VOLUME 37 | Nº 01 | SEGUNDA-FEIRA, 22 DE OUTUBRO DE 2018 FOTO LUCAS BATISTA
NO LIMITE
A RODOVIA QUE DEIXA MARCAS Só neste ano, foram 13 óbitos no trecho da RSC-287 entre Santa Cruz do Sul e Venâncio Aires, considerado o mais fatal. Comunidade clama pela duplicação da mais importante estrada do Vale do Rio Pardo Páginas 8 e 9
SEM LIMITES PARA
ENVELHECER
DESCOBRIR
CRESCER NO CAMPO
O migrante que, depois de conhecer tantas cidades e culturas, encontrou na ASAN o seu lar
A biblioteca que guarda a cultura alemã em obras impedidas de serem lidas na II Guerra Mundial
A jovem de Linha João Alves que decidiu seguir o exemplo dos pais e dedicar-se à plantação de verduras
Páginas 4 e 5
Páginas 12 e 13
Páginas 14 e 15
EDITORIAL
EXPEDIENTE
Sem limites para contar histórias Ele já foi “Separações”, “Estradas”, “Conflitos”, “Medos”. Já teve pipoca, avião, monstro na capa. Já teve ilustração e o mundo da literatura também. Mas o Unicom mudou. Ganhou novo tamanho, voltou a ser impresso em páginas de jornal e a circular a um número muito maior de leitores. O impresso que você está começando a ler foi feito por acadêmicos de Jornalismo, estudantes que buscam na Universidade trilhar uma carreira profissional. São aprendizes na arte de contar histórias. Mesmo assim, o compromisso assumido pela turma é de levar informação com clareza, relevância e que provoque reflexão. Você vai
ler sobre a rotina de profissões, sobre empreendedorismo, sobre o orgulho de viver neste chão. Mas vai ler também sobre dor. Sobre vidas que se foram. Sobre as marcas que a mais importante rodovia da região deixou nos corações de muitas famílias. Para contar tudo isso, adotamos a expressão “sem limites”. Mas sem limites para quê? Para o conhecimento? Para ajudar? Para ser feliz? Confira nas próximas páginas. A turma de Produção em Mídia Impressa, que desenvolveu esse jornal-laboratório, deseja uma boa leitura. Dos editores.
Como chegamos até aqui A cada detalhe, descrição, pontuação partir de então, passaram a se envolver ou palavra, uma grande reportagem em ações de divulgação da publicação. mexe com a curiosidade e criatividade do Também houve uma mudança de edições estudante de jornalismo. Ele sonha em por ano, que de 12 diminuiu para oito. ter a oportunidade de entrar na casa e na Em 2002, o Unicom teve a linha editovida das pessoas e pôr em prática o rial e o projeto gráfico redefinidos. Em que vem aprendendo em horas 2006, o jornal também começou a e horas de aulas teóricas. ter apelo interdisciplinar, pois, E, justamente além dos estudantes de jorpor isso, o jornal nalismo, passou Unicom do Cura contar com a so de Comunicontribuição cação Social da dos acadêmicos Universidade de Publicidade de Santa Cruz e Propaganda, (Unisc), Relações Púproduzido blicas, Produna disciplição em Mídia na de ProAudiovisual e dução em Fotografia. Mídia ImAguçando pressa, ofea curiosidade rece espaço dos alunos e para o jovem dando oportuviver o jornalisnidade de criação, mo na prática. Há muito o Unicom acabou receFOTO MATEUS MOURA tempo, os calouros na bendo um grande retorno. profissão já têm esse espaço. A primeira Desde 2006, ele foi reconhecido em 14 edição, chamada “Um novo rumo”, foi prêmios acadêmicos de nível nacional, feita em julho de 1997. o que tornou o jornal uma das publicaDaquele ano até 2000, o Unicom era ções universitárias mais conhecidas e encartado mensalmente na Gazeta do admiradas do país, conforme o professor Sul, além de ser distribuído pelos alunos Demétrio de Azeredo Soster, responsádo curso em outras universidades e na vel pela coordenação do Unicom de 2006 própria Unisc. O número de exemplares até o primeiro semestre de 2018. Hoje, 17 distribuídos variava a cada edição. anos depois, o trabalho produzido pelos Em 2001, o jornal deixou de ser encar- estudantes de jornalismo volta a entrar tado na Gazeta e passou a ser distribuído na casa e na vida dos moradores do Vale exclusivamente pelos alunos, que, a do Rio Pardo. 2
O que é O Unicom é o jornal-laboratório dos cursos de Comunicação Social da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), desenvolvido na disciplina de Produção em Mídia Impressa, da habilitação de Jornalismo.
Quem fez Edição Lucas Batista e Martina Ferreira Sturm Revisão Da turma Projeto gráfico Thales Kohl e Lucas Batista Diagramação Lucas Batista Reportagem Amanda Adam, Dalvan da Luz, Gabriel Rodrigues, Juliana Brito, Karolaine Pereira, Lurian Schultz, Marcela Pereira, Madhiele Scopel, Marília Schuh, Matheus Prestes e Rosana Wessling Coordenação Willian Fernandes Araújo
Quem vai ler Depois de longos anos, o Unicom volta a circular encartado em jornal de circulação regional. Esta edição chega aos assinantes da Gazeta do Sul. Os exemplares também estarão disponíveis, de forma gratuita, na coordenação dos cursos de Comunicação Social da Unisc e com os acadêmicos envolvidos na produção do conteúdo.
Universidade de Santa Cruz do Sul - Unisc Av. Independência, 2293 Universitário - Santa Cruz do Sul Curso de Comunicação Social Coordenação: Bloco 16, sala 1612 Telefone: (51) 3717-7383 Tiragem: 13 mil exemplares Impressão: Gazeta do Sul
Acesse: hipermidia. unisc.br e acompanhe o conteúdo online.
FOTOS LUCAS BATISTA
SEM LIMITES PARA VIVER FELIZ
A CASA DOS OUTROS Diante de um mundo que não é mais seu, idosos veem suas vidas passar por detrás dos portões da ASAN DALVAN DA LUZ dbluz1992@gmail.com
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s que chegam diante do portão de ferro da casa dos outros carregam o passado apenas nas vagas lembranças. Ali, diante de rostos estranhos, olhares perdidos, vozes que não querem se calar, a vida vai se redesenhando entre móveis que não são mais os seus. O pequeno jardim de flores, na entrada principal, contrasta com o triste marrom das janelas do antigo asilo. Sem pedir permissão, a velhice chegou para os mais de 80 idosos da Associação de Auxílio aos Necessitados (ASAN), de Santa Cruz do Sul. Ninguém imaginara na juventude estar ali, na casa dos outros. No melhor dos planos, desejavam uma vida repleta de sonhos e realizações. Acreditavam, ingenuamente, que 4
a própria família, com muito a entidade cresceu e mudou o amor, dedicaria parte do tempo foco, passando a atender idopara cuidá-los quando che- sos e pessoas em situação de gasse próximo do fim da vida. vulnerabilidade social. O veMas como a realidade lho casarão da rua Padre não imita a ideia da Luiz Müller, no bairro eterna juventude, Bom Jesus, guaro tempo golpeouda, em seus longos -os precisamente. anos de existência, idosos estão Sem condições de a solidão e a esatualmente escolherem o próperança por dias na ASAN prio futuro, outros melhores daqueles decidiram entregar que jamais ousaram o batido corpo mortal escolher, na velhice, nas mãos de terceiros os próprios caminhos a que – com carinho e profisserem trilhados. Além disso, sionalismo - trabalham dentro a ASAN esconde histórias jamais da instituição assistencial. contadas ou que em nenhum Fundada em 1948 com a fina- momento quiseram ser ouvidas, lidade de abrigar meninas que, como a de Seu Peri. à época, engravidavam fora do ENTRE PERDAS casamento e eram expulsas de E REALIZAÇÕES casa e abandonadas pela família, Seu Peri Antônio da Cruz ti-
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nha 27 anos quando desembarcou na antiga estação rodoviária de Porto Alegre. Trazia consigo a esposa, o filho de 4 anos e uns trocados que ganhara com a venda de produtos campeiros. Não sabia o que lhe aguardava na cidade grande. Não era letrado. Com esforço e determinação, completou o primário em um internato na pequena cidade de Santo Augusto, município pertencente à região do Alto Uruguai. Peri é um homem marcado pelo tempo. Teve 10 irmãos. Dos filhos homens, era o mais velho. Ainda criança teve de aprender as lidas do campo, mas o peso da enxada era pequeno diante da missão dada pelo pai: caso partisse, ficaria com os cuidados da família em suas mãos. A profecia
se confirmou. Faltavam três meses para completar 15 anos, quando o coração de seu pai parou de bater. “Se fosse hoje, ele não teria morrido”, comenta. A veia aorta de seu Pedro Antônio se rompeu e, na época, restou apenas rezar para Santo Augusto, já que no município onde moravam os recursos na área da saúde eram escassos. Casou-se com a filha de um comerciante que conhecera nos bailes de campanha. Dos quatro filhos que teve, somente um sobreviveu após o nascimento. Foi depois dessas sucessivas perdas que tomou a decisão de partir dali para outro lugar. Através do convite de um cunhado, que já morava em Porto Alegre, foi embora. Não tinha mais nada a perder. Na capital, trabalhou em diversos lugares. Só que foram as ondas do rádio que lhe apontaram um caminho. Através de um anúncio de ofertas de serviços, conseguiu trabalho na empresa de transporte público Carris. Lá transportou vidas por mais de
30 anos. No fim dos anos 80 se aposentou e realizou o sonho de ter uma casa na praia. O filho já estava casado. Veio a separação. Sem querer perder tempo e dinheiro com advogados, o casal entrou em acordo e não apelou à justiça. A ex-esposa ficou morando na capital. Peri aportou o corpo e a alma no Balneário de Pinhal. Queria acordar ao som do mar. Mas, como nas mudanças de rota feitas ao longo da sua jornada dentro de um ônibus, em fevereiro do ano passado numa tarde ensolarada - seu Peri desembarcou em frente ao portão da ASAN. Sem possibilidades de escolhas, adentrou o asilo para viver os seus últimos dias de vida; apesar de dividir o abrigo com mais 84 residentes. Hoje, a leitura é sua melhor amiga. No próximo verão, completará 82 anos, longe do sol e da beira do mar. Como não sabe o dia e nem a hora da sua morte, a única esperança que lhe resta é a de ter boas sur-
presas. Pretende nunca mais se casar. Não gosta de música clássica. Para ele, Deus é tudo. “Só é infeliz quem não acredita Nele”, diz o aposentado. Devido a um infarto sofrido em 2003, precisa de uma cadeira de rodas para se locomover. Mesmo assim, não esconde a alegria e as histórias que tem para contar. ENVELHECIMENTO O aumento acelerado da população idosa vem gerando necessidades sociais que demandam respostas políticas propícias do Estado e da sociedade. O Brasil envelhece a passos largos. O número de idosos cresceu 18% nos últimos cinco anos, ganhando 4,8 milhões de longevos. Em 2012, a população com 60 anos ou mais era de 25,4 milhões. Esse índice, em 2017, ultrapassou a marca dos 30,2 milhões. Segundo o Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), entre 2012 e 2017 o número de idosos cresceu em todos os estados do país. As unidades federativas
com maior proporção de idosos foram o Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul, ambos com uma taxa de 18,6% de suas populações dentro do grupo de 60 anos ou mais. INSTITUIÇÕES Um levantamento do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) de 2011 revelou que 71% dos municípios brasileiros não tinham abrigos para idosos. Das existentes, o estudo mostrou que grande parte das instituições brasileiras para idosos estava concentrada na região Sudeste (dois terços), sendo que apenas o estado de São Paulo tinha 34,3% do total. À época, com mais de 20 milhões de idosos, o Brasil tinha apenas 218 asilos públicos, o que representava 6% da quantia total. As outras eram filantrópicas (65,2%) e privadas (28,2%). As instituições públicas e privadas abrigavam 83 mil idosos, a maioria mulheres. E nesse ritmo, a cada novo amanhecer, muitos Peris ainda terão que enfrentar novos desafios.
ABRIGO MUNICIPAL Localizada na rua Padre Luiz Müller, no bairro Bom Jesus, a ASAN possui atualmente 85 internos fixos. Desse total, seis são totalmente carentes e recebem atendimento de forma gratuita. A entidade é mantida por doações e por parte dos proventos de aposentadoria e pensão dos residentes (70% fica com a ASAN e 30% para as despesas extras do morador). A instituição fornece seis refeições diárias (oito para diabéticos), enfermagem, acompanhamento nutricional, dormitórios, medicamentos e supre as demais necessidades de atendimento aos idosos, como acompanhamento médico, odontológico, assistência jurídica, espiritual, etc. A entidade recebe idosos com mais de 60 anos. Abaixo dessa idade, somente com amparo ou medida de proteção encaminhada via judicial, uma vez que o Estatuto do Idoso e as leis que regem este serviço não permitem abrigamento antes dos 60.
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FOTO ISRAEL ORLANDI
SEM LIMITES PARA EMPREENDER
OUSADIA E ENTRETENIMENTO Casal veio de Porto Alegre para Santa Cruz em busca de mais segurança, mas sentiu falta de diversão. Decidiu, então, criar ambiente inédito na cidade MADHIELE SCOPEL madhiscopel@gmail.com
Empreendimento mescla jogos, música e boas risadas
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lexibilidade. Essa é a palavra que caracteriza um novo ambiente em Santa Cruz do Sul. Drinks, comida, karaokê, imagem e ação, fla-flu, UNO e muitos outros jogos que fazem aflorar a criança que habita dentro de cada um. “Se tu quiseres se arrumar e vir, tu podes. Se quiser vir direto do trabalho, pode vir e está tudo certo. É um ambiente para que todos possam se sentir bem”, diz Krishna Schneider, proprietária do Rock’n Play Lounge Bar. Ela e o marido, Rodrigo Teixeira, decidiram morar na terra da Oktoberfest para fugir da insegurança de Porto Alegre e
viram aqui um lugar para unir o estilo da cidade universitária com o aconchego de um lounge. De início, não imaginavam montar um negócio, mas sentiram a necessidade de ter um ambiente diferenciado para sair. “Somos relativamente jovens e gostamos de sair. Víamos que, ou a gente ia para a balada, que começa tarde, ou ia à uma choperia que é legal, mas é mais estática. A gente quis realmente criar um ambiente que preenchesse essa lacuna”, explica Krishna. Nasceu então, o primeiro filho: o Rock’n Play. Criar esta “criança” não foi tarefa
fácil. O casal ousou em unir dois ambientes que curtiam na Capital. Um contemplava aqueles que gostam de um lugar mais descolado e com jogos; outro era mais nobre, com mais conforto e um showzinho às vezes. Aí veio a ideia de criar algo, com uma “pegada” diferente, para que todos interagissem. E O NOME? Além de pensar em todo o ambiente, um detalhe “quebrou” a cabeça do casal: um nome que trouxesse o propósito do local. “Foi uma das coisas mais difíceis!”, atestou a proprietária. Em um papel pardo, todo nome que surgia eles anota-
vam. Era difícil, a ideia tinha que trazer a identidade deste “filho”, mas após alguns meses, bateram o martelo: Rock’n Play! Krishna explica que o “Rock” não veio do “Rock’n Roll”, mas do inglês, que significa “embalar-se”. “Play”, que todo mundo entende, é de jogar. “A ideia é de jogar e se embalar, no sentido de que é um ambiente dinâmico, que dá liberdade de movimentação. Como se diz, todo mundo tem uma criança dentro de si e isso aqui aflora muito”, sorri. O casal ainda quis trazer ao nome o “Lounge” pela ideia dos sofás; e “bar” por conta dos drink’s.
SEM LIMITES PARA A SUPERAÇÃO
NAVEGANDO EM ÁGUAS TRANQUILAS Após se ver sem saída pela relação com o álcool, Palito Cruz descobriu na canoagem um meio de salvar sua vida LURIAN SCHULTZ lurianschultz@gmail.com
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atividade desportiva pode fazer a diferença na vida das pessoas, seja tirando do sedentarismo, através do exercício físico, ou, até mesmo, dando oportunidade para aqueles que descobrem que possuem talento em alguma modalidade e acabam vendo no ato esportivo uma forma de obter vitórias, tanto pessoais como profissionais. Também há quem consiga unir as duas coisas, como é o caso do canoísta Paulo Ricardo Barbosa Cruz, o Palito, representante da Associação Cachoeirense de Canoagem e Ecologia. Natural de Cachoeira do Sul, ele tem 49 anos, cerca de 18 destes dedicados à prática da canoagem. Sua identificação com a natureza e com as águas é tamanha, que, há 12 anos, mora à beira do rio Jacuí. Palito diz não se importar com as cheias do rio, que fazem com que as águas ocupem a parte de baixo de sua residência - construída em três andares por isso -, e contesta aquele pensamento de que as águas de um rio são perigosas. “O rio não é traiçoeiro e não mata ninguém. As pessoas que querem fazer dentro da água o que não sabem e acabam se dando mal”, adverte. 6
FOTO DIVULGAÇÃO
Palito: “o rio não é traiçoeiro” Palito viu no esporte um meio de superação para os problemas que enfrentou na juventude. Ele sofria de alcoolismo. “Chegou um ponto que
ou me tratava ou me perdia de vez”, lembrou. Com a ajuda dos amigos e, principalmente, da mãe, o canoísta passou um período na Fazenda Esperança, em Rio Pardo, um centro de reabilitação que cuida de dependentes químicos. Após 40 dias internado, deixou a clínica, pois já se sentia totalmente recuperado. Então, comprou seu primeiro barco e começou os treinamentos no rio Jacuí. Em 2004, estreou em competições oficiais. Participou do Campeonato Gaúcho. Ficou em último lugar. Mas nem os resultados adversos o fizeram desistir. Como iniciou com uma idade avançada, Palito compete na categoria Master B, em que estão somente atletas acima de 45 anos. No Campeonato Brasileiro em 2018, venceu as provas nos 200, 500 e 1000 metros, trazendo três ouros para Cachoeira. Ele afirma que quer seguir disputando competições, mas adianta que as vitórias não são o seu objetivo principal. “Perder faz parte do esporte. Estar com o corpo em dia e de bem consigo mesmo é o mais importante.”, conclui ele, que disputará neste ano mais um Campeonato Gaúcho. A cidade ainda não foi definida.
SEM LIMITES PARA FAZER O BEM
A DUALIDADE DE UMA CAUSA A trajetória da ativista cachoeirense Lúcia Severo, marcada pelo resgate de animais e de si mesma GABRIEL RODRIGUES gabriel@tudoimproviso.com.br
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uem a vê hoje com semblante alegre, de boa aparência e sob nova perspectiva de vida, sequer imagina as dificuldades que a ativista Lúcia Severo enfrentou para salvar centenas de cães e gatos vítimas de abandono e maus tratos em Cachoeira do Sul. Símbolo da causa animal na região central do estado, Lúcia, aos 54 anos, dedicou seis deles integralmente à proteção, tratamento e encaminhamento de bichos, juntamente de uma rede de voluntários, na extinta sede da Associação Cachoeirense de Proteção Animal (Acapa). Ela, que iniciou o serviço voluntário voltado para animais no começo dos anos 2000, passou a recolher cães acometidos por doenças e ferimentos no município, abdicando de sua vida profissional e social. Em 2010, assumiu a presidência da Acapa, sediada em sua antiga moradia alugada no bairro Tibiriçá. Lá, chegou a viver em meio a quase 900 cães e gatos ao lado de seu falecido companheiro, tendo a sua vida completamente transformada durante este período. No limite do próprio descaso, dormia em um canil
ou então em um carro velho na rua e se alimentava de doações e sobras de alimentos. Assim, fora “engolida” pela causa, como descreve, convicta de sua escolha. “Não tenho vergonha da minha história. Fiz o melhor que pude pelos animais”, diz, sem perder o encantamento pelo mundo, publicando, nesse meio tempo, poemas autorais em livros e jornais locais.
Quero uma vida nova, e estou resgatando a mulher que a protetora de animais abateu por exigência da causa.
LÚCIA SEVERO ativista Lúcia fez dos animais seus grandes mestres e encontrou neles o significado do amor, da humildade e da lealdade. Valores esses que diz não ter observado em seres humanos. Ao perder o contro-
FOTO CARLA TRAININI/ JORNAL DO POVO
Lúcia Severo na presidência de ONG, em 2016. Período foi marcado por aprendizado com os animais
le da situação, ela chegou ao ápice da dependência emocional, até receber o diagnóstico de transtorno de acumulação. Em condições precárias, a ONG teve as suas portas fechadas em 2016, conforme determinação do Ministério Público. Para superar o transtorno psíquico, recebeu tratamento especializado e se firmou em sua fé cristã. Após ter feito o salvamento dos pets, agora se empenha em um novo resgate: de si mesma. “Quero uma vida nova, e estou resgatando a mulher que a protetora de animais abateu por exigência da causa”, afirma. Nomeada para um cargo em comissão (CC) da Prefeitura, segue atuando na causa, mas no Centro Municipal de Proteção Animal (Cempra), no distrito de Três Vendas. Além dos cerca de 240 bichos que presta assistência profissional, cuida de outros 12 cães em sua residência, e não pensa em exercer voluntariado. Mãe de três filhos, Lúcia reencontrou um amor do passado e vive uma nova fase. “Estou feliz com esta pessoa que me tornei”, comemora, prometendo jamais abandonar os animais. “Eu devo tudo a eles”, finaliza.
FOTO GABRIEL RODRIGUES
Reviravolta: ativista segue na conquista de uma nova vida
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FOTO MARCELA SCHILD
SEM LIMITES PARA AJUDAR O MEIO AMBIENTE
RESISTÊNCIA E PROTAGONISMO A história de luta por espaço, respeito e dignidade na profissão de catadora de lixo MARCELA SCHILD marcelaschildp@gmail.com
Vera Lúcia da Rosa: “para nós, o lixo é luxo”
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ulheres buscam, diariamente, os seus direitos, a igualdade de gênero e o reconhecimento em meio ao contexto patriarcal e opressor que estão inseridas. Mas, além das batalhas feministas que se acompanha nas ruas, nas redes sociais e nas mídias, existe a luta invisível de quem sequer é notada. Com as mãos enfiadas no que alguém julgou ser inútil e ganhando a vida sem o prestígio que se é ensinado a ambicionar desde a infância, elas andam pelas ruas de cabeça baixa, como se fossem sombras. As catadoras de lixo existem. Mais do que isso, resistem. Vera Lúcia da Rosa, coordenadora da Cooperativa de Catadores e Recicladores de Santa Cruz do Sul (Coomcat) tem nome, endereço e o rosto de quem precisou levantar e lutar todos os dias. Repre-
senta a beleza de quem é forte. Beleza que passa despercebida aos olhos de quem não compreende o significado da palavra empatia. A profissão que Vera desempenha gera o sustento da sua família e auxilia na preservação do meio ambiente. Ainda assim, quem pratica essa atividade é ignorado pela sociedade, fato que torna o trabalho árduo, complexo e desumano. “Todo mundo fala que lixo é lixo, mas, para nós, o lixo é luxo”, afirma Vera, sorrindo enquanto caminha em suas memórias. As feições revelam que o percurso não foi fácil. No entanto, ela sente orgulho do seu emprego e de tudo o que ele representa para o planeta. “A gente fica feliz em poder colaborar com a preservação do planeta e quanto menos lixo for mandado para o aterro, melhor. Quem lida com resíduo todos os
COMO SEPARAR O LIXO? | Separe lixo orgânico de reciclável. Restos de alimentos, sementes, guardanapos, papeis engordurados, cascas de frutas e legumes devem ser depositados em um recipiente específico. | Se você não sabe quais materiais são reciclados pelo centro de coleta da sua cidade e não conseguiu se informar devidamente, separe alumínio, papel, vidro, plástico, isopor, papelão e demais materiais secos (que não possuem origem animal ou vegetal) em uma segunda lixeira. Assim, os materiais serão encaminhados para a triagem e você facilita o processo de reciclagem. | Não descarte no lixo reciclável embalagens molhadas ou demasiadamente sujas. Isso pode danificar o restante do material, que perderá seu valor de mercado. | Se você possui horta, utilize seu lixo orgânico como adubo e reduza a quantidade de plástico que chega nos aterros para cobrir seu descarte. | O lixo utilizado nos banheiros não deve ser misturado com outros materiais. 10
dias sabe que a quantidade é muito com as tarefas domésticas, articulam grande, mas pensa: ‘não podemos a comunidade e transformam posireaproveitar quase nada por falta de tivamente seu entorno por meio da separação dos moradores’”, comenta conscientização. Vera. Grande parte dos centros de coA luta das mulheres que catam, leta, como é o caso da Coomcat, fazem a triagem, classificam e enca- são organizações independentes e minham os resíduos para a reenfrentam dificuldades ecociclagem vai além da busca nômicas e políticas para por condições humanas conquistar espaço e rede trabalho, precisam conhecimento, torenfrentar estereótipos nando a colaboração do resíduo e desrespeito todos os das pessoas essencial produzido dias. “O preconceito para sua existência. no país tem potencial para existe, tanto racial De fato, essas muser reciclado... quanto com a profislheres executam taresão. A gente não tem fas imprescindíveis para estudo, mas trabalha com a sociedade moderna, que respeito, sabendo que fazeproduz muito mais do que mos algo importante, reciclando. necessita e gera números alarmantes Quando estamos passando para re- de resíduos. Ainda assim, dentro da colher, muitos olham torto, desviam, hierarquia social que se vive, esse pensam que queremos pedir dinheiro serviço é categorizado como inferior, ou roubar a casa, mas a gente só quer e esses trabalhadores são reduzidos fazer nosso trabalho e ganhar o nos- a meros elementos: fazem parte da so dinheiro ”, conta. Ao longo dos paisagem urbana. É como se fossem seus 46 anos, aprendeu com a vida uma sombra: não são enxergados por tudo aquilo que não teve a oportu- um rosto, história ou dignidade. Renidade de estudar. “Fui somente até fletir sobre o destino do lixo significa a quarta série, mas aprendi muito compreender que existe alguém o com a vida”, desabafa, com utilizando como subsídio para calma, enquanto com(sobre)viver e ser responpartilha humildemente sável por tudo aquilo parte do conhecimento que se produz de modo ...mas, segundo que construiu empiriconsciente. o IPEA, somente camente. O descarte correto Cerca de 90% da de resíduos tem imdeste lixo vira reciclagem do país é pacto direto na vida outro item realizada através das de outras pessoas, bem mãos de catadores, como na preservação do conforme o Instituto de meio ambiente. Afinal, Pesquisa Econômica Aplio simples fato de separar o cada (IPEA). Deste número, mais lixo por orgânico, rejeito e seco de 70% são mulheres, negras, que transforma o trabalho de milhares vivem em situação de desamparo de pessoas, aumenta os índices de social e são chefes de suas famílias. reciclagem e diminui a quantidade Muito mais do que isso, são mulheres de material acumulado nos aterros que conciliam sua vida profissional superlotados.
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FOTOS ROSANA WESSLING
SEM LIMITES PARA O CONHECIMENTO
PARTE DA HISTÓRIA ALEMÃ ESTÁ AQUI Localizada no interior de Venâncio Aires, biblioteca guarda mais de três mil livros, alguns impedidos de serem lidos durante a II Guerra Mundial ROSANA WESSLING rosana.wessling@gmail.com
O
povoamento de Venâncio Aires foi por volta de 1800 pelos açorianos. Após, em 1860, chegaram os primeiros imigrantes alemães vindos de outras colônias e da Europa. Eles buscavam na cultura e na espiritualidade uma forma de “matar a saudade” de sua terra natal. Construíram, com isso, diversas sociedades nas localidades interioranas, criando espaços de leitura, canto, música, bolão e damas. Engana-se quem acredita que o município não mantém a cultura alemã fortemente ativa ainda hoje. Linha Andréas, 8º distrito de Venâncio Aires, abriga uma biblioteca comunitária dentro da Associação de Leitura, Canto e Jovialidade, construída em 1933. Mas, conforme o livro de fundação da sociedade, “Chronik des Gesang und Lesevereins Frohsinn Ober-Sampaio” (Fundação da Sociedade de Canto e Leitura Jo-
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vialidade de Alto Sampaio), no dia desde a vinda dos imigrantes ale3 de janeiro de 1892 foi fundada a mães, uma biblioteca com quase Sociedade de Canto Frohsinn, que quatro mil volumes, maioria em significa jovialidade. língua gótica”, conta. Ela revela O espaço cultural foi idealizado que quando os imigrantes vieram pelos imigrantes alemães e seus para o Brasil, não tinham outro descendentes, com raros livros lazer, a não ser ler e cantar. “Eles escritos em alemão e alemão trouxeram na bagagem livros. gótico. ConSempre penso forme a atual nessa questão. mantenedora Essas pessoas, As visitas eram adoradas da biblioteca, naquela époa professora ca, se preopelas crianças, já que aposentada cuparam em muitos livros em alemão Iolandi Flátrazer esses possuem uma folha muito via Schmidt, livros, levar brilhante, chamativa, com muitos livros a cultura na desenhos coloridos, foram encomala”, relata. e isso chamava mendados e A atual atenção deles. trazidos da b i bl i o t e c á Alemanha ria tem muiIOLANDI SCHMIDT pelos próprios tas histórias bibliotecária imigrantes para contar. que formaram São anos de a comunidade no século XIX. convívio, pesquisa e amor pela “Tem, no interior de Venâncio, memória do local. Iolandi tem uma comunidade que preserva, quase 40 anos de profissão. Na
escola Avaí, localizada praticamente ao lado da Sociedade de Linha Andréas, ministrou aulas de alemão. E, quando o ensino de língua estrangeira não era mais obrigatório, continuou de forma voluntária. “Levei muitos alunos para conhecer a biblioteca de pertinho. Também temos livros em português, o que facilitava. Mas as visitas eram adoradas pelas crianças, já que muitos livros em alemão possuem uma folha muito brilhante, chamativa, com desenhos coloridos, e isso chamava atenção deles”, lembra. Quando criança, o avô de Iolandi, seu Baldoino Schmidt, preservava o costume da leitura e o disseminava aos netos. “Meu avô tinha um salão de baile e sempre após as festas, antes de dormir, ligava a luz de querosene e lia livros da biblioteca. Quando ia visitá-lo, sempre me contava histórias. E aqueles livros na cabeceira me chamavam a atenção.
O meu gosto pela leitura foi adquirido com meu avô”, relembra. Em meio a gargalhadas, a professora conta que seu avô dizia que já havia lido todos os livros daquela biblioteca. “Todos os domingos pela manhã, ele enchia a mala e ia até lá fazer a troca dos livros, tudo a cavalo”, enfatiza. Iolandi transparece seu amor pela leitura e a facilidade com a língua alemã, até mesmo no gótico, em que a leitura é mais complicada devido às letras “mais desenhadas”. “Sempre disse para meus alunos: ‘ler é que nem escovar os dentes, um hábito’”. A professora, de descendência alemã e formada em Estudos Sociais e em Língua Alemã, faz questão de se aprofundar na história da biblioteca da qual exerce a função desde 2013. HISTÓRIAS POR TRÁS DAS PRATELEIRAS O acervo da biblioteca, quase na sua totalidade, é escrito na língua alemã e alguns na língua alemã gótica – atualmente, livros em português integram as prateleiras, vindos de doações. A Biblioteca Comunitária de Linha Andréas teve seu início ambulante, devido à falta de sede própria. O primeiro bibliotecário que consta na ata foi Otto Wazlawovsky. Em 1900 foram adquiridos os
primeiros livros provenientes das mensalidades e do aumento do número de sócios. Mas eles vieram de outros lugares também. Iolandi conta que, quando era professora, pessoas ligadas à cultura germânica “descobriram” que ela dava aulas em alemão e, por saber da existência e preservação da biblioteca, mandavam livros em containers da Alemanha. Hoje, devido ao fechamento da escola, ela lamenta que algumas obras foram extraviadas. Quanto ao número de livros na década de 40, atas comprovam que eram em torno de quatro mil volumes. Mas foi quando muitos se perderam que Iolandi soube contar a história de superação de alguns deles. Ela explica que nos anos da II Guerra Mundial, todos que falavam o dialeto alemão eram perseguidos. O exército descobriu a existência da biblioteca e as obras foram parar no porão do judiciário de Venâncio Aires. Em 1941, uma forte enchente atingiu o município e muitos exemplares foram perdidos, molhados e extraviados. Após alguns anos, os sócios foram até a sede da polícia e muitos livros retornaram às prateleiras da biblioteca. E esse retorno só foi possível devido ao conhecimento em restauração de alguns imigrantes e pelo zelo à cultura, conta Iolandi.
COMO CHEGAR B
BIBLIOTECA ALEMÃ VILA DEODORO
Acervo curioso e histórico Em sua maioria, as obras se volumes está guardada. caracterizam por serem esAntes muito utilizada, secritas na tipografia alemã gó- gundo Iolandi, hoje a bibliotica, referindo-se à literatura teca pode ser visitada aos fins de entretenimento e históde semana. Os livros, por ria, como romances, se tratarem de paromances policiais, trimônio cultural, contos, novelas, podem ser conA obra mais sexo, histórias sultados apenas antiga da infantis e expena biblioteca. biblioteca é de dições. Os livros “Atualmente não em português se acontece mais o caracterizam por empréstimo de literatura de enlivros, mas a cotretenimento e alguns munidade valoriza o sobre a história e geografia do espaço. Infelizmente não Brasil e do Rio Grande do Sul. frequenta muito, mas tem O acervo conta também um carinho e um zelo enorcom dicionários, exemplares me pela cultura preservada”, da revista Seleções, revistas sublinha. RDA (Revista da Embaixada Sobre o futuro, Iolandi da República Democrática espera que o acervo cultural Alemã na República Fede- continue sendo valorizado rativa do Brasil; revista Skt. e preservado. “É um acerPaulusblatt - revista em lín- vo peculiar. E essa cultura gua alemã, fundada em 1912, precisa ser mantida. Raríseditada em Nova Petrópolis, simas localidades do estado RS; e 19 Grablieder für Män- têm essa história do local nerchor (livro de canções fú- preservada”, conta ela, que nebres para coral masculino). diz que pesquisas apontam A obra mais antiga do acer- que a biblioteca é a única do vo é de 1881, cinco anos após a Vale do Rio Pardo com essas colonização de Linha Andréas características. “O dialeto pelos imigrantes alemães: dificulta o interesse dos jo“Bibliothek der Unterhaul- vens”, reconhece Iolandi, tung und des Wissens” (Bi- mas que espera que a história blioteca do Entretenimento seja valorizada. “Isso aqui e do Saber). São obras sobre não é patrimônio morto”, contos, novelas e histórias. arremata. Uma coleção de mais de 300
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S ER
Opção 1 saída de Venâncio Aires (ponto A), pela ERS-816, até a Biblioteca (ponto C).
ERS-422
MATO LEITÃO
3 45 SC
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Opção 2 saída de Venâncio Aires (ponto A), pela ERS-422, passando por Vila Deodoro, até a Biblioteca (ponto C).
VENÂNCIO AIRES
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INFORMAÇÕES TURÍSTICAS Quer conhecer esse patrimônio cultural de Venâncio Aires? Agende visita! Contato com a bibliotecária, pelo telefone (51) 3793-2622, ou com o presidente da Sociedade, Márcio Henckes, pelo (51) 3793-3434.
RSC-287 13
SEM LIMITES PARA CRESCER
NO CAMPO, UM TRABALHO DE ORGULHO A história da jovem que empreende na agricultura, mas não largam o aconchego da família JULIANA BRITO julianabrito45@hotmail.com FOTO JULIANA BRITO
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heia de verde à volta, árvores de todos os lados e casas com molduras germânicas antigas. Os únicos sons a serem ouvidos eram o canto dos pássaros e o sino da igreja, com um leve toque agradável aos ouvidos. O vento que tocava ao rosto era puro e suave. Estradas de chão batido, em que a poeira se perdia a uma natureza exuberante e cheia de calmaria. Só se via tranquilidade. É neste sossego que muitos jovens santa-cruzenses escolheram viver. Segundo o Censo Agropecuário 2017 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 89 jovens moradores de Santa Cruz do Sul residem e trabalham no campo. Nessa vida cheia de quietação, Patrícia Nichterwitz, de 20 anos, escolheu viver e tocar seu negócio. Ela, que reside em Linha João Alves, interior de Santa Cruz do Sul, resolveu continuar sua vida bem longe da agitação, dos prédios altos e das lojas e bares que uma vida na cidade tem a oferecer. A prioridade para ficar perto de seus pais foi a qualidade de vida. A zona rural de Santa Cruz é um ambiente aproveitado para o empreendedorismo, principalmente para aqueles que nasceram e cresceram nessa região. Hoje, muitos deles são estimulados a usar o conhecimento que adquiriram com a família como aprimoramento para a renda e a produção no meio agrícola, além de colaborar para o crescimento do comércio rural na região.
De acordo com o IBGE
13.246
jovens, com idades entre 18 e 30 anos, estão na zona rural do Rio Grande do Sul
Patrícia Nichterwitz escolheu sossego do campo para viver 14
O trabalho no campo apresenta oportunidades de crescimento constante. Esse avanço tem a ver com o aumento no uso da tecnologia no plantio. Os produtores têm investido em irrigação e máquinas agrícolas. O uso desse conhecimento faz toda a diferença e mantém o negócio lucrativo às famílias no campo, produzindo mais e valorizando seus produtos. Foi desta forma que Patrícia resolveu continuar morando no interior e abrir seu próprio negócio. Quem não a conhece, nem imagina que aquela pele sem manchas de sol esconde a responsabilidade por toda a produção de verdura, na propriedade dos pais. Patrícia participa de todos os processos, desde a preparação da terra até a colheita. Sobre o processo de plantação de suas hortaliças, Patrícia explica que, primeiramente, a terra é preparada com esterco de galinha, porco ou vaca e, após, plantam-se as mudas. “Depois de algum tempo, muitas vezes, as plantas podem começar a criar fungos [pelo desequilíbrio da terra, já que os nutrientes necessários foram embora]”, diz. “Então, é
preciso fazer rotação de cultura. Onde tinha alface plantado, se planta outra variedade de verdura”, explica. Colocar calcário é o que repõe os nutrientes que a terra precisa. Quem vai até a residência de Patrícia logo se depara com uma plantação impecável. Lá, tudo é feito com capricho. Os canteiros onde estão as mudas são todos milimetricamente pensados e limpos. Tem aipim, batata, morango, cebola, alface, salsa, rúcula, couve-flor, brócolis, abobrinha, agrião, cenoura, beterraba, couve, cebolinha, rabanete, entre outras. São muitos os motivos para permanecer no campo. Entre eles, Patrícia ressalta: “o que fazer com tantas pessoas que têm estudo e faculdade se há poucas oportunidades de empregos? Há mais pessoas para trabalhar do que o necessário, e o campo é algo que quase ninguém quer mais ficar, acredito então que futuramente será uma profissão
muito valorizada”, comenta. O trabalho é árduo. Com pouco descanso, quando Patrícia não está plantando, capinando ou colhendo, está na feira. Sorte dela que sempre tem ajuda do irmão mais novo, Gabriel Nichterwitz, que, quando não está estudando, ajuda no cultivo e na venda dos produtos na feira. Segundo a jovem, no processo de plantio de suas verduras há o cuidado para não se aplicar agrotóxicos, pois o uso pode causar problemas ao consumidor. “Usamos mais produtos naturais que não fazem mal à saúde. Desde a plantação até chegar à mesa do consumidor, temos o máximo de cuidado”, evidencia. De acordo com o IBGE, 13.246 jovens, com idades entre 18 e 30 anos, estão na zona rural do Rio Grande do Sul. Santa Cruz fica em 28º lugar no ranking das cidades que mais se tem jovens empreendedores.
O secretário de agricultura do município, Elo Schneiders, diz que o jovem tem papel muito importante no meio rural. “Ele é responsável pela sucessão da propriedade, garantindo a continuidade da produção por gerações futuras. O grande desafio para o poder público e as entidades que de alguma forma estão ligadas a este setor é oferecer políticas públicas para manter estes jovens no campo. Além da garantia de uma renda mínima, precisamos investir em qualidade de vida, boa infraestrutura, lazer, educação e saúde no meio rural”, salienta. Aquele pedaço de terra, mesmo pequeno, mas que gera renda e tem impacto nos números do agronegócio local e da produção de alimentos, precisa ser mais visto. Hoje, Santa Cruz conta com seis pontos de feiras rurais: atrás do Fórum; na Oktoberfest; no Arroio Grande, perto da passarela; no Senai; e na Avenida Independência, próximo à Unisc.
SEM LIMITES PARA O AMOR
UM SONHO QUE EXIGE PACIÊNCIA A espera dos que querem formar uma família e daqueles que, nos abrigos, aguardam um novo lar AMANDA ADAM amandaadamprojetos@gmail.com FOTO LUCAS BATISTA
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ristiano e Elisandra queriam ser pais. quero desse jeito, não quero desta forma. Tu Sonhavam ter em casa um sorriso de que vai escolhendo”, cita. O encaminhamencriança, um quarto cheio de brin- to das crianças até que sejam efetivamente quedos e alguém pra chamar de filho. As adotadas pode demorar anos. Quanto mais tentativas de gravidez, pelo método natural, requisitos o casal tiver, maior a demora. Hoje, foram muitas. Mas sem sucesso. Buscaram 2.730 crianças e adolescentes estão à espera de inseminação artificial, entraram na lista da um lar em todo o Brasil, segundo o Cadastro adoção enquanto aguardavam ansiosos por Nacional de Adoção. um novo integrante da família. A primeira vez que Cristiano e Elisandra Assim como eles, a esperança transpõe os viram a menina foi por meio da assistente socorações daqueles que aguardam anos por cial, que os chamou ao fórum para conversar uma ligação da assistente social, trazendo boas e mostrar algumas fotos. Assim que os olhos notícias. “Não desista, tenha paciência” são do casal foram ao encontro das imagens, a expressões que permeiam a mente de muitos resposta foi imediata: seria a filha deles. A casais que estão à espera de realizar o pequena estava na Copame desde os seu grande sonho: se tornar pais. quatro dias de vida. No caso do dentista Cristiano No encontro deles pessoalEstão no Cadastro Mueller, a vontade de adotar mente, Marina possuía um Nacional de Adoção teve influencia forte de um timbre de voz tímido, uma exemplo de família: sua irmã. fala enfraquecida. A psicóloga crianças e Na época dessa adoção, não relatou que era apenas um meadolescentes havia toda a burocracia de hoje. canismo de defesa da pequena e, Em alguns casos, quando a mãe na medida em que ela se sentisse não queria o filho, o entregava ao segura, iria mudar. Foi exatamente Juizado da Infância e Juventude, assio que aconteceu. Quando chegou em nava a papelada e ia embora. Mas, atualmente sua nova casa, uma voz completamente dinão funciona assim. A supervisora técnica ferente tomou conta dela - um timbre bem da Associação Comunitária Pró Amparo do mais elevado. Menor (Copame) de Santa Cruz, Deise Lamb, A adaptação no novo lar foi mais fácil para relata que as famílias que possuem interesse de ela do que para os pais. O casal já havia se adotar passam por uma avaliação psicológica preparado caso a noite ela caísse em choro, e sobre as crianças é aplicado um relatório por sentir falta de seus amigos ou até de multiprofissional composto pela equipe téc- sua própria cama. Mas, ao contrário do que nica da instituição. imaginavam, às 21 horas, ela olhou para eles Cristiano enfrentou algumas situações e disse: “tô com sono, quero dormir”. Atendesconfortáveis ao preencher esse formulá- dendo ao pedido, a levaram até o quarto e com rio. “É muito ruim fazer o cadastro, porque sua chupeta, apenas pediu para que fechasse parece que tu tá comprando um carro. Eu a porta. Ela dormiu, contam os pais, a noite quero com isso, não quero com aquilo. Eu toda, tranquilamente.
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Adoção: um ato de amor EDUCAÇÃO Ao contrário do que acontece com muitos casais que adotam, Cristiano tem um pensamento diferente quando o assunto é educação. “Uma coisa bem importante pra mim é não idolatrar o filho adotado. Tem muita gente que chega aqui e pergunta: ‘é tua filha’? Eu digo: ‘é’. ‘Poxa, é a tua cara’ eu digo: ‘obrigado!’, conta. “Morre ali. Eu não falo: ‘ah, mas ela é adotiva’. Não supervalorizo isto”, acrescenta. Marina também recebe seus castigos, como cadeira do pensamento quando desobedece. Não é porque passou por diversas dificuldades, frisam os pais, que deve ser tratada de forma diferente, por pena. A guarda definitiva da menina é do casal Cristiano e Elisandra. Em novembro fará um ano que ela está com a família, arrancando sorrisos por onde passa. 15
SEM LIMITES PARA A IGUALDADE
CICLISTA E BICICLETEIRO: QUAL A DIFERENÇA? O esporte que serviria para unir as pessoas está dividindo os que pedalam por lazer e aqueles que usam como sua única opção de transporte
Santa Cruz tem
13 km de ciclovias espalhadas por vários bairros
MATHEUS PRESTES matheusprestes95@gmail.com FOTO MATHEUS PRESTES
AS CICLOVIAS Santa Cruz do Sul possui 13 quilômetros de ciclovias: | Na avenida Paul Harris, esquina do Hipermercado BIG até a esquina da antiga Faccin bicicletas; | Na rua Barão do Arroio Grande, esquina com a Euclydes Kliemann até a sede da Aliança | Na estrada Dona Carlota, no bairro Harmonia. | Na Avenida Presidente Castelo Branco, logo após o posto da Brigada Militar até a Philip Morris, no Distrito Industrial. Jean Moreira vai de bicicleta ao trabalho, mas não usa roupas específicas
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sociedade está cercada por veículos, sejam eles motorizados ou não. Nas grandes cidades, somente em situações especiais ou pessoas humildes que andam a pé. Por isso, todos passaram a se preocupar com o trânsito, espaço dividido entre condutores e pedestres, em que cada um tem seu direito, compromisso e responsabilidade. Santa Cruz tem 13 quilômetros de ciclovias, segundo a Prefeitura, que ligam os bairros Arroio Grande e o Distrito Industrial ao Centro. A pista facilita a locomoção e dá segurança aos ciclistas nos horários de fluxo. Quem usa roupas específicas e tem uma bicicleta mais cara que as tradicionais costuma ser chamado de ciclista. Os demais, de bicicleteiro. E foi essa distinção que levou o estudante de engenharia da computação Jean Moreira a desistir de grupos de ciclismo. “Teve um dia que um pedreiro morreu atropelado enquanto pedalava de volta pra casa e alguém compartilhou a matéria no grupo do Whats do pessoal que eu saía de bike, e eles culparam o cara por não usar capacete, como se a vida dele não fosse
tão importante” conta Moreira. Faccin Bicicletas. O santa-cruzense Mas será que existe uma diferença diz que WhatsApp facilitou a marcaentre estes dois estilos de ciclistas? ção de eventos. No passado, há quase A bicicleta é um duas décadas, para meio de transporagendar um paste eficiente, baraseio, lembra ele, to e que não polui era preciso fazer Um pedreiro morreu o meio ambiente. uma ligação por atropelado enquanto Entretanto, apretelefone fixo. Hoje, pedalava de volta pra casa senta-se como um tudo é mais rápie alguém compartilhou a meio vulnerável, do. O que mudou frente ao trânsito matéria no grupo do Whats também foi o uso do pessoal que eu saía de caótico que Santa de equipamentos Cruz está se trans- bike, e eles culparam o cara de segurança. Facformando. Devido cin frisa que os cipor não usar capacete, à popularização clistas que entram como se a vida dele não da bicicleta, gruno grupo devem se fosse tão importante. pos de ciclismo adequar às regras. começaram a surQuando esse JEAN MOREIRA gir e reunir dezegrupo sai para estudante universitário nas de amantes do pedalar, todos se esporte. mantêm um atrás São encontros semanais que acon- do outro, no canto direito da pista, tecem depois do horário de traba- como determina o Código de Trânlho. Na maioria, os ciclistas vestem sito Brasileiro (CTB). Neste percurso, suas roupas específicas, como luvas, cruzam por outros grupos de ciclistas capacete e luzes de sinalização. O profissionais que estavam treinando último item é obrigatório para poder em alguma rodovia que contorna pedalar junto a estes grupos. Giovane Santa Cruz, ambos levantam os braços Faccin é ciclista e proprietário da como cumprimento.
Durante esse horário, tem outros ciclistas pelo caminho, mas o tratamento, às vezes, é diferente, pois esta pessoa está pedalando uma bicicleta mais antiga, vestindo seu uniforme de trabalho. A realidade entre os dois grupos de ciclistas - os que pedalam por hobby e os que usam a bicicleta como principal meio de transporte - é muito distante. O servente de obras Carlos Foz da Silva mora no bairro Pedreira e vai trabalhar de bicicleta, seja em dia de chuva ou de sol. “Tenho que estar nela, não é por opção, é o único jeito de ir trabalhar,” comenta Carlos. Ele ainda diz que quando volta de algum serviço e cruza por grupos de ciclistas, são raras às vezes em que é cumprimentado. Embora o uso da bicicleta seja diferente entre os ciclistas, o comum é que é o trânsito de Santa Cruz está tomado por motoristas que desrespeitam os ciclistas e os bicicleteiros e não “dão bola” quando dividem a mesma rua. Portanto, independentemente da classe ou estilo de pedalar, devem-se unir para formar um trânsito forte e igual a todos.