10 minute read
Entrevista
A corrupção em Portugal não baixou significativamente na última década e o país continua abaixo da média europeia no que se refere a transparência. Susana Coroado, presidente da Transparência Internacional Portugal, considera que a dificuldade em obter dados e a falta de vontade política travam sobretudo o combate à grande corrupção. A investigadora avança que tanto em Portugal, como no resto da Europa, as perspetivas de evolução neste capítulo não são animadoras.
Advertisement
Texto Susana Marques smarques@ccile.org Fotos DR
Oque a fez interessar-se pelas questões relacionadas com a transparência e combate à corrupção, na qualidade de investigadora? Com que entraves se depara, enquanto investigadora? Eu fui parar a este tema por mero acaso, por ter concorrido a uma vaga de emprego. Mas mantive esta linha de trabalho por me parecer que a corrupção é um dos fatores que mais contribui para minar as estruturas dos regimes democráticos e o funcionamento pacífico das sociedades. Enquanto investigadora, deparo-me com muita falta de dados - a eterna questão da transparência - e a falta de colaboração por parte de entidades e responsáveis políticos.
Quais os seus objetivos à frente da Transparência Internacional, quer no contexto empresarial, quer público? como articulam a vossa atividade com as congéneres internacionais? Qual tem sido a recetividade de empresas e entidades públicas ao trabalho do organismo que lidera? A missão da transparência internacional Portugal (ti Pt) é contribuir para uma democra-
cia de qualidade e para o combate à corrupção, promovendo a participação cívica, o acesso à informação, a transparência dos processos decisórios e a regulação eficaz dos sistemas e organizações no sentido de reforçar a prevenção e combate à corrupção. O movimento ti é composto pelos capítulos nacionais e pelo Secretariado, sediado em Berlim. Existem linhas e posições gerais do movimento, mas cada organização a nível nacional tem liberdade para avançar com as suas prioridades e projetos. Nessa medida, em Portugal, participamos em projetos com outros países europeus, como os Pactos de integridade, mas também com projetos relacionados com os países lusófonos, como por exemplo a capacitação da sociedade civil na Guiné Equatorial ou a recuperação dos ativos roubados ao povo angolano. As entidades públicas, depois de muitos anos a olharem para a ti Pt com alguma desconfiança, começaram a olhar para as questões de integridade e transparência como prioridades. Por isso, nos últimos anos temos tido relações mais próximas e positivas com algumas entidades do setor público. A relação com o setor privado, ainda tem muito que ser explorada, mas já começamos a trabalhar nesse sentido.
Li que “A corrupção tem um custo estimado de mais de 18 mil milhões de euros por ano para Portugal, um montante superior ao previsto no Orçamento do Estado para o SNS para 2022, que não chegava a 14 mil milhões”. Como calculam este valor? Esse valor surgiu num estudo do grupo parlamentar “Os Verdes” no Parlamento Europeu. Não é um estudo da ti, pelo que não tenho conhecimentos profundos sobre a metodologia aplicada.
Portugal recupera a posição de 2019 no Índice de Perceção da Corrupção 2021, da Transparência Internacional, mas deixa de fora dados relativos à corrupção política e aos altos cargos. Em que assenta afinal a estratégia de combate à corrupção quando não é aplicável aos órgãos de soberania? desde a criação, em 1995, o cPi é o indicador de corrupção mais utilizado em todo o mundo, pontuando 180 países e territórios a partir da perceção de especialistas e executivos de negócios sobre os níveis de corrupção no setor público. É um índice composto, ou seja, resulta da combinação de fontes de análise de corrupção desenvolvidas por um conjunto de organizações independentes de referência, que permite classificar de 0 (percecionado como muito corrupto) a 100 (muito transparente).
Portugal continua abaixo dos valores médios da união Europeia (64 pontos) e da Europa Ocidental e da união Europeia (66 pontos) e é um dos 26 países da Europa Ocidental e união Europeia abrangidos pelo relatório em que não se registaram evoluções significativas na última década e desde 2012 que regista variações anuais mínimas. Esta estagnação sugere que os esforços de combate à corrupção não têm dado frutos. A Estratégia Anticorrupção era necessária (a ti promoveu uma campanha pública a favor da criação de uma estratégia) e tem aspetos positivos, em especial nas obrigações que coloca nos setores privado e público. O problema é que não toca, a não ser a nível penal, na grande corrupção, que pelo que os estudos de opinião e as grandes investigações mostram, é bem mais preocupante do que a pequena corrupção do funcionário público. Assim, será sempre uma estratégia coxa.
A Entidade da transparência, criada na lei em 2019, ainda não saiu do papel por inércia do tribunal constitucional que tem a competência de a operacionalizar. Nessa medida, ainda não teve oportunidade de cumprir o seu papel. Mas, na realidade, a questão nem é se, no futuro, cumprirá ou não. A questão é que o seu papel é, desde logo na lei, tão fraco e reduzido, que dificilmente deixará uma marca positiva em questões de integridade pública.
Concorda com a possibilidade de “imunidade parlamentar” ou qualquer tipo de imunidade? Qual é a posição da União Europeia neste contexto?
A imunidade dos políticos é fundamental para que possam exercer os seus mandatos com liberda-
de, sem medos ou pressões. Serve para que não sejam processados por difamação ou injúrias, mas também para que não sejam falsamente acusados de crime, com o objetivo de prejudicar as suas carreiras políticas. Em muitos países, esta imunidade é abusada pelos políticos que, sob esta proteção do cargo, cometem vários crimes, nomeadamente corrupção, sem que sejam punidos por isso. Esse não tem sido o caso em Portugal, onde a Assembleia da República tem uma visão bastante aberta nesta matéria e tem levantado a imunidade parlamentar dos deputados e publicado essas informações no site oficial. com frequência, são os próprios que solicitam o levantamento da imunidade para se defenderem em tribunal. Nessa medida, não é a existência de imunidade que está errada, mas por vezes a forma como é utilizada e (não) controlada.
A declaração patrimonial e de interesses e a proposta de regulação do lobbying têm sido continuamente travadas pelos diferentes governos. Como se pode desbloquear este combate?
A declaração patrimonial existe desde os anos 1980s e a declaração de interesses desde a década de noventa. O que se passa hoje em dia nessa matéria é que, com o pacote de transparência de 2019, embora as obrigações declarativas tenham aumentado, o nível de detalhe acessível ao público diminuiu. Por outro lado, foi prometido que as declarações passariam a estar disponíveis online e, mais de dois anos depois, tal ainda não se verificou.
Relativamente ao lobby, já por duas vezes se esteve perto de aprovar a regulação. Em 2019, foi o PSd a bloquear o processo e, em 2021, foi o PS. Não me parece que, num contexto de maioria absoluta e com as divisões internas no PS neste tema, a regulação seja aprovada nesta legislatura. Mas gostava de estar errada e de ver a regulação do lobby aprovada.
Tem afirmado que Portugal estagnou no que se refere à evolução da transparência e que a Europa também. A que se deve esta estagnação? O que é mais desafiante e o que trava o combate à corrupção em Portugal?
A estagnação deve-se à falta de vontade política em avançar no combate à corrupção. temo que o aumento da polarização política e a maioria absoluta de um só partido venha a diminuir ainda mais
a vontade política nesse sentido. Esta é a parte mais desafiante.
Estamos a atrair investimento para Portugal que poderá vir de fonte ilegal ou corremos esse risco? Como deveremos impedir que tal aconteça?
Estamos já a atrair fundos ilícitos e a aumentar os riscos de que essa atração venha a aumentar. com a crise financeira e a necessidade desesperada de capital estrangeiro, Portugal abriu os braços a vários investimentos de origem obscura, como a elite angolana, ou através dos vistos gold, cuja atribuição não controla a origem dos fundos investidos. Estes fatores, juntamente com uma fraca implementação da lei de branqueamento de capitais, expõe o país a investimentos de origem criminosa e de pouca confiança. O resultado está à vista com a Efacec, por exemplo. É fundamental olhar sempre para a origem dos fundos e não fechar os olhos a situações opacas ou de risco.
Como se melhora a prevenção da corrupção nas empresas e no setor público?
Penso que se melhora com lideranças interessadas em criar uma cultura de integridade, em boas políticas de gestão de conflitos de interesse e com canais seguros de proteção de denunciantes.
A Transparência Internacional elaborou uma lista de medidas de combate à corrupção que enviou a todos os partidos. Quais são essas medidas? Que seguimento os partidos deram a essas sugestões?
As medidas podem ser encontradas em https://transparencia. pt/caderno-encargos-legislativas-2022/ e dividem-se em dois tipos: i) umas que os partidos podiam incluir como propostas eleitorais e apresentarem no parlamento no futuro; ii) outras medidas que são práticas e que os grupos parlamentares e/ou os deputados podem adotar por si próprios, como a publicação das reuniões mantidas com grupos de interesse, independentemente de haver regulação de lobby. Em relação ao primeiro tipo de medidas, alguns partidos acolheram as nossas propostas. Relativamente ao segundo tipo, só será possível verificar o seu bom acolhimento quando o parlamento retomar a atividade.
Qual será daqui para a frente a Vossa forma de atuação junto do poder político?
Será como tem sido até agora: de tentativa de influência junto de partidos e governo com vista à melhoria das políticas públicas, monitorizando e denunciando riscos e práticas, mas sempre com uma postura construtiva.
O que defendem que poderá ser feito para melhorar a fiscalização da aplicação dos fundos europeus que Portugal irá receber? dois aspetos nos parecem fundamentais: primeiro, boas práticas de integridade e prevenção de conflitos de interesse, de forma a evitar que os fundos sejam desperdiçados em projetos cujos promotores recebem os fundos não pelo mérito das suas propostas, mas por relações de proximidade ou poder junto dos decisores; segundo, disponibilização dos dados sobre os fundos europeus de forma transparente, eficaz, em formato reutilizável e em tempo útil, com vista ao desincentivo e à deteção precoce de más práticas.
Como poderemos fiscalizar melhor o financiamento e os gastos dos partidos? A lei é suficiente, neste âmbito? Antes de cada campanha eleitoral, os partidos têm que entregar um orçamento de campanha junto da Entidade das contas e Financiamentos Políticos. Após a campanha, são também obrigados a entregar o relatório de contas da campanha, para além de anualmente entregarem as contas do partido.
A questão do financiamento político em Portugal é que a sua monitorização é muito formal, ou seja, prende-se muito com as “contas certas” no papel e menos com as formas informais de financiamento ilícito, como empréstimos bancários ou o “súbito” desaparecimento das dívidas dos partidos. também se presta pouca atenção aos fundos dos próprios candidatos.
Considera que a comunicação social em Portugal cumpre a sua função de informar neste capítulo?
Portugal tem uma imprensa livre, o que é fundamental para o combate à corrupção. infelizmente, atravessa problemas financeiros e de audiência, o que incentiva o escândalo imediato em detrimento de notícias mais complexas e do jornalismo de investigação, que são as formas mais adequadas para lidar com a questão da corrupção a nível mediático.
Que expectativas tem face à evolução da transparência em países como Portugal e Espanha, quer no setor público, quer nos privados?
As expectativas não são animadoras, uma vez que por toda a Europa assistimos, em maior ou menor grau, a retrocessos democráticos. Penso que só a pressão externa, sobretudo de investidores estrangeiros que estão fora dos circuitos tradicionais de influência, e a sociedade civil dentro de cada país poderão exercer pressão junto das autoridades para mais e melhor transparência.