DÁRCIO LIRA
A BÍBLIA
E O BUSHIDO 2ª Edição Fevereiro - 2011 Above Publicações Vila Velha - ES
Copyright © 2011 — Above Publicações Segunda edição ISBN — 978-85-63080-30-1 Editor Responsável Uziel de Jesus
Capa Anderson Lima Zordan Diagramação e Capa Above Publicações www.aboveonline.com.br Todos os direitos reservados pelo autor. É proibida a reprodução parcial ou total sem a permissão escrita do autor. Impresso na Gráfica Viena
Sumário A BÍBLIA E O BUSHIDO
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INTRODUÇÃO
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DEUS E OS HOMENS DE GUERRA.
9
DEUS E SUAS (?) GUERRAS
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DEUS E O BUSHIDO
35
O PAPEL DA IGREJA NO COMBATE À VIOLÊNCIA
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UM CAMINHO DO MEIO PARA OS CRISTÃOS
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UM DEUS A SERVIÇO DOS CRISTÃOS
53
OS SAMURAIS E O CRISTIANISMO
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O JAPÃO PARA [PORTUGAL,ESPANHA, HOLANDA E ROMA] CRISTO
87
ESCRAVOS JAPONESES
97
REAÇÃO DO ESTADO JAPONÊS AO COLONIALISMO CRISTÃO
103
O DESTINO DOS DAIMYO CRISTÃOS
E SEUS VASSALOS
105
A ABERTURA NEOCRISTÃ - ABRINDO AS PORTEIRAS
111
A TSUNAMI MUSICAL NEOEVANGÉLICA
121
SEPARANDO O SANTO DO PROFANO
127
OS MERCADORES DE ILUSÃO
137
A IGREJA E AS LIBERDADES INDIVIDUAIS
149
SOBRE A ÉTICA E A RELIGIOSIDADE GAY
157
O SERVIÇO DE (DES) INFORMAÇÃO DOS COMANDOS GAYS
177
GAYS: UM PODEROSO MERCADO
193
JESUS CRISTO ERA GAY?
205
GAYS VERSUS HOMOSSEXUAIS
223
O QUE ACONTECEU COM O CRISTIANISMO?
227
QUAL O SEXO OS ANJOS? A DISCUSSÃO CONTINUA
239
QUEM SE HABILITA A SER UM BOM EXEMPLO? 249 O DOJO E A IGREJA
257
PORQUE ESCREVI A BÍBLIA E O BUSHIDO - A IGREJA CRISTÃ EM GUERRA
273
CONCLUSÃO
279
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INTRODUÇÃO “O Senhor é homem de guerra; Senhor é o seu nome.” (Êxodo 15.3)
B
ushido – Caminho do Guerreiro - ou mais especificamente Caminho do Samurai - é assim chamado o rígido código de conduta não escrito que regia a poderosa Classe Samurai no Japão medieval. Suas regras estavam filosoficamente e espiritualmente fundamentadas no xintoísmo, zen-budismo e confucionismo. Em A Bíblia e o Bushido – A Igreja Cristã em Guerra demonstro a similaridade entre os valores espirituais e morais praticados pela famosa elite guerreira dos samurais e por renomados líderes guerreiros bíblicos. Ao estabelecer uma analogia entre o Caminho do Samurai e o caminho do guerreiro pertencente aos exércitos do Senhor, minha intenção é estimular nos leitores o resgate de princípios morais e espirituais indispensáveis à construção de um caráter sólido, elevado e nobre, como daqueles cujos gloriosos feitos eternizaram seus nomes nas páginas da Bíblia Sagrada e da História da Humanidade. A Bíblia e o Bushido
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O enfoque marcial da presente obra diz respeito diretamente à formação filosófico-espiritual do guerreiro como elemento vital à sua realização plena enquanto ser humano. Indo muito além de uma obra técnica referente a uma modalidade específica de forma de combate, A Bíblia e o Bushido – A Igreja Cristã em Guerra apresenta um panorama montado sobre uma grande variedade de notas culturais e referências históricas a partir das quais o leitor pode formular um melhor padrão pessoal de enfrentamento de seus problemas do dia-a-dia. São envolventes infor mações extraídas de fontes fidedignas da História Universal; fatos e narrativas de cultura geral; mensagens de natureza doutrinária e cunho teológico extraídas em especial da Bíblia Sagrada; mensagens oriundas de importantes correntes de pensamento universais. Você tem em mãos uma leitura agradável e muito esclarecedora para todos os desejosos em aperfeiçoar sua formação moral e espiritual com aplicação concreta na administração das suas relações existenciais, independentemente de suas preferências religiosas. O caráter eclético aliado à profunda natureza marcial desta publicação coloca a mesma em lugar de destaque no rol da literatura marcial, sendo de indispensável leitura por todos que se digam verdadeiramente amantes e estudiosos das artes marciais. No caso específico do público cristão a presente obra responde e desfaz todos os questionamentos sobre a legitimidade bíblica da prática de atividades relacionadas com lutas por aqueles que firmaram nos seus corações a mensagem neotestamentária do amor e perdão divinos, tema que ainda é para muitos motivo de perturbação. Através da utilização de suficientes referências de textos bíblicos, elegendo a Bíblia 8
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Sagrada como árbitro das afirmações contidas neste livro, entrego a Você as mais importantes informações capazes de dirimir todos os conflitos de consciência, por ventura existentes, quanto à prática das atividades marciais à luz da genuína Fé Cristã. Indo mais além, através da abordagem sobre temas polêmicos e da análise da atuação da Igreja Cristã no enfrentamento de conflitos internos e externos, o leitor será provido de abundantes subsídios à formulação de sua própria opinião acerca de eventos atuais que estão a afetar os rumos da cristandade. Se Você já é um praticante de qualquer arte de combate terá na leitura deste livro um farol a lhe direcionar para uma aplicação de seus conhecimentos de forma mais construtiva na sua própria vida e de seus semelhantes. Se Você é um estudioso das artes de combate, este livro ser-lhe-á uma fonte autorizada, límpida e refrescante a suprir sua sede de conhecimentos, levando-o a se aplicar em conhecer e vivenciar o espírito transcendente das artes marciais. Se Você se intitula um simples simpatizante do mundo das lutas, as ricas informações contidas neste livro serão de grande estímulo para que você continue a apreciar esta atividade; mas ainda lhe asseguro ser bem provável que após a leitura completa Você até se disponha a evoluir de simples espectador para um devotado praticante. Se Você é um Cristão ou simples simpatizante da mensagem bíblica ou se auto-intitula um livre-pensador sinceramente interessado em evoluir espiritualmente sem vinculação formal a qualquer credo religioso, A Bíblia e o Bushido – A Igreja Cristã em Guerra também foi feito para Você. A Bíblia e o Bushido
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Seja bem-vindo (a) à leitura de A Bíblia e o Bushido – A Igreja Cristã em Guerra e prepare-se para receber um grande impacto positivo em termos culturais, filosóficos e espirituais. Ao Deus Único, Onipotente e Onisciente, toda a Honra, todo Louvor e toda Glória! Dr. Dárcio Lira Médico Veterinário Mestríssimo 9º Dan de Jiu Jitsu Tradicional.
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DEUS E OS HOMENS DE GUERRA
N
a História da Humanidade ter um “Deus” na linha de frente das batalhas parece não ter sido um privilégio apenas do Povo de Israel. Para não fugir ao propósito deste livro, cito apenas o Bhagavad-Gita, clássico religioso indú que narra o diálogo de Krsna com seu devoto Arjuna em pleno campo de batalha de Kuruksetra. A história das guerras do homem está permeada deregistros em que ou o próprio Deus ordenou que fosse travada a guerra ou os homens fizeram a guerra arvorando a bandeira da defesa da causa de Deus – ainda que os motivos fossem outros em nada elogiáveis. E neste particular, nenhuma obra melhor do que a Bíblia para a extração de exemplos. Por sinal, o célebre historiador judeu Flávio Josefo (37 – 103 d.C) deveria ter mudado o título da sua obra História dos Hebreus para História das Guerras dos Hebreus, pois todas as páginas de sua obra se constituem numa volumosa e horripilante torrente de sangue. A Bíblia e o Bushido
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Lendo sobre os mais célebres combates registrados na Bíblia, fundamentados em amplos registros escriturísticos, podemos afirmar que as batalhas dos filhos de Israel foram em sua expressiva maioria as batalhas do próprio Deus contra os “deuses” e seus seguidores: “também contra os deuses executou o SENHOR juízos”. Nm 33:4.
Em Deuteronômio 7:7 e 9:4 Deus deixa bem claro que não é por mérito dos hebreus que os habitantes de Canaã são expulsos de diante deles; e o Rei salmista Davi manifestou plena consciência desse fato ao proclamar “Em Deus faremos proezas, porque ele mesmo calca aos pés os nossos adversários” (Sl 60:12) após ter derrotados diante de si os poderosos exércitos da Síria e de Edom. Para os hebreus, o Povo de Israel, os judeus, a presença de Deus nas suas vidas, em meio do seu povo, e à frente de suas batalhas não era algo apenas simbólico, mas literal, palpável, bem verdadeiro. Agora, a grande pergunta dentro do escopo deste livro: – De que forma Deus se relacionava com os guerreiros da Bíblia? Como Deus via as ações e interagia com os homens que tinham nas mãos o sangue derramado de homens e até de mulheres e crianças? Vejamos: – Deus concedeu uma grande vitória militar a Abrão que com apenas 318 homens derrotou os exércitos da aliança de quatro reis. Gn 14.20. – Deus trava um singular combate corpo-a-corpo com Jacó; e porque “como príncipe” lutou “com Deus e os homens e prevaleceu” (Gn 32:28) o próprio Deus premiou a Jacó, mudando12
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-lhe o nome para aquele com se celebrizou e passou a chamar-se a nação constituída por seus descendentes: Israel. – Ao valente Josué Deus disse que seria com ele por onde quer que andasse ( Js 1:9). No extenso rol dos heróis da Bíblia citamos mais estes poucos, a título de exemplo: Otniel, Débora - sim, uma mulher! Jael, outra mulher, que mostrou mais valor do que muitos homens, matando Sísera (Jz 4); Gideão, Jefté, Sansão. Deixando com Você o aprofundamento na pesquisa, fecho este rol com aquele fantástico guerreiro que se tornou o mais famoso Rei de Israel: Davi. Agora me diga: Você não acha interessante que as Sagradas Escrituras apresentem, e em alguns casos até exaltem, um numeroso elenco de guerreiros como homens especiais aos olhos de Deus? Muitos pregadores contra as guerras e a pena de morte aferram-se ao 7º Mandamento, Ex 20:13 - “Não matarás” como alicerce inquestionável para o seu protesto, enquanto o próprio Deus enviou, animou e fortaleceu seus homens de guerra e, contrariando ainda tais pregadores, até censurou outros porque pouparam alguns de seus adversários e não destruíram todos os seus bens, como, por exemplo, aconteceu com o Rei Saul, quando, desobedecendo a ordem divina, poupou a vida de Agague, Rei dos Amalequitas (I Sm 15:18,32). Como entender o modus operandi deste mesmo Deus que enquanto ordena não matar exige o extermínio de povos inteiros, e vai mais além, por exemplo, quando estabelece para o seu próprio povo a pena de morte pelo “simples” pecado de desobediência dos filhos para com os pais (Dt 21:18,21)? Na diligência de justificarem as atitudes de Deus dianA Bíblia e o Bushido
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te daqueles que dizem não desejarem servir a um Deus que manda matar, em vez de mandar amar, muitos no passado e mais do que nunca nos dias de hoje, para “limparem a barra” de Deus, se embaraçam nos púlpitos com mil e uma teorias e multiplicam os livros nas prateleiras das livrarias especializadas em publicações religiosas, mais confundindo do que explicando aos prosélitos ou interessados as razões desse modo de agir de Deus. Claro que alguns afirmarão que deter minadas ordenanças de Deus variaram em função da evolução da Dispensação da Lei para a Dispensação da Graça. Porém, mesmo à luz desses argumentos, nem de longe respondem a contento a questão do caráter deste Deus que é manifestadamente amigo de homens de guerra; Deus “contraditório” que ordena não matar e institui a Pena de Morte. Enfocando a teoria das Dispensações , caminhemos pelas páginas do Novo Testamento, sob os auspícios da Dispensação da Graça, e analisemos a posição de legítimas autoridades espirituais acerca dos homens de guerra. 1
Três passagens bíblicas registradas no Novo Testamento são suficientes para nos informar se a mudança do modus operandi de Deus foi tão radical assim, seguindo a corrente que apregoa o conceito de um Deus pacifista revelado em Cristo Jesus: “Também os soldados lhe perguntaram: E nós, que faremos? E ele [João Batista] lhes disse: A ninguém maltrateis, não deis denúncia falsa e contentai-vos com vosso soldo”. - Lc 3:14 . 1-Teologicamente são períodos em que Deus usa de métodos distintos para tratar com a humanidade.
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“Então, falou Pedro [ao Centurião Cornélio], dizendo: Reconheço, por verdade, que Deus não faz acepção de pessoas”. At 10:33. “Ouvindo isto, admirou-se Jesus e disse aos que o seguiam: Em verdade vos afirmo que nem mesmo em Israel achei fé como esta”. Mt 8:10.
Observando as três citações acima, começando por João Batista, a concordar com a teoria da “paz e amor a qualquer preço”, Você não acha que um homem que segundo o testemunho do próprio Jesus era “mais que Profeta” (Mt 11:9) não perdeu uma boa oportunidade de conclamar aqueles soldados a largarem a farda, a abdicarem da arte da violência e da guerra, por analogia as “artes marciais”? Por que João Batista se prendeu a uma advertência lacônica direcionada tão somente para o respeito a princípios morais e humanitários? E Pedro, com relação a Cornélio, Centurião romano, homem de guerra, homem de sangue, que estava ali assegurando o domínio da Águia Romana, dos deuses romanos, sobre o Povo de Deus? Por que Pedro (e porque não dizer, o próprio Deus de Israel, que enviou Pedro até Cornélio) não impôs a Cornélio a condição de abandonar as armas, pedir dispensa do exército invasor, para que fosse aceito por Deus? Algo mais ou menos assim: “- Cornélio, você tem feito tantas coisas agradáveis ao nosso Deus que ele me enviou para lhe dar uma oportunidade; você ganha a vida eterna por uma pechincha: é só largar a profissão das armas, pois esta é a única coisa em sua vida que ainda está desagradando a Deus”. Mas Você e eu sabemos que não foi assim, não é mesmo? Você e eu sabemos que na Bíblia não está escrito nada disso ou algo que induza alguém a pensar que foi assim. A Bíblia e o Bushido
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Coloquei o versículo 8:10 de Mateus intencionalmente fora da seqüência da narração bíblica exatamente por se tratar das palavras do próprio Senhor Jesus, e nada melhor do que fecharmos essa questão com as palavras do Senhor Jesus. Aqui encontramos o nosso Salvador a elogiar de forma muito distinta a conduta de outro Centurião romano, de tal forma que a atitude daquele homem de guerra mereceu ficar registrada nos memoriais das Sagradas Escrituras, para exemplo de todos nós. E o que fez o Centurião de tão especial, para merecer este elogio de Jesus? Afirmo a todos os leitores que não foi simplesmente uma fervorosa proclamação de fé, nascida da mente de um homem profundamente religioso. O Centurião desta narrativa era o que era: um guerreiro, um homem valente – pois se assim não fosse não estaria em posição de comando no exército romano -, era um homem que com certeza já havia matado e ordenado matar muitos homens, talvez até mulheres e crianças – e mesmo dentre o povo israelita; não bastasse isso, havia o agravante maior daquele homem estar a serviço dos deuses de Roma. Até mesmo o cuidado do Centurião para com o estado de saúde do seu criado não deve ser interpretado simplesmente como um gesto humanitário, testemunhando a favor de um suposto espírito religioso e bonzinho do militar romano, imagem esta que muitos pregadores estão a vender. O legionário romano sabia da importância de um bom pajem, um bom escudeiro, do quanto era indispensável para a organização tanto de sua indumentária e instrumentos de guerra – em combate ou fora dele - quanto para a prestação de serviços de ordem doméstica. Daí sua grande preocupação pela recuperação do seu pajem, ou servo. Neste particular, cumpre 16
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ressaltar que a convivência diária e prolongada, mais as lides, contribuía naturalmente para o estreitamento dos laços afetivos entre o guerreiro e seu servo. Traçando um paralelo com os tempos atuais, a preocupação do Centurião para com o seu servo, pode-se dizer, foi a mesma que nos nossos dias adotaria um empresário que se preocupa com o estado de saúde de um fiel e competente funcionário, cujas funções são vitais ao bom andamento de seus negócios. Sem dúvida, também na atualidade, é natural o estreitamento de laços afetivos entre um empregador e um fiel e competente empregado. Expressando-se daquele modo, o Centurião demonstrou que uma autoridade legítima reconhece outra. Mais do que Fé, o Centurião usou sua psicologia militar para identificar em Jesus uma pessoa que, mesmo sendo humana, era dotada de credenciais superiores. E que psicologia foi esta? Veja: Nos sertões da minha infância havia uma expressão bem comum: “- Boto fé neste macho, pois ele já mostrou que é homem”. E como o macho mostrava que era homem? Dizendo uma coisa e cumprindo com sua palavra. Assim foi Jesus aos olhos do Centurião: não foi visto nem precisava ser visto como um Deus; bastou ao Centurião ver que estava diante de um homem que dizia ser Alguém e que provava com atos as declarações que fazia acerca de si mesmo. As Suas obras testificavam a respeito dEle : “As obras que eu faço em nome de meu Pai testificam a meu respeito”. Jo 10:25.
E, vivendo na época e mesma região de Jesus, ele estava bem informado de que nenhuma palavra que saia da boca de Jesus caia por terra; assim não foi difícil para o Centurião A Bíblia e o Bushido
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acreditar que Jesus era a Autoridade que dizia ser; por isso não precisaria que Jesus fosse até sua casa para curar o criado, e assim, mesmo sendo explícita a reverência do Centurião à pessoa de Jesus, a cura constituiu-se apenas um ato natural para o Centurião, algo que não poderia ser de outra forma, sendo Jesus o Homem que o Centurião viu que Ele era. Se assim não tivesse sido, o Centurião não teria feito de forma tão natural a comparação de sua autoridade com a autoridade de Jesus quando disse: “... apenas manda com uma palavra...” “Pois também eu...” só faço dizer “a este: vai, e ele vai...” O registro bíblico não nos oferece nenhum fundamento para que afirmemos ter o Centurião encarado a cura do seu servo como uma façanha extraordinária, um portento, segundo o conceito popular de ‘milagre’. Nenhum milagre, pois algo especial feito por alguém especial não passa de um ato natural. Espera-se de pessoas autênticas atitudes autênticas. E o que impediu as autoridades políticas e religiosas dos judeus de igual modo reconhecerem a autoridade de Jesus? Josh McDowell em sua pequena, mas riquíssima obra Mais que um Carpinteiro, Ed. Betânia, faz menção de um trabalho realizado pelo Professor Peter W. Stoner que nos dá a seguinte informação acerca da pessoa de Jesus: Com detalhes ainda mais expressivos, Deus fez uma descrição na História, para destacar seu Filho, o Messias, o Salvador da humanidade, de qualquer outra pessoa que já viveu no mundo – no passado, presente e futuro. Os detalhes específicos desta identificação podem ser encontrados no Velho Testamento, um documento que foi escrito durante o período de mil 18
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anos, e contem 300 referências à sua vida. Pelo método das probabilidades, as chances de que apenas uma destas profecias se cumprissem numa pessoa eram de 1 em 10157.” Stoner diz que, empregando a moderna ciência da probabilidade em conexão com oito profecias, “descobrimos que as chances de que um homem tivesse vivido, até o presente momento, e cumprido todas as oito, é uma em 1017”. Isto significaria que as chances eram de uma em 100 quadrilhões. A fim de compreendermos melhor este estarrecedor índice de probabilidade, Stoner ilustra o fato sugerindo que “tomemos 1017 moedas de prata de um dólar, e as coloquemos sobre a superfície do Estado do Texas, nos Estados Unidos. Elas cobrirão todo o estado e formarão uma plataforma de sessenta centímetros de altura. Agora marquemos uma destas moedas, e misturemos todas elas na superfície do Estado. Coloquemos uma venda nos olhos de uma pessoa, e digamos a ela que pode ir onde quiser, mas deve pegar a moeda marcada, e mostrar a moeda determinada. Quais as chances que ela tem de encontrar a moeda certa? As mesmas chances que os profetas teriam de haverem escrito aquelas oito profecias para vê-las cumpridas em um homem, desde seus dias até hoje, considerando-se que eles as tivessem escrito de seu próprio intento.
A informação que Josh McDowell nos proporciona torna mais impressionante ainda o fato das autoridades religiosas, os “doutores da Lei”, não terem reconhecido a autoridade de Jesus, nem por meio das Sagradas Escrituras tão minuciosamente conhecida deles, nem ainda pelas obras que o próprio Jesus realizava diante dos seus olhos. Muitos escreveram profundos tratados sobre isso, mas A Bíblia e o Bushido
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no que tange ao propósito deste livro, direi apenas que as autoridades políticas e religiosas de Israel não reconheceram a autoridade de Jesus por conta do típico desregramento de conduta que caracterizava o modo de vida deles, pelas maquinações deploráveis de que se utilizavam para galgar os cargos de autoridade, quer fossem político-administrativos ou religiosos. Eram autoridades exteriormente, mas reprovados interiormente, moral e espiritualmente. Se não tinham senso de respeito próprio, como teriam respeito para com os outros? E se não se reconheciam como autoridades entre eles, como saberiam reconhecer uma legítima Autoridade ainda por cima vinda de fora de seus círculos? Pessoas de vida desregrada não têm olhos para ver senão aquilo que agrada a suas vidas libertinas. Já com o Centurião a coisa foi bem diferente. Sua vida militar – seu Bushido - lhe proporcionou outra formação. Ao contrário dos líderes judeus que galgavam seus cargos – religiosos, inclusive - fazendo uso dos meios os mais deploráveis, o Centurião conquistou seu Título mostrando valor e honra nos campos de batalha; sob a forte disciplina militar romana aprendeu sobre lealdade, fidelidade e respeito para com seus líderes; aprendeu com a Arte da Guerra os princípios da autoridade; portanto estava apto a reconhecer uma verdadeira Autoridade. Dizer que faz e não fazer, dizer que é e não ser não é atitude de alguém que se intitula autoridade em qualquer área ou assunto. Mas é o que se vê comumente por aí – pessoas que agem ao contrário ou que mostram não terem a competência que é esperada no exercício de suas funções. Por isso, para o Centurião foi fácil notar que Jesus tinha Autoridade, enquanto até os que conheciam Jesus de per20
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to, os da sua própria casa, e mesmo os mais religiosos de sua terra não souberam ver isso. Jesus provava com atos o que dizia ser; realizava feitos à altura do “cargo” que dizia ter. Do exposto, podemos inferir que somente o fiel cumprimento de sua função ou missão legitima uma Autoridade. Podemos ver no Centurião a mais pura expressão de legitimidade. Ele era de fato um Centurião e não simplesmente estava um Centurião. Ninguém que não viva em si mesmo o espírito verdadeiro de sua função ou profissão jamais será ou terá autoridade no que faz. Pais perdem suas autoridades sobre os filhos, porque deixaram de exercer a verdadeira missão de pais. Líderes religiosos e políticos perdem suas autoridades porque desonram as suas missões; muitos estão professores, médicos, padres, pastores... mas verdadeiramente não o são em seus corações. Não é interessante que nas duas situações apresentadas envolvendo centuriões podemos sentir um verdadeiro prazer nas expressões divinas? Perceba com que prazer e admiração o Divino Mestre declara que “nem mesmo em Israel achei fé como esta”. Você se lembra do que falei ainda neste capítulo, sobre os inúmeros registros bíblicos que mostram o modo todo especial como Deus trata com os homens de guerra? E que atributos eram visíveis nos homens de guerra israelitas? Os simplistas se apressariam em dizer: Fé! Que seja, mas me aponte um só homem que não tenha senso de valor, que despreze a honra, que não valorize a lealdade, a fidelidade, a gratidão e o respeito e, contudo, seja um homem de Fé. Você não encontrará um. Agora, não é interessante Você saber que valor, honra, A Bíblia e o Bushido
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lealdade, fidelidade, gratidão e respeito são princípios fundamentais do Bushido, do Caminho do Guerreiro? É importante Você saber que a Filosofia Marcial estabelece uma indelével distinção entre lutador e guerreiro. Um homem forte, valente e inteligente, ou simplesmente impetuoso, poderá vir a ser um proeminente lutador, mas jamais um guerreiro na acepção transcendente da palavra. O fato de conhecer profundamente uma ou mais formas de combate pode até fazer dele um lutador de renome, mas não um guerreiro. É certo que a expressão guerreiro tem sido vulgarizada, contando para isso com a colaboração da literatura descredenciada em termos de Filosofia Marcial. Sob o ponto de vista da Filosofia Marcial, um soldado não é necessariamente um guerreiro. Para ser um legítimo guerreiro o soldado deverá ser dotado de atributos superiores de alma e espírito. Esta transcendência sempre se refletirá no curso de suas relações com seus semelhantes, alicerçada em princípios éticos e valores morais superiores. À luz da Bíblia salta aos meus olhos que Deus está de acordo com a distinção feita pela Filosofia Marcial, e vice-versa: que a Filosofia Marcial está em harmonia com a distinção que Deus faz entre o lutador simples homem de guerra e o guerreiro. É, de fato, inegável a deferência toda especial de Deus para com os guerreiros do mundo bíblico, até mesmo em casos em que o guerreiro não pertencia ao Povo Escolhido, como os tão evidentes exemplos citados do Centurião desconhecido e o Centurião Cornélio. Outro exemplo tremendamente significativo é o caso de Josué e Calebe aos quais Deus permitiu a entrada e posse 22
Dárcio Lira
de herança em Canaã (Dt 1:35) enquanto todos homens de guerra contemporâneos deles foram condenados a vagar pelo deserto até morrerem (Dt 2:14). Examinando as condutas de Josué e Calebe, estes possuíam valores que os diferenciavam dos demais; valores aos quais já nos referimos, mencionando o Bushido, o rígido código de conduta dos samurais. Josué e Calebe foram o que posso chamar perfeitos samurais bíblicos. Afirmo isso sem o menor receio de estar perdendo a minha salvação e que quando nos encontrarmos no Céu, eles me dirão: - “Olá, Mestre Dárcio, gostamos da comparação que você fez, quando naquele seu livro A Bíblia e o Bushido – A Igreja Cristã em Guerra nos descreveu como perfeitos samurais bíblicos”.
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DEUS E SUAS (?) GUERRAS
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uando o Rei inglês Ricardo Coração de Leão durante o período de guerras entre cristãos e muçulmanos que ficou conhecido como Cruzada dos Reis, se lançou contra Jafa a fim de libertar os cristãos que ali se encontravam sitiados, o seu cavalo foi abatido numa luta corpo a corpo, de modo que se viu forçado a combater a pé. Então, seu cavalheiresco e igualmente famoso adversário Sultão Saladino lhe enviou um cavalo descansado com um recado que dizia que era mais conveniente que os reis se batam a cavalo. Que tremendo gesto de cavalheirismo, não é? São comportamentos assim que diferenciam lutadores, soldados e guerreiros. Atitudes tais são típicas do Bushido. As Cruzadas! Eu disse que a história das guerras do homem está permeada de registros em que ou o próprio Deus ordenou que fosse travada a guerra ou os homens fizeram a guerra A Bíblia e o Bushido
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em causa própria arvorando a bandeira da defesa da causa de Deus. E acima está um exemplo de um sangrento período de “guerras santas” que durou, oficialmente do ano 1096 a 1270. Uso as palavras “guerras santas” ao invés de “guerra santa” como diziam os cristãos, porque também para os muçulmanos sua guerra contra os “infiéis” - os cristãos - era igualmente santa. Era Deus contra Alá! E era mesmo? Como meu objetivo não é julgar a legitimidade espiritual das guerras onde quer que tenham acontecido, voltemos à atuação de Deus tendo a história bíblica como pano de fundo. Até porque no aprofundarmo-nos noutra direção fatalmente nos envolveríamos nos morticínios inomináveis executados pelos exércitos católicos e protestantes em sua disputa pelo poder na “iluminada” Europa. Guerra complicada esta, entre católicos e protestantes, já que ambas as partes defendiam os interesses do mesmo Deus. É claro que, do mesmo modo que nas Cruzadas, a motivação dominante foi o conflito de interesses político- econômicos camuflados como causa religiosa – o mesmo tipo de motivação que promoveu a expansão da cristandade, com todas as suas funestas memórias, como Você verá em muitos fatos que apresentarei no decorrer deste livro. Mas, voltando à análise estrita da participação direta de Deus nos destinos de importantes batalhas bíblicas, as Sagradas Escrituras afirmam categoricamente que Deus não somente ordenou ou se pôs a contemplar passivamente, dos altos Céus as guerras do seu povo, mas esteve à frente de muitas importantes batalhas do mundo bíblico, em alguns casos atuando pessoalmente nas frentes de luta. Amplos relatos bíblicos revelam não somente a ordem divina para que se fi26
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zessem as guerras, mas ainda registram a presença do próprio Deus no campo de combate: “- E há de ser que, ouvindo tu um estrondo de marcha pelas copas das amoreiras, então, te apressarás: é o SENHOR que saiu diante de ti, a ferir o arraial dos filisteus”. 2 Sm 5:25
Não se poderia esperar do Senhor dos Exércitos outra atitude senão esta; um bom comandante não fica somente dando ordens protegido na retaguarda, mas faz-se presente na frente de batalha. Sobre a expressão “O Senhor dos Exércitos” - Yahweh Tseba ‘Oth - tantas vezes registrada na Bíblia, muitos se limitam ao entendimento de que significa que todas as coisas no mundo natural e espiritual estão sob o controle de Deus. Sem querer polemizar com essa generalização, chamo a sua atenção que ninguém pode negar o sentido militarizado da expressão. Em Js 5:14 a palavra “exército do SENHOR” equivale a “exército do céu” ( 1 Rs 22:19) e “legiões celestes” (Sl 148.2), neste caso referindo-se aos anjos de Deus, os mesmos que participarão das guerras celestiais previstas no Apocalipse. E falando sobre o exército do céu, cabe aqui um rápido esclarecimento sobre a natureza marcial dos anjos de Deus. Ao contrário das imagens de criancinhas com asinhas, ou rapazinhos que não se consegue diferenciar de menininhas – formas como são apresentadas figuras angelicais especialmente nas pinturas e esculturas renascentistas européias e que foram adotadas pelas culturas do mundo inteiro – na verdade as manifestações de anjos nos relatos escriturísticos sempre produziram um vigoroso e até mesmo terrificante impacto A Bíblia e o Bushido
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sobre aqueles que tiveram a oportunidade de deparar-lhes. Para não me alongar em exemplos, basta citar o valente Daniel, que quase morre do coração quando contemplou aquela terrível figura cujo rosto brilhava “como um relâmpago, os seus olhos como tochas de fogo...” e a sua voz “era como o estrondo de muita gente”. Daniel só não correu porque de tanto medo desmaiou! Leia na Bíblia o Livro de Daniel; é simplesmente fantástico! Não sei Você, mas quanto a mim, só em pensar no ocorrido fico todo arrepiado! E lhe garanto mais uma coisa: Como em meus exercícios marciais eu faço sempre um bom treinamento de pernas, se um Mensageiro desses de repente aparecer diante de mim sem aviso prévio, vai ter muito trabalho para me alcançar antes de me entregar a mensagem, porque a carreira que vou dar vai ser grande. Bem, deixo com Você estudar as outras aparições de anjos registradas na Bíblia; e, com certeza, ao final Você também chegará à única conclusão possível sobre a natureza dos anjos: Eles eram seres impressionantes, por excelência hábeis para a guerra! E que guerra! A batalha cósmica entre o Bem e o Mal que os cristãos de hoje querem vencer dançando. Prossigamos. Para os israelitas o Senhor dos Exércitos de Israel era, como disse Davi, precisamente isto, o “... Senhor dos Exércitos, o Deus dos exércitos de Israel...” (1 Sm 17:45), um Deus de Guerra - “O Senhor é homem de guerra; Senhor é o seu nome” (Êxodo 15.3) – e, como Senhor da Guerra, se comprazia de seus grandes guerreiros, destes e até mesmo dos grandes guerreiros de exércitos adversários do seu povo, como os centuriões romanos mencionados anteriormente. 28
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Terá este Deus mudado sua natureza e, com o passar dos anos, talvez já cansado de tantas lutas, tenha se tornado um Deus que tudo tolera, que transige com interesses os mais escusos, somente para evitar conflitos? A Bíblia afirma que não: “Porque eu, o Senhor, não mudo...” Ml 3:6.
Muitos apregoam uma mudança no caráter de Deus a partir da Nova Aliança em Cristo. Segundo eles, o Deus legalista veterotestamentário se transmutou no Deus de amor absoluto neotestamentário representado por Cristo Jesus e a cristandade toda pode ficar tranqüila, à rédeas soltas. O “velho” Deus de Guerra, o “Juiz sanguinário” abdicou de suas funções em benefício de seu filho Jesus, assumindo então o Deus de amor a qualquer preço. Como dizem muitos, a “era do medo” acabou! A fragilidade dos argumentos de tais pensadores da cristandade é notável. Para começar, basta um passeio superficial sobre as páginas do Velho Testamento para deparar com a figura de um Deus extremamente paciente, bondoso, misericordioso, a perdoar as incessantes e graves transgressões do Seu povo. O Deus veterotestamentário foi, digamos, o primeiro “Cristão a.C”, isso mesmo: “Cristão antes de Cristo”, pois ninguém mais do que Ele, na história bíblica, foi fiel à orientação de Cristo sobre a prática do perdão: “- Senhor, até quantas vezes meu irmão pecará contra mim, que eu lhe perdoe? Até sete vezes? Respondeu-lhe Jesus: Não te digo que até sete vezes, mas até setenta vezes sete” Mt 18:21-22. E não foi precisamente isso que Deus fez para com o homem ao longo de toda a história registrada no Velho Testamento? A Bíblia e o Bushido
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Talvez milhares não tenham ainda aberto seus olhos para ver deste modo. Talvez milhares não queiram ver deste modo. Talvez milhares me excomunguem, queimem este livro, passem a me xingar nas ruas ou dos púlpitos. Talvez alguns, quem sabe, dentre eles Você, mais moderados, pelo menos me perguntem o que me faz ver as coisas dessa maneira. Então lhe responderei: o Bushido me ensinou a ver assim. E bem poderia eu citar uma plêiade de personagens bíblicos que testemunham e respaldam plenamente meu ponto de vista, mas, mais uma vez atendendo o objetivo deste livro, me esquivo de prolong ar no uso de citações bíblicas, reservando-me a evocar apenas um especial personagem. Este personagem bíblico exalta o Deus veterotestamentário como cuidadoso, bondoso, amoroso, provedor, benigno, que refugia, que conforta, que protege, que socorre, que perdoa, misericordioso; um Deus em cuja presença ele sempre desejava estar, pelo qual sua alma anelava: “Como suspira a corça pelas correntes das águas. Assim , por ti, ó Deus, suspira a minha alma”. O homem a quem me refiro foi um dos mais renomados guerreiros de Israel. Um homem de guerra cujo caráter em nada foi diferente dos mais famosos samurais, daqueles que cumpriram com maior perfeição o Caminho do Guerreiro – o Bushido. Será difícil Você descobrir sobre quem estou me referindo? Claro, Você sabe de quem estou falando: de Davi, o fantástico guerreiro, o maior dos reis de Israel, o “... mavioso salmista de Israel”( 2 Sm 23:1). E agora, onde está o Supremo Legislador implacável, cruel, do Velho Testamento? Não é digno de nota também que o Deus Homem de Guerra seja visto dessa forma sob a perspectiva espiritual do mais renomado guerreiro e Rei de Israel - e que este célebre 30
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Rei guerreiro seja igualmente visto como um ser humano especial aos olhos desse mesmo Deus Homem de Guerra? Aproveitando que estamos falando sobre Davi (e samurais), deixo claro, veja bem, não estou falando de homens perfeitos, pois concordo com afirmação escriturística de que “... não há sequer um...” (Rm 3:10). Estou falando de homens que pautam suas vidas na busca constante do desenvolvimento moral e espiritual alicerçados em princípios fundamentais semelhantes aos contidos no famoso código de conduta dos samurais, o Bushido (Caminho do Guerreiro), tais como: valor, honra, honestidade, lealdade, retidão, respeito, gratidão, benevolência. E estes valores eram praticados nas relações interpessoais dos samurais, na paz, na guerra. Miyamoto Musashi, o mais famoso samurai (15841645), e Morihei Weshiba, Fundador do Aikido (1883-1969), são exemplos de homens cuja fé na Consciência Divina os levou a uma conduta tão sábia que – mesmo não professando a Fé Cristã – fariam muitos famosos cristãos da atualidade corar de vergonha de suas próprias intemperanças e míope cosmovisão. Exercitar semelhante disposição de caráter não deveria ser o objetivo de vida do Cristão? O conceito de Igreja Cristã também não escapou ao mesmo tratamento distorcido dado ao caráter do Deus veterotestamentário pelos pensadores liberais da cristandade. Nenhum pensador cristão sério tentaria dissimular é que o cristianismo primitivo tem suas raízes historicamente fundamentadas num pensamento religioso militarizado, radical. Nenhum pensador cristão sério ousaria afirmar que A Bíblia e o Bushido
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Jesus transigiria com o mundanismo que passou a se infiltrar na cristandade já nos primeiros anos após Sua morte e de seus discípulos, e que predomina com força total nas igrejas organizadas, institucionais, da atualidade, desvirtuando totalmente o conceito atual de igreja da concepção predominante na igreja cristã primitiva. Além das advertências de Jesus sobre a apostasia dos últimos dias, contidas nos evangelhos, as cartas dos apóstolo dizem respeito à preservação da conduta cristã original e reforçam as mesmas advertências contra a manipulação das comunidades cristãs por interesses alheios ao cristianismo autêntico: “Pois haverá tempo em que não suportarão a sã doutrina; pelo contrário, cercar-se-ão de mestres segundo as suas próprias cobiças.” 2 Tm 4:3.
Voltando ao conceito primitivo de Igreja, esta palavra tem sua origem no léxico grego na palavra ekklesia, a qual se refere à assembléia de cidadãos, atendendo a convocação com fim de deliberar sobre assuntos de interesse social, político ou judicial. Há quase três décadas, dando início aos meus primeiros passos no Caminho (Jo 14:6), tive acesso a um estudo cujo autor não me recordo. O estudo abordava a origem e o sentido da palavra Igreja. Partindo da origem grega ekklesia, o autor do estudo chegou à conclusão de que o sentido da palavra Igreja-Ekklesia se identificava mais com uma comunidade ou exército em preparação para uma batalha, neste caso uma batalha espiritual. Concordo plenamente com a interpretação do autor do estudo; e há abundante respaldo bíblico para a afirmação contida no mencionado estudo. 32
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Esta visão de batalha espiritual e a consciência do papel da ekklesia de Jesus nesta batalha estavam tão presentes na mente do Apóstolo Paulo que ele não achou maneira melhor de falar sobre isso senão empregando a figura da “armadura de Deus” (Ef. 6:10-12) ao dirigir-se à Igreja de Éfeso, e também em sua primeira carta a Timóteo (1 Tm 3:15) quando diz que a Ekklesia-Igreja, é “...baluarte da verdade.” , ou seja: Fortaleza inexpugnável da verdade; e ainda dirigindo-se a Timótio em sua segunda carta: “... como bom soldado de Cristo Jesus” (2 Tm 2:3). Creio que foram estes conceitos tão naturais para a Igreja primitiva que deram origem a expressão “Soldado de Cristo”, atualmente esquecida ou tão impopular entre os cristãos. Certo é que o conceito primitivo de Ekklesia-Igreja- baluarte da verdade esvaziou-se e muitos cristãos estão a propagar, muitos pregadores estão a proclamar dos púlpitos, até com muita exultação, que a Igreja agora é um hospital. Você sabe quando um baluarte é transformado em um hospital? Quando todos ou a expressiva maioria de seus combatentes jazem mortos ou feridos, tornando essa praça de guerra indefensável, incapaz de suportar mais as investidas do inimigo. Cena pavorosa, soldados agonizando, clamando de frio e sede; outros sofrem a dor de membros decepados; corpos em putrefação jazem descobertos, ao lado de soldados feridos que, estupefatos e envergonhados com a derrota, ainda seguram suas armas ou pedaços dela, sem saber mais o porquê ou para quê. Médicos, paramédicos, enfermeiras, voluntários, vagueando em meio a este horror, também feridos e exaustos, famintos e sedentos, já esvaídas todas as suas esperanças de poderem amenizar qualquer coisa de significante A Bíblia e o Bushido
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em tamanha tragédia, completam a fúnebre cena. É nisto que se transformou a Igreja do Senhor dos Exércitos, do Senhor da Glória, do Senhor dos Céus e da Terra? Não obstante todos os esforços de Deus que culminaram com o sacrifício do Senhor Jesus na preparação do homem no serviço das guerras do Senhor resultaram inúteis, frustrados, todos os investimentos celestiais? Onde está hoje aquartelado o Exército do Senhor? Como estão suas armas, suas condições físicas, morais e espirituais? Como é atualmente o dia-a-dia dos membros da Ekklesia-baluarte da verdade a qual Paulo se referiu? Entenda: quer Você queira ou não há uma tremenda batalha espiritual em curso e batalhas são ganhas por guerreiros. Reportando-nos mais uma vez às cartas paulinas endereçadas ao jovem Timóteo, vemos que este é incitado com veemência pelo Apóstolo a desenvolver o seu caráter guerreiro - o seu Bushido - sem o qual sucumbiria no combate da Fé. Combate! Combate! Combate! Mas o que vemos atualmente? Enquanto Anjos de Deus se digladiam nos céus contra as forças imperiais das trevas, a Igreja Cristã moderna, desavisada, se alegra nas danças. A estas alturas Você já compreendeu que o Bushido diz respeito ao exercício de normas de conduta rígidos que proporcionam ao guerreiro manter-se em constante estado de vigilância e preparação para o combate, sem hesitar de encarar a própria morte. Isto em época de guerra. E em tempo de paz, esta conduta era flexibilizada? De forma alguma. A obediência ao código era uma constante na vida do samurai, simplesmente porque sua vida 34
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não era sua, mas pertencia ao seu senhor, fosse ele um Daymio (Senhor Feudal) ou Shogum (Senhor da Guerra, supremo governante militar) e o samurai se empenhava em não incorrer em nenhum ato que trouxesse vergonha ao seu senhor. O samurai sabia que sua vida pertencia ao seu senhor, e mais: era uma condição profundamente constrangedora para um samurai não ter um senhor, o que o tornava um ronin, termo depreciativo que significa samurai sem senhor. As considerações acima me levam obrigatoriamente a formular pelo menos duas perguntas. A primeira é: - A quem pertence a vida dos cristãos? E a segunda é: - Do mesmo modo que os samurais estavam permanentemente prontos para o seu mister, não deveriam as tropas atualmente alistadas sob a bandeira do Senhor dos Exércitos estar igualmente em permanente estado de prontidão? Abro aqui um parêntesis: É imperativo que você compreenda que o Bushido não se propõe a levar o homem a Deus. O Bushido fortalece o caráter e o espírito do homem que tem já bem implantada em sua mente a certeza da existência de Deus; o conceito de Bushido é para o leitor que acredita que o Budo – Caminho da Guerra - coloca o ser humano diante da realidade da vida, da morte, da Eternidade. Por isso, ao fazer minha confissão de Fé em Cristo, já há quase três décadas, não abandonei as práticas de combate nem a aplicação em conhecer mais e mais os princípios transcendentes das artes marciais, do Bushido. Pelo contrário, ao deparar-me na Bíblia com inúmeros guerreiros que eu qualifico como legítimos samurais israelitas, e observando o elevado grau de intimidade destes com o Deus de Israel, compreendi prontamente que Deus se agrada dos valores marciais do Bushido, que sempre estiveram e, lamentavelmente, ainda A Bíblia e o Bushido
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estão tão em falta no meio de Seu povo.
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DEUS E O BUSHIDO
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Doutrina Bíblica gira toda em torno de um Deus que é o Senhor, a Autoridade de um Universo a ser administrado (mordomado), e de uma espécie criada para exercer a mordomia (o servo). Tenho a mais absoluta certeza de que Você compartilha comigo da constatação de que conceitos de Servo, Mordomia Cristã e Autoridade Eclesiástica estão em completo desuso nas comunidades cristãs. E ninguém mais do que os samurais, seguidores do rigoroso código de conduta conhecido como Bushido – Caminho do Guerreiro - compreenderam e vivenciaram no seu dia-a-dia os conceitos semelhantes aos citados imediatamente acima. Examine, caro(a) leitor(a), o conceito bíblico de servo no entendimento de Jesus: [ Ele mesmo, Jesus ] “...veio para servir...” (Mc 10:45); dos apóstolos: “Paulo, servo...” (Rm 1:1); dos verdadeiros cristãos: “...servos de Deus...” (Rm 6:22) e servos entre si: “...servi uns aos outros...”. Mas, servos até que limite? Vejamos: – Jesus, até a morte! A Bíblia e o Bushido
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– Seus primeiros discípulos, até a morte! – Os milhares de cristãos que entenderam o significado da Autoridade de Cristo: até a morte! Agora, veja o impressionante conceito de servo do samurai. Para isso aprecie com muita atenção a história narrada por Yamamoto Tsunetomo em sua obra Hagakure – O Livro do Samurai, Conrad Editora: O keizu [representação gráfica da árvore genealógica de uma família] da família Soma, conhecido como Chiken Marokashi, era a melhor do Japão. Quando sua mansão pegou fogo e estava sendo completamente consumida pelas chamas, o senhor Soma disse: – Não lamento pela casa e pela mobília, mesmo que se reduzam a cinzas, porque são coisas que podemos substituir depois. Só lamento não ter conseguido salvar o keizu, que é o tesouro mais precioso da minha família. – Eu irei salvá-la – disse um Samurai entre os presentes. O senhor Soma e os outros riram e disseram: – A casa já está encoberta pelas chamas, como você irá resgatá-la? Esse homem nunca havia sido uma pessoa muito participativa, particularmente útil, mas, como era um homem que nunca abandonava uma tarefa pela metade, servia ali como um criado. Nessa hora ele disse: – Eu nunca fui útil ao meu mestre porque sou muito descuidado, mas sempre tive a certeza de que um dia lhe seria útil. Parece que este é o momento – e se embrenhou nas chamas. Quando o fogo se extinguiu o mestre disse: – Procurem os restos. Que pena! 38
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Procuraram por todo o lugar e encontraram seu cadáver queimado no jardim próximo aos dormitórios. Quando viraram o corpo, o sangue escorreu do estômago. O homem havia cortado o seu próprio estômago, e protegido o keizu em seu interior, evitando que ela fosse danificada. Desde então ela é chamada “Genealogia de Sangue”.
Até a morte! Isso mesmo, servo até a morte! Impressionante, não é mesmo? Já imaginou o prazer brilhando nos olhos do Senhor dos Exércitos a contemplar todo o povo cristão com tamanho potencial de serviço e fidelidade? Se Você tinha na mente a imagem do samurai como um espadachim, ávido por sangue, o guerreiro truculento, de mente vazia; se Você associava a expressão Bushido – Caminho do Guerreiro - com o modo de vida dos brigões e arruaceiros que você tem visto pessoalmente ou freqüentemente denunciados na mídia; se Você achava que Escola ou Academia de Luta é a mesma coisa de Escola ou Academia de Arte Marcial; se Você pensava que treinar uma forma ou estilo de luta era a mesma coisa que treinar Arte Marcial; agora você já sabe o suficiente para corrigir essas imagens distorcidas. Se Você duvidava ou sequer imaginava que Deus se agradasse de homens de guerra, agora já não pode lhe restar nenhuma dúvida sobre a especial relação de Deus com os guerreiros. Com certeza Você já chegou à límpida conclusão de que vale a pena conhecer mais sobre os fundamentos do Bushido vistos à luz das Sagradas Escrituras. A Bíblia e o Bushido
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Então, continue comigo.
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O PAPEL DA IGREJA NO COMBATE À VIOLÊNCIA
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istoricamente a problemática dos conflitos sociais não tem sido bem administrada pela Igreja. No curso da História, a Igreja Cristã tem se omitido em assumir um envolvimento direto nos conflitos da Humanidade, adotando sempre uma postura pacifista inócua, entregando “nas mãos de Deus” e dos governos seculares toda a responsabilidade na administração dos conflitos em todos os níveis. Há abundante literatura nas prateleiras das melhores livrarias do mundo inteiro discorrendo a esse respeito. Sempre que o tema violência vem à baila no seio das comunidades cristãs, quer abordado por prosélitos ou enfocado por autoridades eclesiásticas, toda a importância do assunto se dilui numa discussão estéril, produzindo nulidades por produto final. Isto acontece com as diversas correntes religiosas cristãs. A comunidade cristã nunca se prestou a lidar objetivamente com os conflitos sociais; não assume nenhuma responsabilidade prática na condução de ações que visem o A Bíblia e o Bushido
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enfrentamento da violência em todos os seus níveis. Atribuir tal conduta a uma postura oficial pacifista, onde a aceitação passiva da violência e suas conseqüências atende a razões de fé, levando os cristãos a cruzarem os braços quando submetidos a agressões físicas ou verbais, em vez de explicar termina por revelar maiores contradições no comportamento cristão. Por exemplo, soa contraditório o costume das autoridades eclesiásticas de todas as confissões de fé cristã recorrerem à proteção de guarda-costas altamente especializados – especialização esta diretamente proporcional ao status do mandatário religioso - devidamente armados e prontos para atuar sem nenhuma hesitação de cunho espiritual ou humanitário. Existe referência bíblica para esta minha afirmação? Sim, veja: “-Porque tive vergonha de pedir ao rei exército e cavalheiros para nos defenderem do inimigo no caminho, porquanto já lhe havíamos dito: A boa mão do nosso Deus é sobre todos os que a buscam, para o bem deles;” Ed 8:22.
Os judeus não eram pacifistas e acreditavam que Deus os capacitaria a vencer os seus inimigos; por isso entenderam que pedir ajuda ao rei era a mesma coisa que negar a fé que depositavam na intervenção Divina. Os cristãos que pregam o pacifismo absoluto em nome de Deus depõem contra a sua fé ao apelarem para a proteção de serviços profissionais de segurança. Para ser coerente com sua pregação, uma vez tendo 42
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assumido uma postura pacifista fundamentalista, contra confrontos violentos entre seres humanos, a Igreja deveria estar a conclamar nossos agentes de seguranças, vigilantes e soldados cristãos de todas as unidades policiais civis, militares e Forças Armadas a largarem suas funções em troca da aprovação celestial; a própria Igreja está incorrendo em grave erro valendo-se da prestação de serviços dessas classes profissionais, mesmo dos modestos “vigia da igreja”, porque todos estes profissionais são agentes de enfrentamento ativo da violência, ou seja, reagirão à violência com violência. Fazer uso de agentes de violência é fazer uso pessoal da violência. Seria o mesmo como se um assassino dissesse: “Não foi eu quem matou aquele homem, foi meu revólver”. A bem da verdade, se é lícito utilizar-se de tais serviços, não soa uma absurda incoerência por em dúvida o direito de autodefesa do cristão? “To be, or not to be: that is the question” (William Shakespeare – Hamlet 3/1). Peço-lhe que leia e considere atentamente cada palavra extraída de trechos do poema No caminho com Maiakovski de autoria de Eduardo Alves Costa: Na primeira noite eles se aproximam e roubam uma flor do nosso jardim. E não dizemos nada. Na segunda noite, já não se escondem; pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada. Até que um dia, A Bíblia e o Bushido
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o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta. E já não podemos dizer nada. O que contribui para o avanço do mal e o brutal final na narrativa acima? – O medo! A passividade das vítimas, seu silêncio, sua resignação, desde o início não é por educação, não é por convicção religiosa, mas por medo! Aceitar ter o lar ameaçado, invadido, saqueado não é para o personagem do poema um ato de resignação espiritual cristã. É pura e simplesmente medo! E até onde cada pacifista cristão está cruzando os braços por razão diferente? Até onde devemos acreditar como verdadeira a justificativa de um cristão, quando ele diz que somente por causa de suas convicções religiosas não reagiu com violência à ação de um criminoso que invadiu seu lar e em sua presença estuprou sua esposa e filhos e filhas? Você crê mesmo que é da vontade ou permissão de Deus que isso aconteça? Você crê que Deus permite a uma galinha defender seus pintinhos ante o ataque de predadores, mas nega ao ser humano este direito natural de defesa da vida? Que fatos assim aconteçam pela vontade de Deus, ninguém me convencerá jamais; que aconteçam com a permissão passiva de Deus, até posso aceitar que sim, mas com o propósito único de deixar provarem-se corações, para que o indivíduo mesmo veja se é verdadeiramente homem ou um fantoche de homem. 44
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Suponhamos, ainda, que Você tomou conhecimento de que um indivíduo desvairado entrou num templo lotado de centenas de fiéis e passou a esfaquear homens, mulheres e crianças sem que ninguém tenha esboçado o mínimo gesto para detê-lo. Alguém lhe convencerá que ninguém reagiu por obediência a convicções religiosas? Alguém lhe convencerá que deixando de reagir cumpriu com a simples e pacifista vontade de Deus? Particularmente, eu não acho que numa situação dessas Deus iria ficar muito zangado se algum cristão “desobediente” detivesse o agressor aplicando-lhe uma santa e amorosa cadeirada na cabeça. A título de ilustração, leia essa pequena história contada por meu pai, que guardo na memória desde minha infância: – Numa cidadezinha de interior, durante a realização de uma missa, com a igreja completamente lotada de fiéis católicos devotos, enquanto o Padre tentava realizar a pregação um indivíduo o interrompia e, aos brados, lançava insultos e gritava que tudo aquilo era besteira, que religião era uma porcaria, e coisas assim. O Reverendo por algumas vezes dirigiu-se amorosamente ao desordeiro, rogando-lhe uma atitude mais respeitosa para com a casa de Deus. Ninguém se mobilizou para retirar o desordeiro do recinto. Após muito perturbar a missa, sem que ninguém o impedisse, ele gritou para o Padre: “- Está vendo, eu não estou dizendo que esta coisa de religião e Deus é besteira? Se esse Deus existe e tem poder, manda ele descer do Céu e me fazer calar a boca!” Ouvindo isso, um senhor um tanto idoso, que estava assistindo a missa ao lado do desordeiro, se levantou e falou naquele sotaque bem matuto: “- Se o pobrema é esse, moço, num carece de incomodar Deus não, num precisa fazê Deus tê A Bíblia e o Bushido
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o trabaio de saí do Céu e vim até aqui imbaxo não, isso eu mesmo dô um jeito”. E aplicando um potente soco na cara do bagunceiro, jogou-o por terra, desacordado, boca calada. Vamos em frente!
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UM CAMINHO DO MEIO PARA OS CRISTÃOS “O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer.” “O mundo não está ameaçado pelas pessoas más, e sim por aquelas que permitem a maldade”. Albert Einstein, (1879-1955). “Onde não houver escolha entre a covardia e a violência, aconselharei a violência.” Mohandas Karamchand Gandhi, o “Mahatma Gandhi” (1869-1948) “Se um dia tiver que escolher entre o mundo e o amor... Lembre-se. Se escolher o mundo ficará sem o amor, mas se escolher o amor com ele você conquistará o mundo.” Albert Einstein. “O amor é a força mais abstrata, e também a mais potente, que há no mundo.” Mahatma Gandhi. A Bíblia e o Bushido
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E
agora, deu para Você entender o que eu chamo de caminho do meio? Alguém que leia apressadamente as citações acima tenderá a rotular de contraditórias as palavras desses dois renomados pacifistas da Humanidade, mas em se detendo a analisar com mais acuidade, descobrirá nas mesmas a mais perfeita compreensão da condução das relações humanas. Se Você me pergunta se existe na Bíblia alguma orientação quanto a um caminho do meio a ser seguido, respondo que sim. E afirmo sem sombra de medo de estar incorrendo em uma heresia. Eu poderia sintetizar declarando que a própria divisão histórico-teológica da Bíblia em um Novo e um Velho Testamento, ou seja, em duas metades, não é somente para a finalidade que muitos apressados entendem: separar algo que tinha aplicação para o passado de algo que tem aplicação para a atualidade. O Velho Testamento e o Novo Testamento são as duas margens da estrada a qual chamamos Caminho (Jo 14:6). A separação indevida é a raiz de todo esse emaranhado doutrinário que mais confunde e enfraquece do que orienta os membros de todas as facções da cristandade. Duas citações são suficientes para descortinar diante de seus olhos, de forma nítida, a visão do caminho do meio bíblico: No Evangelho de João, estão registradas as seguintes palavras proferidas por Jesus: “- Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou;” Jo 14:27. Já no registro do Evangelho de Mateus o nosso Mestre dos Mestres nos deixa uma declaração completamente diferente: “- Não penseis que vim trazer a paz, mas a espada”. Mt 48
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E agora, Jesus veio trazer a Paz ou a Espada? Ambas! A paz e a espada são as margens do mesmo Caminho, do Cristianismo. O caminho do meio é a forma como Você, cristão, cristã, faz este Caminho. Ou seja, se por um lado o Cristianismo lhe traz Paz, por outro lado lhe traz Guerra. E esta Paz e esta Guerra não se limitam unicamente ao plano espiritual. A “coisa” é até pior: Cristo nunca assegurou que seus seguidores teriam Paz, mas que “...no mundo tereis aflições...” Jo 16:33 e “Então, sereis atribulados, e vos matarão. Sereis odiados de todas as nações, por causa do meu nome.” Mt 24:9. Desse modo, a paz que o cristão espera só é garantida por Deus em termos reais no plano espiritual; já as batalhas do verdadeiro cristão serão travadas tanto no plano físico quanto no plano espiritual, e uma luta sem tréguas – convém saber. E neste confronto, como já me referi anteriormente, a coragem, a fidelidade, o comprometimento do discípulo de Cristo são provados até as últimas conseqüências. Neste conflito, o servo de Cristo – o samurai cristão (samurai, significa: aquele que serve) - está comprometido até a morte. ções:
Veja uma pequena lista que testifica minhas afirma-
– Estêvão, primeiro mártir do cristianismo, morreu apedrejado. – Marcos foi arrastado pelas ruas de Alexandria (Egito)até morrer. – Barnabé morreu apedrejado em Salamina. – Paulo, o Apóstolo dos Gentios, foi decapitado em Roma. – Tiago (filho de Zebedeu e primo de Jesus), chamado Maior, foi o primeiro apóstolo a morrer pela Fé, decapitado no ano 44 por ordem de Herodes Agripa I. A Bíblia e o Bushido
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– Tiago (filho de Alfeu), chamado Menor, foi jogado do alto do Templo e em seguida apedrejado até a morte em Jerusalém, no ano 61 ou 62. – Mateus, também chamado Levi, decapitado na Etiópia. – André, irmão de Pedro, o primeiro convocado para ser “pescador de homens”, foi crucificado na Ática (Ásia Menor) em uma cruz em forma de “x”. – Pedro, já aos 75 anos de idade, no ano 67 foi crucificado em Roma. Segundo a tradição, ele mesmo quem pediu que o crucificassem de cabeça para baixo, por julgar-se indigno de morrer da mesma forma que Jesus. – Felipe morreu crucificado, aos 87 anos de idade, em Hierápolis (Ásia Menor). – Bartolomeu foi esfolado vivo e depois crucificado. – Matias, escolhido pelos discípulos para ocupar o lugar de Judas, foi apedrejado até a morte. – Tomé, “o incrédulo”, foi morto na Índia, traspassado por uma lança. – Judas Tadeu, irmão de Tiago, morto a flechadas. – Simão, o zelote, martirizado até a morte, na Pérsia. – João, autor do Apocalipse, foi o único a morrer de morte natural, aos cem anos de idade. Conta a tradição que teria sido colocado dentro de uma caldeira de óleo fervendo, mas saiu ileso, sendo desterrado para a ilha de Patmos, de onde saiu para terminar os seus dias de bom combate da Fé em Éfeso. Fiéis à Causa Cristã até a morte, como o faziam os samurais em obediência ao Bushido. Mas para que Você não se assuste e esteja a ponto de largar a leitura deste livro porque aos seus olhos estou enfocando demais a imagem de samurais e da morte, peço-lhe 50
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para atentar em somente mais duas citações bíblicas bem oportunas. Imagine-se numa situação em que você esteja a se defrontar freqüentemente com uma pessoa desprovida de bom senso; digamos que seja seu colega de trabalho, para não dizer aquele “irmãozinho chato” da igreja. Como bom cristão, Você ora e procura na Bíblia um apoio, uma orientação sobre como agir com o incômodo personagem. Então seus olhos se iluminam ao deparar-se com Provérbios 26:4 que diz: “- Não respondas ao insensato segundo sua estultícia, para que não te faças semelhante a ele”. Então você vibra em seu coração e diz: É isto, meu Deus, é assim que o cristão deve responder ao insensato; com amor, com paciência, não se nivelando com ele! Só que quando Você já vai fechando a Bíblia seus olhos são atraídos para algo estranho escrito no versículo imediatamente abaixo, o vs. 26:5: “ - Ao insensato responde segundo a sua estultícia, para que não seja ele sábio aos seus próprios olhos.” “E agora?”, diz Você, “Estou diante de uma tremenda contradição bíblica?” Nenhuma contradição! Às vezes uma pessoa sábia pode se passar por insensata ao discutir com um insensato. Outras vezes é preciso colocar o insensato no seu devido lugar. “Caiu a ficha” sobre o que chamo de caminho do meio bíblico? Tenho certeza que sim. Você definitivamente compreendeu que o caminho do meio não é a mesma coisa que o Caminho. O Caminho é Jesus: “Eu sou o Caminho...” (Jo 14:6). O caminho do meio são os procedimentos de que você se utiliza A Bíblia e o Bushido
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para administrar suas relações existenciais sem se desviar do Caminho. Para concluir esta abordagem sobre o caminho do meio peço-lhe para meditar na história a seguir: Diz uma lenda oriental que um homem de bem procurou um homem santo e lhe fez a seguinte pergunta: - O que devo fazer quando um homem de má índole decidir me ofender e agredir? Em resposta o homem santo lhe contou a seguinte fábula: – Em certa localidade existia uma serpente que causava grande terror na aldeia próxima. Não havia quem se aproximasse dela que ela não picasse. O receio dos camponeses era tanto que estava até prejudicando os trabalhos da lavoura e as crianças já não saiam de suas casas nem mesmo para brincar. Num certo dia um mestre passou por aquela aldeia e ao ficar a par dos acontecimentos, dirigiu-se ao local onde ficava a toca da serpente. Esta, ao ver o homem que se achegava, já partiu célere para atacá-lo. Ao chegar diante do mestre, este fitou a serpente nos olhos e ela imediatamente prostrou-se aos seus pés. Então o mestre disse à serpente que não maltratasse a mais ninguém. O mestre seguiu seu caminho e a serpente voltou envergonhada para a sua toca. Tempos depois o mestre tornou a passar por aquela mesma aldeia e logo percebeu uma grande diferença no comportamento dos seus habitantes. Homens e mulheres caminhavam pelos campos conversando e cantarolando animadamente e as crianças brincavam à solta ao lar livre. Muito feliz com o que viu, o mestre perguntou sobre o destino da serpente. Responderam-lhe que ela devia ter morrido, pois nunca mais fora vista pelos campos. Intrigado o mestre resolveu ir ao local onde ficava a toca da serpente, e 52
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lá chegando, pondo-se à boca da toca pôs-se a chamar a serpente. Ao ouvir a voz do mestre a serpente saiu de sua toca e o mestre ficou espantado com o estado deplorável em que a mesma se encontrava. Com os olhos fundos, esquelética e com o corpo coberto de ferimentos, a serpente mal conseguia rastejar. O mestre, perplexo, perguntou a ela a razão daquele estado, ao que a serpente respondeu: – Quando o senhor me deu aquela orientação, obedeci imediatamente e desde aquele dia nunca mais ataquei nem assustei ninguém. Mas tão logo os aldeões perceberam minha mudança de comportamento, passaram a me atacar com paus e pedras, e até mesmo as crianças resolveram me molestar, arrastando-me pela cauda e me machucando. Suportei sem revidar todas as agressões, e agora pouco me arrisco sair da minha toca em busca de alimento, por isso estou tão magra. A serpente até esperava receber um elogio do mestre, por ter se comportado de forma tão pacífica. Mas, para sua surpresa, o mestre, lhe disse: “- Minha amiga, como tu és tola; eu simplesmente te falei para não morderes as pessoas, mas não te impedi que as mantivesses afastadas com o teu silvo”. De igual modo, disse o homem santo ao concluir a fábula, um homem de bem que viva em sociedade às vezes precisa “silvar” para defender-se contra atos hostis. Não existe virtude em deixar-se enganar e agredir; quem age assim não é uma pessoa de bem, mas um tolo. O homem de bem tem o direito e o dever de se proteger e à sua família, só não deve ser maldoso ou vingativo. *** A Bíblia e o Bushido
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Exortando os efésios o Apóstolo Paulo escreveu: “Irai-vos e não pequeis” Ef 4:26. Com esta declaração o Apóstolo Paulo resume muito bem todo o ensinamento da fábula da serpente. A ira se trata da justa manifestação de indignação (o silvo da serpente), necessária para impedir abusos de outrem. Concluindo a citação acima, diz o Apóstolo Paulo: “não se ponha o sol sobre a vossa ira”. Outro desdobramento da ira demorada, por exemplo, daqueles que levam a raiva de um dia para o outro, é que, sendo justa ou não, certamente trará um exacerbamento de ânimo que dificultará mais ainda um acerto de contas em bases racionais, alimentando atos de maldade e vingança. Como diz a fábula da serpente, “O homem de bem tem o direito e o dever de se proteger e à sua família, só não deve ser maldoso e vingativo”. Às razões de ordem moral e espiritual da citação acima, acrescenta-se mais uma, de cunho puramente científico: A reação de zangar-se estimula no organismo a produção de substâncias que se não forem rapidamente metabolizadas, eliminadas, acarretarão sérios danos à saúde, ou seja, quanto mais tempo durar esta ira, mais conseqüências danosas terá sobre o organismo de quem se irrita. Portanto, busque o caminho do meio.
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