Unicom 2018/1

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EDITORIAL

O plural que faz sentir

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e todos fomos peças que não se encaixavam, na primeira edição do Unicom deste semestre, hoje somos peças que não precisam se encaixar. Na segunda edição do jornal-laboratório, nossos amores, nossas curiosidades e nossas palavras foram impressas para despertar sentimentos. Sejam elas quais forem, essas emoções estão ditas em cada termo, em cada fotografia e em cada elemento gráfico. Como a nossa capa sugere a você, nosso leitor, existem diversas opções de sentimentos disponíveis durante a leitura. Você viajará por dores, amores, vocações, histórias e desafios. Mas você não precisa fazer este trajeto sozinho! Será acompanhado por cada um de nós, por cada uma das sensações vividas durante a produção deste jornal. Sinta! Permita-se aproveitar este caminho. Hoje, não somos mais um quebra-cabeças: somos independentes. Por não seguir um tema, este Unicom é plural. E por não ser singular, o torna-se. Assim, sem muita razão de ser, este jornal se formou único por sua principal função: fazer sentir. Nossas cores, elementos gráficos, textos e fotos querem te levar por entre os mais diversos pensamentos. O que podemos te desejar é que sinta-se à vontade, relaxe e desfrute de um jornal feito para você. Singular e ainda assim plural, diverso e único. Que você aproveite esta caminhada e que lembre de viver cada momento. Acima de tudo, permita-se sentir. Equipe Unicom ERRATA

Acesse as mídias sociais do Unicom: fb.com/unicomjornal blogdounicom.blogspot.com.br

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Na edição anterior do Unicom, o volume informado (34) está incorreto. O volume da edição é, na verdade, o 35.


A EQUIPE

Gabriela Etges

Demétrio de Azeredo Soster

Taís Dörr Fortes

Naiara Beatriz Silveira

Professor orientador

Editora e repórter

Sub-editora

Editora gráfica e repórter

Giovana Brasil

Letícia Santos

Vagner Cerentini

Andriele Batista

Editora fotográfica e repórter

Revisora e repórter

Revisor e repórter

Repórter

Bruno de Azevedo

Jéssica Ferreira

Luiza Goulart

Matusalém Zago

Repórter

Repórter

Repórter

Repórter

Turma de Produção em Mídia Impressa 2017/2 Sarana Fonseca

Repórter

Taísa de Franceschi

Taliana Hickmann

Repórter

Repórter

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EVENTO

Lançamento do Unicom Conflitos reúne profissionais para debate Gabriela Etges

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Fotos: Mariana Amorim

edição passada do Jornal Unicom, produzida em cima do tema “Conflitos que transformam”, teve o lançamento oficial na noite de 27 de novembro, em um evento onde o assunto central da publicação foi debatido. Mediado pelo professor Demétrio de Azeredo Soster, o debate iniciou após as 19h30, no auditório do Memorial da Unisc, e teve como convidados à mesa o jornalista Rodrigo Lopes, a psicóloga e socióloga Gabriela Maia e o sociólogo e

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professor Luiz Augusto Campis. No primeiro momento, os três convidados tiveram a oportunidade de falar sobre conflitos que transformam – para o bem ou para o mal – a partir das perspectivas profissionais e pessoais de cada um. Quem deu início a essa fase foi Gabriela, que tratou majoritariamente sobre questões de gênero e a violência acerca disso. Dando sequência, com uma perspectiva mais sociológica, Luiz Campis falou sobre a Teoria do

Conflito Social, de Karl Marx, relacionando-a com a realidade. Para finalizar, Lopes fez uma breve apresentação sobre a atuação como repórter internacional, apresentando vídeos e fotos das coberturas que fez de conflitos do Oriente Médio. Após as falas individuais, foi a vez de o debate, de fato, começar. O professor Demétrio abriu a fala ao público do evento, que teve a chance de fazer perguntas e dialogar com os convidados acerca de questões que

contemplavam tudo o que havia sido apresentado por eles até então. Com a abordagem de temas políticos, sociais, midiáticos, entre outros, a noite proporcionou uma troca de ideias muito interessante entre os profissionais, professores e alunos. A ocasião foi promovida inteiramente pelos alunos da disciplina de Produção em Mídia Impressa, com auxílio do professor da disciplina e da coordenação do curso de Comunicação Social da Unisc.


OPINIÃO

Você é contra o aborto? Giovana Brasil

“É

lindo de ver uma nação em prol de um objetivo.” Bonita essa frase, não é?! Seria, se não houvesse tantas pessoas “dando pitaco” no que não lhes diz respeito. Acredito que o aborto é um tema a ser discutido sim, mas você nunca vai entender verdadeiramente um problema se não tiver sentido ele na pele. Lembre-se, o que deve ser discutido é o direito que é de cada um, de decidir o que fazer com o seu próprio corpo. Seria cômico, se não fosse trágico: pessoas religiosas colocando em seus perfis nas redes sociais que “antes de abrir a boca para defender o aborto, tente fechar as pernas”. Pessoas essas que vivem pregando o amor ao próximo. Você vive a vida de uma pessoa que fez aborto? Se a resposta for não, então você não sabe o que essa pessoa passou. Você nunca vai saber como realmente é uma situação até ter que

vivê-la, sentir na pele, aí sim você estará apto a dar opiniões sobre. O artigo 128 do Código Penal, Decreto Lei 2848/40, afirma que “não se pune o aborto praticado por médico, nas seguintes condições: I - se não há outro meio de salvar a vida da gestante; Aborto no caso de gravidez resultante de estupro; II - se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.” O mais irônico de tudo, é que a comissão responsável por rever esta lei é composta quase que totalmente por homens. Cidadãos esses que jamais vão precisar passar pela escolha de fazer aborto ou não. Como se não pudesse ser pior, estes seres sem útero estão querendo fazer com que o aborto seja crime em qualquer situação, indiferente de a mulher es-

tar correndo risco de vida ou se a gravidez é fruto de estupro. Ou seja, eles querem voltar no tempo. É triste ter que ler esse tipo de notícia em pleno século XXI. É triste saber que os representantes do povo brasileiro estão retrocedendo e querendo mudar algo que já foi decidido. E o pior, saber que esta mudança é uma maneira de voltarmos várias casinhas no jogo da evolução humana, como se não nos importássemos com as vidas que se perdem na clandestinidade. Não temos como saber o que se passa na cabeça de algumas pessoas, e como diz o ditado “cada cabeça, uma sentença”. Mas é complicado ficar indiferente quando essas decisões afetam uma grande parte desfavorecida da população, como mulheres sem voz, de periferia ou sem privilégio algum. Não estou dizendo que é correto fazer aborto; acredito que cada um

sabe o que é melhor para sua vida e sua consciência. Se alguém praticar um aborto e viver bem com isso, beleza. O que precisa ser entendido é que em alguns casos o aborto se faz necessário, para que menos vidas sejam perdidas, pois as cirurgias seriam feitas de modo correto e com todo o cuidado necessário. Evitando mortes e contaminações, que ocorrem aos montes nas clínicas clandestinas. Esse tema é bastante amplo e complexo, então pense bem antes de semear ódio ou discórdia nas redes sociais. Pense e repense a sua opinião, pois as suas palavras podem ferir alguém próximo, ou afastar pessoas que você gosta e que não compartilham da mesma ideia. Antes de qualquer coisa, tenha empatia pelo próximo. Você é contra o aborto? Não aborte.

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DOENÇAS CRÔNICAS

Combatendo novos desafios a cada dia Taliana Hickmann

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e a dor no corpo e o mal-estar de uma gripe são sintomas que incomodam, há outras doenças que farão você pensar melhor antes de reclamar de um resfriado. Dores agudas na coluna (lombalgia), nas nádegas (sacroilíacas) ou nas articulações (ombros, quadris, joelhos e tornozelos) – que se intensificam a noite e ao acordar - são incômodos sentidos diariamente pelos portadores de Espondilite Anquilosante (EA). “É uma doença caracterizada por provocar um processo inflamatório nos tecidos conjuntivos (articulações e tendões). Tem causa desconhecida e um fator genético facilitador, o HLA-B27”, explica a reumatologista Daniela Silva da Rocha. Marli Dhiel, 47 anos, descobriu ser portadora da EA em 2014, mas desde os 15 anos consultava médicos traumatologistas para descobrir a causa das fortes dores, sem um diagnóstico correto. “Aos 18 anos um médico disse que eu tinha a doença do 6

corcunda (sem cura) e que ficaria com a coluna curvada”, conta. Outra vez, lhe disseram que seu joelho parecia uma esponja e teria de operar. Esse diagnóstico foi proferido sem a paciente realizar teste algum – a Espondilite pode ser diagnosticada através do exame de sangue. Daniela explica que, em muitos casos, a descoberta é tardia, gerando sequelas e deformidades articulares irreversíveis. Assim como a Espondilite Anquilosante, existem outras doenças crônicas – que persistem por períodos superiores a seis meses e não têm rápida resolução -, como a Fibrose Cística, a Anemia Falciforme e a Distrofia Muscular. Elas mudam a rotina de pacientes que buscam, através de tratamentos, a melhora na qualidade de vida e a diminuição de sintomas, dores e sequelas. A desinformação dificulta tanto o diagnóstico precoce quanto a aceitação do paciente. “Muitas pessoas procuram

informações na internet e acreditam que tudo o que leem sobre a doença se manifestará nelas”, comenta a reumatologista. O trabalho realizado pela Rede Pública de Saúde nos municípios também é fundamental para debater e conhecer mais sobre essas patologias. A coordenadora da Atenção Básica de Vera Cruz, Daniela Elâne Roehrs Schneider, conta que é sempre mais difícil conscientizar sobre doenças raras. “Nas ações de conscientização, tratamos das enfermidades mais recorrentes entre a população. Se abordássemos doenças raras, pode ser que não se identificassem casos assim”. Ela explica que, devido a grande demanda da Rede Pública de Saúde, não há como alertar sobre todas as patologias. Quando a médica Daniela diagnosticou Marli, alertou que havia chances, não superiores a 15%, de suas filhas também serem portadoras da Espondilite Anquilosante - a proba-

bilidade de crianças gerarem a doença sem essa condição genética é de 85%. Meio ano depois, em 2015, após realizar os exames, Patrícia, 24 anos, e Letícia, 21 anos, também foram diagnosticadas. Letícia relata que, ao descobrir, sentiramse mais aliviadas do que preocupadas. “Passamos tantos anos com dor, sem saber o que era e agora ficou mais fácil de tratar.” Conviver com uma enfermidade incurável não é fácil: há muitas privações e perda na qualidade de vida. “Não podemos fazer nada com impacto ou ficar muito tempo em uma única posição”, compartilha Patrícia. Ela e a irmã fazem pilates para alongar o corpo e manter os movimentos - com o tempo o paciente pode perder autonomia para realizar ações simples. Daniela explica que, além do tratamento medicamentoso, são indicadas a fisioterapia e a natação, como um programa de exercícios posturais e respiratórios.


Arte: Taliana Hickmann

Acompanhamento pelo SUS

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uando alguém procura o Sistema Único de Saúde (SUS) no município onde reside, seja por meio da Estratégia de Saúde da Família ou da Unidade Básica, é examinado pelo clínico geral, que o encaminha, se necessário, para a realização de exames. “Os clínicos e laboratoriais e as ecografias são feitos em Vera Cruz e os mais especializados dependem se temos ou não referência”, explica a enfermeira Daniela Rohers Schneider. Na sequência, o clínico destina o paciente a um médico especialista, de acordo com os sintomas identificados, preenchendo a referência e a classificação de risco de vida. “Esses encaminhamentos são analisados pela equipe do Estado, que avalia a gravidade, se o médico

solicitado é o correto ou se o caso deve voltar para o clínico geral”, diz Daniela. Se o paciente necessitar consultar uma unidade de referência do SUS fora da cidade, o transporte é fornecido pela prefeitura. A dificuldade no diagnóstico de algumas patologias se dá porque os sintomas são muito parecidos ou iguais aos de outras doenças, o que leva ao tratamento incorreto, em alguns casos. A enfermeira pondera que se busca, inicialmente, pelas doenças que atingem grande parte da população e, por isso, o médico pensa em um tratamento na primeira linha. “Quando o paciente não melhora, não retorna para atendimento.” E, assim, não se consegue traçar uma nova alternativa. A medicação é parte im-

portante do tratamento e, apesar de em certos casos ser cara, é possível consegui-la gratuitamente. Para isso, o paciente deve ir à Farmácia Básica Municipal, com a receita médica do SUS e verificar se o remédio consta na lista de medicamentos disponibilizados pela Relação Municipal de Medicamentos Essenciais (REMUME), definida através da Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (Rename) e a qual componente ele pertence. Daniela Schneider conta que estes remédios são divididos em blocos de financiamento da Assistência Farmacêutica. “Há uma lista de responsabilidade do município (Componentes Básicos) e outra que compete à Secretaria Estadual de Saúde (Com-

ponentes Especiais e Especializados)”, explica. Se o medicamento não consta nestas relações, o cidadão pode recorrer à justiça. “Neste caso, se o componente não é fruto de pesquisa, os pacientes têm grandes chances de ganho de causa”, complementa Daniela. Para buscar informações sobre o fornecimento de medicamentos gratuitos na cidade onde reside, é indicado que a pessoa procure os postos de saúde, a Secretaria Municipal de Saúde ou a Farmácia Municipal. Assim, é possível consultar se o remédio de que necessita está à disposição na relação municipal ou receber as orientações de um profissional sobre como adquiri-lo. Mas é importante lembrar que este serviço é disponibilizado apenas a pacientes assistidos pelo SUS. 7


LAVA-JATO

Um exemplo de que o país pode funcionar Leonardo Pereira*

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ouco mais de três anos, incríveis quatro bilhões de reais retomados, 198 condenações. Os dados da Operação Lava-Jato comprovam a sua eficácia e importância nesse último período para o Brasil. Podemos chamá-la de uma “limpeza”, que procura a fundo os responsáveis por tornar o Brasil o que é hoje. Por que a Lava-Jato é um exemplo? Simples, na história contemporânea do Brasil sempre foi impossível condenar pessoas do alto escalão do governo, impossível até mesmo investigar tais indivíduos. Com isso, o país mergulhou em uma profunda crise, boa parte derivada dos casos de corrupção envolvendo a maioria dos políticos. As cifras vão além dos quatro bilhões citados, chegam a impressionantes 10 bilhões de reais em processo de retomada e 3,2 em bens

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bloqueados. Além de limpar, outro destaque da Operação é o seu estilo justiceiro, declarando guerra contra pessoas poderosas do país, batendo de frente. Se alguém chegar neste exato momento no Brasil, pode achar que a Lava-Jato é algo comum. Bom, em tese é apenas mais uma investigação, confere? Não, ela serviu para abrir os olhos da população, desmistificar personagens idolatrados por parte da nação. Ajudou a dividir ainda mais o país? Sim, porém de uma maneira que pode ser considerada positiva. Não investigou apenas um lado, pelo contrário, “atira” para cima de todos e consegue resultados. Existe divisão por questões partidárias, no entanto, ninguém é contra a Lava-Jato. É muito mais do que as 89 pessoas condenadas pelo juiz Sérgio Moro, muito mais do que os cinco parlamen-

tares réus no STF, mais do que os 260 inquéritos policiais. A LavaJato assusta pessoas relevantes do governo. O exemplo das delações premiadas demonstra isso, já que são mais de 127 acordos assinados. Não existe amizade ou partido que suporte uma condenação ou pressão da Operação. Alianças de governo são desfeitas e com isso os “podres” são descobertos. A cada dia, alcançando um nível mais alto. Indiretamente, serve também como esperança para uma população desacreditada. O brasileiro vê na Lava-Jato uma chance de mudança, uma oportunidade de reforma. Vê nela um país que funciona, um país que tem futuro, um país que não aceita a impunidade, um país que todos esperam. Com isso, a Operação Lava-Jato tornou-se mais que uma investigação. Ela é o início do

fim para a impunidade que assola o país, é um raio de esperança para uma população que não via fim na bola de neve de corrupção. É um exemplo de que o Brasil não acabou, mesmo que vários políticos tenham o levado para um abismo difícil de sair, ainda é possível a recuperação. Para que essa recuperação aconteça, é preciso outras “Operações LavaJato”, e que a própria siga dessa maneira até chegar ao último envolvido em corrupção e afins, tarefa extremamente complicada, contudo, que parece plausível relembrando tudo o que já foi feito. Quem diria, o exemplo de que o Brasil funciona vem de uma investigação por parte da Polícia Federal. Aceitável, pensando no que o país se tornou.

*Aluno da disciplina de Jornalismo Impresso II


VOCAÇÃO

O amor por ensinar e transformar histórias Giovana Brasil

Arquivo pessoal

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rofessor. Quem nunca teve um na vida? Uma profissão digna de louvor, essencial para a humanidade. Ainda mais intrigante do que os motivos que levam à escolha por essa atuação, é quando o amor por ensinar passa de geração em geração - levando em consideração que as coisas andam bastante complicadas para estes profissionais. Antigamente, o educador era visto como uma autoridade, não só na escola, mas em toda a comunidade. Atualmente, a impressão é de que tudo mudou e que a profissão evoluiu juntamente com os desafios e dificuldades que estes profissionais têm de enfrentar. Amor por ensinar e por formar cidadãos de caráter. Isto que move a grande maioria dos educadores. Sentimento esse, que motivou Michele Barreto Jann, 34 anos, a se tor-

Michele: “Eu trago a música para dentro da sala de aula para que as crianças sintam mais prazer em estudar”

nar professora. Ela viu, desde cedo, este amor na família, percebendo o carinho que sua mãe, também docente, recebia dos alunos. Como se não bastasse o exemplo da mãe, Michele contava ainda com o apoio da avó materna, que sempre amou e respeitou esta profissão. Incentivos não faltaram para que ela se tornasse uma excelente profissional e muito apaixonada por aquilo que faz.

Já a mãe, Marta Barreto Jann, 60, não tinha toda essa vontade em se tornar educadora, mas por um acaso do destino trabalha nas salas de aula há quase 28 anos. “Lá em casa a profissão foi passando de geração em geração”, conta. Foi por meio da convivência com a escola e os alunos que o amor pela profissão foi surgindo. Hoje, poucos passos longe da aposentadoria, a rotina é um pouco diferente,

mas a paixão continua. Os alunos mudam com o passar dos anos, as gerações se renovam e pais e filhos passam pelas salas de aula… mas o amor por educar é uma presença diária na vida de Marta. E porque não aliar dois amores? Além do amor que Michele tem por ser professora, ela nasceu com o mesmo sentimento em relação à música. E o melhor de tudo: ela consegue juntar 9


Arquivo pessoal

Hoje em dia, Marta passa por todas as turmas da escola como substituta

essas duas paixões e fazer a alegria dos seus alunos. “Eu trago a música para dentro da sala de aula, fazendo com que as crianças sintam mais prazer em estudar, pois sabem que também aprendem música”, relata. Além de deixar a aula mais divertida, a professora acaba encontrando pequenas estrelas. “Faço com eles um trabalho com canto/coral que eles amam participar. Acabo descobrindo alguns talentos e alguns também acabam querendo aprender a tocar violão.” Além disso, ela consegue chamar mais atenção para os conteúdos ensinados, considerando que, “com a música, os alunos ficam mais concentrados nas aulas.” 10

Com música, atividades lúdicas, violão ou da forma tradicional, não há dúvidas de que o professor é extremamente importante para a sociedade. Para Marta, “o professor é a chave mestra de tudo, pois, embora pouco valorizado, ainda é muito importante.” O dom é fundamental. “Ser professor é uma vocação que tem que nascer contigo. Você tem que gostar, tem que se doar.” Já a filha, Michele, acredita que “o professor é o ser mais importante para a humanidade, pois é ele que ainda consegue passar para as pessoas um pouco de educação e esperança que o nosso país precisa.”

Mesmo sem perceber, o sentimento é transmitido

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ão é só na família Jann que o amor por lecionar passa de geração em geração. Na família Folgiarini este sentimento também ultrapassa eras. Suzana de Fátima Folgiarini Pinheiro, 59 anos, desde criança sonhava em ser professora. “Eu brincava

para seguir a profissão, Suzana realiza o sonho de infância somente há 13 anos. Falando em sonho, a filha de Suzana, Gabriela Folgiarini Pinheiro, 24 anos, segue a mesma profissão da mãe. A escolha, no entanto, está relacionada a algo natural da essência da

“O professor, como mediador do conhecimento, tem o poder de transformação da humanidade.” - Cibele Folgiarini

de dar aulas escrevendo com carvão nas paredes do galpão do meu pai”, conta. Apesar de toda a vontade

jovem e não à influência ou insistência da família. “Acho muito interessante a função e a importância de um


professor, e quando fui pensar em profissão não tive dúvidas de qual seguiria”, comenta Gabriela. É com este amor por ensinar que ela já está na reta final da formação de Licenciatura em Educação Física - o que é motivo de muito orgulho para a mãe. Como se não bastassem duas pessoas da mesma família na profissão, os almoços de domingo dos Folgiarini têm mais dois integrantes para comentar sobre os desafios da sala de aula. Arthur Folgiarini Pinheiro e Cibele Siqueira Brandao Pinheiro, irmão e cunhada de Gabriela, também encontraram a vocação na área da educação. “Eu sempre gostei da profissão, desde criança foi a minha escolha”, relata Arthur.

Já Cibele ressalta a importância do educador, ao afirmar que “o professor, como mediador do conhecimento, tem o poder de transformação da humanidade.” Lembra dos almoços de domingo? Já que a família é de professores, é impossível o assunto não ser discutido nas horas vagas também! “Sempre acabamos entrando no assunto, discutindo opiniões”, diz Gabriela. Mesmo que acreditem que a troca de experiências seja muito importante, a família não limita os temas à quadros, alunos, disciplinas e notas: “Somos professores, comentamos sobre escola, mas não deixamos que este assunto tome conta de nosso dia”, observa Cibele.

Nem só do sangue surge o amor

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iferente das famílias que são marcadas pelas gerações de professores, também é possível encontrar em alguns lares aqueles que decidiram seguir a docência por pura paixão à profissão - ou até mesmo por acasos do destino. Casualidade esta, que fez Larissa Pontes Hibner escolher a faculdade de Letras. “Eu não escolhi ser professora, foi a vida que me guiou até essa profissão”. Hoje com 29 anos, ela leciona para o ensino médio e ama o que faz. “Mesmo que exista tanta dificuldade em ser professor, tanta desvalorização da sociedade e, principalmente, do governo, o que nos faz acreditar na educação são os alunos. Além disso, a escola e os colegas também

Arquivo pessoal

Sem influências, a família se tornou de professores por acasos do destino

ajudam. Quando se trabalha em uma escola em que teu trabalho é valorizado pelos alunos, professores e gestores, isso faz diferença”, observa. O amor por aquilo que se faz - sem influência da família - também motivou Denise Fick Alves, de 29 anos, a ser professora e atuar na área da Pedagogia há 12 anos. “A escolha pela profissão foi algo meio natural. O Magistério no primeiro momento foi por querer entrar logo no mercado de trabalho e a graduação em Educação Física foi por gostar bastante da área, culturas corporais e, principalmente, da dança”, explica. E o que a mantém motivada na sua profissão é acompanhar o processo evolutivo das pessoas, promover saúde e hábitos saudáveis. Amor que desenvolve corpo e mente, que passa entre gerações ou é um gene próprio. Seja da maneira que for, o amor pela profissão e o pensamento no bemestar do próximo deixam nos pequenos pupilos a semente do conhecimento - marcando vidas e modificando histórias. Afinal, quem de nós não lembra com carinho de algum professor? 11


MUDANÇAS

Como era o amor sem energia elétrica? Vagner Cerentini

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energia elétrica não é nenhuma novidade. Chegou ao Brasil no fim do século XIX, mas só depois de vários anos se tornou popular. Já o amor, esse sempre existiu. Apesar de parecer, às vezes, estar em falta em algumas pessoas, ele é um dos principais sentimentos que o ser humano tem e é bem provável que seja o responsável por proporcionar as melhores experiências da vida. A paquera - também conhecida pelos gaúchos como “trova” - é o primeiro passo para se conquistar um grande amor, ou pelo menos tentar. Numa dessas conversas que volta e meia ocorrem entre eu e alguém com mais de 50 anos, como, por exemplo, Adolni Rehbein, motorista de ônibus urbano, perguntei a ele como foi a juventude sem energia elétrica. Eis que aprendi muito. As “baladas” de hoje em dia, se tornam “baile” na boca da geração de Rehbein. E não foi só o nome que mudou de lá para cá. Antigamente, a preparação para ir a uma 12

festa já começava diferente pelo banho, pois chuveiro elétrico não era popular naquela época, e as moças e moços precisavam esquentar a água em uma chaleira e depois colocar no recipiente que ficava em cima da lata furada - que fazia o papel de chuveiro. Aldoni lembra que nas festas a bebida não vinha “trincando”. Na música, nada de guitarras elétricas ou pirotecnia: a banda era composta por violão, gaita e no máximo uns tambores. Chegando ao ápice de festa, os guris tomavam coragem de “trovar” as gurias, e a primeira “cutucada” acontecia sem o auxílio de nenhum aparelho eletrônico. Quando rolava um “match” aí sim que a coisa esquentava. Se a energia elétrica ainda não fazia parte do cotidiano dessa geração, carro muito menos, e o jeito era arrumar algum lugar discreto, ali por perto mesmo. Os problemas continuavam, pois WhatsApp nem se imaginava! O jeito era torcer para encontrar a gata novamente na próxima festa.

Elmiro Engel, 57 anos, morador de Paraíso do Sul, conta como as moças se preparavam para as festas naquela época. Ele lembra das histórias da mãe, que relatava como a vaidade feminina era bem mais difícil de manter sem energia elétrica. “Não havia maquiagem como nos dias atuais e os poucos produtos de beleza existentes eram naturais.” Os cabelos, que atualmente são sedosos e lisinhos, antigamente, após serem lavados, secavam naturalmente, sem o auxílio do secador e da chapinha. Antes, os cacheados naturais eram moda e as moças deixavam os cabelos bonitos assim mesmo. Os padrões da moda eram outros, a depilação hoje tão natural, nos tempos de mocinha da minha mãe, era até um tabu, nem se falava livremente sobre o assunto, pois as partes íntimas não eram depiladas. Já os homens, raspavam a barba com navalhas.” Quanto ao vestuário, Engel lembra que as peças eram feitas por costureiras locais em

máquinas a pedal, calçados eram tamancas de madeira, usadas apenas em ocasiões especiais, e joias eram herdadas de família. A iluminação em bailes era feita a base de lamparinas a óleo ou a querosene. A bebida era com temperatura ambiente ou - no máximo - as garrafas eram colocadas dentro dos poços de água que eram bem geladinhos. “Apesar dos meios de comunicação serem diferentes, existia muito romance no ar, pois mandávamos cartinhas de amor perfumadas e marcávamos encontros secretos através de recadinhos pelos amigos.”, lembra seu Elmiro Engel. Fato é que hoje estamos munidos de energia elétrica e diversas tecnologias que nos auxiliam a conhecer pessoas, existem aplicativos para as mais diversas funções, as baladas estão inovando cada vez mais, as mulheres estão cada vez mais bonitas, e os homens também, porque não? O barbeador elétrico ajudou bastante, então não há desculpas para deixar de amar.


OPINIÃO

A camiseta branca da revolução feminista Gabriela Etges

por homens. Essa mudança é extremamente representativa e importante, pois marca uma nova era para a moda. Essas novidades puderam ser vistas na Semana de Moda de setembro de 2016, quando foi apresentada a coleção de estreia de Chiuri na Dior. A peça mais polêmica das passarelas não foi nenhum vestido extravagante ou blusa chamativa, mas, sim, uma simples camiseta branca com o dizer “We should all be feminists” (Todos nós deveríamos ser feministas, em tradução livre). A frase, de autoria da escritora nigeriana e porta-voz do feminismo Chimamanda Ngozi Adichie, casou muito bem com o momento atual. Afinal, nem Maria Grazia, nem Chimamanda poderiam prever que, poucos meses após o lançamento da camiseta, ela seria uma das peças mais reproduzidas por mulheres que protestavam contra a posse do machista Donald Trump à presidência dos Estados Unidos. Foi nesse embalo que, em fevereiro de 2017,

Reprodução/Instagram @Dior

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ão é de hoje que a moda é um elemento importante na mudança de mentalidade sobre o papel e os direitos da mulher na sociedade. Nos anos 20, por exemplo, foi graças à icônica Coco Chanel que a calça passou a ser elemento do guarda-roupa feminino também. Yves SaintLaurent, nos anos 60, criou o smoking para mulheres, composto por blusa e calça masculina, o que sinalizava atitude e ousadia para aquela época. Desde o fim de 2016, além do direito de poder usar o que quiser, o grito das maiores grifes clama pela liberdade de ser. Quem resgatou a luta feminista dentro do mundo fashion em 2016 foi a italiana Maria Grazia Chiuri, que se tornou a primeira mulher a ocupar o cargo de estilista da Dior nos 70 anos de existência da marca. Feminista declarada, ela não poderia perder a oportunidade de lutar pelo direito das mulheres após assumir um dos principais postos desse mercado, que sempre fora ocupado

A peça foi uma das mais comentadas de todos os desfiles de 2016

quando aconteceu mais uma temporada das Semanas de Moda, Maria Grazia voltou a passar mensagens de luta com uma coleção toda inspirada na roupa fabril de mulheres na Segunda Guerra Mundial, representando a resistência e a força feminina. A atitude da estilista da Dior foi aplaudida e aderida por outros grandes nomes, como Donatella Versace, que reafirmou o dever da moda de falar sobre o contexto em que está inserida. Isso é fato, pois, relembrando o exemplo de Coco e Saint- Laurent, o mundo fashion sempre foi um grande aliado à mudança de mentalidade. Por isso, a peça da coleção de 2016 da Dior não foi apenas uma simples camiseta

branca. Com uma frase impactante, vinda de uma marca que tem atenção mundial, a t-shirt trouxe mais força ainda ao movimento, pois a mensagem escrita na peça é uma forma de protesto, de grito estampado no peito. É necessário falar disso, pois a indústria da moda não está aqui apenas para gerar consumismo e futilidade. Há, sim, uma preocupação social muito importante dentro dos bastidores fashion. Em tempos que a extremadireita e os discursos machistas ganham força ao redor do mundo, a luta feminista é válida e necessária de todos os lados. E uma das peças importantes nesse combate com certeza é – e sempre foi – a moda. 13


TOC

Uma rotina indesejada de repetições Taís Dörr Fortes

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le não depende da vontade de ninguém. Quando menos se espera, a pessoa que tem o Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC) está, novamente, vivendo a rotina indesejada de repetir ações que acarretam no gasto de tempo em atividades desnecessárias, sofrimento e alterações na vida social. Afinal, não é nada fácil precisar tocar um número determinado de vezes em algum objeto para conseguir dormir, falar várias vezes uma mesma frase ou sempre verificar muitas vezes se fechou a porta ou a janela. Considerado um transtorno ansioso, o TOC é caracterizado por comportamentos resistentes e repetitivos, que são desenvolvidos para aliviar ou controlar os sintomas da ansiedade. “Estes comportamentos são considerados obsessões, que surgem de forma impulsiva e tomam conta dos pensamentos e sentimentos”, explica a psicóloga Évelin Tatielle Fröhlich. Quando uma pessoa tem muito medo de se contaminar com algum germe ou sujeira, por exemplo, ela desenvolve a compulsão por lavar as mãos muitas vezes durante o dia, fazendo com que isso alivie esse medo em relação a este pensamento. Essas compulsões, originadas de pensamentos indesejados e repetitivos, acabam tornando-se rituais para quem sofre do TOC. Évelin ainda aponta como exemplos o sentimento de dúvida em relação ao fechamento ou desligamento de objetos, necessidade de que tudo sempre esteja organizado de determinada maneira e de realizar a contagem mental de itens desnecessários. “Estas obsessões ou compulsões tomam tempo e causam sofrimento para a vida cotidiana da pessoa e prejuízo no funcionamento social, profissional ou qualquer outra área que seja importante”, destaca a psicóloga. A estudante de Física da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Sabrina Elias, 20 anos, desco-

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briu aos 13 que tinha TOC. O diagnóstico veio após a mãe perceber que ela tocava em ‘coisas’ com as duas mãos e precisava encostar em determinado objeto para conseguir dormir. “Quando ela (a mãe) me perguntava eu dizia que precisava fazer aquilo porque se não fizesse algo ruim aconteceria. Eu tinha consciência de que encostar em determinada coisa não ia afetar o que podia acontecer, mas eu tinha medo e isso me motivava a fazer aquilo.” No caso da jovem, a maior parte das ações feitas por causa do TOC aconteciam na parte da noite, como por exemplo, encostar um determinado número de vezes nas portas do armário ou passar o pé na parede. “Eu tinha alguns pôsteres no meu quarto. Então, eu passava a mão neles tantas vezes também e, geralmente, tudo que eu pegava eu lar“Estas obsessões ou compulsões tomam tempo e causam sofrimento para a vida cotidiana da pessoa e prejuízo no funcionamento social, profissional ou qualquer outra área que seja importante.” - Évelin Fröhlich

gava com as duas mãos. Em determinada época eu encostava quatro vezes em cada coisa, em outro eram cinco, depois dez e assim seguia”, relata. Para a estudante, o processo para amenizar os sintomas do TOC foi difícil e sempre esteve acompanhado do medo. “É uma sensação bem ruim, porque eu não conseguia parar de pensar e nem dormir se eu não fizesse, pois pensava que, se algo de ruim acontecesse, seria porque eu não havia feito aquilo à noite.” Além disso, ela salienta que a doença lhe incomodava, ainda mais, porque interferia no sono. “Os momentos que o TOC mais me incomodou foi porque eu queria dormir mas não conseguia pois precisava levantar para encostar em alguma outra coisa.”


Giovana Brasil

Sobre o transtorno obsessivo compulsivo

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e acordo com a psicóloga Évelin Tatielle Fröhlich, o Transtorno Compulsivo Obsessivo, na grande maioria das vezes, é descoberto da mesma maneira que aconteceu com a Sabrina: a partir da fala de alguém próximo que observa as ditas “manias estranhas”. Ele pode surgir já na infância e o mais comum é que seja descoberto a partir dos 10 anos. “Os critérios para diagnósticos em crianças e adultos são iguais, porém, em crianças é mais difícil de identificar, pois na grande maioria das vezes elas têm dificuldade para expressar”, observa a profissional. Os principais fatores de risco estão relacionados à questão genética (histórico familiar), imunológica (principalmente em crianças, após desenvolver alguma infecção estreptocócica) e ainda, ambiental (pessoas que sofreram abuso sexual ou algum outro trauma). O tratamento mais indicado, conforme a psicóloga, é a combinação de acompanhamento psiquiátrico, para uso de medicação, e também psicológico, para se analisar medos e ansiedades. Além disso, Évelin cita a autorreflexão como um fator importante. “Acredito que a atenção deve estar voltada para a realização de uma autoanálise sobre como estão os pensamentos e sentimentos em relação às atitudes do dia a dia. Se existir algo em torno de obsessão, fixação ou compulsão é importante procurar auxílio com profissional especializado.” Sabrina Elias, por exemplo, fez acompanhamento psicológico para tratar o TOC. Hoje, sete anos após a descoberta da doença, ela ainda sente alguns sintomas, mas eles já não são tão fortes. “Demorou bastante tempo

Lavar as mãos diversas vezes durante o dia por causa do medo de se contaminar é um exemplo de compulsão causada pelo TOC

para eu enfrentar isso. Mas, uns anos depois, quando eu já estava um pouco melhor da depressão, parei de fazer a maioria das coisas. Fui deixando aos poucos. Acho que fiquei com um pouco de raiva de fazer isso toda noite e fui testando. Com o tempo fui ficando mais segura para deixar isso de lado.” A estudante destaca ainda a importância de se buscar ajuda e não pensar que o TOC é apenas um hábito que a pessoa tem. “Eu diria para quem tem TOC para procurar ajuda, pois ele não é simplesmente uma mania. Conversar com um psicólogo e com as pessoas em que se confia também ajuda. Assim, descobrir aos poucos o que está causando ele para, desta forma, tentar reverter a situação.”

COMO CONTROLAR O TOC Uma das formas de controlar os sintomas é através da respiração, que sendo feita de forma correta, pode ajudar a normalizar os batimentos cardíacos. O primeiro passo é sentar e fechar os olhos. Em seguida, comece a prestar atenção somente na respiração. Faça o exercício de inspirar (puxar o ar pelo nariz) e expirar (soltar o ar pela boca) de forma devagar. Este processo deve ser repetido quantas vezes for necessário por um período de três a cinco minutos.

FONTE Psicóloga Évelin Tatielle Fröhlich 15


EXCESSO

O vício em smartphones: como a saúde reage? Letícia Santos

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ocê já parou para pensar quanto tempo passa em função das tecnologias? Muitas pessoas nem se dão conta das inúmeras horas em que ficam envolvidas com os aparelhos, em especial os smartphones, de origem inglesa, cujo nome significa “telefone inteligente”, aparelho desenvolvido com diversas funcionalidades e tecnologia avançada equivalente a de um computador. No mês de setembro, a Folha de São Paulo divulgou um relatório da Global System for Mobile Communications (GSMA) - Sistema Global para Comunicações Móveis, em tradução livre -, entidade que representa operadoras móveis do mundo todo. O estudo apontava o Brasil como o país com mais smartphones conectados à internet na América Latina. Se16

gundo o levantamento, os números chegavam a 234,6 milhões de conexões sem fio no terceiro trimestre do ano. E não para por aí! No site da revista Exame, a estimativa é de que até outubro de 2017 o Brasil atingiria a marca de um smartphone por

gerada e qual é o impacto disso na saúde? De acordo com a psicóloga Terezinha Andreatta, as pessoas devem ficar atentas, especialmente, ao uso inadequado e abusivo dos aparelhos. “Quando uma pessoa faz o uso abusivo do smartphone, ela pode vir a desenvolver um

É através das redes sociais que as pessoas lidam com suas expectativas e frustrações, gerando ansiedade e outras patologias.

habitante, ou seja, 208 milhões de celulares inteligentes em uso no país. Segundo aponta a reportagem, o estudo foi realizado pelo professor de Tecnologia da Informação (TI), Fernando Meirelles, pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). Mas, afinal, quando a utilização dos smartphones torna-se exa-

transtorno psicológico que pode afetar sua vida e gerar prejuízos. A pessoa se sente muito sozinha e o smartphone juntamente com as redes sociais acabam se tornando uma ponte em busca de companhia. Quando isso acontece há uma perda muito grande do contato com as pessoas próximas e

com a realidade”. Segundo a psicóloga isso é muito perigoso, quando através do dispositivo, nas redes sociais, se busca companhia e a opinião dos outros. “Muitas vezes as pessoas precisam e querem falar muito de si mesmas e fazem isso porque falar de si é uma coisa boa, gera prazer e hoje em dia não temos muito espaço para fazer isso no contato direto com outras pessoas”. O entendimento que se tem é de que o uso abusivo dos smartphones é potencializado por conta da internet presente na maioria dos aparelhos. De acordo com a psicóloga, é através das redes sociais que as pessoas lidam com suas expectativas e frustrações, gerando ansiedade e outras patologias. “Quando as pessoas se voltam muito para os dispositivos e as


redes sociais, elas vão agregando outro valor para a vida. Parece que elas deixam de sentir, de viver, e a vida vai tendo menos prazer porque se fica muito no mundo virtual. Isso gera um vazio, um buraco, uma falta de sentido”, observa. Além disso, Terezinha comenta que as curtidas e os comentários dão uma sensação ilusória de preenchimento de expectativas e a pessoa

continua publicando. Isso também se torna uma dependência, tanto do smartphone, quanto das redes sociais, e é desta combinação que surgem ou se potencializam os

pessoa que utiliza o smartphone em excesso pode vir muito mais do virtual do que da realidade, contudo, o sentimento é momentâneo. “No momento em que

“A vida vai tendo menos prazer porque se fica muito no mundo virtual. Isso gera um vazio, um buraco, uma falta de sentido.” - Terezinha Andreatta

males à saúde, como a depressão e a ansiedade. A profissional explica que a felicidade de uma

o uso abusivo do dispositivo se torna um vício, essa dependência vai prejudicar as relações

interpessoais, alterar o padrão do sono e refletir na produtividade das atividades diárias, bem como a possibilidade de desenvolver patologias por conta do vício. Isso é prejudicial tanto para a pessoa quanto para quem convive com ela. O vício é isso: quando tu necessitas de algo para sobreviver e para se manter equilibrado psicologicamente”, finaliza a psicóloga. Giovana Brasil

A utilização abusiva dos smartphones e o impacto na saúde desperta o alerta para mudanças de hábito

Você sabe o que é NOMOFOBIA?

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A psicóloga Terezinha Andreatta explica que a nomofobia é o medo de ficar sem o celular. A pessoa fica desconfortável e se torna dependente do aparelho. A profissional conta que a nomofobia está relacionada com os prejuízos que o uso abusivo pode acarretar na vida. “Hoje a tecnologia nos ajuda muito, inclusive nos beneficia, mas, é preciso saber usar com bom senso. No momento em que este recurso está prejudicando a nossa vida, os nossos relacionamentos e desencadeando problemas no sono, na parte física, a gente acaba considerando que isso está se tornando um transtorno psicológico.”

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Danos causados ao cérebro e ao corpo

O

médico neurologista Antonio Manoel de Borba Jr. explica que, se a pessoa ficar muito tempo visualizando a tela de um smartphone, especialmente durante a noite, isso pode causar insônia. Isto porque, a iluminação constante da tela destes dispositivos nos olhos inibe a produção de melatonina - o hormônio do sono. Além, é claro de afetar o relógio biológico, por conta da diminuição das horas adequadas de sono. “Geralmente quem usa o smartphone ao deitar, tende a permanecer mais tempo acordado”, pondera o médico.

O uso constante dos dispositivos faz com que a pessoa não estimule o cérebro de outras formas. A estudante de Engenharia Química Ana Camila Palma sabe bem disso. Ela conta que passa horas conectada ao seu smartphone. “Só não uso quando está carregando.” Durante a madrugada também tem aquela conferida, que é o momento em que ela tem mais tempo para checar suas redes sociais. “Inclusive por conta disto eu demoro a dormir”, complementa. O neurologista destaca que o uso constante dos dispositivos faz com que a pessoa não estimule o cérebro de outras formas. “A utilidade do aparelho pode até ser positiva, desde que moderada”, orienta. Ainda sobre os problemas na visão, o médico ressalta que a fixação no mesmo modo, ou seja, o olhar contínuo da tela do smartphone, principalmente nas pessoas a partir de 40 anos, pode diminuir a habilidade do cristalino - espécie de lente transparente e flexível localizada atrás da pupila de se movimentar. “Tu ficas olhando sempre para uma tela que está no mesmo plano e a tendência de ter que usar óculos é maior”. A estudante de Nutrição Eduarda Castilhos, por

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exemplo, sentia muita dor nos olhos e na cabeça. Por conta disto foi em busca dos óculos. No entanto, isso não fez com que abandonasse o smartphone. “Eu fiquei sem celular uma semana e pra mim foi horrível”, compartilha em meio a risos. De acordo o médico neurologista Antonio Manoel de Borba Jr., a posição incorreta do pescoço também é um problema. A tendência ao visualizar o dispositivo é incliná-lo com a cabeça para baixo, gerando dores e alteração na coluna, tornando-a mais curva. Isso é uma realidade para muitas pessoas, como a vendedora Mara Moraes. “Sinto uma dor no pescoço e na coluna por conta da má postura.” À noite ela usa bastante o smartphone e quando se dá conta já são três horas da madrugada. Já para quem se preocupa com a estética, Borba alerta que essa inclinação do pescoço pode aumentar a famosa papada - acumulação de gordura ou formação de pregas na parte inferior do rosto. Outro problema que pode comprometer a saúde devido ao uso excessivo do smartphone, de acordo com os fisioterapeutas e docentes do curso de Fisioterapia da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), Angela Cristina Ferreira da Silva e Rafael Kniphoff da Silva, é que na maioria dos casos o uso excessivo dos smartphones também ocasiona lesões de polegar por esforço repetitivo do movimento. Uma das principais é a Síndrome De Quervain, “a patologia é caracterizada por dor, falta de força e limitação dos movimentos”, explicam. Para amenizar a situação, os profissionais orientam para o uso controlado e consciente do equipamento. Além disso, os alongamentos específicos para mãos e punhos no decorrer do dia também podem ajudar. Nos casos mais graves, utiliza-se uma órtese para imobilização do polegar.


RISOTERAPEUTAS

Doutores especializados em sorrisos Jéssica Denise Ferreira

osidade, procurou saber mais sobre aquela fantasia. “Eu via as postagens que ele publicava nas redes sociais, quando conheci o grupo Esquadrão da Alegria, que atuava nas cidades de Porto Alegre e Canoas, onde naquela época eu estava morando”, comenta. No momento em que ela conheceu o grupo, logo veio o convite para fazer parte da equipe. “Na hora eu nem sequer me imaginei vestida de palhaço e tampouco conseguia fazer palhaçada ou até mesmo ser engraçada.” Contudo, ao contrário do que esperava, Glacielle conheceu alguém que havia dentro dela mesma. Ao participar das oficinas realizadas pelo grupo, a nova doutora, Pispirika, passou a desenvolver habilidades e conhecer tantos outros colegas “doutores”, que atuam há mais de 20 anos na especialidade

Fotos:Divulgação/Risoterapeutas

E

m meio a tantos afazeres do dia a dia, separar um tempo e dedicar-se a um simples objetivo: colocar um nariz de palhaço, um jaleco branco e percorrer os corredores dos hospitais à caça de sorrisos. Este é o principal motivo da criação do grupo Risoterapeutas, em Santa Cruz do Sul. Quem conhece a Glacielle Coffi Dorneles, 30 anos, certamente não a reconheceria quando ela se apresenta como a doutora Pispirika. A administradora reside em Santa Cruz do Sul e conta que conheceu o trabalho voluntário realizado em hospitais através de um professor de Marketing, da época em que ainda estudava em Santa Maria. “Num certo dia, encontrei este professor vestido de palhaço, mas não era um palhaço de circo, pois havia algo diferente.” Glacielle, cheia de curi-

de “fazer sorrir”. As atividades, porém, duraram pouco tempo, pois a administradora acabou se mudando para Santa Cruz do Sul. Naquele tempo era inviável o Esquadrão da Alegria atuar em mais municípios, já que estava focado na construção de uma Organização Não

Governamental (ONG). Mas Glacielle foi em busca de pessoas que eram como ela no início – só curiosas. Foi então que ela encontrou outra “forasteira”, paulista, moradora de Santa Cruz do Sul, que também conhecia o trabalho do grupo, e por obra do destino, sentia que algo ali a chamava. 19


Voluntários especializados em besterologias animam pacientes em hospitais

OS RISOTERAPEUTAS

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assados dois anos da iniciativa de Glacielle, o grupo Risoterapeutas, hoje com 11 integrantes, atua tanto em hospitais, como em casas de passagens e asilos. A equipe utiliza a figura do palhaço para trazer bons sentimentos, conforto, alegria e descontração para todos que encontram um doutor Besteirologista. Glacielle conta que, por este motivo, o nome é uma combinação de “terapia” com “riso”, que segundo ela, é a essência das intervenções.

“Não consideramos uma interpretação, nossos palhaços somos nós mesmos em nossa melhor versão.” Para cada ação, todos os doutores sorrisos carregam histórias marcantes. Vanessa Britto, também integrante do grupo, revela que em uma certa ocasião estava vestida como “doutora Neide” na Associação Comunitária Pró Amparo do Menor (Copame), e, quando estava se despedindo, uma criança correu até ela e disse: “Neide, vai com Deus e eu vou te guardar no meu coração.” Naquele momento, Vanessa sentiu que estava no grupo certo, e por mais simples que aquela frase 20

fosse, a marcou emocionalmente. Sobre viver o personagem, tanto Glacielle como Vanessa afirmam: “Não consideramos uma interpretação, nossos palhaços somos nós mesmos em nossa melhor versão.” A primeira atuação do grupo ocorreu em 9 de abril de 2016, no Hospital Santa Cruz, onde quatro doutores palhaços visitaram o local. “A visita foi realizada em dois turnos, na parte da manhã na Pediatria e na parte da tarde na ala adulta do hospital. A receptividade de todos foi ótima, desde os funcionários, pacientes e até acompanhantes, tivemos feedbacks bastante positivos”, contou Glacielle. Desde o primeiro dia, os especialistas em sorrisos atuaram em entidades e instituições como Hospital Ana Nery, Associação de Auxílio aos Necessitados (Asan) e Associação Comunitária Pró Amparo do Menor (Copame) de Santa Cruz do Sul. Além disso, os doutores já confeccionaram bottons e camisetas, que são revendidas para custear os gastos da equipe. A expectativa do Risoterapeutas é ampliar os trabalhos, com a possibilidade de construir uma ONG. Porém, o intuito principal está em multiplicar a alegria e o bom humor, afinal, o riso contribui tanto para a saúde física como para a mental.


A descoberta de novos doutores

“F

echou! Assim que soube dela, prontamente entrei em contato. Com isto, também tive a oportunidade de conhecer o marido dela, que tinha o mesmo interesse, e, além disso, meu esposo também passou a se envolver. Então, já éramos quatro integrantes do mais novo grupo que estava prestes a nascer. Mas não era tudo, precisávamos ainda de oficinas e de pessoas para nos ajudar. Neste meio tempo, acabei encontrando mais duas meninas para a equipe, que trabalham comigo, mas nun-

ca pensaram sobre o assunto até conhecerem a história da Pispirika e o intuito deste trabalho”, relatou Glacielle Coffi Dorneles. O próximo passo da doutora Pispirika era entrar em contato com os hospitais do município. A jovem contatou as assistentes sociais do Hospital Santa Cruz e participou com a equipe de oficinas realizadas por parceiros que conheceu no Esquadrão da Alegria. Nessas preparações, realizaram atividades e estudos em base de textos, vídeos, filmes e trocas de conhecimento.

O poder de cura do riso

O

ato de brincar e de rir é essencial para a aprendizagem e ligações sociais, além de trazer benefícios à saúde e bem-estar. “A figura do palhaço é para que se transmita em qualquer lugar um personagem mais lúcido e puro. Afinal, o palhaço é aquele tomado por simplicidade e alegria. Como trabalhamos em hospitais, passamos a virar os médicos, ou melhor, ‘besterologistas’ – na qual a especialidade resolve tudo que a medicina não é capaz, como, por exemplo, o riso frouxo, miolo mole, chulé encravado e por aí vai...”, acrescentou Glacielle. Para a frentista Miriam Baierle, 35 anos, o trabalho que os risoterapeutas têm exercido é enriquecedor, afinal de

contas, cansada de sair do trabalho e ir todos os dias direto para o hospital cuidar da sua filha mais nova estava sendo desgastante. “Além da preocupação em saber como minha filha poderia estar nos momentos que eu estava fora, me sentia sobrecarregada. Ela não se alimentava direito devido à uma forte anemia e todos os dias era um sacrifício para convencer ela de comer ao menos um pouquinho. Um certo dia, ao chegar no quarto hospitalar me deparei com vários palhaços e minha filha comendo uma fruta. Foi gratificante não somente ela estar se alimentando, mas a felicidade que eles transmitiam a ela. Isso contribuiu muito na recuperação dela”, avalia. 21


SOLIDARIEDADE

Quando o amor por cavalos se transforma em trabalho voluntário Luiza Faleiro Goulart

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á uma face da sociedade que pode ser desconhecida por alguns e ignorada por outros. Batalhar contra os maus tratos de animais é o princípio da Organização Não Governamental (ONG) Cavalo de Lata. O projeto, com sede em Santa Cruz do Sul, luta para criar um processo de transição entre a fase onde as pessoas usam os cavalos como instrumento de trabalho para a conscientização dos cuidados com o animal. Famílias carentes que têm cavalos e desejam trocar os animais por uma oportunidade de emprego são o foco do projeto. O animal, que geralmente é vítima de maus tratos, deixa de ser o provedor da família, que passa a trabalhar em um emprego fixo. De acordo com a voluntária da entidade, Ana Paula Knak, nos primeiros meses o projeto cede uma cesta básica. No momento em que a família passa a receber salário, a carroça é levada. “O cavalo vai para tratamento”, explica. Desde o início do projeto, aproximadamente 50 resgates foram feitos em Santa Cruz do Sul. Um dos últimos recolhimentos aconteceu em outubro deste ano, quando o animal encontrava-

Fotos:Divulgação/Cavalo de Lata

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se em péssimas condições físicas: estava caído em frente a uma residência, nas proximidades do Santuário de Schoenstatt, às margens da rodovia. O dono do animal foi detido por maus tratos e um segundo envolvido - identificado como genro do proprietário - foi levado até a Delegacia de Polícia de Pronto-Atendimento (DPPA) por desacato. Em episódios assim, o proprietário segue com o processo de maus tratos em andamento. “Há limites quando as pessoas não apresentam o mínimo de capacidade para merecer oportunidade”, comentou Ana. Conforme a voluntária, há também casos onde os carroceiros são apenados e usam tornozeleira eletrônica. “Isso dificulta muito arranjar emprego, mas mesmo assim conseguimos algum item que interessa o catador para troca do cavalo”, explica. Há diversas possibilidades. Algumas famílias já receberam uma máquina de solda para fazer alguns trabalhos simples. Doação de roupas para a criação de um brechó, possibilitando uma fonte de renda e empreendedorismo, também já ocorreu em um dos casos.


Causa animal

D

esde o início do projeto, em 2012, o grande motivo foi a luta pela causa animal. No começo, a ONG Cavalo de Lata tinha o objetivo de desenvolver veículos elétricos. Os protótipos, que substituiriam as carroças, chegaram a ser testados em veículos de cooperativas por mais de três anos. “Nossos protótipos ainda rodam, mas agora o foco é atender a necessidade da iniciativa privada. As parcerias com prefeituras demandam muito tempo e interesse dos gestores em projetos sociais”, comenta Ana. Ainda assim, a ONG segue em trabalho para movimentar o social e modificar a realidade de pessoas que ainda dependem dos animais, principalmente pela defesa do cavalo, que segue como um ser inocente. “A falta de respeito como a sociedade trata a fauna e a flora e a própria análise do que o meio ambiente vem sofrendo nos leva a um entendimento de que se queremos ou sonhamos com um mundo melhor temos de levantar da cadeira e criá-lo”.

A ONG segue em trabalho para movimentar o social e modificar a realidade de pessoas que ainda dependem dos animais, principalmente pela defesa do cavalo, que segue como um ser inocente. Depois de serem recolhidos, os animais passam por tratamento de acordo com as necessidades. Num primeiro momento, os cavalos são levados ao Canil Municipal de Santa Cruz, ligado à Secretaria do Meio Ambiente. Os veterinários geralmente vão até o local, e quando necessário, é acionado um transporte para levar o animal – um caminhão com guincho. Quando estão curados, o próximo passo é procurar por um novo cuidador. “Não fazemos doações. O processo de fiel depositário é achar uma pessoa que queira dividir a responsabilidade de manter o animal em condições e não o utilize para trabalhos”, diz Ana. Segundo a voluntária, os animais ficam com limitações físicas devido aos maus tratos e por isso merecem a aposentadoria plena. Eles não devem ser levados em rodeios, provas ou serem usados para montaria simples. 23


CICLOTURISMO

Atividade transformadora que está ganhando o mundo Sarana Fonseca

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ocê sabe o que é cicloturismo? Esse modo mais saudável, econômico e, de certa forma, libertador de viajar está ganhando o mundo. Uma maneira de turismo consciente, em que o único meio de transporte é a bicicleta e o ciclista não precisa ser experiente. Pode ser uma viagem de um município para o outro, ou algo muito planejado. Alguns iniciam a prática

por pura curiosidade e, quando percebem, já são de fato um cicloturista. Esse é o caso do professor, jornalista e escritor Demétrio Soster, que,

por essa ideia de distância, por essa coisa de pedalar.” A primeira bike de Soster foi uma Caloi 500 – uma bicicleta simples, mas adequada para pedalar

“Cicloturismo é algo que me transforma e que transforma as pessoas.” - Demétrio Soster

durante uma viagem em família, conheceu dois cicloturistas e por curiosidade, quis experimentar a sensação. “Fui seduzido

longas distâncias. A partir do momento em que ele começou a ler e a entender mais sobre o que era o cicloturismo, decidiu

ir além. A primeira grande viagem do jornalista e, também, mais desafiadora até agora foi para o Uruguai, em uma pedalada de mais de dois mil quilômetros. De acordo com ele não ouve medo em encarar esse desafio. “Medo eu não senti! O cicloturismo é uma atividade que não se tem muitos relatos de violência”, conta. A viagem até o Uruguai foi marcante para Soster, pois ele havia acabado

Demétrio Soster

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r

de passar por momentos difíceis e viajar de bike foi a forma encontrada para se conhecer melhor, fazer uma reflexão sobre a vida, se libertar. “Cicloturismo é algo que me transforma e que transforma as pessoas”, define. E foi nessa aventura que ele conheceu outro cicloturista, o paulistano Emerson Lacerda que é adepto da prática há dez anos e só usa a bicicleta também como meio de transporte desde que

vendeu o carro. Para ele a saudade da família é sempre o maior desafio de todos nas grandes viagens. E o melhor de tudo é a vibração pelo caminho, o êxtase de superar os próprios limites e é claro, as pessoas que um viajante de bike encontra pelo caminho. “O cicloturismo na minha vida é muito forte. É o meio que eu busco para voltar ao meu prumo, à minha essência,” conta Emerson.

SEGURANÇA

É

importante entender que, para esse tipo viagem, os equipamentos como capacete de segurança, luvas, reflexivos, tanto na bicicleta, quanto no corpo, são muito importantes para a segurança do ciclista. Além disso, não dá para esquecer das ferramentas e peças de reposição para a bike, porque muitas vezes ajustes serão necessários durante o percurso.

Mais que cicloturista, um cicloviajante

Q

bicicleta. Então, o peso não pode ser tão grande. “Viajar de bicicleta é um desafio maior do que viajar de moto ou de carro. Com a bicicleta você vence cada quilometro por si só”, observa. Além do Demétrio, do Emerson e do Aldo, ou-

tras milhares de pessoas já descobriram tamanho prazer. Nessa atividade, a simplicidade é a maior maravilha encontrada. São muitas sensações. Neste exato momento, ao redor do mundo, tem muitas pessoas viajando de bike. Quem

sabe você também é um ciloturista e só precisa começar? E, ser der vontade de voltar para casa, pegue uma carona ou coloque a bicicleta em um ônibus e volte. No cicloturismo até as dificuldade são mais leves de resolver.

Demétrio e Emerson em Montevidéu, capital do Uruguai Emerson Lacerda - Selfie

uem também leva a vida de acordo com as pedaladas da bicicleta é o Aldo, que estava na Turquia na data da entrevista. E sabe como ele foi para lá? De bike! São anos na estrada. Tantos que ele não se reconhece como cicloturista, mas sim como um cicloviajante. “Muito mais do que visitar as cidade mais bonitas ao redor do mundo eu queria ter uma história só minha”, relata. O paulista tem um projeto chamado ‘Mochila e Bike’ - uma série no YouTube que conta a história deum homem de trinta anos que queria viajar pelo mundo e ter a sua “própria história”. Para ele, o maior desafio de um cicloturista é viver com pouco, porque tudo que ele precisa tem que ser carregado na

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FÉ x CIÊNCIA

A quebra de paradigmas começa no século XXI Taísa Franceschi

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éculos se passaram e quanto mais estudos eram realizados, mais distante fé e ciência ficavam. O conflito entre esses dois extremos durou muito tempo. Entretanto, com o número de pessoas que adotam práticas alternativas de cura aumentando, a ciência, aos poucos, começou a transformar o olhar sobre a fé dos pacientes.

tista, foi encontrada uma lesão na parte inferior traseira da mandíbula. Esse era o local onde se desenvolvia o Ameloblastoma, um tumor característico da referida região bucal, que representa apenas 10% dos cânceres de má formação biológica. Apesar de, na maioria das vezes, não ser maligno, tem um comportamento agressivo na

Exatamente o que aconteceu ninguém sabe dizer, já que não há provas. O fato é que havia um tumor e hoje ele não existe mais. Entre relatos de curas através da fé, conheci um menino de apenas 14 anos, que aparenta menos ainda. O cabelo sempre bem arrumado, cheio de estilo, um olhar brilhante e escuro de causar inveja. Um pouco tímido - quem vê não diz que é um grande dançarino, que já se apresentou para plateias de milhares. Pouco fala, parece ainda não saber explicar bem o que aconteceu. No entanto, em meio às poucas palavras, expressa uma fé incondicional. Yago Leão descobriu no começo de 2017 que era portador de um tumor raro: o Ameloblastoma. O menino, que mora com a mãe, Inês, e a irmã Julia, de 20 anos, percebeu que algo estava errado quando, em uma visita rotineira à den-

mandíbula e pode atingir o osso maxilar. O tratamento é feito através de cirurgia para a retirada e radioterapia para eliminar células restantes. Todo processo foi acompanhado de perto pela mãe, que apesar da situação, não se deixava abalar, pois sabia que tudo daria certo. O amor que Inês traz no coração foi compartilhado com os filhos em forma de carinho, educação, sensibilidade e fé. E foi essa crença em algo maior que não deixou ela desanimar quando a doença do filho foi descoberta. Antes dos procedimentos cirúrgicos, Inês levou Yago em um centro espírita que eles já frequentavam e, depois de algumas sessões, o menino passou por uma cirurgia espiritual. Fábio Goulart

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Pablo Melo

Inês, Yago e Júlia, uma família de fé

Uma semana após o procedimento religioso, estava marcada a biópsia médica. A surpresa veio logo no início. Ao abrir a mandíbula para retirada de um pedaço do tumor - que serviria para avaliação da gravidade - nada foi encontrado. Enquanto Inês me contava, eu consegui perceber através dela a emoção que esse momento teve. Cheia de uma mistura de entusiasmo e emoção, ela me conta que quando abriram a mandíbula do Yago, o médico responsável olhou para ela de uma forma surpresa, sem saber o que falar, mas ela já sabia: o tumor não estava mais lá. Exatamente o que aconteceu ninguém sabe dizer, já que não há provas. O fato é que havia um tumor e hoje ele não existe mais. O que foi diagnosticado como um Ameloblastoma, transformou-se em coágulos de sangue - que foram retirados na própria biópsia. Fé. Durante todo o processo espírita a família de Yago jamais deixou de acreditar, de pedir, de agradecer, de ter esperanças. Existe uma sintonia tão grande entre essa família que liga todos os sentimentos bons.

O PODER DA FÉ A palavra-chave é fé. Muitos ainda se enganam, achando que o poder está na religião e não na fé. O Yago é espírita e foi por esse meio que encontrou a cura. Mas, assim como ele, outras pessoas buscaram ajuda em diferentes religiões e foram curadas. O século XXI será lembrado por inúmeras evoluções, entre elas a relação entre fé e ciência. Hoje, pesquisadores de diferentes países estudam a influência da crença na recuperação dos pacientes. No Brasil, formas alternativas de cura começaram a ser inseridas nos atendimentos do Sistema Único de saúde (SUS). Uma mudança que tempos atrás não podíamos imaginar. Depois de muitas gerações, essas duas linhas de raciocínio completamente diferentes param de brigar entre si para decidir a quem pertence a razão e se unem para buscar uma melhora na saúde da população em geral. 27


ACESSIBILIDADE

Ferramentas de inclusão tornam-se aliadas da produção laboratorial Bruno de Azevedo

O

tema acessibilidade entrou na pauta após “O desafio da educação para surdos” se tornar o tema da redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) em 2017. Conforme o último censo realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) há 45,6 milhões de brasileiros com algum tipo de deficiência, ou seja, 23,9% da população. Atento a esse número, o jornal-laboratório virtual Campus Online, produzido por estudantes da disciplina de Campus Multimídia do curso de Jornalismo da Universidade de Brasília (UnB), trouxe para o ano de 2017 a proposta de inclusão para as produções laboratoriais. Assim, os alunos da disciplina desenvolveram formas de inclusão em todas as plataformas de publicação do jornal-laboratório, 28

que é feito de conteúdos disponibilizados no site, Facebook, Twitter e Instagram. Entre as ferramentas desenvolvidas está a #pracegover, utilizada para descrever as imagens

Tanto a turma do jornal-laboratório Campus Online, quanto do Unicom, utilizaram o livro “Manual de audiodescrição para produtos jornalísticos laboratoriais impressos” de

Os alunos da disciplina desenvolveram formas de inclusão em todas as plataformas de publicação do jornal-laboratório. de posts em redes sociais. O trabalho desenvolvido pela universidade brasiliense é semelhante ao do Unicom – jornal-laboratório produzido na disciplina de Produção em Mídia Imprensa do curso de Comunicação Social, habilitação em Jornalismo, da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) – que conta com o trabalho de audiodescrisão de parte das matérias da edição Conflitos, produzida pelos alunos do 2º semestre de 2017.

Daiana Stockey Carpes e do professor Demétrio de Azeredo Soster, com prefácio da professora Dione Moura, da UnB para pensarem as ferramentas de inclusão usadas nas suas produções. “Este trabalho teve início no primeiro semestre de 2017 e continuou no segundo, quando os alunos produziram artigos sobre a acessibilidade na comunicação, trabalhamos o assunto em nossas plataformas e desenvolvemos um manual de redação para traba-

lhar com pessoas com deficiência,” explica o professor da disciplina e Campus Multimídia da UnB, Zanei Ramos Barcellos. De acordo com o aluno da Universidade de Brasília e participante do projeto Carlos Augusto Xavier, a principal dificuldade do grupo é a questão financeira que atinge as instituições federais e que atrapalhou em alguns projetos o grupo. “Infelizmente não conseguimos ampliar esta acessibilidade devido à falta de plugins necessários para facilitar a leitura para cegos, já que não o conseguimos gratuitos e a universidade não tem condições de adquiri-los pagos”, conta. A inovação relacionada à acessibilidade também chegou ao Campus Café, programa em vídeo exibido de segunda a sexta-feira, ao vivo, na página do


projeto no Facebook. Além dos dias durante a semana, aos sábados é veiculada uma edição especial gravada do programa e em duas ocasiões a exibição ocorreu totalmente em libras e com audiodescrição. “Invertemos a ordem: ao invés de produzir um programa e adaptá-lo às pessoas com deficiência, produzimos um para pessoas com deficiência e depois o adaptamos

para quem não tem”, explica o professor Zanei. A produção em libras foi de respon-

também é apresentadora do Campus Café. Ambas já tinham experiências com a língua brasileira de sinais

aprender libras logo na primeira série do ensino fundamental e foi muito importante, pois já sabia as dificuldades “Invertemos a ordem: ao invés de enfrentadas pelos defiproduzir um programa e adaptá- cientes visuais”, conta Andressa, que estudou lo às pessoas com deficiência, em uma escola integraproduzimos um para pessoas com da, onde tinha contado deficiência e depois o adaptamos com deficientes audipara quem não tem.” tivos e aprendia a lín- Zanei Ramos Barcellos gua de sinais junto às sabilidade das alunas antes de cursarem a aulas de Língua PortuTayane Silva, 23 anos, disciplina que produz guesa. e Andressa Cardoso o jornal. “Foi muito enAlves, 21 anos, que riquecedor. Comecei a Reprodução/Facebook

Para ver o trabalho produzido pelo Campus Online (ao lado), acesse fb.com/onlinecampus/videos 29


RELATO

Era só um pesadelo real Matusalém Zago Oliveira

É

rico Paulus Garcia é um dos sobreviventes da grande tragédia que ocorreu na Boate Kiss, em Santa Maria, na madrugada no dia 27 de janeiro de 2013, na qual 242 pessoas morreram e outras 680 ficaram feridas. Na época, Garcia era funcionário da casa de festa e teve grande importância como testemunha no inquérito, que até o momento ainda corre no tribunal de justiça. “Eram só fogos de artifício. Depois, uma fumaça pequena, que quase todos pensavam ser aquelas que a máquina de gelo seco solta. Mas, de repente alguém grita: “Fogo!” E o pânico começou a acontecer. Eu estava atrás de um balcão de bebidas, mas muita gente se amontoou na porta de saída e eu caí no chão. Senti algumas pessoas me pisoteando e, então, tudo ficou quente. Ufa! Era só mais um pesadelo. Acordei suando, lembrando aquela 30

noite muito quente e trágica de janeiro. Hoje, depois de tanto tempo, posso falar um pouco do que aconteceu. Eu era funcionário da boate Kiss, e só escapei, isso mesmo que você leu, escapei, porque conhecia bem o local. Naquela noite não sei bem o que aconteceu. Agora, pensando bem, me sinto com sentimento de dever cumprido. Mesmo com toda a tragédia, ajudei a tirar mais de 15 pessoas de dentro da Kiss. Tentei com todas as minhas forças abrir uma passagem pelo banheiro, mas aquela parede parecia ser mais forte que uma fortaleza medieval. Sabe o que mais queria? Poder ver como essas pessoas que ajudei a salvar estão, poder dar um abraço e ficar ali olhando o horizonte em silêncio, pensando que estamos vivos. No entanto, isso é algo muito difícil, ninguém se orgulha de ser um sobrevivente daquela

madrugada. Eu não estou mais em Santa Maria, mas, mesmo depois de tanto tempo, aquela cidade ainda está melancólica, cinza e quase sem vida. Falando em vida, a minha foi perturbada nos primeiros meses. Aquele ano foi cruel, mas foi também o que me colocou nos rumos certos. Sabe o que mais queria? Poder ver como essas pessoas que ajudei a salvar estão, poder dar um abraço e ficar ali olhando o horizonte em silêncio, pensando que estamos vivos. Ventos bons sempre voltam a trazerem grandes notícias, e, nesses cinco anos muitas coisas aconteceram. Nesse exato momento, exerço a lei: sou policial em Caxias do Sul. Além disso, estou cursando Direito e pretendo sempre estar dentro desse meio. O que aprendi com a tragédia na boate Kiss é que sempre devemos viver como se fosse o último dia de nossas vidas.”


GRAVIDEZ NA ADOLESCÊNCIA

Prazer, eu me chamo mãe

Q

Andriele Batista

Você acorda com o choro do seu bebê, ele está com cólica. Tenta acalmá-lo colocando-o de bruços em seu colo, mas o choro não para e cada vez fica mais forte. Você não sabe o que fazer porque está muito cansada do trabalho e da escola. Pedir para o pai do seu filho

tomar conta dele por apenas cinco minutos, enquanto você tenta achar uma solução, está fora de cogitação: ele nem mora com você e nem sabe o que tem passado todas as noites. Ele rejeitou seu filho com a afirmação que era muito novo para ser pai, precisava seguir a vida.

A gravidez na adolescência não é um problema

uem foi mãe na adolescência já passou por um momento desses e com certeza outros piores - e sozinha. Segundo dados do Sistema de Informação sobre Nascidos Vivos (Sinasc) do Ministério da Saúde, divulgados no Portal da Saúde, em 10 de maio de 2017, houve queda de 17% da gravidez na adolescência no Brasil. Segundo o portal, essa

queda no número de adolescentes grávidas está relacionada a vários fatores. Um dos exemplos é a expansão do programa Saúde da Família, que aproxima os adolescentes dos profissionais de saúde, possibilita mais acesso a métodos contraceptivos e ao programa Saúde na Escola - que oferece informação de educação e saúde. Este dado pode gerar um certo alívio para os

Foto: Andriele Batista

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pais preocupados com a educação sexual dos filhos. Entretanto, não pode ser ignorado o fator psicológico e emocional de adolescentes que se tornam pais precocemente. Em matéria divulgada no portal de notícias G1, em 10 anos o Brasil ganhou 1,1 milhão de famílias compostas por mães solteiras, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Para Monique de Freitas, 17 anos, estudante do Magistério, engravidar na adolescência foi uma experiência assustadora. Parte da família não aceita até hoje o fato dela ser mãe, mesmo sua filha já tendo 2 anos. “Eu entrei em desespero, porque não havia sido planejado, eu praticamente surtei. Na escola eu estava no 9º ano, com 15 anos, eu já sabia que havia preconceito contra jovem grávida,

mas depois que tu fica e que tu vê é muito maior. Um dia eu estava passando na rua, logo que a barriga estava crescendo, as pessoas apontavam e comentava.” A psicóloga, socióloga e antropóloga Gabriela Maia analisa o conceito de gravidez questionando. “Veja que em várias décadas atrás mulheres casavam no que hoje chama-se adolescência e tinham filhos quando se tinha outra concepção de relações conjugais e de gênero. Hoje essa é considerada uma fase de transição e construção de si. Mas esse é um discurso que emerge muito recentemente. Então, pensar a ideia de problema também implica pensar as experiências e trajetórias de vida desses sujeitos articulando esses marcadores. Isso leva a repensar para quem é o problema. ” Gabriela explica que

A gravidez da adolescência como um problema é vivida diferente conforme a classe e gênero, onde as camadas médias dizem que é um problema porque interrompe os projetos de vida. Mas, nas camadas populares essa gravidez pode assumir uma mudança simbólica, na qual os pais passam a ser vistos como adultos que agora possuem responsabilidades. 32

“Eu entrei em desespero, porque não havia sido planejado, eu praticamente surtei. Na escola eu estava no 9º ano, com 15 anos, eu já sabia que havia preconceito contra jovem grávida, mas depois que tu fica e que tu vê é muito maior. Um dia eu estava passando na rua, logo que a barriga estava crescendo, as pessoas apontavam e comentava.” - Monique de Freitas a ideia da gravidez da adolescência como um problema é vivida diferentemente conforme a classe e gênero, onde as camadas médias dizem que é um problema porque interrompe os projetos de vida. Mas, nas camadas populares essa gravidez pode assumir uma mudança simbólica, na qual os pais passam a ser vistos como adultos que agora possuem responsabilidades. Monique fala que a mãe poderia ter a colocado para fora de casa, mas que provavelmente ela não teria condições de criar sua filha e nem ao menos sabe se ela teria nascido. A estudante passou muita dificuldade para ganhar o neném, pois não tinha dilatação. Ao nascer sua filha estava quase morta e ela não havia nem sentido o efeito da anestesia quando

cortaram sua barriga para a cesárea. A socióloga explica que não acha necessário o acompanhamento psicológico para a grávida na adolescência somente pela ideia de desenvolvimento cognitivo, porque esta ideia de fornecer um acompanhamento vem ligada a moralidade de quem diz ou pensa desta forma de que a gravidez é um problema, mas só da mulher que é jovem. Ela ainda reforça que o homem também participou da concepção e, seguindo esta ideia, também deveria ter acompanhamento psicológico, se fosse necessário. “Pensar a psicologia nesse contexto necessita rever moralidades sobre gravidez e também pensar uma dimensão ético política do lugar da psicologia com adolescentes”, relata Gabriela.


Apoio é essencial

A

presente. Ele é meu pai porque me registrou, e o pai da minha filha no começo, na gestação, não foi presente. Então, não sabe os perrengues que eu passei. Agora, ele é mais presente e acompanha o crescimento dela, ela é um grude com ele, sendo que até a primeira palavra dela foi papai”, conta Monique. Gabriela Maia chama a atenção para a necessidade de se pensar a gravidez na adolescência a partir de um recorte de gênero, articulado com a ideia de prevenção às Infecções Sexualmente Transmissíveis (IST). As mulheres se tornam sempre alvo de responsabilização, seja por não se prevenir de infecções sexualmente transmissíveis, ou por engravidar. Além disso, na própria negociação de

métodos é atravessada por relações de poder. Desta forma, a psicóloga salienta a importância de se pensar até que ponto as mulheres e os homens estão em uma situação de igualdade e se as mulheres estão empoderadas para fazer valer suas decisões sexuais e reprodutivas, quando ainda vivenciamos relações de gênero desiguais. Mesmo com a queda no número de gravidez na adolescência, é preciso repensar formas de prevenção que sejam evidenciadas em espaços públicos e apropriados para os jovens. A prevenção não serve somente para uma gravidez indesejada, mas para doenças que podem levar à morte, como o HIV, por exemplo. Ainda existem mulheres que não sabem como lidar

com este processo e que lutam sozinhas para que seus filhos possam nascer com saúde, conforto e amor necessário para que se desenvolvam, sempre com a cabeça no futuro pensando se assim como elas terão a educação que lhe és direito. Toda mãe deita no travesseiro e pensa o que será dos filhos, o que irão comer amanhã e suas futuras profissões. Mas, toda mãe deveria se preocupar também em formar pessoas de caráter que poderão, amanhã, quem sabe, mudar o futuro. Entretanto, todo pai deveria lembrar que esta não é uma tarefa de mãe somente, da mulher, mas dele também. Afinal, é responsabilidade tanto do pai, quanto da mãe cuidar do filho ou filha que foi gerado pelos dois.

Monique foi mãe aos 14 anos e não teve acompanhamento psicológico Foto: Andriele Batista

line engravidou aos 14 anos e não teve acompanhamento psicológico. Contou com o apoio incondicional de sua mãe, do marido e seus familiares. Não foi instruída a procurar este tipo de acompanhamento e diz que no começo sua família não teve uma reação muito boa, mas a ajudou. Ela teve sua filha, permaneceu casada por muitos anos e ainda mantêm uma relação amigável com seu ex-marido e pai de sua filha. No seio familiar encontrou todo o acompanhamento e amor que precisou para criar seu bebê. Mesmo assim, é necessário lembrar que, como Monique, as mulheres enfrentam a gravidez sozinha, sem o acompanhamento e responsabilidade dos pais. A estudante enfrentou a gravidez e somente depois que sua filha nasceu que o pai - que também é menor de idade - , aceitou e se responsabilizou pela criança. Essa é uma realidade que as mulheres de nosso país ainda passam e irão passar, pois, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com base no Censo Escolar de 2011, há 5,5 milhões de crianças brasileiras sem o nome do pai na certidão de nascimento. “O meu pai nunca foi

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