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EDITORIAL
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ma revista criativa, com conteúdos pensados para atrair diferentes públicos e agradar todos aqueles que buscam, na leitura, a leveza do um mundo mágico. Nesta primeira edição do Da Feira, um produto pensado e produzido por professores e alunos dos cursos de Comunicação da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), você vai se surpreender com cada um dos conteúdos impressos no papel. Vire as páginas e mergulhe em um mundo animado. Partindo de uma perspectiva para aspirantes e curiosos, com 7 passos para dar vida às histórias em quadrinhos, você vai adentrar em uma paixão da vida inteira no universo com mais
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de mil HQ’s guardadas por Marmitt. Alguns passos à frente, você vai esbarrar com o senhor do caminho, Tapejara, que o guiará até a cidade de Santiago, para conversar com o Patrono. Logo após, observe cada detalhe na fantasia do universo cosplay e se identifique com olhares próprios sobre super-heróis. Depois de todo o trajeto, volte a ser criança com o jovem Armandinho e veja o mundo com os olhos puros de uma criança que encara a vida de um jeito simples. Faça uma boa viagem e, assim como nos quadrinhos, se deixe levar pela aventura da leitura
Expediente Coordenação: Willian Fernandes Araújo Reportagens: Debora Pricila Silveira Fernando Uhlmann Karolaine Pereira Kimberly Lessing Paula Schoepf Taís Fortes
Crônicas: João Pedro Filippe Paula Schoepf Identidade visual: Samuel Pereira Thales Augusto Hohl Ilustrações: Richard Maas
UNISC - Universidade de Santa Cruz do Sul Av. Independência, 2293 – Bairro Universitário Santa Cruz do Sul – CEP 96815-900 Curso de Comunicação Social Bloco 16 Sala 1612 Telefone: 3717-7383 Coordenador do Curso: Leonel Aires Impressão Gráfica Grafocem Tiragem 500 exemplares
Esta revista foi produzida pelos monitores e voluntários da A4 Agência Experimental de Comunicação, sob a surpevisão do professor Willian Fernandes Araújo, com o apoio para desenvolvimento da marca dos alunos da disciplina de Direção de Arte 2 (2018.1), ministrada pelo professor Rudinei Kopp. Capa: Richard Maas Diagramação: Thales Augusto Hohl Willian Fernandes Araújo Volume 1 – nº 1 - Agosto/2018 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
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ssim como diversas outras atividades, construir uma história em quadrinhos exige que sejam respeitadas uma série de etapas, que vai desde a ideia inicial de como estruturar o projeto, até a inserção das cores, no caso das obras coloridas. Vale ressaltar que o conteúdo que vamos apresentar nesta reportagem não é uma regra, mas, sim, uma forma de pensar a elaboração destes pro-
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Foto e ilustração: Richard Maas
7 passos para dar vida às histórias em quadrinhos
Taís Fortes
dutos. Afinal, a imaginação e a criatividade são ferramentas muito poderosas na hora de dar vida às histórias em quadrinhos. Os passos a seguir descritos foram formulados a partir de informações repassadas pelo autor de quadrinhos, ilustrador e estudante de design gráfico na UniRitter, Gustavo Borges, 23 anos, que é natural de Porto Alegre e trabalha na área há cinco anos.
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Planejando a história:
Todo o processo de produção das histórias em quadrinhos começa com uma ideia, seguida de um bom planejamento e da elaboração de um roteiro claro e que possa ser dividido em páginas. “Como no cinema, por exemplo, tudo começa com a estruturação da ideia e do roteiro”, destaca Gustavo Borges. É fundamental, que ainda nesta etapa, antes de se debruçar em produzir a história inteira, o projeto seja pensando em camadas e também haja a definição de qual será a temática da história.
02.
Fazendo um breve resumo:
Depois deste planejamento inicial, a dica é visualizar o que vai acontecer durante a história e escrever essas informações em poucas linhas. “Com
isso um pouco mais resolvido tu podes fazer uma redação da história, na qual em 30 linhas ou no máximo duas páginas, tu vais conseguir ter uma noção geral e ampla de todos os teus acontecimentos”, sugere Gustavo. É importante observar que esses passos são essenciais porque praticamente toda a história é construída a partir da relação entre tema e trama.
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Reproduzindo no papel:
Depois de pensar sobre a temática da história em quadrinhos, preparar o roteiro e uma pequena descrição sobre essa produção, é hora de, no caso do roteirista, escrever os acontecimentos página a página, quadro a quadro, ou no caso do artista, transpor os fatos direto para os quadros e layouts e escrever os balões de diálogos.
“Como no cinema, tudo começa com a estruturação da ideia e do roteiro”
Neste ano, Gustavo Borges lança a Graphic MSP do personagem Cebolinha (imagem ao lado), de Mauricio de Sousa, publicada pela Panini. Imagem: Divulgação
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Criando diálogos:
Neste momento, o quadrinista deve levar em consideração as funções do diálogo: expressar o que os personagens precisam fazer e muitas vezes ajudar o roteiro a ir em frente. Entretanto, Gustavo Borges alerta que é necessário tomar cuidado para que a história não se mova apenas através das falas dos personagens, enquanto, o melhor seria que elas fossem uma parte da sua construção. Outro aspecto importante a se observar em relação a este assunto é que, muitas vezes, quando se constrói diálogos, eles podem ficar muito irreais. “Uma boa forma de deixá-los naturais é lê-los ou pensá-los em voz alta. Assim, todos irão sair de uma forma mais ‘falada’, mesmo que depois tu faças ajustes”, recomenda Gustavo Borges.
05. Produzindo balões de falas: Na hora de produzir os balões de fala nas histórias em quadrinho, é sempre bom evitar a inserção de estruturas de diálogos enormes. Isso pode tornar a leitura menos fluida. “Geralmente, quando os personagens precisam falar muito, se dissipa o texto entre vários quadros, para que o personagem não pare em um quadro e fique uma ilustração com um balão gigante”, compartilha. Borges também lembra que os desenhos vão dar apoio aos diálogos, então, os personagens podem estar gesticu8
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lando, pegando algum objeto na mão ou caminhando, por exemplo. “Dificilmente tu vais precisar ter uma pessoa falando muita coisa de uma vez só”, avalia o quadrinista.
“Uma boa forma de deixar os diálogos mais naturais é pensá-los em voz alta.” 06. Colocando a mão na massa: Depois de todos esses aspectos que envolvem o planejamento das histórias, a definição do tema da obra, a elaboração do roteiro e a produção dos diálogos, é a hora de produzir a lápis os desenhos da história. Depois, em cima deles, é feita a arte final, normalmente realizada com tinta nanquim. Caso use o computador, o autor terá à disposição diversas outras ferramentas. 07. Usando as cores: Com a página concluída, é momento de colorir, passo que se torna, muitas vezes, opcional. “Se adicionada, a cor ocasiona, novamente, a ligação da trama com o roteiro. Isso porque ela comunica tempo, atmosfera e sentimentos. Ela ajuda muito
a apoiar a narrativa e a história. Ela é uma cola que liga tudo”, enfatiza Gustavo. De acordo com ele, é por esse motivo que os coloristas precisam ser muito valorizados. “O trabalho que eles fazem nos quadrinhos, como muitas vezes a gente fala, é dar vida, o estalo que faltava”, complementa. Entretanto, é importante ponderar que existem ilustrações
feitas para serem preto e branco. “O essencial é tu teres um planejamento de como tu queres fazer a tua história e qual é a melhor abordagem para mostrar isso”.
Imagem: Arquivo Pessoal
Conheça Gustavo Borges: É criador das webséries ‘A Entediante Vida de Morte Crens’, com dois livros publicados, e ‘Edgar’, vencedora do Troféu HQ/Mix 2014 na categoria publicação independente de autor. Em 2015 lançou ‘Pétalas’, com cores de Cris Peter, cujo livro já foi publicado em Portugal, Polônia e Estados Unidos pela Boom Studios. Em 2017 lançou ‘Escolhas’ ao lado de Felipe Cagno e Cris Peter, e ‘Até o Fim’ com Eric Peleias e Michel Ramalho que foi um dos títulos selecionados pelo PROAC 2016. Ainda em 2017 estreou no mercado americano na coletânea Incrível Mundo de Gumball 2017 Grab Bag Special, da Boom Studios.
SE LIGA: No dia 4 de setembro, terça-feira, Gustavo Borges participa de um painel na 31° Feira do Livro com Santiago e Ana Kohler com o tema “Narrativas em quadrinhos: encontro de gerações”. O evento corre às 19h30 no Espaço Camarim.
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Uma paixão da vida inteira Karolaine Pereira “Elas já fazem parte da família”, quem lê essa frase logo pensa em pessoas ou animais, mas para o morador de Santa Cruz do Sul e major aposentado da Brigada Militar, Fábio Marmitt (Foto), o “elas” são as revistas em quadrinhos. Aos 49 anos, ele ainda mantém uma paixão iniciada na infância: ler e colecionar histórias em quadrinhos.
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vício neste tipo de literatura é fruto do incentivo recebido do pai. “Eu nem sabia ler ainda e ele já comprava as revistas, aí eu olhava e inventava as histórias”, comenta. Aos seis anos de idade, o menino Fábio morava no Bairro Ramiz Galvão, em Rio Pardo, e estudava no Colégio Estadual Barro Vermelho. E foi lá que ele começou a fazer as primeiras escolhas na vida: ou a merenda ou a leitura. “Às vezes eu comprava as HQs com o dinheiro da meren-
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da da escola, depois não tinha merenda, mas tinhas as revistas”, conta com sorriso de brincadeira. Também foi na escola que ele conheceu os amigos que colecionavam. Entre uma troca e outra, um dos conhecidos resolveu se desfazer da coleção, Fábio não perdeu tempo e ficou com as revistas. “Depois daí, eu fui comprando mais, fiz assinaturas com o passar do tempo e acabei montando uma baita coleção”, explica. O major começou com
Foto: Justine Maia/A4
revistas da Turma da Mônica, Tio Patinhas, Tex e super-heróis. Hoje, coleciona cerca de 1,3 mil HQs de todos os tipos. Sendo as mais velhas dos anos 60 e a maioria da década de 80. “É importante dizer que não existe revista velha, mas sim revista antiga”, comenta. Entre as histórias preferidas, estão a do Hulk. “Desde que comecei a colecionar, já comprava as revistas dele”, revela. Além dessa, Fábio enumera como prediletas as HQs do Homem-Ara-
nha, Turma da Mônica e Batman. Além das revistas físicas, ele também acompanha as histórias online. “Hoje eu também leio na internet, quadrinistas aqui de Santa Cruz, como o Márcio Meyer, além de outros do Estado, como o Pedro Leite, Paulo Louzada, entre outros nomes”, ressalta. Mas também não abre mão de comprar as revistas. “Ainda pego as especiais, e também as independentes, geralmente em eventos de quadrinhos que eu vou”.
“Quando a gente lê quadrinhos, aprende a interpretar.” O amor pela leitura resistiu durante os anos da escola e permaneceu na época em que Fábio atuou no Corpo de Bombeiros. “O turno na corporação durava 24 horas, então, no tempo que eu tinha, aproveitava e ficava lendo
as minhas revistas em quadrinhos”. Ele relembra que tinha colegas que não liam, e riam por ele ler a saga de super-heróis – que culturalmente são vistos como histórias para criança. No entanto, o hábito de ler, tanto as HQs, como outras leituras, beneficiou a vida profissional do militar. “Uma vez abriu um concurso para oficial da Brigada e eu fui lá, vi o que tinha que estudar, e já passei na primeira”, ressalta.
Foto: Justine Maia/A4
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A leitura trouxe inúmeros benefícios para a vida de Fábio, e, devido a isso, ele é um grande incentivador do hábito. “Quando a gente lê quadrinhos, a gente aprende a interpretar, além disso, as crianças começam pelas HQs e abrem fronteiras para outras experiências literárias”, enfatiza. Para ele, o incentivo da leitura deve ser feito de várias formas. “Quando você for dar um presente de Natal ou aniversário, porque não dar uma revista em quadrinhos?”. Através dessa literatura é possível aprender
e refletir sobre inúmeras questões da sociedade. “O Brasil que eu quero é de mais leitores de histórias em quadrinhos. É importante ressaltar que os livros não são só diversão, aventura e humor, eles são aprendizados. Com o Homem-aranha eu aprendi que grandes poderes requerem responsabilidades, com o Tio Patinhas eu aprendi a economizar, com o Mickey eu aprendi que o bem vence o mal e com a Turma da Mônica, entendi o valor da amizade”, finaliza.
Marmittiras: Além da paixão por ler e colecionar histórias em quadrinhos, Fábio Marmitt (Foto) também cultivou desde a infância a vontade de fazer HQs. Em 2017, ele lançou seu blog com tirinhas sobre histórias do cotidiano. Conforme Fábio, ele faz somente a construção da escrita e por isso buscou apoio nos amigos quadrinistas. “O Márcio Meyer desenhou as amebas das minhas tiras e o Volmar Linhares as ilustrações das cromicas”. Mesmo não desenhando, a vontade de continuar fazendo tiras é maior. “Eu vou me baseando no desenho dos meus amigos e faço os meus. No entanto, ainda estou procurando alguém para desenhar, caso algum desenhista se interesse”. Foto: Justine Maia/A4
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Acesse: marmittiras.blogspot.com
Foto: Arquivo Pessoal
Dos rabiscos na infância à Feira do Livro ENTREVISTA COM O HOMENAGEADO: O cartunista Paulo Louzada deu vida a diversos personagens. Entre eles, Tapejara se destaca por representar alguns traços da cultura gaúcha.
Kimberly Lessing e Paula Schoepf
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o dia 21 de outubro de 1965, nascia na capital gaúcha, Paulo Ricardo Louzada de Almeida, um “piá” que nada tinha de diferente dos outros: gostava de tomar Nescau, correr, nadar, jogar futebol, xadrez, assistir televisão, andar a cavalo, de bicicleta, skate, a planonda e lia histórias em quadrinhos (HQ). Segundo ele, “estudava pro gasto”.
Já na infância de Louzada, os desenhos tinham um significado especial. Sabia que eles estariam presentes em sua profissão. Despontou como cartunista quando, pela primeira vez, uma criação sua foi publicada em um jornal. Seu lado humorístico sempre esteve “na veia”, mas foi se intensificando a partir das sátiras. As histórias em quadrinhos não só fizeram parAgosto/Setembro 2018 13
te da infância de Paulo Louzada, mas também serviram de inspiração para o homenageado da 31ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul. Nomes como Asterix, Mortadelo & Salaminho, Mad, Mônica, Cebolinha, Mafalda, Bolota, Luluzinha, Batman, Super-Homem, Tarzan, Fantasma, Zé Carioca e Tio Patinhas marcaram um período de descobertas. “Mas a maior referência para quem cria narrativas ainda é o olho da
rua”, enfatiza. Louzada acredita que todos tem uma história para contar e que a vantagem de desenhar, tocar um instrumento musical ou escrever, é poder dar uma forma mais atraente ao seu assunto. Mas não é só isso: “quanto mais se treina um sistema cognitivo, melhor as soluções se apresentam”, acrescenta.
Do criador à criação: Tapejara, o último guasca Entre diversos personagens criados por Paulo Louzada, o mais conhecido é Tapejara. Seu primeiro esboço foi feito no ano 1997. O nome é de origem tupi-guarani e significa “o senhor do caminho”. Tapejara representa o estereótipo das personalidades que seu criador conheceu durante férias na região da campanha. Ele explica que o personagem é um remoto caboclo agropastoril da região sul do Brasil, um caipira simplório em franco contraste com um mundo cada vez mais planificado e uniforme. “Naturalmente ele está impregnado desta cultura regional, restrita neste universo”, conta Louzada. Apesar de estar condicionado geograficamente, Tapejara atinge uma pluralidade de pessoas através das publicações em jornais e sua página no Facebook – “Tapejara o Último Guasca”. Na fanpage, que tem mais de 50 mil seguidores, o autor evita fazer comentários, privilegiando a visão da personagem. E como todo bom sonhador, Louzada tem planos de criar um parque temático, alusivo a sua criação mais famosa. Já escolheu até o nome: TapejaraGuascaWorld. 14 DaFeira, n°1
Imagem: Reprodução/@rstapejara/Twitter
Imagem: Tapejara o Último Guasca/Facebook
Dos cartuns à Feira do Livro Bem humorado, extrovertido e sagaz, Louzada é eclético quando se fala em criação. Ele planta tomates cereja, tempero verde e salsinha, nas janelas de casa. Mas se engana quem pensa que ele está indiferente ao avanço da tecnologia. O cartunista está pesquisando trabalhos na área de animação gráfica e se mostra a favor da nova onda de cartunistas que vem ganhando espaço na internet. “Se você tem talento. As oportunidades são ilimitadas”, complementa. Diante de sua trajetória, Louzada se mostra contente pela repercussão de suas criações, mas também demostra humildade: “se posso considerar algum sucesso neste percurso, é sem dúvida poder pagar as contas com o exercício deste trabalho. O que sobra, além disto, é só perfumaria da
“Se você tem talento, as oportunidades são ilimitadas.” qual não me ufano e tampouco me impressiono”. A partir do êxito de seus trabalhos, Paulo Louzada é o homenageado da Feira do Livro de 2018. Divertido, Louzada não perde o humor nem mesmo ao falar sobre o convite que recebeu: “me sinto profundamente lisonjeado e, ao mesmo tempo, extremamente preocupado com o critério atual de avaliação de bons escritores”. Agosto/Setembro 2018 15
“A indignação é um motor fundamental para fazer humor”, diz Santiago ENTREVISTA COM O PATRONO. Com senso crítico, o cartunista, chargista e quadrinista falou sobre a carreira e demonstrou preocupação com as profissões.
Fernando Uhlmann “Sempre achei que o desenho teria que ser a minha saída”. É com esta frase que o Patrono da 31ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul traduz a escolha pela profissão de cartunista, chargista e quadrinista. Embora se defina apenas como desenhista de humor, Neltair Rebés Abreu, o Santiago, acumula causos e histórias que geraram inúmeros trabalhos em diversos formatos. Todas as produções contribuíram – e continuam acrescentando – para que 16 DaFeira, n°1
a generosa trajetória fosse feita à mão. O menino de apenas 8 anos que rascunhava alguns traços com base em revistinhas da Disney durante a infância, hoje, aos 67, carrega o nome da cidade de origem e uma premiada bagagem, estruturada com olhar aguçado, criatividade e autenticidade. Ainda que a história profissional de Santiago tenha sido sempre direcionada às ilustrações, o quadrinista se aproximou
muito de duas áreas: Arquitetura e Artes Plásticas. A incerteza de conseguir viver de quadrinhos fez com que Abreu ingressasse no curso em uma universidade de Porto Alegre. “Eu comecei a imaginar, depois de adulto, que quadrinhos, cartum, não seria possível viver disso. Aí fui para Arquitetura”, relata. Em seguida, começou a propagar suas obras em jornais e percebeu que poderia se sustentar com o desenho, quando acabou abandonando a
primeira chance de formação. Já a segunda matrícula, em Artes Plásticas, foi iniciada depois do profissional já possuir publicações em jornais, e hoje a desistência é recordada com lamento. “Foi um arrependimento grande. Devia ter cursado Artes Plásticas até o fim”. Apesar disso, Santiago possui propriedade e competência inquestionáveis que o permitem afirmar com tranquilidade: “Eu sou autodidata. Me autoformei em desenho.” A opção de fazer carreira como desenhista foi esboçada por afinidade e talento, mas foi o reconhecimento que impulsionou Santiago a seguir no caminho da literatura de elementos visuais, depois de abandonar os cursos na Capital Gaúcha. “Quando comecei a trabalhar na Folha da Tarde e ganhei um prêmio importante no Japão, eu senti segurança e pensei que aquilo ali poderia ser realmente uma profissão”, descreve. Mesmo premiado internacionalmente, o desenhista continuou com dúvidas sobre fuImagem: Arquivo Pessoal
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turo, sentindo a necessidade de mais afirmações para ter certeza de que não precisaria buscar outras ocupações. “Depois ganhei outros prêmios internacionais, como no salão do Japão, Canadá, Alemanha e Turquia. E aí realmente eu me senti seguro”, aponta. Apesar de ter construído uma carreira sólida e acreditar no potencial para o surgimento de novos talentos, Abreu revela que o contexto mudou, e o cenário para os profissionais de desenho não é dos melhores. “Hoje eu estou vendo já com grande preocupação a nossa profissão de desenhista de humor,
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porque o que nos sustentava eram jornais, revistas e livros. E desses aí só o que está restando hoje é livro”, destaca. Com amor pelos quadrinhos, o experiente ilustrador demonstra que a aventura na vida real pode ser preocupante. “Do ponto de vista profissional, se eu estivesse começando hoje eu estaria muito em dúvida sobre como ganhar a vida. Não estou vendo uma janela profissional”, e aproxima a atualidade com épocas passadas.
“Até a minha idade de 60 e aposentadoria pelo INSS, eu consegui viver de desenho, mas eu não estou vendo como que a nova geração vai conseguir viver de desenho como eu sobrevivi”, evidencia. Ao relembrar os passos iniciais e desafios enfrentados, Abreu expõe ideias fortes sobre a atualidade e profissão, principalmente sobre novas tecnologias. “Eu vejo a internet, o Facebook, nos explorando, essa ferramenta explora o trabalho das pessoas criativas. É uma denúncia que eu faço”. Outro ponto que incomoda o desenhista é a falta de monetização das produções que são publicados na rede. “Para mim, na minha profissão e na minha carreira, eu considero uma involução voltar a fazer desenhos gratuitamente na internet como um amador” e completa questionando “é ótimo consumir as coisas de graça, mas o artista vai viver do quê?”.
Imagem: Reprodução/Santiago
“O cuidado principal é não bater em caídos. Não criticar o fraco. Temos que criticar o forte sempre. A gente vai pegar no pé do forte e do opressor. Isso é uma regra que para mim está muito clara, que é bater sempre no opressor. Se o opressor se sentir ofendido, melhor ainda.” Agosto/Setembro 2018 19
O que significa para Santiago ser escolhido o Patrono da 31ª Feira do Livro?
Imagem: Reprodução/Edgar Vasques
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“Eu tento não ser movido pela vaidade pessoal. Essas coisas assim podem esticar muito a vaidade pessoal, e quero sempre que isso seja visto como uma valorização para nossa profissão. Da nossa arte, mais do que da profissão. Se a nossa arte é valorizada a ponto de a gente ser homenageado em Feira do Livro, é porque conseguimos um grande progresso em relação a isso. E é a batalha que eu faço para que a gente entre no conteúdo da literatura, com a nossa forma de comunicação, que é o quadrinho, o humor. Que é literatura junto com elementos visuais. Comunicação Visual e Literária. Eu fico feliz que mais do que essa homenagem pessoal a mim, é uma homenagem a nossa profissão.”
Em algumas produções de antigos humoristas, ou mesmo de novos que se aventuram no campo da comédia, não é difícil encontrar materiais preconceituosos ou mesmo discriminatórios. Para o renomado desenhista de humor no país, Santiago, o objeto de trabalho de um profissional quadrinista é a crítica aos opressores, sejam pessoas ou sistemas. “Não é mais tempo de as pessoas debocharem do negro, do deficiente físico, do homossexual, da mulher de forma machista. Acho que isso já não cabe mais.” O Patrono ainda transparece que os profissionais que trabalham com foco em uma sociedade igualitária acabam “se impulsionando pela esperança que haja consequências daquilo que a gente faz, que a gente mude alguma coisa. Então
a gente acha que vai ter efeito criticando a hipocrisia” “A indignação é um motor fundamental para fazer humor, principalmente humor político”. Amante da MPB, ao longo de toda a entrevista o Patrono fez questão de citar temas que, segundo ele, merecem ser combatidos; como o crescimento da direita, do fascismo, do nazismo e preconceitos de modo geral. Para o desenhista, o humor seria a melhor ferramenta possível para interromper um retrocesso de opiniões vivido no país. Pode-se dizer que com suas convicções e todo o seu talento, Neltair Rebés Abreu, o Santiago, almeja, adaptando o som ‘Nu com a minha música’, de Caetano Veloso, cores fortes e traços claros pro meu Brasil, apesar da dor. Agosto/Setembro 2018 21
Imagem: Carolina Freitas | Modelo: Paula Zeleniakas
Brincadeira levada a sério Guerreira, heroína, guardiã, princesa ou vilã. Guerreiro, super-herói, vilão, anti-herói ou guardião. No universo cosplay, você pode ser o que quiser.
Debora Pricila Silveira
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cosplay vem da junção das palavras costume (fantasia em inglês) e roleplay (brincadeira ou interpretação). Essa é a forma que fãs encontraram para homenagear personagens que admiram. “Às vezes acabo me apaixonando tanto pelo personagem que a única saída que vejo é ser ele mesmo”, conclui Paula Zeleniakas (Foto), adepta ao cosplay desde 2012. A jovem, de olhos claros e expressivos e rosto de traços marcantes, já foi Deusa da Morte (Hela, irmã de Thor), guardiã estelar (Syndra Star Guardian - League Of Legends), guerreira (Riven League Of Legends), freira (Sister Mary - American Horror Story), entre muitas outras. Paula explica que a escolha das personagens parte de seu interesse por figuras femininas Girl Power, ou seja, que representam o poder feminino. “Acho que sempre tive essa vontade de sair de mim às vezes, ser um personagem, me identificar tanto com ele e poder me expressar dessa forma. Eu conheci o cosplay pela internet e me envolvi com ele”, diz, ao explicar de onde surgiu o seu interesse pela prática. Quem também compartilha da pai-
xão pelo cosplay é a estudante de fotografia Patrícia Andrea Kolberg. A personagem homenageada por ela é a Harley Quinn, dos quadrinhos da DC Comics. Para ficar igual à anti-heroína das histórias do Batman, Patrícia investe cerca de seis horas na caracterização. Além da maquiagem, é preciso colorir as madeixas loiras que, separadas em dois “rabos de cavalo” presos nas laterais da cabeça (estilo Xuxa), ficam metade azul e metade vermelho. É necessário ainda vestir os acessórios e recriar as tatuagens exibidas por Arlequina, primeira personagem homenageada por Patrícia. Para o futuro, ela pretende interpretar Daenerys Targaryen, da série Game Of Thrones, da HBO. Interpretar, pois ser cosplayer vai muito além de se “fantasiar”, como é, muitas vezes, erroneamente entendido o cosplay. Entrar no personagem significa representá-lo de uma forma artística, agindo como ele, adotando os seus trejeitos. Para competições cosplayers, por exemplo, não é apenas a vestimenta e maquiagem que é levada em consideração. Os concorrentes ensaiam cenas/falas do seu respectivo personagem e apresentam perante os presenAgosto/Setembro 2018 23
A estudante Patrícia Andrea Kolberg, vestida de Harley Quinn, dos quadrinhos da DC Comics.
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Imagem: Arquivo Pessoal
tes. Patrícia tirou o segundo lugar na primeira competição cosplayer realizada em Santa Cruz do Sul, durante o evento “Procissão das Criaturas”, em 2017. Quando está pronta, diz não se sentir mais a mesma. “Eu simplesmente me entrego e esqueço quem eu sou e, a partir dali, sou outra pessoa, como se tivesse entrado em um portal mágico”, afirma. Patrícia também compartilha o que sente com a experiência. Para ela, fazer cosplay é sair do seu dia a dia e viver um pouco de outro mundo. “Eu não sei explicar, mas é uma sensação muito bacana, é como se o personagem encarnasse em ti”, destaca.
Cosplay: de onde vem? José Arlei Cardoso, jornalista e quadrinista, explica a sua origem. Segundo ele, a prática do cosplay, ainda que não tivesse esse nome, nasceu nos eventos de quadrinhos. “Nesse ambiente, que ainda hoje é marcado como um espaço de devoção, idolatria e exibição, muitos fãs descobriram que a maneira mais marcante (e visível) de homenagear os seus personagens preferidos, era a de se ‘fantasiar’ e interpretar o comportamento do personagem. No entanto, essa atividade sempre foi informal e restrita aos eventos de quadrinhos, principalmente americanos (lembrando que práticas similares já eram utilizadas por atores na Grécia antiga, nas cortes reais da Idade Média ou nas feiras medievais europeias dos tempos atuais)”, explica. Conforme o quadrinista, foi a partir da década de 80 que a atividade foi adaptada pelos japoneses e incorporada ao crescimento meteórico dos mangás, forma clássica de quadrinho do país, e dos desenhos animados orientais, também chamados de animes. Foi nest a época que se passou a utilizar o nome cosplay. “Com o sucesso dos mangás e animes do mundo ocidental, o cosplay passou de uma atividade restrita para um fenômeno de público, um movimento cultural mundial, sempre ligado aos even-
tos de quadrinhos, mas ganhando uma dimensão de cultura pop, atingindo os games, os seriados, os filmes”, comenta.
“O cosplay passou de uma atividade restrita para um fenômeno público.” De acordo com Cardoso, hoje o mangá foi absorvido pelos quadrinhos brasileiros. O resultado disso é “criações e produções nacionais próprias, narrativas que misturam elementos ocidentais e orientais de forma criativa e original”. Ele acrescenta que o Japão é o maior produtor e consumidor de histórias em quadrinhos e que o mangá possui características gráficas e textuais próprias, como metáforas visuais, olhos grandes e uso expressivo de onomatopeias (figura de linguagem na qual se reproduz um som na forma de fonema ou palavra, exemplo, nhac, glub, buáá). Uma curiosidade é que eles são lidos da direita para esquerda, ao contrário da leitura ocidental. Agosto/Setembro 2018 25
A indústria de mangás cresceu a partir da Segunda Guerra Mundial e se expandiu para a Europa e, em seguida, para a América. No Brasil, a “febre” se consolidou nos anos 80 e 90, impulsionada pela exibição de animes na televisão. As histórias em quadrinhos, muitas vezes, são associadas ao conteúdo infantil, como algo feito para crianças. Por isso, o cosplay sofre certo tipo de preconceito, por pessoas que não entendem a prática de viver um personagem em um dia (ou mais) como algo saudável para um adulto. Contudo, conforme explica Cardoso, na sua origem os desenhos não eram direcionados ao público infantil. “Eles tinham o objetivo de entretenimento adulto e eram usados como ferramentas para vender jornais”. Com a criação dos suplementos dominicais voltados ao entretenimento, os quadrinhos eram peças-chaves desses cadernos e houve um interesse, principalmente pela parte visual, das crianças. Dessa forma, foram criados os suplementos infantis que, devido ao grande sucesso, viraram publicações especiais,. “Com a chegada dos quadrinhos de super-heróis, a temática infanto-juvenil se consolidou, principalmente como uma onda anti-quadrinhos nos anos 26 DaFeira, n°1
50, onde eles eram considerados péssima influência para a juventude. Nesse tempo, apenas quadrinhos que se adaptavam a rígidas regras de censura e autocensura conseguiam sobreviver editorialmente”, conta. Cardoso complementa que isso facilitou a consolidação do mercado de publicações infantis, pois ele não tratava de temas polêmicos. Ainda assim, as histórias em quadrinhos no estilo underground e independentes – que permaneciam a margem do mercado e eram direcionados para o público adulto – faziam grande sucesso. Na Europa, produções de ficção científica, terror e aventuras com violência e sexo tinham grande audiência. Segundo Cardoso, foi na década de 70, com a criação do termo graphic novel (romance gráfico) que essas histórias assumiram um conceito mercadológico de “quadrinhos adultos”. “A partir daí as HQs puderam disponibilizar no mercado histórias com temáticas mais reflexivas, análises sociais, políticas e econômicas mais críticas, e arcos narrativos mais dramáticos. Isso trouxe um público bem mais maduro e crítico, geralmente adulto, que passou a tratar os quadrinhos como uma tendência artística, com qualidade para ser tratada como a nona arte”.
Invasão cosplay é atração na Feira do Livro: O tema da Feira do Livro de Santa Cruz do Sul em 2018 é “Ler é uma aventura”, uma homenagem à literatura em quadrinhos. Conforme o quadrinista Rafael Amorim, hoje, 90% das feiras sobre quadrinhos e cultura POP contam com um evento cosplay. Em virtude disso, a feira em Santa Cruz não poderia ficar sem uma iniciativa responsável por trazer vida aos personagens dessa literatura. Por isso, foi criado o evento Invasão Cosplay. O objetivo é promover uma atividade que movimente e fomente o conhecimento do universo dos livros em quadrinhos. A data para a ação: 08 de setembro, um sábado. Uma ótima oportunidade para quem tem interesse em conhecer mais sobre a arte cosplay e até mesmo se aventurar a vivenciar o seu personagem favorito, seja ele dos quadrinhos, filmes, séries ou games. O importante é dar vida à sua imaginação e se jogar sem medo. A cosplayer Patrícia incentiva aqueles que têm interesse em se aventurar nesse universo e deixa como dica “não se importar de começar pequeno. Escolha um personagem que você realmente goste e faça com vontade”. Quer saber mais sobre o assunto e ter informações atualizadas sobre filmes e séries? Acesse: meuladooscar.com.br
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Crônica O Amigão da Vizinhança, Homem-Aranha! Um Herói Multigeracional João Pedro Filippe
Ilustração: Reprodução/Richard Hass
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té hoje eu lembro claramente da primeira vez que entrei em contato com o Homem-Aranha: eu havia ido passar a tarde na casa de um dos meus melhores amigos, em 2005, e o segundo filme da trilogia, Homem-Aranha 2, estava passando na televisão. Foi naquele momento que surgiu meu interesse pelo
escalador de paredes: ele era um cara como eu! Interesse este que, com o passar dos anos, se desenvolveu cada vez mais: qualquer filme, série de televisão ou até brinquedo dentro de Kinder Ovo ligado a ele faziam com que meus olhos brilhassem. Sabe aquele vídeo viral da criança com uma piñata do Homem-Aranha que, invés de bater nele pra conseguir os doces, vai lá e o abraça? Eu era como aquela criança. Porém, apenas no começo da minha vida como jovem adulto que desenvolvi interesse por HQs e realmente fui entender melhor o porquê de tanto interesse no Homem-Aranha (e Peter Parker, seu alter-ego). Quando o personagem foi criado pelo Stan Lee – a figura mais próxima de um deus dentro da Marvel – ele precisava de algo que o diferenciasse do Quarteto Fantástico e Hulk, suas últimas
criações, até que teve um estalo: fazer um adolescente! A partir disso ele começou a incrementar cada vez mais a personalidade de Parker. Lee queria criar um personagem que fosse um superherói, claro, mas também alguém que tivesse um lado humano com quem as pessoas pudessem se identificar através de seus problemas. Peter Parker foi um dos primeiros personagens com esse efeito no público.
“O Homem-Aranha é aquele personagem que poderia, facilmente, ser seu melhor amigo.” Entre “De Volta ao Lar”, Aranhaverso e outros filmes e seriados, é um momento ótimo tanto para fãs antigos – que podem ver seu herói favorito no cinema – quanto uma oportunidade perfeita para alcançar um novo
público – que pode ter a mesma experiência que eu tive quando o Tobey Maguire estrelou os três primeiros filmes live-action do personagem, no começo do milênio. Aquela dificuldade de conseguir um emprego, relacionamento, manter uma vida social e equilibrar tudo ao mesmo tempo... Todas essas coisas são desejos que complexificam nossa existência e nos tornam humanos que tentam seu melhor mas, hora ou outra, falham. Por isso digo que o espírito dele está dentro de nós, e é por isso que ele dá tão certo. O Homem-Aranha é aquele personagem que poderia muito bem sair da tela ou página e ser seu amigo da vida real porque ele foi tão bem criado e escrito que é como se ele entendesse pelo o que estamos passando. No fim das contas, por isso que ele é o amigão da vizinhança. Agosto/Setembro 2018 29
Crônica Representatividade Importa!
E
u não preciso dizer que, quanto mais representatividade e diversidade nós tivermos em todo e qualquer tipo de mídia, melhor, certo? Assim como não preciso lhe informar que histórias em quadrinhos são um meio tradicionalmente direcionado para garotos heterossexuais. Por isso que temos tanto sexismo na representação de mulheres. Se as mulheres são tratadas assim, imagine os gays. Ah é, a gente mal existe nos quadrinhos! Podem existir várias histórias sobre minorias, mas se elas não viram um sucesso, é raro que sejam traduzidas e vendidas em outros países. Então lhe faço a seguinte pergunta: se uma HQ importantíssima para a representatividade é lançada mas não é um hit, ela causa impacto, gera uma conversa – ela existe? Infelizmente, não. E é justamente por isso que normalizar as pessoas marginalizadas é importante, para que nós tenhamos uma chance no sol tão grande quanto as de histórias de heróis hétero que salvam o mundo durante o dia e ficam
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João Pedro Filippe
com a donzela pela noite. Porém nem tudo são notícias tristes. Estamos chegando lá, mesmo que numa carroça. Desde sua criação, os X-Men se tratam de algo muito maior que eles mesmos e servem como um espelho da sociedade. Os roteiristas espertos usam o gene X – o catalisador dos poderes em mutantes – para falar sobre preconceito e principalmente traçar paralelos com a homossexualidade. Ou você acha que os personagens terem que “sair do armário” como mutantes para suas famílias é apenas coincidência? Os X- Men são gayzaços e super orgulhosos. E não tem motivo pra não serem. Tratar de assuntos LGBTQ+ é tão importante quanto ter heróis LGBTQ+ nas páginas. Muitas vezes, roteiristas gays são mais qualificados para escrever histórias de heróis gays porque eles passaram por aquelas experiências e conseguem transmitir isso com mais genuinidade. Por isso que quadrinhos como o mais recente do Star-Lord, o líder
dos Guardiões da Galáxia, são tão interessantes. Pela primeira vez na trajetória do título, ele foi dado para um roteirista LGBTQ+ que trouxe uma perspectiva diferente para o personagem (e fez com que ele atingisse um público diferente). Algo parecido acontece com o Homem de Gelo dos X-Men, que recentemente saiu do armário como gay... Espera! Sua HQ foi cancelada, assim como o casamento da Batwoman com sua namorada e o desaparecimento do namorado do Lanterna Verde da Terra-2. Embora isso aconteça, outras histórias estão sendo contadas. Só que nós não estamos treinados a enxerga-las. HQs independentes ou de editoras menores estão repletas de vozes querendo ser ouvidas, mas que muitas vezes são silenciadas pelos gritos das editoras maiores como Marvel e DC. Porém, se você pegar nas páginas d’A Lenda de Korra, a continuação em quadrinhos do desenho animado homônimo, você encontrará uma bela história de duas garotas apaixonadas que estão explorando um novo mundo. Você encontrará histórias ricas que simplesmente não encontra nos lançamen-
tos populares. É difícil treinar o olhar para ver coisas diferentes do popular, eu mesmo ainda tenho dificuldade porque é muito mais fácil se acomodar com os heróis tradicionais e esquecermos do resto. Mas quando você começa a perceber que existem muito mais coisas por aí e que pessoas escrevem histórias parecidas com sua experiência, direcionadas para você, tudo melhora. É quase como encontrar seu grupo na escola, aquele pessoal com quem você se identifica – e é esse um dos principais objetivos da representatividade. Quanto mais conhecimento estiver disponível, menor a chance de sermos pessoas preconceituosas. Fazer as pessoas perceberem que nós não queremos pôr todos heterossexuais do planeta em um foguete, soltar no espaço e explodir. Nós apenas queremos ser ouvidos e fazer com que aquela criança na escola não se sinta mal por não encaixar com seus colegas. Tudo que queremos é fazer com que você, que sente que não encaixa, sinta-se como alguém que pertence. Ou, como diriam os X-Men: mutante, com orgulho. Agosto/Setembro 2018 31
Imagem: Reprodução/Freepik
Crônica Super EU... Paula Schoepf
Quem me conhece nem imagina e se eu contar até duvida. Os amigos mais próximos, esses sabem os encantos que tenho por uma aventura. Apesar de minha aparência não demostrar, sou um grande super-herói e já me envolvi em várias encrencas por isso. Entre um quadrinho e outro me perco nas horas e começo a ficar mais corajoso, o que aumenta minha força para combater os vilões. Meus amigos não entendem como a minha tarefa é importante, e tudo o que eu faço é para ajudar o Mundo. Dias desses, Clark Kent estava correndo perigo. Seu disfarce como Super-Homem poderia ser descoberto. Lex Luthor, seu maior inimigo, havia o capturado, colocando em risco o futuro de toda a nação. Mas eu estava lá, junto com ele e o ajudei a vencer Luthor. Parece até história de pescador, mas isso realmente aconteceu! Quando o Homem-Aranha se aventurava com sua teia entre os prédios de Nova Iorque, tentan32 DaFeira, n°1
do impedir o Duende Verde de machucar a sua amada Mary Jane, eu o ajudei, distraindo o Duende. Inclusive, superei meu medo de altura. Não foi à toa que fiquei sumido por alguns dias. Com a Turma da Mônica não foi diferente, Mauricio de Sousa caprichou em suas tirinhas. A cada nova travessura do Cebolinha nós ficávamos a um passo de receber um “cascudo” da Mônica, não fosse nossas pernas ágeis para a corrida, isso já teria acontecido. Mas... E você, já correu algum perigo ou teve que sair depressa para ajudar um amigo? As histórias nos permitem ser o que sempre sonhamos, instigam a nossa imaginação, e como eu disse acima: deixam-nos mais fortes. Isso mesmo! Mais fortes. Pode parecer brincadeira, mas vale a pena tentar. Os quadrinhos escondem um Mundo de descobertas. Vamos juntos nessa aventura?
Arquivo Pessoal/ Rafael Happke, Revista Arco
Para refletir: quadrinhos com críticas sociais Fernando Uhlmann
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opinião aparece nos quadrinhos desde muito cedo. Ainda que o objetivo das primeiras publicações fosse com alvo na atração, entretenimento e humor dos leitores, os espaços foram recebendo doses ácidas, com conteúdos sobre política, mercado, justiça, cotidiano e por aí vai. Atualmente, os autores não oprimem o desejo de levantar temas polêmicos e fazer ilustrações que causa-
rão impactos sociais. Nomes como Carlos Latuff, Laerte, André Dahmer, Zandré e Willtirando são referências na produção de conteúdos que fazem os leitores enxergarem determinadas situações por ângulos diferentes. Outro grande ilustrador que se destaca pelos trabalhos com mensagens reflexivas e críticas sociais é Alexandre Beck, o criador do persona Agosto/Setembro 2018 33
gem Armandinho. O desenhista é atração confirma- gens eram estudantes. No início do novo personada na 31ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul e nos gem Armandinho, isso diminuiu bastante. Talvez deu uma entrevista. por ser criança e minha filha, na época, ser criança. A4 - Armandinho é um sucesso nas redes so- Era outro espírito. Com o tempo, o aprendizado e ciais e outras publicações, mas como surgiram as um novo olhar das situações do nosso mundo, as tirinhas? coisas foram mudando. Alexandre Beck - CoA4 - Por que uma crianmecei a fazer tiras em 2002, ça? E o sapo? “Vejo as pessoas a convite do editor do jornal Alexandre Beck - A muito apressadas, sem onde eu era ilustrador, o Diácriança surgiu da matéria rio Catarinense. Em 2009 fiz do jornal lá em 2009, que tempo para refletir, três tiras especialmente patratava de pais e filhos. O se aprofundar.” ra uma matéria. Eram tiras disapo apareceu em uma seferentes das que eu fazia até quência de tiras, e ficou. Eu então. Estas tiras deram origem ao Armandinho. gosto de sapos. A4 - Qual foi o objetivo principal no início da A4 - As reflexões propostas pelo personagem criação do marcante personagem? são também reflexões do autor? Alexandre Beck - No início, a preocupação Alexandre Beck - Sem dúvida. Em geral me era unicamente fazer um trabalho bem feito, para aprofundo mais nos temas propostos, mas não cosque o material continuasse a ser publicado no jor- tumo levar isso para as tiras. nal. A4 - Na sua opinião, qual a importância de leA4 - As tirinhas do Armandinho possuem um vantar ideias e provocar questionamentos no públitom humorístico, mas muitas delas provocam re- co que acompanha o teu trabalho? flexões a partir de críticas sociais. O personagem Alexandre Beck - Vejo as pessoas muito Armadinho surgiu e foi recebendo um tom crítico apressadas, sem tempo para refletir, se aprofunou ele já nasceu com a vontade do autor de passar dar. Isso tem consequências. Uma parada pra penuma mensagem social ao público? sar e avaliar um tema, perceber sua complexidade, Alexandre Beck - Nas tiras que eu fazia an- é fundamental para não se deixar levar por respostes do Armandinho, havia bastante crítica social. tas prontas, simples e geralmente falhas. Eu conhecia o movimento estudantil, e os personaA4 - Você acha mais fácil criar reflexões atra34 DaFeira, n°1
vés das tirinhas? Alexandre Beck - Não sei responder como leitor. Como autor, tenho a responsabilidade de buscar informações e pensar nos temas. Às vezes, sinto falta de mais espaço para desenvolver melhor alguns temas. A4 - No seu ponto de vista, qual o papel dos quadrinhos, charges ou tirinhas na sociedade contemporânea? Alexandre Beck - Um veículo de comunicação com um potencial enorme. A4 - Você segue um estilo próprio. Quem são suas referências? Alexandre Beck - Mantive a forma e estilo que os desenhos saíram nas primeiras tiras. Foi algo emergencial e mal-acabado, mas que funcionou
pra mim. Minhas referências são as pessoas que lutam por justiça, contra todo um sistema injusto. Que revelam os lados escondidos, mesmo correndo riscos. Nos quadrinhos, Laerte, Henfil, Quino, Marcelo D’Salete, Joe Sacco, Art Spiegelman. Incluo aqui vários cartunistas gaúchos, como Bier, Edgar Vasques e o patrono Santiago. A4 - Você se inspira em algo para dar vida ao fantástico mundo de Armadinho? Alexandre Beck - No mundo. Ele é muito mais fantástico, apesar de todas dificuldades. A4 - Como você estimula o seu fluxo criativo? O que te excita para criar? Alexandre Beck - A urgência.
Imagem: Reprodução/Alexandre Beck
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