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Gestão/Hamilton Terni Costa
from Revista Abigraf 311
by Abigraf
Hamilton Terni Costa
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A crise do papel e o mercado gráfico: uma reflexão
Omercado gráfico tomou um susto quando a Cia. Suzano, em janeiro deste ano, enviou um comunicado aos seus clientes anunciando um aumento de 35% no preço do papel couché para vigorar a partir de março. Os aumentos nos diferentes tipos de papel, incluindo papel-cartão, ondulado e outros já vinham se sucedendo ao longo dos meses, desde 2020. Além de outros custos também em ascensão: energia, combustíveis e insumos em geral, com consequência para os fretes e demais itens cuja base de custos esteja atrelada ao dólar e preços internacionais.
A grita com o comunicado foi geral, motivada pelo choque derivado do elevado percentual e em um tipo de papel onde praticamente não há, no mercado nacional, outro fornecedor. Na prática, a Suzano produz perto de 95% do consumo interno de couché ao mesmo tempo em que não há papel disponível no exterior para importação.
Daí porque argumentei, a partir de uma postagem feita pelo podcast Ondas Impressas, que tínhamos a tempestade perfeita. A junção das questões conjunturais relativas ao imenso desequilíbrio nas cadeias de suprimento internacionais causadas pela pandemia e consequente aumento de custos, com uma questão estrutural, a falta de maior concorrência interna.
Nesse meio tempo, a Cia. Suzano, após negociações com entidades do setor, como a Abigraf, acabou por revisar o reajuste e decidiu parcelá-lo até junho, não resolvendo a variação do preço, mas, ao menos, permitindo que o repasse a produtos gráficos com base nesse papel fosse um pouco amenizado e que evitasse, na pior hipótese, que consumidores migrassem ao digital por um impacto de custos.
Mas, não só isso. Além de ter tido a oportunidade de conversar com diretores da empresa buscando entender algo de seus custos e as pressões do momento, também aproveitei para uma longa revisão dos números da Suzano e como a empresa tem procurado se diversificar e o norte de sua expansão, especialmente depois que se fundiu com a Fibria.
Interessante ver que, apesar da divisão de papéis continuar sendo importante, com mais de 5 bilhões de reais de faturamento anual — um quinto do faturamento da empresa —, o crescimento da área de celulose e os novos produtos que vêm sendo pesquisados e comercializados ganham, claro, evidência, reduzindo, no total, a participação dessa área tradicional. E isso é estratégico. Volto nisso mais adiante.
O reajuste de preços e a escassez de papel não é uma exclusividade nossa. Europa, Estados Unidos e América Latina estão sofrendo com isso. Em fins de janeiro, a Intergraf, federação gráfica europeia que reúne associações gráficas de 20 países, fez um apelo público aos fabricantes de papel relatando que a atual crise de fornecimento terá “severas repercussões’ no fornecimento de material impresso para todos os setores econômicos e põe em risco a recuperação da indústria gráfica cujos níveis de demanda estão equivalentes à de antes da pandemia. Na Europa, a crise foi agravada por greves em plantas nos países nórdicos, especialmente na produção de papel para imprimir e escrever.
Nos Estados Unidos, as fábricas de papel estão trabalhando no limite de sua capacidade, mas incapazes de suprir o aumento da demanda sem os estoques in ter me diá rios que exis tiam antes da pandemia e que foram esgotados com a paralisação das mesmas. Os pa péis de imprimir e escrever, revestidos ou não, tiveram aumentos de até 25% em 2021 (em dólar) e a consultoria Risi, es pe cia lis ta no setor, espera pelo menos mais dois rea jus tes em 2022.
A rea li da de é que muitas fábricas de papel foram paralisadas durante a pandemia e algumas até desativadas. Estima-se que algo perto de 11 milhões de toneladas de papel, espe cial men te de imprimir e escrever deixaram de ser produzidas. Algumas fábricas retornaram mudando sua produção para papel kraftliner, pelo aumento de consumo de embalagens. Levará ainda um imprevisível tempo para tudo se equilibrar outra vez. Possivelmente só ao longo de 2023.
O pres ti gio so jornal Fi nan cial Times, em fevereiro, fez uma matéria sobre a questão do papel ilustrado por gráfico indicando que o preço dessa commodity atingiu o mais alto pico em anos. Seguramente não é uma si tua ção que vai se per pe tuar. Como toda commodity ela oscila em função de oferta e demanda, es pe cial men te em tempos de desequilíbrios como os de hoje e deverá re cuar em alguns meses. O duro, claro, é para quem depende dela para produzir, conseguir repassar esse impacto. Es pe cial men te em um setor onde a comunicação digital se oferece com menor custo, ainda que não substitua em muitas aplicações o ma te rial impresso e tenha menor efetividade. Mas que leva o clien te a pensar nessa alternativa, não há dúvida.
Voltando à nossa sea ra, não é minha intenção aqui entrar tanto no mérito da questão de custos e ava liar se os aumentos são justos ou inadequados para o momento. A maioria dos aumentos são con se quên cia do que descrevemos. A verdade é que os ajustes são fortes e difíceis de digerir. Possivelmente maiores do que de ve riam ser. Sei muito bem o que é estar do lado da mesa de quem tem de enfrentar esses aumentos e ne go ciar com os clien tes sentindo- se ensanduichado. Ainda mais no meio de tantas incertezas como as que temos vivido nos dois últimos anos.
Tampouco vou entrar na grita de monopólio, oligopólio — que sabemos que é — ou outras colocações comuns ao setor. Ainda que essa circunstância também influa, e muito, na questão co mer cial e ainda que a produção de couché, no Brasil, esteja na dependência de uma fábrica somente, o que é preo cu pan te. O que estou procurando ver é como as empresas papeleiras estão se adequando a esse mundo mais digitalizado onde tanto se fala contra o papel. E, mais especificamente, o que o perfil de consumo de papel é uma indicação sobre as mudanças que temos vivido no mercado gráfico.
Vamos começar pelo Brasil. Ba sea do nos números divulgados pela IBÁ, Indústria Brasileira de Árvores, o Brasil produz um total, arredondado, de 10 milhões de toneladas de papel por ano. Somos o décimo produtor mun dial e o segundo maior produtor mun dial de celulose e o primeiro em fibra curta. Desse total de papel, cerca de 20% são os chamados pa péis gráficos, os de imprimir e escrever, predominantemente o offset e o couché.
Pois bem. Como tem sido o consumo desse papel no Brasil nos últimos anos? Vamos pegar o chamado consumo aparente que é a produção na cio nal, mais importação menos as exportações. Em 2014, esse consumo foi de 2,310 mil toneladas. Depois disso, os anos de maior consumo foram 2016 e 2017 com 1,872 mil toneladas. 2019?, só 1,724 mil. Em 2020 1,342 mil e em 2021 1,572 mil. Ou seja, nos últimos sete anos jamais voltamos aos patamares de 2014.
Pena que esses números da IBÁ, há muitos anos, não são mais mostrados por tipo de papel. Dessa forma não se sabe, ofi cial men te, qual foi a queda do couché, por exemplo. Mas que deve ter sido significativa, não há dúvida.
Vamos dar uma olhada no papel-cartão cuja demanda foi de 550 mil toneladas em 2015, subindo para 571 mil, em 2017, 603 mil, em 2018, e 592 mil, em 2019. Subiu em 2021 para 625 mil toneladas, já refletindo um aumento na produção de embalagens.
Mesmo assim, estamos falando de um crescimento de 13,6% em 6 anos, o que daria cerca de 1,5% de taxa de crescimento anual composta. Como embalagens também representam consumo em geral, esse per cen tual é muito baixo, no meu modo de entender, para um país com um mercado como o do Brasil. Mas só mostra como nossa economia andou pouco nesse perío do. E isso porque 2021 apresentou um aumento de 5,6% sobre 2019, um ra zoá vel aumento e que indica como a embalagem em cartão se robusteceu durante a pandemia.
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Pelo que tudo indica, é um sinal claro de tendência de crescimento. Ainda mais se considerarmos toda a pressão am bien tal que estamos vivendo com a busca de embalagens com materiais não fósseis. Se a economia ajudar, então, nem se fale. O que deve levar a mais investimento dos fabricantes para o aumento de produção no Brasil. Possivelmente em detrimento de outros pa péis, como o de imprimir e escrever.
No ex te rior os pa péis destinados a gráficas também vêm apresentando queda há um tempo. Segundo relatório da McKinsey, de 2019, os pa péis de imprimir e escrever tiveram uma taxa anual composta negativa em 1,5% de 2010 a 2018, com uma previsão de declínio mais acen tua do. Mas temos de pular a pandemia para ver em que patamar se estabilizam. Nesse mesmo pe río do, o papel-cartão apresentou taxa anual composta com crescimento de 1,7% e o corrugado de 2,7%.
A previsão da consultoria é que, nesse ritmo de queda do papel de imprimir e escrever, a tendência é vermos uma maior conversão de equipamentos de papel voltados a embalagens e suas va ria ções, o que já está acontecendo como já falamos antes.
Nesse aspecto, e voltando às considerações para empresas como a Suzano, torna-se compreen sí vel sua estratégia de investir em novos materiais como o papel para copos, pa péis sani tá rios e no estímulo ao desenvolvimento de embalagens com materiais de origem não fóssil com barreiras de proteção. Por isso, suas pesquisas em produtos para conversão de 10 milhões de toneladas de plástico usados em embalagens para substratos que contenham mais base de celulose. Ou mesmo outros produtos como a lignina. Sua visão, e a de muitos fabricantes, é a de melhor aproveitamento de sua base florestal e os produtos que possam ser gerados a partir dela.
Mas, se pergunta o gráfico: como fico eu? A Suzano fica bem, e nós, como ficamos diante dessas mudanças? Vamos todos fazer embalagens e sair fora do resto? Não é bem assim. Há diferentes considerações. Primeiro que, sem dúvida, o mercado co mer cial e pro mo cio nal onde milita a maior parte das gráficas tende a se encolher, gra dual men te. Há muito espaço nele ainda, mas será cada vez mais um mercado competitivo, com margens apertadas, comoditizado e que exigirá das gráficas que tenham muito foco em produtividade, automação dos processos e vendas em boa parte também automatizadas.
Na área edi to rial, apesar da queda de revistas, sem falar em jornais que em sua maioria têm produção própria, a produção de livros também apresenta oportunidades interessantes. Seja em novas edições, seja na recuperação de catálogos, seja pela diminuição de estoques das editoras e sua venda online. Nesse aspecto, a impressão digital passa a ser, ainda mais, uma tecnologia muito adequada para atender a essas demandas, alia da a serviços de distribuição diretamente ao comprador ou via marketplaces digitais.
Por outro lado, há crescentes mercados com produtos que não ne ces sa ria men te usam papel. São os de comunicação vi sual, os de impressão fun cio nal e seus diferentes nichos, com destaque para o têxtil, seja na impressão de roupas, seja na impressão de tecidos. Muitos são mercados fragmentados, mas onde oportunidades residem na possibilidade da co cria ção de produtos junto com os clien tes.
O mercado de embalagens impressas é imenso, va ria do, mas ao mesmo tempo muito competitivo. Não cabem todos nele, mesmo com bom crescimento. Além disso, sua adaptação a ele para quem não é do ramo, exige uma forte mudança no di re cio na men to dos ne gó cios, mentalidade e equipamentos. Ainda assim é uma opção viá vel a muitas empresas, seja em rótulos, embalagens em cartão, ondulado e flexíveis.
Enfim, o que quero dizer é que vivemos um momento de grandes mudanças. O foco das papeleiras vai se alterando conforme os mercados vão se alterando. As caí das no uso de determinados pa péis e o crescimento em outros é significativo disso. É um momento em que o gráfico tem que pensar em di fe ren cia ções e redefinir seu foco estratégico.
Se você não sabe como fazer isso, busque ajuda, converse com mais gente, participe de se miná rios, faça cursos. A mudança a partir de agora poderá fazer toda a diferença no seu futuro como empresa e como empresário.
Independente do custo final da matéria- prima, o que deve prevalecer é o valor que você gera para o mercado. Se você não atrai clien tes a partir dos be ne fí cios que oferece, está mesmo na hora de mudar.
Já pensou nisso?