JORNAL EXPERIMENTAL DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA UNISC - SANTA CRUZ DO SUL VOLUME 32 Nº 2 JULHO/2016
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APRENDIZES EM CONTAR HISTÓRIAS Nas páginas que serão apresentadas a você, caro leitor, prepara-se. Tome cuidado com o cheiro da liberdade. Nós, aprendizes de jornalista, resolvemos escrevinhar. Contar uma história. Contar duas, três, e quantas mais tivemos vontade de fazer. Dessa vez, não havia tema. Não havia regras. Nem limites. Apenas aspiração, e espero que não tenha sido pouca, para contar. Mas contar o quê? Você deve estar se perguntando. Nós lhes respondemos, aquilo que ninguém imaginou um dia virar sílaba, e da sílaba palavra, e de palavra em palavra linha. Para nascer o parágrafo, e mais um, dois, três, até a história nascer. Ganhar vida em matéria e reportagem. Leitor, escrevemos este jornal como contadores. Contadores de falas, de lágrimas, de risadas, de sentimen-
tos. Escrevemos para sermos lidos, e também, para escrever a história de quem escolhemos dar vida em palavra e papel. Este jornal foi feito com a liberdade de ser. Nós, quase jornalistas, corremos ruas, entramos em casas e apartamentos. Fomos onde achamos haver uma história que merecia ser narrada. E agora, pedimos a você, para ler com a mesma liberdade, curiosidade e vontade que tivemos em historiar. Da capa à contracapa. Do início ao fim. Histórias que antes eram deles, depois nossas, e, agora, de você leitor. Fique à vontade em abrir estas páginas, e boa leitura.
NOTAS SOBRE ELA Ela é do jeito dela, única, diferente, simples, mas faz somar e chama atenção por onde passa. O sorriso dela é mágico e deixa qualquer manhã mais bonita, como raios de sol embelezando o dia. Ela tem uma risada tão gostosa quanto a canção mais bonita. Ela é toda menina, desde o tamanho até o tom da voz, mas no fundo é uma mulher muito independente e bem decidida que sabe o que quer. Ela gosta de tomar banhos quentes, talvez isso ajuda a manter todo aquele fogo que ela possui. Eu poderia me perder em cada curva do corpo dela e nem me preocuparia em me encontrar, ela ia gostar. Ela é linda, mas nunca admite isso, já faz aquela cara de sem jeito e fala “tu que é’’ então quem fica sem jeito sou eu. Ela gosta de café forte, isso acompanha a mulher forte que ela é. E gosta de chá sem açúcar, porque a doçura já está nela. É lindo quando ela sorri, desaparece os lábios de cima e dá
espaço para uma boca cheia de dentes que ela tanto cuida. Ela quase sempre passa batom mesmo sabendo que vai deixar ele em mim ao me ver. Ela tem cabelos lindos, mas também consegue ficar linda de touca. A beleza anda junto com ela, no falar, no jeito, no olhar, no sorriso, no andar, na sensibilidade, na áurea, no ser. Ela é medrosa, mas adora uma aventura. Ela é acostumada a dormir sozinha, mas quando durmo lá, me procura na cama e me abraça enquanto dorme. Eu devolvo esses abraços quando ela tem pesadelos, tento mostrar que estou ali e que está segura. Quando acorda, me faz uns carinhos antes de pular da cama, e antes de ir pra aula me dá um beijo doce como ela. Às vezes, talvez quase sempre ela é teimosa, mas sempre é querendo cuidar e assim bate o pé dizendo para eu por casaco até eu aceitar e colocar. Ela não tem preferências, comida predileta ou
cor preferida, gosta de tudo um pouco. Mas tem do que ela não goste, mostarda e salsa estão no topo da lista. Ela não ouve música, embora saiba cantar direitinho a letra de várias canções que eu boto para tocar. Ela não se prende muito a séries e filmes, mas livros são sua paixão e assim se perde em linhas e eu me perco nela, se perde lendo enquanto eu a leio. Ela é a pessoa mais curiosa e tagarela, gosto tanto disso nela, porque assunto nunca nos falta e nem sorrisos para nós. Ela é a pessoa mais família que eu conheço mesmo morando vários anos longe do ninho, também come igual passarinho e não seria diferente sendo a andorinha que ela é para mim.
Júlia Vargas
juliavargas@hotmail.com
EXPEDIENTE
Demétrio de Azeredo Soster Professor e Editor Chefe
Nicole Rieger Repórter
Iuri Fardin Repórter
Yuri Vassallo Repórter
João Pedro Kist Repórter
Paula Cristina Turcatto Editora e repórter
Karine Naue
Revisora e repórter
Paulo Fernando Franco
Editor de fotografia e repórter
Dóris Konrad
Daniel Heck Repórter
Ingrid Jank Repórter
Júlia Carolina Beling
Repórter
Este jornal foi produzido na disciplina de Produção em Mídia Impressa, ministrada pelo professor Demétrio de Azeredo Soster.
Revisora e repórter
Diagramadora e repórter
Kethlin Meurer
Curso de Comunicação Social - Jornalismo Bloco 16 Sala 1612 Telefone: 3717-7383 Coordenador do Curso: Hélio Etges
Thiene Hermes
Sub-editora e repórter
Mônica da Cruz
Diagramadora
UNISC - Universidade de Santa Cruz do Sul Av. Independência, 2293 - Bairro Universitário Santa Cruz do Sul - CEP 96815-900
Stephanie Severo
Revisora e repórter
Impressão Grafocem Tiragem 500 exemplares Ilustrações e capa José Arlei Cardoso / Paula Cristina Turcatto Diagramação Karine Naue / Mônica da Cruz
Marcel Lovato
Editor online e repórter
Stephanie Freitas Repórter
Fernando Uhlmann Repórter
Fernanda Junkherr Repórter
Acompanhe o Unicom nas redes sociais: blogdounicom.blogspot.com facebook.com/unicomjornal @jornalunicom Volume 32 - nº 2 - Julho/2016 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA
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ALUNOS REALIZAM PESQUISA
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m grupo de alunos da disciplina de Produção em Mídia Impressa concluiu pesquisa opinativa sobre as edições passadas do Unicom, jornal laboratório do curso de Comunicação Social da Unisc. Foram desenvolvidas duas enquetes, uma quantitativa, no ambiente online, e
outra qualitativa, realizada presencialmente com estudantes do campus. No período de 23 de março a 9 de junho, a pesquisa quantitativa recebeu 80 respostas. Além de questões sobre conteúdo editorial e qualidade fotográfica, outros pontos citados para adaptação e ajus-
tes foram a divulgação e diagramação do jornal. A novidade no trabalho de pesquisa desta edição ficou por conta da parte qualitativa, que coletou dados de alunos do campus por meio das interações grupais em discussão sobre os tópicos apresentados. Com os resultados, os pes-
quisadores concluíram, de modo geral, que o Unicom se sobressai nas temáticas, mas precisa de ajustes na parte de divulgação. O conteúdo está disponível em: blogdounicom.blogspot. com.br/2016/07/o-quevoce-pensa-sobre-o-unicom-turma
E TAMBÉM EXERCITAM A AUDIODESCRIÇÃO
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audiodescrição é a arte de converter todo tipo de informação produzido pelos meios de comunicação ou de espetáculos culturais em um produto acessível para os deficientes visuais. É transformar o que se vê em algo que possa ser ouvido, por Alexandre Borges
meio de uma narração clara e objetiva. Esse recurso se constitui como um importante instrumento de integração social do público-alvo, além de promover a abertura das janelas da imaginação. Com essa técnica, os deficientes visuais podem ser mais independentes. Questionamentos sobre o que diz determinado parágrafo de um texto, como é certa figura ou até mesmo a decoração de um ambiente, dão lugar ao descobrimento e à vivência de novas experiências inclusivas. Desde o primeiro semestre de 2013, um grupo de alunos da disciplina de Produção em Mídia Impressa, se dedica a produzir a versão audiodescrita do
jornal Unicom. Em 2016/1, os responsáveis pelo processo foram os acadêmicos Dóris Konrad, Fernando Franco, Daniel Heck e Marcel Lovato. A jornalista Daia Carpes, precursora dessa ideia, orientou os trabalhos. Nós decidimos escolher cinco distintas reportagens veiculadas na edição “Unicom Marginais”, lançado no dia 15 de junho de 2016. A proposta é oferecer um conteúdo que possa ser igualmente aproveitado pelos deficientes visuais e por aqueles que enxergam. Para que isso fosse possível, os alunos se revezaram na produção de roteiros e gravações que privilegiaram o detalhe em cada informação. Inicialmente, apostamos na
inserção de efeitos sonoros para situar o ouvinte. Posteriormente, fizemos a descrição da página, explicamos as ilustrações e fotos presentes e as localizamos. Em seguida, fizemos a leitura do título e do resumo da reportagem, assim como do texto completo. Finalmente, apresentamos o autor da reportagem e seu contato.
O resultado final dessa audiodescrição poderá ser conferido no blog do Unicom (http://blogdounicom. blogspot.com.br) e no site Hipermídia (www. hipermidia.unisc.br).
5 Jovens de Venâncio Aires se propõem a ajudar pessoas que não conhecem.
OS PERSONAGENS DO VOLUNTARIADO
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cidade de Venâncio Aires conta com diversos clubes de serviço, entre eles há o LEO Clube. Trata-se de uma entidade formada por jovens, com idade de 12 aos 30 anos, que tem o objetivo de desenvolver a liderança, dar experiência e promover oportunidade aos integrantes. Fugindo de estereótipos, os integrantes não são vinculados a um partido político ou uma determinada religião e fazem as atividades com prazer. O sol esquenta a tarde fria de inverno na Capital do Chimarrão. Um grupo de cerca de 15 jovens se reúne para dar início ao roteiro de Willian Oliveira/Guia Venâncio
recolhimento da campanha do agasalho. Eles, com idades variadas, vão percorrer quatro ruas da cidade, de uma ponta a outra, batendo de porta em porta com um sorriso no rosto para receber doações, posteriormente distribuídas para pessoas desconhecidas. Entre um bater de palmas e outro, pequenos grupos vão se reunindo para planejar a programação da noite. Gustavo Barbosa, 27 anos, é desenhista em uma empresa de refrigeração. Participa há 14 anos do clube e já viu muitos entrarem e desistirem, mas também mantém amizades duradouras. No
diálogo com o presidente Carlos Alberto Frantz Júnior, 24 anos, empresário no meio de transportes, falam sobre novas atividades do clube, mas também há outros assuntos. As conversas sobre a balada na noite, qual a bebida que vão tomar e qual menina que pretendem ver são acompanhadas de gargalhadas, mas interrompidas por uma grande sacola de agasalhos. A dona de casa Romilda Carvalho fez uma separação prévia, retirou roupas que não estavam mais sendo utilizados pela família. “Obrigado, ‘gurizada’! Vocês fazem um excelente trabalho e espero que essas doações ajudem quem precisa. ‘Tá’ muito frio, imagina para quem não tem roupa. Agora, vou pressionar o maridão para dar uma renovada no guarda-roupa”, disse aos jovens soltando uma gargalhada e voltando para a limpeza do terreno. Na sequência do roteiro, o diálogo de Gustavo e Carlos sobre as festas é novamente interrompido. A pausa, forçada pelo repórter, é para explicar que a participação no LEO Clube não é vinculada a partidos políticos ou algum tipo de religião. “Tenho amizades no trabalho e quando digo que sou voluntário em um
clube de serviço, as pessoas questionam sobre qual igreja eu frequento ou se sou partidário. Já ficou normal responder, mas é preciso entender que somos jovens como os outros. Nós decidimos ajudar a comunidade através de um clube de serviço, não é por isso que deixamos de manter hábitos comuns da nossa idade”, disse. Quatro ruas depois, aproximadamente dez quilômetros percorridos durante o período da tarde, os jovens se despedem e o presidente Carlos agradece a presença de todos. O material recolhido é entregue para a Prefeitura de Venâncio Aires. O grupo não participa da distribuição dos agasalhos, assim como os receptores nem imaginam quem doou ou quem foi o responsável pela coleta. Religiosa, a senhora Cláudia de Andrade, 72 anos, aposentada, é breve ao agradecer o material. “Graças a Deus essas roupas chegaram, é muito frio aqui e fica difícil até para dormir”, afirma a idosa ao pegar uma sacola previamente separada e que vai ajudar no combate ao frio, sem saber do trabalho desenvolvido pelos jovens.
Daniel Heck
dani.lheck@yahoo.com.br
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De A.C. a D.C: conheça a história da humanidade Antes e Depois da Cerveja.
COMO A CERVEJA MUDOU O CURSO DO MUNDO
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história da humanidade, nos seus mais de cem mil anos, é impossível de ser totalmente resgatada. Por conta dos inúmeros mistérios que ficaram para trás, escutamos as mais variadas teorias para tentar explicar o passado. Desde as pirâmides terem sido construídas por alienígenas, até a Muralha da China poder ser vista da Lua. Mitos e superstições não faltam. Mas há, de fato, verdadeiros acontecimentos na história que mudaram o rumo da humanidade e que nunca ouvimos falar. Um deles está na mesa do bar, toda sexta-feira. Que a cerveja muda nossas vidas, atualmente, nós já sabemos. Que ela motiva muita festa, muita comemoração e anima o fim de um dia cansado, temos certeza. Mas e se alguém te contasse que a cerveja é mais antiga que os primeiros nômades? Se contasse que ela impulsionou a agricultura, salvou a Idade Média e foi a grande pioneira do capitalismo? E
se alguém fosse além disso, e te contasse que a cerveja está extremamente vinculada às construções das pirâmides? O documentário ‘Como a cerveja salvou o mundo’, do History Channel, nos afirma que tudo isso é verdade. Vai mais longe: propõe que a linha da história da humanidade pode ser dividida entre Antes da Cerveja e Depois da Cerveja. DOS NÔMADES ÀS PRIMEIRAS CIVILIZAÇÕES Vamos por partes. Como sabemos, o percurso do homem primata mudou no momento em que ele decidiu parar de ser nômade para estabelecer-se em um local fixo. Acontece que o que hoje é chamado pelos historiadores de Revolução Agrícola - quando o primata deixou de caçar para começar a plantar - aconteceu por conta de um alimento específico: a cevada! Por anos pesquisadores pensavam que o impulsionador da domesticação de alimentos era o pão, mas
esta nova teoria indica que o malte passou a ser cultivado para fazer cerveja. A prova seriam resíduos de jarras antigas encontradas pelo arqueólogo Pat McGovern. As ‘pedras cervejeiras’ são evidências de que o homem possuía, sim, um recipiente usado originalmente para a cerveja. Estes artefatos encontrados são de pelo menos três mil anos antes do período em que se sabe que o homem começou a produzir pão. Mas como homens primatas seriam capazes de produzir cerveja? Acredita-se que o produto tenha sido descoberto por completo acidente. Há dez mil anos, caçadores coletavam cevada selvagem como fonte de alimento. Nestas coletas, a cevada colhida era depositada em recipientes vazios. Em um provável momento, os homens foram à caça e deixaram os recipientes com cevada ali. Segundo cientistas de fermentação, deve ter chovido o suficiente para os grãos crescerem e produzirem açúcar e, em outro
momento, o suficiente para encher os vasos de líquido. E está feito! Fermentos selvagens convertem os açúcares da cevada em Dióxido de Carbono (CO2) e álcool, a provável primeira cerveja do mundo. Quando os caçadores voltam, encontram uma mistura borbulhante e é claro que alguém iria se atrever a beber. A partir deste ponto, as coisas nunca mais seriam as mesmas. Humanos não tocavam uma bebida por mais de três milhões de anos de evolução. Especialistas, hoje, acreditam que foi a ‘boa sensação’ que a cerveja traz que persuadiu os humanos a continuarem cultivando cevada. A busca por uma cerveja melhor e por maneiras de produzi-la, teria sido um efeito dominó em uma série de invenções que usamos até hoje. Os homens, cansados de andar com um pedaço de pau abrindo buracos no chão, acabam descobrindo o arado. Parte deste chão não era adequado à agricultura, a menos que houvesse irrigação. Quando o homem passa a
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produzir todos estes alimentos, ele não quer mais ficar carregando-os por aí. Então o que surge? Carroças com rodas para transportar os produtos e fazendas para cultivá-los. A necessidade de gravar a produção e a distribuição de mercadorias como a cevada que levou o homem a outra nova descoberta: a escrita. Na primeira língua escrita do mundo, a cuneiforme, encontra-se palavras referente à cerveja por todo o dicionário da língua antiga. São mais de 160 palavras que especialistas em textos rudimentares enPixabay
contraram relacionadas à bebida. Provamos, assim, que a cerveja foi essencial para a formação das primeiras civilizações! AS PIRÂMIDES, O ANTIBIÓTICO E A IDADE MÉDIA Uma das maiores civilizações antigas foi a egípcia. Depois de tudo que vimos até aqui, seria muita ingenuidade acreditar que a cerveja estaria de fora desta. Historiadores provam, hoje, que a construção das pirâmides foi impulsionada pela bebida. Em uma
civilização em que a cevada era nutrição e um dos principais alimentos, os pagamentos diários dos trabalhadores das construções eram feitos em cerveja. Eles recebiam em média quatro litros por dia, ou seja, uma quantidade incrível de cerveja foi usada para construir as pirâmides. Por exemplo, seria necessário 875.904.704 litros para construir a pirâmide de Gizé. Cientistas também descobriram o antibiótico tetraciclina em ossos mumificados, em uma quantidade que prova que os egípcios deveriam consu-
mir o provedor do antibiótico todos os dias. Advinha qual era? A nossa amiga cerveja, isto mesmo. Graças à cerveja, o homem se curava com antibiótico três mil anos antes do medicamento ser descoberto. Ah, quando e como foi descoberto? Desta vez não precisa nem adivinhar, né? Louis Pasteur descobriu a bactéria estudando a cerveja. Quando percebeu que ela estava com o gosto ruim e que a bactéria que estava causando isso, se perguntou se o mesmo não poderia ocorrer com as pessoas. Surge, então, a
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teoria dos germes. Antes disso, as pessoas nem imaginavam que germes existiam. Higiene? Nem pensar! Acreditavam que as causas das doenças eram espíritos malignos e forças da natureza. Médicos e parteiras nem lavavam as mãos antes de fazer um parto. A cerveja foi a base da medicina moderna. Como se não fosse o bastante, a cerveja resolveu salvar até a Idade Média. Em uma época em que a água era
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suja, as chances de viver até os seis anos eram de 50%. Acontece que, esta água praticamente impotável, era transformada em cerveja. Embora na época não se soubesse, a fermentação da cevada matava as bactérias da água. Sem saber o porquê de fazer mais bem que a água, os homens medievais bebiam cerveja do berço ao túmulo. No século XVI, cada indivíduo - incluindo mulher, homem e criança -
bebia cerca de 300 litros de cerveja por ano, seis vezes o que bebemos hoje. A INDÚSTRIA CERVEJEIRA O consumo de cerveja não parou através dos séculos. Com uma demanda tão alta, atraiu uma nova classe, a de empreendedores, transformando-se em um produto pioneiro do capitalismo moderno. Cerca de 150 anos atrás, quando não existiam ar condicionados, surgiu nos Estados Unidos uma nova cerveja: a Lager. O produto tomou conta da América, entretanto, só podia ser bebida no inverno, pois era essencial que estivesse gelada durante sua produção, para manter seu gosto diferencial. A única maneira de conseguir gelar uma bebida naquela época era com o próprio gelo da rua, pesado e caro. Portanto, só havia consumo de Lager no inverno. Os empreendedores cervejeiros jogaram dinheiro em pesquisas e o primeiro refrigerador foi a máquina inventada por Carl von Linde, em 1881, feita para refrigerar a cerveja. Resumindo? A indústria da cerveja resolveu um dos maiores problemas da humanidade: o
armazenamento de alimentos. Refrigeração significa ar condicionado, manufatura e armazenamento de medicamentos, a geladeira de casa e até a habilidade de manter órgãos vivos para transplante. Além disso, produção de cerveja revolucionou a história da indústria, automatizando as linhas de produção pelo menos dez anos antes que Henry Ford e o carro. Foi porque os ingleses estavam sem cerveja no barco que acabaram mudando a rota e descobrindo os Estados Unidos, sua nova colônia. A Revolução Americana foi planejada em tavernas com a cerveja na mão. George Washington, Thomas Jefferson e Sam Adams eram todos cervejeiros. O próprio Benjamin Franklin já dizia “A cerveja é a prova de que Deus nos ama e nos quer ver felizes”. Confesso que começo a acreditar nesta teoria. PARA SABER MAIS: O documentário ‘Como a cerveja salvou o mundo’, do History Channel, está disponível online no Youtube.
Nicole Rieger
nicolerieger12@gmail.com
9 Simpática, meiga e linda. Em um conto de fadas moderno, a princesa dessa história é tatuada.
A PRINCESA TATUADA
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stamos em Santa Cruz do Sul, terra de colonização alemã e berço das tradições germânicas. Prova disso, a Oktoberfest, maior festa germânica do estado do Rio Grande do Sul que ocorre todos os anos no mês de outubro e reúne pessoas de vários lugares do país para celebrar a cultura germânica. É nesse cenário que encontramos a personagem principal de nossa história: Aíscha Garcia Schlittler. A primeira impressão que se tem é de que ela parece ter saído de algum conto de fadas. Dona de uma beleza ímpar e um sorriso contagiante, a bela foi eleita, no mês de maio, uma das princesas da 32ª edição da festa. Apresentadora de um programa de televisão em uma emissora local, modelo e DJ nas horas Marina Winck
vagas, Aíscha é espontânea e delicada. De alma leve, cheia de sonhos, ela ama a família, os amigos, os animais e suas tatuagens. É, você leu direitinho, ela ama suas tatuagens. A princesa dessa história é tatuada. Mas vamos por partes. Tudo começou em torno de três anos atrás quando Aíscha se envolveu pela primeira vez profissionalmente com a Oktoberfest. Ela integrava a equipe que organizava o espetáculo de escolha das soberanas e também os desfiles temáticos durante a festa. Durante esse período, Aíscha deu vida em várias ocasiões aos mascotes da festa, o lendário casal: Fritz e a Frida. Foi o carinho que recebeu das pessoas nesses momentos que despertou
sua vontade de participar do concurso: “Era sempre muito divertido e gratificante, até que começou a surgir em mim uma vontade de estar do outro lado, com aquelas meninas lindas, com aqueles vestidos que pareciam sair de um conto de fadas.” Chegamos ao meio da história, é hora dos desafios. Sim, vamos falar nas tatuagens. As tatuagens apareceram na vida de Aíscha nos últimos anos, de forma bem espontânea e gradativa. “Nunca olhei para alguém e tive vontade de ter tattoos. Comecei a ter algumas ideias e querer expressar as coisas que eu gostava.” Foi assim que cada uma das ideias foi tomando forma, se tornando desenho e, aos poucos, ganhando espaços no corpo. Maiquel Moraes, tatuador e amigo de Aíscha, conta que o primeiro projeto que trabalharam juntos foi com temática do Pink Floyd e depois dali não pararam mais. Para o tatuador, Aíscha é surpreendente. “Ela tem muita atitude, sempre vem com alguma coisa nova, às vezes eu preciso frear ela. Ela é mais Rock’n Roll que muito marmanjo por aí.” Do rosto da personagem de Angelina Jolie no filme ‘Malévola’, até Jonny Deep em ‘A Fantástica Fábrica de Chocolates’, as tatuagens misturam personagens, frases e elementos que contam a história de Aíscha. Uma maneira diferente de expressar seus sentimentos,
suas dores e as coisas de que gosta: músicas, filmes, livros, poesias e teorias. Agora das tatuagens, vamos para o concurso. Foram necessários três anos até que Aíscha tivesse coragem para se inscrever no concurso. “O primeiro pensamento que tive foi que eu nunca me encaixaria naqueles ‘padrões’, porque eu era diferente, porque eu tenho os braços tatuados, porque eu não sou loira natural, porque não sou magra, porque eu não tenho olho azul”. Ainda que tivesse algum receio, a atitude de Aíscha em participar do concurso fez a menina subir na passarela para se tornar a princesa tatuada da Oktoberfest. E nessa história toda, da garota que já foi os bonecos do Fritz e da Frida, que é DJ, que gosta dos animais, que nasceu morena e ficou loira, Aíscha sabia que aquela atitude representava algo para além da coroa conquistada. Ela estava desconstruindo padrões e encorajando outras meninas. Faltando menos de quatro meses para a Oktoberfest, chegamos ao fim desta história. Aíscha tem muito trabalho pela frente. Ela segue com aquele sorriso meigo no rosto, o porte de princesa e os braços tatuados. Muito mais do que novas histórias, o que gostamos de verdade, são os finais felizes.
Dóris Konrad
dlkdoris@hotmail.com
10 Horácio Jank guarda com carinho uma coleção de cerca de 50 relógios oriundos de diversos países.
O ADMIRADOR DE RELÓGIOS
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á muito tempo escutamos falar que trabalhar com o que gostamos de fato é gratificante e prazeroso. É com essa alegria e amor pela profissão que o relojoeiro Horácio Jank, 60 anos, morador de Venâncio Aires, vive há pelo menos 44 anos. Apaixonado por relógios, há dois anos guarda com carinho uma coleção de cerca de 50 deles. Adquiridos por meio da internet, são oriundos de diversos países, entre eles, Itália, Suíça, Alemanha e China. O mais caro custou cerca de R$ 650 e é sueco. São os relógios com marcas originais e autênticas que mais chamam atenção de Jank e é por isso que não abre mão de usá-los e tê Ele começou ainda guri a trabalhar com o conserto do objeto. A oportunidade de emprego surgiu quando um amigo precisava de alguém para auxiliar no serviço de uma relojoaria. Jank chegou a fazer diversos cursos, mas não relacionados à área em que atua no momento. Para ele, o que encanta é o fato das peças minúsculas do relógio fazerem dele, ao mesmo tempo, um objeto atraente, útil e
com uma complexidade tão grande. Segundo o relojoeiro, sua profissão está quase escassa no mercado de trabalho. Isso porque não é tão rentável e, embora para algumas pessoas pareça simples, é uma profissão que exige mão de obra especializada e qualificada. Para ele, o trabalho de relojoeiro nada mais é do que um dom, algo que está no coração e na alma das pessoas. Qualquer talento que nasce com os seres humanos precisa aflorar e ser colocado em prática. A cada momento em que se desafia a consertar algum relógio, Jank admira ainda mais os criadores do objeto por eles terem elaborado peças tão pequenas. Para enxergá-las, às ezes é preciso, até mesmo, do auxílio de uma lupa. EVOLUÇÃO DOS RELÓGIOS Quase tudo no mundo evoluiu e com os relógios não foi diferente. Jank relembra, por exemplo, os relógios antigos, que eram de dar corda e não tinham uma complexidade tão grande como os de hoje. Além disso,
a maioria deles era automático, ou seja, o relógio recebia corda quando a pessoa mexia o pulso. Ele ainda conta que a matéria prima dos objetos era constituída por elementos nobres e, por isso, eram caros. Hoje em dia, segundo o profissional, as pessoas optam por adquirir relógios cada vez mais baratos e, em função disso, estes estragam com mais facilidade. Jank ressalta que 95% dos relógios comercializados hoje são os de quartzo, ou seja, abastecidos por uma bateria. Os outros 5% vendidos se referem aos relógios mecânicos, nos quais é possível enxergar os componentes tanto na frente quanto no verso. Os mecânicos, conforme o relojoeiro, estão em extinção, até porque o conserto deles é tão caro, que mais vale a pena comprar um relógio novo.
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Os relógios antigos eram de dar corda e não tinham uma complexidade tão grande como os de hoje
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As manutenções realizadas pelo relojoeiro são feitas principalmente devido ao mau uso dos relógios hoje em dia, como, por exemplo, quando entra água ou, ainda, quando pegam umidade. A PROFISSÃO NO DIA A DIA Ele conta que apenas manda o relógio para o conserto a pessoa que de fato atribui a ele um valor ímpar, ou seja, porque foi de alguém da família ou porque o possui há muitos anos. “Quando a pessoa tem uns cinco relógios em casa e estraga um, ela coloca este de lado e usa os outros. Não costuma mandar arrumar o que estragou”, explica. Mesmo que esteja aposentado, Jank não abre mão de realizar a profissão e ainda da melhor forma possível. Na opinião dele, o ramo não é para qualquer um. Um bom relojoeiro precisa ter, no mínimo, paciência, pulso firme e visão excelente. Onde trabalha, os relógios são brasileiros e os clientes são cautelosos na hora da compra, isso porque é raro Jank ver alguém com interesse em comprar algum
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relógio mais caro, no valor de R$ 800, por exemplo. Os mais presenteados custam em torno de R$ 130, preço considerado intermediário. Os relógios mais baratos são comprados para uso próprio e não como alternativa de presente. O desafio de montar e desmontar os relógios todos os dias e conhecer, assim, um pouco mais sobre os componentes do objeto, é o que gera uma satisfação pessoal muito grande para o profissional. Contudo, assim como todas as profissões, Jank também enfrenta algumas dificuldades. Entre elas, está o conserto dos relógios multifuncionais. Estes, além de mostrarem as horas, minutos e segundos, trazem
informações extras, como as fases da lua, pontos cardeais, entre outras. No entanto, o grau de dificuldade para montar e desmontar esses relógios é altíssimo. Embora a profissão de Horácio Jank não seja uma das mais remuneradas no país, para ele, o que encanta mesmo é o ‘gostinho’ de aprender a cada dia e fazer com amor o trabalho que realiza há tantos anos. Cada relógio que Jank precisa arrumar, é como se, para ele, fosse um novo desafio e uma nova descoberta em meio a esse ‘fantástico mundo do tempo’.
Kethlin Meurer
kethlinmeeurer@hotmail.com
PRIMEIRO RELÓGIO Acredita-se que a primeira forma de noção de ‘marcação’ do tempo estava relacionada à posição da sombra das coisas durante o dia. Com o Relógio de Sol analisava-se a sombra projetada de um objeto no chão. Este é o mais antigo dos relógios, já que, desde os primórdios, o homem se deu conta de que o nascer do Sol é um fenômeno que se repete a intervalos de tempo regulares. O mais antigo Relógio de Sol conhecido foi construído por volta de 1.500 A.C. no Egito. As linhas das horas eram marcadas na pedra a intervalos regulares. Fonte: Site Infoescola
Kethlin Meurer
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O Reiki é uma técnica simples, segura e natural, por meio da qual você pode melhorar a sua saúde.
VOCÊ CONHECE A TERAPIA REIKI? Arquivo pessoal
Lisani Lucia Bernardini, 57 anos, é professora e terapeuta reikiana. Nessa entrevista para o Unicom, ela vai esclarecer as dúvidas e possíveis curiosidades sobre o Reiki. Você vai conhecer, também, os chakras, entender como eles funcionam e para que servem. Reprodução Pixabay
THIENE: O que é Reiki? LISANI LUCIA BERNARDINI: O Reiki é uma técnica de reposição e equilíbrio de energias. Equilíbrio do Yin e do Yang – são dois princípios cósmicos primários do universo -, que serve para fortalecer o sistema imunológico, equilibrando os chakras. O Reiki não é religião, não é modismo, não é ‘benzimento’, mas sim, uma técnica utilizada para o bem-estar do paciente. É com os chakras equilibrados que se melhora a saúde e a qualidade de vida. Qual a importância do Reiki? Organizar as energias que estão desorganizadas. Muitas vezes o dia a dia do ser humano é uma loucura, os
encontros e desencontros da vida fazem com que a pessoa se desequilibre e muitas vezes se perca. Então, para receber o Reiki, a pessoa tem que se colocar à disposição, porque ninguém vai receber se não quer. É indicado para que tipo de tratamento? É indicado para tudo, todos os tipos de tratamento. Ele alivia dores, serve para o estresse, para a ansiedade, para os problemas de insônia, para os vícios, entre outros. Como ele age no organismo de quem recebe? O essencial para as energias fluírem é que a pessoa se permita. Nada acontece
se você não permitir e não acreditar que é merecedor. Então, se sentirá bem quem aceitar a técnica. No que o Reiki pode ser aplicado, apenas em pessoas? Não, ele pode ser aplicado, também, em animais, nas plantas e na água. Se o Reiki transmite energia ao paciente, haveria uma troca dessas energias? Não, pois o reikiano é um canal. Ele equilibra as energias que vêm do universo para que o paciente se sinta bem. Em nenhum momento o reikiano perde suas energias, nem adquire as energias de quem está recebendo.
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E com o tempo, após algumas aplicações, o paciente consegue equilibrar sua energia sozinho? Com certeza, porque a pessoa vai aprendendo, vai sentindo que ela pode e precisa se ajudar. A maneira como ela vive vai fazer com que ela se melhore. Qual é a preparação que o reikiano precisa para aplicar essa técnica? São muitas as preparações,
a gente passa por oficinas e cursos. Começa-se pelo nível um, que é o primeiro passo. Ali começamos a conhecer o que é o Reiki, como a gente pode se envolver nesse trabalho. Pode-se dizer que é fase do conhecimento, é a auto aplicação do Reiki. Depois vem o nível dois, que é conhecer a si mesmo. Nessa caminhada tu vais procurando o aprimoramento, fazendo a limpeza espiritu-
al. O nível três é quando tu começas a poder aplicar a técnica nos outros. Por que utilizar o Reiki nos hospitais? Porque a doença é um desiquilíbrio. Você só adoece, porque alguma coisa lhe desequilibrou. Diversos fatores podem influenciar. A medicina trata a depressão com remédios, mas não se procura saber as causas da doença. A depressão vem
desses desequilíbrios, que vêm de anos, até mesmo de dentro da barriga da mãe. E assim é com todo o tipo de doença. Essas terapias integrativas estão sendo vistas por alguns profissionais da saúde, que compreendem que elas devem caminhar juntas, lado a lado. O paciente não precisa só de remédio, mas de um abraço.
Thiene Hermes
thi_hermes@hotmail.com
CHAKRAS 7°- Chakra Coronal O Chakra Coronal é sobre a sabedoria. Quando este chakra está aberto, você não é prejudicado e fica completamente ciente do mundo e de você mesmo. 6°- Chakra 3° Olho O Chakra dos Olhos é sobre a introspecção e a visualização. Quando está aberto, você tem uma boa intuição. Você tende a fantasiar. 5°- Chakra da Garganta O Chakra da Garganta é sobre à auto expressividade. Você não tem nenhum problema em expressar-se. 4°- Chakra do Coração O Chakra do coração é sobre o amor, a bondade e a afeição. Quando está aberto, você é piedoso e amigável, e você trabalha em relacionamentos harmoniosos. 3°- Chakra Plexo Solar O Chakra Solar é sobre afirmar-se em um grupo. Quando está aberto, você se sente no controle e você tem suficiente autoestima. 2°- Chakra do Umbigo O Chakra do Umbigo é sobre o sentimento e a sexualidade. Quando está aberto, seus sentimentos fluem livremente e se expressam sem você perceber. Você está aberto à intimidade e você pode ser passional ou vivido. 1°- Chakra - Raiz O Chakra da Raiz é responsável pela energia do corpo físico. Se estiver aberto, você se sente aterrado, estável e seguro. Você não desconfia desnecessariamente das pessoas.
Renata Bobrowski Rodrigues
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Munidos de faixas, cartazes e boas intenções, estudantes defendem seus professores e melhorias na educação pública.
OCUPAR PARA APRENDER
C
omo diz nosso próprio hino, “Mas não basta pra ser livre. Ser forte, aguerrido e bravo. Povo que não tem virtude. Acaba por ser escravo”. Nossos estudantes não poderiam deixar por menos o que iniciou com os paulistas. Valentes e destemidos revelam sua grande virtude em busca de melhorias na educação pública. Com o apoio de diversas entidades e alimentados por uma ampla insatisfação, às manifestações do movimento estudantil gaúcho eclodiram, a partir de maio deste ano, por todo estado do Rio Grande do Sul. Mas as pautas que denunciam a suposta privatização da educação através da PL 44, a falta de
estrutura e o parcelamento dos salários do funcionalismo gaúcho, também apresentam organização nas chamadas ‘Ocupações’. Com mutirões de limpeza, palestras, debates, cineclubes, atividades esportivas e culturais conseguem expor para a sociedade que a escola precisa urgentemente se reinventar. Por mais singelos os municípios, suas representações surgem como uma provocação à inércia social. Não precisei ir muito longe para presenciar os atos. No pequeno município de Pantano Grande, a 120 quilômetros da capital Porto Alegre, ao qual sou natural, os estudantes da Escola Estadual de Educação Básica Pedro Nunes de
Oliveira quebraram seus paradigmas ao aderirem às manifestações. Sem grande histórico de mobilização estudantil, a escola de mais de 50 anos ganhou os holofotes na imprensa regional. Os estudantes não consideram como ocupação, muitos menos uma obstrução da lei. Munidos de faixas, cartazes e boas intenções, se dizem assim defender seus professores e uma nova estruturação na educação pública. Logo na cobertura da primeira manifestação pelas ruas da cidade, que ocorreu na fria manhã de quinta-feira, dia 2 de junho, fui recebido com certos olhares de desconfiança. Alguns muito jovens, convictos de seu protagonis-
mo, mas com um pouco de insegurança. Poucos professores representavam a categoria, mas o número de estudantes era expressivo e as falas de incentivo ecoavam pela cidade. “Oooô Sartori, mãos de tesoura, cadê o salário da minha professora” eram as palavras de ordem mais citadas, enquanto os cartazes direcionavam a pauta “O professor é meu amigo, mexeu com ele mexeu comigo”. Apenas cobrir a manifestação não seria o suficiente para abordar um assunto tão complexo. Fiz contato com professores e me aproximei novamente dos estudantes durante oficinas de mobilização na escola. Já era por volta das 16 horas da quinta-feira, dia Paulo Fernando Franco
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9 de junho, quando cheguei na primeira atividade, me apresentei, conversei com os coordenadores da oficina e, em seguida, fui anotando a programação para os próximos dias. Naquele momento, estavam limpando e organizando canteiros em frente ao colégio. Mais de dez estudantes executavam a tarefa. Tudo parecia muito organizado, inclusive os canteiros. Em conversas com o grupo, logo entendi que não existiam lideranças e sim um coletivo. Perguntei como estavam organizando a ocupação e, de imediato, me rebateram, “Não consideramos ocupação, pois não estamos acampados na escola e muito menos impedindo o seguimento das aulas”. Disseram-me que as atividades ocorrem em consenso, onde apenas recusam-se a entrar na sala, mas seguem com atividades paralelas, como as oficinas de jardinagem, ritmos, teatro, e outras. Conforme relataram, uma das prioridades da mani-
festação, além do repúdio ao parcelamento do salário dos professores, é impedir a aprovação da PL 44, que supostamente poderia permitir que a educação pública fosse privatizada. APOIO FAMILIAR Presidente do grêmio estudantil do colégio, a estudante Amanda Dall’Agnol de 17 anos, diz que iniciaram as atividades em consenso com as manifestações do estado. “Soubemos o que estava acontecendo pela internet mesmo. Foi tudo muito rápido”. Ela lembra que de início foram alguns contatos com ocupações em Caxias, em seguida, cidades vizinhas também já estavam se mobilizando. Amanda é irmã do professor Mateus, formado em filosofia pela Universidade federal de pelotas (UFPEL), agora leciona na escola Pedro Nunes, onde foi aluno. Seus pais também apoiam a iniciativa, mas já foram contra. “Estavam preocupados por causa das faltas.
ENTENDA O QUE OCORREU Movimento de tomada de escolas por alunos no Rio Grande do Sul tem relação com a greve do magistério e com experiência iniciada em São Paulo. Cresceu pelo Estado com o apoio de entidades de estudantes, como a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES) e União Gaúcha dos Estudantes Secundaristas (UGES). PL 44/2016: A proposta qualifica genericamente como “organizações sociais” iniciativas que podem substituir o governo nas áreas de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, gestão, proteção e preservação do meio ambiente, ação social, saúde e cultura.
Também me preocupei, mas logo entenderam a importância do que estamos fazendo”. A jovem Luísa Barroso, 17 anos, estudante do terceiro ano, contou desde o início com o apoio da família. Seu pai, Luís Barroso, sempre fez parte de movimentos sociais no município. O irmão Bruno, 20 anos, também já foi uma liderança pelo grêmio estudantil na escola e hoje o representa na Universidade federal de pelotas (UFPEL), onde é acadêmico de Direito. “O apoio das famílias foi muito importante para o movimento, principalmente nos momentos de insegurança, não deixando que ficássemos desmotivados pelos obstáculos”, relatou Luísa. O QUE PENSAM OS PROFESSORES Cristina Freitas é professora de História formada pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) e vicediretora no turno da tarde. Acredita que as manifestações são importantes para a construção da cidadania. “As escolas têm como objetivo, em suas propostas, formar alunos críticos, autônomos e participativos. Parece que a teoria está sendo colocada em prática. Mas isso assusta! Porque é novo, professores e direção têm medo de perder o controle da situação. Eu não vejo dessa forma, acre-
dito que essas atitudes nos aproximaram, criamos laços importantes no processo do conhecimento”. ACORDO COM O GOVERNO O Governo do Estado acabou fechando acordo no dia 14 de junho, porém, um grupo de estudantes, considerados dissidentes, foi contrário ao acerto. O diálogo foi retomado de novo no dia 21 de junho. Conforme negociação, uma das pautas acordadas é a PL 44, que apenas será levada para votação na Assembleia Legislativa em 2017. Seguindo o acertado, até o fechamento deste texto, na maioria das escolas os alunos já retornaram as aulas. No colégio Pedro Nunes de Oliveira, os estudantes não se dizem totalmente satisfeitos. “Não foi retirado o PL 44, somente adiado. Explicaram pouco como funcionaria o Farol do Futuro.” ressaltou Luísa Barroso, mas garantem que este foi o primeiro passo de grandes conquistas para o movimento estudantil. Quando perguntei qual foi o maior legado destas manifestações, de logo me responderam. “A interação entre alunos e turnos opostos. Pouco nos conhecíamos, havia certa falta de contato. Hoje lutamos juntos pelos mesmos ideais”.
Paulo Fernando Franco pfernandofranco@gmail.com
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Quando um texto foi escrito junto à melhor dupla que a vida poderia me proporcionar
UM BLOCO DE ANOTAÇÕES PARA DOIS
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ão se sabe ao certo quando o jornalismo entrou na sua vida, mas ele virou meta prioritária desde as primeiras palavras escritas em um papel. Tudo traçado.Cronometrado. Uma vida idealizada em um passo a passo impecável: até surgir uma gravidez não planejada. Quer dizer, planejada sim, nos planos de Deus, é o que ela costuma dizer. Com a nova situação, novos desafios se tornavam avantajadas pedras no caminho que havia sido tão bem idealizado. Ela as juntou e, perdoem-me o clichê, fez das pedras, os degraus de sua escada. Essa sou eu. Aos 21 anos, com a Manuela dentro de uma barriga de oito meses de gestação e com um grande desafio em mãos: escrever uma matéria digna de um Unicom. QUARTA-FEIRA, 2 DE MARÇO Acordei com um irritante desconforto nas costas, resultado comum em todas as manhãs quando se está quase no oitavo mês de gestação. Assim como a coluna – que está em formato de ‘s’ - o peso da barriga já não me permite caminhar como antes e, por conta disso, saí de casa uma hora antes do horário da primeira aula do jornal-laboratório. Todo aca-
dêmico de jornalismo que se prese deseja que a sua participação no Unicom seja memorável e, mesmo com a pasta recheada de incertezas pela condição de ser uma universitária gestante, eu fui atrás de mais uma realização acadêmica. A caminhada durou mais do que o esperado, mas, ainda assim, cheguei no bloco antes que o professor. Fiquei esperando em torno de dez minutos e, quando ele chegou, pegou a chave da sala e notou a minha presença. Roliça. Pés e rosto inchados. Rumamos juntos à sala. Ele, preocupado com o fato de eu já estar no último trimestre da gestação; eu, preocupada com a preocupação dele. Chegamos à sala de aula e eu, sem esperar, abri meu caderno que já continha anotações sobre a aula que ainda nem havia começado. Manuela, minha filha, chutou a aula inteira. Estava tão empolgada quanto eu. Conversa vai, conversa vem, tive todo o apoio de meu professor e, assim, iniciamos este trabalho. Um experimento: quando o repórter se torna a fonte. Um diário sobre uma grávida na reta final da gestação tendo participação ativa na produção de um jornal-laboratório. Um desafio que traz consigo uma série de ansie-
dades, mas que também trará respostas para mim e para outras acadêmicas, de tantos outros cursos, que podem passar (ou já estão passando) por uma situação semelhante. QUARTA-FEIRA, 9 DE MARÇO O dia amanhecera tal qual a madrugada: chuvoso. A expectativa para a segunda aula era grande, visto que, depois das apresentações da primeira aula, partiríamos para o tema do primeiro jornal Unicom do semestre. Todos os alunos estavam empolgados e com a cabeça fervilhando de ideias para a nossa primeira reunião de pauta. Ficar sentada na cadeira por um bom período de tempo não é nada confortável quando estamos falando de uma gestante que está quase ganhando o bebê, mas a interação da turma nesse novo trabalho é tão impressionante que os pormenores podem passar desapercebidos. Todos contribuem. Um tema é decidido. Agora, na nossa mente, começam a fervilhar ideias sobre pautas que girem em torno de marginais, no sentido daquilo que está à margem e não no centro. É difícil. Complexo. Um desafio. E é isso que estamos procurando. Ficar mal acomodada durante quatro
horas nem se compara com o esforço de construir uma boa matéria, indo às ruas, conhecendo histórias e conversando com as fontes, mas é esse o tipo de trabalho que se espera de uma prática jornalística: conhecer a profissão como ela é. E, cá entre nós, não se faz jornalismo estando sentado na cadeira. A tarde renderá muita pesquisa sobre o tema que renderá pautas para a próxima semana. QUARTA-FEIRA, 16 DE MARÇO Perdi o número de vezes em que pesquisei uma pauta desde a semana passada até ontem de madrugada. Estava ficando frustrada. Não encontrava nada que me agradasse. Procurei vários perfis nas redes sociais que se encaixassem em uma boa história para contar (hoje em dia é comum que as pessoas falem abertamente sobre seus problemas diários em seus perfis públicos), mas nada. Conversei com amigos procurando algo novo e diferente, resultado de inúmeras tentativas fracassadas. Ok. Eu não estava sabendo fazer uma ‘apuração’ decente. Peguei jornais locais. Poderia passar por ali alguma nota, algum acontecimento genérico que desencadeasse uma
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série de boas e inquietantes histórias e, adivinhe só: nada. Uma sensação de impotência tomava conta de mim e eu fui para aula com um nó na garganta. Na minha cabeça martelava uma dúvida que, em algum momento, deve perturbar a mente de qualquer estudante de jornalismo: que tipo de aprendiz eu sou que não consigo resolver algo tão simples e tão imprescindível? Meu Deus! É só uma pauta temática! O que é que está havendo comigo? Mas eu sabia o que havia. Havia um ser crescendo dentro de mim, responsável por meus pensamentos 24 horas por dia. Eu queria falar sobre o que eu estava vivendo. Eu queria descrever o que muitas mulheres já sentiram nessa situação. Em meio às minhas apurações, eu sempre dava um jeitinho de ler alguma coisa referente à gestação. Nos jornais deveria haver vários ganchos Rutimila da Silva
excelentes, mas eu estou no universo da maternidade e estou deslumbrada com ele. Falha minha. Tremendo, quando me perguntaram em aula qual a minha pauta, respondi: Eu pensei em… Ainda não decidi. Eis que meu professor, mestre (não no sentido da colação de grau), parceiro dos alunos, me deu uma luz. Por que não escrever sobre a humanização do nascimento? Tema polêmico que vem se inserindo aos poucos na sociedade e já levanta as mais diversas opiniões, positivas e contrárias. Meus olhos brilharam como os de uma criança quando ganha um doce. Por que não? SEGUNDA-FEIRA, 28 DE MARÇO Dentre meus planos de desenvolvimento da matéria estava: aproveitar as aulas para produção, custe o que
custar. Mas, infelizmente, minhas fontes têm suas próprias agendas e eu preciso dançar conforme a música. E dancei. Na verdade, que belo baile. Engajamento. Entrosamento. Minha pauta e eu nos tornamos amigas. Eu deitava pensando nela e acordava pensando nela. Já era um caso de amor mal resolvido, porque eu estava ansiosa em vê-la no papel e isso me agoniava. Pessoa ansiosa, eu. Mal cheguei em casa da última aula e comecei as pesquisas. Dados impressionantes. Uma realidade que poucos conheciam, a da luta pelo parto com respeito. O dia era liberado para produção. Amanheci com dores. Dores fortes. De novo e de novo. Mas meu obstetra já havia me dito que são coisas normais da gestação e depende de cada mulher. Umas sentem e outras não. E tinha que ser o Chaves aqui. Tinha uma entrevista marcada com uma das minhas fontes, já selecionadas desde a primeira oportunidade. A maioria das minhas fontes morava em outra cidade, mas uma coisa incrível acontece, ainda, na humanidade: compaixão. Bastava eu dizer para minhas fontes que estava grávida de oito meses que a maioria delas tentou facilitar tudo para mim. Já havia marcado com duas pessoas que moravam
longe e elas se dispuseram a vir ao meu encontro. Nesse dia, entrevistei uma doula. Marília Graziola. Doula é a mulher que dá total apoio à gestante durante a gestação e sobretudo no momento do parto. Me encantei com a sua história. Com o seu pensamento. Me preocupei com problemas que muitas vezes não vemos. Nunca decupei entrevistas com tanto gosto como essas que o Unicom me proporcionou. Agora eu sei que 20% da minha matéria já está encaminhada e que, apesar de ter que pegar dois ônibus urbanos, chacoalhantes e irritantes para encontrar minha fonte, valeu muitíssimo a pena. QUARTA-FEIRA, 30 DE MARÇO Tive, hoje, a experiência de ir a um lugar que nunca havia ido em Santa Cruz do Sul. Um bairro chamado Santa Vitória. Cercado de ‘pré-conceitos’. Há uma certa sintonia entre uma grávida e o mundo. A conversa flui. Sempre. Em qualquer lugar. E o taxista não estava satisfeito com o motivo de eu ir para o bairro: A senhora não conhece ninguém aqui? Não é melhor marcar outra hora? De fato, o horário não era um dos melhores. Indo até a casa da fonte às 18h, eu saberia que só sairia de lá umas três
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horas mais tarde. Dito e feito. Mas fui muitíssimo bem recebida pela minha fonte e as crianças que jogavam bola na rua sorriam ao me ver passar. Sorriam para mim. Para a minha barriga que estava maior que a bola deles. Algo extraordinário acontece quando o jornalista torna-se parte do processo. Quando ele é também a fonte e se identifica de corpo e alma com o que está escrevendo. Há uma empatia com tudo o que acontece no processo de desenvoltura da matéria. Há uma emoção maior. Afinidade. A entrevista era sobre violência obstétrica e a fonte que não quis ser identificada, estava com dificuldades para falar sobre a sua experiência. Taí outra tarefa árdua do cotidiano de qualquer jornalista sendo exposta a mim, pela primeira vez: fazer a fonte confiar e falar. O primeiro passo já havia sido dado. Como o assunto foi abafado por ela, eu descobri por sorte que ela seria o case de abertura da minha matéria. A doula que eu havia entrevistado na outra semana conhecia uma turma de psicólogas que trabalhavam com violência no parto. Entrei em contato com a maioria delas. Queria um relato que me impressionasse de verdade e que abrisse os
olhos dos meus leitores para essa realidade tão marginalizada pela sociedade. Não foi difícil a partir daí. Lá estava eu, frente a frente com o relato mais triste que já havia ouvido na minha vida. Já são quase duas horas da manhã e agora vou dormir em companhia de um aperto no peito, de uma vontade de chorar e de reparar algo que não tem reparo. Minha matéria precisa fazer isso. Precisa alertar. Acho que todo o jornalista tem dessas coisas. Tem um pouco de querer mudar o mundo… QUINTA-FEIRA, 31 DE MARÇO Decupei. Chorei. Ouvi de novo. Sequei as lágrimas. Me acostumei com as palavras ouvidas para saber onde colocá-las. Assim iniciou outra manhã de produção. Em casa, desta vez. Fisicamente confortável, psicologicamente, ainda, abalada. As palavras deslizavam na ponta da minha caneta. Aliás, preciso urgentemente fazer como a galera no meu tempo e ir direto para o computador, mas o papel e a caneta ainda me têm de corpo e alma. Digitei. O que tinha pronto e veio o susto: os caracteres escritos se aproximavam do limite. Eu, que estava com medo
de não conseguir escrever nada, escrevi mais do que deveria. Deveria haver uma disciplina só para isso, na faculdade, chamada: Como cortar partes de um pedaço seu. Honestamente, é assim que me sinto fazendo isso. Incrivelmente o final é mais do que satisfatório: minha reportagem está prestes a nascer. Está quase pronta. Falta só a última fonte. Um relato feliz e emocionante, dessa vez. E já está tudo encaminhado, exceto que só consigo falar com ela em uma semana… Mas faz parte do show. QUARTA-FEIRA, 6 DE ABRIL Estou escrevendo o relato alguns dias após o acontecido, por estar ocupada demais no mesmo dia ‘criando’ o meu texto. Tudo estava preparado. Chimarrão cevado, rapadura cortada. Ambiente climatizado à base de um ventilador bem potente. Minha sala impecável (devo admitir que são raras as ocasiões) para esperar a fonte da vez. Ora, não é sempre que a fonte vem de outra cidade até a sua casa para prestar uma entrevista. Aliás, mais difícil ainda, é a pessoa vir tendo que trazer um bebê de quatro meses junto. Mas ela
veio. Como venho dizendo aqui: dessas empatias que a gravidez proporciona. Diferentemente de problemas e situações tristes, dessa vez o relato foi o mais encantador possível. Eu fiquei ali, ouvindo a narração de um parto humanizado, encantada. Não me vi, mas posso imaginar a minha expressão de encantamento. Como decupar uma entrevista que durou a tarde toda? Liguei o gravador às duas da tarde e quando se aproximava das seis horas e ela estava dizendo que “daqui a pouco tinha que ir”. Eu estava bem com o que tinha ouvido. Vi o outro lado do arco-íris na minha matéria. Sentei para escrever. O texto foi fluindo. Eu sabia o que colocar, ondew colocar e como colocar. Minha matéria estava pronta. Um texto extenso que eu sabia que teria de diminuir, mas que não queria fazê-lo. Acho que qualquer jornalista ou acadêmico já passou por isso. Foi um longo tempo trabalhando em um texto que significava algo muito mais interior para mim. Fui dormir com a maravilhosa sensação do dever cumprido. Minha matéria havia finalmente “nascido”.
Stephanie Freitas st1938@hotmail.com
19 Essa história é fictícia, baseada na pesquisa da Mestra em Promoção da Saúde, Joana Puglia.
O MUNDO DE ANTÔNIA PODE SER O SEU
A
ntônia chegou à escola atormentada. Havia lido em um texto da internet que a cultura homofóbica, lesbofóbica, bifóbica, transfóbica havia matado 50 vidas em uma boate LGBt de Orlando. Ela não conhecia aquela cidade de nome bonito, mas tinha entendido que a cultura em que vivia tinha feito o primo ser expulso de casa por namorar outro menino. Ela estava com medo e precisava entender o porquê daquilo, quando ouviu sua mãe dizer que preferia ter uma filha morta do que lésbica. Os corredores estavam vazios quando Antônia se esgueirou para a biblioteca. Não quis ir durante o recreio. Pessoas demais, perguntas demais. Quando chegou à sala pequena, logo se perdeu nas prateleiras. Não sabia onde encontraria o que precisava e não tinha coragem de perguntar à bibliotecária. Quando finalmente encontrou a sessão, ainda precisou de paciência para escavar entre os livros velhos. Foi um livro preto, grosso e de capa simples que se sobressaiu entre os outros. Ele parecia um caderno. “Os efeitos da heteronormatividade na escola.” Que nome explicativo para
um livro, pensou consigo mesma, mas era uma tese de dissertação. Quem dera fosse assim. Passou rapidamente os capítulos sobre adolescência. Aquele com certeza não era o seu foco. Nunca havia sequer beijado um menino. Não queria beijar meninos. Isso a assustava. Tudo o que sabia era que a igreja condenava e que seus pais ficariam tristes. No meio do livro, uma página marcada. Talvez ela não fosse a única com aquelas dúvidas que a atormentavam. Leu o trecho grifado com caneta azul. Era a tese de uma psicóloga, conferiu. Então leu de novo, baixinho, para si mesma. “As crianças crescem ouvindo e vendo as pessoas adultas expressando aquela doutrina heterossexista. A criança será treinada para ter aversão a pessoas não heterossexuais”. Em seus 14 anos de vida, Antônia nunca havia ouvido a palavra heterossexista. Pensava que o mundo simplesmente era como era. “É a lógica pela qual acredita-se que toda pessoa deva nascer e ser heterossexual, privando os direitos civis, como casamento, demonstrações de afeto e adoção de crianças, punindo, excluindo e até matando então quem não o seja”. Que frase forte, pen-
sou. Mas não era verdade? Bicha, sapatão, viado, todos esses termos eram tratados como ofensa. Ela sabia muito bem. Conhecia o medo constante. De olhar demais uma colega, de comentar algo que não fosse convencionalmente feminino, de se vestir da maneira errada. Mas o que era o certo? Pensava, e se questionava sobre o medo de desencadear o julgamento. Antônia não sabia muita coisa da vida, mas sabia que precisava agir como o mundo queria para ser aceita nele. Para tudo ser fácil. O problema é que já estava ficando difícil fingir. E não devia doer a nossa orientação sexual, que é a direção para qual se encaminham nossos desejos, atração e fantasias sexuais. Não devia ser negado e debochado, já que não é uma escolha. Simplesmente somos como somos. Mas ali, naquele dia
frio e nas letras pequenas, o peso no peito dela começou a afrouxar. Dificilmente uma criança vá crescer, se assistir tanto ódio sendo destilado ao seu redor contra pessoas não heterossexuais e transexuais, sem muito medo de ser também vítima deste ódio. Antônia retirou o livro da biblioteca e o carregou com cuidado pelos corredores vazios. Ali aprendeu que informação empodera, e passou a ver os efeitos da heteronormatividade na escola. Com a autora, ela percebeu que a própria proibição da homossexualidade é uma prova de sua existência desde sempre. Pois, não se proíbe o que não existe, mas Antônia existia e ia fazer-se ver.
Paula Cristina Turcatto paulacristina@mx2.unisc.br
Stephanie Severo
stephaniessevero@gmail.com
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Com a tecnologia, é difícil encontrar casais que ainda troquem e guardem cartas ou outras lembranças
AMOR QUE FOI REGISTRADO EM CARTAS ESCRITAS À MÃO
O
amor que começa em um dia, termina uma semana depois. A alma gêmea foi encontrada no Facebook e terminou por causa de uma curtida em uma das tantas fotos do Instagram. O namoro de três anos terminou porque ‘estava chato, bem parado’. As relações são líquidas. Começam e terminam rapidamente, como água se esvaindo pelos dedos. Neste cenário, é difícil, bem difícil, diga-se de passagem, encontrar casais que guardem lembranças da época de namoro (e noivado) - se é que essas lembranças foram ‘trocadas’ e ainda existem. Mais difícil ainda, é encontrar, hoje em dia, quem
consiga um tempo na rotina diária para escrever uma carta à mão ou encontrar aquele cartão ideal para presentear a pessoa amada em alguma data importante ou, simplesmente, porque deu vontade. Quase raro, para não dizer ‘nulo’. Há, aqui, aquele velho pré-conceito de que só pessoas mais velhas escrevem carta e de que elas são ridículas, ainda mais quando o assunto em questão é o amor. Ah, esses doces enganos da vida - e do amor. Fernando Pessoa já dizia em um de seus poemas: “Todas as cartas de amor são ridículas; Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas”. E adivinhem, ele está certo. Cartas de
amor até podem ser ridículas, mas podem fazer a diferença em um relacionamento, ainda mais quando o casal gosta de guardar lembranças para, mais tarde, visualizá-las de novo. Apesar de tudo isso, há quem ainda guarde essas lembranças em formato de carta e tente nutrir dentro de casa e, até mesmo, na própria relação, esse hábito tão simples, mas que se tornou super inusitado hoje em dia. Esse é o caso de Luciana Andrea Guerreiro Lima, 39 anos, e do marido César Felipe Corrêa Lima, 42 anos. Casados há 23 anos, ambos ainda guardam os cartões e cartas trocadas durante o namoro e o noivado. Foi em meio a essas lemMônica da Cruz
branças que Luciana me recebeu em sua casa. Os cartões, uma carta em especial, e ela estavam à minha espera em uma tarde ensolarada. SEUS OLHOS E SEUS OLHARES “Apenas nos olhávamos. Era somente pelos olhos que nos falávamos, isso quando um olhava para o outro ao mesmo tempo”, relembra. A relação dela e do marido não começou como ela esperava. Mesmo se encontrando com frequência em festas realizadas na cidade onde residem até hoje, Venâncio Aires, os dois demoraram um longo tempo até, trocarem uma palavra. “Ele era muito tímido”, revela Luciana em meio a sorrisos e um amontoado de lembranças que parecem surgir cada vez mais rápido. Foi preciso, então, enfrentar a timidez dele e abrir mão do próprio ‘orgulho’. Luciana, por fim, resolveu falar com César Felipe. “A primeira iniciativa foi minha, assim como a primeira carta”, destaca. Mesmo assim, a rotina de trocar cartões e cartas apenas começou depois que o namoro já estava mais forte e o casal, apaixonado por completo. Luciana conta que não havia data exata para a troca de cartas ou cartões, mas que
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uma rotina, aos poucos, foi estabelecida por ela e o marido. Entre as datas ‘comemorativas’, estavam o aniversário de ambos, Dia dos Namorados e Natal. Mas, claro, havia as surpresas inesperadas. Para ela, essa troca sempre foi muito espontânea, sem uma cobrança para que se tornasse, de fato, um hábito na relação. Tanto Luciana quanto César guardam as cartas e cartões que receberam ou trocaram na época de namoro e noivado. No entanto, cada um conserva as suas. Para eles, essa é uma forma de manter as lembranças ainda mais presentes e poder, sempre que achar conveniente, matar a saudade. “Eu pego as que ele me mandou e olho, assim numa tarde ensolarada, sem motivo algum. E sei que ele faz o mesmo. Com isso, a força para manter nosso amor fortalecido se renova.” UM VERSO DE AMOR Se há uma carta ou cartão especial? Há sim. A carta guardada com mais cuidado e relida milhares de vezes, é uma que César mandou para Luciana quando estava na Austrália. Ao viajar para rever o irmão, em 1997, César já imaginava que a saudade seria grande e que precisaria, mais do que nunca, daquelas pala-
vras escritas à mão, que tanto mexiam com o coração e o amor de Luciana. Foi a hora de colocá-las no papel com mais afinco do que nunca. César ficou apenas um mês na Austrália, mas as cartas que chegavam ao Brasil pareciam não ter fim. De lá, ele mandava para a namorada inúmeros cartões postais, todos com pontos turísticos, mas, é claro, que aquela carta foi a que mais marcou. “Quase morri de saudade. Chorei muito, foi um dos meses mais difíceis pra mim”, conta Luciana. “LUCIANA, MEU AMOR” É assim que começa aquela carta: a mais aguardada, a mais lida e a que fica em destaque na pilha de lembranças. Escrita à mão, como todas as que foram trocadas pelo casal,
as marcas do tempo não fazem diferença. Pelo contrário, só acrescentam mais memórias para uma relação marcada por lembranças, amor e companheirismo. Para o casal, escrever cartas e trocar cartões foi algo que ocorreu naturalmente. Porém, eles destacam que isso, com certeza, foi muito importante para que a relação se fortalecesse e o hábito seguisse até hoje. Conforme Luciana, a importância dessas lembranças está no fato delas terem sido escritas com todo cuidado e atenção. Segundo ela, aquele foi um tempo dedicado exclusivamente para dizer o quanto aquela pessoa é importante, o quanto se lembra dela e como, muitas vezes, somente escrevendo, colocando no papel, é possível expressar algumas coisas - em especial, os sentimentos.
“Parar para escrever, dedicar um tempo para pensar naquela pessoa e em tudo que ela representa não é mais comum. A tecnologia nos roubou muito disso”, ressalta Luciana. Para ela e o marido César, as cartas e o cartões guardados com tanto cuidado e ‘revisitados’ muitas vezes por ano, são uma forma de voltar no tempo e resgatar momentos que não voltam mais. De lembrar o início, a conquista, as inseguranças e os medos que afligiam uma relação que se solidificou com o tempo. De lembrar, com sorriso, que o amor é ridículo, assim como as cartas. Mas vai, como diria Fernando Pessoa: “As cartas de amor, se há amor, têm de ser ridículas”. E que assim seja, sempre.
Mônica da Cruz
monicacruz1@mx2.unisc.br
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26 Enfrentando as barreiras impostas pelo preconceito, Eduarda busca seu lugar na sociedade.
O SALTO DÓI, ELA SORRI; MACHUCA MAIS TER QUE OMITIR
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uis se recriar. Quis fantasiar. No quarto de vestir, despiu-se do pudor. Quis se adornar. Quis se enfeitar. Vestido e salto, enfim pra si tomou. O trecho da música ‘Comum de Dois’, da cantora Pitty, resume a história de Eduarda Zabatine que, aos 18 anos, assumiu a sua identidade de gênero, superou os medos de sofrer preconceito e se travestiu. Hoje, com 37 anos, a balanceira safrista de uma empresa fumageira localizada em Venâncio Aires, não hesita em falar sobre sua vida. Nascida na Capital do Chimarrão, foi no Ensino Fundamental que Eduarda percebeu não se identificar no gênero masculino. Bonecas, roupas femininas e maquiagens sempre foram atrativos maiores do que qualquer outro brinquedo, roupa ou adereço masculino. “Aos 18 anos, eu decidi ser o que eu sentia que era.” Apesar da disposição e coragem para enfrentar seus medos e passar por cima de preconceitos, Eduarda encontrou obstáculos já na busca do primeiro emprego. “Me disseram que fui contratada”. Ao ver que se tratava de uma travesti, a empresa - que havia firmado um contrato por telefone- informou que não possuía vaga disponível para a jovem. Eduarda não desistiu. Na segunda tentativa, contratada
por uma empresa de fora do município em que reside, ela se deparou com o preconceito dos próprios colegas de trabalho. Problemas psicológicos causados por comentários, olhares e abordagens, obrigaram Eduarda a permanecer poucos meses no local, optando pelo desligamento da empresa. Ainda que no início da vida profissional, aos 20 anos, a travesti acumulava a terceira grande decepção. Com a voz trêmula e as mãos nervosas, Eduarda contou como um gesto preconceituoso mudou a sua forma de enxergar o mundo e colaborou para um caminho doloroso: a prostituição. “Cheguei em uma das mesas no refeitório, sentei e todas as pessoas levantaram. Foi quando desisti. Desisti de procurar emprego, desisti de trabalhar em empresas”, conta. A busca por respeito, mesclado com a ânsia pelo sentimento de liberdade – podendo assumir sua identidade, foram alguns dos principais fatores que fizeram Eduarda permanecer na prostituição por cerca de dez anos. “Eu não queria mais ser reprimida, queria poder ser eu mesma.” Apesar de vista como a ‘profissão do dinheiro fácil’, Zabatine relata que as relações pessoais e questões psicológicas são os principais desafios do ramo que tem
a disposição e omissão de vontades como signos. “Não existe o luxo de dizer: ‘você sim’, ‘você não’. A gente lida com personalidades diferentes em todo programa. Isso exige muito controle emocional”. Com forte associação a crimes, drogas e muitas vezes tratados como marginais, os travestis enfrentam os perigos da rua em busca do sustento. No caso de Eduarda não foi diferente. Depois de ser humilhada, ameaçada e ter corrido real risco de vida, a decisão de encerrar o seu papel como profissional dosexo foi tomada. Por sorte – ou destino - o ato de abrir mão da profissão de sustento veio acompanhaFernando Uhlmann
do de um relacionamento. Jeferson Oliveira e Eduarda cultivam um relacionamento estável há mais de um ano e juntos conquistaram a independência. “Hoje moramos sozinhos, temos nossa casa.” Assim como no começo da reportagem, este momento da vida de Eduarda pode ser resumido por outro trecho da música. “Se transformou. Se arriscou. Reinventou. E gostou. Ele se transformou”. Ele, é ela! Ela que não pretende voltar às ruas para a prostituição. Ela que só quer ser aceita e poder viver uma vida sem preconceitos ao lado do namorado. Ela que é feliz.
Fernando Uhlmann
nandouhlmann@icloud.com
27 Em pleno século XXI, jovens optam por largar a tecnologia e viver sem telefone celular
STATUS: DESCONECTADOS POR OPÇÃO
E
m um século em que o tempo é dinheiro e tudo requer urgência, viver sem telefone celular parece utópico. O próprio aparelho ganhou novas variações, virou smartphone, recheado de aplicativos e funcionalidades diferentes que já tomaram a palma da mão de boa parte dos brasileiros. Até porque, para a grande maioria, é necessário estar sempre disponível para a família, amigos e trabalho. Mas nem todos veem essa necessidade. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em dados divulgados em 2011, os aparelhos móveis não fazem parte da vida de 30,9% da população. Somente no Curso de Comunicação Social da Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), em uma enquete feita entre os dias 10 e 14 de junho deste ano, 90,5% dos acadêmicos afirmaram que tem telefone celular. O estudante universitário Douglas Martins, de 30 anos, não é um deles. “O celular te tira muita atenção e tempo. Em casa e principalmente nas aulas. Ninguém mais presta atenção no professor, só na tela do smartphone.” Ele acredita que, com os aparelhos móveis, as pessoas criam uma falsa ilusão
que têm mais contato com as outras. “Não tem como substituir uma conversa pessoalmente. Muita coisa se perde falando só pelo Facebook, Whatsapp, mensagem ou lingando. E, ainda, com o celular, ninguém mais conversa olhando para ti. As pessoas conversam olhando para a tela do celular e te respondendo”, observa. Douglas nunca teve um smartphone, porque se contentava com modelos mais simples. Até que, há dois anos, seu celular foi roubado. “Eu até quero comprar um telefone, um bem simples, porque é ruim as pessoas não terem como me ligar em caso de emergência. Mas se não fosse isso, acho que não compraria”, comenta. Amanda Risso, de 21 anos, pensa parecido. “Eu acredito muito na energia que as pessoas emitem umas às outras. Através do celular, isso não é possível, é muito artificial.” Ela relata que quando conta para alguém que não tem um aparelho móvel, as pessoas tomam um susto. “Alguns não acreditam. Acham que eu estou brincando. Mas quando percebem que eu realmente não tenho, ficam até assustadas”, completa. Alguns vão mais longe e transformam a opção de não ter um aparelho móvel
Ingrid Jank
em uma filosofia de vida, como é o caso do artista de rua Guilherme da Luz, de 34 anos. “Eu não sinto falta de ter um celular, porque nunca tive um e realmente não vejo motivos.” Além de não ter telefone, Guilherme ‘não existe’ na internet. “Eu cheguei a criar um Facebook para mim, mas nada me atraiu nele. Prefiro conversar e ver as pessoas pessoalmente”, acrescenta ele. Outros acreditam que um fim de semana sem celular é quase terapêutico. “É um momento na semana que a gente deveria não se preocupar, mas o Facebook, Whatsapp, Twitter impedem isso”, ressalta o estudante univer-
sitário Frantiesco Bolson, de 22 anos. Ele admite que, no começo, a iniciativa foi difícil de ser executada. “Não foi fácil se desligar de tudo, principalmente na primeira vez. Agora é mais tranquilo.” A família de Frantiesco é de Santa Maria, por isso, ele não desliga o telefone móvel, apenas desativa o Wi-fi. “É praticamente a mesma coisa. Hoje em dia quase ninguém mais liga para ninguém. Então eu só não desligo ele para garantir que em uma emergência alguém possa me ligar.”
João Pedro Kist
joaopkist@gmail.com
28 O futebol leva as pessoas a todo tipo de loucura e isso inclui os profissionais do esporte
FUTEBOL, O CUSTO DE UMA PAIXÃO
A
h o futebol... como diria o refrão da música de uma banda brasileira de rock Dr. Sin: “Futebol, mulher e rock’n roll, meu Deus como isso é bom”. O futebol está no sangue do brasileiro, desde as raízes, descendência, infância, até os últimos dias da vida de um apaixonado por esse esporte. Muitas vezes, essa paixão vira problema no ambiente familiar no dia a dia. Em vez de um torcedor ir a um programa de família, prefere assistir a um jogo do Flamengo, por exemplo, que tem a maior torcida do Brasil com aproximadamente 36 milhões de torcedores. O reflexo da popularidade do futebol canarinho é o fato da seleção brasileira, que representa o país nas competições continentais e mundiais, ser a maior vencedora da copa do mun-
do realizada pela Fifa, com cinco títulos, em 1958, 1962, 1970, 1994 e 2002, e dois vice-campeonatos, em 1950 e 1998. Mesmo com o fracasso na última copa (2014), o Brasil continua soberano em títulos mundiais. O mundo do futebol tem grande reconhecimento por jogadores brasileiros, como Pelé. Reconhecido como o melhor jogador de todos os tempos, maior artilheiro do futebol profissional, com 1281 gols, e da seleção brasileira, com 95 gols, e por ter sido campeão mundial pelo Brasil por três vezes (1958, 1962 e 1970). Além de inúmeros jogadores que brilharam no cenário mundial como Jairzinho, Zico, Garrincha, Romário, Ronaldinho Gaúcho e Rivaldo. A paixão e o amor pelo futebol motivam muitas pessoas a tomarem atitudes fiéis, como viajar a um con-
tinente ou país para acompanhar a seleção de sua nação ou o clube que torce. É o futebol que faz as pessoas chegarem ao ponto de pintar a cara da cor do time que ama, fazer tatuagens com o escudo do clube ou de alguma assinatura de um jogador. Ainda há quem tatua o próprio jogador, que, dependendo, é ídolo do clube e até do país. Muitas vezes, essa paixão requer um objetivo simples e direto: ser jogador de futebol. É um sonho nada fácil. A dificuldade é e será uma sombra eterna nesse tipo de carreira profissional. Em algumas dificuldades, todo tipo de crise circula em torno dos jogadores, como a má fase do clube em algum campeonato, exposição em excesso da vida pessoal, relacionamento conturbado com alguém da diretoria ou comissão técnica. Para
entender essa vida mais de perto, nada melhor do que entrevistar um ex-jogador, que é um grande reflexo de paixão pelo futebol, principalmente por ter vivenciado todo esse sentimento. Alcir da Silva Braz, mais conhecido como ‘Alemão’, jogou profissionalmente por quase dez anos, de 1990 a 1999. Volante nato, sua carreira foi iniciada no São Borja, quando tinha 18 anos. Passou, também, pelo Matsubara do Paraná, Rio Grande de Rio Grande, Fortaleza do Ceará, Vasco da Gama do Rio de Janeiro, São Luiz de Ijuí, Fraiburgo de Santa Catarina, além de ter feito testes no União São João de Araras de São Paulo.
YURI: Alemão, como surgiu essa paixão pelo futebol? O que te motivou para jogar profissionalmente e o que esse esporte te trouxe? ALEMÃO: A paixão pelo futebol já nasceu comigo, sempre fui apaixonado por esse esporte e me criei com
o sonho de ser jogador. O desejo foi crescendo quando assistia na TV os times profissionais, e também porque amigos e familiares falavam que eu tinha potencial para ser um jogador profissional. Fico muito orgulhoso de ter conseguido realizar esse
meu sonho e devo quase tudo que consegui ao futebol, sabe? Pois me deu uma vivência sem precedentes, conheci minha esposa na época do futebol, meus dois filhos nasceram enquanto eu ainda era jogador. Fiz inúmeras amizades que, até
hoje, depois de 17 anos tendo parado com o futebol, ainda se perseveram, além de ter conhecido e morado em inúmeras cidades deste país maravilhoso. O futebol significa praticamente tudo na minha vida, ainda jogo e sou treinador de futsal. Fiz
Yuri Vassallo
yurivassallo@hotmail.com
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Educação Física muito em razão da paixão pelo futebol e pelo esporte em geral. Dos times que você jogou, quais tiveram uma passagem marcante para você? O São Borja, por ser o primeiro, o Vasco, por ter sido o maior que joguei, e o Fortaleza, por ter participado de uma final de campeonato com mais de 60 mil pessoas. Uma partida marcante e inesquecível da tua carreira. Partida marcante foi contra o Atlético Mineiro no Maracanã pela Copa do Brasil. Infelizmente, marcou de forma negativa, pois entrei no segundo tempo, joguei
15 minutos e acabei expulso após uma falta no jogador Eder Aleixo, aquele mesmo da fantástica seleção de 82. Mas foi uma das partidas que nunca me esquecerei, com certeza. Uma decepção que você certamente gostaria de esquecer nos tempos de jogador profissional. Tenho duas histórias parecidas que gostaria de esquecer. A primeira, quando eu disputava a segunda divisão gaúcha pelo São Borja, e o Criciúma de Santa Catarina tentou minha contratação, mas meu time não aceitou a proposta. A segunda foi quando fiz testes no União
São João de Araras em São Paulo e eles queriam minha contratação, mas novamente meu time não me liberou. Analisando tua vida hoje, mudaria alguma escolha feita nos tempos profissionais? Acho que não, fui feliz demais nos tempos de jogador, mesmo com certas decepções que ocorreram. Não devemos nos arrepender do que fizemos, e sim, do que deixamos de fazer. Como foi a decisão de parar de jogar? A pior fase de um jogador, com absoluta certeza, é quando resolve parar, mes-
mo que continue jogando seu futebolzinho nas peladas ou mesmo em campeonatos menores. É muito sofrido. Levei alguns anos para me acostumar e pensei várias vezes em voltar. Você torce para algum time? Qual jogador foi marcante na sua vida? Sou colorado, mas um time que me marcou bastante foi o Flamengo de Zico, Andrade e Cia. Também temos a seleção Brasileira de 82, dava gosto de olhar jogar. Meu ídolo, e que me inspirava nos meus tempos de piá foi o Zico.
Fotos: Arquivo Pessoal
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Ele precisou aprender a caminhar de novo, superou desafios e encontrou uma maneira de reescrever sua história.
UM NOVO COMEÇO
A
ntes de você começar a ler, é importante que saiba: essa é uma daquelas histórias que te ensina muita coisa. Candelária, Rua da Praia, 28 de janeiro de 2009. Era
uma quarta-feira de verão. Maurício saía da casa do pai onde havia almoçado e iria passar na casa da mãe para trocar de roupa antes do trabalho. O trajeto era familiar, costumava fazer Arquivo Pessoal
esse percurso diariamente. Entretanto, ele não sabia, mas naquele dia algo mudaria sua vida para sempre. Um pouco antes de chegar a seu destino, um caminhão cortaria sua frente. Maurício estava em uma motocicleta. Ele ficaria seis dias em coma e teria poucas chances de sobreviver. Dias depois, ao acordar, descobriria, aos 17 anos, que precisaria amputar a perna esquerda. A história de Maurício Scotta se parece com a história de muitos jovens vítimas de acidentes de trânsito, mas, contrariando as estatísticas, esta história teve um final surpreendente. Com a gradativa melhora e a colocação da prótese, Maurício precisava aprender a caminhar de novo. A adaptação foi acontecendo dia a dia e, entre sessões de fisioterapia, o apoio da família e dos amigos. Um passo de cada vez era conquistado. Aos poucos, ele reescrevia sua história. Em 2014, cinco anos após o acidente, uma disciplina na universidade marcaria seu
reencontro com o esporte de uma forma profissional. Maurício é aluno do curso de Educação Física da Universidade de Santa Cruz do Sul e, foi durante o semestre em que frequentava a disciplina de natação que o interesse na modalidade apareceu. Interesse que virou paixão, dedicação, rotina de treinos, competições e títulos. O menino que gostava de praticar esportes desde criança veria, a partir daquele momento, uma grande transformação em sua vida. Se tornava um paratleta de natação. Na primeira competição em 2014, nos Jogos Intermunicipais do Rio Grande do Sul para pessoas com deficiência (Parajirgs), em Porto Alegre, o primeiro título: 1º lugar nos 50 metros livres e 50 metros costas e 2º lugar nos cem metros livres. Depois dessa viriam outras competições e uma sequência de conquistas. A natação estava definitivamente inserida na vida de Maurício. Com ela, um objetivo: atingir o índice para in-
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tegrar a seleção brasileira de natação. Mas se engana quem acha que ele parou por aí. Das braçadas na piscina para as quadras de basquete. Maurício se divide entre duas grandes paixões. O basquete sobre rodas marca mais um capítulo nessa história cheia desafios, superação, determinação e vitórias pela qual ele demonstra gratidão: “Minha vida se transformou muito após o acidente. Abriram-se muitas portas e junto aconteceram muitas coisas que eu nunca imaginava que iriam acontecer comigo. Hoje, agradeço a Deus por ter recebido essa nova chance”. No ano em que o Brasil recebe o maior evento esportivo do mundo, os Jogos Olímpicos 2016, que irão ocorrer no Rio de Janeiro, Maurício prova mais uma vez que não existem limites para seus sonhos. Ele se inscreveu pela internet, contou sua história e foi selecionado para ser um entre os 12 mil condutores da tocha olímpica que passará por Santa
Cruz do Sul no dia 5 de julho. Os 200 metros em que estará com a tocha representarão um momento ímpar na vida dele. Durante o percurso, os passos de Maurício vão carregar muito mais que a tocha olímpica, vão trazer a história do menino de 17 anos que renasceu depois daquele 28 de janeiro, que encontrou motivação no esporte e o principal, que fez dos desafios, oportunidades. Enquanto conversamos, Maurício assegura uma certeza: “Eu não trocaria minha vida de hoje, pela minha vida antes do acidente. O esporte é tudo para mim.” Na história do menino sorridente, que precisou aprender a caminhar de novo, que adora andar a cavalo e é apaixonado pela namorada, mais uma lição: o que quer que aconteça na vida, a força vem da decisão de não se render.
Dóris Konrad
dlkdoris@hotmail.com
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Hipódromos são palcos de disputas emocionantes que atravessam gerações e resistem aos tempos modernos.
ENTRE PISTAS, PÁREOS E CAVALOS
T
arde de domingo. Alguns vão para as praças e parques tomar chimarrão, outros fazem compras. Há quem também prefira o conforto do lar para assistir ao futebol. No entanto, uma turma dedica essa parte do fim de semana para um lazer diferente: assistir corridas de cavalo. Em Cachoeira do Sul, isso acontece a cada duas semanas. Conhecido como ‘Prado’ ou ‘Jockey Club de Cachoeira do Sul’, o ‘Hipódromo do Amorim’ está localizado no bairro Alto do Amorim, o que justifica sua denominação. A fundação se deu em 22 de outubro de 1956 por
um grupo de turfistas que já praticava o esporte anteriormente, mas não dispunham de um espaço adequado para a prática das corridas de cavalo. Em uma área de 18 hectares, o hipódromo possui uma pista oval de 1,2 mil metros e outra reta com 550 metros. Na chegada, existe a câmera ‘Foto Flash’, que dispara na hora em que o cavalo cruza a linha final. Há também uma Vila Hípica, onde ficam os cavalos e os treinadores, arquibancada, casa de remates e restaurante. É um dos três hipódromos do estado que está em plena atividade (os demais são o do Cristal, em Porto Alegre e o de Pelotas,
Foto cedida pelo site Rádio GVC FM, emissora do Jornal do Povo, de Cachoeira
no sul do estado). Ao longo do tempo, o Jockey Club da cidade alternou bons e maus momentos. O presidente, Ibraim Martins, revela que, há alguns anos, o hipódromo cachoeirense passou por uma fase difícil no aspecto financeiro. Por conta disso, houve até a interrupção das atividades. A diminuição do público também contribuiu para a decisão. De acordo com Ibraim, algumas negociações foram feitas (entre elas, a venda de um hectare) para equilibrar as contas da organização. Com a retomada das práticas equestres, o público retornou ao Hipódromo do Amorim. Pensando nisso, são promovidos diversos páreos a cada reunião. Além disso, competições como o ‘Grande Prêmio Cachoeira’, ocorrido em maio, e o ‘Grande Prêmio Princesa do Jacuí’, previsto para outubro, também estão readquirindo importância. Essa relevância é comprovada pelo jóquei José Leodato Silva, de 24 anos – cinco deles dedicados ao turfe. Com o cavalo ‘Mercado Extra’, ele conquistou uma das cinco provas do 31° Grande Prêmio Cachoeira de Turfe. O gosto pela modalidade
vem da infância, já que seu pai também foi cavaleiro e o avô, treinador. Segundo José, as únicas atribuições de um jóquei são a condução e o controle do cavalo. Um profissional importante nesse processo é o treinador. Lauri Flash, 55 anos, se dedica a preparar os animais para as competições há 30 anos. Sua rotina se divide entre a limpeza do estábulo, alimentação do cavalo e o treinamento, realizado uma vez por dia, por meio do tempo de cavalgada em determinada distância. Lauri destaca que um cavalo mostra o seu valor de acordo com a forma com que reage aos treinamentos. A falta de um jóquei para o animal é o principal empecilho, já que essa ausência dificulta a avaliação do rendimento do cavalo. Em contrapartida, o maior prazer da profissão é o fator-surpresa, no sentido de esconder de todos o grande potencial do cavalo e esse deixar os espectadores boquiabertos. O treinador já foi jóquei, mas teve que abandonar o ofício por conta de problemas físicos. Nesse ponto, ele destaca que a carreira de um cavalo “dura o tempo que o corpo quiser”.
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Fotos: Marcel Lovato
O sistema de apostas do Hipódromo do Amorim ainda é simples. Feito por arremate. APOSTAS E STUD BOOK Quem paga mais, aposta no cavalo desejado. Os jogos são registrados em um quadro branco e em um ticket padronizado para o apostador, contendo o páreo, volta, número do cavalo, valor apostado — que não tem cota mínima ou máxima — e valor líquido a receber. O ganhador leva a quantia jogada e a dos demais também. Entretanto, ele leva apenas 65% do dinheiro total. O restante fica com o Jockey Club. ‘Mercado Extra’, ‘Rei Momo’, ‘Amigo da Onça’. Quando o assunto são os
nomes dados aos cavalos de corrida, a criatividade impera. O processo de denominação, no entanto, não é tão simples. Qualquer proprietário pode escolher como quer chamar o seu cavalo. Porém, antes de optar por certo nome, é preciso submetê-lo ao Stud Book, o ‘cartório’ oficial da Associação Brasileira dos Criadores e Proprietários do Cavalo de Corrida (Abcpcc). Essa consulta visa evitar repetições. Se tudo estiver correto, basta pagar uma taxa e efetuar o registro. FUTURO DO TURFE Ibraim Martins considera que o turfe não recebe incentivo do Governo Federal, o que, de certa forma, contribui para a sua decadên-
cia: “Reconheço que existem assuntos mais urgentes a serem tratados, mas se houvesse o mínimo de interesse do governo, já nos ajudaria bastante”, frisa. Diante disso, a manutenção das corridas é fundamental para fidelizar o espectador e dar sobrevida à modalidade, avalia o presidente. José Leodato e Lauri acreditam que o esporte só resistirá se houver o engajamento de todas as pessoas envolvidas no funcionamento de um hipódromo. HISTÓRIA 1814: nesse ano foi feito o primeiro registro da prática no país. A Gazeta de Notícias, do Rio de Janeiro, publicou uma nota sobre corridas equinas na Praia de Botafo-
go. O evento contou com a presença da Família Real Portuguesa e de personalidades cariocas. Nas décadas iniciais do século XX, o turfe viveu o ápice. Conferia status social e tinha forte apelo popular, sobretudo, pelas apostas. As fundações do Hipódromo da Gávea, em 1926 e do Jockey Club Brasileiro, em 1932, no Rio de Janeiro, marcaram o período. Entre os anos 1940 e 2000, ocorreu a diminuição do exercício do turfe em âmbito nacional. Especialmente, nos grandes centros. A partir daí, a interiorização dos hipódromos ganhou força e mantém-se até hoje.
Marcel Lovato
marcel.lovato@hotmail.com
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Os brechós como alternativa sustentável e econômica na hora de ir às compras.
ESTÁ NA HORA DE DESAPEGAR
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oje em dia é possível comprar roupas sem o peso na consciência por ter gasto muito, e a solução para isso são os brechós. Essas lojas, que vendem roupas usadas e semi-novas, já sofreram muito preconceito por não serem modernas e por serem geralmente baratas. Isso acontece porque estamos inseridos dentro de uma cultura de consumo, em que esperamos as estações mudarem para comprar cada vez mais roupas, causando uma acumulação de coisas que não usamos e também não nos desfazemos. Desapegar de peças e repassar para quem precisa é o motivo principal da existência dos brechós. Em Santa Cruz do Sul existem variados tipos. Alguns são voltados a reutilização de roupas de bebê, que costumam ter um curto tempo de utilização e um alto valor para quem é mãe. Já alguns brechós preferem se ater apenas a peças retrô e vintage, como a Casa Branca, uma loja toda voltada ao conceito de moda antigo. Outras lojas preferem a reciclagem de roupas de pessoas que querem se desfazer delas. Vão desde peças básicas como jeans e camiseta a roupas para festa, fantasias,
roupas de banho e etc. Mas o conceito principal ainda é a reciclagem de peças. Há também quem saiba transformar uma roupa simples em uma peça bonita e exclusiva. O preço é um pouco mais caro, pois as peças são modificadas e transformadas em algo mais moderno, porém mantendo um estilo mais vintage. É o caso de Thaisa Ayessa, uma das precursoras da marca de roupas sustentáveis Ayessa, que transforma peças usadas e antigas em uma roupa estilizada. Desde criança customizava roupas como brincadeira favorita, e sempre soube que trabalharia com moda. Ela conta que o fator que a motivou a começar foi a ideia da exclusividade, de fazer coisas únicas. Na medida em que foi
entrando nesse universo, foi percebendo o poder da customização como uma plataforma de mudança efetiva, no que diz respeito a preservação do meio ambiente e na cultura do consumo. As customizações possuem valores referentes as técnicas, material e tempo empregado, e o processo da produção acontece por encomendas. As peças que serão modificadas são trazidas pelos clientes, ou eles encomendam algo específico que é garimpado nos brechós. Ayessa é focada em disseminar a cultura da customização. “Queremos que se torne algo comum e rotineiro, que as pessoas considerem a customização antes de descartar algo. ” Thaisa também acredita na moda muito além das roupas, e
que o estilo próprio pode andar de mãos dadas com a evolução pessoal. É por isso que a marca dela - e de todas as meninas que vendem Ayessa, - levanta muitas bandeiras como o feminismo, a coletividade, e é claro, a sustentabilidade. A ideia é não se prender apenas a publicidades, e sim empregar essa postura nas roupas de fato. A criação das roupas é para pessoas que acreditam no mesmo que a marca, ou que pelo menos se identifiquem com sua ideologia. A marca tenta se manter sempre moderna e alerta aos problemas do mundo. Por isso que o veganismo também entra na lista de ideologias das meninas, que pretendem criar a Verde Ayessa, uma linha totalmente vegana e produzida atraIngrid Jank
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Ingrid Jank
vés do reaproveitamento de resíduos. Uma roupa vegana tem o mesmo pensamento da comida: nada de prejudicar animais, ou seja, couro e peles são totalmente rejeitados. No bairro Arroio Grande fica a loja Invasion, um brechó um pouco diferente. Todas as roupas da loja são trazidas por pessoas que querem desapegar. Quando entramos no estabelecimento, notamos que são roupas usadas, porém em muito bom estado. Aqui o conceito deixa de ser vintage e sim a reciclagem da roupa em si, vender roupas boas a menor preço. A dona da loja, Teka Gomes Bergel, acredita que o diferencial de um brechó são as peças diferentes e as
mesclas de estilo. Ela divide o estabelecimento com mais um diferencial: tatuagens e piercings. Isso agrega ao estilo da loja um ar mais sofisticado, para pessoas que gostam de ser extravagantes e se vestir bem. A dona é adepta ao estilo retrô, mas no seu brechó o que mais predomina são peças atuais. Em julho, a Invasion completa 10 anos, e com a experiência de trabalhar com roupas usadas, Teka explica que o estilo antigo é pouco procurado. O objetivo de quem quer vender é o desprendimento, e ainda poder lucrar com isso. Ela explica que as roupas que não consegue vender, são então doadas e passadas
adiante. Teka prefere fazer uma publicidade totalmente online através das redes sociais, pois acredita que não há porque gastar dinheiro com propagandas externas se a internet é um meio livre. O que vem acontecendo ultimamente, é a “gourmetização” dos brechós. Hoje, as peças antigas têm um valor maior por serem únicas e difíceis de achar. Porém, são pouco procuradas pelo fato de terem uma aparência “gastada”. Algumas lojas revendem apenas roupas de grife usadas, e mesmo tendo a metade do preço original, é inalcançável para quem procura preços baixos, modificando o conceito do brechó. O consumo excessivo é
um mal que nos afeta diretamente. O dinheiro gasto com peças cada vez mais caras pode ser revertido em coisas mais importantes, e duráveis. É para isso que os brechós servem, uma alternativa que estávamos esperando e não sabíamos. A cada vez que reservarmos um tempo para reciclar as roupas que não gostamos mais, estaremos ajudando outra pessoa a ter uma roupa nova, e o melhor: roupa boa e com preço justo. Quanto mais valor dermos a essa concepção de venda, mais dinheiro estaremos economizando.
Ingrid Jank
ingridjank@hotmail.com
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Mãe não é apenas quem gera, é quem aprende a amar. O que move o desejo de adotar uma criança é o bem-querer.
MÃE DE CORAÇÃO: UM LAÇO DE AMOR
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ocê já deve ter ouvido falar que quando uma criança nasce, nasce também uma mãe. Contudo, nem sempre é assim. Algumas crianças nascem, mas apenas bem mais tarde encontram a mãe que vai amá-los: a adotiva. Essa mãe não gera o filho no próprio ventre e o laço que os une não é o de sangue, mas sim, o de amor. Isso geralmente ocorre quando a mãe não pode gestar um bebê. É dessa forma que a adoção se mostra como uma opção, que é um gesto de
amor definido como um ato jurídico no qual o indivíduo é permanentemente assumido como filho por uma pessoa ou por um casal que não são os pais biológicos do adotado. A criança ou adolescente, portanto, será acolhido legalmente e afetivamente. Foi desse modo que Arlete Fátima Pessi dos Santos realizou o seu sonho de maternidade em 1993 ao adotar seu único filho Guilherme. Dona Arlete tinha 33 anos e já estava casada há cinco anos, quando teve uma menopausa precoce Pixabay
e estava triste por não ter tido nenhum filho, apesar de gostar muito de crianças. Surgiu, então, o interesse do casal em adotar, uma ação que foi apoiada por toda a família. “Eu não tinha restrições de sexo, raça ou cor, queria apenas uma criança para chamar de filho”, conta a dona de casa. Sobre a abertura do processo, dona Arlete conta que ela e o marido não sabiam como proceder e, então, contrataram um advogado para resolver tudo. Eles estavam certos de sua decisão e o processo não demorou muito. “Naquela época as coisas eram um pouco diferentes, pois apenas perguntaram que criança nós queríamos, e logo fomos aprovados com o termo de guarda. Hoje sei que é bem mais demorado, porque as leis estão mais rígidas”, desabafa a mãe. Dona Arlete conta que a indicação da criança veio do médico que fez o parto, um conhecido seu, e que sabia que aquele bebê estaria apto à adoção. Então, ela não esperou muito tempo, demonstrou o interesse e, em alguns dias, já estava com a criança que chamou de sua. “Eu vi aquele ser nos seus primeiros dias de vida,
não tinha como não se apaixonar”, declara. Ao falar sobre o sentimento de ser mãe, Arlete diz que é difícil descrever, pois isso apenas se sente, e que pegar o filho nos braços pela primeira vez foi amor à primeira vista. “Gosto de pensar que ele era pra ser meu e eu dou minha vida a ele”, afirma a mãe. O gosto por adotar e cuidar de uma criança foi tão grande que dona Arlete já decidiu adotar mais uma vez. Ela está com 53 anos, no segundo casamento, e na fila de adoção há quase três anos, na espera do seu segundo filho. A história de Rosicléa Chiappa Marion não é muito diferente da de Arlete. Talvez a diferença esteja no fato de que ao invés de uma criança, já vieram logo duas para alegrar o seu lar: Caroline e Alexia, duas irmãs. Rosicléa já aguardava há dois anos e meio na lista, quando, em 2008, veio a notícia de que havia um bebê com uma irmã para adoção e que ela e o marido eram os próximos da lista. “Passei a visitá-las todas as tardes, levava roupas e doces para Carol que tinha três anos e para a pequena de quatro meses eu só levava carinho”, relembra
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a mãe. Para ela, era muito gratificante receber o abraço da menina mais velha e ainda a ouvir chamando-a de mãe, assim como ver os sorrisos da bebê. Em poucos dias, Alexia e Caroline já moravam com a mãe Rosicléa que não estava preparada com berço, mamadeira e fraldas em casa, mas que em pouco tempo adquiriu tudo, pois recebeu a ajuda de amigos e vizinhos. “Foi tão rápido, eu não tinha nada em casa, mas muitas pessoas souberam que estávamos adotando as meninas e quando eu vi já estavam chegando com berço, ba-
nheira e roupas. Agradeço muito”, manifesta a mãe. Aléxia e Caroline já têm há alguns anos uma mãe protetora, carinhosa, exigente e elas significam a realização de um sonho desta mãe que não é de sangue, mas é de coração. Rosane Teresinha Carvalho Porto, mestre em Direito na área de Políticas Públicas de Inclusão Social, doutora em Direito e professora de Direito da Infância e da Juventude da Universidade de Santa Cruz do Sul, explica que as pessoas que têm interesse em adotar devem passar por um processo e
que não é possível precisar o tempo que leva, já que isso varia muito e corre em segredo de justiça. Ela salienta que há uma preocupação com as crianças que têm irmãos, porque o ideal é que todos sejam adotados juntos, mas há exceções e, nesse caso, os adotantes da criança devem garantir que vão possibilitar o vínculo entre os irmãos. A doutora comenta que a preferência dos adotantes é por bebês brancos e que, muitas vezes, é difícil encontrar crianças que se encaixem nos perfis desejados, ainda mais que os
interessados em adotar já chegam com preferências e restrições muito claras. “A questão racial é um obstáculo para que se adote mais e assim a lista não para de crescer, o que é lamentável.” Segundo dados deste ano do Cadastro Nacional de Adoção, mais 35 mil pessoas esperam na fila de adoção no Brasil e há 6,5 mil crianças e adolescentes para serem adotados.
Júlia Carolina Beling
juliacarolinabeling@hotmail.com
ADOÇÃO EM OITO PASSOS 1 - Dirigir-se à Vara da Infância e Juventude mais próxima com os seguintes documentos: cópia autenticada da certidão de nascimento ou casamento, carteira de identidade e CPF, cópia do comprovante de renda mensal, atestado de sanidade física e mental, atestado de idoneidade moral assinado por duas testemunhas, com firma reconhecida e atestado de antecedentes criminais. 2 – Será feita uma petição para dar início ao processo de inscrição. O interessado em adotar é convocado para uma entrevista com psicólogo e assistente social. Nesta ocasião, já pode informar o perfil de criança que procura. 3 – Se o pedido for acolhido, o interessado passa a integrar o cadastro de habilitados e, assim, estará apto a adotar. 4 – O serviço social confrontará os dados fornecidos com o cadastro de crianças disponíveis para adoção. O
interessado deverá aguardar até aparecer uma criança com o perfil desejado. 5 – Se houver uma criança compatível ao perfil desejado, o interessado será avisado e poderá encontrá-la se esta for a decisão do juiz. 6 – Estágio de convivência: haverá a aproximação entre a criança e o candidato a adotar. A duração dessa fase varia de acordo com o caso, é monitorado pela Justiça e equipe técnica e ocorrem entrevistas periódicas. 7 – Se o relacionamento correr bem, a criança é liberada. O pretendente recebe a guarda provisória que terá validade até a conclusão do processo. A criança já passa a morar com a nova família. 8 – O juiz prefere a sentença de adoção. Informações por: Rosane Teresinha Carvalho Porto.
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OPINIÃO
LUTAR E NÃO DESISTIR
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esde que surgiram em São Paulo, no fim de 2015, as ocupações escolares dividem opiniões. Há quem acredite que apesar dos motivos serem válidos, ocupar não é a maneira certa de protestar. Por outro lado, há quem entenda que essa é a única maneira de conseguir o que se reivindica. Mais importante do que os meios, nesse caso, talvez sejam os resultados. Eles não se limitam apenas a conquistas materiais. As reivindicações tangíveis são claras, afinal. Na pauta principal está o sucateamento
das escolas, a falta de verba para a merenda, o parcelamento do salário dos professores e o regime de urgência na análise do projeto de lei nº44, que privatizaria o ensino público. Todos esses problemas, no entanto, não surgiram de um ano para cá. Não são novidade na realidade da educação brasileira, e ainda assim não eram um motivo suficiente nos últimos anos para que houvesse protestos tão numerosos e significativos como as ocupações têm se mostrado. Historicamente, os mo-
vimentos estudantis podem tomar proporções gigantescas. Começam com burburinhos entre alunos insatisfeitos em algum canto da cidade, e de repente, um país inteiro muda. Assim aconteceu com a França em maio de 1968. Uma onda de protestos estudantis que incentivou uma greve geral dos trabalhadores, balançando o Governo do então presidente Charles de Gaulle. Os motivos não eram muito diferentes dos quais motivaram os estudantes de São Paulo a ocuparem as escolas: em meio a
uma série de conflitos de alunos contra as autoridades da Universidade de Paris, em Nanterra, a administração decidiu fechar a escola no dia 2 de maio e ameaçou expulsar vários estudantes, indicados como líderes do movimento contra a instituição. Tais medidas provocaram a reação imediata dos alunos de uma das mais renomadas universidades do mundo, a Sobornne, em Paris. No dia seguinte os jovens se reuniram para protestar, e após repressão policial à base de muita violência, as ruas de Paris viraram um ceFernanda Szczecinski
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nário de batalhas campais. Dez dias depois, dois terços da força de trabalho francesa estava em greve. Ao fim do mês de maio o presidente convocou novas eleições. Ao citar o episódio acima, não estou dizendo que os movimentos estudantis devem culminar em guerra para serem válidos. Ou que em algum contexto as guerras são aceitáveis. O fato é que não podemos menosprezar atos como esse, que hoje tomam conta do Brasil. Não podemos esperar a violência policial bater à porta para começarmos a apoiar esses jovens. Sabe-se que o ideal é os alunos terem aula regularmente, e que as greves prejudicam o andamento do ano letivo. Mas quando o descaso com a educação passa de todos os limites, é preciso exceder a regra, quebrar a rotina para quebrar o sistema. Há anos temos escolas sem estrutura, há anos a verba para a educação é reduzida. O que muda agora é a geração que está diante disso. Geração essa, que entendeu que não precisa aceitar calada diante do que está errado. Mais do que isso, entendeu que a escola é deles, dos alunos e que cabe a eles - já que ninguém mais o faz, lutar para que não seja preciso desistir dela.
Assim como as greves de professores, as reivindicações nem sempre são atendidas imediatamente. Muitas vezes, simplesmente não são atendidas. São Paulo, nesse sentido, teve um sucesso quase inédito no resultado de suas ocupações. Os secundaristas ocupam as escolas há mais de seis meses e conseguiram, por meio disso, bloquear a reorganização escolar, o que implicaria no fechamento de 94 instituições de ensino e afetaria diretamente 311 mil alunos e 74 professores. Conquistaram também, por meio de protestos, a instauração da CPI da máfia da merenda, que foi aprovada no dia 25 de maio desse ano e vai investigar um esquema de fraude na compra de alimentos para merenda de Prefeituras e do Governo de São Paulo. Em Santa Cruz do Sul, o colégio Polivalente resistiu na ocupação por trinta dias. Conquistaram, através dela, o pagamento integral e sem atrasos do salário de junho dos professores. Uma semana após as ocupações iniciarem no Rio Grande do Sul, o Poli recebeu cerca de R$ 20 mil de repasse de verbas atrasadas do Governo. Para o sociólogo e professor universitário Caco Batista, tão importante quanto conseguir mudar
o cenário da educação, é o aprendizado que esses movimentos estudantis proporcionam para os jovens. Aprender que é possível fazer as coisas coletivamente, sem líderes, que a escola é dos alunos e que juntos eles podem transformá-la naquilo que ela deveria ser desde sempre: bem estruturada e lar de uma aprendizagem realmente significativa, onde é possível entender o que se aprende de forma prática, diretamente relacionada com a vida concreta atual. Se os alunos precisam aprender quem proclamou a Independência no Brasil, que aprendam, de fato, por que isso foi importante para construir a sociedade em que vivemos hoje, não apenas à base da decora, afim de atingir a média em uma avaliação. Caco entende ainda, que repensar a forma como são feitas as manifestações - especialmente por parte dos professores - é fundamental para que os movimentos ligados à educação recebam apoio da comunidade. O velho “sentar-se em uma cadeira de praia em frente à escola” não traz resultados, e acaba que prejudica de fato a rotina daqueles pais que não têm onde deixar seus filhos quando a escola para. Na opinião dele, o ideal seria que as aulas parassem,
mas não a escola. Oficinas, debates em torno da própria situação da educação, aulas em formatos experimentais e tudo o mais que fosse possível para aguçar o senso crítico, protestar e receber o apoio também das famílias dos estudantes. Se essas últimas reivindicações feitas serão atendidas, é incerto. A certeza que podemos ter, no entanto, é de que as ocupações provocaram mudanças em níveis bem mais profundos. Elas mudaram os alunos ocupantes, que aprenderam a lutar pelos seus direitos, a conviver em grupo, a pensar política e foram protagonistas de mais uma série de movimentos estudantis que entrarão para a história. As escolas também não serão as mesmas após as ocupações. A negligência por parte do Governo não mais passará batida. Não serão mais aceitas aulas engessadas e desinteressantes, falta de material ou descaso com os professores. Eles agora lutam ao lado dos alunos e aprenderam que podem ser companheiros de luta, e não vão desistir da escola que merecem.
Fernanda Szczecinski fernanda_sz@hotmail.com
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Após quase quatro gestões petistas, o Brasil mudou para melhor para alguns e para pior para outros.
13 ANOS DE GANHOS SOCIAIS AMEAÇADOS PELA CRISE
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ais de uma década depois que o primeiro presidente operário subiu a rampa do Palácio do Planalto, o país mudou. Nunca se distribuiu renda como nesse período. Porém, não somente aqueles que foram esquecidos por 500 anos de história do Brasil ganharam, mas os mais ricos também. Foram 129% de aumento real – acima da inflação – na renda dos 10% mais pobres. Já para os mais ricos, foram 32%. Com os índices, o Brasil virou vitrine para o mundo. Mas, dentro de casa, mais de uma década depois, somente 31% dos brasileiros consideram que sua vida melhorou nos 13 anos do Partido dos Trabalhadores (PT) na Presidência, aponta a pesquisa Datafolha, divulgada em dezembro do ano passado. De acordo com sociólogo e professor universitário Valter Freitas, os índices tra-
duzem o sentimento causado pela desaceleração da economia. “A população está sendo impactada fortemente pela crise econômica. Que resulta em desemprego e inflação. As pessoas sentem que tinham menos que antes”. Ainda com Freitas, as denúncias envolvendo o ex -presidente Luís Inácio Lula da Silva e o primeiro escalão do governo de Dilma Rousseff desgastaram a imagem das gestões petistas. “Desde o mensalão, em 2006, o governo do PT começou a ser manchado pela corrupção. Isso sem dúvida, tira a credibilidade do povo no governo. Em qualquer que seja”, acrescenta. Embora, vale ressaltar que a crise econômica não é uma herança de Lula, que governou por oito anos, mas sim, de sua sucessora, eleita em 2010. Dilma não foi apenas a primeira mulher a se tornar presidenta, mas tam-
bém, a primeira economista a chegar ao cargo mais alto da República. Ironicamente, a mesma colocou em cheque o desenvolvimento social feito por seu criador. Com o aumento exacerbado da dívida pública, redução de impostos, desoneração nas folhas de pagamento às indústrias por um longo período como método de estimular a economia -, além de juros baixos por muito tempo e inflação elevada, resultaram na desaceleração econômica. Tanto que, a má gestão econômica, aliada a crise política custou o cargo de Dilma. Em 2014, os primeiros sinais da crise foram sentidos pelo governo e em 2015 a situação já refletia na mesa, no emprego e na educação de milhões de brasileiros. No mesmo ano, a rio-pardense Mary Rosângela Thomaz, de 34 anos, perdeu o emprego. “Em novembro a
empresa que eu trabalhava nos avisou que iriam ter que cortar gastos. Um mês depois, eu e mais três colegas fomos demitidas.” Mary era auxiliar de produção, em uma empresa de alimentos desde 2013. Ela permanece sem emprego, mas segue tentando encontrar um trabalho. “Virei dona de casa, consigo me manter porque meu marido trabalha. Mas antes era muito melhor, comprávamos móveis novos, tínhamos planos de adquirir uma casa própria, não era preciso economizar tanto. Agora, temos que poupar até na comida”, lamenta. Eleitora do PT, ajudou Lula a chegar no Palácio do Planalto, mas com a crise econômica ficou desiludida com a sigla. “Eu votava porque foi o partido que ajudou um pouco a gente, que olhou para nós. Pelo menos com o Lula. Mas não vejo mais isso,
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as coisas mudaram e parece que para pior nos últimos anos”, acredita Mary. Para o estudante e cobrador Juliano Moitoso, de 35 anos, a crise econômica não invalida as mudanças sociais. “O Bolsa Família, Fome Zero, as quase 20 universidades federais criadas durante esses 13 anos não vão acabar. É um legado que ficará para sempre e devem continuar. O que não pode acontecer é esses avanços pararem, o brasileiro não quer isso”. Ele é bolsista na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc) desde o ano passado. “Sem o Fies eu não estaria aqui. E não sou somente eu, mas milhões de brasileiros que não teriam acesso a universidade e foram impactados pelas políticas sociais nos governos Lula e Dilma.” Em contrapartida, acredita que Dilma agiu como
“os outros agiriam”. “A presidente se rendeu as práticas comuns por outros partidos. Cortou os gastos sociais, colocou a crise na conta dos mais pobres, de quem acreditava nela. Ninguém vota no PT esperando isso”, finaliza.
João Pedro Kist
joaopkist@gmail.com
Pixabay
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A doença é mais frequente entre as mulheres, porém, os homens costumam ignorar os sintomas
DEPRESSÃO TAMBÉM É COISA DE HOMEM
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edro, 25 anos. Jovem, recém-formado, uma vida inteira de sonhos pela frente. Desanimado, joga seus projetos pela janela, reprimido, sem vontade, sua namorada não compreende. Seu chefe não tolera. Esse é um perfil fictício, mas pode ser qualquer um dos seus amigos e você nem percebe. A depressão é uma doença silenciosa e que se manifesta em princípio de forma sutil. Por este motivo, é frequentemente ignorada, principalmente pelos homens. Quando se pensa em depressão logo vem à imagem da tristeza, levando a crer que com o tempo vai passar e não requer maior preocupação. Por fatores sociais, educacionais, culturais ou religiosos, muitos homens ainda têm a síndrome do super-herói, do macho-alfa e não suportam admitir que são sabotados pela própria mente. A visão preconceituosa faz do deprimido um fraco e da depressão uma frescura. Frases como “toma jeito de homem”, “homem não chora” e “depressão eu
curo na mesa do bar” tornam o doente ainda mais fechado, dificultando o diagnóstico e atrasando o início do tratamento. DEIXE A MÁSCARA CAIR Dificuldade e resistência em aceitar a doença levam a um comportamento comum em homens deprimidos: o disfarce. Quantas vezes seus amigos te chamaram para conversar sobre algum momento ou situação difícil que estão vivendo? A cultura da masculinidade inibe em muitos homens a coragem e a vontade de falar, mesmo que com pessoas próximas, sobre a depressão e eles acabam, assim, criando máscaras para encarar a realidade e esconder do mundo a condição em que se encontram. É IMPORTANTE NÃO CONFUNDIR A tristeza é sim um dos primeiros e principais sintomas, porém é preciso fazer uma distinção entre estar triste e não ter ânimo para
realizar tarefas comuns do dia-a-dia. De forma resumida, a depressão é a falta de energia física e mental, que pode ser desencadeada por algum acontecimento impactante, como a perda de uma pessoa próxima ou mesmo sem motivo, simplesmente da noite para o dia. No caso do produtor de conteúdo José Marques, 26 anos, conhecido como Junior SQL, a doença se manifestou de uma forma bastante particular. Depois de anos trabalhando intensamente e buscando o sonho de ser um Youtuber renomado, a meta foi alcançada, e com ela veio o vazio. “Me dediquei muito ao meu objetivo, abri mão de muitas coisas e essa dedicação me tornou isolado”, conta. A frustração, acompanhada da crise existencial, acabaram evoluindo para depressão, que, para Junior, não tinha sentido. “Eu estava no auge da minha vida, estava ganhando muito dinheiro, estava finalmente vivendo o meu sonho e percebi que não era feliz”. Mais uma vítima da cultura da
masculinidade, Junior manteve a postura do homem de gelo e isolou o que sentia. Sem conseguir desabafar, enfrentou a face dura da depressão. A FAMÍLIA PRECISA COMPREENDER Geralmente a família do indivíduo fica desestruturada pela falta de conhecimento e tenta de todas as formas fazer com que a pessoa reaja. Sem sucesso, a frustração toma conta e o cenário tende a se inverter, fazendo com que os familiares e amigos se voltem contra o deprimido. “Ele parece que não quer reagir” é uma frase muito ouvida. A psicóloga Simone Machado, especialista em psicologia cognitivo-comportamental, faz um alerta: “Sem o apoio da família as chances de melhora reduzem drasticamente”, pontua. PROCURE AJUDA Quando falamos em procurar ajuda, logo se pensa em ajuda médica. Para a
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pessoa com a doença o mais importante é perceber e aceitar a sua condição, o que muitas vezes só é possível com auxílio, da família, dos amigos ou de profissionais. Junior encontrou uma solução diferente. “Eu procurei ajuda espiritual, passei a frequentar um Centro Espírita e encontrei a minha paz”, ressalta. Sem saber, Junior fez o que a medicina sugere. Segundo Simone, a depressão se apresenta também em sintomas físicos, além do emocional. Problemas digestivos, excesso ou falta de sono, dores no corpo, cansaço sem motivo aparente e aumento
ou perda de peso acentuada são alguns dos principais sintomas. Esse quadro pode ser agravado por hábitos como tabagismo, ingestão excessiva de álcool e má alimentação, comuns em pessoas deprimidas. Hoje reconhecida como doença crônica, a depressão não tem cura, apenas controle e cerca de metade dos pacientes apresenta o quadro novamente. Esse número tende a aumentar a cada novo episódio, obrigando um tratamento contínuo. Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), estima-se que 400 milhões de pessoas no
mundo sofrem ou sofreram de depressão nos últimos anos, 22 milhões somente no Brasil. Quantos Pedros como o do início do texto você já não viu por aí e nem fez questão de perguntar se estava tudo bem? ESTOU DOENTE? Muitas vezes é difícil fazer uma autoanálise, porém toda pessoa conhece sua personalidade e seus hábitos. Se você percebe diferenças no que costumava ser ou fazer, tais como irritação fácil, agressividade, desinteresse por coisas que gostava, pensamentos nega-
tivos, tristeza que não passa e desesperança, sim, você pode estar com depressão. Muitas cidades contam com um ou mais Centros de Atenção Psicossocial (CAPS), que são instituições públicas especializadas em atendimento psicológico e psiquiátrico. Deixe o orgulho de lado, homem sente, homem chora e não é menos homem por causa disso.
Iuri Fardin
iurisf@gmail.com Marcus Goral - CC