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São tascas de Coimbra, com certeza

- POR ANA CARDOSO E CAROLINA SILVA -

Ao chegar a Coimbra, seja-se estudante ou trabalhador, encontra-se, desde logo, um perfume vindo das ruas estreitas com pouca luz, mas com uma união e magia que os fazem deslocar no tempo carregado de mil saudades. As tascas desta cidade são vistas como um “batismo” para quem estuda em Coimbra “ao deixar um pouco delas em todos que por lá passam”, concordam os proprietários da Casa Pinto, Zé Manel dos Ossos e Taberna Casa Costa.

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Pela Alta coimbrã, a conviver durante décadas, encontra-se no extremo da Rua do Cabido a Casa Pintos, fundada por trespasse em 1978 por Luís e Adelina Pinto, poucos meses após o casal regressar de Moçambique. Com o intuito de dar uma vida melhor às suas filhas, o casal começou por confeccionar pequenas refeições e petiscos para os funcionários da universidade e dos Hospitais da Universidade de Coimbra, que, de forma gradual, foram substituídos por estudantes.

Nas paredes desta casa, com meia dúzia de mesas, ficaram testemunhos da passagem de muitos, desde fotos a recortes de jornal ou até desenhos e pinturas, algumas delas a evocar o tempo passado nesta taberna. Por cima do balcão, veem-se também bandeiras desfraldadas e dezenas de pontas de gravatas negras, que testemunham a passagem de estudantes a festejar o rasganço da Capa e Batina quando terminam o curso.

Além das várias obras gravadas nas paredes, Álvaro Amado, responsável pela Casa Pintos desde 2013, designa outro ritual obrigatório desta tasca, que passa pelos essenciais ‘packs’ de “traçadinho” e “abafadinho”, batizados pelos estudantes. O atual dono do estabelecimento partilha ainda alguns “momentos especiais, como quando o autor António Fonseca fez lá a recitação d’Os Lusíadas durante algumas noites, ou a recente homenagem a Cesário Silva".

Ao descer pelo quebra-costas até à baixa, chega-se ao Beco do Forno e aí é possível ver a rua escura que esconde uma tasca com meia dúzia de mesas, iluminação ténue e o letreiro onde se pode ler Zé Manel dos Ossos. José Manuel Ribeiro Franco estabelece-se, em 1958, numa “tasquinha sem mesas que tinha só um balcão” até que, “farto de aturar boémios”, o fundador desta casa decide servir petiscos e refeições, em especial os famosos ossos.

Rui Ferreira, colaborador nesta tasca, revela como é trabalhar no restaurante e com o seu público: “chega a uma certa parte do trabalho que o cliente é a nossa família”. Este negócio concebe ainda pratos tradicionais com um toque único, como feijoada de javali, arroz de feijão com costeletas, carne de porco e enchidos, entre outros.

Em 2018, o fundador deste restaurante fa- leceu, o que fez com que os seus colegas, José Mário Simões e Rui Ferreira, assumissem o funcionamento do estabelecimento, uma vez que “eram os mais velhos” e sabiam como a “casa funciona". Em março de 2023, José Mário Simões também faleceu, o que fez com que Rui Ferreira assumisse o cargo para manter a tasca. No futuro desta casa, o responsável espera continuar o caminho feito até agora com “boa comida, serviço e saúde”. Os trabalhadores Rui, Jorge, “Carlitos” e, por vezes, Catarina, partilham o pensamento de que “toda a gente gosta do Zé Manel dos Ossos, desde o juiz até ao pedreiro, e também os turistas”.

Outro dos pontos de paragem para os estudantes é a Taberna Casa Costa. Hoje, é um restaurante onde amigos se juntam para almoços e jantares, acompanhados de um espírito de convívio. No entanto, nem sempre foi assim. A 14 de julho de 1930, nasceu em moldes diferentes dos atuais: havia vinho e petiscos, mas também carvão, carqueja, petróleo e outros bens essenciais para o dia a dia na época. “Vendia-se um bocado de cada coisa”, conta o proprietário, Manuel da Costa Gonçalves.

Durante vários anos, o avô e a mãe de Manuel da Costa Gonçalves estiveram à frente do negócio, até 1990, quando as rédeas passaram para ele. Aí, passou a ser apenas uma taberna de petiscos e comida regional, com um conceito tradicional que se mantém até hoje, explica o responsável.

Uma tradição mencionada é a de receber os caloiros que saíam à noite e lá encontravam refúgio das trupes para se esconderem dos douto - res. Desde que se lembra, há sempre estudantes a frequentar o espaço, mas esta casa não se faz só deles. São também frequentes as visitas de construtores civis, guardas prisionais, turistas, entre outros.

Este público variado e as amizades que ficaram ao longo de mais de 40 anos são fruto da forma como os clientes são tratados, da paciência que têm e da boa disposição. De acordo com o dono, os preços que praticam, conjugados com o bom atendimento, são o segredo para o sucesso. Manuel da Costa Gonçalves espera, um dia, poder passar o legado aos filhos, que, de mo - mento, fazem parte da equipa. Para o futuro, deseja que se mantenha a “ligação que têm com os clientes, o carinho e a vontade”, até porque “só os clientes podem definir esta casa”. Estas tascas, vistas como casa, estão marcadas por vivências singulares: três lugares diferentes, mas acarinhados por todos, e, em específico, pelos estudantes. Na base deste sentimento estão fatores comuns, referidos pelos proprietários, como o trabalho árduo, o gosto que têm pelo que fazem e a atenção que dedicam aos clientes, que chegam a ser considerados família.

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