Um disco Debaixo d’olho
Canções do Pós-Guerra Samuel Úria
Editor: Valentim de Carvalho
O título parece clamar pela memória de algum conflito mais antigo, mas estas Canções do Pós-Guerra não cantam a matéria dos livros de História, antes convocam as muitas guerras em que nos vamos metendo e as outras, as que nos apanham sem que queiramos – ou possamos – lutar. Assim é o novo disco de Samuel Úria, atravessado por um rock que junta a terra aos riffs, que cruza canção de protesto com introspecção e que nem esquece a alma dos blues. Entre derivas sobre o estado do mundo, reflexões serenas sobre a idade que vai chegando ao corpo e momentos que podem chegar a ser hinos de um presente desorientado, precário, mas ainda assim com vontade de se rir de si próprio, há espaço para canções intimistas e delicadas. É o caso de “O Muro”, elegia às dificuldades de comunicação, toada para o gesto automático de proteger o coração com
barreiras várias, mesmo quando o que se quer é deixá-lo exposto ao sol: “É justo que pouco me entendas, então/ Andei a mentir, nasci pedra afinal/ Não é desdém, é resguardo beirão/ É só.” Samuel Úria é uma das glórias de Tondela, mas será sobretudo do mundo, do tempo, do hoje a olhar para o futuro sem perder os pés na terra de ontem, nem a vontade de enfiar as barbatanas e ver o que nos reservam as inundações de amanhã (“Venha o rodízio do veneno/ antes que aqui nos caia o pano”, ouve-se em “Fica Aquém”). Como se canta neste novo disco, em modo de dilúvio bíblico ou de apocalipse social e ambiental, essas inundações estão aí, ao virar dos dias, e o melhor é prepararmo-nos. Sem outras armas ou barragens que aguentem, mais vale cantar. — SFC