Sem Fronteiras-RSF. Relatório da RSF revela que 13 jornalistas foram mortos no país nos últimos treze meses; um por mês, portanto. “Com a fronteira com o Afeganistão, com as tensões com a Índia e sua História política caótica, o Paquistão é uma das nações mais complexas em que os jornalistas se deparam com uma série de problemas, que incluem ameaças terroristas, violência policial, o poder desmedido de autoridades locais e os perigosos conflitos tribais”, afirmou a RSF em seu relatório ao explicitar alguns dos motivos que deram ao país o título de mais perigoso para os jornalistas.
Censura e violência pelo mundo O quadro de violências contra jornalistas no mundo registrou os seguintes episódios:
L ÍBIA I
TERISSA SCHOR-FLICKR
O cinegrafista Ali Hassan al-Jaber, da rede de TV al-Jazeera, foi atingido em 12 de março por três balas e morreu no hospital. Uma equipe da rede voltava da cobertura de uma manifestação da oposição em Suluq, a 50 quilômetros da cidade líbia de Benghazi, em 12 de março, quando foi vítima de uma emboscada. Homens armados abriram fogo, ferindo dois jornalistas. O repórter Naser al-Hadar foi atingido por uma bala acima da orelha e teve ferimentos leves.
Anthony Shadid, chefe da sucursal de Beirute do New York Times, em foto de 2008.
L ÍBIA II Forças de segurança leais a Muamar Kadhafi afirmaram em 18 de março que iam libertar os quatro jornalistas do New York Times que estavam desaparecidos desde o início da semana. Editores do NYT perderam contato com Anthony Shadid, chefe da sucursal de Beirute, os fotógrafos Tyler Hicks e Lynsey Addario e o cinegrafista Stephen Farrell em 15 de março. Eles estavam na cidade portuária de Ajdabiya, onde cobriam o embate entre rebeldes e partidários do ditador.
H ONDURAS Franklin Meléndez, Diretor da rádio comunitária La Voz de Zacate Grande e líder dos trabalhadores rurais da região de Zacate, foi baleado na perna e precisou ser hospitalizado em 13 de março.
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Meléndez foi atacado por dois indivíduos que reclamaram da emissora em favor dos trabalhadores rurais e contra um magnata local. O profissional estava com um representante de uma missão internacional que analisa a situação dos direitos humanos e dois funcionários da rádio quando foi agredido.
B OLÍVIA O repórter Mário Caro Martínez, da Rádio Kollasuyo, informou à Associação Nacional de Imprensa estar sendo processado por difamação, após divulgar denúncias contra autoridades da cidade de Potosí. Martínez acusou funcionários da Secretaria Municipal de Meio Ambiente de Potosí de irregularidades. As acusações foram consideradas uma tentativa de difamação. No entanto, o jornalista garantiu possuir documentos que comprovam suas denúncias. Uma primeira audiência sobre o caso foi suspensa. Organizações de imprensa alegam que, segundo a Lei de Imprensa da Bolívia, nenhum jornalista acusado de crimes cometidos no exercício da profissão pode ser levado à Justiça comum e que qualquer acusação contra Martínez deve ser julgada por um tribunal especial.
A NGOLA Aumentou nas últimas semanas a hostilidade de autoridades angolanas contra os jornalistas do país. Armando Chicoca, que trabalha para a Voz da America e diversas revistas independentes de Angola, foi condenado a um ano de prisão por supostamente difamar um juiz, depois de ter divulgado acusações de uma ex-empregada que foi demitida por se recusar a ceder a suas investidas sexuais. Quatro jornalistas do Jornal Novo – Pedro Cardoso, Afonso Francisco, Idálio Kandé e Ana Margoso – ficaram quatro dias presos quando cobriam um protesto antigoverno na capital, Luanda. Eles disseram ter sido tratados de maneira violenta durante a detenção. A última edição do semanário Folha 8 não foi distribuída depois que
forças de segurança ordenaram que as impressoras fossem paradas. Duas repórteres da Radio Ecclesia, Zenina Volola e Matilde Vanda, foram ameaçadas por forças de segurança quando cobriam um congresso de uma organização de mulheres de Angola.
B AHREIN Homens armados invadiram o parque gráfico do jornal independente al-Wasat, na capital Manama, na manhã de 15 de março, danificando a impressora e interrompendo a produção do diário. Mansour al-Jamri, editor-chefe do jornal, informou que os funcionários também foram ameaçados. O diário entrou em contato com o Ministério do Interior, que enviou forças de segurança para o local. A edição só pôde ser finalizada e distribuída porque outro jornal, o al-Ayam, concordou em imprimi-la. Al-Jamri disse que alguns dos homens que atacaram o jornal ficaram do lado de fora do prédio, em um esforço aparente de intimidação. Partidários do Governo vêm ameaçando funcionários do al-Wasat nos últimos dias. O jornal foi alvo por represália à cobertura das manifestações políticas no país.
A RÁBIA S AUDITA O Governo revogou a licença de trabalho do alemão Ulf Laessing, correspondente da Reuters em Riad. O Governo alegou que a cobertura feita pelo repórter sobre um recente protesto no país foi imprecisa, mas não deu mais detalhes. Sem credencial de imprensa, ele teve de deixar a Arábia Saudita.
I NGLATERRA O Governo revelou detalhes das futuras mudanças nas leis de calúnia e difamação do país, anunciadas no ano passado, destinadas a proteger a liberdade de expressão e pôr fim ao chamado “turismo de ações de calúnia e difamação”, que leva estrangeiros a abrir ações no Reino Unido por conta de leis mais rígidas neste tipo de processo. O secretário de Justiça, Ken Clarke, publicou o projeto de lei, que inclui uma nova defesa de “interesse público” que pode ser usada por réus em casos de difamação e um requerimento que os que abrirem o processo devem preencher, provando que sofreram prejuízos substanciais. A lei também eliminará o uso de júris em julgamento de calúnia, exceto em circunstâncias excepcionais. Clarke disse que, a lei “garantirá que qualquer um faça, com confiança, uma declaração de um fato ou expresse uma opinião honesta.” (Fonte: Tambor da Aldeia, nº 12, ano VI, 21 de março de 2011.)
Europeus querem respeito ao jornalismo, “um bem comum” Federação Internacional reclama: Governos devem usar a lei para aprimorar os direitos humanos e não para perseguir jornalistas. P OR JOSÉ REINALDO MARQUES
Através de seu Secretário-Geral, Adam White, a Federação Internacional dos Jornalistas-FIJ sustenta que os países europeus devem promover um amplo debate sobre direitos humanos e a necessidade de regulação da mídia no continente. A proposta foi apresentada durante o Seminário Jornalismo Ético e Direitos Humanos, organizado pelo Comissário do Conselho da Europa para os Direitos Humanos, Thomas Hammarberg. Na abertura do Seminário, Hammarberg disse que os Governos deveriam usar a lei para melhorar a proteção dos direitos humanos, e não para perseguir jornalistas. Ele falou também sobre a importância da transparência pública e da facilitação do acesso à informação como fator essencial para o exercício de um jornalismo independente. Adam Withe acha que está na hora de “colocar o jornalismo ético no centro das estratégias para promover a revolução da informação.” Para o dirigente da Federação, o jornalismo “é um bem comum” que exige dos seus profissionais compromisso com a verdade, o rigor ético e a justiça. Considera o Secretário-Geral da Federação que é dever dos Governos facilitar maior e melhor acesso à informação pública e acabar “com leis repressivas relativas a temas como a difamação criminal, a blasfêmia e a segurança nacional.” Withe chamou a atenção para três pontos importantes para uma comunicação livre e democrática: o fim das ameaças à liberdade de imprensa; o respeito ao direito de confidencialidade das fontes jornalísticas; o fim da perseguição a jornalistas por parte dos Governos. No entender de White, os Governos devem deixar o controle dos meios de comunicação nas mãos dos jornalistas e respeitar os direitos humanos. Os jornalistas, de seu lado, “têm que estar à altura do desafio de colocar a sua própria casa em ordem.” Ele elogiou o apoio que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos vem dando ao direito de preservação do sigilo das fontes jornalísticas, mas advertiu que os magistrados dessa Corte devem evitar interferir excessivamente no jornalismo, por meio de julgamentos das escolhas editoriais dos veículos de comunicação: “Quando os juízes começam a avaliar manchetes, imagens e artigos, as campainhas soam nos corredores do jornalismo”, afirmou White.
Direitos humanos
Caravana faz julgamento em São Paulo e anistia 4 Entre os processos apreciados, o de uma servidora presa e torturada em 1969 e que levou cerca de 42 anos para obter reparação pelas violências que sofreu. Em sua 48ª edição, realizada em São Paulo em 18 de março, a Caravana da Anistia do Ministério da Justiça procedeu ao julgamento de quatro processos de perseguidos pela ditadura militar, entre os quais o da servidora pública Elza Ferreira Lobo, presa e torturada em 1969 por seu envolvimento com a Ação Popular e que só agora, cerca de 42 anos depois, obteve reparação pelas violências que sofreu. Após libertada, Elza Lobo partiu para o exílio na Argentina e depois no Chile, na França e no Peru, de onde só retornou em 1979, após a aprovação da Lei da Anistia. Além de Elza Lobo, foram anistiados a professora Maria Aparecida Antunes Horta, que, para escapar à perseguição política, em 1972 teve de abandonar o cargo de professora e se exilar no Chile e, com a derrubada do Presidente Salvador Allende, em Cuba, de onde retornou em 1979; também professora, Denise Maria de Moraes Santana Fon foi obrigada a deixar o emprego na Paraíba e sair
do País, para um exílio que se estendeu por dois anos; Emílio Borsari Assirati, também da Ação Popular, preso quando distribuía panfletos políticos e torturado. Como as três militantes anistiadas, Borsari também teve de se exilar, primeiro no Chile, depois na Bolívia. Espaço simbólico
Os julgamentos da 48ª Caravana da Anistia foram realizados no Teatro da Universidade Católica de São PauloTuca, anfiteatro da Pontifícia Universidade Católica, um dos espaços que simbolizam os movimentos de resistência à opressão durante o regime militar. Nesse local, cerca de mil estudantes foram surpreendidos, em setembro de 1977, por forças de repressão comandadas pelo então Secretário de Segurança do Estado de São Paulo, Coronel Erasmo Dias, que determinou o emprego de impiedosa violência contra os jovens. A reunião dos estudantes visava à rearticulação da União Nacional dos Estu-
“Temos que deixá-lo bem vivo, para que no presente nos lembremos de que fatos como esses não podem mais se repetir”, disse o Ministro na 48ª Caravana da Anistia, a primeira realizada em sua gestão. Diante de um auditório lotado e tomado por grande emoção, o Ministro da Justiça, Deputado José Eduardo Cardozo, defendeu, em seu discurso na 48ª Caravana da Anistia, em 18 de março, a democracia, o Estado de Direito e o resgate do passado. No ato, realizado no Teatro da Universidade da Puc-SP, foram julgados os processos de anistia de quatro perseguidos políticos relacionados à área educacional. São eles: Emílio Borsari Assirati, Maria Aparecida Antunes Horta, Denise Maria de Moraes Santana Fon e Elza Ferreira Lobo (ver texto acima). Na primeira Caravana da Anistia sob sua gestão, Cardozo ressaltou a importância do trabalho da Comissão de Anistia, que há anos julga os pedidos de reparação de anistia política no País. “Eu tenho conhecimento da dificuldade que tem sido o trabalho da Comissão de Anistia, especialmente nestes dias em que faltam estrutura e assessoramento necessários para esta atividade. Mas podem ter absoluta certeza de que o trabalho da Comissão é uma prioridade para o Ministério da Justiça e que, portanto, vocês terão a estrutura necessária para regular o funcionamento da Comissão”, frisou. Professor licenciado da Puc-SP, o Ministro lembrou do período em que lecionava na universidade e da necessidade
de se falar sobre o passado e sobre a História do País. “Lembro-me da noite em que a Universidade Católica foi invadida e, quero confessar, eu não estava no ato e vou lhes dizer a razão: eu tinha medo. Era o meu primeiro ano de faculdade. Eu tinha uma visão da necessidade de combater a ditadura, de lutar pela democracia, mas eu tinha medo de participar da vida política. Mas ao chegar aqui e ver o Exército cercando a universidade, vi as salas de aulas destruídas e meus amigos feridos, vi a biblioteca com seus livros apreendidos. Há momentos na vida, embora todos nós tenhamos direito de ter medo, que nós não temos o direito de não vencê-lo, de não derrotá-lo. Foi naquele momento que eu disse que não teria mais coragem de me olhar no espelho se eu não tomasse uma postura. E foi ali que eu me engajei no movimento estudantil. Foi ali que eu comecei a viver a vida acadêmica na dimensão política. A partir daí eu me engajei na luta pela anistia ampla, geral e irrestrita”, disse, fazendo alusão à presidência do Centro Acadêmico 22 de Agosto e a uma placa inaugurada por ele em nome de uma estudante falecida. Pintada por alunos da faculdade de Direito, a placa traz a inscrição: “Anistia Ampla, Geral e Irrestrita.”
Reparação, um dever
Presente ao ato, o Ministro da Justiça, Deputado José Eduardo Cardozo,
disse que é “um dever constitucional a reparação das violações dos direitos daqueles que foram perseguidos pela ditadura militar ”. Ele garantiu empenho do Governo para viabilizar os trabalhos da Comissão de Anistia e acelerar os processos de ressarcimento moral e indenizatório. Cardozo também manifestou-se favorável a sanções aos agentes do Estado que praticaram violências contra os adversários da ditadura. O Presidente da Comissão de Anistia, Paulo Abrão, informou que 60 mil de um total de 68 mil pedidos de anistia já foram apreciados. “Muitos de nossos heróis desse passado estão com idade avançada e merecem receber ainda em vida o pedido de desculpas por parte do Estado”, disse Abrão, que ressaltou que a não abertura dos arquivos militares dificulta a reunião das provas dos delitos cometidos contra os adversários do regime militar. (Da Redação do Jornal da ABI, com informações de Marli Moreira, da Agência Brasil) ELZAFIÚZA/ABR
Ministro Cardozo: Não se pode apagar os abusos do passado
dantes-Une. Todos os participantes do encontro foram presos; muitos deles sofreram queimaduras e outros ferimentos graves. Antes do início da 48ª Caravana da Anistia, houve um ato comemorativo dos três anos da instituição dessas sessões itinerantes e dos dez anos de existência da Comissão do Ministério da Justiça, a qual criou a Caravana em 2008, na gestão do então Ministro da Justiça Tarso Genro, com o objetivo de descentralizar os trabalhos, até então desenvolvidos somente em Brasília, e de permitir maior participação da sociedade, além de difundir informações sobre a ditadura militar 1964-1985, principalmente para o público jovem. Nestes três anos, mais de 15 mil pessoas acompanharam os trabalhos das Caravanas e cerca de mil requerimentos foram julgados.
perseguida. Nós vivemos sob a égide de um Estado de Direito e hoje o Ministro da Justiça pode chegar publicamente e dizer que o Estado tem que reparar o passado e não vai dizer mais ‘nada a declarar’”, disse. O Ministro afirmou ainda que a Comissão de Anistia cumpre um papel histórico, democrático, necessário e fundamental, ao resgatar o passado. “Quando se cometem erros, as pessoas que têm dignidade precisam pedir perdão e têm que reparar os erros. O nosso papel na Comissão de Anistia é fazer apurações equilibradas, justas e sem excessos, mas cumprindo a nossa Constituição. Temos que pagar as indenizações para aqueles que tiveram suas vidas violentadas. Temos que pedir perdão, em nome do Estado brasileiro, aos torturados, aos violentados e aqueles que tiveram suas vidas destroçadas. Temos Ministro Cardozo: “Não estamos fazendo nenhuma que erguer o Memorial da Anistia. benesse; estamos, sim, cumprindo o nosso dever” Não estamos fazendo nenhuma benesse; estamos, sim, cumprindo o nosso dever”, disse. Enfático, Cardozo afirmou que o EsNo fim da tarde, o Ministro inaugutado brasileiro precisa ter memória. “O rou a exposição Sala Escura da Tortura, na Estado brasileiro violou direitos. O EstaFaculdade de Direito do Largo de São do brasileiro atingiu pessoas. O Estado Francisco. A obra é uma iniciativa crítibrasileiro torturou sob a mão de algumas ca e de denúncia elaborada na década de pessoas que abusaram do seu poder. Di1970, composta por seis grandes painéis ante desta realidade, nós não podemos gráficos ilustrando práticas de tortura apagar o passado. Ao contrário, nós teempregadas no Brasil durante a ditadura. mos que deixá-lo bem vivo, para que no Concebida a partir dos relatos de Frei Tito presente nós nos lembremos de que fadurante seu exílio na França, a obra foi tos como este não podem mais se repeexposta pela primeira vez no Museu de tir ”, disse o ministro. Arte Moderna de Paris, em 1977, como Por fim, José Eduardo Cardozo afirforma de dar visibilidade aos crimes conmou que o momento vivido hoje pelo tra a humanidade que vinham sendo Brasil é muito diferente dos tempos da praticados pelas ditaduras da América do ditadura militar. “Hoje nós temos na PreSul. (Fonte: Comissão de Anistia do Minissidência da República uma mulher que tério da Justiça.) lutou contra a ditadura, que foi presa, foi Jornal da ABI 364 Março de 2011
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Direitos humanos
HÁ PISTAS QUE PODEM LEVAR AOS MATADORES DE RUBENS PAIVA Se o Governo quiser realmente e o Ministro da Defesa Nélson Jobim deixar, há como levantar com precisão como se deu a morte do ex-Deputado após sua prisão em casa, no Rio, em 1971.
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REPRODUÇÃO
Se o Governo estiver realmente interessado na descoberta da verdade sobre os crimes cometidos durante a ditadura militar e se o Ministro da Defesa Nélson Jobim deixar, poderão ser levantadas desde logo informações preciosas sobre o assassinato do ex-Deputado Rubens Paiva, preso em sua casa no Rio de Janeiro, em 20 de janeiro de 197l, por agentes da Aeronáutica e morto dias depois, após tortura por agentes do Destacamento de Operações de Informações do Centro de Operações de Defesa Interna (Doi-Codi), do antigo I Exército, sediado no Rio. Reportagem do jornalista Wilson Tosta publicada pelo Estadão em sua edição de 12 de março (Papéis revelam pistas sobre caso Rubens Paiva, página A9) informa que um pacote de documentos oficiais depositados no Arquivo Nacional, sediado no Rio, contém informações sobre os nomes de militares que tiveram contato com o ex-parlamentar após sua prisão. Os documentos, originários do quartel-general do antigo I Exército, incluem cópia da sindicância que teria sido instaurada após a morte de Paiva, atribuída na versão oficial a grupos terroristas que pretendiam resgatá-lo das mãos dos agentes da repressão, conforme o Governo fez chegar aos órgãos de imprensa, alguns dos quais, como O Globo, publicaram a informação oficial sem questioná-la – o que aliás era proibido na época. “O relatório da investigação, com três páginas e de 11 de fevereiro de 1971 – diz o repórter Wilson Tosta, que teve acesso à documentação e a divulgou com exclusividade —, diz que o capitão Raimundo Ronaldo Campos, o primeiro-sargento Jurandir Ochsendorf e Souza e o terceiro-sargento Jacy Ochsendorf e Souza levavam o ex-parlamentar na suposta diligência, no Alto da Boa Vista.” “A investigação, conduzida pelo major Ney Mendes, formalizou a história apresentada pelo governo militar para o sumiço do ex-deputado depois de capturado em sua própria casa. Segundo a apuração, o Fusca em que os três militares e o prisioneiro seguiam foi fechado na Estrada de Furnas, houve tiroteio, Rubens correu, o carro se incendiou e os terroristas resgataram o ex-deputado.”
“Na refrega, houve a evasão do Sr. Rubem (sic) Beirodt Paiva para local ignorado, de vez que a preocupação dos referidos agentes era de se defender e também a de seu acompanhante, cujas conseqüências foram a queima do carro e a interrupção das diligências que estavam processando, escreveu o major Mendes, que pediu o arquivamento do caso.” Tosta revela que na documentação há referência ao então Chefe do Doi do I Exército, Major Francisco Derlurgo Santos, que enviou ofício ao Chefe da 2ª. Seção (Informações) do Estado-Maior do I Exécito encaminhando expediente em que o Major Ney Mendes comunicava a “fuga” de Rubens Paiva. Nela figuram também os nomes dos peritos que elaboraram o Laudo Pericial 01/71, feito no local no dia 22 de janeiro – a “fuga” teria sido de madrugada: primeiro-tenente Comandante do Pelotão de Investigações Criminais, Armando Avólio Filho, e terceiro-sargento Lúcio Eugênio de Andrade, que assinara o laudo juntamente com o Coronel José Ney Fernandes Antunes, do 1º Batalhão de Polícia do Exército.
Lembra Wilson Tosta que as entidades de direitos humanos consideram fantasiosa essa versão de “fuga”: “O corpulento e quarentão ex-deputado teria, em meio a um tiroteio dos militares com os terroristas, escapado correndo agilmente do carro em que era conduzido preso.” “Curiosamente – acrescenta Tosta adiante —, o nome de um dos peritos surgiria mais de 30 anos depois acusado de envolvimento com tortura. Já como coronel e adido militar brasileiro em Londres, durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, Armando Avólio Filho foi denunciado pelo jornal inglês The Guardian e teve seu afastamento do cargo pedido pela Anistia Internacional. Acabou exonerado.”
“CRIMES EM ANDAMENTO”
Tosta entrevistou um membro do Ministério Público Militar, Promotor Otávio Bravo, o qual informou que a Justiça brasileira considera que desaparecimentos forçados como o de Rubens Paiva são equivalentes a seqüestro; en-
quanto não forem objeto de informações seguras, são crimes em andamento e portanto fora da Lei de Anistia e não prescritos. O Promotor Bravo informou que deseja investigar os casos de pelo menos 40 ativistas que teriam sumido após passar pela “Casa da Morte”, centro clandestino de tortura e extermínio mantido pelo Doi em Petrópolis – há indícios de que Rubens Paiva tenha passado por lá. Diz ainda Wilson Tosta. “Bravo pretende ouvir inicialmente testemunhas dos desaparecimentos de Paiva e de outras três pessoas – Stuart Angel Jones, Carlos Alberto Soares de Freitas (que militou com a presidente Dilma na organização VAR-Palmares e Mário Alves. Na lista do promotor estão parentes dos quatro.” “A partir das informações poderão ser requisitadas informações às Forças Armadas. Pelos postos que ocupavam à época do desaparecimento de Paiva, é possível que alguns dos militares – então na faixa dos 20 aos 40 anos – estejam vivos e em condições de depor.”
Investigando as circunstâncias em que se deu a morte de Rubens Paiva ou emitindo relatório ou laudo, são citados na documentação levantada pelo jornalista Wilson Tosta os seguintes militares do Exército, com as patentes e graduações que tinham na época: CORONEL JOSÉ NEY FERNANDES ANTUNES, do 1º Batalhão de Polícia do Exército; MAJOR NEY MENDES, que dirigiu a investigação sobre a alegada ”fuga” de Rubens Paiva; MAJOR FRANCISCO DERLURGO SANTOS, Chefe do Doi do I Ex; CAPITÃO RAIMUNDO RONALDO CAMPOS, primeiro-sargento JURANDIR OCHSENDORF E SOUZA e terceiro-sargento JACY OCHSENDORF E SOUZA, que conduziam Rubens Paiva num Fusca dado como atacado por terroristas; PRIMEIRO-TENENTE ARMANDO AVÓLIO FILHO, Comandante do Pelotão de Investigações Criminais do Doi, e TERCEIRO-SARGENTO LÚCIO EUGÊNIO DE ANDRADE, que assinaram o Laudo Pericial nº 01/71 juntamente com o CORONEL JOSÉ NEY FERNANDES ANTUNES.
LULA ASSINOU, DILMA CUMPRIU Em matéria complementar à de Wilson Tosta, na mesma edição e página, o jornalista Roldão Arruda lembrou que os documentos em poder dos orgãos de repressão política no regime militar estão sendo reunidos no Arquivo Nacional desde 2005 por iniciativa da então Ministra-Chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que em dezembro daquele ano mandou para o Arquivo tudo o que estava em poder da Agência Brasileira de Informações-Abin e pertencera ao extinto Serviço Nacional de Informações-SNI, do Conselho de Segurança Nacional e da Comissão Geral de Investigações, órgão de investigação criado logo após o golpe militar de 1º de abril de 1964. A Ministra Dilma cumpriu assim decreto firmado pelo Presidente Lula, o qual, por sua vez, cumpria determinação da Organização das Nações Unidas-Onu para que o Brasil tornasse públicos os documentos do período da ditadura militar. Roldão Arruda informa que pesquisadores e parentes das vítimas da ditadura reclamam até hoje, porém, da falta de acesso a arquivos que ainda estariam em poder das Forças Armadas; os militares, de seu lado, alegam que os papéis foram destruídos.
Rubens Paiva havia completado 41 anos pouco mais de três semanas antes de sua prisão na casa da Avenida Delfim Moreira, em frente à praia de Ipanema, na qual morava com a mulher, Maria Lucrécia Eunice Facciolo Paiva — a Maria de que falam Aldir Blanc e João Bosco na canção O Bêbado e a Equilibrista — e os cinco filhos. Ele era um industrial bem-sucedido, que constituíra empresas no campo da engenharia e exercia cargo de direção na Machado da Costa Engenharia, então a principal empresa do País no setor de construção de pontes e viadutos e cabeça de um complexo de empresas dessa área – uma espécie de Odebrecht dos anos 1960-1970. Rico, Paiva oferecia à família uma vida de conforto e segurança, ainda que sem luxo. Foi essa família feliz que a repressão da ditadura militar destroçou, como fez com tantas outras, milhares e milhares de outras. Engenheiro formado pela Universidade Mackenzie em 1954, nascido em Santos em 26 de dezembro de 1929, Paiva tomou o gosto pela política já no ambiente universitário: foi Presidente do Centro Acadêmico Horácio Lane e se elegeu Vice-Presidente da União Estadual dos Estudantes de São Paulo, a festejada UEE, uma das mais importantes no ascendente movimento estudantil de então. Senhor da técnica de falar em público, foi o orador de sua turma na solenidade de diplomação. Esse interesse pela politica levou-o a assumir em 1957 a direção da fase paulista do periódico Jornal de Debates, que tivera grande influência na campanha O petróleo é nosso, de que resultou a criação da Petrobras. Comissão Parlamentar de Inquérito Em 1962, com pouco mais de 30 anos, Paiva elegeu-se deputado federal pelo antigo Partido Trabalhista Brasileiro, o PTB de João Goulart e Leonel Brizola, no qual se vinculou às correntes mais avançadas e se integrou à luta pelas reformas de base que o Presidente Jango defendia. Empossado em 1963, assumiu a vice-liderança da bancada do partido e participou ativamente da Comissão Parlamentar de Inquérito do Ibad (Instituto Brasileiro de Ação Democrática), entidade constituída em 1959 por empresários para promover a eleição de políticos de direita na eleição de 1962. A CPI apurou que o Ibad fez uma derrama de 12 a 20 milhões de dólares na compra de políticos e militares, a fim de eleger parlamentares conservadores ou reacionários que contestassem o Governo Goulart. Nas horas que se seguiram ao golpe militar de 1º de abril de 1964, Paiva deu cobertura a dois dos mais visados líderes da situação deposta: Darci Ribeiro, Chefe da Casa Civil da Presidência da República, que tentara articular uma
DIVULGAÇÃO
OS MILITARES QUE INTERVIERAM NO CASO
resistência armada ao golpe, e Valdir Pires, Consultor-Geral da República, um dos principais assessores políticos do Presidente. Com sua ajuda, ambos puderam tomar o caminho do exílio e se pôr a salvo das violências dos golpistas. Menos de dez dias depois, com a edição do Ato Institucional, que só mais tarde receberia a designação de número 1, Paiva foi incluído na primeira lista de cassações: perdia o mandato e os direitos políticos por dez anos. Chegou então a sua vez de partir para o exílio, primeiro na antiga Iugoslávia, no território que agora constitui a Sérvia, e depois na França e Inglaterra. Sem qualquer mandado, como era comum na época, agentes da Aeronáutica que não se identificaram prenderam-no em casa e o levaram para o quartel-general da 3ª. Zona Aérea, sediada junto ao Aeroporto Santos Dumont e comandada pelo Brigadeiro João Paulo Penido Burnier, o mesmo que em 1969, à frente do Parasar, unidade de salvamento da Força Aérea Brasileira, planejou a explosão do gasômetro da cidade para incriminar os adversários do regime e só não consumou seu plano sinistro porque, um dos oficiais, o Capitão Sérgio Miranda de Carvalho, conhecido na tropa como Sérgio Macaco, recusou cumprir suas ordens. A viúva Maria Eunice informou que Paiva começou a ser torturado ali na 3ª. Zona Aérea e encontrou a morte no Doi do quartel-general da Polícia do Exército, na Rua Barão de Mesquita, na Tijuca, Zona Norte do Rio. Eunice foi presa com a filha Eliana na manhã seguinte à prisão do marido e permaneceu incomunicável durante 15 dias. Uma das numerosas tentativas de realização de investigações sobre o assassinato de Paiva foi um inquérito policial militar reaberto por iniciativa do Promotor Paulo César de Siqueira Castro, membro do Ministério Público Militar, no qual a professora Cecília Viveiros de Castro, que esteve presa no Doi na época da prisão do ex-Deputado, revelou que o ouviu duas vezes se identificar como Rubens Paiva. Cecília apontou como um dos torturadores de Paiva o Coronel Nereu de Matos Peixoto, Chefe de Gabinete do Brigadeiro Burnier. Os torturadores queriam arrancar de Paiva infor-
mações sobre ligações de Helena Bocaiuva Cunha, filha do ex-Deputado Luís Fernando Bocaiuva Cunha, seu companheiro na bancada do PTB e também cassado pelos golpistas, com um dirigente da Var-Palmares de codinome Adriano. Helena estava exilada no Chile; a repressão queria caracterizar que Paiva seria uma espécie de pombo-correio entre ela e grupos de resistência armada à ditadura aos quais estivera vinculada. Reportagem minuciosa O chamado Caso Rubens Paiva ensejou ao longo destas quatro décadas uma série de iniciativas, propostas e reclamos de realização de investigações, além de trabalhos jornalísticos que foram fundo na questão, como uma extensa e minuciosa reportagem de Fritz Utzeri e e Heraldo Dias de Oliveira publicada em outubro de 1978 pelo Jornal do Brasil. Quase 17 anos depois, em agosto de 1995, Utzeri, que é membro do Conselho Deliberativo da ABI, descobriu na Delegacia da Barra da Tijuca o registro da transferência de seis ossadas encontradas no Recreio dos Bandeirantes, Zona Oeste do Rio, após escavações feitas em 1980. Os despojos foram enterrados na área reservada a indigentes no cemitério da Cacuia, na Ilha do Governador, mas apresentavam estado que não permitia identificação. Em março de 1987, o ProcuradorGeral da Justiça Militar, Francisco Leite Chaves, encaminhou à 1ª. Auditoria da Justiça Militar do Rio de Janeiro um parecer em que apontava três oficiais e um suboficial como participantes de todas as fases da tortura e da ocultação do cadáver de Rubens Paiva: Coronel Ronaldo José da Mota Batista Leão, Capitão João Gomes Carneiro, Subtenente Ariedisse Barbosa Torres e Major PM Rescala Corbage. A Auditoria decidiu arquivar o processo, acolhendo como procedente uma informação peremptória das autoridades militares: os autos da sindicância feita pelo I Exército haviam sido destruídos. Espera-se que após a reportagem de Wilson Tosta as investigações sobre a tortura e assassinato de Rubens Paiva deixem de patinar na ineficácia, como até agora.
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Direitos humanos
Delegado da 5ª DP do Rio atua como no tempo da ditadura Após prender 13 participantes de uma manifestação contra a visita do Presidente Barack Obama, ele os enquadrou por um delito de incêndio que não houve e um de depredação patrimonial que ninguém viu. O Delegado da 5ª Delegacia Policial do Rio de Janeiro, Alcides Alves, agiu como no tempo da ditadura militar ao intervir no epísódio da repressão a uma manifestação de protesto contra a visita do Presidente Barack Obama ao Brasil: após prender 13 participantes de um ato realizado diante do Consulado-Geral dos Estados Unidos no Rio, situado na Avenida Presidente Wilson, no Centro da Cidade – entre os quais um jovem de 17 anos e uma mulher de 69 anos —, ele os enquadrou por um crime de incêndio que não houve e por uma depredação patrimonial que ninguém viu, além de incriminá-los por lesões corporais sofridas por um vigilante da representação norte-americana. A manifestação foi realizada no começo da noite do dia 18 de março, véspera da chegada do Presidente Obama ao Rio, e transcorria pacificamente, com os participantes gritando palavras de ordem contra a visita. Deu-se então a intervenção de uma tropa da Polícia Militar, que lançou bombas de gás lacrimogêneo e gás de pimenta contra as pessoas e começou a agredi-las e prendê-las. Antes que a manifestação fosse dissolvida, houve notícia de que fora lançado contra o prédio do Consulado um coquetel molotov, cuja origem é atribuída pelos organizadores do protesto a agentes infiltrados. Um vigilante do Consulado, Rodolfo Gomes Pereira, de 26 anos, foi conduzido ao Hospital Sousa Aguiar por apresentar ferimentos leves e queimaduras numa das mãos e nas costas. Ele foi liberado duas horas depois de socorrido e voltou ao Consulado, onde exibia ataduras que aparentemente excediam às necessárias pelas lesões sofridas. Na 5ª DP, além de mandar autuar os presos, o Delegado Alcides Alves se mostrou arrogante e procurou dar lição de civismo ao grupo, num tom de voz que ele só baixou quando chegou à Delegacia um representante da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil-Seção do Estado do Rio de Janeiro, advogado Aderson Bussinger, que quis saber do fundamento legal das prisões e se informar sobre o estado dos presos. Isso não impediu que o Delegado promovesse a remoção de oito presos homens para a Penitenciária de Água Santa, de quatro 32 Jornal da ABI 364 Março de 2011
mulheres para o Presídio Bangu 8 e do menor João Pedro Acioly Teixeira, de 17 anos, aluno do Colégio Pedro II, para o Instituto Padre Severino, destinado a menores infratores. A prisão do grupo gerou no sábado intensa mobilização de entidades e de parlamentares, entre as quais a ABI, que interveio através do advogado Modesto da Silveira; o Senador Lindberg Farias (PT-RJ), os Deputados federais Chico Alencar (Psol-RJ) e Stepan Nercessian (PPS-RJ) e o Deputado estadual Marcelo Freixo (Psol). Além da ABI e da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, empenharamse nos esforços para a libertação dos manifestantes o Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação-Sepe, preocupado com seu Diretor Rafael Alves Rossi, um dos presos, o Sindicato dos Petroleiros do Rio de Janeiro-Sindipetro e a Reitoria da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Humilhações Após a prisão os manifestantes foram submetidos a humilhações pelas autoridades policiais. Logo após a chegada ao
Manifestantes que protestavam contra a visita do Presidente Barack Obama ao Brasil se encaminham para o Consulado-Geral dos Estados Unidos no Rio de Janeiro.
Presídio de Água Santa, todos tiveram os cabelos raspados, como se seus carcereiros quisessem demonstrar que a partir de então eles não teriam direitos. No domingo e na segunda-feira, na hora do chamado confere de contagem dos presos, foram obrigados a sentar no chão com os braços para trás, sobre as cabeças. Um dos presos que precisava de medicação permanente só teve acesso ao seu
remédio porque sua mãe fez um pedido diretamente ao Diretor do Presídio. O habeas corpus do grupo foi concedido na manhã de segunda-feira, mas o alvará de soltura só foi levado às duas prisões à noite. Na noite de domingo a juíza de plantão determinara a libertação de Maria de Lourdes Pereira da Silva, de 69 anos, conhecida como a Vovó Tricolor por sua paixão pelo Fluminense e presença constante nos jogos do clube, e do jovem João Pedro. Para se assegurar que João Pedro não sofreria violências no Instituto Padre Severino, o Senador Lindberg Farias passou a noite na instituição, em solidariedade com o rapaz.
O PROTESTO DA ABI DIANTE DAS PRISÕES
Um episódio com o “contorno de farsa” A ABI acompanhou o episódio da prisão dos 13 manifestantes desde o dia 19 de março, sábado, quando foi informada a respeito pelo advogado Modesto da Silveira, até dia 21, segunda-feira, quando o grupo foi libertado. Já na noite de sábado a ABI expressou seu protesto contra a violência, em nota sob o título Polícia do Rio aplica método da ditadura. A declaração tinha o seguinte teor: “A Associação Brasileira de Imprensa expressa seu protesto contra o tratamento dado a 13 pessoas presas na sexta-feira, dia 18, durante manifestação diante do Consulado dos Estados Unidos contra a visita do Presidente Barack Obama ao Brasil, as quais foram recolhidas a duas unidades carcerárias, a Penitenciá-
ria de Água Santa e Presídio Bangu 8, e alvo de um processo em que se pretende incriminá-las por lesão corporal a um vigilante ferido durante o ato e tentativa de incêndio. Estranha a ABI os procedimentos das autoridades da 5ª Delegacia, que se apressaram em dar ao episódio tons com o contorno de farsa, pois esses concidadãos, entre os quais uma dona-de-casa de 70 anos e um menor, foram logo considerados como autores de atos que nem sequer foram investigados e sobre os quais os acusados não foram chamados a depor com a assistência de advogados. Agiram as autoridades da 5ª DP de forma que constitui grave violação do Estado Democrático de Direito e que não pode passar
sem o vigoroso protesto e repúdio daqueles que se empenharam com todos os riscos para o fim da ditadura militar, como esta Associação Brasileira de Imprensa. Igualmente grave é que a sonegação dos direitos constitucionais desses concidadãos ocorre num reprovável quadro de condescendência das autoridades brasileiras, no âmbito da União, do Estado e do Município do Rio de Janeiro, às imposições das autoridades norte-americanas acerca da preparação e da organização da visita do Presidente Barack Obama, em que, a par do grande desperdício de recursos públicos dos dois países, nem o visitante nem seus anfitriões se deram conta do exagero de que são promotores e protagonistas.”
HISTÓRIA REPRODUÇÃO
PEDRO KIRILOS / AGÊNCIA O GLOBO
Além das pessoas já citadas, integravam o grupo preso Andreyeve Martins Santos de Paula, Gabriel de Melo Silva Pinto, Gabriela Proença Natal Costa, Gilberto Borges Nogueira da Silva, José Eduardo Figueiredo, Pâmela Leal Marinho, Tiago Barcelo Loureiro, Ualberto Isaías Oliveira Tinoco, Vágner Luiz Vasconcelos e Yúri Proença Natal Costa. “Ato arbitrário” Em declaração firmada por seu Presidente, Wadih Damous, a OAB-RJ criticou o modo como foram conduzidas as prisões e a demora do Poder Judiciário em determinar a libertação dos manifestantes.
STJ manda Jobim pagar a cabo anistiado A Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça determinou o pagamento de anistia a cabo da Aeronáutica que ingressou na Força em 1963, mas foi excluído por portaria de 1964, considerada pela Comissão de Anistia como ato de exceção. Para a Seção, como em 2003 o Ministério da Defesa recebeu dotação no valor de R$ 24 milhões especificamente para o pagamento de indenizações a anistiados políticos, e o então cabo foi considerado afetado pela portaria, há omissão do Ministro ao não proceder ao pagamento dos efeitos financeiros retroativos.
“A prisão dos manifestantes foi um ato arbitrário, incompatível com o estágio de democracia que alcançamos no Brasil. Somos um País soberano e não precisamos mostrar truculências diante de qualquer Chefe de Estado para mostrar autoridade”, disse a OAB, que considera que a prisão não se deu em flagrante. Damous condenou a demora da Justiça em conceder o habeas corpus impetrado em favor do grupo: “É injustificável o não relaxamento da prisão pelo Judiciário durante o final de semana, sob o argumento de que eles representavam uma ameaça ao Presidente dos Estados Unidos. Isso agride a consciência jurídica da Nação. A Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ estará à disposição desses cidadãos para lhes prestar assistência, caso assim requeiram”, disse o Presidente da OAB. Um dos principais defensores de presos políticos durante a ditadura militar, o advogado Modesto da Silveira, que representou a ABI e o Sindicato dos Petroleiros no caso e como tal esteve na 5ª DP e depois no Instituto Médico Legal, para se certificar de que o grupo não sofrera violências físicas além da prisão, apontou uma série de ilegalidades na ação policial. “A prisão foi ilegal por ter sido efetuada sem qualquer indício de prova contra qualquer dos 13 acusados. A Polícia exagerou e prendeu indiscriminadamente. Foi um flagrante não provado”, disse Modesto, que considerou que “a decisão judicial de manter os manifestantes presos teve motivação política, tanto que após a saída de Obama do País o pedido de habeas corpus foi aceito rapidamente.” Informou Modesto que o Consulado dos Estados Unidos não quis liberar a fita das câmeras de segurança do prédio – um dos mais vigiados do Rio – para que os autores do alegado incêndio e das lesões no vigilante pudessem ser identificados.
A Lei nº 10.559/2002, que regulamenta o artigo 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição da República, estabelece o cumprimento das decisões do Ministério da Justiça relativas a anistias em 60 dias, condicionada à disponibilidade orçamentária. O cabo foi considerado anistiado político em 2003. A decisão, relatada pelo Desembargador convocado Adilson Macabu, determina ao Ministro da Defesa, Nélson Jobim (foto), que cumpra integralmente a portaria que concedeu anistia política ao impetrante do mandado de segurança, com o pagamento integral dos efeitos financeiros retroativos da reparação econômica a que tem direito. (Fonte: Comissão de Anistia do Ministério da Justiça.)
O Coronel João Gualberto aparece nesta pintura de Daniel Freire que retrata o combate do Irani de outubro de 1912, quando o pelotão do Regimento de Segurança do Paraná foi massacrado pelos revoltosos do Contestado. (Acervo Museu da Polícia Militar do Paraná)
Contestado: 100 Anos P OR P AULO R AMOS D ERENGOSKI As serras azuladas do Iraní: terrenos acidentados, ásperos, dobrados, redobrados, cobertos de pinheirais, faxinais, caragoatazais, entremeados de campestres, sangas, banhadões, peraus, itaimbés, grotas, precípios, cavernas. Desde os finais do século XIX ali viviam refugiados, criminais, gente sem eira nem beira, sem lenço nem documento, rolando na miséria... Em meados de 1912, José Maria lá estava, perambulando, festando, ministrando beberragens de ervas, sonhando, lendo trechos do livro Carlos Magno e os Dozes Pares de França para os cabodos embevecidos. Mas as autoridades de Curitiba consideraram aquela mancha de desafortunados uma invasão de território e corria o boato de que os jagunços haviam “proclamado a monarquia”. O Comandante do Regimento de Segurança do Paraná, Coronel João Gualberto, que era pernambucano e tinha ambições políticas, recebeu ordens de marchar contra os fanáticos e trazê-los manoteados para as barras dos tribunais... No dia 20 de outubro, João Gualberto manda um bilhete a José Maria, intimando-o a depor armas “sob pena de desencadear uma guerra de extermínio, a fim de fazer de volta a ordem e a lei àqueles sertões.” Às três da madrugada nevoenta de 22 de outubro de 1912, Gualberto levanta a tropa. Dentro dos padrões da guerra clássica, sua infantaria (cerca de sessenta homens do Regimento de Segurança do Paraná) vai na frente. O comboio de munições com uma metralhadora marcha no meio. Na retaguarda segue um pelotão de onze cavalarianos bem montados, com lanças. Mas o que ele não sabia ou fingia ignorar é que esse pequeno troço iria mergulhar num rio caudaloso de 200 sertanejos em armas.
O acampamento rebelde rezava – e sonhava – quando foi atacado. José Maria imediatamente destacou diversos grupos para os capões de mato que cercavam o local. No “Quadro-Santo”, o centro do reduto, deixou o grosso da tropa preparada para eventualidade. João Gualberto, ao perceber que os matos ao redor estavam cheios de caboclos, começou a gritar para – “Estender linha!”, “Assentar ferros!” Mas a metralhadora engasgava, não cuspia fogo. A cena toda deve ter durado minutos, porque logo os piquetes rebeldes entrariam em ação. À frente deles vinha como um possesso o próprio José Maria, dando gritos medonhos de “Viva a Liberdade!” “Viva a Coroa céu” “Viva a Coroa do Império.” Endemoniados, os jagunços combatem de arma nobre (arma branca) – facões de madeira e porretes de três quinas e assumem a ofensiva. No corpoa-corpo os fuzis levam desvantagem para os pontaços e a soldadesca começa a debandar, entre gritos apavorantes. João Gualberto cai do cavalo – que alguém lhe rouba para fugir e é retalhado no aço. Mas também José Maria, reconhecido pelo seu gorro de pele de onça, arroja a fronte ao pó, chumbado. Depois da vitória, a caboclada se dispersou dissimuladamente. Novas forças, vindas do Paraná, deram uma varejada no terreno, mas nada encontraram e deram o episódio por encerrado. Embora, na verdade, tudo estivesse apenas começando. Os funerais do Coronel João Gualberto, em Curitiba, foram suntuosos: triste música do fundo, para acompanhar o barulho surdo do incêndio que começava a crepitar – a estalar – nos sertões do Planalto em chamas... Paulo Ramos Derengoski, jornalista e escritor, sócio da ABI, é radicado em Lages, Santa Catarina.
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IMORTALIDADE
POSSE
Lucchesi, um poeta e editor na Academia
Fux, um juiz que engrandece o Supremo
Sua escolha com 34 dos 38 votos possíveis não foi uma eleição, e sim uma consagração.
Pesquisador do CNPq, ele também é editor da Coordenação-Geral de Pesquisa e Editoração da Fundação Biblioteca Nacional-FBN. Diretor acadêmico do Colégio do Brasil, atua como professor visitante da Universidade de Roma Tor Vergata e da Universidade de Craiovana, na Romênia. Entre suas principais obras estão Meridiano Celeste & Bestiário (Prêmio Alphonsus de Guimarães 2006 da FBN, finalista do Prêmio Jabuti 2007), A Memória de Ulisses (Prêmio UBE João Fagundes de Meneses 2007), Sphera (Menção Honrosa do Prêmio Jabuti 2004; Prêmio UBE de Poesia Da Costa e Silva 2004 e préfinalista do Prêmio Portugal Telecom 2004), Poemas Reunidos (finalista do Prêmio Jabuti 2002). Lançou no final de ano passado o livro O Dom do Crime, pela Editora Record.
DIEGO REIS
MÉRITO
Filosofia dá a Adolfo Martins a Medalha Hipólito Em concorrida sessão solene realizada no dia 22 de março, na Academia Brasileira de Filosofia-ABF homenageou o jornalista Adolfo Martins (foto), ao qual conferiu a Medalha Hipólito da Costa/ Liberdade de Imprensa. O ato contou com a presença de diversos acadêmicos, educadores, intelectuais e personalidades de outras áreas. Sob a presidência de João Ricardo Moderno, Presidente da ABF, a mesa da solenidade contou com a participação dos Presidentes da ABI, Maurício Azêdo; da Imprensa Oficial do Rio de Janeiro, Haroldo Zager; da Associação dos Diplomados da Escola Superior de GuerraAdesg, Brigadeiro Hélio Gonçalves; do Tribunal de Contas do Município, Thiers Vianna Montebello; da Academia Nacional de Medicina, Pietro Novellino, além do diretor-executivo do Instituto
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Millenium, Paulo Uebel; do Monsenhor Sérgio Costa Couto; e do Pró-Reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Roberto Bartholo. Adolfo foi saudado pelo Presidente da ABI, que ressaltou sua trajetória de luta pela liberdade de expressão desde que criou no Jornal dos Sports, no fim dos anos 60, o Escolar JS.
A ABI enviou mensagem no dia 3 de março ao Ministro Luiz Fux por sua posse como membro do Supremo Tribunal Federal, que na opinião da Casa se engrandece “com seu saber jurídico, seu alto senso ético e sua fina sensibilidade diante das questões de relevância da vida social.” A indicação de Fux para o Supremo Tribunal foi recebida com entusiasmo pelos membros da Associação dos Magistrados do Brasil-AMB, que fez campanha em defesa da designação de um magistrado de carreira para a vaga deixada pelo Ministro Eros Grau, e festejada pelos juízes do Tribunal de Justiça do Estado do Rio: 150 deles, segundo informou o jornalista Ancelmo Gois em sua coluna em O Globo, fizeram uma vaquinha, a R$ 500 por cabeça, e fretaram um avião para assistir à posse em Brasília e voltar para o Rio no mesmo dia. Com pai e avós judeus de origem romena, exilados da Segunda Guerra Mundial, Luiz Fux nasceu em 26 de abril de 1953, no bairro do Andaraí, no Rio de Janeiro. Estudou no Colégio Pedro II e formou-se em Direito pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro-Uerj em 1976. Pouco tempo depois, passou em primeiro lugar no concurso para o cargo de promotor do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, onde atuou entre 1979 e 1982, nas Comarcas de Trajano de Moraes, Santa Maria Madalena, Cordeiro, Cantagalo, Nova Iguaçu, Macaé e Petrópolis. Aprovado no concurso para a magistratura, atuou como Juiz de Direito entre 1983 e 1997, nas Comarcas de Niterói, Duque de Caxias, Petrópolis, Rio de Janeiro(capital) e Registro Civil das Pessoas Naturais. Posteriormente, foi promovido por merecimento a Juiz de Direito da Entrância Especial da 9ª Vara Cível do Estado do Rio de Janeiro. Durante esse período, exerceu a função de Juiz Eleitoral do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro na 13ª Zona Eleitoral e na 25ª Zona Eleitoral. Também por merecimento, foi promovido a Juiz de Direito do Tribunal de Alçada do Estado do Rio de Janeiro. Sua carreira no magistério teve início em 1995, como professor da cadeira de Processo Civil no curso de Direito da UERJ. Entre 1997 e 2001, Fux foi desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Em 2001, o Presidente Fernando Henrique Cardoso indicou-o para ocupar o cargo de Ministro do Superior Tribunal de Justiça no terço destinado a desembargadores de Tribunais de Justiça, na vaga do Ministro Hélio Mosimann, que se aposentara. A posse aconteceu em 29 de outubro de 2001. Em 1º de fevereiro de 2011, Fux foi indicado pela Presidente Dilma Rousseff para ocupar uma cadeira do Supremo
NELSONJR./SCO/STF
Trajetória
Marco Lucchesi é professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro e do Colégio do Brasil. Formado em História pela Universidade Federal Fluminense, doutor em Ciência da Literatura pela UFRJ e pós-doutor em Filosofia da Renascença na Universidade de Colônia, Alemanha.
A Suprema Corte ganha com o saber jurídico, o alto senso ético e a sensibilidade social do novo Ministro, diz a ABI ao saudá-lo.
DIVULGAÇÃO/ABL
O poeta e ensaísta carioca Marco Lucchesi foi eleito em 3 de março membro da Academia Brasileira de Letras, na qual ocupará a Cadeira nº 15, em substituição ao Padre Fernando Bastos de Ávila, que morreu em 6 de novembro passado. Mais que eleito, ele foi consagrado pelos membros da ABL: recebeu 34 dos 38 votos possíveis (foram três abstenções e um voto em branco), numa sessão a que compareceram 26 acadêmicos. Aos 47 anos de idade, ele passou a ser o mais jovem integrante da ABL. Sua eleição foi saudada pelo Presidente da Academia, Marcos Vinícios Vilaça, como “uma contribuição das mais valiosas para o quadro da Academia”: “Jovem e brilhante, certamente será de muita valia para os projetos e propostas que nossa Casa deseja implementar nos próximos anos.” A Cadeira nº 15 tem como patrono o poeta e teatrólogo Gonçalves Dias; seu primeiro ocupante foi Olavo Bilac. Outros acadêmicos que nela se sentaram foram Amadeu Amaral (1875-1929), Guilherme de Almeida (1890-1969), Odilo Costa, filho (1914-1969) e Dom Marcos Barbosa (1915-1997).
Ministro Luiz Fux durante sua posse no STF.
Tribunal Federal, em virtude da aposentadoria de Eros Grau. Em 9 de fevereiro de 2011, a Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal aprovou por unanimidade sua indicação e aplaudiu de pé a exposição que fez. A matéria seguiu para o Plenário, que aprovou a indicação por 68 votos a favor, dois contra e nenhuma abstenção. Em 11 de fevereiro, Fux foi nomeado Ministro do STF. Membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas desde 2008, Fux presidiu a comissão de juristas que elaborou o anteprojeto do novo Código de Processo Civil Brasileiro, concluído em 8 de junho de 2010. Com destacada atuação na área de direitos humanos, ele defende o reconhecimento efetivo pelo Judiciário dos direitos sociais garantidos na Constituição. Autor de dezenas de livros da área jurídica, Fux gosta de praticar jiu-jitsu e musculação e de tocar guitarra. A mensagem
Foi a seguinte a mensagem encaminhada ao novo Ministro pela ABI: “A Associação Brasileira de Imprensa felicita Vossa Excelência por sua posse no Supremo Tribunal Federal, que se engrandece com o seu saber jurídico, seu alto senso ético e sua fina sensibilidade diante das questões de relevância da vida social. Vossa Excelência será chamado desde logo a se pronunciar sobre espinhosas demandas pendentes de decisão do Supremo, oportunidade para reafirmar com brilho o seu admirável desempenho como magistrado. Cordialmente, Maurício Azêdo, Presidente da ABI.”
DENÚNCIA
A Justiça do Pará é inimiga do jornalismo independente Sua grande vítima é o jornalista Lúcio Flávio Pinto, que, para exercer o jornalismo com autonomia e liberdade, abandonou a grande imprensa e fundou, há 23 anos, o alternativo e combativo Jornal Pessoal. Sua iniciativa esbarra na perseguição praticada pela Justiça do Estado, que insiste na prática da censura prévia e viola o direito à informação. P OR P AULO CHICO
O nome da publicação já diz (quase) tudo. Jornal Pessoal. Foi preciso que Lúcio Flávio Pinto, jornalista de destaque e com passagens por diversos veículos de porte nacional, como O Estado de S.Paulo, abrisse mão do glamour das atividades profissionais na chamada grande imprensa e se lançasse no desafiador mercado de jornais alternativos. Um negócio de alto risco financeiro e, na visão desse jornalista, natural de Santarém, Pará, a única possibilidade real de fazer o que considera, de fato, jornalismo. “Depois de 21 anos com um pé na grande imprensa e outro em publicações alternativas, quando comecei a fazer o Jornal Pessoal estava convencido de que só há uma maneira de ser realmente independente: aceitar ser pobre. Assim, montei a estrutura mínima, ou seja, apenas eu, para suportar minha opção editorial: fazer um jornal sem publicidade. Desta vez, além de não alimentar ilusões sobre a adesão dos anúncios, eu simplesmente os recusei desde o início. Iria viver só da venda avulsa do jornal”, descreve Lúcio Flávio. E não é que a iniciativa deu certo? O jornal já ultrapassou duas décadas de circulação. Contudo, o compromisso assumido por Lúcio Flávio o tornou, ao longo deste tempo, quase um simulacro do personagem homônimo, tão bem interpretado por Reginaldo Faria no filme Lúcio Flávio, O Passageiro da Agonia, produção de 1977 dirigida por Hector Babenco. Evidentemente, o jornalista não é um bandido, como a figura retratada no cinema. Ao contrário. Não chegou a ser preso. Mas pagou – e paga ainda hoje – alto preço por sua ousadia. A perseguição. “O Jornal Pessoal circula quinzenalmente há 23 anos. Sua última edição foi a 484ª. Tem 12 páginas, tamanho ofício, com tiragem de dois mil exemplares. Eu o escrevo e administro sozinho. Meu irmão, Luiz Pinto, o diagrama e ilustra. O jornal apenas consegue pagar seus custos. Eu vivo de free-lances, palestras e
outros serviços como autônomo. Mas empobreci desde que comecei a fazer o jornal. Hoje não tenho mais carro, nem pretendo voltar a ter. Minha última variação positiva foi em 1987! Ajustei minha vida para a condição de classe média baixa”, conta Lúcio Flávio, lembrando que a publicação conta com uma versão online – nem sempre atualizada, devido justamente às limitações de tempo e estrutura. Ela pode ser acessada no www.lucioflaviopinto.com.br. Os problemas, no entanto, vão muito além do aspecto financeiro. Lúcio Flávio Pinto e sua publicação independente são vítimas de constante coerção – praticada sobretudo pela Justiça do Pará. Ele chegou a correr o risco de ser preso, caso publicasse em seu jornal o desvio de verbas da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia-Sudam, que tem como implicados Rômulo Maiorana Júnior e Ronaldo Maiorana, não por acaso donos do Grupo Liberal – maior conglomerado de comunicação da Região Norte do País. A decisão é do Juiz titular da 4ª Vara Cível Federal do Pará, Antônio Carlos
Almeida Campelo. Em seu despacho, datado de 22 de fevereiro de 2011, o magistrado proibiu Lúcio Flávio Pinto de citar o nome dos Maiorana – antigos desafetos em outras questões judiciais e apontados nos autos do Processo nº 2008.8903-9, com base em denúncia do Ministério Público Federal-MPF, como responsáveis por crime contra o sistema financeiro nacional. Quais interesses, de fato, defende a Justiça do Pará? O que paira no ar, nesse cenário, é um indisfarçável cheiro de censura. De cunho político e econômico. O Juiz Almeida Campelo alega que o processo corre em segredo de Justiça e justificou a sua decisão porque o caso foi publicado no Jornal Pessoal, editado por Lúcio Flávio Pinto, na primeira quinzena de fevereiro deste ano. O magistrado decidiu que qualquer notícia publicada a respeito do processo ensejará a prisão em flagrante, responsabilidade criminal por quebra de sigilo de processo e multa de R$200 mil. Até mesmo pela penalidade financeira estipulada Lúcio Flávio decidiu, num primeiro momento, acatar a decisão da Justiça. Não em silên-
cio. “Esse segredo de Justiça é indevido, pois o direito a informação é constitucional”, diz Lúcio. Diante da violência, a ABI enviou email ao Juiz Almeida Campelo advertindo-o de que sua intimação ao jornalista constitui uma agressão à Constituição da República, que veda expressamente a censura prévia e não admite a sanção pecuniária que ele pretende impor ao criador do Jornal Pessoal. A ABI dirigiu-se também ao Presidente do Conselho Nacional de Justiça, Ministro Cezar Peluso, pedindo-lhe que ponha cobro ao ‘desvario’ desse magistrado. “Vossa Excelência cometeu grave agressão ao texto da Constituição (…) Em seu desastrado despacho, ignora que o artigo 220 da Carta estabelece que ‘a manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição’, preceito a que se acrescenta o disposto no parágrafo 2º do citado artigo, o qual declara que ‘é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística’. Lamenta a ABI que sua decisão deixe entrever Jornal da ABI 364 Março de 2011
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DENÚNCIA LÚCIO FLÁVIO PINTO
a influência do Grupo Mariorana no Poder Judiciário do Pará, em desfavor da defesa do interesse público que o jornalista Lúcio Flávio Pinto promove com zelo e competência”, afirmou a declaração da ABI, assinada pelo Presidente da Casa, Maurício Azêdo. Em entrevista ao Jornal da ABI, Lúcio Flávio fala de sua cruzada em defesa da liberdade de imprensa, à frente do Jornal Pessoal, e também da natureza da cobertura da mídia brasileira sobre as questões ambientais. JORNAL DA ABI – GOSTARIA DE COMEÇAR PELO SEGUINTE PONTO: COMO SURGIU SEU INTERESSE ESPECÍFICO PELA ATUAÇÃO JORNALÍSTICA LIGADA ÀS QUESTÕES AMBIENTAIS, UMA DE SUAS MARCAS REGISTRADAS?
Lúcio Flávio – Meu interesse por ecologia foi quase imediato. No mesmo ano em que me tornei jornalista profissional, em 1966, quando tinha 16 anos, foi realizado em Belém o Simpósio sobre a Biota Amazônica, para comemorar o centenário do Museu Emílio Goeldi, a mais antiga instituição de pesquisa científica da Amazônia. Como vários dos participantes eram estrangeiros e eu estava familiarizado com a língua, fiquei encarregado de cobrir o encontro, que tinha uma pauta amplíssima. Além de ter acesso a todas as áreas da ciência interessadas na Amazônia, pude constatar o grande interesse internacional pela região. Então fiz contato com pesquisadores que se tornariam minhas fontes por muitos anos, ou até hoje.
ENCONTRADO POR VOCÊ PARA ATUAR COM A TÃO APREGOADA ‘LIBERDADE DE IMPRENSA’?
Lúcio Flávio – Num certo momento – e, por ironia, quando estava em São Paulo, a capital colonial da Amazônia – eu me dei conta de que a Amazônia era causa que valia – e que exigia – uma vida. Graças ao meu empenho e de várias outras pessoas, com o apoio decisivo do Raul Bastos, jornalista que chefiava o Departamento de Sucursais e Corespondentes do Estadão, e a simpatia do dono do jornal, Júlio de Mesquita Neto, conseguimos transformar a Amazônia em prioridade da cobertura de O Estado de S. Paulo. Mesmo em plena ditadura, o jornal divulgava o que acontecia na região com uma afinação e uma constância que hoje não existem mais. Quando J ORNAL DA ABI – COMO , ANOS DEPOIS, essa pauta se mostrou preciosa, convenSURGIU A IDÉIA DE FAZER UMA PUBLICAÇÃO ci o Doutor Júlio a instalarmos uma suCOMO O J ORNAL PESSOAL? cursal regional amazônica, que expurgaria da cobertura o exotismo característiLúcio Flávio – Em setembro de 1987 co da visão “d’além-mar” da região. Mas eu tinha uma reportagem sobre o assasaos poucos esse compromisso foi sendo sinato do ex-Deputado Estadual Paulo deixado de lado. E percebi que o projeto Fonteles, que demarcaria uma escalada não seria executado como havíamos conde crimes de encomenda e políticos no cebido, isto é, com uma visão crítica do que Pará. Dizia tudo que naquele momento o Governo e as empresas faziam na era possível. Inclusive que os dois hoAmazônia. Perdi mens considerados toda esperança na os mais ricos do UI ATÉ O LIMITE MÁXIMO grande imprensa Pará tinham algupara essa missão. O ma coisa a ver com DENTRO DAS GRANDES Jornal Pessoal é mio atentado. Só não EMPRESAS ENFRENTANDO nha última tentatitinha onde publicar va de fazer jornalisa matéria, que, deADVERSÁRIOS CRIANDO mo até as últimas pois, viria a ser prePROBLEMAS TENSIONANDO conseqüências, miada com o Prêcomprometido de mio Fenaj. Assim, RELAÇÕES PARA PUBLICAR fato com o leitor, criei um jornal para O QUE APURAVA com o cidadão – e apresentá-la ao disnão só na propagantinto público e tenda. Por isso ele não aceita publicidade, que tar contribuir para que aquele crime não é a principal fonte de renda da grande ficasse impune. Achava que o Jornal Pesimprensa. Para não sofrer nenhum tipo soal ia persistir por certo tempo e evapode limitação, mesmo que seja do consrar, como a regra desse tipo de publicação trangimento pessoal. Tudo que apuro de alternativa. Mas ele sobreviveu, inclusirelevante é publicado, doa a quem doer. ve à minha determinação de acabar com Para que o jornal sobreviva, ele tem um ele para que ele não acabasse comigo, o único funcionário, que sou eu, e é rústique, por diversas vezes, esteve perto de co, gastando o mínimo com a impressão. acontecer ao longo dessa história.
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JORNAL DA ABI – DEPOIS DE PASSAR POR TANTOS VEÍCULOS, INCLUSIVE GRANDES JORNAIS, QUANDO E POR QUE SURGIU A DECISÃO DE VOLTAR PARA O PARÁ? ESSE FOI O ÚNICO CAMINHO 36 Jornal da ABI 364 Março de 2011
JORNAL DA ABI – VOCÊ ACREDITA MESMO SER INVIÁVEL EXERCER SEU TRABALHO , NOS MOLDES ATUAIS, EM UM GRANDE JORNAL, POR EXEMPLO? POR QUÊ ?
A censura da Justiça do Pará ao Jornal Pessoal foi o tema da charge de Luiz Pinto publicada na Edição 483. Ao lado, o primeiro número da publicação e a edição que fechou o ano de 2010.
Lúcio Flávio – Para mim, pelo menos, é. Quando comecei a fazer o Jornal Pessoal eu já tinha 21 anos de profissão, passando por algumas das mais importantes publicações brasileiras. Fui até o limite máximo dentro das grandes empresas, enfrentando adversários, criando problemas, tensionando relações para publicar o que apurava. Não foi aventura de marinheiro de primeira viagem. Antes mesmo, eu já participara de empreendimentos da imprensa alternativa, como o Opinião, para mim o mais importante de todos esses jornais. Para quem está começando, a grande imprensa é a passagem necessária. Ela oferece os meios para acumular conhecimento, formar fontes, conhecer lugares, testemunhar acontecimentos. Por falta de recursos, a pequena imprensa não tem condições de proporcionar essa formação. J ORNAL DA ABI – NÃO PARECE SURREAL BRASIL, UM P AÍS QUE SE CARACTERIZA , SOBRETUDO , FALAR EM LIBERDADE DE IMPRENSA NO
PELA CONCENTRAÇÃO DO MEIOS DE MÍDIA NA MÃO DE POUCOS E PODEROSOS GRUPOS ?
Lúcio Flávio – Sempre foi mais ou menos assim. O que se pode dizer é que a concentração se agravou. No Brasil e no mundo todo. Mas parece que vamos sentir saudades das famílias que controlavam a mídia. As grandes e múltiplas corporações têm mais interesses econômicos e políticos. Por isso, limitam ainda mais a liberdade de informação. Uma família dona de jornal podia ter sua qualidade fulminada pela genética. A cada nova geração diminuía a qualidade do sucessor do dono original. Também acontecia de haver a tradição por herança, como foi o caso do Correio da Manhã, a partir de Paulo Bittencourt. A melhor novidade atual é a capacidade de pressão
da sociedade através de outras mídias, em especial a internet. Para que essa capacidade aumente, é preciso que os jornalistas disponham de suporte econômico para criar blogs realmente informativos e independentes. Eles podem servir de espelho crítico para a grande imprensa. J ORNAL DA ABI – COMO CONTRAPONTO, NÃO FALTAM INICIATIVAS DE ABERTURA DE MAIS JORNAIS ALTERNATIVOS E INDEPENDENTES, TAM-
BRASIL? Lúcio Flávio – Faltam, sim. E não sei explicar por que essas alternativas não surgem. Além de todos os problemas mais gerais e estruturais limitando a liberdade de informação, há também a acomodação, o mercantilismo e mesmo o acovardamento dos profissionais. As grandes empresas impuseram aos melhores profissionais que se transformassem em pessoas jurídicas. Com isso, eles passam a pensar como donos de empresas, pensando nos riscos que correm como responsáveis por empresas que têm clientes poderosos. Outros acabam seduzidos pelo canto de sereia das palestras para auditórios fechados, que rendem muito. E abandonam o compromisso com a opinião pública.
BÉM EM OUTRAS REGIÕES DO
J ORNAL DA ABI – Q UAIS SÃO , HOJE , OS PRINCIPAIS INIMIGOS DA LIBERDADE DE IMPRENSA NO
BRASIL? OS INTERESSES POLÍTICOS E O
PODER ECONÔMICO SÃO TÃO PERVERSOS QUAN-
GOVERNO MILITAR, A DESINFORMAÇÃO DOS JORNALISTAS SOBRE DETERMINADOS TEMAS E A IMTO A CENSURA OFICIAL DO POR EXEMPLO?
PERÍCIA NA FORMA DE TRATÁ-LOS TAMBÉM NÃO CONFIGURAM UMA FORMA DE CENSURA?
Lúcio Flávio – Quem já enfrentou uma vez a censura política estatal não há de querer repetir a dose. Ela é a pior das censuras, porque é estabelecida por uma ditadura. Só tem uma compensação: sabemos quem é o inimigo e onde ele está. Quem não está do lado dele, mesmo que não seja contra, não o favorece. Os campos, assim, estão delimitados. Daí a postura altaneira que algumas publicações assumiram durante as ditaduras, como O Estado de S.Paulo. Vencido o inimigo, surgem as divergências, o que é natural. O que não é natural é o crescimento da autocensura – e de forma tão ampla como agora, no mais longo período democrático de toda a História republicana brasileira. Não surpreende que as empresas jornalísticas coloquem seus interesses e pontos de vista acima da fé de ofício pela opinião pública. Mas choca que jornalistas se tornem mais realistas do que o rei, seja a favor ou contra o rei no trono institucional, seja a favor ou contra barões dos negócios ou da política. O pior, hoje, é que o povo tem a ilusão de estar sendo bem informado. Afinal, a informação jorra incontrolável pela opinião pública. A abundância tem o mesmo efeito desnorteador da escassez. J ORNAL DA ABI – À FRENTE DO J ORNAL PESSOAL, QUANTOS PROCESSOS VOCÊ JÁ SOFREU E QUANTOS AINDA ESTÃO EM CURSO? O QUE ISSO ACARRETOU EM TERMOS FINANCEIROS? ACREDITA QUE A PUBLICAÇÃO CORRE O RISCO DE SER DESATIVADA , ESPECIALMENTE PELAS AÇÕES JUDICIAIS ? Lúcio Flávio – Já sofri 33 processos, dos quais 14 ainda estão em curso. Já fui condenado quatro vezes em primeira instância, mas recorri. Por isso, ainda mantenho a condição de réu primário. O interessante é que 19 processos são de autoria dos donos do maior grupo de comunicação do Norte do País, afiliado à Rede Globo de Televisão. Apesar de terem jornais, televisões e emissoras de rádio, nunca contestaram o que escrevi sobre eles. Nem também exerceram, por uma única vez que fosse, o direito de resposta. Meu maior patrimônio é jamais ter sido desmentido nem acusado de sensacionalista. Provo tudo o que publico. E só publico o que é de relevante interesse público. Justamente por isso, esses fatos jamais são divulgados pela grande imprensa. São reserva de mercado involuntária – e indesejada – do Jornal Pessoal. Como não podem me enfrentar na arena pública, os herdeiros do Grupo Liberal apelaram para a Justiça, pressionando-a para que atenda a seus interesses. O efeito dessa perseguição pela via judicial é que preciso dedicar a maior parte do meu tempo aos processos. Isso prejudica o trabalho jornalístico, que é o que eles querem. Se puderem mandar me prender, melhor. Até já me espancaram. Mas não me intimidaram. No entanto, sei que a sobrevivência do jornal é precária. Como diria o Millôr, para o Jornal Pessoal cada número é um número. O futuro não entra na pauta das minhas
cogitações. Como na poesia de Drummond, vivo do tempo presente. JORNAL DA ABI – NÃO PARECE CURIOSO QUE A JUSTIÇA, NO LUGAR DE DEFENDER A LIBERDADE DE IMPRENSA E APURAR AS DENÚNCIAS PUBLICADAS, ATUE, NO CASO ESPECÍFICO DO JORNAL P ESSOAL , EXATAMENTE NO SENTIDO DE COIBIR SUA EXISTÊNCIA ? A QUE CREDITA ESSE FATO? QUAIS INTERESSES ESTÃO EM JOGO? O QUE ESTÁ POR TRÁS DESSAS AÇÕES? Lúcio Flávio – Primeiro, que a Justiça favorece um poderoso grupo de comunicação, podendo usufruir do seu apoio. Em segundo lugar, o Jornal Pessoal também tem sido um crítico constante da Justiça local, causando incômodo aos que a integram com espírito de corpo. Eles não aceitam crítica e rejeitam cortar na própria carne, como é preciso. A situação da Justiça paraense merece atenção e cuidados. A Corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Ministra Eliana Calmon, teve que anular a decisão de um juiz de primeiro grau e de uma desembargadora, o que está além dos seus poderes e competências, para evitar um golpe no valor de R$ 2,3 milhões contra o Banco do Brasil por uma quadrilha que arrancou uma decisão espúria das duas magistradas. O CNJ já instaurou procedimento contra elas. O Tribunal local, como quase sempre, vai a reboque – e sem as mesmas conseqüências. Então, a atuação de um crítico, que toca nas feridas e cobra providências, incomoda. JORNAL DA ABI – ALÉM DAS QUESTÕES JUDICIAIS, JÁ SOFREU AMEAÇAS DE ALGUMA OUTRA ORDEM? Lúcio Flávio – Já recebi ameaças anônimas de morte e fui agredido fisica-
mente, em janeiro de 2005, por Ronaldo Maiorana, um dos donos do Grupo Liberal, num restaurante. Ele contou com a cobertura de dois seguranças particulares, ambos da ativa da Polícia Militar.
“MEU MAIOR PATRIMÔNIO É JAMAIS TER SIDO DESMENTIDO NEM ACUSADO DE SENSACIONALISTA. PROVO TUDO O QUE PUBLICO. E SÓ PUBLICO O QUE É DE RELEVANTE INTERESSE PÚBLICO.”
J ORNAL DA ABI – D E VOLTA À QUESTÃO AMBIENTAL. DE CERTA FORMA, TORNOU-SE UMA ESPÉCIE DE MODA TRATAR DE PAUTAS SOBRE QUESTÕES ECOLÓGICAS E DE MEIO AMBIENTE. CONCORDA QUE, NESSE CAMPO, HOJE EM DIA, MUITAS DAS INICIATIVAS DE VEÍCULOS DE IM PRENSA E DE EMPRESAS NÃO PASSAM DE ESTRATÉGIAS DE MARKETING? Lúcio Flávio – O interesse pela ecologia, e pela Amazônia, tem sido cíclico. A um momento de aquecimento segue-se outro de resfriamento. Uma aproximação maior é sucedida por certo distanciamento. Pessoas que achávamos que iriam se dedicar permanentemente ao tema dele acabam por se desligar. Mas há um traço de continuidade – pequeno em relação ao conjunto, mas que permitiu formar e consolidar um conhecimento maior sobre o meio ambiente e, dentro dele, sobre a Amazônia. Mas o que predomina é o modismo, o interesse deletério, a visão superficial. Porque um conhecimento mais sólido exige tempo, paciência, dedicação, humildade. E, em geral, as pessoas querem logo classificar e julgar as coisas.
JORNAL DA ABI – QUAIS RISCOS ESSE MODISMO TRAZ PARA A COBERTURA JORNALÍSTICA,
“Juiz agride a Constituição” A íntegra das mensagens da ABI. A ABI enviou e-mail ao Juiz Almeida Campelo advertindo-o de que sua intimação ao jornalista Lúcio Flávio Pinto constitui uma agressão à Constituição da República, que veda expressamente a censura prévia e não admite a sanção pecuniária que ele pretende impor ao criador do “Jornal Pessoal”. A ABI dirigiuse também ao Presidente do Conselho Nacional de Justiça, Ministro Cezar Peluso, pedindo-lhe que ponha cobro ao “desvario” desse magistrado. A mensagem ao Juiz Almeida Campelo tem o seguinte teor: “Vossa Excelência cometeu grave agressão ao texto da Constituição da República ao proibir o jornalista Lúcio Flávio Pinto de publicar matérias sobre o processo em que os executivos do Grupo Liberal desse Estado são acusados de irregularidades na aplicação de incentivos fiscais da antiga Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia-Sudam. Em seu desastrado despacho, Vossa Excelência ignora que o artigo 220 da Constituição estabelece que “a manifestação de pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerão qualquer restrição”, preceito a que se acrescenta o disposto no parágrafo 2º do
citado artigo, o qual declara que “é vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística.” Lamenta a ABI que sua decisão deixe entrever a influência do Grupo Mariorana no Poder Judiciário do Pará, em desfavor da defesa do interesse público que o jornalista Lúcio Flávio Pinto promove com zelo e competência. Atenciosamente, Maurício Azêdo, Presidente da Associação Brasileira de Imprensa.” Na mensagem ao Ministro Cezar Peluso, Presidente do Conselho Nacional de Justiça e também do Supremo Tribunal Federal, afirma a ABI: “A Associação Brasileira de Imprensa apela a Vossa Excelência, como Presidente do Conselho Nacional de Justiça, para que ponha cobro ao desvario do Juiz Antônio Carlos Almeida Campelo, da 4ª Vara Cível Federal do Pará, que proibiu o jornalista Lúcio Flávio Pinto de publicar matérias sobre o processo judicial relativo a irregularidades na aplicação de incentivos fiscais naquele Estado. É preciso que o Poder Judiciário, por seu chefe, restabeleça o primado da Constituição da República, tão gravemente golpeado pela infeliz decisão desse juiz. Cordialmente, Maurício Azêdo, Presidente da ABI.”
QUE PRETENDE SE FAZER COM SERIEDADE E VIÉS
CRÍTICO E ANALÍTICO ? COMO SEPARAR O JOIO DO TRIGO? Lúcio Flávio – Eu adotava um jogo, ou uma armadilha. Quando alguém que eu não conhecia se apresentava como especialista em Amazônia, eu o convidava para comer uma costeleta de aviú na brasa. Se a pessoa topava, eu já sabia que ela provavelmente não conhecia profundamente a Amazônia... O aviú é um microcamarão. De uma só garfada, comem-se muitos deles. Talvez a pessoa até tenha lido uma enorme bibliografia sobre a Amazônia ou a tenha estudado por longo período em laboratório. Mas não tem vivência na região. Não a percorreu por tempo suficiente para ter intimidade com o tema. Como em geral com todos os temas, essa vivência é imprescindível. É o que serve de norte, de marco divisor, de régua e compasso para não seguir os modismos nem ser instrumento de interesses comerciais.
JORNAL DA ABI – EM LINHAS GERAIS, COMO VÊ A ATUAÇÃO DA IMPRENSA NA COBERTURA AMBIENTAL – SOBRETUDO EM SEU CARÁTER SOCIAL, QUANDO TRATA DE ASSUNTOS COMO GRILAGEM DE TERRAS, EXPLORAÇÃO ILEGAL DE MADEIRA E CRIMES CONTRA LÍDERES RURAIS?
Lúcio Flávio – Há a questão ideológica, que pesa muito negativamente. Mas um fator fundamental para a cobertura deficiente é a descontinuidade. Depois de uma cobertura extensiva, motivada por um fato chocante, como o assassinato da missionária Dorothy Stang ou o início de um grande projeto, como a hidrelétrica de Tucuruí, o assunto some da pauta. E o repórter que aparece quando a questão volta a emergir já é outro. O enviado especial vai à região uma vez e não volta mais. Mesmo aquele que se ‘especializa’ apenas sabe um pouco mais que o repórter ‘da Geral’. Ele não faz cursos, não faz excursões, não tem acesso a fontes internacionais. Cada vez dispõe menos de verbas para coberturas especiais. A imprensa, mesmo quando dá importância ao tema, não investe o que seria necessário para não ficar sempre reinventando a roda a cada novo surto de interesse. J ORNAL DA ABI – O S DEBATES SOBRE A AMAZÔNIA – SUA PRESERVAÇÃO, SUAS FRONTEIRAS E EXPLORAÇÃO VIÁVEL E SUSTENTÁVEL – JÁ FORAM TRAZIDOS A PÚBLICO DE FORMA SATISFATÓRIA? OU ESSA É UMA QUESTÃO QUE AINDA OCUPA MAIS A ATENÇÃO DE ESTRANGEIROS, TÃO INTERESSADOS NESSA ÁREA? Lúcio Flávio – Se as questões amazônicas estivessem sendo tratadas corretamente, eu já teria encerrado a carreira do Jornal Pessoal. Fazê-lo acarreta um grande sacrifício pessoal. Mas não fazê-lo abre uma lacuna. Sinceramente, gostaria que isso não fosse verdade, mas, infelizmente, é. Por isso o Jornal Pessoal existe. Jornal da ABI 364 Março de 2011
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REPRODUÇÕES: © M.C. ESCHER FOUNDATION - BAARN - THE NETHERLANDS
EXPOSIÇÃO
P OR P AULO C HICO
Curador da exposição, Pieter Tjabbes é um holandês radicado em São Paulo. Ele conta que levou cinco anos para convencer o Museu a liberar os originais para percorrer o Brasil. “Só existem três coleções no mundo. As gravuras são muito frágeis e o Haags Gemeentemuseum, depois desta mostra, não poderá exibi-las por mais de quatro anos”, explica. “Escher utilizava princípios da matemática sem ser rígido na sua aplicação. Ele seria mais um matemático amador, que aplicava certos efeitos quase intuitivamente. Obras que mostram situações que parecem normais, mas que, diante de uma observação mais atenta, comprovam ser impossíveis, são baseadas em modelos matemáticos, como a cinta de Moebius ou o triângulo de Penrose”, diz o curador. Os trabalhos de Escher são um dos mais reproduzidos no planeta no século 20, por vezes com vertente pop. Há referências de sua arte em gravatas e camisetas, passando por tapetes artesanais dos Andes e pela alta costura, a exemplo do que fez o inglês Alexander McQueen, em sua coleção de outono de 2009. Provocativas, as gravuras têm formas entrecruzadas, criaturas em transformação e arquiteturas impossíveis para desafiar a percepção do espectador da realidade. As composições, sofisticadamente construídas, combinam realismo acurado com a exploração fantástica de padrões, perspectivas e espaço. A exposição apresenta um jogo a seus visitantes. Abriga dez instalações que pedem a participação do público para ‘desvendar’ as manobras gráficas da produção de Escher, que tanto desafiam a visão e a mente humanas. Também serão exibidos um documentário realizado pela televisão holandesa e uma animação em 3D, com sessões a cada 30 minutos, na qual o espectador ‘sobrevoa’ as obras do artista.
Maurits Cornelis Escher foi um mestre da ilusão gráfica. Tanto que, quase quatro décadas após a sua morte, ocorrida em Hilversum em 27 de março de 1972, este artista holandês segue como referência mundial. Suas xilogravuras e litografias tendem a representar construções impossíveis – sempre com efeitos de ilusões de óptica, que permitem aos espectadores de sua obra vislumbrarem figuras humanas e de animais, em meio a uma malha de polígonos, num plano que desafiava o bidimensional e propunha o tridimensional. Em poucas palavras, seus desenhos instigam a razão, aguçam os sentidos e provocam uma reinterpretação das noções de espaço. Parte expressiva do ilusionismo gráfico do artista passeia pelo Brasil com a exposição O Mundo Mágico de Escher, apresentada em três unidades do Centro Cultural Banco do Brasil-CCBB. Depois de Brasília, onde esteve de outubro a dezembro de 2010, a mostra passou pelo Rio de Janeiro, de onde se despediu agora em março, e poderá ser visitada no CCBB de São Paulo, em abril. Ao alcance do público estarão 95 gravuras originais, desenhos e instalações – compondo o maior conjunto de obras do artista já exibido no Brasil. Todos os trabalhos pertencem ao Haags Gemeentemuseum, que mantém o Museu Escher, em Haia, Holanda.
Foi durante o curso de Arquitetura na Holanda, entre 1919 e 1922, que Escher mudou o rumo de seu interesse para o desenho e a gravura, estimulado por seu professor Samuel Hessurun de Mesquita. Já casado, o artista foi morar na Itália, de 1924 a 1935, até que a situação política o fez mudar para a Suíça e depois para a Bélgica. Quando as tropas alemãs ocuparam Bruxelas, em 1941, ele voltou para a Holanda, onde permaneceu até o fim da vida. Na Itália, seus temas eram Roma e o interior do país, dos quais descrevia as ruas, estradas tortuosas, a arquitetura densa e detalhes dos prédios romanos. Foi criando efeitos espaciais enigmáticos, combinando pontos de vista conflitantes como, por exemplo, olhar para cima e para baixo ao mesmo tempo, sempre com contrastes intensos de preto e branco. Um dos primeiros trabalhos a chamar a atenção da crítica foi Castrovalva, litografia de 1930 a partir da pequena cidade italiana. Depois do período na Itália, a atenção de Escher voltou-se para o que ele descrevia como ‘imagens mentais’, baseadas, em geral, em premissas teóricas, estimulado pela visita ao Palácio de Alhambra, em Granada, na Espanha, onde se encantou com o trabalho dos mosaicos islâmicos, de formas intrincadas e intensamente coloridos. Substituindo os padrões abstratos desses azule-
Foi somente nos anos 1950 que a arte que Escher chamava de “imagens mentais” foi reconhecida pelos críticos, mas sua obra já era admirada pelo público e por cientistas.
A realidade de um mestre da ilusão gráfica Quase 40 anos após a sua morte, Escher é visto como mestre da arte gráfica, com a produção de gravuras que desafiam o racional e o possível, e provocam uma nova dimensão do olhar humano sobre o espaço. Parte de sua instigante obra está de passagem pelo Brasil. CASCATA, 1961. LITOGRAFIA. 38,1 X 30 CM
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Do desprezo ao reconhecimento
NATUREZA MORTA E RUA, 1937. XILOGRAVURA. 48,7 X 56,5 CM
AUTORRETRATO EM ESFERA ESPELHADA, 1950. LITOGRAFIA. 31,8 X 21,3 CM
RELATIVIDADE, 1953. LITOGRAFIA. 29,1 X 29,4 CM
jos por elementos figurativos, Escher desenvolveu ‘a divisão simétrica do plano’. Ele usou este conceito na série de gravuras Metamorfose (de 1937), em que uma forma ou objeto se transforma em algo completamente diferente. Este tornou-se um de seus temas favoritos. Explorou a complexidade arquitetônica de labirintos, com jogos de perspectiva e representação de espaços inviáveis. No início da década de 1950, já apreciado por cientistas e pelo público, o artista continuava ignorado pela crítica,
até ter matérias publicadas na revista americana Time Life. Seu trabalho passou a ser mostrado em galerias de arte. Na verdade, desde o início da carreira Escher encontrara resistência de diretores de museus e críticos. Consideravam sua obra decorativa, fácil demais, um truque. Só depois que os norte-americanos começaram a colecionar as obras populares de Escher, os museus holandeses passaram a dar atenção a seu trabalho. Ainda assim, a importância de sua produção é controversa.
LAÇO, 1956. LITOGRAFIA. 25,3 X 33,9 CM
“E é justamente nisto que reside a grande força da obra deste artista. No mundo inteiro, muitas pessoas iniciaram sua apreciação de arte com as gravuras dele”, diz Pieter Tjabbes. Nos anos 1970, os paradoxos e as ilusões visuais de Escher ganharam relevância também na academia, que questionava a visão convencional da percepção humana e alternativas de abordagem da natureza, na geologia, na química e na psicologia. Sua produção se tornou mais popular ainda entre universitários e na
contracultura, que testava os limites da percepção a partir, por exemplo, da utilização de drogas alucinóginas. Escher se tornou, mais que popular, uma figura cult. No seu centenário de nascimento, em 1998, a National Gallery of Art de Washington realizou uma retrospectiva do artista, que mereceu artigos no New York Times e no Washington Post. A ilusão presente na obra de Escher, enfim, sedimentava sua real importância no espaço de reconhecimento destinado aos grandes artistas gráficos. Jornal da ABI 364 Março de 2011
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ARTE
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SEXO, CRIME E MUITO TALENTO Artista gaúcho que fez história na ilustração de cartazes de cinema, capas de livro e publicações diversas, José Luiz Benicio da Fonseca tem sua obra enfocada em livro. POR P AULO C HICO
DIVULGAÇÃO
esde criança gosto de desenhar. Quem me despertou primeiro para o desenho foi uma professora chamada Alice Fortes, que estimulou muito para que eu desenvolvesse essa habilidade. Deu no que deu... Nunca mais parei.” Esses são os primeiros traços da memória de José Luiz Benicio da Fonseca sobre sua arte. Nascido em Rio Pardo, Rio Grande do Sul, em 1936, ele logo se tornou mais conhecido por Benicio, tão somente. A simplicidade do enxuto nome artístico encontra exata contradição na medida da complexidade e pluralidade de sua obra, que fez história na ilustração de cartazes de cinema, capas de livro e publicações diversas. Não por acaso, a editora Reference Press estréia no mercado brasileiro com o livro Sex & Crime – The Book Cover Art of Benicio, o primeiro dedicado a um dos maiores ilustradores do País. Em seis décadas de carreira, Benicio criou cerca de 3 mil capas para os livros de bolso da Editora Monterrey e desenhou mais de 300 cartazes para filmes brasileiros, especialmente entre o final dos anos 1960 e meados da década de 1980, quando seu traço se tornou uma marca na divulgação das produções nacionais. Sua arte aparece até hoje em capas e matérias de revistas brasileiras. Convidado em 1961 para a equipe de criação da agência de publicidade americana McCann Erickson, Benicio fez trabalhos para a Coca-Cola e a Esso e para o lançamento dos tecidos Nycron, entre outras marcas de peso. “Fiquei muito feliz com o lançamento do livro. Espero que saiam logo os outros dois que estão programados para breve”, diz o artista, que, no entanto, se recusa a fazer escolhas ou destaques entre seus tantos ‘filhos’ artísticos. “Acredite, não tenho preferência por nenhum trabalho meu. Cartaz preferido, por exemplo, eu não tenho. Mas se você me perguntar sobre os mais conhecidos, diria que são os de Dona Flor e Seus Dois Maridos, da Super Fêmea e as capas da coleção ZZ7, da Brigitte Monfort.” Faltou ainda lembrar de muitos outros cartazes produzidos por ele para filmes como Anjos do Arrabalde; O Beijo no Asfalto; Elke Maravilha Contra o Homem Atômico; Independência ou Morte; A Madona de Cedro e praticamente toda a série de longas de Os Trapalhões, que reúne recordistas de bilheterias, como Simbad, o Marujo Trapalhão e Os Saltimbancos Trapalhões, além de muitas pornochanchadas – gênero de grande sucesso popular na época. Sobretudo nestes casos, a maior preocupação é com o bom gosto das minhas imagens, sempre bem sensuais, mas sem cair na vulgaridade”, diz ele.
Benicio em sua prancheta de trabalho: obras de arte à moda antiga.
Segredos da produção Afinal, qual é o peso de um bom cartaz de divulgação para o sucesso de um filme? E como fazê-lo? “Um bom cartaz de cinema faz parte do pacote de lançamento, deve atrair o espectador, primeiro pelo impacto visual. Depois é que vêm as informações adicionais sobre o filme. Para fazer um bom cartaz é preciso ter um bom material fotográfico, conversar muito com o diretor para se inteirar do conteúdo da história e sentir que tipo de imagem é adequada para aquele enredo. Para isso não é necessário assistir ao filme ou ler o livro, que em geral nem está acabado quando o cartaz é encomendado”, disse Benicio ao Jornal da ABI. Sex & Crime tem 60 páginas e traz uma seleção das criações do artista para a Monterrey. “Nesta editora eu consolidei minha carreira de ilustrador. Foram quase 60 anos da minha vida dedicados ao ofício de ilustrar a vida, até em capas de discos”, relembra o artista. No livro com 64 ilustrações, o destaque vai para as capas da série ZZ7, que apresentou ao público a espiã sexy Brigitte Monfort. Os livros fizeram enorme sucesso e permaneceram no mercado por mais de duas décadas.
“Eu não inventei Brigitte, apenas visualizei a imagem da moça”, diz Benicio. “Mas, aos poucos, ela foi se incorporando na minha mente e se tornou quase uma realidade para mim. Hoje em dia ela faz parte do meu cotidiano com a vantagem de não perder o frescor da juventude nesses quarenta e tantos anos.” Estão também no livro algumas das famosas pin-ups de Benicio, criadas para peças publicitárias e para a revista Playboy, além de capas de outras coleções de livros sobre crime e aventura da Editora Monterrey. Por sinal, no caso de produções para a publicidade, o processo de criação sofre outras influências, como explica o próprio
Benicio. “Nestes casos, temos que adequar a imagem às necessidades da venda do produto, ficamos sempre meio tolhidos quanto à liberdade de criação, enquanto que no cinema e nos livros podemos trabalhar mais à vontade.” O primeiro dos três livros que trarão algumas das criações mais brilhantes do portfólio do ilustrador foi lançado juntamente com a primeira exposição individual de originais do seu trabalho, que esteve em cartaz de 17 a 19 de fevereiro no Cartel 011, em Pinheiros, São Paulo. A exposição, realizada pela Mandacaru Design, contou com 80 obras originais de Benicio em guache. “Foi uma honra ter realizado esta exposição”, diz Bebel Abreu, produtora da mostra. “Muitas pessoas não conhe-
cem o valor artístico e histórico destas obras. Elas ficaram guardadas por cerca de 30 anos com os herdeiros da Editora Monterrey e foram resgatadas recentemente por Benicio e pelo colecionador Marcelo Del Cima”, conta. Os dois próximos livros deverão explorar outros aspectos das ilustrações do artista. Sensualidade a toda prova Lançado pela Editora Reference, Sex & Crime traz, além das ilustrações feitas para a Editora Monterrey, principalmente para as aventuras da série ZZ7, estreladas pela espiã Brigitte Monfort, escrita pelo espanhol Lou Carrigan, alguns desenhos feitos para a revista Playboy, para a qual Benicio colabora até hoje. Jornal da ABI 364 Março de 2011
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ARTE SEXO, CRIME E MUITO TALENTO
Quatro poses sensuais de Brigitte Monfort, a espiã que Benicio amava. À esquerda, capa do livro Sex & Crime – The Book Cover Art of Benicio.
“Eu comecei a fazer ZZ7 pouco depois de inaugurada a série. Até então, só tinham sido publicados uns quatro ou cinco volumes. Afora as edições especiais, foram mais de 250 títulos editados. ZZ7 era a leitura preferida dos passageiros dos trens dos subúrbios, por ser fácil e rápida, contando histórias de muita ação, suspense e sexo, ainda que meio camuflados por causa da censura dos anos 1960 e 1970, muito rígidas naquela época”, recorda o artista. Sobre trabalhar com erotismo em plena ditadura militar, Benicio lembra, bem-humorado. “Eu me policiava muito, sabia que não podia dar murro em ponta de faca. Mas de vez em quando eu exagerava e eles me pediam para ‘levantar’ um pouco uma cueca ou uma calcinha, dizendo que estavam aparecendo os pêlos pubianos”, conta, destacando que a tiragem média das edições da série ZZ7 era de 100 mil exemplares por quinzena. Um senhor recorde para aqueles tempos. Para jornais, como colaborador fixo, Benicio nunca chegou a trabalhar. Desde cedo, seu campo de trabalho foi nas revistas. “Comecei meus desenhos na Rio Gráfica e lá fiquei por oito anos, onde me firmei como ilustrador das revistas da casa. Como freelancer trabalhei para quase todas as revistas da época. E, sinceramente, não acho que falte espaço para 42 Jornal da ABI 364 Março de 2011
a ilustração. Mas, como é comum hoje, a mídia impressa está ainda ‘deslumbrada’ com a rapidez e barateamento que os meios eletrônicos trouxeram. Só que esta rapidez traz junto a falta de qualidade de muitas obras impressas. Há que saber separar muito bem o joio do trigo para se obter um trabalho artístico de qualidade”, avalia. Início, presente e futuro Benicio começou a carreira na Clarim Publicidade, em Porto Alegre, como
aprendiz de desenho, aos 15 anos de idade. Em 1953, mudou-se para o Rio de Janeiro e ingressou na equipe de arte da Rio Gráfica e Editora-RGE (atual Editora Globo), onde fez trabalhos para as principais revistas da casa (Querida, Cinderela, Radiolândia e Filmelândia). De lá para cá, muita coisa mudou na produção de ilustrações. Novas técnicas e, principalmente, tecnologias foram aplicadas ao desenho. “Encaro os recursos digitais apenas como uma ferramenta a mais para trabalhar. Se bem usada, podemos obter ótimos resultados com ela. Pessoalmente, uso muito pouco os novos recursos digitais porque minha formação profissional vem de outras bases. Acho, porém, que as gerações atuais têm obrigatoriamente a necessidade de adotar essas novas tecnologias, para sua própria sobrevivência”, avalia Benicio, que vê com bons olhos o momento atual da ilustração no Brasil. “O mercado brasileiro já está bastante desenvolvido neste setor. Basta olhar o trabalho magnífico dos novos ilustradores que surgiram nos últimos anos,
principalmente na área de web designer. Temos um punhado de gente supertalentosa atuando hoje. Não vou citar nomes para não cometer esquecimentos, mas basta dar uma olhada na produção atual dos ilustradores para constatar isto. É só garimpar...”, dá a dica. A Reference Press, editora de livros de arte, chegou ao mercado exatamente com a proposta de oferecer publicações de excelente acabamento e qualidade editorial sobre o trabalho de ilustradores brasileiros e de toda a América Latina. Um dos idealizadores dessa publicação, o ilustrador brasileiro Ricardo Antunes, conta que o sucesso das capas produzidas por Benicio são as credenciais do sucesso que o livro lançado este ano deverá fazer no mercado, junto aos amantes dessa arte. “Esses desenhos do Benicio eram artigos de colecionador na época. Um dos principais motivos do sucesso de vendas dos livros da Monterrey eram as obras maravilhosas que o Benicio produziu. As ilustrações eram tão extraordinárias que muita gente comprava os livros apenas pelas capas, literalmente. Então, decidimos publicar um livro onde essas obras pudessem finalmente ser apreciadas com toda a qualidade possível.”
MEMÓRIA ARQUIVO / AGÊNCIA O GLOBO
Há 50 anos perdíamos um mestre:
Luiz Paulistano POR MAURÍCIO AZÊDO
H
á 50 anos o jornalismo perdeu na figura de Luiz Paulistano um dos seus maiores expoentes, morto em um acidente de helicóptero, em 21 fevereiro de 1961, que teve também como conseqüência a morte, uma semana depois, de Roberto Silveira, então Governador do antigo Estado do Rio de Janeiro. Paulistano foi o responsável pela modernização da técnica de redação dos veículos diários do Rio de Janeiro, por meio da implantação do lide (ou lead, abertura da notícia com dados relevantes do fato) adotado pela imprensa norte-americana. A partir dessa inovação, a redação das notícias deveria oferecer informações obedecendo a um esquema que nos Estados Unidos ficou conhecido como “os cinco Ws e um H” (who, what, when, where, why and how), que na tradução para o português corresponderia às perguntas fundamentais do jornalismo diário: quem? o quê? quando? onde? por quê? como? O pioneiro na adoção dessa técnica jornalística foi o extinto Diário Carioca, sob a liderança de Danton Jobim e Pompeu de Souza, que observaram in loco as formas de redação da imprensa norteamericana. Pompeu foi redator, em Nova
A técnica do lide, ainda hoje dominante na imprensa diária do País, teve nele um dos cultores, ao lado de Danton Jobim e Pompeu de Souza. York, de programas jornalísticos instituídos pelos Estados Unidos no âmbito do programa de Boa Vizinhança, destinado a aproximar os Estados Unidos e o Brasil, nas vésperas da II Guerra Mundial. Na volta ao Brasil, foi um dos mais entusiasmados defensores desse novo sistema de redação de notícias e da modernização da titulação das matérias dos jornais. Pompeu citava um exemplo dessas mudanças ao lembrar como foi apresentada a informação da substituição do Ministro da Guerra de então, General Eurico Gaspar Dutra, pelo General Pedro Aurélio de Gois Monteiro. Em depoimento ao antigo Boletim da ABI, predecessor do atual Jornal da ABI, ele lembrou como o Diário Carioca noticiou esse fato: “Sai Dutra, entra Gois”. Pela
primeira vez uma notícia dessa natureza era apresentada sem os rebuscamentos e formalismos que marcavam o jornalismo de então. Nesse trabalho também teve um papel destacado Danton Jobim — duas vezes Presidente da ABI —, o qual formou gerações de profissionais como professor de Jornalismo da Faculdade de Filosofia da Universidade do Brasil, a famosa FNFi, o primeiro criado no País numa instituição universitária pública. Luiz Paulistano também exerceu um papel de destaque no processo de modernização da imprensa do Rio de Janeiro, pois teve a iniciativa de criar o chamado sublide, resultante do desdobramento do lide ampliando e aperfeiçoando a técnica do lide trazida por Danton e Pompeu, para ajustá-la às necessidades de apresentação gráfica das notícias. Ele considerava que na abertura das matérias em duas colunas havia um desequilíbrio gráfico com a apresentação do lide e introduziu o sublide para tornar mais harmoniosa a apresentação visual da informação. Paulistano era goiano do Município de Jataí e trabalhou em inúmeros veículos impressos do Rio, entre os quais O Jornal, Jornal do Commercio e Manchete,
além do Diário Carioca. Coube-lhe liderar, na segunda metade dos anos 50, a modernização do JC, que fora adquirido pelo Deputado San Tiago Dantas e ainda apresentava o mesmo visual gráfico que mantinha desde o início do século. Ele introduziu uma série de inovações no jornal fundado em 1827 e que era o mais antigo editado no Rio de Janeiro. Dentre as novidades surgiram a coluna de turfe, o noticiário esportivo e a introdução da fotografia. Quando o JC publicou sua primeira foto na capa, a novidade foi divulgada nos principais jornais do País, como o Jornal do Brasil, que iniciava a famosa reforma comandada por Odilo Costa, filho. O acidente que matou Luiz Paulistano foi provocado pelas fortes chuvas que castigaram o Norte do antigo Estado do Rio, principalmente a cidade de Campos, onde ocorreram grandes enchentes. Secretário e Assessor de Imprensa do Governador Roberto Silveira, Paulistano acompanhou-o numa inspeção na região inundada onde se deu o acidente de que somente sobreviveria o repórter-fotográfico da antiga Agência Fluminense de Informação-AFI. Paulistano morreu no mesmo dia; Roberto Silveira; uma semana depois. Ele estava com 47 anos. Jornal da ABI 364 Março de 2011
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Vidas
Nos últimos escritos de Scliar, a saudade Personalidades da vida política e cultural e colegas da Academia Brasileira de Letras ficaram chocados com a morte do escritor, jornalista e médico Moacyr Scliar – acima de tudo um apaixonado pela arte de escrever. P OR P AULO C HICO Porto Alegre ficou triste. O Brasil também. Após sofrer um acidente vascular cerebral, em decorrência de uma cirurgia para extração de tumores no intestino, Moacyr Scliar foi transferido para o Centro de Tratamento Intensivo do Hospital de Clínicas da capital gaúcha, no dia 17 de janeiro. Ele chegou a sofrer uma segunda cirurgia, dessa vez para a retirada de coágulo decorrente do avc, mas teve seu quadro agravado por uma infecção respiratória. Apesar da longa batalha travada por seus colegas médicos – acadêmico, Scliar era também ‘doutor’ –, o escritor faleceu, aos 73 anos, de falência múltipla de órgãos no início da madrugada de 27 de fevereiro. Era um domingo, dia de descanso. “Com a morte de Moacyr, no meu caso, perdi uma referência afetiva, e posso dizer que clínica. Nos últimos anos ele foi uma espécie de âncora que tomava conta de minha saúde. Ele queria saber de tudo, ver os exames que eu fazia, examinar os remédios que me receitavam. Uma amizade mais do que fraterna, quase paternal da parte dele. Embora mais moço, tomava conta de mim. E será difícil, agora, freqüentar a Academia Brasileira de Letras sem ele”, lamenta Carlos Heitor Cony. Criação: 80 obras Em quase 50 anos de carreira literária, o porto-alegrense publicou mais de 80 livros. O primeiro deles, Histórias de Um Médico em Formação, data de 1962, mesmo ano em que concluiu a Faculdade de Medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Em 1968, publicou O Carnaval dos Animais, de contos, que considerava de fato sua primeira obra. Seu último livro, o romance Eu Vos Abraço, Milhões, foi lançado em setembro de 2010. Nesse intervalo entre a obra de estréia e a de despedida, escreveu ro44 Jornal da ABI 364 Março de 2011
mances e livros de crônicas, contos, literatura infantil e ensaios, numa média de mais de um livro por ano. Prova de sua inquietude e paixão pelo ato de escrever, a que se entregava em qualquer hora ou lugar, como revela outro acadêmico. “Na vida, como conhecem tão bem a sua querida esposa Judith e o filho Beto, não havia brechas. Se o avião o trazia de Porto Alegre, às quintas-feiras, com alguma folga na programação, ele aproveitava o tempo, antes das sessões acadêmicas. Logo pedia a Dona Carmem um computador, e ali escrevia compulsivamente. Os minutos eram preciosos, precisava entregar a colaboração semanal da Folha de S. Paulo, e aquela era a chance”, recorda Arnaldo Niskier, que fala sobre o convívio com o colega. “São lembranças que me ocorrem, quando devo escrever algumas palavras sobre a extraordinária figura humana que foi esse médico e escritor, com quem tive o privilégio de conviver, na Academia Brasileira de Letras, desde sua entrada em 2003. Além do escritor muitas vezes premiado e do médico devotado à causa da Saúde Pública, Moacyr Scliar era extremamente agradável no convívio com os seus pares. E de um dinamismo a toda prova.” Um médico atuante De fato, Scliar fez bela figura literária sem deixar de lado a carreira na medicina. Nesta área, destacou-se desde 1969 em cargos como chefe da equipe de Educação em Saúde da Secretaria da Saúde do Rio Grande do Sul e Diretor do Departamento de Saúde Pública. Entre um livro e outro, cursou pós-graduação em Medicina Comunitária em Israel, no início da década de 1970. No início da década passada, em 2002, concluiu doutorado em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública, com a tese Da Bíblia à Psicanálise: Saúde, Doença e Medicina na Cultura Judaica.
A tradição judaica o acompanhou desde sempre. Scliar nasceu em 23 de março de 1937 no bairro do Bom Fim, que até hoje reúne a comunidade judaica de Porto Alegre. Alfabetizado pela mãe, Sara, que era professora primária, Scliar chegou a ter seu romance O Centauro no Jardim incluído numa lista com os 100 melhores livros relacionados à História dos judeus dos últimos dois séculos, elaborada pelo National Yiddish Book Center. Tornou-se uma espécie de porta-voz dos temas relativos ao judaísmo no Brasil, mantendo laços de amizade com alguns dos maiores autores israelenses no mundo contemporâneo, como David Grossman, A.B. Yehoshua e Amos Oz. Como escritor, Scliar recebeu diversos prêmios no Brasil, como o Jabuti (três, nos anos de 1988, 1993 e 2009),
e também no exterior – teve obras publicadas em 20 países e honrarias como o Casa de Las Americas, em 1989. Não escondia o fascínio de escrever para crianças. Costumava dizer que escrevendo para os jovens reencontrava o jovem leitor que havia sido. Boa parte de sua produção nessa área foi considerada ‘Altamente Recomendável’ pela Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil-FNLIJ. Além de produzir textos para vários jornais e revistas, o escritor gaúcho teve trabalhos adaptados para o cinema, caso do romance Um Sonho no Caroço do Abacate, dirigido em 1998 por Luca Amberg sob o título Caminho dos Sonhos, em cujo elenco apareceram atores como Taís Araújo, Caio Blat e Mariana Ximenes. Em 2002, foi a vez do romance Sonhos
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Tropicais migrar para a tela grande, sob direção de André Sturm, com Carolina Kasting e Cecil Thiré no elenco. Pesar da Presidente A morte do escritor repercutiu em Brasília. A Presidente Dilma Rousseff divulgou nota. “Recebi com muito pesar a notícia da morte de Moacyr Scliar, um dos mais respeitados escritores do nosso País”, diz o texto, que o descreve como um ícone da literatura gaúcha, brasileira e latino-americana. “É com tristeza que nos despedimos desse mestre da nossa literatura”, conclui.
“Além de suas qualidades inegáveis como intelectual, que fizeram dele um autor reconhecido pelo público e crítica, Scliar sempre contribuiu com ações de incentivo à leitura, tendo colaborado, desde o início, com o Plano Nacional de Livro e Leitura, onde atuava como membro do Conselho Diretivo”, afirmou, também em nota, a ministra da Cultura, Ana de Hollanda. Presidente do Senado e também membro da ABL, José Sarney lamentou a morte do colega. “Senti bastante. Eu não só tinha uma grande admiração por Scliar como também tinha uma boa
relação pessoal com ele. Ele era nossa maior expressão contemporânea nas letras gaúchas. Um homem que escreveu mais de 70 livros. Todos os gêneros da literatura ele visitou: o romance, o conto, o ensaio, o infanto-juvenil”, enumerou. O time de futebol de seu coração, o Esporte Clube Cruzeiro, de Porto Alegre, também divulgou nota de pesar pelo falecimento de seu ilustre torcedor. A emoção de Schwarcz Escritor e editor da Companhia das Letras, Luiz Schwarcz divulgou texto emocionado ao saber da morte do ami-
Scliar, mon frère POR RITA B RAGA “De todas as invenções nenhuma é mais sublime do que aquela que nos permite comunicar nossos mais íntimos pensamentos a outra pessoa, e não importa quão distante esteja em termos de tempo ou de lugar, e pela simples disposição, no papel, de duas dezenas de pequenos sinais. É o ápice da criatividade humana.” (Galileu Galilei) Justamente em 27 de fevereiro, data de falecimento de Moacyr Scliar, eu estava relendo seu texto O valor simbólico da leitura, capítulo primeiro do livro Retratos da Leitura no Brasil, organizado por Galeno Amorim. Por isso, de lá extraí esta citação de Galileu Galilei, e outras referências que me motivaram a escrever em sua homenagem. No rádio, ouvi a declaração de Luís Fernando Veríssimo acerca do engajamento do escritor, sempre envolvido com questões sociais relativas à saúde pública e ao desenvolvimento da leitura no País. Especialmente em sua reflexão sobre os dados da pesquisa do Instituto Pró-livro, o que se percebe é a ênfase na amplitude e valorização do conceito de “leitura”, que não deve se restringir à decodificação do texto escrito, mas ao estabelecimento de relações com o mundo por meio do poder simbólico inserido em cada idéia, cada imagem e cada palavra. Desta vez tive a impressão de que ao trazer a origem grega da palavra “símbolo” (syn = junto, bolon = arremessar), de alguma maneira, ele toca em uma das grandes feridas que dificultam a real apropriação da habilidade de leitura: o recente engodo conceitual embutido no senso comum de que há um significado “certo”, “seguro” e outros que provavelmente estão “errados”. Tudo isso me fez lembrar uma velha lição aprendida na escola, na qual a professora dava a entender que o sentido denotativo de cada palavra
era “mais pesado” que qualquer conotação singular. Lembro-me de num primeiro momento ter entendido que o sentido figurado das coisas aparecia “somente na poesia”. E Deus sabe como foi difícil abrir espaço mental para que os singelos exemplos dos exercícios fossem sistematicamente divididos entre denotativos e conotativos. Lembrar dessas experiências aparentemente bobas é escavar a beleza de outras partes daquele mesmo texto de Scliar: “unidos por símbolos nós, humanos, nos arremessamos juntos nesta aventura que é a vida. Juntos, não separados; esse caráter de união que o símbolo proporciona é uma coisa importante e contrasta, como já veremos, com outras conotações que a escrita pode ter.” Acompanhar seu breve discurso sobre as relações entre escrita, leitura e poder é tão prazeroso e enriquecedor quanto ler qualquer um de seus textos de ficção. Em particular, correlaciono esta reflexão à A Orelha de Van Gogh, mencionada em um conto como memória de infância. Um elemento que de repente nos faz perceber o quanto crescemos a cada dia, sem volta. Aliás, vale destacar a eficiência do recurso às suas memórias pessoais, reconstruindo ao leitor seu contexto familiar – onde a mãe, por exemplo, dizia-lhe diante da livraria “na nossa casa não pode faltar livros, compra o quanto quiseres.” Seus relatos são conscientes de que “o acesso ao texto é para quem pode: quem pode freqüentar colégio, quem pode comprar livros, quem tem tempo para ler (...)” – isso nos desanima ao acionar tantas pendências na área da Educação – mas tem o lado positivo de valorizar o que ele vivenciou: “o livro como porta de entrada de um mundo melhor”. É com a proposta de apresentar a leitura como um “convite amável, não como uma
RETRATOS DA LEITURA NO BRASIL ORG. GALENO AMORIM – SÃO PAULO: IMPRENSA OFICIAL/INSTITUTO PRÓ-LIVRO, 2008.
tarefa ou obrigação” que ele conclui o texto enunciando o maior risco ao qual estamos de fato expostos “solapar o simbolismo da leitura.” Para terminar, relembro também uma de suas imagens literárias que me ajudaram a compreender a singularidade da resistência judaica, com toda sua carga histórica de diásporas, enfrentamentos e perseguições: a imagem do velho judeu, tocando a vida com tranqüilidade, fazendo o que for necessário fazer, mas sempre com uma mala pronta, caso a necessidade de partir se coloque. Hoje, pela manhã, mais uma vez me lembrei dele. Mas também me lembrei de sua referência a Baudelaire, que considerava o leitor “mon semblabe, mon frère” e a Edna St. Vincent Milay com o trecho “Read me, do not let me die”. O próprio Scliar disse: “há vida, no texto, a vida que o autor, sobretudo o poeta ou o ficcionista, ali depositou.” Que haja sempre mais vida e que os novos olhos compreendam o que significa “estarem abertos” para vê-la. Rita Braga é educadora do Museu da Língua Portuguesa, formada em Letras pela Usp com especialização em Jornalismo Literário pela ABJL.
go. “Na madrugada de hoje, Moacyr Scliar descansou, depois de 50 dias de luta pra viver – provavelmente para poder escrever mais livros, ajudar os amigos e amar seus familiares. Hoje, a uma hora da manhã, quando Scliar se despedia da Judith, do Beto e de todos nós, eu me encontrava no casamento de minha sobrinha. Casamento judaico, com tudo o que o caracteriza: solidéus brancos na cabeça dos convidados, a tenda que chamamos de hupá, as bênçãos do rabino, o copo quebrado pelo noivo com o pé, a dança com o casal erguido nos ares pelos amigos… Nesta madrugada, quando meu grande amigo Moacyr se despediu, eu dançava pela alegria da minha sobrinha Renata. Aquela bem podia ser uma cena de algum romance do Moacyr, a festa de casamento judaico, o narrador suado, dançando de braços abertos enquanto um de seus melhores amigos falecia”, escreveu, para concluir em seguida: “Infelizmente a cena anterior não será descrita por Scliar; mais nenhuma cena terá sua descrição generosa e precisa. Nenhuma surpresa sairá de suas mãos, e nós todos teremos que nos conformar com uma vida com menos imaginação. Se havia um quesito no qual Moacyr era mestre era neste: sua imaginação trabalhava sem parar, a serviço da alegria, ou vice-versa. Scliar tinha um olhar único, com ele criava um mundo fantástico no qual o humano estava sempre a serviço da literatura. A cena do editor se divertindo, como manda a tradição, enquanto o seu grande amigo escritor falecia, bem podia ser obra do Moacyr. Seria tão melhor que assim fosse. Nas mãos do Scliar esta história teria algum final feliz, ou um desfecho tão engenhoso, que só ele saberia dar.” “Fará muita falta” O velório de Moacyr Scliar aconteceu no próprio domingo, 27 de fevereiro, no Salão Júlio de Castilhos da Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul. O sepultamento ocorreu no dia seguinte, no Cemitério Israelita de Porto Alegre. O Presidente da Academia Brasileira de Letras, Marcos Vilaça, determinou luto de três dias pela morte do escritor. “Moacyr foi um trabalhador literário incansável. Produziu uma obra respeitável e de grande poder de comunicação com o leitor. Ser humano agradabilíssimo, ele vai nos fazer muita falta e deixar enorme saudade”, disse Vilaça em comunicado oficial da ABL. Apreço à ABI Moacyr Scliar era membro da Comissão de Honra do Centenário da ABI, comemorado a partir de 7 de abril de 2008. Ao responder ao convite, enviado quando ele se encontrava em viagem, declarou em texto do próprio punho que era uma honra participar da Comissão, presidida por Oscar Niemeyer e integrada por outros membros da Academia. Jornal da ABI 364 Março de 2011
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Vidas JUAN ESTEVES
Farkas, desbravador da alma brasileira Semanas após a publicação de reportagem sobre a sua trajetória como fotógrafo que não se separava de sua Rolleyflex, Thomaz Farkas morreu em São Paulo aos 86 anos, deixando uma obra que mostrou o Brasil. P OR M ARCOS STEFANO Para ele, a fotografia não era apenas uma arte. Mas também não se tratava somente de um ofício. Era muito mais, era uma paixão. Assim como o Brasil, sua gente, sua música e suas tantas outras manifestações culturais. Ao unir esses amores, Thomaz Jorge Farkas, falecido em 25 de março em São Paulo, aos 86 anos, tornou-se mestre e referência para gerações de fotógrafos, documentando a evolução da vida urbana brasileira e captando o moderno sempre com as nuances do humano. Farkas nasceu umbilicalmente ligado à imagem. Seus avós eram proprietários de uma loja de fotografia em Budapeste, na Hungria. Em 1930, o garoto, já com seis anos, veio para o Brasil com os pais, Dézso (Desidério) e Teréz (Thereza). Em São Paulo, onde já haviam morado entre 1920 e 1924, eles retomam a sociedade na Casa Fotoptica, uma das pioneiras na comercialização de equipamentos fotográficos no País. O menino Thomaz ganhou do pai a primeira câmera aos oito anos. Come-
çou fotografando gatos, sombras, efeitos gráficos, texturas e vistas da janela de sua casa. Coincidência ou não, o Foto Cine Clube Bandeirante, o grêmio que reunia aficionados, diletantes e fotógrafos profissionais de São Paulo, ocupava um andar no mesmo prédio da Rua São Bento em que a Fotoptica estava instalada. Ali, de mascote ele se transformou em prodígio e suas lentes captaram as transformações da capital paulista, como a construção e inauguração do Estádio do Pacaembu. Outra grande transformação na vida do jovem veio nos tempos em que cursou Engenharia na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo-Usp, com a diversidade cultural dos colegas e as muitas viagens para conhecer obras de engenharia pelo País. Já dominando a técnica e elementos como composição, textura, enquadramento, relação fundofigura, foco e desfoque, altas e baixas luzes, ele começa a descobrir o Brasil. “Ele trouxe a fotografia à modernidade. Antes, ela era picturialista e Farkas iniciou experiências surrealistas e trabalhou com abstração e geometria”,
THOMAZ FARKAS/ACERVO INSTITUTO MOREIRA SALLES
diz o fotógrafo Cristiano Mascaro, amigo de longa data. Na década de 1950, Farkas documentou a construção de Brasília. Mas diferentemente de outros profissionais, que buscavam registrar as formas das construções projetadas por Oscar Niemeyer e Lúcio Costa, suas imagens retratavam as pessoas que chegavam à futura capital. Era outra faceta do repertório do fotógrafo: velhos, negros, lavradores, empregados, crianças. Personagens que revelavam uma nação e seriam os protagonistas, nas décadas de 1960 e 1970, de mais de 50 filmes e documentários produzidos ou financiados pela Caravana Farkas, grande incentivadora do cinema nacional. A vida de Farkas foi marcada pelo pioneirismo. Em sua atuação na Comissão de Fotografia do Museu de Arte Moderna de São Paulo-Mam ou na montagem dos laboratórios de fotografia do Museu de Arte de São Paulo-Masp, de Física da Esco-
O Estádio do Pacaembu foi um dos temas recorrentes de Thomaz Farkas, como esta foto tirada na década de 1940. Acima, retrato do fotógrafo feito em 2005.
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la Nacional de Engenharia do Ministério da Educação e Saúde, no Rio de Janeiro, do Instituto de Eletrotécnica da Usp, do Instituto de Polícia Técnica paulista e da Escola de Comunicações e Artes da Usp. Também teve seu papel de mecenas da fotografia no Brasil, com o lançamento da Revista Fotoptica, com ensaios de fotógrafos brasileiros e estrangeiros. Não foi o único empreendimento que levou o nome da empresa da família. Em 1979, fundou com Rosely Nakagawa a Galeria Fotoptica, primeira galeria no País dedicada exclusivamente à fotografia. Thomaz Farkas estava internado desde o começo de março no Hospital SírioLibanês, em São Paulo. Foi para casa na manhã do dia 25, para ficar com a família, e faleceu às 18 horas do mesmo dia, em sua casa, vítima de falência múltipla de órgãos. Em uma de suas últimas entrevistas, concedida ao Jornal da ABI por ocasião do lançamento do livro e exposição Thomaz Farkas: Uma Antologia Pessoal, realizada em parceria com o Instituto Moreira Sales e prorrogada até o próximo dia 1º de maio, ele definiu sua vida em poucas palavras: “Fotografia, para mim, é a melhor maneira de aproveitar a vida. Nunca fui um fotógrafo profissional. Nunca recebi pagamento por nenhuma fotografia que tivesse feito. Sempre fui amador.” Amador, sim, um homem que amou aquilo que tanto e bem feito fez e mostrou o caminho para muitos também fazerem.
Cristina Gurjão, a otimista Com Cristina Gurjão não havia tempo ruim nem baixo astral: guerreira, ela suportou com otimismo até mesmo os anos que passou numa cadeira de rodas, no fim da vida, que terminou no dia 18 de março, numa clínica onde esteve internada dez dias. Na missa de sétimo dia em intenção de sua alma, o jornalista e caricaturista Ziraldo, um dos presentes ao ofício religioso, descreveu-a como “um patrimônio de Ipanema”, “uma lenda viva do bairro, que agora pode entrar no século 21, graças à contribuição que Cristina lhe deu.” Cristina Gurjão era carioca e encarnava como poucas pessoas o espírito da cidade, embora tenha nascido no Brasil por acaso. Seus pais eram holandeses e queriam que o filho que teriam, presumivelmente um homem, nascesse na cidade do Rio de Janeiro. Ela nasceu em 8 de agosto de 1938 e faleceu no dia 18 de março, depois de internada desde o dia 8 na Clínica Bambina, em Botafogo. Sua amiga fraternal Marilene Dabus, também presente à missa, contou que, torcedora da Estação Primeira de Mangueira, Cristina sabia que precisava ser internada mas pediu que isto só se desse após o desfile do Primeiro Grupo das Escolas de Samba, pois queria assistir à exibição de sua escola do coração. Revelou Marilene Dabus que Cristina tinha duas outras paixões: os gatos que mantinha no apartamento térreo da Rua João Lira, no Leblon, onde morava, adquirido para ela por sua filha Maria Gurjão de Moraes, filha de seu casamento com o poeta Vinícius de Moraes, e o Clube de Regatas do Flamengo. “Ela amava tanto o Flamengo — disse Marilene — que no próprio hospital me pediu que em seu enterro o caixão fosse coberto com a bandeira do
José Fernandes, o que empregou Graciliano
clube. Foi com muita tristeza que levei a bandeira do Flamengo para o velório, como ela queria.” Além de se destacar como companheira de boemia de personalidades de Ipanema e do Leblon, como o jornalista e escritor João Ubaldo Ribeiro e o falecido escritor e cronista José Carlos Oliveira, seus companheiros em noitadas no famoso restaurante Antônio’s, Cristina Gurjão marcou forte presença como mulher de idéias avançadas. “Com precedência sobre a Leila Diniz, ela foi pioneira na introdução de novos costumes: foi a primeira mulher a vestir um maiô de duas peças na praia de Ipanema. Ela era também uma mulher corajosa: embora sem atuação de ponta na organização dessas manifestações, participou de todas as passeatas contra a ditadura militar. Sei disso porque eu a acompanhava nesses atos”, contou Marilene Dabus, que definiu Cristina como uma pessoa generosa, solidária, “amiga de todas as horas.” Cristina trabalhou de 1974 a 1978 em O Globo, que a designou para uma missão especial: cobrir como correspondente permanente do jornal a Revolução dos Cravos, deflagrada em 25 de abril de 1974, e as mudanças que Portugal promoveu após a derrubada do sistema salazarista. Ela trabalhou também na Tribuna da Imprensa, onde fez um grande amigo: o jornalista Hélio Fernandes Filho, Diretor de Redação do jornal. Assim como Ziraldo e Marilene Dabus, compareceram à missa o jornalista e compositor Nélson Mota, o produtor musical Luiz Carlos Mièle e os jornalistas Mauricio Azêdo, Presidente da ABI, Carlos Leonam, Fichel Davit Chargel, João Luiz Albuquerque e Sônia Meinberg, entre outros. A missa de 30º dia já está marcada: será no dia 19 de abril, na mesma Igreja.
Até o fim da vida, o jornalista José Fernandes tinha um orgulho, que ele mencionava com naturalidade, sem jactância: foi ele quem deu o emprego de revisor no Correio da Manhã ao pouco conhecido Graciliano Ramos, que viera para o Rio a fim de refazer a vida, depois de preso pela ditadura do Estado Novo, e se lançar no meio literário. Fernandes teve vida longa: morreu aos 92 anos, na segunda-feira de Carnaval, 7 de março, no Rio de Janeiro. Ele era sócio da ABI desde 28 de novembro de 1972. Natural de Além Paraíba, Minas, José Fernandes ingressou na carreira jornalística no Rio de Janeiro aos 23 anos de idade. Foi
revisor do Correio da Manhã, função que acumulava com a de funcionário da Divisão de Material Médico do INSS. Durante a sua passagem pelo Correio teve a honra e o privilégio de ser o responsável pela contratação de Graciliano, que ingressou no jornal como revisor. Fernandes chegou a assumir a Editoria Internacional do Correio, que foi fechado pela ditadura militar, após longa perseguição promovida pelo então Ministro da Justiça Gama e Silva. Em 2006, ele foi citado na minissérie JK, produzida pela TV Globo. Homem de hábitos simples, morava em Olaria, subúrbio do Rio. Viúvo desde abril de 2010, deixou sete filhos, 19 netos e seis bisnetos.
Sidnei Basile, um defensor do ambiente manas da Usp, Sidnei foi Diretor-Superintendente da Unidade de Negócios Exame, da Editora Abril. Como jornalista, trabalhou na Folha de S.Paulo e na Gazeta Mercantil. Atuou ainda no Citibank e na Burson Marsteller. Com vasta experiência na área, Sidnei Basile sempre foi uma referência no jornalismo econômico. Ele foi professor da Fundação Cásper Líbero durante anos e é autor do livro Elementos de Jornalismo Econômico, publicado em 2002 e que está na bibliografia obrigatória daqueles que pretendem ingressar na área. Sidnei deixa a esposa, Beth, os filhos e as noras Alexandre e Renata, Juliano e Viviane e Felipe e Maila e os netos Lucas e Thales. Deixa também imensa saudade em todos os que tiveram o prazer de conviver com ele, especialmente seus companheiros e colaboradores na Editora Abril. DIVULGAÇÃO
CARLOS WREDE-AGÊNCIA O GLOBO
A Editora Abril e o meio ambiente perderam em 16 de março um destacado militante: o jornalista Sidnei Basile, Vice-Presidente de Relações Institucionais do Grupo Abril, que morreu no dia 16 de março no Hospital Sírio-Libanês, em São Paulo. Desde o final de 2010 ele lutava contra um tumor no cérebro. Com 64 anos e 43 de profissão, Sidnei Basile atuava também como Conselheiro da World Wildlife FoundationBrazil, do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável e do Instituto Akatu para o Consumo Consciente. Era também VicePresidente do Comitê de Liberdade de Expressão da Sociedade Interamericana de Imprensa-Sip. Advogado formado pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e sociólogo graduado pelo Departamento de Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Hu-
Jornal da ABI 364 Março de 2011
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