Unicom Feira do Livro 2015

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EDITORIAL

OPINIÃO

Para os leitores, pela leitura

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azer um jornal está longe de ser uma tarefa fácil. Exige, entre outras coisas, amor. É preciso comprometimento para transformar em palavras não apenas o que é dito, mas também e muitas vezes, aquilo que não é pronunciado. Aquilo que apenas o olhar do repórter captou e que, sutilmente, o entrevistado deixou escapar em um sorriso ou até uma lágrima. Nesta edição do Unicom, o amor por contar histórias junta-se àqueles que amam apreciá-las, seja por meio dos livros, quadrinhos ou games. O jornal-laboratório do Curso de Comunicação Social da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) foi criado para levar ao parque da Oktoberfest ainda mais personagens, histórias e literatura à 28ª edição da Feira do Livro. Ler o Unicom hoje somente é possível porque a sua elaboração contou com a participação e dedicação dos alunos integrantes da A4 – Agência Experimental de Comunicação, dentre eles estagiários, monitores e voluntários. Desde o momento da decisão das pautas que iriam compor as páginas, toda a equipe fez parte. Investiu mais que tempo. Investiu amor em cada palavra. Essa união faz com que o jornal apresente, através de um único tema, dezenas de direcionamentos e, sobretudo, sentimentos. Os responsáveis por esta edição desejam aos leitores uma boa viagem no mundo das histórias aqui retratadas, as quais procuram evidenciar a importância da leitura em variadas formas e suportes.

Leitura na era da tecnologia ELENOR J. SCHNEIDER*

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ompartilho a opinião de que a escrita foi, até hoje, a maior invenção da humanidade. Agora, o que está escrito só ganha vida sob o olhar de um leitor. Bibliotecas recheadas de livros sem leitores são obras mortas. É como se houvesse uma cidade cheia de outdoors, porém desabitada. Além da plataforma física de papel, a leitura se beneficia imensamente da tecnologia. Até acredito, não sem uma dor apegada, que as bibliotecas, como se apresentam, num futuro nem muito remoto não mais existirão. No momento em que as sucessivas

homem. Se deles queremos participar de forma mais comprometida, mais responsável ou até mesmo mais prazerosa, essa decisão passa pela leitura. Ler te liga diz o tema da nossa Feira do Livro. De fato, através da leitura, eu me ligo a uma infinita gama de conhecimentos, a inúmeras histórias que se identificam com a minha história e, portanto, fazem com que eu me veja, me ilumine, me entenda e me faça um ser humano melhor. *Pró-Reitor de Graduação da Unisc. Professor e leitor.

Uma companhia para Mariana MARTINA SCHERER*

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ram 16h52 quando Mariana decidiu que iria voltar pra casa. O dia não havia sido muito bom e, naquele frio de julho, com todo estresse do final de semestre, o que ela mais queria era chegar em casa e descansar um pouco, para continuar, logo depois, os trabalhos da faculdade. Precisava se apressar, porque seu ônibus sairia às 17h. Recolheu suas coisas e guardou tudo dentro da bolsa. O trajeto do bloco onde trabalhava até a parada de ônibus era curto. De qualquer forma, ela apressou o passo. No fim das contas, houve um atraso de cerca de 10 minutos. E, nesse meio tempo, ainda começou a garoar. O que mais falta acontecer hoje?, pensou, chateada. Entrou, procurou um banco para sentar. Depois de pegar o vale-transporte, buscou

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gerações nascerem no universo do texto na plataforma digital, os livros tendem a desaparecer, assim como despareceram as tábuas de argila, o papiro, entre outros. Milhares de pessoas já possuem verdadeiras e ricas bibliotecas em tablets de fácil portabilidade. Apesar do prazer do contato físico com o livro, nada do que nele está escrito se perde na transposição tecnológica. Não considero que isso seja a luta perdida da modernidade. A luta perdida é não ler, ou ler precariamente. Ainda estão nos textos escritos as grandes conquistas e os grandes avanços do

UNISC - Universidade de Santa Cruz do Sul Av. Independência, 2293 - Bairro Universitário Santa Cruz do Sul - CEP 96815-900 Curso de Comunicação Social Bloco 16 - Sala 1612 Telefone: (51) 3717-7383 Coordenador do Curso: Hélio Afonso Etges

dentro da bolsa os fones de ouvido, ritual que sempre fazia antes de iniciar a viagem até sua casa. Ah não, esqueci! Mais uma coisa para irritar Mariana, que, com a agitação do ônibus na estrada, acabou pegando no sono. Acordou somente 40 minutos depois, quase chegando na entrada da sua cidade. Já estava escuro e ainda chovia. Levantou-se e sentou melhor no banco. Ergueu a cabeça para ver por que o ônibus estava parado. Havia uma fila de carros, caminhões e outros ônibus à sua frente. Ouvindo o burburinho dos passageiros, Mariana percebeu que era um acidente. Sem previsão para liberar a estrada. Ih, mais essa agora. Pelo jeito, vai noite a dentro. De imediato, pegou seu notebook. Sem bateria. O celular, sem sinal. As revistas científicas que levara na

Editora-chefe: Cristiane Lindemann Subeditoras: Eduarda Pavanatto e Liese Berwanger Capa: Agência A4/Núcleo PP Projeto Gráfico: Martina Scherer Diagramação: Lucas Batista Impressão: Grafocem Tiragem: 1.000 exemplares

ida, devolvera na biblioteca da Universidade. Tinha tantos trabalhos da faculdade para entregar e não ia poder adiantar nenhum enquanto estava ali, parada. Quanto tempo vou perder aqui! Nisso, lembrou do bom e velho companheiro. Aquele que ela carregava junto consigo, todos os dias, mesmo sem poder ler, em meio à correria do final do semestre. Na verdade, nem recordava mais quando o havia pego pela última vez. Então, do fundo da bolsa, puxou um livro. Livro, livro. Esse mesmo, que não precisa de sinal ou bateria. Esse mesmo, de papel, capa dura e bordinha amassada. E pôs-se a ler. Tempo perdido? Acho que não, Mariana. Acho que não. *Jornalista

Este jornal foi produzido pelos monitores, voluntários e estagiários da A4 Agência Experimental de Comunicação - Núcleo de Jornalismo, sob a supervisão da professora Cristiane Lindemann. Acompanhe o conteúdo produzido pela nossa equipe durante a 28a Feira do Livro de Santa Cruz do Sul através do site: hipermidia.unisc.br/28feiradolivro


FOTO: HELOÍSA CORREA

Oktoberfest dá lugar aos livros Parque sediará, pela terceira vez, o maior evento literário de Santa Cruz do Sul

coberto - uma vantagem em caso de chuva. Os livros e a literatura ocuparão o pavilhão dois do Parque da Oktoberfest, entre os dias 11 e 20 de setembro. Com o tema Ler te liga, que tem como objetivo aproveitar o poder de integração que a literatura posHELOÍSA CORREA sui, a Feira pretende explorar a interatividade entre o REPORTAGEM gênero e outras linguagens artísticas como música, cinema, teatro e artes visuais. Além disso, o slogan remete a uma linguagem simples e de fácil entendimenutubro é o mês da Festa da Alegria. Todos to dos jovens, indo ao encontro do público-alvo que os anos, no Parque da Oktoberfest, em San- são as escolas do município. ta Cruz do Sul, mais de 400 mil pessoas se “A presença e participação do público são fundareúnem para celebrar o entusiasmo e a cultura ale- mentais para o sucesso do evento”, afirma a organizamã, inspirados nos costumes e hábitos dos imigran- dora. Ela relata que toda a elaboração da Feira, bem tes. Entretanto, em setembro de como o planejamento da pro2015, o local será utilizado para gramação é feito pensando na “O Parque oferece à Feira maior promover a cultura de outra comunidade, tentando agradar segurança às crianças, maneira. Trata-se da 28ª Feira crianças, adolescentes, adultos facilidade de acesso, do Livro de Santa Cruz do Sul, e idosos. Participam da organiestacionamento e local que será realizada lá, pela terceização e desenvolvimento, desde totalmente coberto” ra vez. As outras duas edições 2006, o Sesc, a Prefeitura Muniforam nos anos de 1989 e 2004. cipal e a Universidade de Santa ROBERTA PEREIRA No ano passado, aconteceu na Cruz do Sul (Unisc), inovando Gerente do SESC praça Getúlio Vargas, em frente a cada ano, na tentativa de meà Catedral São João Batista. lhorar ainda mais este, que é o A decisão de mudar o local do evento, de acordo maior evento literário da cidade e tem grande destacom a gerente do Serviço Social do Comércio (Sesc) que na Região e no Estado. de Santa Cruz do Sul, Roberta Pereira, foi tomada pela NÚMEROS DA FEIRA – Em 2014, circularam necessidade de reduzir custos com a montagem da es- pela Feira do Livro cerca de 37 mil pessoas e mais trutura, pois na Praça é preciso armar palcos, fechar de 21 mil livros foram vendidos. Na 28ª edição, a as laterais, colocar tablados e pisos e, também, contra- expectativa é de que sejam alcançadas as mesmas tar serviços de Planos de Prevenção Contra Incêndio quantidades, ou, ainda, superadas. No ano passado, (PPCI). Conforme a gerente, o Parque da Oktoberfest 19 livreiros expuseram. Dessa vez, são esperados 18 oferece à Feira maior segurança para as crianças, faci- expositores, que irão comercializar os mais variados lidade de acesso e estacionamento e local totalmente gêneros literários. Em outras edições, tiveram desta-

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que livros sobre cultura, culinária, clássicos nacionais e estrangeiros, espíritas, histórias em quadrinhos, obras infantis e os requisitados saldos. PATRONO E HOMENAGEADO - Também poderão ser encontradas na Feira biografias e livros de poesias. Isso porque, neste ano, o patrono do evento é o jornalista e escritor Lira Neto, autor, dentre outras obras, da biografia Getúlio, que conta a história do ex-presidente do Brasil, Getúlio Vargas. Já o escritor homenageado é o jornalista e poeta Mauro Ulrich. Nascido em São Leopoldo, teve seu primeiro poema publicado ainda na adolescência. Desde então, segue produzindo e publicando de forma alternativa e independente. Ulrich lançará sua próxima obra, intitulada Sleeping Bag, na 28ª Feira do Livro. PROGRAMAÇÃO – Segundo Roberta, a aposta vai continuar no mesmo perfil das outras edições: a mescla entre literatura e atividades culturais diversificadas. Dentre as atrações, já estão confirmadas contações de histórias, apresentações musicais e teatrais e mostras artísticas. A abertura será marcada por uma homenagem ao escritor Mauro Ulrich e apresentação de música e dança. Já no dia 15 de setembro, será realizado um bate-papo com o patrono, que receberá uma deferência no dia seguinte. No dia 16, haverá um encontro inédito de escritores homenageados em outras edições da Feira. Integra, ainda, a programação do evento, o painel 70 anos do fim da 2ª Guerra Mundial. Como de costume, haverá lançamentos de livros. No dia 16, será realizado um lançamento coletivo de obras da EDUNISC. O horário de funcionamento da Feira do Livro será das 8h30 às 19h, de segunda a sexta, a partir das 9h, nos sábados, e das 14h, nos domingos. Algumas atividades noturnas serão realizadas na Unisc.

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ESTRUTURA

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PATRONO

Figuras importantes do Brasil

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MADHIELE SCOPEL GIOVANA BRASIL ENTREVISTA

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ara os amantes de biografias, as obras Getúlio Vargas, Maysa, José de Alencar, entre outras produzidas pelo jornalista, escritor e patrono da 28ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul, Lira Neto, estarão enchendo o Parque da Oktoberfest de cultura. Lira cursou Filosofia, Letras e Jornalismo no Ceará. No campo jornalístico, iniciou como revisor, depois assumiu as funções de repórter especial, editor de cultura e ombudsman. Começou nos anos 80 a escrever e publicar poesia alternativa, ganhando destaque na chamada “poesia marginal” do Ceará. Atualmente mora em São Paulo e se dedica a escrever biografias. Já foi agraciado quatro vezes com o Prêmio Jabuti – o mais tradicional concurso do livro no Brasil – no qual está concorrendo pela quinta vez este ano. Confira o que ele nos contou.

Agência A4 - Sobre ser patrono na 28ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul: como foi receber esse convite? Qual a sua expectativa para o evento? Lira Neto - Fiquei imensamente feliz com o convite. Sei da importância histórica de um evento que já vai para a sua 28a edição e, em especial, sinto-me honrado de figurar em uma galeria de patronos que inclui nomes de primeira grandeza, como João Ubaldo Ribeiro, Antonio Skarmeta, Affonso Romano de Santa’Anna e Thiago de Mello.

A4 - Com a biografia do escritor José de Alencar (“O Inimigo do Rei”, 1ª edição 2006), você obteve seu primeiro Prêmio Jabuti de Literatura em 2007. Você imaginava receber tão importante premiação? Como foi a experiência? Lira Neto - É sempre muito bom ter o trabalho reconhecido pela crítica, pelos leitores e, nesse caso, pela mais tradicional premiação do mercado editorial brasileiro. Outra alegria que a biografia de José de Alencar me deu foi a de ver a obra adotada por escolas de ensino fun-

damental e, ao mesmo tempo, ser estudada e debatida nos cursos superiores e em pós-graduações de História, Literatura e Jornalismo. Isso significa que o livro conseguiu estabelecer um diálogo com um público heterogêneo, despertando tanto a atenção de leitores em formação quanto de especialistas do mundo acadêmico e universitário. A4 - O livro “Padre Cícero” (2009) lhe consumiu dez anos de pesquisa e rendeu o segundo Jabuti. Suas fontes foram ultrassecretas, despertando a FOTO: DIVULGAÇÃO/ARQUIVO PESSOAL

Lira Neto diz ter encontrado nos livros uma forma de continuar produzindo jornalismo sem abrir mão da profundidade e da contextualização dos fatos

A4 - Você já havia migrado da redação do jornal “O Povo” para a editora de livros do mesmo grupo, quando decidiu escrever sobre Rodolfo Teófilo, um sanitarista que enfrentou a epidemia de varíola que matara parte da população de Fortaleza no fim do século XX, fabricando vacina no quintal da sua casa. O que lhe levou a esta decisão? Lira Neto - Sempre me inquietou o fato de o jornalismo diário, nas últimas décadas, ter feito uma escolha deliberada pela superficialidade e pela fragmentação cada vez mais crescente da informação. Escrever livros – e a biografia de Rodolfo Teófilo foi o primeiro de uma série – é a forma que encontrei de continuar produzindo jornalismo, mas sem abrir mão da profundidade e da necessária contextualização dos fatos. A4 - Qual foi sua motivação ao largar a vida cotidiana das redações para se dedicar à escrever livros históricos? Lira Neto - Minha motivação foi exatamente essa: continuar sendo, essencialmente, um repórter. Ao mesmo tempo, tal opção profissional pressupôs o desejo de conjugar duas de minhas grandes paixões, o jornalismo e a história.

Biografias já renderam quatro Prêmios Jabuti ao escritor, que em 2015 concorre novamente


RESENHA RODRIGO BARTZ*

invadem a Feira

A4 - Por que você escolheu biografar Getúlio Vargas, talvez a pessoa mais biografada da história do Brasil? Lira Neto - Na verdade, Getúlio é, de fato, o personagem histórico sobre quem mais já se escreveu no Brasil. Porém, o mais impressionante é que, a despeito disso, não havia até aqui nenhuma grande biografia jornalística, moderna, exaustiva e isenta a respeito de um personagem de tamanha magnitude. Boa parte da bibliografia sobre Getúlio Vargas divide-se, por um lado, entre livros apologéticos, quase devocionais, e, por outro, de obras que tentam negar qualquer dado positivo ao ex-presidente. Há também dezenas, centenas de estudos acadêmicos relevantes, nas mais diversas áreas, mas não biografias propriamente ditas, e de longo fôlego. A4 - Fazendo uma breve análise do tempo de Getúlio até os dias atuais, o que mudou na Literatura brasileira? Lira Neto - Não sou um especialista em literatura, apesar de ter cursado Letras na juventude. Infelizmente, portanto, não teria como fazer uma avaliação nesse sentido. Apenas sinto que a litera-

tura contemporânea – e aqui não estamos falando apenas de Brasil, mas da literatura universal, de uma forma ampla – parece mais preocupada em devorar a si própria, mais afeita aos torneios verbais e às metalinguagens, do que refletir o mundo ou perscrutar os abismos da alma humana. A4 - Com tantas obras publicadas, você obteve prêmios apenas com as biografias. Como você analisa isso? Lira Neto - Penso que isso é uma decorrência natural de meu trabalho. Publiquei, até aqui, dez livros. Oito são biografias. Os outros dois são reuniões de colunas de jornal. Jamais escrevi ficção. Especializei-me como biógrafo. A4 - Qual sua ligação com o Rio Grande do Sul, tendo em vista que Getúlio era gaúcho e hoje você é patrono de uma Feira do Livro aqui no Sul? Lira Neto - Durante a fase de pesquisa para biografar Getúlio, vim várias vezes ao Rio Grande do Sul, para mergulhar em arquivos públicos e privados, enfronhar-me na história e na cultura gaúchas. Fiz vários amigos no estado. Mas o que me parece mais interessante nesse aspecto é constatar que muitos outros patronos antes de mim também não eram gaúchos. Acho saudável a troca de experiências e os diálogos possíveis que podem surgir a partir disso. A4 - O tema da Feira do Livro é Ler te liga. Que leitura ou interpretação você faz do mesmo? Lira Neto - Ao mesmo tempo que remete diretamente a uma expressão tipicamente jovem – o que me parece muito estratégico do ponto de vista da atração e formação de novos leitores –, o ler te liga nos remete também à capacidade que o livro tem de estabelecer relações entre o leitor e o mundo das ideias.

A biografia Getúlio, do jornalista Lira Neto (2012), é a primeira de uma trilogia. A obra inicial abrange desde o nascimento, e seus antecedentes familiares, até a sua chegada ao poder em 1930. O segundo livro aborda os quinze anos subsequentes, até 1945. O terceiro e último volume consiste no “exílio” de Getúlio em São Borja, após sua derrubada pelos militares e a volta à presidência pelo voto popular, chegando ao trágico desfecho de agosto de 1954. A obra, “dos anos de formação à conquista do poder (1882-1930)”, é dividida em 20 capítulos e possui 615 páginas. Por vezes, Lira Neto explica o sucesso político de Getúlio. É como se estivesse no destino do “franzino Getúlio” ser uma das figuras políticas mais influentes e conhecidas de todos os tempos no Brasil. A capacidade de resolver grandes problemas, de persuadir e liderar está em muitas técnicas adotados pelo narrador, que ajudam a apregoar a suposta predestinação política de Getúlio. Isso é perceptível na seguinte citação: “a patente dos combatentes era determinada por Getúlio” (NETO, 2012, p. 32). O interessante é a afirmação do narrador de que a patente ou posição dos demais envolvidos na brincadeira era determinada pelo então menino Getúlio. Outro aspecto interessante é conceder a Getúlio uma exímia capacidade de resolver problemas sem causar outros, ou seja, as artimanhas políticas já estariam no menino, tal como no trecho: “Getúlio foi contra. Objetou que só podiam capitular depois que estivessem a salvo do risco de levarem uma boa sova.” (p. 43). Creio que dificilmente uma criança saberia “objetar” ou que a sua liderança política aflorasse tão precocemente a ponto de um menino com menos de dez anos “liderar uma frente revolucionária mirim” de forma politicamente pensada e estratégica. Por outro lado, percebemos escolhas de Lira Neto que mostram (implícita ou explicitamente) não só o lado vencedor de Getúlio, mas também o herói imperfeito, para parafrasear Vilas Boas (2008), ou seja, os muitos “Getúlios”. Mostrando um Vargas descoordenado, que “tinha notória dificuldade de amarrar os cordões dos próprios sapatos.” (p. 88). Além de Getúlio, percebemos isso na biografia de padre Cícero, também de Lira Neto. Essa dualidade paradoxal entre “bem” e “mal”, “certo” e “errado” norteiam as duas narrativas. Em Getúlio temos isso através de uma afirmação de Chatô no início da obra que afirma ser Getúlio “a primeira raposa dos pampas.” (p. 23). Para fins de comprovar que o narrador Lira Neto, em Getúlio, constrói um personagem paradoxo, podemos abordar o trecho em que Vargas, a fim de se “adequar à faixa etária exigida pelo exército, rasurou a própria certidão de nascimento.” (p. 64). De fato, Getúlio é uma verdadeira “raposa”. O jornalista e escritor Lira Neto nas páginas dessa belíssima narrativa faz com que o personagem biografado (na tentativa de captar o real) seja explicável em um maior grau de originalidade que a própria vida, ofertando ao leitor uma sensação de poder, transformando esse personagem em algo mais manejável e palpável. Enfim, honras e polêmicas (não foram poucas, se cita aqui Juremir Machado, por exemplo) a parte, este primeiro volume da trilogia, é uma obra com uma reconstituição interessante da época, fornecendo ao leitor aspectos, manias e bastidores: “era famosa pelo mobiliário elegante, e pelas cortinas adamascadas e pelas alfais caríssimas”. Lira Neto mostra-se acima da paixão por Getúlio e abre as “cortinas” mostrando, inconfundivelmente, partes e atos, dessa peça, ainda não vislumbrados. *Professor e Mestre em Letras

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curiosidade do bispo. Manter as fontes em segredo é a chave para o sucesso? Lira Neto - O jornalista vive das fontes que constrói ao longo de sua trajetória. Não existe bom jornalista sem uma boa agenda de fontes. Para escrever a biografia de Padre Cícero tive acesso a conjuntos documentais expressivos, incluindo papéis do Arquivo Secreto do Vaticano. Sim, o livro me deu o segundo Jabuti, que viria a ser seguido de outros dois, exatamente pelos dois primeiros volumes da biografia de Getúlio. O terceiro volume, aliás, concorrerá este ano. Espero vê-lo também entre os vencedores. Se isso acontecer, será meu quinto Jabuti.

O Neto de Getúlio

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LITERATURA COLABORATIVA

Da fantasia para a vida real

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T Role-playing game: mais do que um jogo, uma ponte entre mundos e pessoas VITÓRIA ROCHO REPORTAGEM

oda criança já ouviu a frase “não fale com estranhos” e temeu desobedecer a tal ordem. Porém, essa realidade mudou drasticamente com a proliferação da internet entre os jovens. O mundo se abriu diante dos olhos e dedos ligeiros da nova geração, que passou a descobrir fatos, lugares e pessoas no mundo virtual. Principalmente pessoas. Aos ávidos leitores que, por vezes, encontravam-se sozinhos em suas análises literárias, expandiuse um leque de possibilidades, pois sempre há alguém online disposto a debater sobre as mais diversas obras. A quantidade de plataformas de integração é expressiva e continua crescendo: fóruns, grupos em redes sociais, salas de bate-papo e inúmeras outras páginas da web são dedicadas apenas a esta função. Este avanço tecnológico, assim como a integração de leitores em prol de explorar os livros, oferece novas oportunidades para quem busca um gostinho a mais desse ou daquele universo literário, uma chance de se aventurar com os personagens favoritos, dando vida a cada um e vivenciando os seus feitos. Tal experiência chama-se RPG. Este foi o apelido carinhosamente dado pelos jogadores ao role-playing game, que, em uma tradu-

ção livre, significa “jogo de interpre- tas vezes auxiliam nas descobertas e tação de papéis”. O funcionamento é decisões profissionais. bem simples e, como o próprio nome INTERATIVIDADE - Entretanto, diz, os jogadores assumem os papéis uma das melhores partes do RPG não de personagens, criando narrativas está vinculada ao jogo em si, mas sim colaborativamente. O progresso do à dinâmica entre os participantes. Sejogo se dá de acordo com um sistema gundo Luiza de Simone, jogadora de de regras predeterminado dentro das RPG há quatro anos, “no momento quais os participantes podem impro- em que se tem um personagem, ele visar livremente. Ou seja, as escolhas interage com outros, de forma que o dos jogadores determinam a direção jogador acaba por fazer o mesmo e, que o jogo toma, desde que elas este- assim, conhece pessoas que, de início, jam dentro das possibilidades onde o já possuem o mesmo gosto literário mesmo é ambientado. – o que, convenhamos, já basta para Nessa nova dimensão podem-se criar um vínculo”. A estudante de Puencontrar os mais variados univer- blicidade e Propaganda conta, ainda, sos, de contos da que a conversa com “O jogo esteve Disney a Gangues os participantes do presente na minha de New York. Pojogo começa sobre adolescência, no meu rém, o destaque se os personagens, as crescimento. encontra nos RPGs relações entre eles e Desenvolvi muito a baseados em livros o futuro que podem minha escrita” de fantasia. Seja tomar. “Logo haverá como um bruxo, MICHELE ESPÍNDOLA certa identificação um semideus, um com alguns partiJogadora super-herói ou apecipantes. Surgem nas um humano no meio de tantas brincadeiras, assim como outros ascriaturas míticas. O jogador pode suntos do cotidiano. Entre os mais coser quem quiser dentro do jogo. Para muns estão literatura, música, cinema além de um passatempo, tais narrati- e seriados. Não tarda e a conversa, que vas favorecem o desenvolvimento da uma vez teve um tom praticamente escrita e do vocabulário, dão campo formal, passa a durar horas. E é assim à criatividade, permitem a exploração que um parceiro de jogo passa a ser de várias formas de expressão e mui- chamado de amigo”, relata.

CURIOSIDADES

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◆ O Role-Playing Game (RPG) surgiu no ano de 1974, sendo Dungeons & Dragons o primeiro jogo lançado. ◆ O RPG tem seu uso amplamente incentivado pelo Ministério da Educação como método de ensino, sendo usado para aguçar a cooperação mútua e o raciocínio lógico dos estudantes. (Fonte: Portal do Professor - MEC) ◆ Em RPGs de mesa há o narrador ou “Game Master”, aquele quem criará a história e julgará as ações de todos os personagens do jogo. ◆ Algumas modalidades do jogo usam dados para testar as habilidades dos personagens, muitas vezes diferenciados, contando de 4 até 100 lados. ◆ Um livro com as regras do jogo pode ser consultado em caso de dúvidas durante a sessão; pode ser utilizado tanto física quanto virtualmente. ◆ Além do estilo literário, há RPGs do gênero Cyberpunk, que discutem o impacto da realidade virtual em um futuro próximo, e Ficção Científica, baseados em consequências de modificações genéticas. ◆ O live action é a representação física do RPG, no qual se utiliza um espaço real e os jogadores representam os papéis de seus personagens.


ILUSTRAÇÃO: THALES CARVALHO

vistas como frágeis, pouco autênticas, descartáveis. Entretanto, diz o estudo, “Em sua vertente mais radical, esse mesmo medo e esse mesmo desconhecimento, agora injustificado em vista dos inúmeros dados de pesquisa existentes, levaram a um equívoco ainda maior: a generalização das características das interações virtuais passageiras para todos os relacionamentos virtuais ou reais da contemporaneidade”. Quer dizer, é preciso cautela para não generalizar este contexto de relações. Além disso, os jogadores de RPG não podem deixar de se prevenir, atentando às informações que trocam na rede – afinal, uma tela de computador não representa segurança. Assim como amizades, perigos também podem surgir a partir do contato com pessoas desconhecidas, o que deve ser tratado cautelosamente quando o assunto ultrapassa os limites do jogo.

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Este é apenas um exemplo do que pode acontecer nas relações criadas a partir do jogo. Não é regra, mas, quando ocorre, pode ser divertido e autêntico. Durante muito tempo as amizades virtuais foram tidas como perigosas e até hoje há descrentes quanto à veracidade desses relacionamentos à distância. Ana Maria Nicolaci, pesquisadora do Departamento de Psicologia da PUC-Rio, faz um estudo aprofundado sobre tais relações e em seu artigo “Sociabilidade virtual: Separando o joio do trigo”, conclui: “Todos esses resultados e análises indicam que a grande celeuma em torno dos relacionamentos virtuais não passa de um equívoco, muito provavelmente gerado pela mitologia de destruição dos primórdios da internet.” A pesquisa ainda enfatiza que o medo despertado pela internet e pelas relações que possibilita fez com que as interações virtuais fossem

Uma ponte entre vários mundos Há uma série de desinformações sobre o RPG, algumas tão alarmistas que as pessoas esquecem que este é apenas um jogo de faz-de-conta e que assim deve ser tratado. Quanto aos pais e educadores, estes podem se tranquilizar, pois o role-playing game é tão inofensivo quanto o xadrez e, da mesma forma, é uma atividade que requer raciocínio, inteligência e imaginação. A diferença é que no jogo online não há apenas a movimentação de peças, mas também a criação de uma identidade para cada uma delas. Também, ao contrário do xadrez, os jogadores não ficam uns contra os outros, mas sim juntos, enfrentando um problema imaginário. Por fim, não há vencedores e perdedores, há o alcance de metas.

Dentro de um grupo, junto às precauções básicas de estar online, a narrativa pode ser mais do que um brincadeira, mas também uma forma de desenvolvimento pessoal e social. “O jogo esteve presente na minha adolescência, no meu crescimento. Desenvolvi muito a minha escrita, conservei o prazer da leitura, agucei minha criatividade, além do fato de ter feito amizades em todas as plataformas que conheci. Foi uma experiência enriquecedora”, expõe Michele Espindola, que há 11 anos joga em RPGs literários. Mesmo sendo apenas um hobby, quem faz parte do RPG reconhece a importância do jogo em sua vida. “Além de ter aberto a oportunidade de treinar a escrita, o RPG sempre

esteve lá. Não importava se eu estava triste ou alegre. Se queria apenas distrair ou conversar com algumas pessoas. É sempre um porto seguro saber que alguém, com interesses iguais aos seus, vai estar lá para você conversar. Particularmente, eu agradeço ao jogo”, declara Ana Carolina Costa Saraiva, que está no universo rpgístico há cinco anos. Ela ainda completa: “É impossível não criar um laço e muitas vezes são amizades mais fortes do que a do círculo que você convive, pois elas não estão obrigadas a estar com você. Elas falam e ajudam porque querem. Vindo de um jogo, poderiam muito bem ignorar o resto, mas não. O jogo é uma ponte para isso, pois tudo o que importa são as histórias e as pessoas envolvidas.”

Isto significa que, aos participantes, é necessário criar certo vínculo para que possam trazer veracidade à história construída. Seja nas horas em que a distração é bem-vinda ou na tentativa de fuga da realidade, o RPG está lá, assim como o livro. O conhecimento adquirido e as amizades criadas vão além de um simples jogo ou história. Os jogadores acabam por carregar um pedacinho de cada personagem interpretado e a lembrança daqueles com quem interagiram. Conforme os jogadores dos mais diversos tipos de RPGs e fantasia nos quais são baseados, o jogo, tal como o livro, pode ser uma desculpa para se afastar do mundo, mas também pode ser uma ponte entre vários deles.

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ARROIO DO TIGRE

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A perda de um tesouro literário

N Descuido com os livros gera um prejuízo cultural insubstituível EDUARDO FINKLER REPORTAGEM

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um dia aparentemente comum, Renildo Schneider chegou à sua residência com uma notícia: livros infantis novos em folha. Sua intenção era fazer a filha, Aurea Schneider dos Santos, aprender a língua portuguesa. Aurea, que na época tinha cerca de 4 anos, se encantou pelas histórias de contos de fadas. Passou, então, a introduzir a família alemã no meio urbano, onde a maioria das pessoas falava português, tendo o alemão e o italiano como idiomas secundários. Renildo dava à filha mais livros do que brinquedos e, ao perceber que já estava alfabetizada, decidiu levá-la à Biblioteca Pública do município de Arroio do Tigre, que se localiza a cerca de 250km de Porto Alegre. O pai estava preocupado com o ingresso da pequena Aurea na escola. Já no início da adolescência, Aurea se apaixonou pelos livros da série Vaga-Lume. Ela criou um profundo afeto, principalmente, pela obra Éramos Seis. Atualmente com 43 anos, Aurea ocupa a condição de agente administrativa. Convenceu a administração do município (há cerca de 8 anos) a deixá-la como atendente da biblioteca, pois sua condição de saúde a impedia de exercer outra profissão.

Sua vida profissional começou junto à biblioteca do colégio Sagrado coração de Jesus. Após um período de 20 anos, voltou a trabalhar no local onde passou boa parte da vida: a biblioteca. Contudo, no início de 2015 um fato a deixou muito triste. Cerca de dez mil títulos com ortografia e estado considerado “vencido”, foram retirados da biblioteca e doados para a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE) de Arroio do Tigre. O problema é que a entidade não possuía uma infraestrutura preparada para receber tamanha doação e, atualmente, passa por reformas para acomodar as obras recebidas. MUDANÇAS - O início deste processo se deu quando não só os frequentadores da biblioteca, mas também os próprios funcionários, perceberam rasuras, escritos, páginas arrancadas e vestígios das traças que destruíam as obras. O péssimo cuidado das pessoas com os livros sempre deixou Aurea Schneider dos Santos triste. “É realmente uma pena ver como certas pessoas não cuidam do nosso patrimônio cultural e público”, lamenta. No final do ano de 2014, Aurea, junto com os demais colegas, decidiu

solicitar a troca dos livros considerados impróprios para o uso. Então, o vereador Vlademir Brixner criou uma comissão para definir quais seriam estes títulos. Integrante deste grupo, Aurea anotou cada livro, cada título, cada autor que iria ser retirado da biblioteca.

“Não é por que essas obras eram velhas, que deixam de ter valor cultural. Nem que eu tenha que tirar dinheiro do meu salário, vou repor cada título de volta ao seu lugar de origem” AUREA SANTOS Bibliotecária No dia da doação, ela se emocionou ao ter de se despedir dos “objetos” que faziam parte de sua segunda casa. A diretora da APAE, Sahra Carolina Mainardi, soube do afeto de Aurea pelas obras e decidiu guardá-las, da melhor forma possível. Agora elas são usados na educação dos alunos, bem como em trabalhos de cortar e colar palavras, figuras e para a confecção de artesanatos.


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RENOVAÇÃO - Mas a história de Aurea não terminou. Ela incansavelmente busca repor todos os títulos doados. Alguns como Camilo Mortágua, do escritor Josué Guimarães; O Tempo e o Vento, do escritor Erico Verissimo; algumas obras do escritor Rennie Gray e Danielle Steel ainda não foram encontradas para reaquisição. Quando soube que a prefeitura não os encontrou, Aurea se pôs a defendê-las. “Não é por que essas obras eram velhas, que deixam de ter valor cultural. Nem que eu tenha que tirar dinheiro do meu salário, vou repor cada título de volta ao seu lugar de origem”. Apesar de ser um processo demorado, algumas obras didáticas têm a justificativa de ser retiradas devido à reforma ortográfica. Aurea recorda da alegria ao receber todas as obras de Monteiro Lobato, enviadas pelo governo estadual com a nova ortografia. Ela comenta com sua colega, a professora Iracema Fiuza Gaspar, sobre o caso. “É importante as crianças irem aprendendo nossa língua conforme suas regras”. De acordo com Brixner, a perda cultural foi significativa. “Mas, tentaremos repor, embora eu acredite que isso não seja possível, pois havia al-

FOTOS: EDUARDO FINKLER

Aurea, dentro da sua segunda casa, auxilia na hora de escolher um título literário.

guns livros de fora do país. Para piorar a situação, há pessoas que chegaram a comentar comigo que os livros novos não estão sendo devidamente cuidados”, pontua o vereador.

Todavia, a batalha pela ampliação e melhoria qualitativa segue. Aurea tenta, na medida do possível, conscientizar os leitores a cuidar o máximo possível do acervo para que não

haja uma perda de dimensão tão elevada quanto a ocorrida. Assim, pessoas como ela, que amam os livros, podem continuar desfrutando do incrível mundo da literatura.

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HOMENAGEADO

O cara da 28ª Feira do Livro

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Mauro Ulrich, escritor e jornalista que sente, respira e vive a poesia MONIQUE RODRIGUES ENTREVISTA

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que vem à sua cabeça quando você pensa no dia 1° de abril? Para a maioria das pessoas, ele remete a pregar peças nos amigos, pois é popularmente conhecido como o “Dia da Mentira”. Se você nascesse neste dia, se incomodaria com isso? Imagine, então, você – aniversariante da famigerada data – prestes a completar 50 anos de idade e recebendo um convite. Não um convite qualquer, mas sim o convite para ser o escritor homenageado da 28ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul. Ainda ganhando uma festa surpresa da esposa e dos amigos. Parece mentira, não? Na verdade, a vida do jornalista, poeta e editor de Culturas e Variedades do jornal Gazeta do Sul, Mauro Ulrich, sempre foi assim: rodeada de histórias curiosas e um tanto diferentes. Nascido e criado ao redor dos livros, Ulrich aprendeu a ler sozinho aos 5 anos de idade. Na época, filho único – depois teve dois irmãos que hoje moram em Nova Santa Rita –, passou os dez primeiros anos de sua vida na

companhia da mãe, na cidade de São trabalho com o fato concreto, a realiLeopoldo, onde nascera. O poeta con- dade do dia a dia. O fato noticioso. A ta que quando pensa na sua infância a poesia é o devaneio, a concisão, o traimagem em sua cabeça é de sua mãe to da palavra. A arte verbal. O que um lendo, pois sua companhia habitual tem de sério, o outro tem de divertido. eram os livros. “Tínhamos muitos em Então, ambos se complementam. E eu casa, então eu, curioso, para saber o amo escrever. Não saberia viver de ouque tinha dentro deles, aprendi a ler, tra maneira”. sozinho”. Assim, para aquele menino SANTA CRUZ DO SUL – Em que fora criado em um apartamento, 1991, Ulrich mudou-se para Santa abriu-se um vasto mundo de conhe- Cruz do Sul, a convite do jornal Gazeta cimento e histórias encantadoras. Ele do Sul, onde deu continuidade às ativinão parou mais. dades jornalísticas e trabalha até hoje. Durante a adolescência, seu pai era De lá para cá, viveu durante um ano assinante de jornais. Ulrich sempre os em Amsterdam, na Holanda, meio ano lia, com preferência pelos cadernos em Bogotá, na Colômbia, e mais seis literários. De tanto ler, resolveu fa- meses em Salvador, na Bahia, acompazer poemas. O primeiro deles foi Pela nhando sua esposa Josiane Ulrich, no praça, publicado em uma antologia seu processo de doutoramento. Nestes do Colégio Pedrinho, onde estudava períodos, assumia o papel de corresna época. Quando Ulrich viu seu po- pondente do jornal Gazeta do Sul. Fazia ema impresso em um livro e tendo matérias à distância e enviava à redação uma boa aceitação para serem publica“Como não consigo tocar das, sempre aproveidos colegas e professores, decidiu que tando para escrever nada, tento tocar as queria aquilo para a poesias sobre o que pessoas, com os vida. Na juventude, via, por onde passava. meus poemas” o poeta mesmo fazia De volta a Santa MAURO ULRICH seus livros em uma Cruz do Sul, Ulrich Escritor Homenageado máquina de datilopublicou, em 2011, grafia, e os xerocava. pela Editora Gazeta, Com as vendas, ajudava seu pai a pa- o seu primeiro livro de poesias intitugar a faculdade. lado Cellophane Flowers, inspirado em Na década de 1980 o jovem atua- um trecho da música Lucy in the Sky va como ator. Com amigos, tinha um with Diamonds, dos Beatles. O livro grupo de sarau e recital intitulado Ver- contém uma mescla de poemas curtos, so Explícito. Ele conta que era algo um de fácil leitura, agradando diversos pútanto quanto revolucionário para a blicos. Cellophane Flowers ainda conta época. “A gente se achava uma mistura com uma pequena resenha na orelha de hippie e punk, o grupo era grande e de sua capa feita pelo escritor Moacyr acomodava umas figuras meio anticon- Scliar. Ulrich também é coautor de vencionais, digamos assim”. Por volta Trinta e seis: fotos e poesias e particide 1985, aos 20 anos, mudou-se para a pou de todas as edições do livro Nem cidade de Cachoeira do Sul, e lá iniciou Te Conto, uma antologia de contos assia sua carreira de jornalista no Jornal do nados por diversos escritores. Povo, do grupo Vieira da Cunha. Nesse Com um vasto conhecimento sobre mesmo período, Ulrich tirou o primei- literatura e jornalismo, Mauro Ulrich, ro lugar na prova de Redação do vesti- gaúcho e defensor da literatura local, bular Univale, na mesma cidade, onde foi escolhido para ser o escritor homese formou na faculdade de Letras. nageado da 28ª Feira do Livro de Santa Ulrich ressalta que a poesia sempre Cruz do Sul. Em uma conversa com a esteve presente em sua vida, desde a A4-Agência Experimental de Comuniinfância, como um hobby, um lazer, e cação, Ulrich contou como foi receber hoje em dia ela passa a ganhar dimen- esse convite e compartilhou algumas sões profissionais. “Como jornalista, eu curiosidades sobre sua vida.

A4 - Sei que nasceste no Dia da Mentira. Sempre passastes por muitas brincadeiras? Mauro Ulrich- Nascer em um primeiro de abril é uma bênção. Ninguém esquece teu aniversário e eu ganho muitos presentes... Rola muita brincadeira, também, é claro, mas até hoje ninguém se machucou. Este ano aconteceu o mais legal de tudo, no meu cinquentenário: fui escolhido para ser o Escritor Homenageado da Feira do Livro e a Josiane, junto com meus amigos, fizeram uma festa surpresa. A4 - De onde surgiu a ideia de unir poesia e Rock’n Roll? Qual a semelhança? M.U.- O meu poema é pop. E o rock é uma das mais legais manifestações do pop. A música, de um modo geral, é sempre muito inspiradora. Mas não sou músico. Adoraria ser um astro do rock, um exímio guitarrista. Como não consigo tocar nada, tento tocar as pessoas com os meus poemas. A4 - Como foi todo o processo de criação do teu primeiro livro, Cellophane Flowers? M.U.- Foi relativamente simples. O Romar Beling, da Editora Gazeta, foi quem me provocou. Isto foi em 2011. Ele disse que estava mais do que na hora de eu publicar o meu livro, de forma oficial, digamos assim. Eu me motivei com aquilo, passei os originais para ele, e ele se encarregou de todo o resto, o ISBN, a diagramação, correções, enfim. E o Rudinei Kopp, professor na Unisc, fez uma capa sensacional, que rendeu muitos comentários positivos também. Para mais segurança, antes de tudo isto, enviei meus poemas para outro escritor, meu grande amigo Moacyr Scliar, já falecido, que, de pronto, me disse: “Mauro, é a tua hora. Teus poemas são muito bons”. E, bem, depois disto, tudo aconteceu.


FOTO: MONIQUE RODRIGUES

A4 - Como foi ser o coautor de Trinta e seis: fotos e poemas? M.U. - Foi maravilhoso! Um processo de parceria, e com amigos legais, é sempre muito bom. É um projeto que ainda rende frutos. Este ano, com o livro e as fotos, devemos fazer Cachoeira do Sul e Candelária.

A4 - Já tem data marcada para lançar um segundo livro de poesia? M.U. - Estou em pleno processo de criação, trabalhando para isto. Na esteira de ser o escritor homenageado da Feira, é importante que nasça uma nova publicação. É um novo livro de poemas, que vai se chamar Sleeping Bag, e vai ser lançado na Feira, em setembro, pela Editora Gazeta. A4- Como é trabalhar com poesia na região? Quais são os principais desafios em trabalhar com poesia? M.U. - A poesia não tem espaço geográfico. Ela simplesmente está, e em todos os lugares. E enganase quem acha que a poesia é um gênero não comercial. Se você é um bom poeta e sabe trabalhar direitinho, a sua própria divulgação, vai obter sucesso. Eu, por exemplo, não tenho do que reclamar neste sentido. O principal desafio de se trabalhar com a poesia é mesmo ter esta noção de que você é um bom poeta, fazer um bom poema. Acreditar nisto. Eu, pelo menos, acredito que sou um bom poeta. E algumas pessoas também.

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A4 - E a participação na antologia Nem te conto? M.U.- De vez em quando, pulsa um prosador na minha inspiração e o Nem te conto I, II e III me deu válvula de escape para isto. Uma honra participar de um projeto assim, cheio de gente legal, que escreve bem à beça. E o conto é uma área que eu ainda pretendo explorar melhor. Quem sabe, um romance, no futuro. Tenho umas ideias aqui na cachola.

A4 – Como é o teu processo para escrever uma poesia? M.U.- Primeiro, é preciso que eu esteja feliz. Não sou do tipo que escreve amargurado ou com alguma incomodação em mente. Preciso estar bem para escrever. E escrevo melhor no frio. Pode parecer estranho isto, mas o outono e o inverno, para mim, são períodos de criação intensa. Talvez pela introspecção que o clima favorece. O poema, na maioria das vezes, vem quase que psicografado. Depois eu reescrevo e guardo numa caixa que tenho lá em casa. Escrevo à mão. No outro dia, abro a caixa e releio o poema. Se eu achar que está bom, se o texto me tocar de alguma forma, eu digito e arquivo para uma futura publicação. Mas se eu não gostar, vai para o lixo. E adeus! A4 - Qual a sensação de ser o homenageado da 28ª Feira do Livro de Santa Cruz do Sul? M.U.- É uma sensação ótima. De ser reconhecido pelo trabalho. Fiquei honrado, lisonjeado, e, agora, até quem não ia muito com a minha, me saúda com respeito. Espero corresponder a confiança que a organização está depositando em mim. De antagonista passo a protagonista da Feira, e isto é maravilhoso. Um dia ainda vou ser o patrono, pode apostar! A4 - Qual o legado da Feira do Livro para a comunidade? M.U - Uma feira de livro é sempre estopim para o crescimento e o enriquecimento cultural de uma comunidade. O prazer de estar com os livros é algo quase que sólido, para mim. E as pessoas têm que descobrir isto. Não se contentar apenas com os livros que estarão expostos. Ir mais além, pesquisar, sugerir, encomendar outras obras. Uma feira é um momento mágico e espero que a próxima seja melhor que a última. Para mim, vai ser: sou o Escritor Homenageado. E isto me dá um prazer enorme.

“De antagonista passo a protagonista da Feira, e isto é maravilhoso”

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FOTO: ÍTALO CORRÊA

TECNOLOGIA

Uma biblioteca em seu bolso No último ano, o acesso à internet por meio de dispositivos móveis subiu 66%

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É Trocar os livros impressos pelos virtuais é uma das alternativas para um mundo mais sustentável ÍTALO CORRÊA LUCAS BATISTA REPORTAGEM

comum ouvir falar em preservação da natureza, de como cuidar melhor do planeta e ter um consumo sustentável. Porém, muitas vezes, as pessoas esquecem disso e acabam consumindo mais do que precisam, seja comida, conhecimento ou, até mesmo, aquilo que nem é necessário, pelo simples fato de ser bonito ou atraente. Entretanto, há quem tenha trocado os livros impressos pela leitura no celular, em tablets ou em computadores. Essa nova tendência, que tem ganhado cada vez mais adeptos, é uma alternativa extremamente prática para os leitores e ecologicamente correta. A necessidade de carregar um livro físico já é algo obsoleto. Além do suporte, é preciso obter os aplicativos (APPs) de leitura, cujos downloads são feitos pela internet, através de lojas virtuais – App Store para Iphone e Google Play para Android – ou ainda, em sites específicos. Assim, os livros podem ser baixados e carregados no bolso. Basta um toque para acessar o conteúdo desejado, transitando pelos mais variados gêneros, como crônicas, títulos de diversos

CURIOSIDADES Uma pesquisa divulgada pelo Journal Library de Nova Iorque, aponta que os livros digitais, chamados ebooks, estão presentes em 95% das bibliotecas públicas dos Estados Unidos. A análise mostra que o número aumentou consideravelmente nos últimos cinco anos.

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◆ O título mais baixado no mundo, segundo um estudo da Unesco, é Can Love Happen Twice?, de Ravinder Singh, seguido de The Price of Royal Duty (A Coroa de Santina: O Preço do Dever), de Penny Jordan. A Bíblia aparece na terceira posição. ◆ Os títulos Harry Potter e a Saga Crepúsculo aparecem na lista dos 20 tópicos mais buscados, mas não estão disponíveis para leitura virtual. Fonte: Revista Veja, 29/04/2014

autores nacionais e internacionais, com uma editora. O autor pode dispoalém de periódicos com notícias de di- nibilizá-lo gratuitamente na rede, sem ferentes locais do mundo. nenhum custo. Em contrapartida, com Preocupada com a preservação do o alto índice de acesso de usuários à meio ambiente, a estudante de Letras, internet – conforme dados da pesquiCarolina Hertz, 19 anos, diz que não sa realizada pelo Instituto Brasileiro faz ideia de quantas de Opinião Pública folhas já economie Estatística (Ibo“É muito prático por não zou lendo virtualpe) em novembro ter que carregar livros, mente. “Esse é um de 2014, o número que muitas vezes são hábito que deveria de internautas que bastante pesados” ser mais usado, se conectaram pelo Priscila Rosa principalmente celular no último Estudante quando as leituras ano subiu de 40% são de fácil compara 66% – o seu preensão porque ficam disponíveis na exemplar chega a diversos lugares de internet ou você pode deixá-las salvas forma rápida, prática e efetiva. em seu computador, e ler novamente PONTOS NEGATIVOS - Apesar a hora que quiser”. Ela comenta que dos muitos benefícios que a leitura os autores poderiam disponibilizar no suporte digital traz, junto a ela mais as suas obras na internet. “Além aparecem os problemas. Lendo nas de chegar mais longe o conteúdo, farí- telas, o indivíduo está propenso a ser amos com que muitas pessoas lessem interrompido a qualquer momento, seus livros, além de preservar o meio ao receber uma mensagem em sua ambiente, é claro”. rede social, um recado pelo seu eOutra adepta desta nova forma de -mail ou uma ligação. Isso faz com conhecer o mundo através da leitura, que desvie a atenção da leitura, pera estudante de Nutrição Priscila Rosa, dendo o foco facilmente. diz que muitos foram os motivos de No que diz respeito ao conteúdo, migrar para o virtual. “Vários fatores um problema corriqueiro é o plágio, me levaram a isso, é bastante prático que, mesmo no ambiente digital, é pela falta de tempo e é também mui- crime. Conforme o professor de Étito eficiente. Leio no ônibus, em casa, ca e Legislação em Comunicação da depois de chegar da aula. Gosto de re- Universidade de Santa Cruz do Sul ler o conteúdo”, aponta. Segundo ela, a (Unisc), Hélio Afonso Etges, a lei do família fica muito admirada com essa direito autoral, a Constituição e ditecnologia. Em relação ao consumo, versos códigos de ética protegem o Priscila acredita que, esta nova forma uso de produções por outros. “Não de leitura deve estimular o surgimento se pode deixar essas situações imde novos leitores. “É muito prático por punes porque o prejuízo será semnão ter que carregar livros, que muitas pre grande a quem deveria receber vezes são bastante pesados”, destaca. pela atividade realizada. Quem copia Além disso, a plataforma digital ou usa indevidamente determinatem sido benéfica para autores inde- da produção ou texto, deve sempre pendentes. Não é necessário um in- se colocar no lugar de quem vai ser vestimento prévio para a diagramação prejudicado antes de dar o próximo do livro digital, muito menos contrato clique”, ressalta Etges.


INSPIRAÇÃO

O refúgio da leitura

RÉGIS DE OLIVEIRA JÚNIOR REPORTAGEM

O ALBERGUE O Albergue Municipal de Santa Cruz do Sul protege desabrigados desde 1992, mas foi em 2012 que inaugurou sua biblioteca. No local, os albergados recebem acompanhamento assistencial e médico. O objetivo é a ressocialização e o retorno à vida funcional e reforço de vínculo familiar. O acompanhamento dos acolhidos é monitorado pela Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, Inclusão e Habitação. Além disso, eles recebem encaminhamento para o mercado de trabalho. O espaço recebe livros, os quais estão à disposição dos acolhidos e da comunidade local. O agendamento para visitas pode ser feito pelo telefone (51) 3713-1942.

limpas, são incentivados pela monitora social, Beatriz Elena Funck Rousaro, à leitura. Ela conta que o contato com os livros ajuda na recuperação dos moradores do local. “Os livros transportam eles para outro mundo e isso possibilita que eles possam voltar a sonhar e acreditar em um novo futuro para suas vidas”, enfatiza. A MONITORA - Beatriz é adorada por todos, apesar de sua linha durona. Além do incentivo à leitura, ela garante o compromisso dos moradores com as regras do espaço. “Aqui, todos precisam tomar banho assim que chegam e, caso estejam embriagados, são encaminhados para uma unidade de saúde. Dessa forma, garantimos a segurança dos outros acolhidos”, explica.

Leandro define Beatriz como sua nova professora. “Eu não gosto de arrumar minha cama, se ela briga comigo é porque gosta de mim”, ponderou. Ele ainda revela que Beatriz diz que é preciso amar os outros. “Muitos não sabem ler. Ela pega seu chimarrão, escolhe um livro de romance e conta histórias depois do jantar, diz até que precisamos amar todos”. Apesar de nunca ter tido dinheiro para comprar um livro, Leandro já foi a algumas edições da Feira, em Santa Cruz do Sul, e acredita que as obras são capazes de fazê-lo mergulhar em um mundo mágico. “Os livros não me deixam pensar nas drogas, no álcool e nas dificuldades da rua”, analisou Xavier.

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ra uma vez um pequeno príncipe e sua necessidade de ter um amigo. Na escola, ele não brincava com ninguém e era excluído pelos colegas. Aos 9 anos, Leandro Xavier ainda não sabia ler. O menino chegava em casa empolgado, pronto para contar as histórias que ouvira na Escola Estadual Santa Cruz. Naquela manhã, Leandro disse que iria construir um avião e voar pelos céus da cidade, inspirado pelo conto do Pequeno Príncipe, de Antoine de Saint-Exupéry. A professora Inês havia entoado trechos aos alunos em uma sala da biblioteca. Leandro queria aprender a ler. Foi a professora Inês que lhe ensinou. Quando conseguiu, fez questão de decorar partes das histórias. Apesar das boas intenções da educadora, há trinta e dois anos teve início a dramática história de Leandro. E a aventura dele foi diferente daquela vivida pelo Pe-

queno Príncipe: uma vida melancólica e cheia de tristezas. Sequer conheceu a mãe e, quando perdeu o pai, aos 6 anos de idade, foi morar com a avó. Aos 11, fugiu de casa e acabou adotado pela rua. Logo se envolveu com as drogas. Viciado, fazia bicos para garantir o consumo diário. Em seguida, Leandro acabou detido e escreveu mais um capítulo de sua história, durante meses na Fundação de Atendimento Sócio Educativo Padre Cacique, em Porto Alegre. Com a chegada da maioridade, o envolvimento com o tráfico rendeulhe quatro anos no Presídio Regional do Vale do Rio Pardo. Apesar de ser tímido, sentado em um sofá velho com estampa cheia de flores, Leandro contou sua história. Dos livros, ele guarda boas lembranças. A saudade da escola ainda permite que ele sonhe. “A solidão me levou às drogas, mas tenho sonhos. Meu maior sonho é ter uma casa e recuperar meus filhos”, disse, com os olhos cheios de lágrimas. Ele é pai de quatro filhos, mas não convive com nenhum deles – um menino de 20 anos mora com a avó, duas meninas vivem com a mãe e um bebê, de um ano, está sob os cuidados da cunhada. Parece ficção – e, por isso, a história de Leandro se confunde com outros três mil títulos, que estão nas prateleiras da biblioteca do Abrigo Municipal, em Santa Cruz do Sul. Aos 43 anos, ele é um dos leitores e abrigados do espaço. Os livros não possuem donos. Os albergados ficam horas e horas com os exemplares nas mãos. Depois de comer, tomar banho e colocar roupas

FOTO: RÉGIS DE OLIVEIRA JÚNIOR

Albergue Municipal oferece livros aos acolhidos e à comunidade local

13 Leandro encontrou nos livros motivação para deixar as drogas


GER RWAN E B E : LIES FOTO

SUPERAÇÃO

Quando a leitura vence limitações Aposentada de 84 anos, de Candelária, lê em torno de três obras por semana LIESE BERWANGER REPORTAGEM

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14 Ingeborg ultrapassa todos os obstáculos que poderiam impedi-lá de ler

silêncio da noite a faz companhia. Às 22h30, Ingeborg Luísa Jung, de 84 anos, se organiza para ir dormir. Mas, antes de pegar no sono, ela viaja pelo mundo, vence os mais diversos obstáculos, acompanha as mais lindas histórias de amor. Tudo isso sem sair do conforto de sua cama. Tudo isso através da leitura. Foi inspirada pelo pai, que tinha o hábito de fazer palavras cruzadas, que o gosto pela leitura surgiu na vida de aposentada, natural de Santa Catarina, mas moradora de Candelária-RS há 22 anos. Outro motivo pelo qual ela começou a ler com mais frequência foi o fato de, na infância, saber somente falar a língua alemã. “Até os meus sete anos eu só falava alemão, então comecei a ler para falar em português”, conta. A leitura instiga tanto Ingeborg que, às vezes, o tempo parece passar num piscar de olhos – ou melhor, num virar de páginas. “Teve uma noite que eu não vi o tempo passar e amanheci lendo. Só percebi quando escutei o namorado da minha neta ir trabalhar”, lembra, dizendo que nesta ocasião foram lidas mais de 900 páginas. Nos dias em que os encantos das histórias não roubam seu sono, a aposentada tem a rotina de ler até a uma hora da madrugada. Mesmo com dificuldades, em decorrência de um problema na visão, ela lê em torno de três exemplares por semana. “Eu entro na história. Eu me imagino nela. É como se eu estivesse nela”, enaltece. A estante, montada em um cômodo especial da casa, conta com aproximadamente 200 livros, dos mais diversos gêneros, como romance, suspense, mitologia e espírita, os quais ela já leu em torno de quatro vezes cada um. As coleções do Harry Potter e do Crepúsculo estão entre as séries literárias que ela já leu. A aposentada destaca que não pode ler livros antigos, pois possui problemas respiratórios. “Por isso eu só posso ler livros novos”, explica. Quando ela enjoa das obras que possui em casa, ela apela para a Biblioteca Pública Municipal, ao lado de sua residência. “Já doei livros pra biblioteca e quando quero encontrar outros vou lá também”, informa. Além disso, ela adquire livros. “Eu leio os livros novamente até enjoar, compro novos, mas não consigo parar de ler. Com os livros eu viajo pelo mundo todo. É um prazer que tenho. Hoje tenho muito mais conhecimento para discutir sobre diversos assuntos”, avalia. O que Ingeborg não cogita é deixar a leitura de lado.


Literatura transformada em amizade

FOTO: LOUISE FISCHER

MAGIA

Rafael Wartchow (ao centro), acadêmico do curso de Direito, 3º semestre, na Universidade de Santa Cruz do Sul, Unisc

Fãs da série escrita pela britânica J. K. Rowling debatem a obra no “mundo virtual” e se encontram no “mundo real” LOUISE FISCHER REPORTAGEM

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A SAGA

Harry Potter é uma série literária de aventuras escrita pela britânica J. K. Rowling. É constituída por sete livros e, desde o lançamento do primeiro volume, Harry Potter e a Pedra Filosofal, em 1997, ganhou grande popularidade e sucesso comercial no mundo todo. Além disso, deu origem a filmes, videojogos e uma série de outros produtos.

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curo e seu lado iluminado. A criativi- versa com eles até hoje, quase um ano dade de detalhes da criação singular depois do encontro. “Por ser fã da do mundo mágico, fascina qualquer saga, o fato de nos tornamos amigos um que tenha gosto por fantasia. No fez com que outras pessoas do mesmomento em que você começa a ler, mo meio também virassem nossos um novo mundo te rodeia, novos an- amigos. Continuamos a amizade! Eu seios, novos perigos, novas formas voltei a revê-los no final do ano pasde viver e ver. Um novo lugar para sado, voltei a São Paulo e passei o ano ter seu refúgio, sendo expectador de novo com alguns amigos que conheci toda magia e se sentindo, até, possui- na primeira viagem”, fala. Eles mandor da mesma”, fala com entusiasmo. têm o contato até hoje, virtualmente Por ser fã da saga, o acadêmico de- ou não. “Tenho amigos, graças a Harcidiu criar uma conta na rede social ry Potter, por todo o Brasil. Minas Twitter, de fã-clube, a fim de compar- Gerais, Paraná, Rio de Janeiro, Ceará, tilhar todo o fascíEspírito Santo, Santa nio pela série com Catarina e Brasília. E “Tenho amigos, graças a outras pessoas. Asmuitos do Rio GranHarry Potter, por todo sim, começou a ter de do Sul, também”, o Brasil” contato virtual com aponta Wartchow. vários fãs da saga. O jovem consiRAFAEL WARTCHOW Depois de alguns dera que esses fãs o Estudante de Direito anos em contato ajudaram a estrutucom essas pessoas, rar o seu caráter e viajou para São Paulo num encontro os sonhos de sua vida toda. Além disde fãs de Harry Potter, no qual conhe- so, ressalta que a obra da autora J.K. ceu pessoalmente estes amigos. Rowling instigou nele o gosto pela “Esta experiência modificou a leitura. O livro de que mais gosta é o minha vida aqui e a vida de várias quinto, pela reviravolta da saga, amapessoas lá”, comenta Wartchow. Se- durecimento do enredo e inserção de gundo ele, o sacrifício para conseguir novos e grandes elementos na trama. o dinheiro, tempo e a devida autori- Porém, o sexto e o último livro o faszação para esta viagem, demandou cinam muito também. “Fica difícil organização e determinação. “Li- definir algum, quando todos pareteralmente, realizei um sonho ao cem únicos, incríveis”, diz Wartchow. ver o rosto de algumas das pessoas E emenda: “Muitos diriam que é as quais eu chamava de amigo pelo apenas literatura infanto-juvenil. Twitter e pelo Facebook. Concretizei Mas eu digo: é mágico. E uma mainúmeras amizades e criei novas”, co- gia especial: a da imaginação e do menta com orgulho. amor. São livros incríveis. E, como Wartchow considera bons amigos já sei por experiência própria, capapraticamente todos que conheceu zes de mudar - por completo - sua através desta “viagem literária”. Con- vida”, sintetiza.

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oi por meio da leitura que Rafael Wartchow fez novas amizades. O estudante de Direito conta que isso ocorreu através dos livros da saga Harry Potter. Desde pequeno ele costumava ler, mas a leitura mais ávida veio depois de conhecer a saga, por volta dos 12 anos. Na ocasião, leu dois exemplares, fora da ordem cronológica da série, e, mesmo assim, adorou. Desde então, pegou um gosto maior por livros de ficção, fantasia e afins, e vem cultivando esta paixão até hoje, adquirindo e lendo quando pode. Para o acadêmico, o que mais desperta o encanto na saga é a magia. Esta, aliás, é a reposta da maioria das pessoas que são fãs. “Toda vez que eu pego um dos livros do Harry Potter para ler, eu mergulho dentro de um mundo novo, que tem seu lado obs-

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CONHECIMENTO

Sempre na moda

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Especialistas, pais e alunos falam sobre a importância da leitura

FOTOS: NATHANA REDIN

NATHANA REDIN REPORTAGEM

ato de ler possibilita a vivência de experiências e a busca de novos conhecimentos, graças à imaginação que, ao captar o que está escrito, constrói imagens para ilustrar a história que está sendo narrada. Ainda, exerce papel fundamental no aprendizado, mostra novos caminhos e leva à reflexão sobre determinados assuntos. A leitura significa mais do que o simples ato de folhear algumas páginas; é a oportunidade de descobrir o mundo e seus personagens, sejam eles reais ou fictícios. Segundo a psicopedagoga da Escola Educar-se, Graciela Porciuncula Barros, contar histórias tem muito a ver com a criatividade, imaginação, entonação e emoção. Ler é um dos melhores auxílios para comunicar-se e, dessa forma, conectar-se com o mundo. Portanto, quanto antes esta atividade for incentivada pelos pais, escola e sociedade, mais benefícios trará para as crianças, futuros adultos e profissionais. Ademais, é por meio da leitura que se tem o contato com novas palavras e expressões – e, assim, passa-se a construir o próprio repertório, facilitando a escrita. Hoje, além de livros impressos, a tecnologia, por meio de computadores, tablets e celulares, permite que, com apenas alguns cliques ou toques em uma tela, consiga-se ler de qual-

16 Guilherme Andriolo e Maria Eduarda Thier: leitura é uma constante em suas vidas

quer lugar. Para a especialista Gracie- Webber Andriolo, do 1º ano do Ensila, ler é ganhar o mundo. “A criança no Médio e do 5º ano do Ensino Funaproxima-se das letras, da rima, da damental, respectivamente, filhos do magia desse universo. É muito impor- economista Leonardo José Andriolo. tante, porque a leitura tem tudo a ver O gosto pela leitura os levou a publicom estudo, pesquisa, leitura de mun- car livros assim como o pai (ver box). do, de vida”. A psicopedagoga ainda Na casa deles, o hábito da leitura torsalienta que “a tecnologia veio para nou-se algo rotineiro e os estudantes beneficiar, por ser um recurso novo, possuem muitos livros. mas nada substitui a beleza de tocar O pai destaca a diferença de acesso num livro, de folhear, de ver as figu- à informação, comparando sua infânras, as imagens”. cia com a de seus filhos, e considera Na mesma instituição de ensino, a que a tecnologia trouxe a possibilidade professora Rosimeri Bohnen desen- do rápido acesso ao conhecimento – o volve um projeto relacionado à leitura que no passado não havia. Segundo ele, com as crianças de a tecnologia é muito sua turma, a Préimportante, mas le“Ler é ganhar o mundo. -Escola 1, chamavanta uma questão A criança aproxima-se do Colcha de Realarmante. “Estamos das letras, da rima, da talhos. A iniciativa em contato e com magia desse universo” envolve as famílias, possibilidade de acessendo cada retalho sar tanta coisa, que o GRACIELA BARROS ilustrado a partir problema não é mais Psicopedagoga de um conto infanchegar ao material, til escolhido por elas, o qual é trazido mas saber o que é útil e o que não é”. para a escola para ser compartilhado Caroline Kipper de Lara, psicólocom os colegas, momento em que as ga e mãe da estudante do 3º ano do crianças contam como foi o processo Ensino Fundamental, Rafaela Kipper de construção com os pais. A docente de Lara, aponta a leitura como algo diz que a tecnologia emerge como um fundamental. Salienta que, quando suporte do professor, ajudando a de- jovem, além de ler os livros de sua senvolver propostas mais interessan- escola, ia à Biblioteca Municipal tes para as crianças, mas nem sempre de sua cidade. Recorda estes bons é central no processo. momentos dizendo que havia uma Reflexo desta convivência entre preparação, um envolvimento não meios novos e tradicionais pode ser somente com os livros, mas com o verificado junto à Biblioteca da Escola ambiente de leitura. Ela destaca que Educar-se, inserida junto à Biblioteca atualmente utiliza as tecnologias Central da Unisc, que mantém sem para ler artigos e atualidades na área muitas alterações no percentual de da Educação. retiradas de livros. Os funcionários Mãe da aluna Maria Eduarda Cristian Herrmann e Caroline Trapp Thier Campos, a professora de anos analisam que, mesmo com as novas iniciais Luciane Beatriz Thier, conta tecnologias, os estudantes visitam a que sempre gostou muito de ler e que biblioteca e retiram livros regular- incentivou a filha a este ato desde mente, mantendo, na Biblioteca da pequena. “Lembro que já comprava Escola Educar-se, uma média mensal livros antes de tê-la, pensando: ‘Ah, de circulação de aproximadamente esses livrinhos vão ser para ela’. Hoje 3.400 livros e folhetos. eu vejo que isso deu resultado, porGRANDES INCENTIVADORES que ela gosta bastante de ler e não Conversando com pais de alunos, preciso pedir para que faça as leitupercebe-se que o envolvimento deles ras. Por conta, ela pega o livro”. Para com a leitura serve de exemplo para incentivar ainda mais, Luciane paros filhos. É o caso dos alunos Hen- ticipa, desde que a filha era bebê, da rique Webber Andriolo e Guilherme Feira do Livro de Santa Cruz do Sul.


A leitura na visão dos filhos se. Quero ver especialmente como a história é desenvolvida, como são os personagens, a interação entre eles, a profundidade do tema e se tem algo que realmente vai me trazer interesse”, explica. O irmão, Guilherme Webber Andriolo, 9 anos, também demonstra grande gosto pela leitura. “Você pode ler um livro tanto para buscar informações quanto para se divertir numa história,” avalia. Já Maria Eduarda Thier Campos, 8 anos, estudante do 3º Ano do Ensino Fundamental, justifica a escolha do livro de acordo com sua preferência. “Um dia eu estou com vontade de ler his-

Tecnologias facilitam acesso à informação

tória em quadrinhos, outro dia estou com vontade de ler livro de história...”, comenta. Os três estudantes são exemplos de que as descobertas tecnológicas

avançam e popularizam-se, as pessoas apropriam-se delas, porém, a leitura sempre continuará sendo um meio de conhecimento, imaginação e interpretação.

Herança cultural

UNICOM

Henrique Webber Andriolo, 15 anos, diz gostar muito de ler. “Acho que ler, além de interferir na forma como a gente vê o mundo, na forma como a gente pensa, consegue nos garantir uma espécie de viagem que é impossível na nossa realidade, é como se fosse um filme. Você pode se imaginar em qualquer lugar, porém, tem a vantagem de ter apenas algumas informações e a partir delas você imagina o que está ocorrendo. É muito bom isso, de você conseguir exercitar a imaginação.” Quanto às escolhas dos livros, o estudante diz ser bem exigente. “Sempre tento dar uma olhada na sinop-

A ligação que a família Andriolo possui com a leitura é algo encantador. Pai e filhos já tiveram livros lançados em Feiras do Livro. O pai, Leonardo José Andriolo, relata que não teve de fazer esforço para que os filhos começassem a ler, pois foram alfabetizados cedo e nunca deixaram a leitura de lado. “Às vezes tem que fazer um esforço de largar os livros para poder ir dormir ou fazer as atividades.” O economista diz ter começado a ler bastante cedo e, na época, não havia essa facilidade que tem hoje, de acesso a livros e materiais. Somente aos 14 anos sua família adquiriu uma televisão, portanto, até essa idade, o que mais gostava de fazer era ler. Andriolo considera que isso foi importante naquela fase, transformando-se em um hábito que acabou transmitindo aos seus filhos. Na família Andriolo, a leitura é um hábito que passa de pai para filhos

Livros lançados pela família > Com passos lentos, mas firmes (2011): “No livro recupero, a partir dos depoimentos do meu pai, que está hoje com 91 anos, toda a trajetória do meu avô, filho de imigrantes italianos, na Região de Caxias do Sul”, explica Leonardo José Andriolo. > Poderes Modernos (2010) e Uma aventura na fazenda (2011): livros infantis, escritos por Henrique Andriolo, com a colaboração dos colegas fazendo as ilustrações. > A Lenda do Puffle Dourado (2010): historinha infantil de autoria de Guilherme Andriolo, com base no jogo Club Penguin.

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FOTO: KAROLAINE PEREIRA

DOAÇÃO DE LIVROS

Trote solidário beneficia a comunidade

UNICOM

Jéssica Luiza Rutsatz, estudante de Química Licenciatura, doou aproximadamente 1.400 livros para o trote solidário

Unisc investiu em prática diferenciada para recepcionar os alunos que ingressaram na instituição em 2015

tarde, quem sabe, iremos ampliar ges, disse que o objetivo da gincana do para a comunidade”. trote solidário foi promover um enSegundo Tatiane Luci Rodrigues, contro entre diversos cursos, não apecoordenadora da Comissão de Recep- nas entre os alunos de cada graduação. ção de Novos Estudantes da Unisc, a Além disso, ele salientou que a iniarrecadação superou as expectativas: ciativa teve a finalidade de mostrar foram aproximadamente 20.000 exem- que a universidade vai muito além plares recebidos de doações feitas pela do próprio curso, proporcionando HELENA FISCHER comunidade acadêaos novatos a chanKAROLAINE PEREIRA “No momento faremos mica. Jéssica Luiza ce de expandir a REPORTAGEM uma biblioteca para Rutsatz, 17 anos, esvisão de mundo e os cooperadores tudante do primeiro suas limitações. levarem os livros para eles semestre de Química A iniciativa da e para suas famílias ma gincana realizada no Licenciatura, doou Unisc repercutiu polerem em casa” primeiro semestre de 2015, 1392 exemplares. sitivamente em mícuja tarefa era a doação de “Eu sabia que minha VERA LÚCIA DA ROSA dias de todo o país, livros, foi a primeira atividade de um antiga escola ia se gerando credibiliCoordenadora Coomcat conjunto de ideias pensadas por um desfazer de alguns dade à instituição e grupo de apoio, formado por alguns livros, então tomei a decisão de pedir passando confiança aos futuros unicoordenadores de cursos da Univervários deles e ajudar nessa causa. Fiz versitários que pretendem ingressar sidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). três viagens de carro até a Unisc, pois na faculdade. Com o resultado positiApós muitas queixas devido às humisou de Candelária”, comentou. Para vo do trote, ele foi aplicado novamenlhações sofridas pelos “bixos” (alunos ela, ter uma biblioteca perto de casa te no segundo semestre de 2015. novos), algumas alternativas foram é muito importante, pois hoje em dia SONHO NAS PRATELEIRAS - A pensadas para resolver o problema. tudo gira em torno das mídias. Coomcat é a Cooperativa de CataDentre os debates, concluiu-se que a O coordenador do Curso de Co- dores de Santa Cruz do Sul, que bemelhor forma de integrar veteranos e municação Social da Unisc, Hélio Et- neficia famílias com a reciclagem e também ajuda o meio ambiente, por meio da coleta seletiva e reciclagem de lixo. Atualmente conta com 68 cooperados, que atuam em duas No dia 12 de março de 2015 aconteceu, no campus da Unisc, uma atividade de integração dos veterafrentes – na usina, que se localiza no nos com os novos estudantes, através de uma gincana, na qual os bixos foram pintados e viveram momenBairro Carlota, e na coleta seletiva, tos de descontração com os antigos alunos. Além disso, as turmas tiveram a oportunidade de se inscrever na que fica na rua Venâncio Aires. prova de doação de livros. Vinte cursos se inscreveram na competição e os grupos que doaram mais livros Os membros da Cooperativa foram contemplados com o sorteio de dois tablets. O Curso de Matemática doou 5.050 obras válidas por ainda estão na fase de organização média absoluta do doação, sendo o vencedor; já o Curso de Química (Licenciatura) surpreendeu as expecda biblioteca, pois somente os litativas, pois apenas a aluna Jéssica Luiza Rutsatz se inscreveu e doou 1.392 obras válidas, se tornando a vros de literatura e pesquisa serão vencedora por média per capita. O Curso de Ciência da Computação doou 3.072 exemplares, sendo mais catalogados. “Em breve ela estará um dos vencedores por média per capita de doações. funcionando”, afirma André HerNo dia 27 de março aconteceu a entrega da premiação. Os tablets sorteados entre os alunos do Curso mann, engenheiro ambiental da de Matemática foram destinados ao veterano Bruno Machado Esteves e à caloura Milena Stulp da Silva. Coomcat. Quando este dia chegar, Igualmente, os ganhadores por maior média de doações per capita receberam um tablet. o espaço levará cultura e informaEm virtude do Curso de Química ter apenas a estudante Jéssica Luiza Rutsatz inscrita na arrecadação ção aos catadores e suas famílias, de livros e da premiação ser de dois tablets para a equipe vencedora, o segundo equipamento foi destinado e, futuramente, para toda a comupara a segunda equipe com maior número de arrecadação per capita (Ciência do Computação), que doou nidade, conforme prevê o projeto o equipamento ao Diretório Acadêmico (DA) do Curso, representado pelo aluno José Augusto Gorck. de expansão.

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estudantes recém-chegados seria por meio de um trote solidário. Os argumentos em relação à escolha tiveram como base o perfil da universidade, que é comunitária e investe em eixos como educação, cultura e leitura. A partir daí, foi realizada a campanha de arrecadação de livros, sendo que os departamentos vencedores foram premiados. Mas, certamente, quem mais ganhou com esta mobilização foi a Cooperativa de Catadores de Santa Cruz do Sul (Coomcat), que recebeu os livros para criação de uma biblioteca pública. Vera Lucia Flores da Rosa, coordenadora da cooperativa, falou da alegria de receber ajuda para realizar um projeto com o qual eles sempre sonharam. ‘‘Foi muito importante esse trote solidário e a Unisc sempre foi uma grande parceira. Os livros arrecadados são muito bons para a Coomcat. No momento faremos uma biblioteca para os cooperadores levarem os livros para eles e para suas famílias lerem em casa. Mais

Entenda a gincana

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MEMÓRIA

Histórias de vida após a morte Durante um ano, Luiza escreveu a biografia de mais de cem pessoas sepultadas no Cemitério Ecumênico de Santa Cruz do Sul EDUARDA PAVANATTO REPORTAGEM

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FOTO: EDUARDA PAVANATTO

UNICOM

uiza sempre gostou de contar histórias. Foi por isso que, ainda Cemitério Ecumênico. Não sei se a senhora já conhece o nosso Memuito pequena, decidiu ser jornalista. “Eu nasci querendo”, morial... a gente tá contanto a história de vida de quem tá sepultado diz ela. Escrevia sobre tudo, se imaginava apresentadora dos aqui. Então queria ver contigo se tu quer fazer essa homenagem para noticiários de televisão. O que parecia apenas uma brincadeira de o teu parente”. criança acabou por virar coisa séria. Em 2010 prestou vestibular na Se a resposta fosse positiva, era agendado um horário, no cemiUniversidade de Santa Cruz do Sul (Unisc). Foi aprovada. A par- tério mesmo, para a entrevista. A conversa era gravada e, quando a tir daí, começava a tirar da imaginação o que tanto sonhou quando biografia ficava pronta, a pessoa era convidada novamente para se criança e adolescente. No decorrer dos quatro anos e meio de curso, dirigir ao local, buscar e aprovar o texto. Depois disso, a história era ela escreveu. Escreveu muito. Até que, em 2014, surgiu a primeira anexada no totem, “que é um tipo de caixa eletrônico que fica no experiência profissional fora da universidade. corredor do cemitério”. Basta a amigos e familiares Luiza passou a ser estagiária em um dos lugares “A vaga mais estranha do digitar o nome do ente querido, que a história dele onde a maioria das pessoas deseja passar longe. Ela se materializa na tela do terminal. Lá estão documundo, passou a ser a trabalhava em um cemitério. O chamado veio de mentados os amores, as aventuras, os momentos experiência mais manhã, quando ainda estava em horário de aula. inesquecível e especial de importantes. Lá estão, em forma de frases bem Na mesma tarde, foi até a unidade do Centro de construídas, a vida de quem há muito partiu. toda a minha vida” Integração Empresa-Escola (CIEE), onde havia caO trabalho estava longe de ser algo fácil. Luidastrado o currículo meses antes. “Olha só, é uma za explica que a cada nova história, também uma LUIZA ADORNA vaga um tanto estranha, é em um cemitério e talnova parte dela mesma surgia. “Tornei-me forte. Jornalista vez você queira ignorar”, explicou a moça, logo de Sempre me emocionei com facilidade e fui muito início. No começo, a estudante realmente achou a vaga um tanto sensível. Como que em um número de mágica, na hora de sentar em diferente. “Mas, se era para fazer jornalismo, por que não? Liguei frente a quem tinha perdido alguém que amava, escutava todos os para o contato e agendei a entrevista”. relatos, sem derramar uma lágrima. Costumo dizer que sempre foi Dois dias depois, a contrataram. “A vaga mais estranha do mun- assim porque era meu destino trabalhar naquele lugar, exercendo do passou a ser a experiência mais inesquecível e especial de toda a essa linda atividade”. Foram mais de cem biografias, mais de cem minha vida”, relata Luiza. Sua função seria fazer aquilo de que mais histórias. E, para amenizar o peso do trabalho, o reconhecimento gosta: escrever, contar histórias. Mas, exclusivamente, as histórias dos familiares sempre foi o melhor remédio. daqueles que já partiram. O Cemitério Ecumênico da Paz Eterna Os agradecimentos eram tantos, que vinham, muitas vezes, em propôs, em seu projeto Memorial Paz Eterna, preservar e, de certo forma de mimos, chocolates, bolos e, até mesmo, de cachorro. Isso modo, reviver por meio das palavras, o passado daqueles que já es- mesmo, o Sheldon, um Shih Tzu cheio de vida e bastante energia tão sepultados. Isso seria feito a partir do testemunho da família e para gastar. Mas, o maior presente recebido por ela não é nenhum dos amigos. desses. “Eu ganhava mesmo e me sentia realizada ao ver cada sorriso Então, no dia 8 de abril de 2014, Luiza voltou ao local mas, desta ou lágrima de emoção ao ver a família lendo a história. Não temos vez, para trabalhar. A partir deste dia, passava as tardes no cemité- o que fazer quando alguém que amamos vai embora. O Memorial rio, de segunda a sexta-feira, e os sábados pela manhã. O processo parece acariciar os corações daqueles que sofrem com a ausência”. de produção do Memorial tinha início com uma ligação de Luiza O que era para durar apenas seis meses, se estendeu por mais seis. para um familiar, com o objetivo de oferecer o serviço gratuito. “Oi, Contrariando o senso comum, foi no cemitério e nas histórias ouviquem fala? Meu nome é Luiza, eu faço jornalismo e trabalho aqui no das por lá, que Luiza encontrou vida de verdade.

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