Unicom

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Este é o nosso! JORNAL EXPERIMENTAL DO CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA UNISC - SANTA CRUZ DO SUL VOLUME 32 - Nº 1 - DEZEMBRO/2016


Expediente

Professor

ricardoduren@unisc.br

Curso de Comunicação Social - Jornalismo Bloco 16 Sala 1612 Telefone: 3717-7383 Coordenador do Curso: Hélio Etges

Débora Silveira

Mariéle Gomes

Luana Beatriz

nathana_redin@hotmail.com

Repórter / Revisora

debora-pri.silveira@bol.com.br

Editor Multimídia Diagramador Repórter matheushaetinger@yahoo.com.br

Editor Multimídia Repórter nunesloreto12@gmail.com

mari-gomes2006@hotmail.com

luwanabeatriz55@hotmail.com

Antônio Madeira

Helena Fischer

Cléber Nacimento

Editor de Fotografia Audiodescrição / Repórter

Repórter / Revisora

Repórter / Eventos

mf.passos@hotmail.com

Diagramador Repórter

Áudiodescrição Repórter

Louise Fischer / Bernardo Muller

Editora de Opinião Repórter

Áudiodescrição Repórter bernardo.muller96@hotmail.com

Editora Multimídia Repórter louisew.fischer@gmail.com

jornalnossosvalles@gmail.com

helenawfischer@gmail.com

cleberarn@Gmail.com

Gregory Reis

Impressão Grafocem Tiragem 500 unidades Capa Lourenço Oliveira Diagramação Lourenço Oliveira / Matheus Haetinger / Antônio Madeira

Repórter / Revisora

Bruno Loreto /Matheus Haetinger

Jéssica Bayer

UNISC Universidade de Santa Cruz do Sul Av. Independência, 2293 - Bairro Universitário. Santa Cruz do Sul - CEP 96815-900

Chefe de Redação Repórter Diretor de Arte

lourenco.oliveiracr@hotmail.com

índice Opinião: Por que vivemos em grupo?..............................................4 Torcidas organizadas........................................................................6 Busólogos...........................................................................................9 Pixo e Grafitti.....................................................................................11 Nerds..................................................................................................16 Alcoólicos Anônimos.........................................................................21 Tradicionalistas................................................................................23 Santo Daime.....................................................................................28 Escoteiros.........................................................................................33 Roqueiros..........................................................................................35 Biohackers........................................................................................36 Hackers.............................................................................................42 Motociclistas.....................................................................................49 Umbanda..........................................................................................52 Católicos...........................................................................................54

Lourenço Oliveira

veis para o Unicom, com olhar voltado à economia de recursos naturais. Mantivemos o cerne do projeto gráfico premiado das últimas edições, com suas margens tão comentadas, mas buscamos uma ocupação maior de espaços. Esta medida também nos possibilitou uma experiência pouco usual na distribuição das reportagens. O leitor encontrará, por exemplo, blocos de texto itercortados por fotos, e estamos curiosos para ver sua reação durante a leitura. Afinal – vale lembrar – o Unicom é um jornal-laboratório.

Jéssica Imhoff

perdão da redundância. A partir daí, a definição do tema geral foi uma consequência. Porém, ainda cabia a cada um decidir que grupo específico abordaria em suas reportagens. As afinidades que guiaram esta escolha conduziram também as fases de produção, da apuração à redação. Portanto, não espere, caro leitor, encontrar aqui textos destituídos de paixão. Cabe ainda citar que decidimos fazer sutis adaptações no projeto gráfico, buscando alternativas sustentá-

Mônica Passos

Acreditamos que ainda há espaço para a paixão no jornalismo. Sim, sabemos que, via de regra, o jornalismo é objetivo, deve perseguir o ideal da imparcialidade, da verdade vazia de paixões. Mas acreditamos que nem sempre precisa ser assim. As escolhas de cada repórter nesta edição refletem um pouco de suas paixões. Tudo começou por conta da afinidade entre o grupo encarregado desta publicação e da constatação de que, em função disso, havia um sentimento de unidade, de grupo – com o

Ricardo Duren

Um grupo apaixonado

Nathana Redin

Carta ao leitor

Volume 32 - nº 1 - Dezembro/2016 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA Este jornal foi produzido na disciplina de Produção em Mídia Impressa, ministrada pelo professor Ricardo Düren.

Repórter

jessicakerolaineimhoff@gmail.com

Repórter

jessicad.bayer@gmail.com

Editor Multimídia Repórter gregory.reis@yahoo.com.br


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Porque vivemos em

GRUPO?

Colocada para mim como uma forma de pergunta, aqui transformada em uma afirmação, a proposta atinge um dos centros fundantes das ciências sociais. Como na maioria dos percursos científicos, por talvez milhares de anos as formulações propostas pelos homens buscavam respostas de ordem prática para este fenômeno. Em resumo, proposições de como reger esta relação, e me apoio neste sentido na memória da formação do Direito e de suas derivações, ou então, sob uma perspectiva também positiva e de constituição de um sentido, por muito tempo este conjunto de regras foi objeto da Filosofia, sobretudo no que tocaria à forma de fazê-la bem. Derivado deste intento, temos um legado que é central para o reconhecimento da condição humana e de sua garantia plena, que é a ética. Isso é tão significativo que não é exagero afirmar que se nos reconhecemos como humanos e para este reconhecimento traçamos um conjunto quase indiscutível de prerrogativas para esta condição, o fazemos graças a existência de um aparato ético que define como

deva ser esta relação. Somente com o advento da modernidade e da ampliação do exercício da liberdade, ressaltando aí as particularidades e o impulso de expressão de cada grupo de humanos, é que a ciência, em especial, a filosofia, olha com mais cuidado estas particularidades e procura explicar as diferentes maneiras pelas quais os referenciais da condição de uma vida digna para o homem, a vida boa, segundo Espinosa, que seria simples nos recursos mas plena na convivência. É nesta esteira que o século XIX emerge para proporcionar uma espécie de fusão entre esta longa trajetória de sentido e de normas (Filosofia e Direito) com um impressionante impulso de certezas a respeito da vida biológica dos homens, dos ritmos da natureza e da confirmação da longeva existência do universo que sempre pairou sobre nossas cabeças. A ciência assim ganha um impulso que vários autores, com especial destaque para Thomas Khun, nos oferecem a ideia de um espiral. Como a vida, se não interrompida, a ciência a segue de maneira sempre ampliada

e crescente. Assim ciência (natureza) e filosofia (razão) produzem na virada do século XIX para o século XX um momento único no intento de constituir formas originais para compreender o humano. Afirmam-se neste quadro as ciências sociais, a psicologia e diversas das ciências já consolidadas dedicadas à condição da vida humana como a geografia e a medicina, que sofrem profundas modificações paradigmáticas. Mas afinal de contas, qual a razão deste preâmbulo para adentrarmos no centro de nossa questão? Ora, porque esta questão anima há muito o campo científico. Faz-se necessário uma ressalva. Particularizarei o argumento e passarei ao lago de um longo cabedal de contribuições (ou não) sob a qual a vida em grupo dos humanos não seria muito diferente do que a vida de qualquer outro ser gregário, ou seja, um indivíduo que, como boa parte de outros seres vivos de qualquer espécie, não teria a mínima chance de viver isoladamente. A rigor seriam pouquíssimos os espécimes vivos que constituiriam uma vida isolada, fora do seu grupo. Ressal-

ta-se aqui uma forte analogia da vida humana, como corpo, tal qual uma máquina, poderosa, complexa e inter-relacionada biologicamente. Para muito além dos experimentos genéticos, que não nos separam mais como possíveis humanos mutantes, passamos a nos

enxergar como sempre fomos, nunca deixamos de ser mutantes, a visão do homem como corpo e máquina explicam bioquimicamente todas as relações, ou vocês não sabiam que até o amor pode ser explicado nesta perspectiva? Triste racionalidade, não é

mesmo? Mas seguimos. Se é verdade que somos a espécie mais complexa da vida, mesmo que saibamos que talvez isso não seja sinônimo de inteligência, o que era antes, sugiro aos leitores que dêem uma pequena olhadinha em uma das copilações mais Foto: Divulação Web

interessantes que até hoje encontrei na Internet e que, nos últimos tempos, me é obrigatória quando proponho tal reflexão para os meus alunos . A fotógrafa e artista digital Julia Fullerton (http:// www.juliafullerton-batten.com), na sessão Fera Children, 2015, trabalhou uma série histórica de registros fotográficos de crianças que, sob os mais diversos motivos, deixaram o convívio humano mas sobreviveram, à sua maneira, a partir de relações com comunidade de animais. A maioria delas voltou ao convívio humano. O argumento maior a ser tematizado aqui é o fato de que não sobreviveram sozinhos. De maneira reduzida, esta discussão tratou estas crianças ao longo do século XX como crianças-feras, na tradução literal que a artista procurou preservar. Preferiria constituir este olhar de uma outra maneira, a experiência destas crianças revela o quão ligados à natureza somos e que somente a obtusa visão de um reducionismo científico nos coloca fora ou além dela. É este reducionismo o responsável por carimbar o adjetivo de feras para estes sobreviventes, alguns

deles negados por sua própria comunidade, que ao serem redescobertos nos revela o quão frágil é a ideologia que sustenta a fronteira do humano como um ser superior aos outros. Dito isto, trago aqui o segundo e derradeiro argumento para fechar a reflexão de nossa natureza gregária. Se sobrevivemos como seres biológicos, e precisamos de todos os outros seres para isso, nossa particularidade de espécie constituiu um longo legado sobre esta sobrevivência e a sua diversidade, que conhecemos como cultura e cultura, meus amigos e amigas, não nasce conosco, a gente aprende. Essa é a segunda característica de nossa natureza. Nós aprendemos, e diferente de todas as espécies, aprendemos de modos diversos e particulares. Aprendemos muita coisas, mais de uma língua, mais de uma habitação, mais de uma receita, mais de uma vestimenta, mais de um comportamento. A graça do ser humano é essa. Enquanto a diversidade das outras espécies revela-se na descoberta de um padrão possível para todos, na nossa este padrão não necessariamente

será desenvolvido por todos. Assim não somos iguais, somos diferentes. Talvez o mal da humanidade se manifeste aí. Propalar a homogeneidade dos comportamentos humanos a partir de uma escolha que, antes particular deveria ser transformada em geral, por força da dominação, é o epitáfio perfeito para a espécie. Ao pensar que podemos ser homogêneos, segundo a escolha de alguns, causamos um enorme comprometimento para nós mesmos, uma vez que esta homogeneidade é imposta pela força e com ela, a ilusão de que somos mais fortes que a própria natureza. Certamente antes de a destruirmos por completo, como nela estamos ela nos destruirá. Assim, em que grupo aprendes a viver? O meu e para os meus, é aquele no qual não reconhecemos ser o melhor para todos, mas aquele que, nos tornando humanos, permite que façamos uma humanidade diversa e com todos.

Cesar Goes

Departamento de C. Humanas. Sociólogo.


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UNIDOS NO AMOR

POR UM TIME

O futebol é o esporte mais popular do país. Segundo o Ministério do Esporte, cerca de 42,7% dos brasileiros praticam a modalidade. Apaixonante, o futebol desperta o interesse mesmo de quem não se arrisca a bater uma bolinha. No Rio Grande do Sul, onde nos dividimos, quase que impreterivelmente entre gremistas e colorados, é comum chegarmos em algum ambiente e nos pegarmos comentando ou ouvindo alguém falando de futebol. E, se você já compareceu a um estádio ou assistiu a uma partida, com certeza percebeu grupos que

estão presentes em todos os jogos e se unem para compartilhar o amor por um time. São as torcidas organizadas, compostas por pessoas com os mesmos ideais – quando o assunto, claro, é futebol. Mas, como surge esse amor por um clube e a vontade de fazer parte de um grupo de torcedores? E qual a visão destes grupos quando alguma confusão acontece? Cristian Garcia, 29 anos, atual presidente da torcida organizada Máfia Tricolor, do Grêmio, faz parte do grupo há mais de 12 anos e conta que frequenta as arquibancadas desde os três anos de idade, quando

era levado pelo pai ao estádio. Segundo ele, estar no ambiente onde o esporte é praticado e assistir à festa feita pelos torcedores, com seus cânticos e materiais, é inesquecível. “Os torcedores fiéis têm a necessidade de se organizar, para manifestar sua cultura de arquibancada, sua tradição. E de se organizar politicamente para defender não somente sua agremiação, mas também os outros torcedores. Nos tempos atuais, é ainda mais forte essa necessidade, para combater o racismo nos estádios e a elitização, que afasta as camadas populares” relata Cristian.

Casos de violência ameaçam a continuidade das organizadas A violência, muitas vezes relacionada às organizadas, sempre gerou muita polêmica e debate. Por conta dela, muitas torcidas acabam taxadas de baderneiras. “A violência está em todos os lugares na sociedade. Está nas ruas, no show musical, no shopping, em qualquer lugar. Não seria no estádio, com ânimos acirrados e emoções à flor da pele, que ela não se manifestaria, lamentavelmente”, analisa Cristian Garcia. Em abril deste ano, em notícia veiculada no site Terra, o promotor Paulo Sérgio Castilho, do Juizado Especial Criminal, defendeu o fim das torcidas organizadas e afirmou que o país precisa adotar punições mais rigorosas contra a violência que vem sendo praticada por integrantes das torcidas de times de futebol. “Nos moldes em que estão agindo, essas

associações não deveriam existir. ” De acordo com o presidente da Máfia, a organizada já sofreu algumas punições da diretoria do Grêmio no passado. Porém, segundo ele, a entidade não se envolve em confusão há anos. Quando algum componente se comporta de maneira inadequada é punido pela própria torcida. Outro aspecto reforçado por Cristian é que, muitas vezes, os problemas envolvem poucas pessoas e não o grupo como um todo.

Foto: Foto:Divulgação/Camisa Divulgação/Camisa12 12

Foto: Divulgação/Máfia Tricolor

Por Matheus Haetinger e Bruno Loreto

A mulher como líder de uma torcida Por muito tempo considerado como um lugar de homens, o estádio de futebol atrai, hoje, cada vez mais mulheres. A torcida está cada vez mais feminina, por conta de políticas dos clubes que visam atrair mais associados. A tradicional Camisa 12, do Sport Clube Internacional, é presidida por uma mulher. Fundada em 1969, a organizada possui mais de mil integrantes, entre eles, muitas mulheres e quem tem a missão de comandar essa galera toda é Juliana Coutinho, eleita presidente em 2012 e reeleita em 2014. Frequentar as arquibancadas sociais do Gigante da Beira-Rio é prática realizada por Juliana desde pequena, quando comparecia ao estádio do Colorado com familiares. Ela conta que entrou para a torcida organizada em 1994, após um convite de duas amigas e que já foram mais de doze anos dedicados à ‘12’, onde fez grandes amizades, que se originam dentro do Estádio e ‘passam’ para fora do ambiente futebolístico. Assim como em qualquer grupo, existem líderes que têm seus próprios ideais. E em uma torcida não é diferente. Cansada de ter que concordar com a administração da antiga diretoria, Juliana e mais sete amigos decidiram fazer uma chapa para concorrer à diretoria. No pleito de 2012 venceram e ela faz questão de deixar claro que nunca

sofreu preconceito e que lidar com seu posto sempre foi tranquilo. Com Coutinho no comando, a Camisa 12, se intitula como a primeira torcida organizada do país a ter uma mulher como presidente. Porém, a torcida não está livre da violência. No mês de julho, após a derrota de 1 a 0 para o Corinthians, alguns torcedores realizaram um protesto na saída de jogadores do Estádio Beira-Rio. Alguns quebraram grades, apedrejaram vidros e um carro de um preparador físico do clube. Na ocasião, doze torcedores foram identificados e punidos. Oito deles eram integrantes da Camisa 12 e sofreram sanções encaminhadas pelo Ministério Público. “A punição, acho que, às vezes, é muito rude. Mas aprendemos muito. O último episódio não era para ter acontecido dessa forma. A ideia era para fazer um protesto pacífico, mas oito pessoas da torcida saíram do controle e acabou acontecendo o que todos já sabem. Infelizmente fomos punidos mais, uma vez por falta de

controle”, conta Juliana. Segundo a presidente, os oito integrantes foram expulsos do grupo. Ela lamenta que a torcida acaba também ‘pagando o pato’. Com o ato de vandalismo, a Camisa 12 foi suspensa por 180 dias e não pode frequentar o estádio durante o período, que pode ser abreviado dependendo do andamento do processo criminal. Neste tempo, está proibida a ostentação de qualquer símbolo da organizada e cancelado o acesso dos seus integrantes aos estádios. Segundo dados da assessoria do clube, a torcida colorada conta com 107.145 sócios, dos quais, 23.040 são mulheres. Esse número representa 22% do quadro de associados do clube. De acordo com uma pesquisa publicada pela Revista Época em 5 de Outubro de 2016, o Inter é o clube brasileiro com o maior percentual de mulheres entre os associados. O maior rival, Grêmio, aparece em terceiro na lista com 15%.

Camisa 12 A Camisa 12 é primeira torcida organizada do Sport Club Internacional. Fundade em 1969, no mesmo ano de inauguração do estádio Beira-Rio. Ela ainda é considerada pelos seus integrantes a torcida organizada mais antiga do sul do país e uma das mais tradicionais do Brasil. Ela conta atualmente com 1 mil integrantes associados. Seu lema é Ontem, hoje e sempre, e é conhecida no meio das torcidas como “A maior do sul”. Atualmente possui inúmeros comandos espalhados pelo Brasil.


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9 PAIXÃO OU LOUCURA: A SAGA DOS

Gigantes nas pequenas arquibancadas do interior

BUSÓLOGOS

Foto: Divulgação/Loucos da Papada

No interior do Rio Grande do Sul, o futebol vive e respira por meio das fiéis torcidas, sempre presentes para apoiar as equipes. Além dos grandes da capital, o Estado conta com muitos clubes, a maioria pequena em estrutura, mas grande fora das quatro linhas. O amor por estes times surge, muitas vezes, através do incentivo de parentes mais velhos. Lukas Andrey dos Santos, de 20 anos, por exemplo, conta que nasceu em uma família “juventudista” – como são chamados os adeptos do Juventude, de Caxias do Sul e – foi incentivado por seu avô paterno a incentivar o ‘Ju’. O jovem destaca que frequenta o estádio desde a “barriga da mãe”, participa da organizada Loucos da Papada há aproximadamente sete anos e fala que começou a fazer parte do grupo “por querer apoiar o time de uma maneira ‘a mais’ do que só ir ao estádio.” Há também aqueles que viram o amor por um time do interior aparecer após um convite, ou pela vontade de conhecer o time junto com um amigo. É o caso de Rodrigo Tavares, de 27 anos, hoje presidente da

EM BUSCA DA MELHOR FOTO Por Cléber Nascimento

Torcida Organizada Mancha RubroVerde, do Sport Club São Paulo, da cidade de Rio Grande, no litoral sul do estado. Ele diz ser torcedor do Leão do Parque desde que começou a frequentar o estádio, com 13 anos de idade. Assim como Lukas, que comenta que 80% das suas amizades hoje em dia, se devem ao Juventude, Rodrigo conta que a arquibancada é um bom lugar para conhecer diferentes pessoas de diversas cidades interioranas, que estão inseridas em um grupo semelhante ao seu. “Hoje meus grandes amigos estão dentro da torcida. Em geral na arquibancada conheço muita gente, em outras cidades também, devido ao trabalho sério que realizamos com a Mancha.” As torcidas organizadas no está-

Ir a eventos somente para fotografar ônibus. Cruzar o Brasil em um coletivo e driblar a segurança em rodoviárias. Tudo em nome da paixão por ônibus

dio são um caso à parte. Diferente do “torcedor comum”, os grupos que se unem para apoiar a equipe gritam e pulam durante todos os 90 minutos de um jogo. Ver toda esta festa também é motivo de inspiração e desperta o interesse dos demais. Foi assim, assistindo desde pequeno ao espetáculo protagonizado nas arquibancadas do S.E.R Caxias, de Caxias do Sul, que Mateus Perondi, de 19 anos, sentiu vontade de integrar a Forza Granata. Ele frequentava o estádio desde os 4 anos, levado pelo pai. Fazer amizades e também “se entrosar com a galera” foram alguns dos motivos que, segundo ele, o levaram a fazer parte. “Fui motivado a entrar por ver a galera pulando e cantando”.

Foto: Arquivo pessoal Cristiano

É dia de baile da terceira idade na maior festa germânica do Estado. De vários lugares chegam excursões com pessoas querendo dançar, beber chopp e saborear as delícias da gastronomia alemã. Mas o funcionário público rio-pardense Cristiano Lacerda não pagou ingresso para curtir a festa. Ele está lá por outro motivo: fotografar ônibus. Lacerda é busólogo e concorda que sua paixão é um tanto peculiar. “Para muitos é uma loucura. Para mim é um hobby, que tenho desde pequeno. Quando estou estressado pego minha câmera, saio pra rua e vou atrás dos ônibus.” E para quem o chama de louco, tem uma respos-

Frequentar as arquibancadas do Estádio dos Eucaliptos, em Santa Cruz do Sul, e percorrer o estado para assistir o Avenida de perto é algo corriqueiro na vida da torcedora Sabrina Heming (foto). “Acompanhar a Divisão de Acesso pelos

Foto: Divulgação/Mancha Rubro-Verde

estádios do Rio Grande certamente é uma das cachaças mais viciantes que o torcedor do interior pode tomar. Num geral, quem torce para um time do interior, vive o clube de perto. Está ali vestindo as suas cores, nos melhores e piores momentos”, relata ela. Sabrina conta que acompanha o ‘Nida’ dede 2011, quando a equipe realizou uma grande campanha, vencendo a Divisão de Acesso. Um momento pitoresco, nos tantos que Sabrina esteve em percurso para assistir um jogo, aconteceu horas antes do confronto contra o União Frederiquense, de Frederico Westphalen, válido pela final da segunda fase da Divisão de Acesso de 2014. “Passando Ijuí, furou o pneu de um dos ônibus. Aproveitamos para parar para o almoço, já que eram seis horas de viagem. Eis que come-

çou a chover; passamos o jogo com chuva forte, numa arquibancada de madeira que estava quebrando e só suportava metade da torcida que foi de visitante”, diz a estudante. No fim do confronto, o Avenida subiu para a Série A do futebol gaúcho e, após chegar em Santa Cruz do Sul à meia noite, houve uma carreata para comemorar o feito, debaixo de chuva. Estar junto ao clube, em estádios bem mais modestos, comparados aos palcos dos jogos dos grandes da capital, é o que move o amor por um clube do interior, de acordo com Sabrina: “A mão cortada no alambrado enferrujado, a arquibancada de cimento e o tênis cheio de areia vermelha, certamente me emocionam muito mais do que estar sentada em um estádio moderno, onde temos que assistir ao jogo sentados.”

Foto: Cléber Nascimento

ACOMPANHANDO O CLUBE DE PERTO

ta pronta: “Cada um com sua mania. Assim como tem gente que gosta de futebol, fórmula 1, eu gosto de admirar ônibus. ” Lacerda costuma também viajar para outras cidades, com o objetivo de conhecer as empresas e fotografar nas garagens ou em rodoviárias. Desde 2009, já acumula mais de 26 mil fotos em seu acervo. Fora as que troca com outros busólogos. “Sempre gostei de ir para frente de casa cuidar os ônibus. E com a internet comecei a acompanhar e participar dos grupos. No começo tinha vergonha. Mas aí fui fazendo amizade e não pretendo parar.” As viagens para fotografar ônibus

Para Cristiano é comum visitar garagens de ônibus para fotografar os veículos.

são chamadas pelos busólogos de “sagas”. E os grupos virtuais têm uma grande importância nesta interação: “Às vezes tem alguém da Capital que quer vir fotografar aqui na região. Ele entra em contato e a gente troca uma ideia. Tudo pelo Facebook, nos grupos. Ou então, quando tem algum evento onde vai bastante excursão, como a Oktoberfest, em santa Cruz do Sul. Então, já foram criados esses grupos para isso mesmo. Marcas, carrocerias, chassis de ônibus... tudo é comentado ali também. Fico sabendo de novidades em uma empresa, vou lá e posto. E os caras já começam a debater. Tudo assim: um passando ideia para o outro.”


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11 Foto: Arquivo pessoal Leonardo Vieira

ARTE URBANA

QUE VEM DAS RUAS

Por Luana Silva

Leonardo Vieira já cruzou o Brasil na maior viagem de ônibus do país, de Pelotas a Fortaleza.

PARA MANTER A PAIXÃO, ALGUMAS SITUAÇÕES EMBARAÇOSAS PODEM SURGIR Cristiano Lacerda possui uma galeria com suas fotos no maior site do assunto do País: o Ônibus Brasil. “As empresas gostam, pois de certa forma divulga a marca”. Mas essa paixão, pode gerar algumas situações curiosas, como fugir dos guardas da rodoviária de Porto Alegre. “Lá é proibido tirar fotos. E eles correm atrás da gente. Para pegar uns ângulos diferentes, tem que se esconder.” Outra curiosidade é pagar para entrar em eventos somente para fotografar: “Não estou nem aí para a festa. Só quero clicar e admirar os ônibus. O pessoal fica olhando, acha loucura, mas é meu hobby. É legal, vale a pena”. Dos aproximadamente trinta grupos que Lacerda faz parte, pelo menos três foram criados pelo bancário aposentado Leonardo Sanchez Vieira, de 54 anos. Vieira é natural de Bagé, porém mora em Porto Alegre, e é o criador de grupos como o VideoBus, o Ônibus Coleções e o Saga de Busólogos. “Organizo viagens com o objetivo de fotografar ônibus. Temos também o hábito de fotografar nos terminais. A viagem mais longa que fiz com o intuito único de fotografar, foi à Passo Fundo”, Vieira revela ter sentido vergonha no início, mas com a internet pôde interagir com outros apaixonados por coletivos. “Antes imaginava que eu fosse o único (risos). Depois comecei a encarar minha paixão por ônibus como um hobby normal”.

Com quase 345 mil fotos em seu acervo particular, sendo mais de 13 mil autorais, Vieira criou também, em 5 de dezembro de 2011, o site www.leonardovieira-onibus.com.

br. “O site surgiu da necessidade de divulgar meu trabalho e compartilhar com outros entusiastas do assunto. Hoje o espaço virtual já conta com mais de 12.885 fotos postadas.”

Cristiano Lacerda possui mais de 26 mil foto em seu acervo

Obra sem título. Pintura em um muro na avenida São Paulo VI, São Paulo/SP. Autor: Niggaz

Forma de expressão. Inspiração. Reconhecimento social. Essas são algumas das motivações de um grafiteiro. Quando andamos por certas ruas, podemos observar alguns muros, prédios com vários tipos de desenhos, cada um com uma expressão a ser observada. Hoje, aqui no Brasil, o grafite é conhecido como arte urbana, sendo assim, alguns grafiteiros já tiveram a oportunidade de apresentar suas criações em galerias. Mas onde surgiu o grafite? Bom, segundo o portal Toda Matéria o grafite surgiu na década de 70, em Nova York, onde jovens queriam expressar suas críticas a sociedade da época e utilizaram os muros da Foto: Arquivo pessoal Cristiano

cidade para isto. No Brasil, o grafite surgiu também nos anos 70, mais especificamente em São Paulo. Era um período difícil, pois o país ainda vivia o momento da ditadura militar. Desde o início, o grafite, juntamente com a pichação, ganhava espaço na mídia. Em 1998 foi publicado o artigo 65, da lei nº 9.605, que pune qualquer pessoa que “pichar, grafitar um monumento urbano”. A punição é de três meses a um ano de prisão, que pode aumentar para seis se a pessoa praticar o ato contra um monumento que possuiu um valor artístico, arqueológico ou histórico. Mas em 2011 a ex-presidente da república, Dilma Rousseff, sancionou a lei

12.408, dando liberdade para prática do grafite, desde que autorizada pelo dono do imóvel. Com esta mudança, muitas empresas começaram a fazer parcerias com grafiteiros para levar o grafite para escolas e criar projetos sociais. O grafite tem um forte valor social, como esclarece Adalberto Santos, grafiteiro há 12 anos. “A arte abre a mente, amplia horizontes, faz com que as pessoas queiram saber mais. Principalmente nas periferias onde o povo é abandonado pelo governo. Usamos da arte para inspirarmos outros modelos de vida para nosso povo. Tentamos mostrar que unidos e informados conseguimos mudanças nas nossas vidas e famílias”.


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13 Núcleo Urbanóide superando desafios através da arte em Porto Alegre Em Porto Alegre o Núcleo Urbanóide realiza trabalhos envolvendo a arte do grafite. Através da vivência de cada integrante, o grupo cria o estilo da arte urbana. Segundo o grafiteiro Lucas Vernieri Machado, mais conhecido como “Anão”, que gerência o Núcleo atualmente, o objetivo é executar projetos criativos, inovadores e autorais, juntando arte e design em um conceito multidisciplinar. O Núcleo foi fundado em 2007 pelos grafiteiros Trampo e Cuspe. E em 2009, depois dos fundadores irem buscar outros trabalhos, Lucas Machado assumiu o núcleo. Atualmente o grupo conta com cinco grafiteiros e outros que são convidados a participar de eventos do projeto. A arte do grafite surgiu juntamente com o movimento da pichação e do hip -hop e muitos grafiteiros se envolveram com os instrumentos da arte neste período. Lucas conheceu, em 1999, o pessoal do hip-hop que já fazia grafite. Além de

O “Picho” Segundo o site Point da Arte, a pichação surgiu em meados de 1968 em Paris, onde começou a revolução estudantil. Aqui no Brasil, a pichação ganhou força na ditadura militar na década de 1960. O Brasil é referência na pichação e grafite, mas diferente de outros países, aqui se faz distinção destas duas tribos. Há uma diferença entre o conceito de pichação e grafite, mas quando observamos a realidade e a forma de expressão de cada pichador e grafiteiro, vemos semelhanças entre ambas. Muitos grafiteiros já foram pichadores e hoje existe um movimento chamado “grapixo”, que é a junção de grafite com pichação, onde as letras são mais detalhadas. Para Lucas Machado, cada grupo tem sua própria forma de expressão. “Ambos são manifesto de arte. Cada vez com mais adeptos. Neste mês de setembro, por exemplo, teve um programa de televisão sobre o assunto e percebemos que cada vez mais o pessoal quer saber, quer participar de algo, ter uma voz ativa. Claro cada um tem o seu material, sua maneira de fazer e com tempo vai adquirindo seu próprio estilo”.

trabalhar no Núcleo, ele possuiu um projeto social que já dura 10 anos na Cohab Rubem Berta. Este ano, o grafiteiro pretende criar uma galeria para expor seus trabalhos antigos e novos, juntamente com outros grafiteiros convidados. No Núcleo os grafiteiros criam quadros e fazem a restauração de vários objetos como garrafas de cerveja, geladeiras, aspirador de pó, entre outros. Muitos destes objetos são feitos por encomenda. Quando se entra no espaço do Núcleo, pode se observar vários quadros, garra-

fas expostas. Muitos destes quadros são antigos e ficam ali para preservar o estilo e a memória do grafite. Mas quem pensa que trabalhar no mercado da arte é fácil, pode estar enganado. “É muito difícil. Por isso que acabamos fazendo um monte de coisas, desde dar aulas até restaurar objetos. O grafite em si acaba sendo feito na rua por amor mesmo. O pessoal pergunta quem é que esta pagando por isto? O custo da maioria dos trabalhos sai do próprio bolso do grafiteiro“, salienta Lucas.

BIOGRAFIA'' Djan Ivson ou (Cripta Djan) como é conhecido nas ruas e no mundo das artes nasceu em 1984 em São Paulo, começou a pixar em 1996, aos 13 anos entrou para gang “Cripta”, da qual faz parte até hoje. Ainda garoto conquistou espaço na metrópole realizando o maior nú-

mero de pixos em raio de abrangência e dificuldade de realização. Sua ação nas ruas o consagrou entre os pixadores. Foi um dos pioneiros em uma das modalidades mais arriscada da pixação, a escalada, chegando a escalar arranhásseis com mais de 20 andares, sem ne-

Entrevista com um Entenda o Núcleo Urbanóide Os grafiteiros do Núcleo Urbanóide possuem vários tipos de inspiração para criar seus desenhos nos quadros ou em muros e prédios. Cada um tem uma fase de influência, desde letras mais elaboradas, pinturas indígenas, cultura africana, natureza, entre outras. O Núcleo tem forte ligação com as comunidades, pois o grafite tem um grande valor social, que além de ajudar os grafiteiros, possibilita a crianças e jovens uma oportunidade para expressar suas idéias. O Núcleo já trabalhou com projetos em presídio, escolas, e estão sempre buscando parcerias novas com marcas de tinta, que fazem doações e poder público, que contrata os grafiteiros para eventos envolvendo a arte urbana. Lucas explica que atualmente o grafite vem ganhando bastante destaque no Brasil e este mercado está crescendo cada vez mais. Desde sua criação, os integrantes do Núcleo, já tiveram oportunidade de participar de grandes projetos. Em 2014 foram convidados pelo Instituto Trocando Ideia, para realizarem pinturas no túnel da conceição em Porto Alegre. E Lucas Machado, recentemente, foi con-

vidado junto com Mariana Castello para participar do clipe de primavera, promovido pela RBS TV. Quem caminha por Porto Alegre, pode observar vários muros grafitados. O realismo dos detalhes de cada desenho, sempre com bastante cores, chamam a atenção de quem observa. Para o grafiteiro Adalberto Santos, que participa de alguns projetos do Núcleo, o grafite não é um trabalho, “é um instrumento, onde eu posso me comunicar, expressar, através dele”. Lucas complementa que “para fazer o grafite, tem que ter amor pela arte, provocar reflexão e sempre buscar novas ideias, para sempre evoluir”. Quem observa os trabalhos dos integrantes do Núcleo, percebe uma mistura de estilos, ideias e pensamentos. Lucas, por exemplo, até hoje incorpora letras ou símbolos, em suas criações. Para ele, o grafite pode transformar pessoas, fazer refletir sobre algo ou explorar sua criatividade. “Nós, do Núcleo, temos consciência da importância do grafite, tanto para nós quanto para as pessoas ao redor. Por isso que levamos o grafite aonde ele geralmente não chega, como por exemplo, nas comunidades e nos extremos, para que esta arte também possa estar presente por lá e inspirar aquelas pessoas”, destaca Lucas.

PIXADOR

Unicom: O que é a pichação na sua opinião? Cripta Djan: Existem várias motivações diferentes para ser um pichador. Mas eu costumo classificar o picho como um movimento de promoção existencial, onde estes jovens que vão pichar, estão ali se expressando artisticamente mesmo de uma forma inconsciente, é um desenvolvimento expressivo. U.: A pichação mudou muito desde a sua época? C. D.: Eu comecei a pichar em 1996 e a diferença de lá para cá é a questão da tecnologia. Hoje a gente tem as redes sócias, celular, tira foto com muita facilidade e antigamente a gente só tinha a rua para se comunicar. A gente tinha que se encontrar através dos points, marcava role para se encontrar na rua, não tinha telefone, fecebook, whatssap, não tinha nada. Então a diferença era essa, você vivia muito mais na rua do que no mundo virtual. U.: Você foi um documentarista pioneiro na realização de produções sobre

a cultura e práticas da pichação, entre eles, “100Comédia”, “Escrita Urbana” e o documentário “PIXO”. Quando você começou a trabalhar como documentarista? C. D.: Eu comecei a documentar a pichação por um acaso. Na realidade eu dei continuidade em um projeto que já existia do qual eu tinha participado das filmagens, esse projeto era o “100Comédia”. Esse vídeo primeiramente tinha sido produzido pelos caras que pichavam na Pompéia ali, eles que foram os idealizadores do projeto. Eles começaram em 2001, eu participei das gravações em 2002, fazendo algumas escalações, pichando algumas paradas e 2003 eles abandonaram o projeto, por falta de recurso e priorizando outras coisas na vida deles. Em 2004 eu retomei as gravações do “100Comédia”, com a ideia de querer lançar e em 2006 em consegui lançar o 100Comédia” volume 1. Nesta mesma época eu me juntei com um outro cara que estava produzindo um vídeo que chamava “escrita urbana” e agente produziu os dois juntos,

nhum aparato típico de segurança. Depois dessa legitimidade no movimento, passou a defender a causa dos jovens periféricos da metrópole, tornando-se líder e espelho para aqueles que desejam sair da invisibilidade social e assumir a condição de cidadão. porque ele trabalhava com edição, então tanto a edição e direção foi junto. A partir daí eu comecei a documentar os vídeos. De 2006 em diante eu dei continuidade. Em 2007 lancei o “100 comédia”, “escrita urbana 2”; 2008 lancei o “100 comédia 3” e “escrita urbana 3”; 2009 lancei o “100 comédia 4” e neste período eu também estava produzindo o documentário “Pixo” que comecei em parceria com João Vainer e Roberto Oliveira. U.: Qual a importância destas produções? C. D.: Estes vídeos são de grande relevância para movimento da pichação, por conta de que nosso movimento não tinha nenhuma forma de registro, todas estas histórias estavam passando em branco. Eu tinha esta necessidade como pichador de querer ver algo direcionado só para a galera do picho. Então no começo eu comecei produzindo estes vídeos, direcionados para a galera da pichação, depois com o documentário “Pixo”, já comecei a alcançar outros públicos, com a intenção de mostrar para sociedade como funcionava esse submundo da pichação para mistificar um pouco este tema que é muito demonizado. E também na intenção de humanizar o lado do pichador, mostrar que o pichador também tem vida, famí-


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15 lia, trabalha e estuda. U.: Na sua opinião, porque a sociedade considera a pichação como forma de vandalismo? C. D.: É muito fácil entender porque a sociedade não compreende a pichação. Primeiro pelo apelo ao bem, ao capital, a gente vive em uma sociedade capitalista, com conceitos de individualidade e sempre valorizando a propriedade. Também tem a questão da falta de conhecimento cultural que a nossa sociedade tem no geral. Mas fácil hoje, a gente ser compreendido pelas pessoas intelectuais que fazem parte do mundo da arte, do que da sociedade em geral, que só consegue se sentir agredido com a pichação. Então, por isso que as pessoas elas veem o picho como um vandalismo, porque elas se sentem agredidas por terem seu muro pichado e elas não conseguem ter uma dimensão que aquilo ali na realidade é um desenvolvimento comunicativo, expressivo das periferias, uma necessidade de expressão. U.: Conte mais um pouco sobre a pichação realizada na 28ª e na 29ª Bienal Internacional de Arte de São Paulo. C. D.: Em 2008 na 28ª Bienal, onde aconteceu aquela suposta invasão, onde a gente ocupou o segundo andar e pichou algumas paredes em branco. Bom na realidade o que a gente fez naquela época foi se encaixar no projeto curatorial, porque o curador da mostra na época Ivo Mesquita, ele veio a público falar que a bienal daquele ano estava aberta para intervenções urbanas. Então vendo esta proposta, nos sentimos convidados, fomos lá e ocupamos o lugar que estava vazio, demarcando algumas paredes e teve toda aquela polemica da repressão com a prisão da Carolina, a menina que pichava sustos. E depois o ministro da cultura saiu em nossa defesa, dizendo que nossa ação foi legitima e que se encaixava no projeto curatorial e tiveram que soltar a menina. Na 29ª Bienal nós fomos como convidados para fazer uma representação coletiva do picha na Bienal. Mas esta representação se deu através apenas de documentos, registros do picho na rua, coleções de assinaturas na rua e convites de festas. Então desta forma decidimos nos apresentar como um coletivo chamado “Pichação SP” e fizemos esta representação documental do picho dentro da Bienal. Porem eu como artista convidado da mostra, também usei o projeto curatorial para fazer uma

intervenção dentro da Bienal. Eu me apropriei da obra de outro artista para fazer um picho, onde eu trazia uma discussão política, já que o tema da Bienal era sobre arte e política, e, os curadores disseram que toda discussão política era bem-vinda entro daquele campo, então fui me apropriando do discurso dos curadores que eu fiz esta intervenção no ramos onde eu pichei a frase “liberte os urubus”, a frase inteira seria “liberte os urubus e os pichadores de BH”, que na época estavam presos por formação de quadrilha de pichadores. Então como naquele ano a Bienal esta-

va acolhendo a pichação, eu não podia deixar de fora esta discussão que está acontecendo em minas gerais, da prisão dos pichadores que inclusive eram amigos meus. U.: Atualmente o tema pichação está sendo mais abordado na mídia. O que você acha disto? C. D.: Bom na realidade o picho sempre foi tema de manchetes de jornais desde quando ele surgiu. A diferença é que hoje temos a abordagem por outros ângulos. Hoje ainda existe uma discussão que abra a possibilidade de o picho ser considerado como arte,

claro que discussão é ainda reduzida em alguns veículos de comunicação. Já tivemos matérias boas e matérias ruins que só tentaram demonizar o picho, como por exemplo nestas últimas matérias que tiveram devido alguns fatos que ocorreram. E também hoje como vivemos na era digital, onde a informação circula muito mais e o picho acaba sendo mais falado, por conta da expressão que o picho tem na cidade, em termos de ocupação, ele está ocupando todas as plataformas possíveis na paisagem urbana da cidade e não tem como o picho ser ignorado. Muitas destas matérias as vezes a tentativa é tentar inibir ou minimizar a ação dos pichadores, mas o que eles acabam fazendo é potencializando o picho, porque o pichador vive de visibilidade. Então se a imprensa acha que fazendo campanha para acabar com o picho vai enfraquecer ele, pelo contrário, só vai fortalecer mais, porque o que move a pichação é justamente a rejeição, a recusa, o picho ele não veio para ser adorado e aceito, o papel dele é rachar mesmo, dividir opiniões e questionar. U.: Quais as vantagens e dificuldades em ser um pichador aqui no Brasil? C. D.: As dificuldades para ser um pichador são várias. Você primeiro escolhe assumir uma bandeira que é criminalizada, pois o picho já é uma resistência só por isto, que perante a lei somos vistos como criminosos, então você já está infringindo a lei. Tem a questão também do ódio que a sociedade tem com o pichador, justamente com o apego ao bem material. E também tem a questão financeira, pois o pichador investe para pichar, ele tem que comprar tinta, ele se locomove, é um investimento para fazer algo que não tem um retorno. As vantagens que a gente tem é conhecer bastante a cidade, de ter um conhecimento de como a rua funciona, fazendo amizades, conhecendo várias pessoas. U.: Qual o futuro da pichação? C. D.: Creio que ele vai seguir evoluindo como sempre seguiu. A pichação nunca ficou estagnada, ela foi evoluindo com o tempo e criando novas formas de representação, tanto na rua como fora da rua. Eu vejo que está aumentando são representações do picho além da rua, através de documentários, palestras, exposições de vídeos e fotos. Hoje o pichador está ocupando os campos além da rua. Então o que pode acontecer é continuar esta evolução.


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tendência Por Nathana Redin

Nerds e Geeks: a visão sobre estes grupos tem mudado ao longo dos anos Antenados, sempre em busca de novidades e apaixonados pela tecnologia. Esses são os Geeks – ou, quem sabe, os novos Nerds. Estas expressões de origem norte-americana, utilizadas para designar estes carinhas, têm origem imprecisa. No dicionário de Inglês remetem a pessoas cafonas, fora de moda. Mas, hoje, parece que não é bem esse o caso. Apesar de muitas vezes serem utilizados como sinônimos, na prática, as expressões geeks e nerds possuem distinções. Para Garth Sundem, autor do Almanaque Geek Para Dominação do Mundo, a terminologia nerd surgiu nos anos 1950 com o escritor e cartunista Theodor Seuss, que em seu livro infantil If I ran the Zoo, utilizou-se da expressão para designar alguém estranho do zoológico. Em outra versão, o termo teria surgido no Canadá, precisamente em um laboratório de tecnologia onde trabalhavam jovens cientistas. A sigla NERD denominava Northern Electric Research and Development, o nome do laboratório. Os nerds seriam as pessoas com extremo interesse pelo estudo, tímidos, introspectivos e com habilidades mais desenvolvidas por gostarem de games, filmes, ciência e computadores. Eram os não populares, inteligentes ao extremo, sempre de óculos e com roupas bem arrumadas. Já o termo geek teria sido registrado e utilizado pela primeira vez como sinônimo para outra terminologia – fool –, que em português significa bobo. Ambos os termos eram considerados pejorativos. Mas, com o passar das décadas, e com a tecnologia tornando-se cada vez mais acessível, os olhares sobre esses conceitos foram mudando. Os

geeks estão sempre em busca de novidades, curtem cultura pop e transmitem alguns de seus gostos no dia-a-dia, inclusive, na maneira como se vestem. Doutora em Teoria da Literatura pela Pontifícia Universidade Católica (PUCRS), Aline Job estuda a narrativa dos games e a transformação dos jogadores em indivíduos virtuais. Ela acredita que, mais do que uma diferenciação, o que temos é uma complementação para o termo nerd, algo que estende o seu sentido. “Quer dizer, o termo geek vai ser muitas vezes associado a uma pessoa entusiasta ou especialista em algum tema ou conhecimento específico, seja tecnologia especialmente, história, literatura, soldados de chumbo, e por aí vai. Mas não necessariamente se apli-

ca ao imaginário do nerd, uma pessoa muito intelectualizada.” Para a professora, os dois termos são estereótipos. “São rótulos, e rótulos são simplificantes sempre.” Em relação ao Brasil, acredita que o termo geek tenha valor muito mais positivo do que nerd, este, ainda estereotipado e associado a uma pessoa que, embora intelectualmente hábil, não apresentaria habilidades sociais. Observadora da cultura juvenil, especificamente da filha e alunos, a professora do departamento de Artes Visuais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Paula Mastroberti percebe que o nerd seria aquele que realmente destoa em termos de comportamento, “sendo mais do tipo obcecado por tecnologias e cultura digital ou assuntos de caráter científico, incluindo narrativas scifi, documentários, um tipo mais intelectual, mesmo.” Já o geek, para ela, é alguém mais ligado na cultura de entretenimento, relacionado aos games, quadrinhos, filmes de fantasia, action figures. “Eles têm pontos de conexão, mas o geek é mais tipo fã e contribuinte com o universo fandom”, complementa.

O que eles dizem Estudante do segundo ano do Ensino Médio, Matias Gassen, de Sobradinho, é aficionado por séries, filmes, games e tecnologia. Por isso, considera-se geek. “Dedico bastante tempo para assistir séries e filmes, minhas tardes são

preenchidas, quase sempre, assistindo os filmes recentemente lançados e os novos capítulos das séries.” Em seu grupo de amigos, colegas de aula também identificam-se com esta comunidade. É com eles que Matias troca ideias e fica por dentro das novidades. Para ele, tornar-se geek é algo que pode surgir ainda na infância, quando se vira fã de desenhos animados. Doutoranda em Astrofísica pela UFRGS aos 25 anos de idade, Ingrid Domingos Pelisoli identifica-se com ambos os grupos. “Sou vista como geek principalmente pela minha coleção de camisetas temáticas – Doctor Who, Star Wars, Harry Potter... É algo que tem muito a ver com a aparência. Mas sou nerd porque sou uma pessoa que sabe a resposta para várias perguntas que ninguém vai perguntar. Por exemplo, você sabe quantos irmãos tinha Jane Austen? Eu sei! Porque sou nerd, mas essa pergunta não interessa a mais ninguém, à exceção de outros nerds no assunto.” A seu ver, geek é um aficionado por temas de ficção científica e fantasia, seja de seriados de televisão, livros, jogos ou quadrinhos. E que deixa isso transparecer no seu dia a dia, seja por meio das roupas ou pelos temas que escolhe para conversar. “No meu caso, pode-se ter uma boa ideia de quais são meus seriados favoritos apenas abrindo o meu armário”, revela. Já o termo nerd, para Ingrid, representa um conceito mais amplo. “É um

Foto: Arquivo pessoal Aline

Aline Job dedica mais de vinte horas semanais aos games

apaixonado por algo, seja computadores, música, literatura. Você pode ser um nerd em Beatles, por exemplo, e se especializar na história da banda, na sua discografia. Eu sou nerd em muitas coisas: ciências, bandas indie – de que ninguém ouviu falar –, Jane Austen, Harry Potter...” Sem concordar com definições conceituais, o mestre em Letras pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), José Arlei Cardoso, disse ter gostos e hábitos com os quais poderia se identificar em ambos os grupos. “Sempre fui o garoto estudioso, que sabia muito sobre cinema, literatura, quadrinhos, games, cultura pop e tecnologia em geral. Mas, contrariando o estereótipo, sempre me destaquei nos esportes e nas relações sociais.” Cardoso busca realizar seu trabalho profissional direcionado aos gostos que

possui. “Além do trabalho com gestão de marca e consultoria de comunicação (digital e gráfica), estou trabalhando com produção cultural, criando produtos e estratégias direcionados à área artística, como pesquisa e editoração de livros e (HQs), roteiros, ilustrações, portfólio de artes plásticas, etc.” Acostumado com os termos nerd e geek, o designer gráfico Thiago Krening considera-os muito populares hoje em dia. Pelas definições atuais, identificase mais como geek, “mas ainda vejo todos como nerds, no fim das contas.” Ele diz que pertence a este universo por gostar de entretenimento e pela profissão. “Leio muitas HQs, jogo games, assisto séries, filmes, animações. Trabalho com ilustração, quadrinhos, animação e design. E, pra ir mais pro lado do estereótipo nerd, estudo bastante – estou fazendo doutorado, inclusive.”

Gosto por séries e livros faz com que Matias ocupe boa parte de seu dia nestas atividades Foto: Nathana Redin

Do estranhamento à


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Foto: Arquivo pessoal Guilherme

“Ser geek praticamente virou moda. Eu e meus amigos chamamos isso de Efeito Big Bang Theory. Depois do seriado, muitas coisas relacionadas à cultura geek se popularizaram”, revela Ingrid. Filmes da Marvel e os novos Star Wars também tiveram papel nisso. “Antes, era bem difícil encontrar roupas ou mesmo artigos de decoração relacionados a esses temas, exceto em lojas especializadas. Hoje, está por todos os lados. O tapete de entrada da minha casa é temático de Star Wars, comprado numa loja comum de shopping center.” Para ela, o nerd não tem toda essa popularidade, exceto quando utilizado como sinônimo de geek. “Ser nerd em alguma coisa ainda é estranho. Na verdade, acho que é estranho por definição, nunca vai deixar de ser. Afinal, ser nerd é justamente demonstrar interesse profundo em algum tema, o que não é algo comum, logo, é estranho.” Doutorando em Design, Krening vê que hoje existe um respeito maior e, em muitos casos, admiração. “A popularização de elementos da cultura pop que até alguns anos atrás sofriam preconceito (hqs, games, anime, rpg) mudou a forma como as pessoas vêem esses grupos.”

Guilherme (ao centro) durante o campeonato mundial nas Ilhas Maldivas em 2015

Games: uma paixão surgida na infância Considerado um dos melhores do mundo no game Age of Empires II, o acadêmico de Administração da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), Guilherme Pippi dedica mais de oito horas por dia, de segunda a segunda, para manter-se entre os primeiros do ranking. Os jogos começaram a fazer parte de sua vida aos cinco anos de idade, quando o pai comprou o primeiro computador. Na adolescência, a cada final de semana, ele e os amigos reu-

Doutora em Letras já foi ironizada pelo estilo nerd O gosto pelos temas ligados ao mundo nerd já fez com que a doutora Aline Job fosse vítima de hostilidades verbais. E a lembrança do episódio segue viva, mesmo transcorrido um bom tempo. “Lembro de ser xingada como nerd na segunda série. Tenho 35 anos, mas, na época, já era como sou hoje – meio nerd, meio geek. Naquele tempo isso não era mainstream. Ter características associadas a esses termos era certeza de ser hostilizada.” Hoje, porém, a professora se sente bem mais tranquila para revelar os assuntos que gosta. “Posso fazer cosplay, pegar um trem até o outro lado da cida-

niam seus computadores na garagem de alguns deles com um objetivo em comum: jogar. Os amigos pararam, mas Guilherme continuou. Jogo de estratégia em tempo real, Age of Empires tornou-se uma fonte de renda. Mas, mais do que isso, um grande companheiro e facilitador de grandes oportunidades. Em 2015, Pippi esteve nas Ilhas Maldivas, onde participou da final do campeonato mundial de um contra um. Neste ano de 2016, disputou todas as etapas até chegar à

de e, na maioria das vezes, vou observar uma feliz receptividade das pessoas, que costumam pedir para tirar fotos ou param para me dizer que acharam minha fantasia linda. Ainda há hostilidade, mas é menor. As minhas características, geeks ou nerds, não sei bem, vêm desde a infância e me fizeram a pessoa que eu sou hoje.” Ela que faz cosplay, coleciona objetos de livros, games, filmes, joga mais de 20 horas por semana, lê quadrinhos, lê e estuda muito as teorias de seu interesse, gasta boa parte de seu dinheiro com colecionáveis. O anel que usa é uma réplica inspirada no filme O Senhor dos Anéis.

final, em outubro, do campeonato Clan Masters: The Final Showdown realizado em Fuzhou, na China. Junto a seu time sagrou-se campeão, garantindo o título de melhor do mundo. Em sua equipe, é o único não chinês. Quando não está competindo, outros jogos fazem parte da rotina, bem como filmes e séries. Na internet, participa de grupos e fóruns, onde auxilia nas dúvidas dos novos participantes. “Tenho amigos pela internet que conheço há mais de dez anos e nunca encontrei na vida real.”

Virou moda

Foto: Arquivo pessoal Aline

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Foto: James Rulison - Cosplay Da BLIZZCON 2015


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Uma noite no A.A. Por Jéssica Imhoff

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Eles se unem para vencer o alcoolismo

Foto: Arquivo pessoal

Aline

Foto: Arq

São seis ou sete homens dentro da sala pequena. Todos de aparência simples com idades, em média, acima dos 50 anos. Faces cansadas e com muitas experiências para trocar. Entro nesta sala para acompanhar uma das reuniões semanais de Alcoólicos Anônimos (AA’s) e reparo no modo de como tudo é preparado. Eles costumam se reunir de uma a duas vezes por semana. A cada novo encontro sempre é reforçado o maior legado do grupo, que é evitar o primei-

ro gole de 24 em 24 horas. Além disso, é realizada a oração da serenidade antes do início de toda reunião: “Concedeinos, Senhor a serenidade necessária para aceitar as coisas que não podemos modificar, coragem para modificar aquelas que podemos e sabedoria para distinguir umas das outras.” Após começam os depoimentos na chamada cabeceira de mesa. Os participantes expressam seus relatos, juntamente com todos os presentes e reforçam o intuito de continuarem a viver

sóbrios. Evitar o primeiro gole é só o primeiro passo, o restante é ter muita força de vontade e ajuda da própria família. As reuniões são realizadas em uma sala do segundo andar da Igreja Santo Inácio. As cadeiras são dispostas em semicírculo e todos sentam-se um ao lado do outro. No local há mesa, armário e quadros dos fundadores. Há quem goste de levar o seu chimarrão, mas também é preparado café, para o horário de intervalo.

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Largar o vício significa uma nova chance

Cosplay - Cosplay é uma atividade considerada hobby, na qual as pessoas se fantasiam de seus personagens favoritos, mantendo todas as características do mesmo.

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No A.A. todos se identificam apenas pelo primeiro nome. Dentre os presentes está Dilceu*. Em seu depoimento, ele diz que, quando era mais jovem, beber e fumar era considerado necessário para o rapaz “virar homem”. “Os pais pegavam as crianças e já começavam a dar aquele restinho de bebida. Isso era cultural, o homem tinha que aprender a beber e fumar”. Muitos também procuram o álcool como forma de combater a ansiedade. O coordenador da reunião, cujo nome também manteremos em sigilo, explica que o efeito de uma cerveja depois de um dia de trabalho equivale ao de um tranquilizante. Isto ocorre porque o

álcool é uma substância depressora do sistema nervoso central. Desta forma, o indivíduo relaxa, mas acaba adquirindo a dependência em relação à bebida. Com tudo isso, o álcool também destrói famílias. Pedro*, outro frequentador do AA, diz que muitas vezes trocava o seu lar pela rua, onde ficava bebendo com pessoas que ele considerava amigas. “Meus filhos e minha esposa perguntavam por que eu bebia tanto. Então, eu só perguntava se estava faltando alguma coisa dentro de casa. Eles respondiam que não e saia feito doido para beber”. Quem buscou ajuda do AA foi à própria esposa, há mais de 20 anos.

Pedro garante que, hoje, consegue ir a festas ou quermesses para se divertir, sem precisar beber. Prova disso é que, há 15 anos, trabalha como garçom na Oktoberfest, festa caracterizada pelo consumo de chope. Nestas ocasiões, ao observar alguns frequentadores brigando, discutindo, já sob o efeito do álcool, lembra da época em que ele mesmo agia desta forma. “A sobriedade não é impossível de ser conquistada. É difícil, mas não impossível. Levo para o meu dia a dia esse bem-estar que sinto quando estou dentro de uma reunião dos Alcoólicos Anônimos. Hoje, tudo o que aprendo dentro do grupo levo para a minha vida pessoal”.


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SAIBA MAIS:

- Os frequentadores trocam experiências, forças e esperanças a fim de resolver o seu problema e ajudar outros a se recuperarem do alcoolismo. O propósito primordial é manter-se sóbrio e ajudar outros alcoólicos a alcançarem a sobriedade. - Quem entra nos grupos de AA deve ser anônimo para evitar o preconceito. Muitos são profissionais liberais ou até mesmo homens de negócios. - A irmandade de Alcoólicos Anônimos não é uma organização no sentido convencional da palavra, não há quaisquer taxas ou quotas. O único requisito para se tornar membro é o sincero desejo de parar de beber. - Não está ligada a qualquer crença, seita ou organização religiosa em particular, nem se opõe a qualquer uma delas. - Em 2015, a Irmandade Alcoólicos Anônimos comemorou 80 anos de existência lançando a sua quarta edição, e o livro “Alcoólicos Anônimos” completou 76 anos de seu lançamento.

Assistindo aos depoimentos neste encontro do AA, senti um nó na garganta e uma imensa vontade de chorar. Lembrei de quando tinha oito anos, época em que meu avô paterno foi internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI) no hospital da cidade de Santa Cruz do Sul. Ele teve um ataque cardíaco e quase morreu por conta do vício do álcool. Como eu era criança, não podia entrar no quarto para vê-lo. Quem pôde, relatou que ele estava amarrado na maca, ligado a vários aparelhos. Contaram que, sonolento, meu avô erguia o dedo polegar de uma das mãos em direção a boca simulando estar bebendo. Infelizmente essa é uma das cenas mais tristes para quem convive com esta realidade terrível. Ela separa e destrói famílias, afasta os amigos e, mais cedo ou mais tarde, leva à morte. Nas datas comemorativas, quando nos reuníamos com toda a família, ele sempre precisava ir, antes, a algum boteco. Depois, retornava exalando cheiro de cachaça, tropicando a cada passo dado, mas muito, muito alegre. Ele sempre queria, de certo modo, brincar

- Em Santa Cruz do Sul há um escritório jurídico na Rua Borges de Medeiros, no antigo Colégio Mauá. Em funcionamento de segunda a sexta das 13h30 às 17h30, atende também no telefone comercial (51)3713-2500 e no telefone celular 24 horas (51) 99215-9687. - Podem participar pessoas de qualquer estado. - De segunda a sexta há reuniões. - Há 12 grupos do interior que fazem parte do escritório. - Em geral, no estado do Rio Grande do Sul, são entre 219 grupos registrados, tendo mais de 300 grupos contando com os não registrados. - Grupo Santa Cruz (segundas e quintas das 20h às 22h no antigo colégio Mauá); - Grupo Arroio Grande nas dependências na Igreja Espírito Santo (segundas e quintas das 20h às 22h); - Grupo Independente nas dependências da Igreja São José (segundas e quartas das 20h às 22h); - Grupo Três Legados nas dependências da Igreja Santo Inácio (terças 20h às 22h).

Desabafo:

A experiência pessoal da repórter comigo para me fazer rir. Ele queria me fazer feliz. Não tinha ideia de que, na verdade, até medo dele eu sentia, quando ele vinha na minha direção daquela maneira. Com a minha avó, hoje já falecida, ele agia ao contrário. Além de sempre gastar todo o dinheiro em bares ou pescarias regadas a bebidas alcoólicas, quando chegava em casa bêbado, pegava o facão, danificava os móveis novos, estragava os velhos e ainda a ameaçava de morte. Somente quando meu avô viu a morte de perto, se preocupou em buscar ajuda. Procurou o grupo de Alcoólicos Anônimos, incentivado por alguns amigos que também já o frequentavam. A partir daí, a vida dele se resumia aos encontros, viagens, almoços e comemorações festivas, sempre envolvendo famílias e o grupo.

Sonho Viver o

A vida dentro e fora dos tablados

Até onde vai o seu amor por um sentimento de prazer e da realização de um sonho? Você viajaria 492 quilômetros por semana para buscar este tipo de anseio? Parece até uma bela história de amor à distância, ou mesmo de uma realização profissional, mas não neste caso. Esse desejo se resume em apenas seis letras: dançar. O militar Gustavo Machado e a estudante Monique Rigo são de Cachoeira do Sul e fazem parte do Grupo de Danças Adulto do Departamento Tradicionalista (DT) Querência das Dores, de Santa Maria. Ambos viajam duas vezes por semana para ensaiar na invernada, que já está classificada para a final do Encontro de Artes e Tradição Gaúcha (ENART), que aconteceu em novembro, em Santa Cruz do Sul. Monique começou a dançar com cinco anos de idade, sobre influência dos pais que faziam parte do tradicionalismo. Para a estudante, esse amor pela cultura gaúcha é difícil de ser explicado. “Pra quem sempre viveu neste meio é um amor que quase já nasce contigo, se torna parte do que tu és”. Em comparação com Monique, Gustavo começou frequentar o CTG aos 15 anos por influência do irmão (também faz parte da invernada de Santa Maria) que chegava dos ensaios sapateando e dançando sozinho no meio da sala. “Eu achava bem estranho, mas depois de muita insistência e por vontade dos meus pais eu fui sem compromisso. Não imaginava que seria tão especial”.

Por que dançar? Essa pergunta é difícil de ser respondida por qualquer dançarino. Para Gustavo o sentimento de estar dentro do tablado é impossível de explicar. “Teu corpo te leva pra outra dimensão, tu esqueces tudo que está em volta, es-

quece os problemas e vive cada minuto da apresentação. Só quem dança sabe!” Monique não foge muito do discurso e também relata que a dança liberta sentimentos retraídos dentro de nós. “É a expressão da alma, estimula, faz bem.

Quando dançamos parece que entramos em um universo nosso, onde tudo é mais leve, harmonioso.” Por traz desse mundo de realizações existe muito cansaço, sofrimento, decepções e também muito investimento financeiro. A invernada adulta do CTG Lanceiros de Santa Cruz gasta cerca 70 mil reais anualmente. Não há patrocinador. Os gastos são tirados de eventos, almoços, rifas e de cada dan-

Por Bernardo Müller

çarino. A indumentária custa em torno de 1.200 reais, e cada dançarino paga a sua. Todo ano é feita uma indumentária nova. A dança de entrada e saída, custa em torno de 2.200 reais e o grupo gasta 20 mil reais com instrutores. Para Gustavo e Monique, a situação é um pouco mais complicada: ambos gastam 200 reais de deslocamento para os ensaios. Para a final do ENART a grande maioria dos grupos investe em indumentária, músicos, músicas de entrada e saída, coreógrafos, viagem e alojamento. Calcula-se que cada dançarino deve ter gasto dois mil reais somente para a final do ENART, em Santa Cruz. O gráfico (página seguinte) mostra quanto custa cada parte separada da vestimenta usada por cada integrante. O lado bom disso tudo é amizade feita entre os tradicionalistas e satisfação de dançar junto, independente da qualidade da invernada. Poucos grupos conseguem estarem nos grandes eventos do Rio Grande do Sul e até mesmo participar da Copa do Mundo de qualquer dançarino, o ENART, alguns em forças maiores e outros em menores, algumas decepções por não conseguir chegar ao objetivo desejado e também com façanhas de alcançar aquilo que não imaginava. Com ensaios na madrugada sabendo que no outro dia a vida fora do CTG continua. Essa é vida de quem leva a cultura gaúcha na forma artística, um mundo muito lindo de quem olha de fora, mas de muito sacrifício de quem está ali dentro mostrando a sua felicidade através de movimentos.


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A música através da arte gaúcha Viver da música não é uma tarefa fácil, independente do gênero musical escolhido. A profissão requer uma dedicação total do músico ou cantor, além da admiração do público que consome a sua música. Mas será que existe espaço para todo mundo neste universo musical? Sim, existe, e músicos e cantores “alternativos” ganham o sustento fugindo um pouco da regra e forma tradicional. Quando você ouve a palavra cantor, logo vêm na cabeça grandes vocalistas de bandas internacionais e nacionais, além de cantores que optam pela carreira solo. Agora você já imaginou ser vocalista e acordeonista de Grupos de Danças Tradicionais Gaúchas e ter um grande reconhecimento das pessoas que vivem neste mundo? Tiago Souza e Ronison Borba estão no meio há bastante tempo, o dia-a-dia dos dois se resume em música, é claro, e grupo de dança. Eles são responsáveis pela trilha sonora que embala as invernadas em diversos festivais espalhados pelo Rio Grande Sul, Brasil e até Países do exterior. Assim como os grupos, eles ensaiam exaustivamente Maçanicos, Caranguejos e sem contar os Tatus de Castanholas e Volta no Meio. Mas a função deles não é apenas cantar e tocar e sim cantar e tocar certo, na regra estabelecia pelo MTG (Movimento Tradicionalista Gaúcho). Muitas pessoas não sabem, mas o vocal de invernada também é avaliado e alguns concursos no Estado, em caso de um erro grave, a colocação do grupo pode ser comprometida, por mais que a apresentação tenha sido um espetáculo. Tiago, 33 anos, começou cantar nos intervalos dos ensaios da invernada que participava como dançarino, sem pretensão alguma, mais para imitar as pessoas e fazer brincadeiras. O tempo passou e aquelas brincadeiras se tornaram algo mais sério, e o rapaz que cantava sem pretensão decidiu virar cantor sertanejo. Como Assim? Ele participava de CTG (Centro de Tradições Gaúchas), e queria cantar música Sertaneja. “Meu sonho sempre foi cantar esse gênero (risos), mas o meu estilo e timbre de voz não se enquadrava no sertanejo. Comecei a cantar dentro do CTG depois de assistir um show do cantor Luiz Marenco, que é uma das minhas influências, ai decidi me dedicar ao nativismo

e somente a música gaúcha”. Ronison, 25 anos, teve influência da família, desde pequeno vivendo em um meio musical, iniciou aos oito anos a tocar violão e posteriormente aos dez ter aulas de acordeom. Ronison sempre teve desejo de viver da música, logo aos 15 anos começou dar aulas e tocar para grupos de musica regional e em CTG’s para invernadas, desde então, nunca mais parou. “ Além dos serviços para os grupos de dança, realizo outros projetos voltados para musica instrumental, clássica e popular. Por optar em tocar para grupos de CTG’s, Tiago e Ronison tiveram de lidar com um preconceito de outros músicos mais tradicionais que seguiam o padrão de tocar em bandas, acompanhar cantores de carreira solo e músicos de estúdio. “Havia certo receio. Quando participava de festivais de musica, uns conhecidos diziam: o que você quer com esses grupos, esses rodeios! E eu sempre escutava e não retrucava, pois sabia que esse mercado seria muito grandioso”, salienta Tiago. Por não terem uma quantia certa para receber no mês a profissão se torna um pouco instável financeiramente. Segundo Ronison, a época do ano determina a quantidade de trabalho. “No início do ano o serviço diminuiu junto com a quantidade de concursos artísticos que ocorrem no Estado. A partir de Junho, o trabalho começa se fortificar novamente e de Agosto até Novembro, quando o acontece o Enart, chega a faltar data para fazermos ensaios e tocar para grupos de dança. ” O valor cobrado pelos músicos al-

Foto: Arquivo pessoal Tiago

Tiago queria ser cantor sertanejo, mas seu timbre voz não se adequava ao gênero

terna muito com a quantidade de instrumentistas que a invernada solicita. Um ensaio de duas horas, mais a apresentação, varia de mil a dois mil reais, dependendo do tamanho do concurso. “Já teve rodeio que toquei para 30 grupos e outros para apenas um”, destaca Tiago.

Existe diferença? Questionados sobre essa diferença de serem músicos de grupos de CTG e não de bandas, Tiago e Ronison deixam claro que todos os músicos têm as mesmas responsabilidades de ensaiar e tirar as músicas. A única dessemelhança seria na maior dependência no seu desempenho como instrumentista, “ sucesso da invernada é o nosso sucesso”, conclui Ronison. Foto: Arquivo pessoal Ronison

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Ronison não vê diferença entre músicos de invernadas e bandas


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GAY

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no CTG, pode? Por Louise Fischer

Homossexualidade está cada vez mais presente no meio tradicionalista

Josué Borges Brito tem 24 anos. Começou a frequentar o Centro de Tradições Gaúchas ainda criança, com oito anos, influenciado pela irmã. Ela chegou a dançar nas categorias mirim, juvenil e adulto, e Josué sempre a acompanhou. Natural de Caxias do Sul, ele morou três anos em Capão da Canoa e, ainda quando criança, retornou para a cidade natal. Nesse período, amigos da família o chamaram para fazer parte do grupo de dança do CTG Campo dos Bugres. Primeiro, dançou na categoria mirim. Aos 13 anos passou para a invernada juvenil e, aos 15, para a adulta. Foi neste ambiente, cercado de antigas tradições e costumes rigorosos, que fez amizades que perduram até hoje. ‘’As pessoas acompanharam meu crescimento lá dentro”, comenta. Entre um ensaio e outro, já na fase da adolescência, Josué descobriu-se homossexual. Foi com 16 anos que teve sua primeira relação sexual homoafetiva. Até então, se relacionava só com meninas. ‘’Foi ali que descobri isso dentro de mim. Descobri do que eu realmente gostava, do que estava preso dentro mim”, revela. O relacionamento, porém, transcorria às escondidas. Josué e o namorado tinham medo da reação das outras pessoas. Porém, no mesmo grupo existia um outro menino gay, que não tinha problema algum em assumir sua orientação sexual. “Foi difícil até eu me acostumar, me reestruturar, entender que não havia nada errado nisso. Muitas pessoas acham que homossexualismo é coisa errada. Estão enganadas”, comenta. Para o jovem tradicionalista, o preconceito

perdura sendo transmitido de pai para filho. “As crianças já deveriam aprender, desde cedo, que isso faz parte do ser humano”. Conforme Josué, o relacionamento durou por cinco anos e foi só no terceiro que ele e o namorado se sentiram mais à vontade para agir com naturalidade. Então, sua família descobriu. E foi um baque. “No primeiro momento foi um caos gigante com minha família. Eles não queriam aceitar”. Com o passar do tempo, a situação foi sendo administrada. “Hoje, é super tranquilo com minha família. É superprazeroso sentar e conversar sobre isso’’. Mas, e no CTG? Reduto de rígida tradição, de culto à hombridade e ao perfil de “macho” do gaúcho, certamente seria o pior lugar possível para um homossexual como Josué, certo? Errado, garante ele.

para falar daquilo que as assusta.’’ Ele comenta que, na questão, da homossexualidade “as pessoas não conhecem e não sabem de que forma agir e falar”. Em 2014, o tradicionalista terminou o seu relacionamento e acabou também saindo do CTG Campo dos Bugres. Mas, no final daquele ano, começou a participar de outro grupo, no CTG Heróis Farroupilhas.

Tradicionalistas o compreenderam melhor que a família Quando os colegas de CTG descobriram o relacionamento de Josué, agiram com naturalidade. Se em casa o jovem passou por maus bocados, no CTG Josué contou com a acolhida dos amigos. Ele lembra que foi muito bem tratado, até melhor que antes. “Preconceito existe, claro. Acho que as pessoas não possuem informação suficiente Foto: Estampa da Tradição

Lá ele tinha amigos que já sabiam da sua opção sexual. E, que ele saiba, era o único gay. ‘’Tanto os meninos, quanto as meninas, foram superreceptivos comigo. Nunca fui desrespeitado por eles e, assim, também não os desrespeitei’’. Josué acompanha o CTG até hoje. Ele conta que as pessoas o acolheram muito bem e hoje são os seus melhores amigos. Para Josué, não deve existir distinção de gênero. ‘’Acho que, as pessoas devem tratar todos de forma igual, sem essa divisão, sem essa barreira que todo mundo coloca, de separar os negros dos brancos, os pobres dos ricos, os gays dos héteros. Isso não deve existir. A

gente também não pode tratar a questão como uma opção sexual, não foi uma opção minha ser gay.’’ Conforme o jovem, os homossexuais estão participando mais de invernadas tradicionalistas e as pessoas estão aceitando de uma maneira tranquila. ‘’Conheço praticamente todos grupos de danças do Rio Grande do Sul, que participam inclusive do Encontro de Artes e Tradição (ENART). Posso garantir que a maioria dos CTGs têm gays e lésbicas”. Josué relembra que, no ENART, havia gays de mãos dadas no ginásio e isso repercutiu bastante na época. ‘’Eu até fiz uma publicação no Facebook, onde propunha que todos os casais não des-

sem as mãos. Se vocês não querem que os gays andem de mãos dadas, eu também não quero que os héteros andem de mãos dadas, porque isso me fere”. Mesmo com outros casos, tais como pedidos de casamento no ENART, Josué ressalta que não há motivo para “dar ibope” ao tema. ‘’Nós temos que transmitir a sensação de normalidade em relação a isso. Não se deve julgar, dizendo se é comum ou não. Normal ou anormal”. Em 2015, Brito relacionou-se com outra pessoa. ‘’Ele também é tradicionalista. Inclusive é um dos avaliadores das danças’’. Eles moram juntos em Porto Alegre: ‘’Estamos felizes’’, comenta.

Assunto ainda divide opiniões Maicom Vidal, patrão do CTG Rincão da Alegria, de Santa Cruz do Sul, demonstra ter opinião contrária quando o assunto é homossexualidade no meio tradicionalista. Ele comenta que, no CTG, se cultivam as tradições dos antepassados, se relembram lutas durante guerras e as coisas da vida do homem e da mulher do campo – amores do peão

pela sua terra, pelos animais e, principalmente, “pela sua prenda”. Vidal comenta que, apesar de hoje existirem vários tipos de relacionamento, dentro do CTG não seriam abordados relacionamentos que fogem do conceito de hétero. ‘’Trabalhamos com as crianças, desde pequenas, que o peão dança com a prenda’’. Para Vidal, o CTG deve transmitir a tradição gaúcha, sem adaptá-la às

novas visões acerca da homossexualidade. ‘’Antigamente também havia homossexuais, mas a História não nos relata tais fatos. Não sei se esqueceram ou não quiseram falar, talvez para respeitar a tradição”. Questionada sobre o tema, a assessoria do Movimento Tradicionalista Gaúcho (MTG) se limitou a responder que não comenta assuntos pessoais.


SANTO DAIME Um olhar para o

Por Mariéle Gomes

e o bem. A cerimônia de São João é considerada um dos trabalhos festivos mais importantes dentro do Santo Daime e tem duração média de 12 horas. É durante a noite, no embalo dos hinos, que alguns daimistas revelam receber as chamadas mirações – visões . Segundo Alex Polari, secretário de comunicação do Centro Eclético da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra – Cefluris –, é neste momento

em que estariam abertas as portas para muitas direções espirituais. Em texto publicado no site oficial da doutrina, ele revela: “O canal com o nosso Eu Superior se torna mais nítido. Podemos dialogar com ele e também receber muitas instruções úteis sobre aspectos práticos da nossa vida. Tudo que pensamos nessa sintonia com a miração está longe de ser um mero devaneio. O pensamento se torna uma vibração que modela, conserta, cura e cria”.

Os trabalhos são diferenciados de acordo com o livro de cânticos, o hinário, escolhido para a ocasião. Podem ser realizados trabalhos de cura, trabalhos festivos – como São João, Natal, aniversários das igrejas –, a Santa Missa, destinada a orações para espíritos desencarnados, e trabalhos de Concentração, realizados todos os dias 15 e 30 do mês. Em todos os trabalhos é consagrado – bebido – o Santo Daime. De cor marrom, o chá é consumido em temperatu-

ra ambiente com um gosto, na maioria das vezes, levemente amargo. A farda pode ser branca, para dias de hinários oficiais, ou azul, para trabalhos de concentração e trabalhos não oficiais. Para as mulheres, a farda é acompanhada de uma fita verde pregada no ombro esquerdo, que simboliza proteção. Já para os homens, a roupa é composta pelo paletó branco e a gravata azul marinho, que possui o mesmo significado da fita. As vestimentas são utilizadas somente por pessoas que já participam da doutrina há algum tempo e, portanto, já receberam a ordem de utilizar a farda. Segundo praticantes, esta ordem chega ao daimista por meio de uma instrução espiritual. Para visitantes e pessoas que estejam ingressando na doutrina, os dirigentes recomendam o uso de roupas claras, que não sejam decotadas. Mulheres devem usar saias longas. Segundo a dirigente da igreja Céu da Fraternidade Branca Nossa Senhora de Fátima, de Cachoeira do Sul, Quézia Fortes, o uso da saia longa é o símbolo da força de Nossa Senhora. “Precisamos estar vestidos respeitosamente em qualquer igreja, pois são espaços espirituais. Em nossa doutrina, a saia simboliza o respeito e a força da nossa mãe maior, que é a dona da igreja. Da mesma forma, pelo mesmo respeito, os homens devem estar devidamente trajados”, explica.

Adepta do Santo Daime há 13 anos, Quézia conta que conheceu a doutrina por meio de um amigo. Ela explica que foi somente depois de algum tempo que realmente sentiu uma grande vontade no coração de viver tal experiência. “Busquei a doutrina porque ouvia algumas pessoas falando que era possível ver alguém que já tinha partido e eu queria muito ver a minha mãe. Com

o passar do tempo, entendi que o Santo Daime nos mostra muito mais. É a cura do corpo e principalmente da alma. Nos ensina a ter disciplina em nossa vida, consciência dos nossos atos, nos dá coragem, discernimento e nos faz entender melhor o valor da família”, revela. De acordo com a dirigente, para participar da doutrina é preciso “sentir no coração o sincero desejo de trabalhar espiritualmente”. “O Santo Daime é a escola espiritual da Virgem Maria. Nele desenvolvemos também a nossa mediunidade, graças ao Padrinho Sebastião que sempre trabalhou muito espiritualmente. Trabalhamos com todos os seres. Rezamos, fizemos as desobsessões, como chamamos o ato de encaminhar para a luz um espírito que está sofrendo”, pontua. Para o dirigente da igreja de Cachoeira do Sul, Mário Fortes, falar do Santo Daime é algo que jamais expressará em sua totalidade o significado da doutrina. “Daime é um rogativo à Deus e ele só não cura o que é sentença do nosso Pai maior. O Santo Daime é ter consciência do seu Ser espiritual, de andar com responsabilidade na vida, trabalhar com os guias espirituais, curadores e toda a falange que acompanha Jesus Cristo. Ninguém obriga nada em nossa doutrina, nela cantamos louvores com amor à Deus”, afirma.

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O surgimento de uma religião no coração da Floresta Amazônica

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O trabalho começa cedo e inclui a organização da igreja para receber a irmandade e seus visitantes, a limpeza dos banheiros, a coleta das flores que irão colorir a mesa, a retirada do lixo. E, muito mais do que isso, a preparação da consciência para a realização de uma sessão espiritual. A roupa, chamada de farda, deve estar impecável, assim como as vestimentas de quem se prepara para uma grande festa. Afinal, é desta forma que os adeptos da doutrina do Santo Daime entendem esse momento – como uma grande festa espiritual. A noite é de São João, e os cânticos que serão entoados, segundo contam os praticantes, foram recebidos de forma espiritual por um homem chamado Mestre Raimundo Irineu Serra, o grande dirigente do trabalho. Conforme consta no site oficial da doutrina, santodaime.org, Raimundo Irineu Serra foi filho de ex-escravos. Mestre Irineu, como é chamado o fundador da doutrina do Santo Daime, nasceu em 1890, em São Vicente Ferrer (MA), e faleceu em julho de 1971 no Alto Santo (AC). Chegou a trabalhar por muitos anos na imensidão da Floresta Amazônica como soldado da borracha – nome dado aos brasileiros transportados para a Amazônia para extrair borracha destinada aos Estados Unidos, na II Guerra Mundial. Mas foi ainda no início do século XX que Mestre Irineu conheceu, por meio dos povos da região, uma

das tradições sagradas mais antigas dos povos nativos da Amazônia ocidental. Trata-se da ayahuasca, também conhecida como “vinho das almas”, rebatizada por ele como Santo Daime. Contase que em sua vida de seringueiro, no contato com esta bebida, fruto da mata, recebeu a força e a revelação da Virgem Mãe Espiritual, Nossa Senhora da Conceição, para fundamentar a doutrina. De uso bastante comum entre povos indígenas da Amazônia, o Santo Daime é obtido pelo cozimento de duas plantas nativas, o cipó Jagube (banisteriopsis caapi) e a folha rainha, também conhecida como Chacrona (psicotria viridis). Possui propriedades enteogênicas que, para os adeptos da crença, são responsáveis por uma expansão de consciência. Com o predomínio de nomes do cristianismo ocidental – como Deus Pai, Jesus Cristo e Nossa Senhora da Conceição –, o Santo Daime possui influência de crenças indígenas, africanas, europeias e do espiritismo Kardecista. Ainda hoje, segundo o site oficial, durante os trabalhos – como são chamadas as cerimônias –, a presença de música é constante. São cantados hinos recebidos espiritualmente por seus seguidores, em sua maioria, dirigentes ou membros que já possuem algum tempo de doutrina. Estes hinos, sempre com mensagens de fé e de vida, são acompanhados por um instrumento indíge-

na chamado “maracá”. Também são utilizadas violas, flautas, bongôs, tambores e gaitas. As canções falam de Jesus, Maria e José, além de mencionarem o rei Salomão e alguns Orixás da Umbanda. Acredita-se que ao ingerir o Santo Daime, tem início um processo de autoconhecimento. A bebida que leva cerca de 20 minutos para fazer efeito possui em seu nome uma expressão com sentido rogativo: dai-me amor, dai-me luz, dai-me sabedoria. A experiência é discreta e acredita-se que é neste momento que os adeptos atinjam um momento de reflexão profunda. Nos trabalhos festivos de São João, sempre realizados na noite do dia 23 de junho, os adeptos chegam às igrejas e em seguida se posicionam em lugar pré-determinado pelos dirigentes do trabalho. A cerimônia inicia com a reza do terço e em seguida, após a distribuição da bebida, iniciam os cânticos e o movimento conhecido como bailado. Dois passos para cada lado, homens e mulheres obedecendo a mesma sincronia. Conforme orientação da própria doutrina, homens ficam posicionados em um lado do salão e mulheres do outro, formando assim, o que os adeptos chamam de batalhões feminino e masculino. O termo militar é usado porque, para a crença, o grupo de daimistas é formado por soldados da Virgem Maria, que trabalham pela evolução espiritual

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Raimundo Irineu Serra, fundador da doutrina


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O trabalho de feitio do Santo Daime A realização do trabalho de feitio do Santo Daime é considerado um momento extremamente importante para os daimistas. No site oficial da doutrina, Alex Polari observa que “o dia do Feitio do Santo Daime, se constitui, talvez, no ritual mais importante e festivo da Irmandade, quando praticamente todos estão mobilizados para a produção da Bebida Sacramental que será consumida ritualmente por ocasião das festas do calendário, das concentrações e das curas.” Conforme Polari, o feitio do Santo Daime exige o máximo de respeito, silêncio, devoção e esforço físico. Neste trabalho, as mulheres cuidam das folhas da rainha enquanto os homens ficam Foto: Divulgação Web

encarregados de retirar o cipó Jagube da mata, fazer sua limpeza e prepará-lo para o cozimento. Esta é uma cerimônia repleta de simbolismos espirituais. É considerada pelo adeptos a maior prova da idoneidade cultural e da pureza ritual da Doutrina. É um momento que resgata as origens dos povos indígenas que vivem ainda hoje na Amazônia Ocidental. Este rito é dividido pelas fases de localização, corte, transporte, lavagem, catação, raspação, bateção, cozimentos e apuração final daquela que é uma bebida considerada sagrada para os daimistas. Neste trabalho, a pessoa responsável pela produção do Santo Daime é chamada de Feitor. Este líder, conforme os daimistas, necessita apresentar habilidades tais como a destreza, inteligência, a memória e o domínio técnico sobre cada etapa. Assim que o primeiro Jagube é encontrado, o daimista que o encontrou toma uma porção de Daime, e reza um Pai-Nosso, uma Ave-Maria e uma Salve Rainha. O cipó geralmente é cortado em pedaços iguais e ensacado ou transportado em feixes. Alguns daimistas explicam que os pedaços possuem tamanhos iguais para que as mirações também sejam iguais para todos. Por sua vez, as mulheres após colherem as folhas, devem limpá-las com os dedos, lavá-las e encaminhá-las para a Casa do Feitio. Conforme informações dos adeptos, todo este trabalho é feito com a consagração do Santo Daime. O Jagube é então batido até ficar macerado em fibras, para somente então ser levado para as panelas, aonde é intercalado com camadas da folha rainha e água pura, filtrada. Depois de pronto, a panela é retirada, o Daime é escorrido e se aguarda para que fique frio para então ser embalado. Para encerrar, as mulheres participam juntamente com os homens de um trabalho de “Boca da Fornalha”. Neste trabalho, é cantado um hinário escolhido pelo feitor. Sebastião Mota de Melo

A história da Ayahuasca

Como registrado no site da doutrina, desde o início da colonização europeia, a história da ayahuasca já foi pesquisada por inúmeros botânicos, exploradores, antropólogos e aventureiros que identificaram a importância de seu uso em muitas culturas da região amazônica. Foi somente a partir dos anos 1930 que, de forma regular, um grupo de discípulos abriu os trabalhos da doutrina nas cercanias de Rio Branco, com uma nova ênfase aos ensinos cristãos para afirmar os princípios de amor, caridade e fraternidade. Em 1920 nasceria um homem que se tornaria discípulo de Mestre Irineu, o fundador do Santo Daime, e se responsabilizaria em dar continuidade à doutrina. Sebastião Mota de Melo veio ao mundo no Seringal Monte Lígia e, desde muito cedo, dizia fazer viagens astrais e ter visões de seres encantados da floresta. Os devotos relatam que era curador e rezador, mas foi por meio da doutrina espírita Kardecista que se desenvolveu mediúnicamente. Se mudou para Rio Branco com sua família em 1957 e passou a trabalhar como agricultor, mas também realizava atendimentos a pessoas doentes. Disposto a expandir o culto do Santo Daime além das fronteiras do país, registrou em 1974 sua entidade religiosa e filantrópica, denominada Centro Eclético da Fluente Luz Universal Raimundo Irineu Serra (Cefluris). Uma sociedade sem fins lucrativos, responsável pelo trabalho espiritual desenvolvido com o Santo Daime. No ano de 1982, fundou o assentamento que atualmente é conhecido como Vila Céu do Mapiá. Gostava de trabalhar na construção de canoas e fazer grandes caminhadas pela floresta, que conhecia como ninguém. Faleceu em janeiro de 1990, no Rio de Janeiro, onde se encontrava para tratamento de saúde.

A legalização da bebida no Brasil

A luta pela legalização do Santo Daime existiu desde seus primórdios. Dados institucionais contidos no site da doutrina, revelam que desde a década

31 Foto: Mariéle Gomes

Consagração do Santo Daime na Igreja Céu da Fraternidade Branca Nossa Senhora de Fátima, em Cachoeira do Sul.

de 1970 houve perseguições no Acre, com investidas de policiais. Sebastião, intitulado como padrinho Sebastião, assumiu o Daime em seus trabalhos espirituais, negando-se a escondê-lo, como era feito em outros locais. Por ordem do Ministério da Justiça, em 1982 foi enviado até a comunidade assentada no Rio do Ouro a primeira comissão interdisciplinar para o estudo religioso do Santo Daime. Presidida pelo então comandante do 7º Batalhão de Engenharia de Construção do Acre, coronel Roberto Wanderley Guarino Junior, acompanhado de historiadores, sociólogos, psicólogos, assistentes sociais, cientistas, dentre outras autoridades do Acre. Em 1985 o uso do Santo Daime foi proibido, trazendo a questão à tona mais uma vez. Durante esta época, grandes movimentos foram realizados, com a visita de organizações e comissões de estudos que apreciaram a comunidade do Céu do Mapiá. As boas impressões contribuíram para o relatório final, amplamente favorável em conceder proteção do Estado para o uso religioso da bebida. No ano de 1991, em um seminário com a presença de entidades religiosas, foi pactuada uma carta de princípios, dos compromissos quanto à regulamentação definitiva, expedida pelo Conselho Nacional Antidrogas (Conad) no ano de 2006. Em março deste mesmo ano, a Secretaria Nacional Antidrogas (Senad), convocou um novo encontro em Rio Branco, no Acre, com a proposta de compor um grupo multidisciplinar encarregado de fazer uma proposta para regulamentação definitiva do uso religioso do Santo Daime no Brasil. Com duração de quase todo o ano,

foi então criado o documento Princípios Deontológicos para o uso religioso da Ayahuasca e a bebida foi liberada para consumo em rituais religiosos. Em seguida, foi retirada pelo Conad da lista de drogas alucinógenas, decisão publicada no Diário Oficial da União em janeiro de 2010. Contudo, a resolução veta o comércio de propagandas do Santo Daime, que é liberado somente para fins religiosos e não lucrativos. Além disso, é proibido o uso do chá com drogas e em eventos turísticos. O documento orienta ainda que as entidades realizem uma entrevista com os interessados em participar dos trabalhos antes de ingerir a bebida pela primeira vez e não é recomendado o uso por pessoas com transtornos mentais ou que utilizem drogas. Apesar da liberação no Brasil, em alguns países a ayahuasca ainda é proibida. Em outubro de 2016 o presidente da república, Michel Temer intercedeu junto ao chefe de Estado da Rússia, Vladimir Putin, pela soltura do pesquisador brasileiro Eduardo Chianca Rocha, que foi preso no país por carregar em sua bagagem quatro garrafas da bebida. Conforme matéria publicada no site G1 da globo.com, a detenção ocorreu em função da bebida ser considerada ilegal pela lei do país. Contudo, por ser liberada no Brasil, pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), foram encaminhados cerca de 15 documentos, entre cartas da Federação Brasileira de Terapeutas e da tribo indígena Fulni-ó de Águas Belas, no Agreste Pernambucano, além de ofício do deputado Giovane Cherini que preside a Frente Parlamentar de Práticas Integradas em Saúde do Congresso Nacional, intercedendo pelo brasileiro.

O pesquisador estava na Europa por convite de cientistas estudiosos, por trabalhar com terapias holísticas e diagnósticos a partir da leitura dos chacras e seu equilíbrio.

Pelo mundo Estimativas indicam que atualmente, pelo menos 20 países no mundo possuam daimistas. Dentre eles, a Itália, Espanha, Alemanha, França, Reino Unido, República Tcheca, Holanda, Suécia, Dinamarca, Irlanda, Portugal, Suíça, Bélgica, Estados Unidos, Japão, Chile, Argentina, Uruguai e Bolívia. No Rio Grande do Sul a primeira igreja da doutrina do Santo Daime a ser fundada foi a igreja Céu do Cruzeiro do Sul, em Viamão, no ano de 1990. Atualmente existem, quatro igrejas e cinco pontos no estado. As igrejas são aquelas que estão registradas em nome da associação mantenedora, devendo estas possuir condições de cumprir com o calendário de hinários oficiais da doutrina. Tais igrejas estão sob o comando maior de Alfredo Gregório de Melo, filho do Padrinho Sebastião e de Rita Gregório, considerada a matriarca da doutrina. Nascido em 1950, Alfredo demonstrou desde muito cedo seus dons espirituais ao acompanhar o pai nos trabalhos do Alto Santo, juntamente com o Mestre Irineu. Desde então, foi um dos principais auxiliares do padrinho Sebastião também por seu espírito de liderança e dotes administrativos. A estimativa é de que existam cerca de 200 daimistas filiados aos centros no Rio Grande do Sul.


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Há interferência na saúde mental?

Esta é, sem dúvidas, uma das principais perguntas que pessoas não ligadas ao Santo Daime fazem ao ler sobre a doutrina. Ainda que polêmico, o assunto divide a opinião de especialistas. Para o professor titular de psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo, Ronaldo Laranjeira, a autorização do Conad é problemática. Segundo ele, os integrantes da doutrina não têm capacidade para identificar quem pode ou não ingerir o chá. Por outro lado, mesmo sendo considerada uma substância alucinógena por alguns médicos, um parecer da Organização das Nações Unidas (Onu), afirma que nem o cipó, nem a folha, contêm efeitos alucinógenos isoladamente. Em 2012 foi realizado um estudo sobre duas religiões brasileiras, o Santo Daime e a Umbanda – ambas com práticas de estados de consciência di-

ferenciados. Realizada no Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo (USP), sob a coordenação da psicanalista Suely Mizumoto, a pesquisa constatou que os adeptos do Santo Daime apresentaram grandes diferenças com relação a mudanças de humor, sentimentos contraditórios e o domínio sobre essas alterações, considerando experiências anteriores e posteriores aos trabalhos religiosos. Em comparação com um grupo de controle, os adeptos demonstraram maior equilíbrio do humor e emoções. Os daimistas, segundo a pesquisadora, apresentaram também um maior domínio sobre quadros de depressão. Contudo, há sim uma grande preocupação e responsabilidade do Cefluris de intensificar o controle de participações, para que a doutrina seja praticada em sua forma original. De acordo com o

Foto: Mariéle Gomes

Trabalho de aniversário da Igreja em cachoeira do Sul, no dia 15 de outubro de 2016

site da doutrina, a própria carta de princípios do Santo Daime exige que, para participar de uma sessão, é necessário antes passar por uma entrevista com os dirigentes da igreja. É exigido também assinar uma ficha, chamada de anamnese, onde, além dos dados pessoais, deve constar o uso de medicamentos controlados, drogas ou doenças crônicas. Depois disso tudo, o iniciante deve ainda participar de um trabalho de apresentação, que ocorre eventualmente durante as sessões de domingo. Os dirigentes garantem estar atentos aos mecanismos de recepção de novas pessoas aos trabalhos. Além disso, também são colocados em prática, em casos de condutas disciplinares irregulares, procedimentos que podem culminar até na suspensão do praticante. Os daimistas garantem controlar as doses para cada tipo de trabalho.

Foto: Divulgação Web

Melhores cidadãos

para o MUNDO Por Jéssica Bayer

Escotismo surgiu no século XX com a proposta de servir ao próximo Um movimento de jovens feito por jovens. Esse é o princípio do escotismo, que une a vitalidade das crianças e jovens à experiência dos adultos, sempre de forma voluntária. Os participantes têm idade entre 6 e 21 anos e são chamados dentro do movimento por lobinhos, escoteiros, seniores ou pioneiros – dependendo da faixa etária. O escotismo é um movimento educacional que busca o desenvolvimento da criança e do jovem nas áreas física, intelectual, social, afetiva, espiritual e de caráter. “Por isso, a divisão por idade dentro do movimento – para que todas essas áreas do desenvolvimento possam ser trabalhadas respeitando as limitações de cada idade e de cada individuo”, conta o presidente do Grupo Escoteiro Santa Cruz (GESC), chefe Andriano. Nossa reportagem foi conhecer o GESC, mas a cidade ainda tem outro grupo escoteiro, o MacLaren. Primeira regra: não tente estender a

mão direita para saudá-los. Escoteiros têm o costume de cumprimentar as pessoas com a mão esquerda, entrelaçando os dedos mínimos. “Este é um costume herdado desde a fundação do movimento, no início dos anos 1900. Tribos tinham o costume de cumprimentar uns aos outros com a mão esquerda como símbolo de amizade e lealdade, já que era preciso largar o escudo com o qual estavam lutando”, conta o chefe Andriano. Este costume acabou sendo adotado pelo movimento escoteiro em todo o mundo. No escotismo, todos têm regras e mandamentos a seguir. “O propósito do movimento é resgatar alguns valores que, talvez, acabaram se perdendo com o passar dos anos, como o civismo, a educação, o cuidado com a natureza, a ajuda ao próximo e tantos outros”, afirma a chefe Lisandra. Segundo ela, o movimento escoteiro no mundo tem mais de 100 anos de fundação.

O Grupo Escoteiro Santa Cruz completou, em março, 30 anos de existência. Participam do grupo cerca de 100 integrantes, número que incluiu os escoteiros, chefes e as equipes de apoio. O ramo Lobinho – como são chamadas as crianças de 6 anos e meio até os 11 anos – é o grupo mais procurado entre os escoteiros. “Para entrar no movimento como lobinho, aqui no nosso grupo tem uma fila de espera de, pelo menos, 15 crianças”, explica Andriano. Os outros ramos do movimento são: os escoteiros (de 11 a 15 anos), o sênior (de 15 a 18 anos) – uma curiosidade deste grupo, é que as mulheres não são chamadas de sênior e sim de guias -, e os pioneiros (de 18 a 21 anos). Depois dos 21 anos, a permanência no grupo é através do trabalho voluntário como chefe ou na parte administrativa. Agora, você deve estar se perguntando: O que eles fazem? Pois bem, Jéssica Bayer


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Divulgação Movimento Escoteiro do Brasil

mensalmente eles contribuem com mais de 50 milhões de horas de trabalho comunitário nos países em que existe o movimento. O GESC, por exemplo, contribuiu com ações de arrecadação de mantimentos para o Banco de Alimentos de Santa Cruz, ajudou na reconstrução dos muros de uma escola da cidade e o trabalho não para por aí. “Nosso lema é servir. Escoteiros estão sempre a postos para ajudar o próximo”, enfatiza Andriano. Ainda conforme o chefe, quem quiser ser um escoteiro, deve preencher uma ficha de inscrição online no cadastro de escoteiros do Brasil. Novos integrantes ingressam nos grupos de escoteiros a cada semestre, já que todas as atividades são planejadas e pensadas semestralmente. Depois de mostrar interesse pelo movimento e preencher a ficha, é possível participar das atividades do grupo por um mês até ser promissado e se tornar, de fato, um escoteiro. Falando em promessa, o sinal da Promessa, feito com a mão direita com a palma para a frente e o polegar sobre a unha do dedo mínimo, com os outros dedos esticados, simboliza que, “mes-

A TRANQUEIRA DO

ROCK

Enquanto eles estiverem vivos, o rock nunca morrerá

mo os escoteiros mais distantes estão unidos e que o mais forte deve sempre defender o mais fraco”, esclarece Andriano. Os escoteiros mais velhos do GESC entraram no grupo ainda como lobinhos, mas se você tem mais de 21 anos e pensa que não poderá mais participar do movimento escoteiro, está enganado. Andriano entrou para o grupo há

três anos como chefe. “Há quatro anos eu conheci o movimento escoteiro e acompanhava meu filho nas atividades do ramo lobinho. Depois de um ano fui convidado a integrar o grupo e estou até hoje”, brinca o chefe. Para ele, o resultado final é sempre o mais importante. “Portanto, não há desculpas para não participar do movimento e das atividades”, ressalta.

ALGUMAS CURIOSIDADES SOBRE O MOVIMENTO ESCOTEIRO •

O movimento escoteiro tem como símbolo a flor de lis - um distintivo com o símbolo pode ser encontrado no uniforme dos escoteiros.

Divulgação Movimento Escoteiro do Brasil

EM RIO PARDO Por Gregory Reis

Ele foi militar e no século 20 foi eleito uma das pessoas mais influentes do Reino Unido. Inicialmente, o movimento escoteiro foi pensado para rapazes, mas o interesse das meninas foi tanto que, logo em seguida, ele adaptou as atividades em publicações para Guias, como ele as chamou. O primeiro homem a pisar na Lua, o norte americano Neil Armstrong, foi escoteiro. Ele deixou lá uma placa de bronze com a Flor de Lis, símbolo do escotismo. O Movimento Escoteiro não está presente em apenas seis países: Andorra, China, Cuba, Coreia do Norte, Laos e Myanmar. Os escoteiros podem acumular distintivos durante os anos referentes as suas habilidades. Os distintivos podem ter três cores, de acordo com o nível alcançado. Jéssica Bayer

Quando o apito é soado três vezes, todos os escoteiros devem se apresentar para o seu chefe. Dois apitos, apenas os monitores de cada tropa devem se apresentar para o seu chefe. Cada ramo ainda é dividido em pequenos grupos. Nos lobinhos, por exemplo, essa divisão é chamada de matilha – a matilha de lobos. Este ano, o ramo Lobinho comemora 100 anos. Todos os ex-lobinhos foram convidados para refazerem o seu juramento. Baden-Powell foi o criador do Movimento Escoteiro.

Jéssica Bayer

Já considerado um dos estilos musicais que mais agitavam aficionados pelo mundo, o Rock and Roll luta, nos dias de hoje, para se manter nos holofotes da mídia. Enquanto lá fora a disputa é com a música pop e outros ritmos, aqui no Brasil a briga é bem mais difícil – funk e sertanejo são os queridinhos da vez. Porém em Rio Pardo, como em muitas cidades do mundo, existe um grupo destinado a manter pulsando a cultura rock. Sair em turma e ouvir as músicas preferidas, beber, conversar sobre diversos assuntos, dar risadas e ainda fazer amigos. Isso tudo a galera do Grupo do Museu como é mais conhecida, faz em suas noites nos finais de semana. O palco desta festa são as imediações do Solar Almirante Alexandrino, que abriga o Museu Barão de Santo Ângelo, no centro da cidade. Antes, era na Praça São Francisco, na frente da igreja de mesmo nome. Os integrantes fazem tudo isso para manter viva essa cultura, como explica Cleber Gori, dono de uma loja de instrumentos musicais. “É um movimento bem bacana. A gurizada toca para frente o movimento rock e se não fosse por ações como esta, o movimento já tinha morrido. A gurizada é muito unida e dentro daquela galera não entra outro estilo, entendeu? Acho que eles vão le-

var esse gosto para o resto da vida.” Ninguém sabe ao certo como o grupo iniciou. Segundo o integrante Aramis Wagner, tudo começou por volta de 2007 ou 2009, na mesma região da cidade, perto do museu. Foi nesta época que ele começou a frequentar o grupo. “Alguns eu conhecia do tempo de escola, mas a maioria conheci no carnaval e, com o tempo fui conhecendo no museu mesmo.” Foi Aramis quem convidou Altamir Silva para participar do grupo. Altamir conta que vinha tendo dificuldades para passar de fase no jogo Resident Evil 4 e apelou para a prática de Aramis para seguir adiante. Do encontro partiu o convite. “O Aramis conhecia o pessoal e, através dele, conheci também”, conta. Segundo ele, os encontros nas imediações do Solar começaram a partir de 2014. Conforme Francine Coelho, outra integrante, a praça, os arredores do museu foram os locais escolhidos para as reuniões por falta de um ambiente específico. Para ela, Rio Pardo é muito voltada para outros ritmos hoje em dia. Altamir sente falta da extinta Colina, onde aconteciam festas mais voltadas ao público roqueiro. “Sinto falta de lá”, lamenta. Assuntos diversos disputam espaço nas reuniões do grupo, geralmente aos Fotos: Grégory Reis

sábados. Os integrantes não falam apenas de Rock. Falam sobre animes, jogos eletrônicos e de mesa, filmes, assuntos da vida em geral. E como acompanhamento, cerveja, vodka misturada com energético, refrigerantes e um cigarrinho. “Tocávamos violão, conversávamos, jogávamos e bebíamos (bastante). Era muito bacana aquela época”, conta Aramis. O tom é de nostalgia porque, segundo o Aramis, nem tudo é como antes. “Infelizmente tudo muda. Já não somos mais os mesmos e não conseguimos nos divertir como antes.” Francine Coelho sente muita falta dos tempos que eles ficavam na praça. “O pessoal era mais unido”, conta.

OPÇÃO DE NOVOS TALENTOS Cleber Gori sempre trabalhou com música. Para ficar mais perto de sua paixão, fundou uma loja de instrumentos musicais. Deu aula, mas também tocou em diversas bandas, de diversos estilos em eventos. Hoje, Cleber também organiza eventos de rock pela cidade. A Confraria é a mais famosa. Nela, bandas da cidade e da redondeza mostram o seu talento ao tocar suas próprias canções ou cover de bandas. “Há cinco anos eu resolvi criar a Confraria, para espalhar o rock clássico e possibilitar a bandas alternativas mostrar o seu trabalho. É para não deixar o Rock morrer”


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HUMANOS 2.0: UPGRADE DOS SENTIDOS NA GARAGEM DE CASA

Por Débora Pricila da Silveira

Movimento chamado Biohacking abre portas para novos experimentos e sensações humanas

possui mais conhecimentos para avançar no estudo. Lopes acredita que o primeiro protótipo a ficar pronto terá 1% do recurso total. A evolução, até chegar ao implante final, acontece de forma gradativa e exige muitas horas de estudo, mas nada que o faça desanimar. Assim como Lopes, muitos biohackers avançam sozinhos em suas pesquisas. Isto porque a ideia da prática surgiu do Do It Yourself, ou, “faça você mesmo”. O neurocientista no Instituto de Biofísica, na Universidade Federal do Rio de Janeiro UFRJ, Willian Barela Cos-

ta, 24 anos, também faz parte do movimento. Ele explica que a essência do Do It Youserlf “se trata de estar na protagonização de produtos e processos que cercam a vida de cada pessoa e na sua resolução, mesmo que os recursos financeiros sejam baixos”. Ele acrescenta que “no final das contas é um conceito chique dado para feitos que nossos avós naturalmente já realizavam: se quebrar, concertamos. Se está ruim, vamos juntar algumas sucatas e encontrar um propósito a elas que nos seja útil, uma verdadeira gambiarra”.

Aos poucos, aplicações comerciais para o Biohacking vão surgindo e deixam de lado este conceito de “faça você mesmo”. Já existem no mercado internacional empresas especializadas na produção de implantes cibernéticos, como a Dangerous Things, nos Estados Unidos. Mas, no Brasil, este tipo de comércio ainda não é encontrado. Contudo, já surgiram diversos grupos de entusiastas que realizam pesquisas na área em laboratórios, como é o caso do Olabi, no Rio de Janeiro, espaço biohacker do qual Costa é um dos coordenaFoto: Grindhouse Wetware

Aos 17 anos, o estudante de Física do Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG), Chrystian David Lopes, está engajado em um projeto que pode soar estranho para a maioria dos jovens de sua idade: um implante cibernético que será colocado no seu pulso. O objetivo é que o dispositivo, sob sua pele, monitore funções como batimentos cardíacos, temperatura corporal, nível de stress, e passe estas informações para outro dispositivo eletrônico, como um smartphone. A ideia causa estranhesa para grande parte das pessoas que ainda não ouviu falar nos chamados biohackers. Mas, se você pensa que o jovem pesquisador está desperdiçando sua juventude em um projeto que tem tudo para não dar certo, irá se surpreender ao saber que isto já é uma realidade. Na Pensilvânia, Estados Unidos, o americano Tim Cannon, 37 anos, exibe com orgulho o chip que tem implantado no antebraço direito. Do tamanho de uma carteira de cigarro, o dispositivo é capaz de parear com aparelhos Android e informar dados, como a temperatura corporal e pressão sanguínea, por meio do Bluetooth.

No futuro, Cannon espera ampliar as possibilidades do apetrecho atrelado ao seu corpo, fazendo com que sua casa, por exemplo, se adapte e apresente um ambiente mais aconchegante ao detectar que o morador teve um dia estressante no trabalho. Isto seria possível por meio da Internet das Coisas, outra área da tecnologia que já está bem avançada. Assim, mesmo à distância, a iluminação e a temperatura do ambiente podem ser ajustadas. Cannon e Lopes, apesar da diferença de idade de exatos 20 anos e da distância de milhares de quilômetros que os separam, têm em comum o interesse por uma prática ainda pouco conhecida no Brasil, o Biohacking. Ambos fazem parte do grupo de biohackers, ou, Humanos 2.0, muitas vezes taxados como loucos, alvos de críticas de religiosos e não religiosos que os acusam de quererem ser Deus. Para os entusiastas da área, o preconceito vem da falta de informações sobre a prática. Os biohackers têm o desejo de realizar modificações corporais, com a finalidade de adquirir capacidades incomuns, capazes de melhorar a performance humana, seja ela física ou men-

tal, por isso o termo “Humanos 2.0”. O movimento se identifica com a corrente do Transhumanismo, crença de que é possível alterar fundamentalmente a condição humana por meio do uso de tecnologias e fazer um ser humano superior. Conforme Lopes, “as pessoas do Biohacking procuram passar para o próximo ‘nível’, além de terem experiências e sensações novas com seus implantes”. Mas, além de permitir que os adeptos desenvolvam novas habilidades e potencializem as que já têm, o Biohacking pode ser a solução para problemas físicos, que até então não tinham tratamentos na medicina tradicional. “Há vários casos onde a pessoa nasce com alguma deficiência e com o Biohacking pode-se devolver este sentido, seja a visão, tato, dentre outros. São coisas que, anteriormente, seriam consideradas possíveis somente na ficção”, explica Lopes. O jovem pesquisador comenta que o projeto de seu futuro implante, já está bem avançado. Embora faça a maior parte de sua pesquisa sozinho, ele conta que recebeu ajuda de colegas estudantes de medicina e farmácia e agora

dores. Entretanto não é preciso fazer parte de nenhum laboratório para se tornar um biohacker. A ideia é poder realizar pesquisas de casa mesmo, sendo que muitos adeptos improvisam laboratórios nas garagens de suas residências. Informações e troca de experiências com a técnica, têm na internet o seu refúgio. Costa ressalta que na rede mundial de computadores encontra-se muito conteúdo a respeito do assunto, contudo, é preciso saber separar o que é “lixo virtual” do que é “útil e científico”. Para quem está iniciando no movimento, o pesquisador indica a revista online Biocoder, que, segundo ele, procura sintetizar os avanços que acontecem na área.

GRINDERS

É comum quando se fala em Biohacking e tem-se pouco conhecimento sobre o assunto, associar a técnica ape-

nas àquelas pessoas que colocam algum tipo de implante, como os imãs de neodímio, que dão uma espécie de sexto sentido a quem os possui. Localizados na ponta dos dedos, eles permitem a percepção de ondas eletromagnéticas dos aparelhos eletrônicos, além disso, atraem pequenos objetos de metal. Sabe o personagem Magneto, do filme X-Men? É a mesma ideia, porém, em proporções bem menores. Ao invés de movimentar um carro com a ponta dos dedos, quem possui um imã de neodímio consegue levantar pequenos obje-

tos de metal, como um clip de papel ou tampas de garrafas e até mesmo uma pequena tesoura cirúrgica. Mas os implantes são apenas uma parcela do mundo de possibilidades que envolve o Biohacking. Os biohackers que os possuem são chamados de Grinders. Existem basicamente duas grandes vertentes para o movimento: Abordagem interativa: neste caso, visando melhorar o próprio corpo, as pessoas utilizam implantes que melhoram a sua capacidade, como por exemplo, injetar uma substância nos olhos para adquirir visão noturna, ou implantar chips de comunicação por proximidade. Abordagem não interativa: neste caso, são utilizados elementos externos para melhorar a performance da pessoa. Entre elas temos uma série de categorias, como a utilização de luz azul para dormir mais profundamente, fazer jejum intermitente com o objetivo de aumentar os níveis de energia, ou ingerir suplementação especializada.


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PRECONCEITO Segundo Lopes e Costa, o Biohacking ainda é alvo de muito preconceito, principalmente no Brasil onde o assunto é pouco difundido. Costa afirma que o preconceito e a confusão vêm da palavra hacker. “A mídia transmite muito a imagem de hacker pela concepção daquele cara da informática que invade o computador das outras pessoas. Ele é um hacker da informática (por entender todos os processos que acontecem na informática), mas, a partir do momento que ele utiliza seus conhecimentos para um ato criminal, o correto é chamar de cracker”, esclarece o Neurocientista. “O hacker esta preocupado em entender um processo na sua totalidade e personalizá-lo para resolver um problema. Neste caso, um biohacker procura entender as tecnologias da vida (biotecnologias) e como aplicá-las no seu dia a dia, gerando inovação ou solucionando um problema”, acrescenta. Ele ainda destaca que o Biohacking cresceu muito, sendo que existem diferentes modalidades como é o caso do Biohacking Life Styles, que visa hackear a alimen-

tação e a forma de levar a vida, com o objetivo de conseguir uma melhor performance, como ficar mais inteligente, forte ou produtivo. Segundo ele, os biohackers que buscam ampliar suas capacidades cognitivas, os Grinders, também sofrem com o preconceito. “Um ótimo exemplo é o Gabriel Licina, que enxergou no escuro, implantando organelas de peixe no olho”, aponta. O experimento, um dia, pode vir a ajudar as pessoas cegas, mas ainda assim, quem faz este tipo de experiência é visto com outros olhos por grande parte da sociedade. POLÊMICAS – Os biohackers são acusados de quererem ser Deus, por provocar mudanças no corpo e ter em mente adquirir capacidades até então incomuns aos humanos. Para Costa, a impressão é causada por uma visão superficial da prática. “O movimento possuí integridade, propósitos e ética. O clichê ‘brincar de Deus’ existe comumente até entre os cientistas que possuem trabalho sério. Costumo pensar que a ignorância é geradora de medo e negatividade sobre os movimentos, trabalhos que não são compreendidos”, diz. “Na minha opinião, os seres humanos, às vezes, vulgarizam aquilo que não entendem ou possuem medo”.

Outro assunto polêmico que envolve os biohackers é a suposta ameaça de produção de armas biológicas. Nos Estados Unidos, por exemplo, estes grupos chegam a ser supervisionados pela Agência de Inteligência (CIA). Costa afirma que um biohacker pode ameaçar a humanidade com bioterrorismo da mesma forma que qualquer biólogo e demais profissionais da área formados nas universidades. “O que quero dizer com isso é que esse perigo já existe há muito tempo. É a responsabilidade que o conhecimento traz. O problema é que como a palavra hacker foi contextualizada pelos estúdios cinematográficos traz a concepção de criminalidade, quando na verdade não é essa a busca ou a cultura pregada nos espaços”, exemplifica. “Em suma, em minha opinião, é clichê midiático para atrair público”, acusa. Costa explica que o objetivo do movimento é diferente desta ideia de perigo difundida por quem desconhece a prática mais a fundo. “O cerne do código de ética de um hacker é produzir algo que faça bem ao mundo, então não incentivamos bioterroristas, mas sim a possibilidade de sonhar, se empodeirar e querer mudar o mundo para um lugar melhor”, conclui.

Foto: Science for the Masses

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O que é Biohacking? Conforme o neurocientista do Instituto de Biofísica da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Willian Barela Costa, o Biohacking veio da fusão da ética hacker, conceito muito utilizado na informática, com a biologia. O movimento tem como pilares o conceito Do-It-Yourself (DIY) utilizado

também por makers, que basicamente é “faça você mesmo” se realmente quer que algo aconteça. Em outras palavras, Biohacking é o ato de você hackear a sua própria biologia, com o objetivo de se tornar uma pessoa mais produtiva, focada e até mesmo com habilidades inco-

muns. Biohacking abrange um grande espectro de práticas e movimentos, desde especialistas que projetam e instalam aprimoramentos corporais DIY, como implantes magnéticos, até biólogos que conduzem sequenciamento genético em suas casas em laboratórios improvisados.

Foto: Grindhouse Wetware

O biohacker Tim Cannon Biohacker, conhecido como “DIY Cyborg” testa em si próprio implante subcutâneo chamado Circadia 1.0. Este sensor transmite dados biométricos para aparelhos com sistema operativo Android .

Como surgiu? Conforme Willian Barela Costa, a história do Biohacking começa a se popularizar em 2005, com artigo da Wired, de autoria de Rob Carlson. No trabalho, ele mostrou que US$ 1 mil foi o suficiente para obter os equipamentos que permitem a qualquer um começar a usar esta tecnologia, juntamente com recursos on-line que permitem aprender a teoria básica. Em 2009 os primeiros espaços biohackers foram fundados na Califórnia (BioCurious) e Nova York (GenSpace). Aqui no país o conceito surgiu um pouco mais tarde. “O Biohacking no Brasil caminha a passos curtos, existe um pouco de preconceito, mas em

comparação ao passado estamos tendo um bom progresso”, ressalta Costa. “O primeiro grupo surgiu em São Paulo, mas fomos nós, no Olabi, que viemos trazer mais resultados biológicos. Outros grupos focaram muito na construção de equipamentos de laboratório a baixo custo”. O jovem conta que o primeiro espaço biohacker na América Latina foi o SyntechBio, que abriu em São Paulo no ano de 2012. “Após a abertura do Syntechbio, este grupo apoiou outras iniciativas na região, melhorando a comunicação e ação da comunidade como um grupo”, comenta. “Isto levou à criação da Rede Latino-Americana

de espaços Biohackers, que foi lançada no final de 2014”, acrescenta. Mas, conforme ele, o espaço biohacker desta comunidade foi fechado em 2015, pois os participantes entenderam que seria melhor apoiar toda a América Latina, através da criação de uma rede, ao invés de focar-se em apenas um país. “Ela já inclui os grupos da Argentina, Brasil, Colômbia, México e Peru, e está em expansão pela região”, explica. Costa diz que a rede possui dois consultores internacionais com experiência na construção de espaços Biohacker, Maria Chavez de Biocurious e Ryan Bethencourt da IndieBio -SF.

Por que se tornar biohacker? Em 2015, um grupo de biohackers, em Los Angeles, decidiu injetar nos olhos 50 mililitros de uma subtância química chamada CE6. O objetivo? Adquirir visão noturna. Gabriel Licina começou a sentir os efeitos uma hora depois. Seus olhos ficaram completamente negros e ele conseguiu enxergar objetos a 50 metros de distância, mesmo em ambientes escuros.

Mesmo com o preconceito e falta de conhecimento sobre o assunto, o Biohacking vem se desenvolvendo em vários países. E por que fazer parte do movimento, mesmo com todos os “ônus” que aparecem? Willian Barela Costa explica os inúmeros motivos que o levam a fazer parte deste grupo.

“Sempre quis ser o protagonista da minha vida, ter as coisas sobre o meu controle. Isso se desdobra a vários aspectos da minha vida e a vontade de estar em contato com inovação constantemente é uma delas”, destaca. “Inicialmente a mentalidade era: se tal lugar e tal pessoa está fazendo essa coisa super maneira

que pode mudar o mundo, porque eu não posso fazer? Foi a vontade de querer ‘fazer com as próprias mãos’ que me levou ao movimento, mas permaneci ao entender que ele tem um valor social alto que é trazer igualdade e empodeirar as pessoas para que tenham o mesmo potencial de gerar soluções.”


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A VIDA COM UM

IMPLANTE

João*, 30 anos, se interessou pelo Biohacking há cerca de 5 anos e, há 2, convive com um implante do tipo NFC em uma das mãos. “O chip é um xNT da Dangerous Things. Já implantei um imã no dedo, mas este, infelizmente, acabou saindo devido a algumas experiências”, conta. O chip permite que João, por exemplo, ganhe uma camada extra de segurança em seus dispositivos eletrônicos. “Posso citar como exemplo a possibilidade de desbloquear meu telefone ou mesmo meu computador com ele, além de também poder fazer login em diversos sites”, explica. Outra possibilidade é o desenvolvimento de sistemas de controle de acesso. “Trabalho com eletrônica e já implementei a utilização do chip em vários projetos”, afirma. João ressalta que o implante não possui nenhuma restrição. “Não interferem nem mesmo em detectores de metais. O único cuidado é quando há necessidade de realizar exame de ressonância magnética”, frisa ele. A orientação é que sejam retirados na hora de realizar o exame.

João conta que a escolha do chip e do ímã demorou algum tempo, pois antes de tomar a decisão ele pesquisou por diversos tipos e procedimentos. Para realizar o implante, o biohacker revela que procurou ajuda de uma tatuadora. “A maioria dos biohackers é entusiasta do DIY (Do It Yourself), mas, com relação aos implantes eu busquei, e sempre recomendo, o auxílio de profissionais”, aconselha. “No meu caso, fiz ambos os implantes com uma tatuadora que mesmo sem ter experiência com body modification, tinha todos os itens e o ambiente com a assepsia adequada, além de experiência com técnicas de enfermagem”, conta ele. “Por mais simples que alguns procedimentos possam parecer, sempre recomendo profissionais ou pessoas com experiência. Existem diversos vídeos de biohackers fazendo seus próprios implantes, muitos bem explicados, mas mesmo assim eu não recomendo”, destaca ele. O biohacker conta que não sentiu nenhuma dor ao implantar os dispositivos. Ele fez anestesia local e não teve nenhum efeito colateral. Mas teve

* Nome fictício para preservar a identidade do entrevistado.

Foto: cortesia Flickr, Neil Harbisson

um problema com o ímã, que acabou sendo rejeitado pelo corpo, algo que pode acontecer. Porém, no geral, estes tipos de dispositivos vêm revestidos por material cirúrgico, para diminuir os riscos de uma infecção ou rejeição. “Como foi a primeira vez que a pessoa havia feito tal procedimento, o corte foi um pouco maior do que deveria. Somando isso ao fato de eu ter abusado um pouco no esforço, ele acabou saindo”, comenta João, que pretende colocar o implante novamente. João conta que já sofreu preconceito por ser um biohacker. Por isso, poucas pessoas sabem de seu implante. Justamente por não querer se expor, seu nome foi trocado nesta reportagem, a fim de manter preservada sua identidade. “Este assunto ainda é tabu na mídia. Já vi algumas reportagens tendenciosas sobre este assunto”, aponta. “Além disso, muitas pessoas motivadas por crenças ou mesmo por ignorância associam esses implantes ao diabo. Mesmo pessoas bem esclarecidas sobre esses assuntos ainda tem certa dificuldade em entender isso”, afirma.

Neil Harbisson, fundador da Cyborg Foundation. Conectado a sua cabeça está o dispositivo “Eyeborg”. Harbisson nasceu com acromatopsia, uma doença que limita sua visão e só lhe permite enxergar em preto e branco. O olho cibernético funciona com uma câmera que lê as cores diretamente na frente da pessoa e converte elas em ondas sonoras. Tudo em tempo real.


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No mundo da informática, um vírus de computador é um software que contêm um código malicioso. Desenvolvido por programadores, da mesma forma que um vírus biológico, estes softwares infectam sistemas, fazem cópias

de si mesmo e depois se espalham, instalando-se em outros computadores. Isso pode acontecer de diversas maneiras, explica o professor Marcio Alexandre Pacheco, coordenador do curso de Engenharia de Computação da Universidade de Santa Cruz do Sul (UNISC). Segundo ele, a maioria das contaminações ocorre pela ação do próprio usuário, que executa um arquivo infectado sem saber que ele contém um código malicioso. “Ele pode ser recebido como

um anexo de um e-mail, por exemplo, mas a contaminação também acontece através de arquivos infectados vindos de qualquer tipo de mídia.” Outras causas de contaminação, de acordo com o docente, são por Sistema Operacional desatualizado e através de sites contaminados. Mas as ameaças não param por aí. Pacheco afirma que ainda existem alguns tipos de vírus que podem permanecer ocultos, entrando em execução em momentos específicos. “Eles

são criados como qualquer outro programa. O hacker utiliza códigos específicos dependendo do objetivo do vírus. Existem vários tipos de vírus e cada um com a sua complexidade.” Para escrever códigos mais simples, por exemplo, é preciso apenas um bloco de notas do computador e algumas linhas de comando, esclarece Pacheco. “Os hackers usam tipos específicos de linguagem para escrever seus vírus. Essas linguagens podem ser C, C++, C#, Java, Perl, PHP, e Python. Todas elas servem para criar programas e também vírus.” Logo, se alguém pretende escrever um código malicioso, é preciso dominar o básico de programação de algum desses tipos de linguagem. O professor garante que existem várias categorias de ameaças e que todas merecem atenção (veja a tabela de ameaças na página seguinte). E é justamente no nível de ameaça e

potencial ofensivo que reside a competição no mundo dos hackers. De acordo com Sr. X. a batalha entre eles é constante, sempre com o intuito de deixar claro quem é o melhor. “A disputa é enorme. Existem hackers com as mais variadas intenções por aí. Muitos fazem pelo simples prazer de invadir os sistemas ditos ‘mais seguros’ ou ‘impossíveis de serem invadidos’. E assim a fama se espalha”. Ele afirma que existe uma série de páginas bastante visadas pelos invasores, como as páginas da NASA (a agência espacial americana), e do Pentágono (sede do Departamento de Defesa dos Estados Unidos), por exemplo. “Nenhum sistema é totalmente seguro, se os hackers quiserem invadir, eles vão encontrar uma brecha”, aponta. Quanto a isso, Sr. X está certo, explica o professor Guilherme Prestes. Ele alerta que, mesmo com as VPNs, é

impossível oferecer um sistema 100% seguro. “Realmente, não há sistema totalmente seguro no mundo virtual. O que existem são algumas tecnologias que garantem uma segurança elevada, como as VPNs (traduzido do inglês: Redes Virtuais Privadas). Elas provêm uma segurança maior, por um lado, mas exige muito mais dos equipamentos, de outro.” Contudo, mesmo com as VPNs e altos níveis de criptografia, as barreiras acabam sendo derrubadas, afirma Sr. X. Ele atribui este fato à intensa troca de informações entre hackers do mundo inteiro. “Eles se encontram em salas temporárias de chat criptografado, fóruns e sites secretos e trocam todo o tipo de informação que você imagina. Na medida em que os sistemas de segurança se aprimoram, em algum lugar do mundo há grupos de hackers trabalhando para driblar essas tecnologias.”

o anonimato, mas são muito maiores as ameaças. Todos os vírus, pragas, cracks, worms e etc... Vem tudo de lá”.

Heróis ou vilões? Por Lourenço Oliveira

Vírus de computador

Hacker. A simples menção desta palavra pode fazer algumas pessoas tremerem. Para outras, é a expressão de uma paixão, algo que não se escolhe viver, um hábito que se transforma em estilo de vida. As motivações por trás de um “hack” podem ser muitas. Desde o roubo de informações até o prazer mórbido de destruir o equipamento e os arquivos de um desconhecido. Eles são silenciosos, técnicos e muito criativos. Para levar a cabo suas intenções, elaboram as mais variadas táticas. Ao interceptar o tráfego de uma rede de internet, por exemplo, é possível descobrir muito sobre os usuários dela. Estratégia comum dos invasores, a interceptação de dados acontece a partir da vulnerabilidade dos softwares e sistemas operacionais utilizados em larga escala. Neste momento legiões de usuários da internet estão abrindo caminhos clandestinos através de algum firewall. Senhas e arquivos pessoais estão sendo roubados e depois negociados no mercado negro por Bitcoins. De um lado, um gigantesco império da ilegalidade prospera nas sombras, de outro, a vigilância assume ares tão intrusivos que motiva o surgimento de grupos ativistas. Enquanto você pesquisa uma receita de bolinhos de arroz no Google, as grandes potências mundiais travam uma batalha invisível no cyberespaço, como mostra o Kaspersky Cyberthreat real-time map. Trata-se um mapa, atualizado

em tempo real, de ataques cibernéticos ocorrendo ao redor do planeta. Oculta por milhões de camadas de criptografia, a maior parte da internet permanece aquém do alcance dos navegadores convencionais. Ao mesmo tempo em que o mundo se beneficia da informação que flui em larga escala pela rede mundial de computadores, criminosos se mantêm, indefinidamente, ocultos entre nuvens e nuvens de código. Como isso acontece? Através de armas intangíveis. Tão invisíveis, quanto eficazes: milhares de linhas escritas em códigos de programação. Mas, conforme o professor do curso técnico de informática do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), de Santa Cruz do Sul, Guilherme Prestes, na maioria dos casos os hackers não são necessariamente criminosos. “Os hackers podem usar seus recursos e conhecimentos com diversos objetivos, nem sempre ilícitos”, explica. Esse é o caso do hacker santa cruzense que chamaremos de Sr. X. Este não é o seu verdadeiro nickname, mas um nome fictício para preservar sua identidade. Segundo ele, além de amplo conhecimento em tecnologia e informática, geralmente os hackers são capazes de escrever e modificar códigosfonte. Programação, criptografia, T.O.R. (The Onion Router), VPN (Virtual Private Network), são expressões comuns na vida de um hacker. “Dos verdadeiros hackers”, declara Sr. X. Lidando com a

informática desde pequeno, ele lembra que a curiosidade foi a mola propulsora de seus aprendizados. Depois de muita navegação em fóruns de crackers e sites especializados, o hacker conta que acabou descobrindo a “parte negra da coisa”. “A quantidade de fóruns, sites secretos, grupos e até redes sociais anônimas é incontável. Vasculhando com cuidado se encontra qualquer coisa lá, na deep web. Até o que você tem certeza que não existe”, revela. Mas para quem nunca ouviu o termo deep web, cabe uma pequena explicação. Conforme Prestes, a deep web é a internet que está “nas profundezas”. “Como o próprio nome já diz: deep web, significa que é a ‘rede profunda’. O conteúdo que não está aparente para os usuários comuns. Por isso a maioria das pessoas não a conhece ou sequer sabe que existe.” Sr. X afirma que a quantidade de conteúdo disponível na deep web é incalculável. O hacker destaca que as possibilidades de adquirir qualquer tipo de conhecimento lá, ilegal ou não, são quase infinitas. “É lá onde tudo está. Você pode comprar programas maliciosos, aprender programação. É possível comprar códigos prontos, com pouca coisa a ser alterada, e então desenvolver seus próprios vírus”. E desta forma se proliferam as ameaças, tanto na “superfície”, quanto na “profundidade”, garante Sr. X. “Na superfície você tem segurança, mas não existe anonimato. Na deep web é o oposto. Tu tens

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Arte: Lourenço Oliveira

Palavra chave no mundo regido pelo código binário, a criptografia é ferramenta essencial, tanto para os cybercriminosos, quanto para a própria polícia. Um exemplo de sua importância são as VPNs que, para garantir maior segurança no tráfego de dados, utilizam níveis altos de criptografia. Mas se você não sabe ao certo o que significa esta palavra, cabe novamente aqui uma pequena explicação. Conforme o coordenador do curso de Engenharia de Computação da UNISC, Marcio Alexandre Pacheco, criptografia é o estudo dos princípios e técnicas pelas quais a informação pode ser transformada, da sua forma original, para outra ilegível, de maneira que possa ser conhecida apenas por seu destinatário. “O destinatário é o detentor da ‘chave secreta’, o que a torna difícil de ser lida por alguém não autorizado. Assim sendo, só o receptor da mensagem pode ler a informação com facilidade.” Pacheco explica que trata-se de um embaralhamento dos dados. Através desse mecanismo, os dados enviados por você só podem ser desembaralha-

dos pelo receptor da mensagem se ele possuir a chave que reorganiza essa informação. Segundo o professor, a criptografia é um ramo da Matemática, parte da Criptologia, e há dois tipos de chaves criptográficas. “As chaves simétricas, que é a criptografia de chave única, e as chaves assimétricas, chamada de criptografia de chave pública”. Chave simétrica significa que emissor e receptor possuem a mesma chave para desembaralhar a mensagem. É o mecanismo comumente utilizado no envio de e-mails, por exemplo. Já chave privada significa que uma das chaves é pública e a outra, privada, mas a única capaz de decifrar o conteúdo é a privada (do receptor). Um exemplo da aplicação dessa tecnologia é nas senhas de cartão de crédito. Atualmente não apenas grandes corporações, mas também a polícia, exércitos, governos e agências de inteligência ao redor do planeta lançam mão da criptografia para proteger dados. Contudo, essas tecnologias acabam por se tornar “uma faca de dois gumes” de acordo com Sr. X. “Os criminosos também usam a criptografia, dificultando muito o trabalho da polícia”. Assim como no caso das VPNs, de nada adianta utilizar criptografias obsoletas para proteger dados, principalmente em re-

Criptografia em dispositivos móveis.

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Foto: Lourenço Oliveira

Sr. X - Na sombras

des wi-fi, alerta Sr. X. Ele garante que alguns navegadores e até alguns aplicativos que oferecem VPNs gratuitamente utilizam chaves obsoletas eventualmente. “Para hackers experientes isso não chega a ser um obstáculo”. Conforme o professor do Senac, Guilherme Prestes, a criptografia é um recurso extremamente útil para evitar interceptação da informação. Ele explica que o uso dela para criar barreiras contra o trabalho das autoridades é uma realidade. “A deep web e a criptografia estão essencialmente juntas. É utilizando a criptografia que se cria mais uma dificuldade, tanto para usuários comuns da internet, quanto para a própria polícia encontrar esses conteúdos”. Em matéria publicada na revista Exame, em abril de 2015, o diretor assistente de contra-terrorismo do FBI (Federal Bureau Investigation), Michael Steinbach, garantiu que as novas tecnologias de criptografia estão preocupando as autoridades. Segundo ele, hoje existem mecanismos tão poderosos que podem facilitar muito a vida até mesmo de organizações terroristas. “Essa forma de proteção aos dados pode criar espaços propícios onde o Estado Islâmico e outras organizações terroristas possam criar estratégias e recrutar mais criminosos.”

Divulgação web

Criptografia

Arte: Lourenço Oliveira

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Anonymous e outros grupos cyberativistas Relativamente novo, o termo ciberativismo significa a realização de atividades online que, geralmente, têm motivação política ou reivindicatória. Popularizado pela ação de alguns grupos hackers do mundo todo, o termo quer dizer mais do que simplesmente divulgar uma ideia através da internet. De acordo com o site oficial do Anonymous Brasil, o grupo surgiu por volta do ano de 2003, nos fóruns de discussão de um site chamado “4chan”. Com a característica linguagem memética e a máscara do personagem Guy Fawks (da história em quadrinhos de Alan Moore, “V for Vendetta”), a ideologia do grupo é inspirada na história do próprio revolucionário Guy Fawkes, que no século XVII participou da “conspiração da pólvora”. Na época a inciativa pretendia assassinar o Rei James I, da Inglaterra, que era protestante e ameaçava o poder temporal da Igreja Católica. Só que o plano deu errado e Fawkes foi preso. Depois de dias de tortura ele acabou confessando a trama e entregando alguns dos outros participantes da conspiração. Em seguida Fawkes foi condenado à forca por traição e tentativa de assassinato junto com outros companheiros. Até hoje é celebrada em Londres a sua captura, no dia 5 de novembro, na Noite das Fogueiras (Bonfire Night). De forma geral, os Anomynous podem ser descritos como uma comunidade mundial online, que atua de forma anônima em torno de determinados objetivos. De maneira organizada e, ao mesmo tempo, descentralizada eles se tornaram conhecidos mundialmente pela luta a favor dos direitos do povo.

Entre suas causas estão o combate à corrupção política e à arbitrariedade das transnacionais, a luta contra a pedofilia e também contra grupos terroristas, como o Estado Islâmico. Aqui no Brasil os Anonymous se definem, ainda conforme o site oficial do grupo, como uma ideia e como um coletivo que não possui liderança definida. “Nós não somos uma organização e não temos líderes. Oficialmente nós não existimos e não queremos existir oficialmente. Nós não seguimos partidos políticos, orientações religiosas, interesses econômicos e nem ideologias de quaisquer espécies. Mais uma vez: Anonymous não tem líderes. Se alguém lhe disser que representa ou lidera Anonymous, este alguém não conhece a ideia Anonymous, porque nós não podemos ser representados ou liderados, porque isto é o que somos: uma ideia.” Mas, não é apenas dos Anonymous que vive o ciberativismo. Além deles existem grupos como o LulzSec, o TeamPoison e The Jester que, mesmo com diferenças ideológicas, tem o ciberativismo e a cultura hacker em comum.

O “4chan” Trata-se de um imageboard, na língua inglesa, ou seja, um site com diversos fóruns de discussão a respeito de uma serie de temas, em que os usuários fazem postagens anônimas com imagens. Criado por Christopher Poole, em 2003, inicialmente com a intenção de ser um espaço para discussões sobre

mangás e animes, o 4chan acabou se tornando o maior site do mundo no estilo imageboard, tendo hoje cerca de 12 milhões de visitantes por mês. Mas com o crescimento do numero de usuários, ampliou-se também a quantidade de assuntos abordados nos fóruns do site e isso deu origem a uma comunidade mundial de internautas anônimos. Camufladas pelo anonimato, milhões de pessoas, de diversos países, se encontram nos fóruns do 4chan para compartilhar conteúdos. Dividido por assuntos, o site oferece uma larga lista de postagens relacionadas a cada um deles e é possível apenas observar ou criar uma conta anônima e acrescentar novos tópicos. Mas cuidado, se você está pensando em conhecer o site saiba que o acesso ao 4chan pode envolver alguns riscos. Se você tem estomago fraco ou se traumatiza facilmente é fortemente recomendável que não o faça. Mesmo com rígidas regras quanto ao conteúdo das postagens e risco de banimento permanente de quem transgredir as normas, lá você vai se deparar, em fóruns como o /b/, com imagens reais de execuções, assassinatos, auto-mutilação, agressões, racismo, escatologia, necrofilia, pornografia pesada, violência sem sentido e conteúdos que podem te fazer perder o sono. Além, claro, do risco de o usuário desinformado clicar em um link que pode infectar e até destruir dados do seu computador. Contudo, se você não estiver a procura de nenhum dos conteúdos listados acima, o 4chan pode ser um espaço divertido para rir dos memes, aprimorar o inglês e discutir assuntos interessantes com pessoas do mundo todo.

Divulgação Web Arte: Lourenço Oliveira


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49 O Centro de Estudos, Resposta e Tratamento de Incidentes de Segurança no Brasil (CERT.br) é responsável por tratar incidentes de segurança em computadores que envolvam redes conectadas à internet brasileira. Conforme o site oficial de centro de estudos, ataques costumam ocorrer com diversos objetivos, visando diferentes alvos e usando variadas técnicas. Qualquer serviço, computador ou rede que seja acessível pela web pode ser alvo de um ataque, assim como qualquer computador com acesso à Internet pode participar de um ataque. O CERT.br mantém estatísticas sobre notificações de incidentes a ele reportados, mas nestas estatísticas ficam registradas apenas os casos notificados ao centro, o que, na opinião do professor do curso técnico de informática do Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial (SENAC), de Santa Cruz do Sul, Guilherme Prestes, é preocupante. “Só em 2015 foram registrados mais de 720 mil ataques. E esse numero reflete apenas o que foi reportado, imagine o que nem sequer chega ao CERT.br”. Para Prestes estes números são ainda maiores e neles estão incluídos diversas modalidades de crimes.

Casos na região Aqui na região a situação é preocupante, alerta o projetista de soluções para gerenciamento de redes de computadores e segurança da informação, Jorge Staub. Segundo ele, são aproximadamente 50 novos casos semanais de sequestro de dados pelo ransomware. Não, você não leu errado. São mesmo cerca de 50 casos por semana. “Existem empresas que estão fechando as portas por causa dessa praga. No entanto, mesmo pagando não há garantias de ter os dados de volta. Hoje o ransomware é uma das maiores ameaças virtuais.” O especialista aponta que, segundo o FBI (Federal Bureau Investigation - a Policia Federal americana), no ano passado houve um aumento significativo dos ataques. “Se as pessoas e empresas não se prepararem, o número de incidentes crescerá ainda mais, uma vez que o ransomware se tornou uma atividade rentável e lucrativa para os criminosos virtuais.” A regra de ouro é prevenir, garante Staub. Segundo ele, as portas de entrada para o sequestrador são e-mails com links ou anexos infectados, sites infec-

A titular da Delegacia de Policia de Repressão aos Crimes Informáticos, Greta Anvanello, esclarece que o crime informático se caracteriza pelo delito cometido través da internet. Segundo ela, exemplos deste tipo de crime são o estelionato, crimes contra a honra e a invasão e roubo de dados de dispositivos informáticos. “Hoje em dia se usa cada vez mais a internet para a prática do estelionato. Seja quando se engana alguém pela rede para que a vítima envie valores ou quando uma falsa loja virtual emite boletos para pagamentos. Estes são exemplos de estelionato através da web”. A delegada afirma que, para combater os crimes informáticos, a polícia vai em busca de rastros deixados pelos bandidos. “Toda ação na internet gera um protocolo, independente de ter cunho legal ou ilegal, então a polícia inicia as investigações identificando esse protocolo. A partir dele nós chegamos aos responsáveis pela conexão que foi utilizada para a prática ilícita.” Embora o estelionato seja comum no mundo virtual, Anvanello afirma que existem crimes muito piores cometidos pela rede. Segundo ela, o estelionato e crimes contra a honra ficam abaixo na escala de potencial ofensivo se comparados a uma nova modalidade de crime

que vem dando grande prejuízo, principalmente para empresas. “É o ransonware. É uma espécie de sequestro de dados do computador. A máquina é atingida por um malware que criptografa todo o conteúdo e impede o usuário de executar qualquer tarefa.” Segundo a delegada, o ransomware é praticado geralmente por grupos de criminosos organizados. Depois de infectar o computador, eles cobram um resgate para entregar uma chave criptográfica à vítima que, somente com a chave, poderá novamente ter acesso aos arquivos. Em certos casos o computador alvo passa a exibir um aviso do FBI, insinuando que o usuário teve seus arquivos criptografados por ser possuidor de conteúdo ilegal. “Via de regra, a chave criptográfica utilizada por estes criminosos é bastante extensa, o que significa uma dificuldade muito grande para que os softwares possam encontrar a chave.” Anvanello afirma ainda que a orientação é sempre manter um backup, fora da internet, de tudo o que é realmente importante, pois os dados podem acabar perdidos para sempre. “Se o backup estiver online o malware vai afetá-lo também. Desta forma, assim que for feita a denúncia, as investigações começam, mas a vítima não perde os dados”.

Aviso falso para intimidar e enganar a vitima do ransomware.

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tados ou maliciosos, sistema operacional e programas desatualizados. “Ter um firewall, filtro de conteúdo, antivírus corporativo, programas atualizados, tudo isso ajuda a evitar a contaminação. É o que chamamos de Solução em Multicamadas, ou seja, várias camadas de proteção para impedir o sucesso dos criminosos.” Contudo, a cada semana os hackers elaboram novas táticas para manterem-se à frente dos mecanismos de proteção, garante Staub. “Surgem cerca de 3 mil novas combinações

de ransomware por dia, pouquíssimos mecanismos de defesa são capazes de bloqueá-los.” Ele reforça ainda que a melhor maneira de evitar um grande prejuízo é a prevenção. “Esteja preparado para o pior e evite ter que recomeçar do zero! A nuvem é o local mais indicado e seguro para manter uma cópia dos seus dados. Além disto, o backup na nuvem não exige investimentos em HD ou Storage para guardar as suas cópias do backup.” (Saiba mais sobre o ransomware no Unicom online!)

Uma

Paixão

que não tem idade

Por Helena Fischer

Foto: Helena Fischer

Crimes virtuais

O esporte faz parte na maioria das vidas das pessoas. Algumas gostam de futebol, outras de golfe. Têm aqueles que gostam de esporte profissional, outros de amador. Alguns gostam de sentir a aventura, outros vivem ela. Alguns curtem aquele esporte uma vez na semana, ou nos finais da semana, outros, todos os dias. É isso que o grupo Harley Owner’s Groups faz. Vive a aventura todos os dias! O grupo é exclusivo para quem tem uma moto Harley Davidson. Em Porto Alegre existe a concessionária da Iesa Harley Davidson, é lá que o pessoal se junta todos os sábados para tomar um café e viajar. Essas viagens são combinadas através de grupos em aplicativos de celular e geralmente os aventureiros são casais. O atual presidente do grupo, Ademir Schmitt, 53 anos, contou que desde a adolescência gosta de moto e em 2010 “se presenteou” com uma Harley Davidson, realizando seu sonho. Hoje ele tem duas motos e já fez várias viagens, dentre elas, o percurso da Rota 66 nos Estados Unidos. ‘’Já fiz a rota quatro vezes e eu sou apaixonado’’, comentou. Dentre tantas viagens, uma recente também marcou Ademir. Nessa ele teve seu filho como acompanhante. “No ano passado eu fiz uma viagem de aventura e desafio. Fui até o Atacama e voltei, com meu filho de 17 anos, só eu e ele. Foi uma viagem de grande risco, porque não há socorro por perto, afinal, é um deserto muito grande. Nós fizemos 5 mil quilômetros em cinco dias, 2,5

mil para ir e 2,5 mil para voltar. Mas a viagem foi muito tranquila, a Harley é muito confiável, uma moto muito boa’’, salientou.

Companheiras Mas a prática do motociclismo não é apenas admirada por homens. Mulheres de todas as idades fazem parte do grupo. São aproximadamente 500 integrantes, 500 pessoas juntas por um mesmo gosto, pela mesma paixão. Por onde passam, deixam um rastro de alegria. Segundo a Kathia Teixeira Cardoso, que acompanha o companheiro nas viagens, ver as crianças na beira da rodovia, ou em algum evento, admirando as motos com um sorriso no rosto, faz bem para eles também. ‘’Teve uma viagem para o Rio de Janeiro, onde houve um encontro de Harley, e o pessoal ficava na rua, na janela, olhando para as motos. A gente sabe que o Rio é uma cidade violenta, mas, naquele momento, parecia que eles esqueciam disso. Isto é muito legal, é um presente, é lindo de ver. E a mesma coisa acontece quando a gente vai para o interior’’, contou. Desde jovem ela também curte motos e mesmo ter passado por alguns problemas de saúde, há alguns anos, ela não deixou de fazer parte dessa grande família. ‘’Sempre gostei de moto, com 14 anos ganhei uma do pai e andei durante minha juventude toda. Hoje é raro eu e meu companheiro não saírmos juntos. Quando isso aconteceu foi porque tinha viagem programada e eu fiquei doente.

Em 2013 eu tive um câncer e aí, naquele ano de quimioterapia e de radioterapia, não fui. Mas quando eu estava me recuperando, no final do ano, começamos a andar de novo’’, relatou. Jacinta Oliveira, outra integrante do grupo, contou que os dois filhos não viajam junto, mas sempre estão envolvidos, pois se preocupam com os pais. ‘’Quando a gente não dá notícias, não liga para eles durante alguma viagem, eles nos ligam e nos xingam. Eles sempre brincam que nós somos mais velhos, mas saímos mais que eles.’’ Poder viajar de moto, para eles, é um dos maiores prazeres da vida. Além de conhecerem várias cidades, pessoas e fazerem amigos, ver a paisagem de perto e admirá-la faz com que a viagem fique completa. Andar de moto encurta a distância e 300 quilômetros percorridos, por exemplo, parecem pouco. Por conta do conforto de andar numa Harley Davidson, eles têm fôlego de sobra para passear nas cidades.

A história dos motogrupos Os grupos de motociclistas surgiram há algum tempo. De acordo com o site rotaxmotoclube, eles apareceram com o retorno dos militares da guerra. Os ex-combatentes viram nas motos um estilo de vida carregado de adrenalina e formaram grupos como os Pissed de Bastardos, 13 Rebels e Yellow Jackets. Os escudos e costumes refletiam as regras e a hierarquia militar. No Brasil, o


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51 primeiro moto clube a ser criado foi o Moto Club do Brasil, no Rio de Janeiro, em 1927. Já na década de 70 surgiram no Brasil o Zapata MC, de São Paulo, e o Balaios MC, do Rio. Ambos trouxeram a ideia de padrões internacionais e seguiram a onda de irmandade. No exterior, lá pela década de 1930, os grupos de motociclistas já eram vistos como bagunceiros. Os anos passaram e, na década de 50, as gangues começaram a aparecer, junto com as produções cinematográficas feitas em Hollywood. Ainda hoje os integrantes destas irmandades sofrem com o pre-

conceito. E, falando em Harley Davidson, segundo o site Motoclube.com, essas espetaculares máquinas de duas rodas surgiram no começo do século XX pelos gênios William Harley e Arthur Davidson. Eles instalaram em um quadro de bicicleta um motor de um cilindro de combustão a gasolina de 410 cm³, que desenvolvia três cavalos de potência, uma válvula de admissão automática e um sistema de transmissão de correia. Essa formosura ficou conhecida como a lendária Silent Gray Fellow. As Harley tiveram um papel importan-

te durante as guerras mundiais. Em 1917 elas foram enviadas para ajudar soldados em combate e minimizar seus esforços. Foi a partir desse momento que ela se tornou uma das maiores marcas de moto do mundo, com concessionárias em mais de 60 países. Na década de 70 a Harley criou novos modelos como Cruiser, Low Rider, Softail, Dyna, entre outras, o que fez com que a marca se tornasse mais competitiva, tanto nas pistas quanto no asfalto. Em 1983 surgiu o Grupo de Donos da Harley (Harley Owners Group – HOG) instituição que organizava eventos e corridas. Hoje existem mais de 750 mil membros.

3º Gringos Moto Fest Carlos Barbosa - 17.09.216

Fotos: Helena Fischer

Um brasileiro de moto na terra da rainha Johann Füller é natural daqui, mas mora há dez anos na Inglaterra, onde faz parte de um moto grupo. A irmandade da qual ele faz parte não usa colete ou brasão, mas é marcada pela forte amizade entre os membros. Um dos lemas é ‘’nunca deixar alguém do seu grupo na mão’’. ‘’Para você entrar num grupo na Inglaterra, você tem que ter uma moto grande. É feito por etapas. Funciona como se fosse uma escadinha. Com 16 anos você tem uma 125 cilindradas, com 19, uma 600, e com 24 uma 1000. Não é preciso fazer nenhum cadastro, nenhum juramento. Entrei no grupo por influência de amigos, porque você não entra num grupo se é um desconhecido, e também porque gosto de motovelocidade. O pessoal preza muito em usar equipamentos de segurança, coisa

que, aqui no Brasil, eu vejo que eles não usam’’, comenta. Lá os encontros ocorrem todas as quartas e quintas-feiras à tardinha e são mais de 400 motociclistas num mesmo espaço, mas tudo muito bem organizado. ‘’A junção deles é muito diferente. Organizados em tudo, em questão de andar em grupos, em ir pros lugares. Se você fizer alguma coisa errada, empinar, cantar pneu, cortar de giro, eles até podem te banir. No Brasil você vê que é tudo liberado. Na Inglaterra parece que você está fazendo um treino policial”, relata. “A gente chega no pub, estaciona as motos na frente, mas sempre com permissão da polícia, porque são mais de 400 motos, então bloqueia toda rua. Você pensa que com 400 motos vai virar um caos, mas não, é tudo organizadinho. Lá a polícia respeita muito, por

incrível que pareça’’, ressalta. Ele também conta que, quando se faz parte de grupos, há algumas regalias. O seguro da moto sai mais barato, por exemplo, pois o motociclista é considerado uma pessoa que vai seguir as regras. Porém, Johann conta que também existem por lá os chamados grupos extremistas de motociclistas. “Nestes, você tem que se doar muito, tem que praticamente viver pra eles. Tem gente que larga tudo, larga trabalho. São grupos violentos. Já houve morte e tudo isso”, relata. “É bem assustador quando você vê eles andando no meio da cidade, porque eles andam em bandos de vinte, toda vez, e não é muito legal encará-los. Lá envolve muita coisa. Envolve drogas e armas, porque é um grupo de crime, dá pra se dizer, e até a polícia tem receio.”

Sobre os grupos sociais e o

Motociclismo

Procurado para criar um texto sobre grupos sociais, resolvi fazer esta ‘conversa’ de forma a explanar o que eu, particularmente, entendo e vivo. Desde o mais remoto momento da vida do homem racional neste mundo, a necessidade de agregação sempre existiu. O homem, como ser gregário que é, necessita do ‘outro’ para conviver e tranquilizar os seus mais primitivos instintos, principalmente o de sentir-se protegido, afastando os temores mais escondidos em sua alma. A sua defesa acontece de forma inconsciente, pois, sozinho, seria incapaz de enfrentar o medo da escuridão, dos predadores e das alterações no tempo e na geografia provocadas pela mãe natureza. Os grupos socais, portanto, sempre se mostraram necessários, desde a formação das primeiras tribos, dos primeiros clãs, como verdadeiros aglomerados capazes e fortes a suportar tantas situações que, isoladamente, o ser humano não suportaria. Após, vieram os grandes aglomerados, com cidades organizadas em divisões de áreas demarcadas em regiões, e, mais tarde, os países que se formaram abaixo de sangrentas lutas e tratados. Mesmo sendo esta a dinâmica da sociedade, a história remonta outros grupos sociais que chamaremos de ‘subgrupos’, organizados pela necessidade de agregarem um interesse comum. Um coral ou uma banda para a música; uma reunião de fieis num culto religioso; um grupo de proprietários de automóveis antigos; um grupo de corridas urbanas, e tantas outras articulações para reunir estas subespécies de agregação. Dentre estas, destaco o motociclismo, como exemplo próximo e próprio da necessidade de se orquestrar um grupo ligado ao elo que o compõe: - a motocicleta! Esta máquina de duas rodas inspira paixões entre os seus usuários e mesmo aos que não o sejam. Desde pequeno, o ser humano vai cultuando estas paixões, seja pela música, pela dança, pela literatura, pelas ciências. Mas, jamais encontrei uma criança que não se apaixonasse por uma motocicleta, prin-

cipalmente os meninos. Ah, os meninos! Sonham com seus carrinhos e carrões, com suas garagens e postos de gasolina... no momento que uma motocicleta aparece diante de um menino, o sonho se projeta, e ele já se vê pilotando uma moto por uma estrada imaginária, num asfalto que o leva a um roteiro incomum e sem destino. O sonho sonha solto! Chegado o grande momento da fase adulta, quando é possível adquirir a sua paixão, há tanto cultivada, o novo motociclista dá suas primeiras voltas, toma os seus primeiros sustos e tombos, e sente a necessidade de viajar. Mas, viajar sozinho é arriscado, pois traz todos os perigos e sentimentos isolados que somente a solidão produz. Necessita de um parceiro. E, do parceiro, quem sabe, um grupo formado! Que sonho! Rodar por aí com o símbolo do seu grupo estampado no braço da jaqueta, no vidro (‘bolha’) da moto! Aventurar-se por terras não conhecidas, desbravando lugares e conhecendo pessoas, e ver, nestas pessoas, uma ponta de inveja... A mesma inveja que tinha quando não tinha moto e quando não tinha grupo. Agora ele trafega com orgulho, ostentando sua realização! Embora toda a noção negativa que muitas pessoas nutrem em relação ao motociclismo e aos seus grupos (imagem extraída dos violentos grupos dos Estados Unidos das décadas de ‘60 a ‘70), o certo é que os grupos atuais se reúnem por prazer e pelo culto ao motociclismo, não importando marca ou cilindrada da moto, mas, sim, o sentimento de união e de parceria. Aliás, não é à toa que um motociclista se dirige ao outro como ‘parceiro’! Os grupos motociclísticos cultuam o bem pessoal e o bem comum. Muitos destes grupos se fazem solidários em épocas festivas, como o dia da criança, Natal e em eventos regionais, quando a irmandade é necessária. Exemplo está no auxílio dos grupos à APAE nas capitais e cidades de todo o Brasil, ao auxílio em campanhas de arrecadação, em auxílio ao meio ambiente. Os motociclistas participam de encontros, cujo ingresso é um litro de leite

ou alimentos, e quando necessário, se solidarizam para doação de sangue, de roupas ou de víveres em casos de tragédias naturais. Meninas formam grupos de motociclistas e desfilam em motocicletas potentes, também. A antiga imagem de um motociclismo agressivo nos grupos atuais não existe mais. Já participei de eventos em escolas de comunidades pobres, cuja alegria das crianças se desdobrava no ganho do presente e do alimento, como também em dividir o assento da moto para uma fotografia. Ver a moto de perto é incentivar uma criança a progredir pessoal e culturalmente, e, se for este o seu sonho, seguramente crescerá para poder adquiri-lo. Não é por menos que quando se encontra um motociclista, sozinho ou em grupo, os seus símbolos comuns se traduzem na Cruz de Malta e na Caveira. A Cruz de Malta ou a Cruz de São João, símbolo mundial do motociclismo, significa o símbolo do guerreiro cristão. É uma cruz com oito pontas e tem a forma de quatro braços em V que se juntam em suas bases. Seu desenho é baseado nas cruzes usadas desde a Primeira Cruzada (Expedição militar ocorrida na idade média cristã para expulsar os muçulmanos da Terra Santa). Seu significado é o da regeneração, através das pontas que convergem para o centro da Cruz, e a regeneração significa renascimento, união, e pensamento em um Ser Supremo. Por seu turno, a Caveira traduz igualdade, pois será o destino e a imagem de todos nós, uma vez cumprida nossa missão nesta vida. Não há distinções, independente de raça, crença, ou marca de sua moto. Ninguém leva nada dela, apenas as boas lembranças e os bons amigos que cultivamos. Estes irão conosco em espírito. O motociclismo, portanto, chega a beirar uma seita sem regras, sem compromissos, a não ser com a felicidade e o companheirismo. Um grupo social sem interesses, apenas carrega na garupa a alegria de ser feliz!

Dr. Luiz Madeira

Professor de Direito Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS)


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Umbanda Por Antônio Madeira

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Disseminada por todo o país, a Umbanda é uma religião brasileira formada por uma mistura de catolicismo, espiritismo e culturas africana e indígena. Na língua quimbundo, falada em Angola, “u’mbana” significa “curandeiro”. A Umbanda originou-se nas senzalas, aonde escravos vindos da África louvavam seus deuses através da dança e cânticos, e incorporariam espíritos. O fundador da Umbanda, Zélio Fernandino de Moraes, foi quem incorporou pela primeira vez o caboclo, isso em 1908, no dia 16 de novembro. De lá para cá, por todo o país foram formados milhares de grupos de seguidores desta religião chamada por Zélio de Umbanda. Aqui na região dos vales do Rio Pardo e Taquari, mais precisamente em Venâncio Aires, presenciei os momentos que antecedem o culto no terreiro de Pai Joãozinho. Durante nossa conversa, o grupo de médiuns foi unânime em afirmar que eles vivem em dois mundos distintos devido ao grande preconceito para com a religião. São pessoas casadas, que têm filhos e netos, como quaisquer outras, inclusive muitos pertencem também às religiões tradicionais como a católica e a evangélica. Segundo Pai Joãozinho, existe uma convivência harmoniosa entre as religiões. Ele foi enfático ao afirmar que, por questões de preconceito, os médiuns evitam falar sobre a religião fora do templo, o que não significa que não estão à disposição para ajudar os que vêm a eles pedir apoio. Para Pai Joãozinho, o templo é uma segunda casa, uma outra família, composta por homens e mulheres unidos

por um único propósito, que é curar as pessoas através da fé, da esperança e, principalmente, através da caridade. Para o templo ou terreiro, cada um traz um pouco do mundo lá fora, um mundo que, na maioria das vezes, não respeita seus ensinamentos e evita até mesmo abordar o assunto, como afirmou Maria C. de Mendonça, integrante do grupo, com a concordância dos demais ali presentes. Uma característica do grupo do Pai Joãozinho é que somente ele é negro. Todos os médiuns e a maioria dos participantes são de cor branca. Para Juan de Oliveira, membro do grupo de praticantes de Umbanda, o preconceito sempre existirá, pois as divergências religiosas existem, mas o importante é seguir os ensinamentos de Pai Joãozinho que, segundo ele, “é uma pessoa pura de coração, alguém que está sempre à disposição para ajudar o próximo e fazer com que seus seguidores reencontrem o caminho de Deus”. Para Pai Joãozinho, “Deus é único para todas as religiões”.

O RITUAL DE UMBANDA Participei do ritual no Templo de Umbanda Ogum Beira Mar, localizado em Venâncio Aires. Os médiuns costumam concentrar-se para o ritual em uma sala à parte, ao lado do templo, enquanto os fiéis vão chegando e pegando fichas para consultas individuais. O criador do terreiro - Pai Joãozinho -, que é médium, dá início ao ritual, sendo o primeiro a incorporar uma entidade, com uma sineta na mão, pedindo concentração a todos os presentes. Logo

em seguida, ele dá um banho de incenso em seus colegas que, mais tarde, irão incorporar as entidades. O público também recebe o banho de incenso, cujo objetivo é descarregar tudo de ruim que cada um trouxe consigo. A entidade incorporada por Pai Joãozinho é chamada de Ogum Beira Mar. Antes de invocar as outras entidades, ele dá uma volta pelo terreiro cumprimentando a todos e fazendo brincadeiras com as características de cada um. Após os cumprimentos, Ogum Beira Mar dirige-se ao centro do terreiro para o ritual de incorporação das outras entidades, as quais são chamadas ao ritmo de um tambor, com cânticos cujas letras falam de amor, fé e devoção a santos ou entidades que, em muitos casos, são santos da Igreja Católica. Ao final do processo de incorporação, os fiéis são chamados para tomar os passes ou para as consultas, sempre de pés descalços. Não há escolha por entidade, os fiéis são direcionados conforme a ordem das fichas. O momento dos passes ou das consultas se assemelha ao momento em que os cristãos se dirigem ao confessionário. Na Umbanda, os passes ou consultas são consideradas a hora da verdade, pois é o momento da intimidade da pessoa e a entidade em sintonia para buscar a cura ou solução dos problemas. Na saída do Templo, tive a oportunidade de conversar com uma frequentadora assídua do terreiro, dona Clecy da Silva, uma aposentada de 59 anos. Dona Clecy me falou que participa sempre que pode das sessões de quartas-fei-

ras, nos dias de festa, como a de Cosme e Damião, que é uma homenagem a Ogum Oxalá, e na limpeza de final de ano. Ela relata com tristeza a presença de curiosos que vêm ao culto somente para “matar“ a curiosidade e que, em alguns casos, saem falando mal da religião, só porque seus problemas não foram resolvidos, como se a religião fosse solução para tudo. Frequentadora de centros de umbanda desde pequena, ela conta que sempre que precisou de ajuda, foi na religião que encontrou a força que precisava para superar seus desafios. Segundo ela, há um forte preconcei-

to com relação à religião de Umbanda. Ferrenha defensora dos ensinamentos de Pai Joãozinho, Clecy afirma que, en-

quanto tiver condições físicas de ir ao culto e participar das sessões, continuará sendo uma frequentadora assídua.

PAI JOÃOZINHO, EXEMPLO DE SIMPLICIDADE QUAL É O SEU CONCEITO SOBRE RELIGIÃO? Significa religar-se, porque o homem é o filho de Deus, é a criação da divindade. Devido aos seus erros, o homem acabou se desligando de Deus. A religião também é esperança e caridade. O nosso mestre nos disse: “fora da religião, não há salvação”. Colhemos o que plantamos. Um bom médium dá um respaldo positivo na vida de seu seguidor. Tanto o médium quanto seus seguidores, todos devemos fazer boas ações. A divindade é muito astuta e poderosa. O homem pensa que o mundo acaba quando, na verdade, é ele que acaba se acabando. O QUE O LEVOU SER UM PRATICANTE DA RELIGIÃO UMBANDA? Por necessidade em relação à saúde, e não necessidade financeira. Em

minha juventude, eu desmaiava frequentemente, principalmente quando estava em um templo religioso (na época, eu era católico). Segundo a medicina tradicional, não havia nada de errado comigo. Foi na Umbanda que descobri a cura, que nada mais era do que a necessidade de exercer minha mediunidade, fazendo o bem a todos que vêm aqui neste terreiro em busca de ajuda. O SENHOR SOFREU MUITO PRECONCEITO POR SER UM UMBANDISTA PRATICANTE DA RELIGIÃO? Sofri muito preconceito durante muitos anos. Há muito tempo, um sacerdote de outra religião vinha aqui buscar ajuda, entretanto, como sua religião não permitia, ele estacionava seu carro a várias quadras do templo para não ser visto. Vivo praticamente confinado aqui em meu templo, onde moro

juntamente com minha família, por uma opção pessoal minha. Meu conhecimento do mundo lá fora vem dos meus fiéis, que estão sempre aqui, não apenas para resolver problemas, mas também para uma conversa amiga. EXISTE DIVISÃO ENTRE LINHA BRANCA E PRETA? Não. Tanto na Umbanda quanto na religião católica e em outras, o que existe é o mal causado pelo mal religioso. Portanto, não existe linha branca ou preta. A maldade está no mal religioso e no fiel que o procura para resolver seus problemas. QUAIS AS ENTIDADES MAIS PROCURADAS DURANTE OS TRABALHOS? Não há entidades mais ou menos cultuadas ou procuradas. Cada participante recebe uma ficha no momento de chegada e é atendido pela entidade disponível, pela ordem.


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Cristo

Novos discípulos de

Por Monica Passos

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Rezar e fazer o bem ao próximo, objetivos em comum que unem muitos jovens

Há várias definições para explicar o conceito de grupos sociais. Pode ser entendido como uma forma de interação entre os humanos. Já para a sociologia, os grupos sociais se formam quando duas ou mais pessoas se reúnem para o mesmo fim e para interagirem mutuamente. São relações estáveis, os indivíduos se encontram para praticarem as mesmas atividades, pois possuem interesses e objetivos em comum. Existem os mais diversos tipos de grupos sociais. Entre eles, encontram-se os grupos de jovens religiosos. Em 1972 foi criado o Emaús, movimento da Igreja Católica voltado para os jovens de todo o Brasil e inspirado nas narrações em que o Evangelista Lucas fala da aparição de Jesus Cristo aos seus discípulos. O movimento proporciona cursos aos membros, para que se valorizem mais como humanos e como cristãos. Em Arroio do Tigre, esse curso existe desde 1995 e já contou com a participação de mais de 200 jovens com idades entre 18 e 28 anos. Alguns, porém, só ingressam depois dos 30 anos, já casados e com filhos. Também

fazem parte jovens de outras cidades da região. Elia Maria Mainardi Brixner participa do grupo há dez anos, e faz dois anos que é coordenadora do movimento. Ela entrou como adulta, para dar auxílio aos jovens. Afirmou que aceitou participar porque já tinha duas filhas que faziam parte e sempre gostou do trabalho que os jovens realizavam. Conta que os cursos são semanais e que o principal objetivo é evangelizar os participantes. “O Emaús na verdade não é um grupo, mas sim um movimento da Igreja Católica, eles realizam encontros, estudam a bíblia e aprendem a ser pessoas melhores nos seus atos e na maneira de agir com os outros”, salienta Elia. Uma das participantes do movimento é Micheline Rachor. Ela se juntou ao grupo em 2011 e conta um pouco sobre como entrou no Emaús e como ele funciona. Ela teve interesse de participar do grupo ao assistir as missas que eram organizadas pelos jovens. Eles eram responsáveis por organizar toda a celebração, que ficava muito animada. Micheline conversou com duas amigas

que eram da equipe e falou do seu interesse em fazer parte, no entanto, ela precisava de um convite, só assim poderia entrar. Ela conta que, na semana seguinte foi convidada e integrou-se ao grupo. “Para poder ingressar, você precisa receber um convite. Eu manifestei meu interesse, mas eles tiveram que me convidar. Você pode ter vontade de participar e ano que vem eu te convido, mas tu tens que ser convidado”, comenta. De acordo com Micheline, para entrar no movimento é necessário que toda pessoa passe por um retiro espiritual oferecido pela Igreja Católica, onde renova sua fé. Ela argumenta que todas as pessoas precisam passar por esse momento para entender seu propósito e poder fazer parte do grupo, caso contrário, não haverá sentido. Existem dois encontros mensais, realizados nas casas dos integrantes. E no quarto sábado do mês, acontece a missa, que é preparada por eles. As meninas são separadas dos meninos e os temas das reuniões são mantidos em segredo. “Mantemos o sigilo, porque eu

55 posso te contar e você vai lá e vê que não é nada disso que te falei, a pessoa precisa ir lá para sentir, o que a pessoa sentir no momento é o que realmente importa, é esse o sentido do Emaús, é uma coisa única de cada pessoa, o que você sentir lá é o que está valendo para você, não o que eu te contar”, diz. Além dos encontros e das missas, também são realizadas campanhas. Elia conta que todos os anos realizam o Natal Solidário, onde são feitas coletas de alimentos. Fala que a ação mais recente foi a arrecadação de verbas para compra de cobertores que foram entregues ao SUS do hospital da cidade. Ao todo conseguiram 72 agasalhos. E acrescenta que já estão com outra tarefa em mente e, dessa vez, a APAE do município vai Foto: Mônica Passos

ser a entidade que receberá ajuda. Micheline entende que os jovens religiosos não possuem um perfil diferente dos demais jovens. Pelo contrário, são normais como qualquer pessoa. Adoram sair, fazer festa, namorar. Porém, a participação e o interesse em ajudar a comunidade é maior e é isso que chama a atenção dos coordenadores para convidá-los. Mas nada impede que outras pessoas não sejam convidadas. Às vezes, quem menos demonstra vontade, é quem depois mais ajuda, segundo Micheline Rachor.

Namoro Micheline conta que ainda não houve casos de jovens que começaram um relacionamento ao se conhecerem no Emaús. Os encontros são fechados e, por separarem os homens das mulheres, se torna mais difícil rolar uma paquera entre os jovens. “No meu caso, eu convidei o meu namorado para fazer parte, para a gente seguir junto. Assim

nos fortalecemos e podemos participar os dois. Como tem sigilo, ele nunca podia participar. Pessoas que se conheceram no grupo dificilmente começam a namorar. Mas muitos casais já namoram quando entram para o grupo”. A integrante conta que os jovens do Emaús não são proibidos de realizar nenhuma outra atividade. Eles trabalham, muitos estudam e todos têm família. Porém, não são convidados jovens usuários de drogas. Para Micheline o movimento muda as pessoas. “Tanto como indivíduo sozinho ou como coletivo, ninguém está sozinho, o coletivo te motiva, e se o coletivo não está bem, você vai lá e dá sua palavra de motivação, há uma troca”. Finaliza dizendo que o principal objetivo do Emaús é fazer com que os jovens aprendam a se tornarem mais religiosos e solidários com quem mais precisa. Por isso se unem em um grupo. De acordo com o site oficial do Brasil Escola, as pessoas não se unem em grupos por obrigação, mas por opção. Estar em grupo faz com que o homem possa satisfazer seus desejos e necessidades,

Foto: Mônica Passos

além de superar seus medos e suas fraquezas. Há quem viva em grupo para se proteger, porque de alguma forma se sente frágil. O ser humano se une com pessoas que têm interesses em comum, porque assim é mais fácil de alcançar seus objetivos. Querendo ou não, todos vivem ou já viveram em grupos. E você, qual é o seu grupo?


Qual ĂŠ o seu?

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...hackers ...biohackers ...nerds ...busĂłlogos ...catĂłlicos ...daimistas ...umbandistas

...motociclistas ...tradicionalistas ...alcoolistas ...grafiteiros ...escoteiros ...rockeiros ...torcedores


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