Panorâmica Uma nova perspectiva sobre o Cinema e o Audiovisual Fevereiro de 2013 - 2ª Edição
As chanchadas pelas mãos de Carlos Manga
A linguagem do cineasta Luís Rosemberg Filho
José Mojica Marins: o eterno “Zé do Caixão” Maria Clara Spinelli fala sobre carreira, projetos e paradigmas após o sucesso
Adaptação Obras literárias ganham som, cores e movimento nas telas dos cinemas
Agitos - Ensaio - Première - Vanguarda - Cinemateca - Crítica - Cenários - Bastidores
Arte: Carol Rivieri
2 Panor창mica
4 Editorial A arte de ser brasileiro
5 Expediente 6 Entrevista
Luiz Rosemberg Filho, o cineasta da arte que instiga
9 Première
Foto: Galeria de Mostra do Filme Livre 2011 (autor desconhecido) - Fonte: Flickr
Luiz Rosemberg Filho fala sobre o cinema nacional contemporâneo
Filme ‘Colegas’ cria campanha inusitada José Mojica Marins e o “Zé do Caixão” - ícone do gênero de horror do cinema no Brasil
pág. 6
Foto: Neto Lucon
10 Clássicos 12 Persona
Maria Clara Spinelli fala sobre carreira e projetos
14 Audiovisual
Das páginas às telas: a adaptação da literatuna pelo cinema
16 Cinemateca
Maria Clara Spinelli: revelação do cinema brasileiro
Galeria com algumas das maiores produções brasileiras
pág. 12
18 Making of
As chanchadas pelas mãos de Carlos Manga
22 Vanguarda
Nova safra de filmes que rompem paradigmas e atraem cada vez mais público
23 Ensaio
“O Hobbit”: uma nova viagem no universo de Peter Jackson
24 Crítica
Adaptação cinematográfica: reinvenção das obras literárias
“O som ao redor” - por Pablo Villaça
26 Bastidores
O cinema experimental brasileiro
28 Agitos
Insônia repete o sucesso e a Fcad premia seus talentos
30 Cenários
A passagem marcante de Whitney Houston pelo cinema no romântico “O guarda-costas” Foto: Google (autor desconhecido) - Fonte: www.mulheres do cinemabrasileiro.com.br
Chanchadas - O lado cômico de Carlos Manga
pág. 18
pág. 14
Foto: Henry Chick Fowle
A arte de ser brasileiro Poucos meses se passaram, e muitos foram os caminhos percorridos. A proposta era falar sobre cinema e audiovisual para estudantes de comunicação e leitores do lado de fora da universidade que gostam da sétima arte (sem a necessidade de serem cinéfilos). A partir dessa ideia, a equipe do Plano Sequência desenvolveu o blog e a revista virtual – e já temos história para contar! Nesta edição, a Panorâmica fala sobre o cinema no Brasil, com todas as suas nuances e diversidades. Começamos com uma entrevista feita por Celso Marconi com o polêmico e criativo cineasta Luiz Rosemberg Filho (cedida pelo próprio Rosemberg), na qual ele comenta, com seu jeito peculiar, sobre a arte cinematográfica no país. Falando em criatividade, o longa ‘Colegas’, de Marcelo Galvão, com estreia em março, lança uma campanha ‘diferente’. Além de ajudar a divulgar o filme, a ação #VemSeanPenn está ‘causando’ na Web, e com isso espera trazer ao Brasil o ator norte americano. Será que ele vem? Vamos aguardar. Enquanto isso, decidimos resgatar um ícone com lugar garantido entre os clássicos nacionais: José Mojica Marins – e seu lendário ‘Zé do Caixão’ – que ressurge mais vivo do que nunca! Após uma noite de pesadelos, o irreverente e nada sombrio Mojica criou o personagem e introduziu o gênero de horror no cinema brasileiro. Leonardo Villar em cena de “O pagador de promessas”, de Anselmo Duarte (1962)
4 Panorâmica
Entre os destaques do cinema nacional está o diretor Carlos Manga e seu universo das chanchadas, que marcaram o cenário cultural brasileiro das décadas de 1940/50. Em ‘Persona’, a atriz Maria Clara Spinelli conta sobre o início da carreira, projetos futuros e qual o perfil do ator cinematográfico hoje. Na sequência, trazemos uma abordagem sobre a adaptação de obras literárias para o cinema, falamos sobre a nova safra de filmes brasileiros que fogem dos padrões e Pablo Vilaça comenta a nova produção de Kléber Mendonça Filho. Na seção ‘Cinemateca’, a galeria de fotos mostra alguns dos maiores sucessos do cinema nacional. Trazemos ainda o ensaio sobre “O Hobbit” e uma pequena homenagem à cantora Whitney Houston, destacando sua passagem pelo cinema com “O guarda-costas”. Para fechar, um breve panorama do cinema experimental no Brasil e os eventos que agitaram a Fcad no final de 2012. Vimos nossos esforços recompensados através daqueles que curtiram nossa página no Facebook e participaram do blog e da revista com postagens, comentários, textos e incentivo. Ano novo nova equipe – e nós passamos o bastão com a certeza do dever cumprido e desejando um futuro brilhante aos nossos sucessores nesse projeto. Boa experimentação!
Foto: Waldemar Lima
Othon Bastos vive o cangaceiro Corisco em “Deus e o diabo na terra do sol ”, de Glauber Rocha (1964)
Expediente Revista Panorâmica - Ano I - Fevereiro 2013 - 2ª Edição (virtual)
Editorial - Adriana Brumer Lourencini Textos - Adriana B. Lourencini, Caio Felipe Fré, Caroline Liberal Rivieri, João Trettel, José Otávio, Melissa Vassalli Colaboradores - Celso Marconi (entrevista Luiz Rosemberg Filho), Edmilson Felipe da Silva, Pablo Villaça, Paulo Aranha Arte - Adriana B. Lourencini, Caroline L. Rivieri, Comunicação Ceunsp Capa - Cinema brasileiro (inspirada na arte para capa do livro Cinema Brasileiro-Anos 90: 9 questões) - Fonte: www.scoob.com.br Diagramação/Pesquisa e seleção de imagens - Adriana B. Lourencini Fotos/Imagens - Jornalismo Fcad, equipe Plano Sequência, Comunicação Ceunsp, Google imagens Supervisão - Profª Fernanda Cobo Agradecimentos especiais - Professoras: Josefina Tranquilin e Maria Paula Piotto e ao ex-aluno e amigo de sempre Jean Frédéric Pluvinage A revista virtual Panorâmica é um projeto da equipe Plano Sequência da agência experimental da Faculdade de Comunicação, Artes e Design (Fcad) do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio (Ceunsp), Salto-SP. Todos os textos são de responsabilidade de seus autores. Contato: cinemafcad@gmail.com Blog Plano Sequência: www.planosequencia.com
Panorâmica 5
Ousar ser linguagem “... são as minhas impossibilidades que me excitam”... Paul Valéry em “Cadernos”
Rosemberg, o polêmico cineasta brasileiro, fala sobre arte, cultura, política e, claro!, cinema no Brasil
Cobal RJ - outubro/2012 - Fonte: imagem enviada por L. Rosemberg Filho
Por Celso Marconi
Luiz Rosemberg Filho já dirigiu vários longas, curtas e vídeos. Entre eles, estão: “Balada da página três” (1966), “Américas do sexo” (1967), “Jardim das espumas” (1968), “Imagens” (1972), “Assuntina das Américas” (1975), “Crônicas de um industrial” (1978), “Um filme familiar” (1979), “Desobediência” (1984), “Ana Terra” (2007), “Analu” (2008), “A carta” (2008), “Nossas Imagens” (2009), “Afeto” (2009), e outros. O crítico pernambucano de cinema, Celso Marconi, realizou uma entrevista com o cineasta em junho de 2010, que o próprio Rosemberg gentilmente cedeu à Panorâmica o direito de reprodução. Confira! CM – Quem fez mais para renovar o cinema, o cineasta Godard ou o interesse dos magnatas norteamericanos pelo lucro? R – Claro que eu vou sempre defender mais a importância do Godard para o cinema do que o interesse (sempre duvidoso!) dos magnatas de Hollywood. E se o cinema não foi mais longe como imagem e linguagem, a culpa não é de Godard, mas dos que detêm o dinheiro e a sua ideologia. Também não podemos negar que o dinheiro
6 Panorâmica
nos trouxe alguns avanços, mais no campo técnico, onde a ameaça ao saber é bem menor. O pior reconhecimento deixado pelo dinheiro é o caos! Agora, como ser diferente nos sistemas políticos existentes? Não é fácil essa multiplicidade de fascismos que vive a humanidade. CM – O cinema acabou com a introdução da palavra, como dizia o esteta pernambucano Evaldo Coutinho, ou o desenvolvimento da tecnologia traz sempre infinitas possibilidades? R – Eu não gosto muito de limitar nada. Muito menos enterrar palavras, imagens ou linguagens. Penso que o cinema ainda está na sua infância. Tanto para quem o faz, como para quem o critica. Claro que se tem o Bazin, o Aristarco, o Paulo Emílio... o Eisenstein, o Vertov, o Rossellini, o Visconti, o Glauber... que são gênios e o levaram adiante como possibilidade e linguagem. Eu gosto muito da ‘palavra’ quando ela é pensada em profundidade como no “O leopardo” ou “Terra em transe”. Sem esquecermos o cinema de Bergman e Orson Welles. Mas também gosto muito da imagem silenciosa como nos filmes de Antonioni. Ou seja, é preciso que o cinema e a crítica sejam mais profundos como defendia Walter Benjamin. Quanto aos avanços da tecnologia vai depender de quem for lidar com ela pois os menos preparados vão cair na linguagem televisiva-boçal. Os mais preparados vão poder filmar sonhos e discursos poéticos fundamentais para o amadurecimento e formação de um novo público menos contaminado pela ideologia do espetáculo e do consumo de quinquilharias. CM – Se deve fazer cinema como um profissional, buscando atingir o gosto do público-massa, ou almejar descobrir na sua alma a estética perfeita? R – Eu sempre penso que o público pode e deve ser instigado! Não só a entender o que lhe é mostrado, como fundamentalmente a pensar no porquê das coisas. A socialização da burrice vendida ou imposta por Hollywood, servirá sempre ao poder, mas nunca à poesia. A riqueza do cinema não está no caráter “anal-retentivo” da merda, mas na sua superação. Essa representação pornô do “sucesso” é uma enganação, pois um público mais preparado passa longe da ideologia anal-televisiva que serve de fachada repressiva ao consumo vendido como satisfação, espetáculo e sucesso. E que sucesso é possível na mentira que tanto gosto dá à burocracia e ao poder, que sempre odiaram o nosso cinema? CM – Quem ficou mais na História do Cinema: um Luchino Visconti com seu cinema dramático, emo-
cionado, ou um Godard, com seu racionalismo desestruturante? R – Eu gosto muito dos dois e de outros tantos, como Kubrick, Rivette, Losey, Straub... E no coração de quem ama tanto se pode gostar de “Vidas Secas” como de “Deus e o Diabo na Terra do Sol” ou “Os Fuzis”, no nosso caso. E acho mesmo que Godard só foi possível porque não recalcou o seu gostar dos clássicos como Visconti, Renoir, Dreyer... Ou seja, os dois são de fundamental importância a uma reflexão estética bem-sucedida da linguagem e do saber. Visconti e Godard serão sempre referências oportunas a uma instrumentalização poética e política de um cinema mais expressivo. CM – O cinema será sempre uma atividade dependente (e servil) dos Governos, como nos Estados Unidos e França e Brasil, ou poderá chegar a ser uma criação estética independente? R – Num mundo como o nosso a riqueza abstrata não tem nenhum sentido. Está enraizado no capitalismo como reprodução da sua necessidade compulsiva como um valor econômico-natural. Veja a cara das centenas de burocratas que lidam com o nosso cinema: libidinosos, sujos, recalcados, imbecis, pornográficos... mas que servem de cosmético para Foto: Google Imagens (autor desconhecido) o poder dizer que pensa e se preocupa com o cinema. Mentira! E aí entra a TV como status superior da megalomania e da prostituição e empobrecimento de olhar imagens. Pena. Se tivéssemos Governos menos grossos, o país não se chamaria Brasil! CM – Que Deus existe acho que não há muita dúvida, mas você acredita nele? R – Deuses somos todos! O homem é o Deus do bem e do mal. Compete a ele a responsabilidade de sermos melhores ou piores. Lamento esse baixo uso da religião amoldada para a TV. Vejo ali monstros internalizando medos e vendendo toalhinhas, Bíblias, medalhas, canetas e sempre pedindo dinheiro, para na verdade manipular uma sublimação repressiva oral-anal progressiva. E os
fiéis, uma vez amoldados à ladainha do horror, batem palminhas para maluco cantar e dançar letras horrorosas! Ou somos todos deuses, ou Deus não existe. Pode até existir como um bom negócio, mas não como Fé. CM – Bill Gates é um mago e por isso consegue manter o capitalismo vitorioso ou é que a humanidade é muito medíocre? R – Todo esse espetáculo do sucesso ou do consumo faz parte do show dos sistemas políticos existentes. O âmago visível da questão é um aperfeiçoamento da repressão possível determinando uma espécie de desabrochar consciente da manipulação do coletivo. Mas também não creio que a humanidade só seja medíocre. Ela é convenientemente medíocre pelos que estão ou chegam ao poder. Na verdade nunca se quis mudar nada! Basta que se veja durante alguns dias o que se faz e o que se mostra na televisão. Não que ela seja só uma sucursal do inferno; é pior ainda! CM – “Ou o mundo acaba com o capitalismo ou o capitalismo acaba com o mundo” disse Evo Morales. Você concorda? R – Em tese está certo. Só que na prática o capitalismo segue sendo vitorioso, e vai testando o seu poder de força. Permanentemente ameaçador se reconstrói o tempo todo numa multiplicidade de aberrações: guerras, religião, televisão, espetáculo, consumismo, alienação... se torna mais fácil aceitá-lo que confrontá-lo. Por outro lado, nossos partidos políticos de oposição não querem mudar nada, pois estão todos bem empregados e ganhando bons salários. Usaram e usam a política para chegarem lá. Se ao menos tivéssemos um povo mais preparado superaríamos tanto os maus políticos, como os seus partidos. Os políticos deveriam ver obrigatoriamente as lições de Visconti em “O Leopardo”. CM – Dostoievsky criou sua obra na pior situação pessoal possível; viver independe das circunstâncias?
Panorâmica 7
R – Dostoievski foi um gênio iluminado que viveu num momento histórico que culminou numa revolução que poderia ter dado certo. Cena de “Crônicas de um industrial” (1978) - Fonte: www.bcc.org.br Com a morte de Lênin, Foto: autor desconhecido virou meio bagaço do que poderia ter sido. Burocratizou-se para se tornar força política de controle e manipulação. E também acabou por isso: matou-se como referência histórica de um mundo melhor. Hoje, as condições para se criar são muito mais duras e difíceis. Teme-se muito mais um poema de amor, como o cinema de Ana Carolina, que um discurso político que em geral nada diz. Tudo poderia ser diferente se o poder fosse mais humano. CM – No capitalismo o homem vive para o consumo e o mercado; esse é o grande charme ou inferno da burguesia? R – Digamos que é um charme frágil e um inferno profundo, provocando mais dor do que prazer. A percepção da dor é diluída pelo espetáculo religioso e televisivo de todos os dias. Os pobres e empobrecedores sistemas políticos existentes sabem agir e enaltecer a mediocridade dos seus “astros”, fetiche do capital enraizado na produção e reprodução de fascismos, com o corpo-pornô gestando o sexo sem gozo algum. O fascismo, que não é ingênuo, conta com ajuda da publicidade, do espetáculo, do dinheiro, da prostituição e da TV. CM – A sua linguagem pessoal no cinema caminha para um paralelismo entre imagem e som; você busca encontrar a unicidade na criação? R – Creia que a minha única certeza é a problemática da dúvida. Sempre me fascinou o devorar simbólico das certezas, e um aprofundamento das divergências e contradições. E mesmo entre o som e a imagem – tento fazer música tanto com as palavras como com as imagens. CM – No cinema brasileiro com quem você se relaciona; ou não há relação possível? E no estrangeiro? R – Eu não sou muito fácil e me relaciono com muito poucas pessoas... Lá fora, com ninguém. Vinte e tantos anos sem sair do país, perde-se todos os contatos. Mas o único culpado sou eu que me desencantei com o cinema, a comunicação e o país. Eu pensei que depois de anos de ditadura viria um país melhor e o que se vive e se faz não é lá muito diferente. Representa-se muito, né?
8 Panorâmica
CM – Qual sua visão das leis de incentivo à cultura, no caso do audiovisual, que existem no Brasil? Elas servem melhor do que a extinta Embrafilmes? R – Lixo! Foi assim e segue sendo assim. E na verdade as Leis são feitas para defender a existência do canalhismo da burocracia e dos velhos e novos picaretas. Mas, perder tempo em defender ou criticar a mesmice das ideias não vai mudar nada. Indicamos o talentoso Sérgio Santeiro para uma vaga numa das direções da Ancine e quase fomos crucificados em praça pública. Ora, ali é um espaço para burocratas! E só estão ali para defenderem a mesmice. E isso vem desde a chegada do cinema no país. Pena. CM – Há lugar na indústria do cinema para os seus filmes, ou eles só poderão ser mostrados em uma galeria de arte? R – Não existe nem lugar para o cinemão feito aqui, imagine para experimentações pensadas!? E o espaço que já foi bem maior, segue ocupado pelo pior cinema já feito em Hollywood. Aqui se faz cinema para obter ganhos na produção, pois o filme seja lá qual for, sem espaço algum, não se paga na bilheteria. Muitos são os bufões que falam de uma indústria que não consegue se firmar, pois sem um mercado real o que existe são firulas para os jornais e festivais. Como bem diz Godard: “... às vezes é preciso não ter medo de fazer filmes para poucas pessoas”. CM – A dúvida é a grande chama que deve percorrer todo criador, todo crítico, todo produtor? R – Sem a dúvida cai-se na certeza restritiva de um mercado de aberrações onde todos os filmes se parecem, mas que serve à missa imoral do capital. Cinema é outra coisa. Lida-se com o olhar, a imagem, o sonho, a poesia, a complexidade, a subjetividade, as contradições, as linguagens e os seres humanos. E não pode haver fixação em nada como faz o nosso lamentável cinema televisivo. É preciso exercer a embriaguez, o prazer, a desobediência e não adoecer ou morrer. É fundamental viver e ser minimamente feliz num país tão injusto. E mesmo isso no cinema é muito difícil, pois o humanismo de pessoas como Fernando Campos, Mário Carneiro, Joaquim Pedro, Cosme Alves Neto, Nelson Dantas, deu lugar a espertalhões do passado e do presente. Exatamente igual como no regime militar. Então, o que foi que mudou? Você tem espaço para escrever o que pensa? Até tinha, mas tiraram. E isso lá é democracia? ______________________________ Colaboração: Profª Ms. Maria Paula Piotto
Vem Sean Penn! Caroline Liberal Rivieri
Filme brasileiro lança campanha para ajudar ator com Sínrome de Down a realizar seu sonho
Sean Penn - Foto: Google (autor desconhecido) - Fonte: Images 22
“Colegas” chega aos cinemas no dia 1º de março. E a produção aceitou um grande desafio para marcar o lançamento. A equipe pretende trazer o astro Sean Penn para a pré-estreia do filme no Brasil. A ideia nasceu da vontade do ator Ariel Goldenberg, portador de Síndrome de Down, em conhecer seu grande ídolo. Foi produzido um vídeo para a campanha ‘Vem Sean Penn!’. O vídeo mostra a trajetória de Ariel, seu grande sonho de ser ator sendo realizado. Além disso, podemos assistir há algumas cenas de novelas em que participou e também cenas de vários filmes com ídolo do ator. Um dia após entrar no ar, o post do Facebook já possui cerca de 2,2 mil compartilhamentos, enquanto o vídeo teve quase 150 mil visualizações no YouTube. O vídeo conta com a participação de várias celebridades, que convidam Penn para vir ao Brasil. Entre elas estão o apresentador Otávio Mesquita, as atrizes Juliana Paes, Gabriela Duarte, Juliana Didone e Tania Khalill, os atores Sergio Marone e Lima Duarte, os cantores Rogério Flausino e Falcão, e os humoristas Marco Luque e Danilo Gentili.
Estados Unidos. Goldenberg cresceu acompanhando todos os trabalhos do ator norte-americano e sonha em assistir a pré-estreia do filme ao seu lado de seu maior ídolo no cinema. Dirigido por Marcelo Galvão, “Colegas” conta a história de três amigos com síndrome de Down que decidem fugir do internato para se aventurar na estrada. Eles, que trabalham na videoteca da instituição, se inspiram nas aventuras do filme “Thelma & Louise” (1991, Ridley Scott) e roubam o carro do jardineiro para realizarem seus sonhos: voar, casar e ver o mar. “Colegas” venceu o Festival de Gramado de 2012, ganhando os Kikitos de melhor longa-metragem e melhor direção de arte, além de um prêmio especial do júri. Ele também foi eleito como melhor filme brasileiro pelo público na Mostra de São Paulo do mesmo ano. Foto: Rodrigo Tavares - Fonte: Último Segundo
Durante cerca de cinco minutos o vídeo relata que Ariel chegou a comprar dois bilhetes para Los Angeles para convidar Penn, mas que se esqueceu de requerer o visto para entrar nos
Panorâmica 9
Foto: Google (autor desconhecido) - Fonte: http://www.tumblr.com/tagged/josemojicamarins
José Mojica Marins O eterno “Zé do Caixão”
Com um visual que mistura ‘Drácula’, de Bella Lugosi, e ‘Nosferatu’, de Max Schreck, Zé do Caixão é amoral e niilista. Descrente obsessivo, o personagem é um agente funerário temido na cidade onde mora. Criado em 1963, o “Zé do Caixão” é fruto de um ‘pesadelo’ do cineasta e roteirista José Mojica Marins. Quase 50 anos se passaram, e o coveiro continua em busca da mulher perfeita, que lhe dará o tão esperado herdeiro perfeito. João Trettel e Adriana B. Lourencini
“Hoje é o amanhã que te preocupava, por isto previna-se para amanhã garantir teu futuro” José Mojica Marins
10 Panorâmica
Diretor, produtor, roteirista e ator, José Mojica Marins nasceu em São Paulo, curiosamente em uma sexta-feira 13, no ano de 1936. Filho de pais circenses, cresceu no meio artístico e foi desenvolvendo suas habilidades para fazer o que mais gostava: assustar as pessoas. Ainda menino ganhou uma câmera de seu pai e começou a filmar tudo, criando pequenos filmes que eram exibidos aos amigos. Aos 17 anos fundou uma escola de atores e uma produtora (“Atlas”). Autodidata, Mojica explorou vários gêneros do cinema, entre faroeste, drama, aventura e até a pornochanchada. Mas, o que ele queria mesmo era o ‘terror’.
Com um currículo considerável, Mojica é conhecido em festivais internacionais como “Coffin Joe”. Atualmente, apresenta o programa “O Estranho Mundo de Zé do
Mojica também planeja contar sua história de vida nos cinemas, em formato de ficção com depoimentos. O roteiro está em fase de conclusão, e a interpretação do cineasta deverá ser feita pelo ator Matheus Nachtergaele. Sobre o Zé do Caixão, seu criador diz que “ele não é tão mau assim... apenas procura eliminar o que tenta entrar no caminho dele”. Portanto, cuidado! Afinal, Josefel Zanatas continua rondando por aí, à procura da companheira superior, que irá gerar seu gênio sucessor... Foto: Elias Litaldi
Apesar de seu desejo, o Brasil não apresentava possibilidades para produções do gênero. Até que um dia, ou melhor, numa noite de outubro de 1963, Mojica sonhou com um sujeito vestido de preto que o tirava da cama, o levava até o cemitério, abria um túmulo e o atirava lá dentro. Apesar de acordar assustado, percebeu que o pesadelo significava uma mensagem: tinha que ser terror, e nada mais importava. Daí nasceu ‘Josefel Zanatas’, nome real do Zé do Caixão. O personagem protagonizou filmes memoráveis, como “À meia-noite levarei a sua alma”, ”Esta noite encarnarei no seu cadáver” e “O estranho mundo de Zé do Caixão”.
Caixão”, no Canal Brasil, que exibe mostra de filmes de seu acervo. Na lista estão produções das décadas de 1960 e 1970, em versões remasterizadas, sendo quatro inéditos na televisão.
Cena de “Esta noite encarnarei no teu cadáver” (1966), um dos clássicos do cinema de horror brasileiro
Filmografia: 1945 – A mágica do mágico 1946 – Beijos a granel 1947 – Sonhos de vagabundo 1948 – A voz do coveiro 1955 – Sentença de Deus (inacabado) 1958 – A sina do aventureiro 1962 – Meu destino em tuas mãos 1963 – À meia-noite levarei sua alma 1965 – O diabo de Vila Velha 1966 – Esta noite encarnarei no teu cadáver 1967 – O estranho mundo de Zé do Caixão 1968 – Trilogia do terror 1969 – O despertar da besta 1971 – Finis hominis 1972 – Dgajão mata para vingar 1972 – Quando os deuses adormecem 1972 – Sexo e sangue na trilha do tesouro 1974 – A virgem e o machão 1974 – Exorcismo negro
1975 - O fracasso de um homem na sua noite de núpcias 1976 – Como consolar viúvas 1976 – Inferno carnal 1976 – Mulheres do sexo violento 1977 – A mulher que põe a pomba no ar 1977 – Delírios de um anormal 1977 – A estranha hospedaria dos prazeres 1978 – Mundo - mercado do sexo 1978 – Perversão 1980 – A praga 1981 – A encarnação do demônio 1983 – Horas fatais – cabeças cortadas 1984 – A quinta dimensão do sexo 1985 – 24 horas de sexo explícito 1986 – Dr. Frank na clínica das taras 1987 – 48 horas de sexo alucinante 1994 – Demônios e maravilhas 1996 – Adolescência em transe 2004 – Fim (curta-metragem) 2008 – Encarnação do demônio
Panorâmica 11
Maria Clara Spinelli Atriz de “Quanto dura o amor?” fala sobre projetos, preconceitos e paradigmas depois do sucesso Caio Felipe Fré
Ela foi considerada a nova musa do cinema brasileiro e ganhou o título de revelação do ano de 2009, além dos prêmios de Melhor Atriz em festivais de grande porte nacionais – como o Cinema de Paulínia – e até internacionais – Hollywood Brazilian Film e o reverenciado Mônaco Film. As honrarias seriam corriqueiras para qualquer nome forte do cinema se não fosse por uma peculiaridade: era seu primeiro trabalho na telona. A experiência no teatro trouxe para seu papel em “Quanto Dura o Amor?” (2009) uma atuação de veterana que se mistura a uma sensibilidade natural. Ao lado de Gustavo Machado e Sílvia Lourenço, a atriz protagonizou um dos grandes momentos da nova safra do cinema nacional. Mas, nem tudo são flores. Com a verba para filmes ‘made in Brazil’ cada vez mais escassa – muitas produções vão para a gaveta antes de sair do papel – diversos atores acabam sem campo de atuação. E, com Maria Clara não foi diferente. Ela sentiu na pele a dificuldade de se fazer cinema no Brasil e, nesses últimos três anos, outros projetos não passaram da boa intenção, apesar de todo prestigio que conquistou. Muito receptiva, a atriz nos contou um pouco sobre trabalho, particularidades e sua visão dos fatos. Panorâmica – Em “Quanto dura o amor?” você ganhou diversos prêmios nacionais e internacionais. Como atingir esse ápice de sucesso logo no primeiro trabalho? Maria Clara – Não sei explicar isso. O que posso dizer, é que houve muita dedicação e trabalho de toda a equipe, e eu me incluo nisso. Foram pessoas que realmente acreditaram no que estavam fazendo, humildes e abertas para receber as contribuições que pudessem engrandecer o projeto. Deram respeito e dignidade à história, às personagens, a todos os artistas. Talvez, esse seja um dos segredos do sucesso do filme. Panorâmica – Fora os amantes de cinema underground, “Quanto Dura o Amor?” ficou mais famoso fora do Bra-
12 Panorâmica
Foto: Agnaldo Rocha Papa
sil e em festivais. Você sente que o brasileiro ainda tem preconceito com filmes não convencionais, sem aquela história com final feliz? Maria Clara – Esses dias li uma entrevista com o Ugo Giorgetti (diretor do filme “Cara ou Coroa”), e uma de suas frases foi: “Tá difícil. O público inteligente que resta no Brasil não quer mais saber de cinema.” Acho que talvez seja uma questão cultural, de educação também, de valorizar e prestigiar o que é nosso. De conhecer mais a arte brasileira, o cinema, apresentar nas escolas, debater. Despertar nas crianças e jovens, desde cedo, o gosto pela sétima arte. Panorâmica – Você contribuiu também para o roteiro do filme. Como foi? É um caminho que gostaria de seguir também? Maria Clara – Participar de “Quanto Dura o Amor?” foi uma universidade de cinema pra mim. Na prática, entender e participar de todos os processos de um filme é algo maravilhoso. Quando eu li o roteiro pela primeira vez, percebi que a minha personagem era muito diferente da realidade que eles queriam retratar. Perguntei para o Roberto se poderia dar a minha visão sobre o assunto, e ele aceitou. Foi algo muito bonito e enriquecedor. Acredito que Roberto criou uma obra tão original, por ser humana e simples, que vai ficar para a posteridade. Este é um caminho que eu gostaria de seguir. Já tenho escrito um argumento para longa-metragem, e o registrei quando estive em Los Angeles. Panorâmica – Você sente certa preocupação em não ser rotulada como uma “atriz transexual”? Maria Clara – Sim, sempre tive essa preocupação. O
a
que, na prática, infelizmente, descobri que era algo real. As pessoas têm uma tendência de rotular tudo, colocar tudo em definições que limitem, para que seja mais fácil controlar, para que não seja preciso pensar muito sobre e mudar algo congelado no imaginário social. Algumas pessoas da imprensa já me chamaram de ‘atriz transexual’. O que, bem da verdade, eu não sei o que significa. Assim como a Fernanda Montenegro é uma mulher biológica, e ninguém diz que ela é ‘atriz biológica’. Não é engraçado isso?! Eu acho. Eu fiz o papel de uma mulher transexual no cinema, mas essa personagem poderia ter sido feito por qualquer boa atriz. Panorâmica – Por isso, ainda há preconceito em conseguir papéis? Maria Clara – Sim. Desde que “Quanto dura o amor?” foi lançado eu ouço a mesma pergunta: ‘Quando é seu próximo filme?’. Eu não sei, não depende só de mim. Tenho recebido muitos elogios sobre meu talento, mas poucos convites para novos trabalhos. E, desses poucos convites, para cinema, teatro ou tv, quase todos foram para personagens transexuais. Então, se para uma atriz brasileira que não tem nenhuma história com a transexualidade, a carreira já é muito difícil, para mim, leia-se, é quase impossível. Mas eu não sou uma vítima. E nunca serei. Então, se eu nunca mais fizer nada, ficará o que já foi feito, do que me orgulho bastante. Se eu fizer outros papéis, de transexuais ou não, será porque acredito nos projetos.
Panorâmica - Ou seja... Maria Clara – Talvez
o mundo não esteja ainda preparado para atrizes como eu. Talvez eu esteja apenas plantando uma semente que será colhida por outras gerações. Tudo bem. A evolução da humanidade é lenta mesmo. Taís Araújo, que é uma grande atriz, foi a primeira protagonista de origem afrodescendente de uma telenovela brasileira. E isso foi há poucos anos. Então, eu tenho que ter paciência mesmo (risos). Panorâmica – Quando sua carreira no cinema decolou, você era funcionária pública. Esse trabalho ainda continua? Maria Clara – Sim. É ele quem paga as minhas contas. Panorâmica – Seu blog “O gosto do rosa” tinha um tom intimista, porém, há algum tempo ele saiu do ar. Por quê? Maria Clara – Sempre gostei de escrever, porque sempre precisei me expressar. Tenho essa necessidade de colocar para fora tudo o que sinto e não cabe mais dentro de mim. Mas o blog acabou junto com uma fase da minha vida. Depois do filme, me senti muito exposta e nem sempre soube lidar com isso. Tenho um novo blog, mas exponho mais as causas em que acredito – acho que elas valem mais do que os meus sentimentos para a sociedade. Tento separar a Maria Clara ‘artista’ da Maria Clara ‘cidadã’. Panorâmica – Sua carreira no teatro sempre foi muito respeitada. Você tem dado continuidade a ela? Maria Clara – Sempre respeitei muito o teatro, tudo que sou como atriz veio dele. Mas, depois do filme, surgiu uma certa expectativa em dar continuidade à minha carreira no cinema, e isso me afastou dos palcos. Hoje a necessidade de voltar para o teatro tem se tornado muito forte. Devo montar algum espetáculo para o ano que vem, se Deus quiser. Panorâmica – Maria Clara, eu gostaria de te agradecer em nome de todos do ‘Plano Sequência’. Esta foi uma experiência muito rica para nós. Esperamos que você possa conhecer nossa faculdade qualquer dia. Maria Clara – Caio, sou eu quem agradece ao convite mas, principalmente, a sua competência e sensibilidade em pesquisar sobre minha carreira e fazer perguntas tão relevantes e inteligentes. Espero poder conhecer sua faculdade um dia. Sucesso para vocês!
Foto: Agnaldo Rocha Papa
Panorâmica 13
Do livro às telas – O processo de adaptação Melissa Vassali
Adaptar uma obra literária não é tarefa fácil. A essência do cinema está na imagem, e não no texto. O principal desafio para quem pretende adaptar um livro para o cinema, ou mesmo para a televisão, é transformar palavras em ações, e ao mesmo tempo manter-se fiel à obra original. E aqui surge outra questão: essa fidelidade é realmente necessária? O diretor Luiz Fernando Carvalho (2008), habituado a levar literatura para o meio audiovisual (“Capitu”, “Hoje é Dia de Maria”, “Lavoura Arcaica”, “Os Maias”), diz não gostar do termo “adaptação”, que remete a um “achatamento” da obra. Ele prefere usar a palavra aproximação, e acredita que assim consegue estabelecer um diálogo com o original. Esse raciocínio é similar ao defendido pelo pesquisador Robert Stam (2006), que usa o conceito de intertextualidade para falar sobre adaptações, em detrimento da ideia de “fidelidade”. “A teoria da intertextualidade de Kristeva (enraizada e traduzindo literalmente o “dialogismo” de Bakhtin) e a teoria da “intertextualidade”de Genette, similarmente, enfatizam a interminável permutação de textualidades, ao invés da “fidelidade” de um texto posterior a um modelo anterior, e desta forma também causam impacto em nosso pensamento sobre adaptação. A nivelação provocativa da hierarquia entre crítica literária e literatura de Roland
Barthes, do mesmo modo, funciona analogamente para resgatar a adaptação ao cinema como uma forma de crítica ou “leitura” do romance, que não está necessariamente subordinada a ele ou atuando como um parasita de sua fonte.” (STAM, 2006, p. 21) Assim, podemos inferir que o texto cinematográfico não precisa se subordinar ao texto literário. Tampouco devemos encarar o cinema como uma arte menor que a literatura. A adaptação é uma continuação da obra escrita, num processo análogo ao da própria crítica ou leitura do romance. A adaptação não só contribui para o entendimento da obra original, como também lhe acrescenta novas possibilidades. “Para a teoria da recepção, um texto é um evento cujas indeterminações são completadas e se tornam verdadeiras quando lido (ou assistido). Ao invés de ser mero “retrato” de uma realidade pré-existente, tanto o romance como o filme são expressões comunicativas, situadas socialmente e moldadas historicamente. [...] Além do mais, a teoria contemporânea assume que os textos não se conhecem a si mesmos, e portanto busca o que não está dito (o non-dit) no texto. As adaptações, neste sentido, podem ser vistas como preenchendo essa lacuna do romance que serve como fonte, chamando a atenção para suas ausências estruturais.” (STAM, 2006, p.25) O próprio leitor não é “fiel” ao livro. Ele não pode e nem deve se restringir apenas ao que está escrito - as vivências e conhecimentos de cada leitor trazem inúmeras possibilidades de interpretação, o que enriquece o texto original. A adaptação nada mais é que uma visão de um desses leitores, que se tornou também um emissor. “[...]. O texto polifônico, dialógico, heteroglóssico e plural do romance, para usar a linguagem de Bakhtin, se torna suscetível às múltiplas e legítimas interpretações, incluindo a forma de adapta-
Foto: Google imagens (autor desconhecido) - Fonte: Centro Cultural SESC Boulevard - Mostra de cinema e literatura
14 Panorâmica
Foto: Antonio Attini Cena de “Romeu e Julieta” (Franco Zeffirelli, 1968) - romance de Shakespeare adaptado ao contexto sexual da modernidade
ções como leituras ou interpretações.” (STAM, 2006, p.25). Stam exemplifica essa questão citando a adaptação de Macunaíma feita por Joaquim Pedro de Andrade em 1968. Quando o romance, escrito quarenta anos antes, foi evocado no contexto da ditadura militar, uma nova leitura, de cunho político, foi trazida a tona. Assim, devemos observar que uma adaptação também revela muito sobre o contexto em que foi produzida. A adaptação de “Romeu e Julieta” dirigida por Franco Zeffirelli (1968), traz uma cena com os jovens amantes nus, deitados sobre um lençol branco. Essa cena é marcada pela atemporalidade, e insere em um texto do século XVI indícios da revolução sexual vivida nos anos 60/70.
Foto: Adrian Teijido
Para colocar em discussão um exemplo mais recente, podemos citar a minissérie Capitu (2008), baseada no romance “Dom Casmurro”, de Machado de Assis, e dirigida por Luiz Fernando Carvalho. O diretor optou por uma estética híbrida, que mistura elementos de teatro, ópera e videoclipe. Essa linguagem causou estranhamento aos leitores mais conservadores, que alegaram um contraste com o tom realista e pessimista de Machado. Em contrapartida, o tratamento moderno cativou o pú-
blico jovem e leitores mais abertos ao experimentalismo acreditam que ele retrata bem a essência de Machado, um homem a frente de seu tempo, “moderno por excelência” (Rodrigues, 2008). Independentemente da opinião que se tenha, é preciso admitir que o hibridismo utilizado diz muito sobre a atualidade. Em uma última reflexão sobre as adaptações, podemos citar Stam novamente: “O hipertexto cinematográfico, nesse sentido, é transformacional quase no sentido Chomskiano de uma “gramática generativa” da adaptação, com a diferença de que essas operações, através de diferentes meios, são infinitamente mais imprevisíveis e multi-fatoriais do que elas seriam se fosse o caso de uma “linguagem natural”. Em termos não-linguísticos, numa linguagem mais Deleuziana, as adaptações redistribuem energias, provocam fluxos e deslocamentos; a energia lingüística do texto literário se transforma em energia áudio-visual-cinética-performática da adaptação”. (STAM, 2006, p. 32). As adaptações literárias têm por finalidade manter vivos os textos que as originaram, reacendendo a discussão sobre eles. Mas uma adaptação bem feita – não no sentido de fidelidade, e sim de utilização de recursos e linguagens - acaba por gerar um produto de grande importância cultural independente, não subordinado à sua fonte, e futuramente esse mesmo produto se tornará referência para outros realizadores. ________________________________ Referências Bibliográficas Capitu. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2008. STAM, Robert. O Espetáculo Interrompido – Literatura e Cinema de Desmistificação. Paz e Terra, 1981. STAM, Robert. Teoria e Prática da Adaptação – Da Fidelidade a Intertextualidade. 2006.
Cena da minissérie “Capitu” (exibida na rede Globo em 2008) - inspirada no clássico de Machado de Assis, a produção de Luiz Fernando Carvalho mistura teatro, ópera e videoclipe.
Panorâmica 15
Foto: Rodolfo Sánchez - Fonte: Premiere France
Cinema Brasileiro
A galeria mostra alguns momentos marcantes da história do Brasil, captados e eternizados pela sétima arte
Foto: Waldemar Lima - Fonte: Clássicos Universais
Adriana B. Lourencini
Foto: Luís C. Barreto/José Rosa - Fonte: Tribuna de Indaiá
Pixote, a lei do mais fraco (Hector Babenco, 1981) Rotina de jovens marginalizados, que convivem com a violência e a prostituição na São Paulo dos anos 1980.
Vidas secas (Nelson Pereira dos Santos, 1963)
Deus e o diabo na terra do sol (Glauber Rocha, 1964)
Foto: Walter Caralho - Fonte: Blog Cinamética
Marco das produções do Cinema Novo, o longa narra a luta pela sobrevivência em uma terra seca e sem lei. Cangaceiros, coroneis e lavradores miseráveis compõem os personagens no retrato da cultura folclórica nacional, muito longe da ideia de ‘mocinhos e bandidos’.
Baseado no romance homônimo de Graciliano Ramos, de 1938, o filme aborda a questão da sobrevivência no sertão e expõe temas como a exploração trabalhista, opressão, falta de diálogo familiar e a miséria dos camponeses nordestinos.
Foto: H.E. Fowle- Fonte: Blog Tarcísio & Glória
O pagador de promessas (Anselmo Duarte, 1962)
Conflitos entre religiosidade (crença) popular e religião dominante (Católica). A produção foi adaptada da peça teatral com o mesmo nome, de Dias Gomes.
Central do Brasil (Walter Salles, 1998)
Foto: César Charlone - Fonte: Magia e Imagem
Cidade de Deus (Fernando Meirelles, 2002)
O universo do tráfico em favela carioca, retratado de forma nua, crua e chocante. Complexo, o filme mostra um sistema cruel, muito além da realidade que conhecemos, no qual imperam um violento código de honra e a corrupção das autoridades. A produção é uma adaptação do livro homônimo de Paulo Lins.
À partir da estação de ferro, no Rio de Janeiro, o drama revela importantes aspectos sociais, como a marginalização financeira e cultural de um povo analfabeto, entregue às mãos de indivíduos que irão interferir de forma arbitrária em suas vidas.
Foto: Lauro Escorel Filho - Fonte: Blog Fragmentos Fractais
Bye, bye Brasil (Carlos Diegues, 1979)
Foto: José R. Eliezer - Fonte: Blog O Teatro da Vida
O bandido da luz vermelha (Rogerio Sganzerla, 1968)
Foto: Breno Silveira - Fonte: Blog Fábio Pastorello
Carlota Joaquina, princesa do Brasil (Carla Camurati, 1995)
Ambientado no período em que a família real portuguesa chega ao Brasil, o filme desmistifica os personagens históricos, tidos como herois nos livros didáticos. É um romance histórico-cômico que trata a nobreza de maneira caricata, exagerada. Acordos que uniam famílias, posses e poder, e ardilosas maquinações políticas são elementos importantes que compõem o enredo.
16 Panorâmica
Caravana de artistas tenta se manter em uma sociedade já rendida ao consumo de massa, e que desvaloriza a cultura popular/local. É o retrato da transição sócioeconômica para a pós-modernidade e o fascínio que o entretenimento industrializado exerce sobre as pessoas.
O primeiro filme do gênero denominado ‘marginal’ sem construção narrativa ou psicológica - no qual o bandido ocupa o lugar do poeta. Produto de um país pobre, de periferia e em crise, a produção mostra, dessa vez, a estética do lixo.
Dona Flor e seus dois maridos (Bruno Barreto, 1976)
Clássico de Jorge Amado, o triângulo amoroso inusitado ganha som e imagem, representando o imaginário popular. Um olhar irônico e satírico sobre as hipocrisias sociais.
Foto: Murilo Salles - Fonte: Rede Globo Filmes
Foto: Amleto Daissé - Fonte: Adoro Cinema
Foto: G.Cosulich/A.Beato - Fonte: Blog Cocada Preta
Foto: J.Medeiros/A.L.M.Soares - Fonte: Itinerance
Assalto ao trem pagador (Roberto Farias, 1962)
A trama transforma uma história real em filme policial, com enredo que explora fatos subsequentes ao referido assalto (que teve forte repercussão na imprensa e opinião pública da época). O roubo figura como pano de fundo para conflitos interiores dos assaltantes.
Memórias do cárcere (Nelson Pereira dos Santos, 1984)
Ambientado nos anos 1930, o período da vida de Graciliano Ramos (autor do livro homônimo) fala sobre uma época de luta contra o imperialismo e o latifúndio no Brasil. Os enfoques na ditadura, no conflito de classes, na precariedade do sistema carcerário e na inserção do Brasil na política mundial, entre outros, compõem um roteiro que busca envolver emocionalmente o espectador.
Macunaíma (Joaquim Pedro de Andrade, 1969)
Expressão cinematográfica da obra de Mário de Andrade, o filme traz, inseridas na comédia, figuras que representam uma crítica de todo universo sóciocultural brasileiro da época. O personagem central, um heroi preguiçoso e sem caráter, revela elementos culturais como a preguiça, o subdesenvolvimento, tropicalismo e preconceitos.
Foto: Maria Elisa - Fonte: Blog Cineclube Lanterninha
Feliz ano velho (Roberto Gervitz, 1987)
Adaptação livre da obra de Marcelo Rubens Paiva, o filme aborda a temática da deficiência física a partir de seu protagonista, com os estigmas do corpo deficiente e as situações de preconceito vividas pelo personagem. A surpresa vem com a proposta de uma nova vida, apesar das limitações.
Foto: Lula Carvalho
Foto: L.C.Barreto/D.Lufti - Fonte: 33ª Mostra Int. Cinema Petrobrás
Tropa de elite (José Padilha, 2007)
O maior diferencial no filme é que a história é narrada sob o ponto de vista dos policiais (na primeira pessoa, pelo Cap. Nascimento). Fundamentalmente, retrata a corrupção policial e a hipocrisia de uma classe média e intelectual que repudia a violência e, ao mesmo tempo, sustenta o tráfico.
Terra em transe (Glauber Rocha, 1967)
Lançado em plena ditadura militar, o filme representa o contexto caótico em que estava inserida a sociedade brasileira e latino-americana. A tensão está na fragmentação dos acontecimentos, em meio aos quais todos estão em transe.
Foto: Lauro Escorel - Fonte: Blog Kaleidoscope Path Foto: Rodolfo Sánchez - Fonte: Blog V-Effekt
Toda nudez será castigada (Arnaldo Jabor, 1973)
Baseado na peça homônima de Nelson Rodrigues, a narrativa é um drama de família. Porém, a família é apenas uma referência esgarçada, e seus valores morais são meros adereços superficiais. É a alegoria da presença aterradora do passado morto que pesa sobre os vivos: tragédia das sociedades burguesas tardias, onde o arcaico convive com o novo, numa exposição crua e direta de uma sociabilidade familiar decrépita.
O beijo da mulher aranha (Hector Babenco, 1985)
Inspirado no romance de Manuel Puig, o longa é ambientado em uma cela com dois prisioneiros - um homossexual e um preso político. É uma espécie de estudo de como a prisão pode alterar tendências de comportamento e inspirar motivações imprevistas, nas tentativas dos prisioneiros para simular normalidade.
Foto: W.Carvalho - Fonte: Blog Torrent e Filme
Abril despedaçado (Walter Salles, 2001)
Ambientado no início do século passado, o filme aborda a pobreza e desesperança do povo nordestino, cenário de uma disputa eterna entre duas famílias. O personagem central se vê no dilema entre respeitar o pai e cumprir seu papel, sabendo que será morto nesse ciclo interminável, ou tentar colocar um fim a briga.
Foto: Walter Carvalho - Fonte: Estadão
Carandiru, o filme (Hector Babenco, 2003)
Adaptação para o cinema do livro ‘Estação Carandiru’, do Dr. Dráuzio Varella, mostra o interior do complexo penitenciário Carandiru. O filme é composto de sub-histórias contadas pelos próprios presos (fictícias, segundo Varella) ao médico do presídio. São explícitas as situações ocorrentes em uma penitenciária, que vão desde o acesso a vários tipos de mercadorias até a autorização para matar alguém, em um submundo que possui suas próprias leis.
Panorâmica 17 Foto: Google Imagens (autor desconhecido) - Fonte: Inclusive (inclusão e cidadania)
Carlos Manga e o universo cômico das chanchadas A vida de José Carlos Aranha Manga, ou simplesmente Carlos Manga, conforme sugeriu Luís Severiano Ribeiro Júnior, presidente da empresa Atlântida, foi profundamente marcada por um círculo de artistas que participaram ativamente do cenário cultural carioca das décadas de 1940 e 1950. Estudante de Direito, aos 19 anos visita pela primeira vez os Estúdios Atlântida, sob influência de Cyll Farney, grande galã das chanchadas e conhece Watson Macedo, cenógrafo e diretor na empresa cinematográfica, segredando a inesquecível experiência: “... Eu era um menino que fazia show de amadores apaixonados por cinema. Um dia, consegui a oportunidade de conhecer a Atlântida, que era a Hollywood do nosso cinema. Foi o Cyll Farney quem me levou, e eu estava muito emocionado, porque ia conhecer também Watson Macedo” . [...] (SILVA, 2001, p. 62). E assim, sua trajetória pelo cinema tem início, primeiro observando filmagens, depois manuseando equipamentos, mexendo nas lentes e aprendendo sobre enquadramentos. Sua primeira atuação acontece em 1952, como assistente de montagem de J.B. Tanko em “Areias ardentes” e “Amei um bicheiro”, com direção de Jorge Iteli e Paulo Vanderley. No ano seguinte, trabalha com José Carlos Burle, no filme “Carnaval Atlântida”, e dirige dois musicais: “Alguém como Tu” e “Ninguém me Ama”, de Antonio Maria, interpretados por Dick Farney. É a primeira vez, na história do cinema brasileiro, que a vinculação de um número musical à estrutura ficcional da chanchada, acontece. A partir de então, Manga inicia seu vôo solo como diretor acompanhado por aqueles com quem aprendeu o ofício, entre personalidades importantes como Oscarito, Grande Otelo e Cajado Filho. Essas influências marcaram uma carreira de destaque na história do cinema nacional e, sobretudo, na produção das chanchadas. Era uma época de riso solto como espécie de abstração e relaxamento para os problemas pelos quais passava a sociedade. Abstração que, segundo Manga, não se limitou ao simples “fechar os olhos” para as
18 Panorâmica
Foto: Amleto Daissé
Edmilson Felipe da Silva
Grande Otelo e Oscarito em “Matar ou correr” (1954)
dificuldades, como queriam alguns críticos, mas aliviar-se assistindo ingênuas histórias sendo contadas. O deslumbramento com o cinema hollywoodiano promoveu uma intensa apropriação de linguagens parodiando produções como “Matar ou correr” e “Nem Sansão nem Dalila”. Observa-se neste período uma aproximação da produção brasileira da linguagem norte-americana, que se dá pela expansão do capitalismo no que diz respeito ao domínio do sistema de produção e distribuição. No entanto, esse olhar para o trabalho estrangeiro com a inserção do deboche, foi justamente a razão do sucesso junto ao público apreciador de produções chanchadescas ganhando projeção, ainda que tenha tido pequena distribuição. O fato dos filmes serem feitos com certo grau de ironia e paródia não significava desvalorização, mas exponenciava o tom de crítica. Em várias produções constata-se a presença de muitas peculiaridades da situação nacional e mundial da época. Podemos entender que existe uma relação de amor e ódio entre o diretor e o cinema americano, pois ao mesmo tempo que idolatra a filmografia norte-americana, reconhece as dificuldades impostas por ela às películas nacionais. Segundo o diretor, a chanchada nunca foi analisada da maneira justa como a época de ouro do cinema nacional, onde há a presença de um riso espontâneo, imediato, articulado ao jeito de ser do povo brasileiro. As chanchadas mostravam uma parcela da sociedade, homens de bem, simples, defrontados com a vida urbana, apolíticos, operários resignados e completamente ingênuos. Esse casamento entre a ingenuidade projetada nas telas e o modo de vida dos indivíduos de uma camada pouco privilegiada, possibilita ainda uma análise interessante sobre os pa-
radoxos da nossa sociedade. Paradoxo, pois comédia e política participam do mesmo cenário de comunicação, testemunhando o distanciamento entre poder e povo e as mudanças necessárias em suas vidas. A atmosfera daqueles anos, considerados ingênuos, permite uma dinâmica que aproxima um pouco mais a realidade carioca da época e marca um estilo de vida distinto. O discurso chanchadesco revela a participação de um jeito de ser do carioca, marcado não só pela presença de tipos específicos da sociedade brasileira, mas também por elementos atuantes na cultura de massa. A comédia brasileira ganha uma complexidade quando intercaladas a elementos culturais mais gerais. Nas produções não faltavam objetos como perucas e outros acessórios postiços para disfarces, danças, mímicas e gestos caricatos. Estes filmes trabalharam de forma crítica e realista os problemas da época tais como a política, o imperialismo ou a bomba atômica. O filme “Assim era Atlântida” é um compósito dos principais filmes rodados pela empresa cinematográfica, poupados das chamas de um incêndio que vitimou os estúdios da empresa em 1952 e da inundação nos arquivos, em 1971. Conta com depoimentos de Anselmo Duarte, José Lewgoy, Inalda, Fada Santoro, Adelaide Chiozzo, Cyll Farney, Norma Benguell, Eliana e Grande Otelo. Unindo o recorte das entrevistas com várias cenas em tom de espetáculo, o filme se assemelha a “Era uma vez em Hollywood”, resultado de uma seleção de velhos musicais da Metro, reunidos para salvar as finanças da companhia. Manga traz para as telas a questão moral em personagens binários já conhecidos nas histórias do cinema como o vilão e o mocinho em “O golpe”, apresentados respectivamente como o malicioso e o ingênuo, o rico e o pobre, o artista e o cidadão comum. Porém, sempre com uma comicidade ímpar que deflagra em riso certo. Já no filme “A dupla do barulho” é trabalhada a questão racial, sempre
Cartaz do filme “Assim era a Atlântida” (1974) Fonte: Cultura Digital (blog da RRNE MinC)
muito recorrente, inclusive nos dias de hoje. Nessas produções a temática principal é a questão do roubo. Tanto nas produções elencadas em ‘O cômico e a realidade’ como em ‘O cômico e o policial’ há a presença incontestável do recurso à paródia, pois ele serve como forma de apresentar a vida como ela é a partir da imitação. Trata-se de um momento crítico da história cultural do país, no que diz respeito à questão nacional, em que é notório o domínio das produções estrangeiras em nosso cinema, nos remetendo à condição de colonizados mediante uma ideologia dominante. Em “Nem Sansão nem Dalila”, paródia alegórica do filme “Sansão e Dalila” (1949), de Cecil B. de Mille, temos a presença de um professor maluco com uma máquina do tempo, sua mais nova invenção, noticiada em jornais, evento este que deixam curiosos todos os funcionários do Salão de Beleza Dalila. Ele é um típico “personagem de costumes”, conforme observa Antonio Candido ao analisar a situação do romance no século 19 e início do 20, contrapondo-o ao “personagem de natureza”. Ao primeiro atribui a qualidade de observador superficial, de fácil assimilação, enquanto que ao outro, há a necessidade de um aprofundamento obscuro da alma. Segundo o autor, é nesse personagem que se observa o processo fundamental da construção caricata que o leva à comicidade, ao caráter pitoresco, invariavelmente sentimental ou acentuadamente trágico. (CANDIDO, 1970, p.62). No filme “O homem do Sputinik”, a história retrata a vida precária de uma família do campo acompanhada dos acontecimentos gerais na política mundial. Anastácio, interpretado por Oscarito, é um criador de galinhas e sua esposa Deocleciana, interpretada por Zezé Macedo, vive a reclamar pela falta de atenção do marido. Após uma tempestade são surpreendidos por uma visita inusitada, o suposto satélite denominado Sputinik. As notícias divulgadas pelos jornais de que o Sputinik está com o casal se espalha e Deocleciana acredita participar da high society, ao descobrir que o satélite é todo banhado em ouro. Vemos nessa sátira a questão associada ao café, produto determinante nas questões econômicas do país naquela época. Os absurdos da Guerra Fria também são contemplados ao apresentar caricaturalmente os soviéticos escondendo suas garrafas de vodka em compartimentos secretos ou dentro da mesa. Podemos observar neste filme que a cultura estrangeira é representada debochadamente com o objetivo de acentuar as diferenças a fim de atingir
Panorâmica 19
Foto: Ozen Sermet - Fonte: Cinema Século XX (blog)
de consumo que elimina toda e qualquer possibilidade deste flanêur se adaptar. Quando experimenta uma vida hedônica, ou seja, regada pelos prazeres que tanto almejou, percebe que ganhou novos problemas. Neste momento, a comicidade traz à cena seus comportamentos antes não existentes na composição moral do personagem como: a irresponsabilidade, o egoísmo, a avareza e a mentira.
Zezé Macedo e Oscarito em “O homem do Sputnik” (1959)
a comicidade.
Ainda nesta linha, o filme “De vento em popa” apresenta os personagens Chico (Oscarito) e Mara (Sônia Mamede), dois dançarinos a bordo de um navio esperando ansiosamente por uma oportunidade para se apresentar. Exagerados, ingênuos e mentirosos Assim podemos definir as características cômicas dos personagens das chanchadas construídas a partir de sua gestualidade, na forma de seus diálogos, dando vida aos objetos. A questão gestual é, na verdade, a demonstração de uma parcela da população que passa a vida buscando conquistar a felicidade e reconhece que não nasceu com “aquilo virado para a lua”, mas que se mostra feliz independente disso. Edgar Morin coloca em discussão o conceito felicidade e suas variações nas diversas sociedades. Para ele, há sempre um vínculo entre a reflexão sobre a cultura de massa e suas conexões com os seres no mundo como uma espécie de mito, almejado e renovador para a vida incipiente dos indivíduos, privados das possibilidades de ação criadora. (MORIN, 1967, p. 67). Nesta identificação com o jeito de ser do malandro, podemos observar malícia, ginga e perfeita conexão entre o falar e o caminhar despreocupadamente. Mostra a calma esmerilhada do personagem para enrolar as pessoas e driblar as dificuldades. Os conflitos são tratados na dicotomia entre vida privada e vida pública. Na primeira, o indivíduo mantém-se fiel aquilo que tem: família, casa, emprego. Na segunda, sonha em fazer parte de um espaço público que, segundo seu imaginário, é pré-requisito para a felicidade: vícios, mulheres, dinheiro e jogos. Vinculado à obtenção de ideal de felicidade, reside a ideia
20 Panorâmica
Em vários filmes de Carlos Manga, o uso do gesto é tão ou mais forte que o diálogo em cena, como as tomadas do personagem agindo destrambelhadamente, fazendo caretas ou apenas gesticulando com as mãos. Entretanto, o segredo é trabalhar os elementos que possam levar à comicidade sem exageros para que não tenha efeito contrário: o sofrimento do espectador. Ao protagonista, no entanto, toda a representação moral negativa é trazida com parcimônia representando um jeitinho malandro e perdoável de se dar bem e que provoca o riso. Já ao vilão, toda imoralidade é mostrada intencionalmente para sua condenação podendo culminar em assassinato. Dicotomias entre o bem e o mal, mocinho e bandido, inocente e culpado, moral e imoral são trazidos à cena. Nas produções de Manga podemos ressaltar o passeio de efeitos cômicos por temáticas diversas, construções de sentido ao trabalhar aspectos minúsculos da vida cotidiana sem expressão como no filme “O cupim”, no qual a questão do ciúme é tratada como elemento de deterioração do casamento. As crises conjugais são satirizadas quando parodiam momentos cruciais da história mundial por trazerem elementos existentes nos dois tipos: obsessão e poder. É o caso de “O homem do Sputinik”, que satiriza a dinâmica de um mundo cada vez mais impregnado de irracionalidade, no qual a ganância e a luta armamentista são colocadas em destaque quando, em uma cidade do interior do Rio de Janeiro, é encontrado um objeto que pode ser a solução dos grandes problemas. A comicidade passeia pelo cinema revelando uma carga identitária que veio ao mundo para divertir seu público ao tratar do sério pelo viés cômico. Carlos Manga soube apresentar o lado ingênuo e lúdico nas suas projeções, soube lançar a possibilidade de rir de um mundo desprovido de riso, afogado num mar de guerras e destruições. Não que o riso seja a profunda ausência de qualquer consciência que possa se manifestar, mas o riso como fonte inesgotável de saber, como um
antídoto particular direcionado a um povo que nunca esteve inserido em um projeto político mais consistente. O homem que se projeta nas telas tem na dinâmica popular seu enraizamento. Inspiração, quando resgata a arte circense apresentando espetáculos de variedades em festas com elementos cômicos. Os tipos de risos possíveis de presenciar durante as projeções dos filmes de Manga seriam: o alegre quando provocado pelo personagem que busca de uma maneira ingênua encontrar a felicidade no ambiente que vive, ainda que não seja propício ao riso. O riso de zombaria, quando contrastes depreciativos entre os personagens são estrategicamente usados. O cinema da época de ouro das chanchadas permite afirmar que não difere muito do panorama da época atual.
O universo das chanchadas por Carlos Manga O cômico e o policial 1958 - Esse milhão é meu 1960 - Os dois ladrões 1962 - Entre mulheres e espiões O cômico e a realidade 1954 - Nem Sansão nem Dalila 1957 - De vento em popa 1959 - O homem do Sputnik 1974 - Assim era a Atlântida
O cômico e a aventura 1952 - A dupla do barulho 1954 - Matar ou correr 1955 - O golpe 1956 - Colégio de brotos 1957 - Garotas e samba 1959 - O cupim 1961 - Pintando o sete
Aliviando a dor, o riso adormece todo o inconformismo e libera a sensação de prazer a que todos têm direito. O espaço lúdico e cognitivo que estabelece relação entre o indivíduo e a arte, passível de promover o registro de uma nova subjetividade a partir da qual flui magia e mito, presente no imaginário. O espírito do tempo circula entre o ritmo frenético da vida real e o silêncio poético da imaginação, por onde passeiam os mitos que fazem do homem um ser. E na infância do amanhecer, ele ri. _______________________________ Edmilson Felipe da Silva é professor do departamento de Antropologia da Faculdade de Ciências Sociais da PUC-SP. __________________________________ Colaboração: Profª Drª Josefina Tranquilin Referências bibliográficas CANDIDO, Antonio. A personagem de ficção. São Paulo, Perspectiva, 1970. CATANI, Afrânio Mendes & SOUZA, José I. de Melo. A chanchada no cinema brasileiro. São Paulo, Brasiliense, 1983. MORIN, Edgar. Cultura de massas no século XX: o espírito do tempo. Volumes 1 e 2. Rio de Janeiro, Forense Universitária, 1967. PROPP, Vladimir. Comicidade e riso. São Paulo, Ática, 1992. SILVA, Edmilson Felipe da. Por uma história do riso: Carlos manga e a chanchada no Brasil. Tese de doutorado. São Paulo, PUC-SP, 2001. Foto: Heitor Augusto - Fonte: Urso de Lata - ursodelata.blogspot.com.br
Exibição de “Nem Sansão nem Dalila” (1954) - Cine OP - Praça Tiradentes, Ouro Preto-MG - 18/06/2011
Panorâmica 21
Foto: Luís Abramo
Caio Felipe Fré
Títulos pouco conhecidos se tornam alternativa para público que busca por quebra de padrões Periferia, tiroteio, atores de novela e comédias hollywoodianas com jeitinho ‘brazuca’. Essa é a cara do cinema nacional atualmente. Você pode até não perceber, mas os longa-metragens ‘made in Brazil’, que atraem um grande público e se tornam conhecidos, em sua maioria, têm essas temáticas. E isso pode não ser tão positivo, do ponto de vista do potencial criativo. Desde a grande retomada do cinema brasileiro em 1995 criou-se um estereótipo de filme realista, que focasse no cotidiano. Com o lema “da favela para o mundo”, essa nova safra acabou não só ganhando as massas, mas também a crítica internacional, desacostumada com as normalidades brasileiras. Para popularizar-se ainda mais foram introduzidas as comédias genéricas, com cenários e atuações condizentes aos padrões norte-americanos. Estão nessa categoria “Como fazer um filme de amor” (2004), de José Roberto Torero, e “Se eu fosse você” (2006), de Daniel Filho. Filmes como “Tropa de elite” (2007) e “Cidade de Deus” (2002), que retratam a criminalidade numa abordagem mais consistente, são exceção em um cenário cinematográfico no qual prevalece a arte egocêntrica. A maior parte das produções que tratam da realidade se limitam a documentários. Atualmente, os filmes nacionais se preocupam muito com problemas íntimos, e deixam de lado conflitos reais que mereceriam um foco maior. Faltam profissionais que enxerguem o cinema não apenas como entretenimento. No passado, o cinema apresentava as dificuldades do país, e isso tornou as produções nacionais mais politizadas e engajadas (como no Cinema Novo). Hoje, os filmes nacionais acaba sendo igual ao de outros lugares.
Daniel Filho em cena de “Querido estranho” (2002) - produção aborda conflitos familiares comuns
O modelo atual tem seus atrativos, mas o cinema brasileiro tem muito mais a oferecer. Entre bons exemplos, está polêmico “Com licença, eu vou à luta” (1986), de Lui Farias, que conta a história de amor entre uma jovem estudante e um homem dezoito anos mais velho. Nos dias atuais, por exemplo, isso poderia levantar a discussão sobre pedofilia. Ainda sobre famílias em ruínas, “Querido estranho” (2002), comédia dramática de Ricardo Pinto e Silva, pode ser considerado a grande sacada cinematográfica da década. A trama se passa em um final de semana, na festa de aniversário do patriarca da família, que se resume em um acerto de contas, no qual disputas, ciúmes e velhos ressentimentos são postos à mesa com muito humor negro e sinceridade. Mirando o foco para histórias quase desconexas chegamos a São Paulo, cenário de “O signo da cidade” (2007). Com direção de Carlos Alberto Riccelli e roteiro de Bruna Lombardi, o drama fala sobre um casal frustrado, dois garotos que sonham ser transexuais e um perturbado rapaz que deixa um mistério nas mãos de uma astróloga radialista - retrato de uma sociedade que nem todos estão prontos para ver. Na mesma linha, o longa “Quanto dura o amor?” (2009), de Roberto Moreira, tem como pano de fundo a dura realidade da solidão nas cidades grandes, e reúne três histórias distintas que terminam com o mesmo destino.
Cena de “Quanto dura o amor?” (2009) - retrato dos relacionamentos na cidade grande. Foto: Marcelo Trotta
22 Panorâmica
As produções brasileiras preocupadas em retratar a realidade existem, porém ainda são muito tímidas, isoladas. Para conquistar visibilidade, tanto aqui quanto no exterior, o cinema deve se tornar a expressão da identidade nacional.
O Hobbit Uma jornada inesperada José Otávio
A trama do filme começa no pacífico Condado, lar dos pequenos hobbits. Lá o mago Gandalf encontra Bilbo e o convida para se juntar a um grupo de 13 anões determinados a reaver seu reino que lhes foi roubado por um terrível dragão. Novamente filmado na Nova Zelândia, o filme possui cenários que nos lembram muito os do “O senhor dos anéis”, sendo alguns, inclusive, os mesmos. O filme é uma adaptação bem fiel do livro de Tolkien, tendo inclusive uma abordagem mais infantil (como o livro). A adaptação para o cinema feita em três partes não foi uma má escolha, mesmo porque a adaptação é bem fiel e não caberia em um único filme (ou teríamos um filme de aproximadamente nove horas). Além do 3D, outra inovação utilizada no filme foi sua gravação em formato digital em vez de película e em 48 frames por segundo, em vez dos habituais 24. Outro diferencial deste filme com relação a seu antecessor são os planos utilizados. Enquanto “O senhor dos anéis” apresenta planos simples durante quase todo o filme, em “O Hobbit – Uma jornada inesperada”, o diretor Peter Jackson utiliza planos demasiadamente elaborados, que por muitas vezes acabam por incomodar o espectador. Um mero detalhe do filme (talvez porque a maioria dos personagens possua baixa estatura), é que durante a maior parte da história, nós nos esquecemos de que se tratam de anões e de um hobbit, lembrando deste fato apenas quando os personagens se deparam com outras criaturas (elfos, orcs, magos etc.). Os que assistiram “O senhor dos anéis” na versão dublada, (um dos melhores trabalhos de dublagem já feitos no Brasil feita pelo estúdio Marshmallow, de São Paulo) irão se decepcionar ao ver a versão feita pelo estúdio Delart do Rio de Janeiro. A voz do personagem Bilbo simplesmente não condiz com o personagem (não que o dublador Alexandre Moreno seja ruim, longe disso, ele é
Imagem: Banjomanbold - banjomanbold.wordpress.com (blog)
Após nove anos de exílio, o verdadeiro “rei da Terra Média” retorna. O diretor neozelandês Peter Jackson mais uma vez nos conduz através do universo de Tolkien, desta vez contando a história de Bilbo Bolseiro, tio de Frodo Bolseiro (personagem central de “O senhor dos anéis”).
um dos dubladores mais capazes do Brasil, o problema é que a voz dele realmente não se encaixa no personagem). Os personagens Gandalf e Gollun, que foram primorosamente dublados por Hélio Vaccari e Carlos Silveira, infelizmente, também tiveram a voz substituída. Por fim, “O Hobbit- Uma jornada inesperada” é um filme obrigatório para todos os fãs de J.R.R. Tolkien. O longa não chega a ser melhor do que “O senhor dos anéis”, porém, não deixa nada a desejar. O filme que originalmente seria dirigido pelo mexicano Guillermo del Toro ( que assina também o roteiro) encanta por sua inocência contrabalançada por sua profunda mensagem de esperança, amizade e superação, e é claro que também pelas cenas épicas de tirar o fôlego. O diretor Peter Jackson está tão ligado à obra de Tolkien que o interesse pelo filme não seria o mesmo caso ele não assumisse novamente a cadeira de diretor. Sendo assim, só podemos aguardar ansiosamente a próxima sequencia de “O Hobbit”.
Panorâmica 23
O som ao redor Pablo Vilaça Filme: O som ao redor Drama - 2012 - Brasil Direção: Kléber Mendonça Filho Com: Irandhir Santos, Maeve Jinkings, Gustavo Jahn, W.J. Solha, Irma Brown, Lula Terra, Yuri Holanda, Clébia Souza, Albert Tenório, Nivaldo Nascimento, Mauricéia Conceição.
O Brasil é um país de dimensões continentais cuja produção cinematográfica reflete sua extensão territorial. Em qualquer ano, basta analisarmos cinco ou seis filmes produzidos em regiões distintas da nação para constatarmos a diversidade temática, estética e de linguagem que gera longas que poderiam perfeitamente ter sido realizados em planetas diferentes. Há comédias rasteiras e popularescas, exercícios de estilo, experimentações narrativas, dramas densos e recriações históricas. E há “O som ao redor”, primeiro longa de ficção do crítico Kléber Mendonça Filho. Escrito pelo cineasta e dividido em três partes, o filme se espalha entre uma dúzia de personagens que, habitando uma rua de Recife, protagonizam pequenos conflitos despertados pela convivência próxima, dão vazão a insatisfações que um velho comunista chamaria de “pequeno-burguesas” e tentam extrair o máximo de felicidade a partir do mínimo possível de estímulo. Neste sentido, “O som ao redor” se revela não um estudo de personagens, mas um autêntico estudo de classe. Contidos por grades onipresentes que, visando trazer maior segurança aos moradores, soam como uma opressiva prisão, os personagens enfocados pelo diretor expressam sua humanidade e seus desejos de liberdade como podem: um garoto tenta jogar bola na rua (sendo sempre frustrado por algo), adolescentes se beijam nos cantos do condomínio e anônimos pintam mensagens de amor no asfalto numa tentativa frustrada de escapar das limitações cinzas do concreto. Assim, quando a fantástica montagem corta bruscamente de um plano que traz um horizonte repleto de prédios para outro que enfoca várias garrafas em uma mesa, criando um raccord gráfico sutil e belo, percebemos a ironia fina do cineasta que, ainda mais importante, não se preocupa em martelar sua mensagem na cabeça do espectador. Resgatando elementos específicos de seu ótimo curta
24 Panorâmica
“O som ao redor” - corte de planos revelam um estudo da sociedade e o desenho dos sons suge
“Eletrodoméstica”, de 2005, Mendonça demonstra carinho particular ao enfocar o cotidiano de Bia (Jinkings), uma dona de casa que passa as noites em claro em função dos latidos constantes do cão do vizinho e que tenta trazer alguma cor aos seus dias ao masturbar-se com o auxílio da máquina de lavar roupas e ao fumar um baseado cuja fumaça imediatamente suga com o tubo do aspirador de pó, convertendo seus eletrodomésticos em ferramentas de sobrevivência em um cotidiano enlouquecedoramente prosaico e sem propósito. Evocando a solidão de Bia em um plano particularmente belo no qual a mulher pode ser vista sentada, à noite, no canto do quadro dominado pela sala mergulhada na escuridão, o diretor é hábil também ao enfocar a harmonia pontual presente em sua vida – como no lindo e intimista momento no qual, deitada no sofá, ela recebe uma massagem improvisada dos filhos. Implacável ao retratar esta classe média como um grupo que, mesmo bem intencionado, parece cego às diferenças econômicas e sociais do país, o filme pode ter seu centro temático resumido pela cena que traz uma reunião de condomínio na qual uma moradora reclama do fato de sua revista Veja (claro) chegar “fora do plástico” e durante a qual o protagonista, mesmo saltando em defesa do humilde porteiro do prédio, não hesita em abrir mão do voto que poderia efetivamente salvá-lo para poder sair mais cedo da reunião e se encontrar com uma garota – e este mesmo personagem, tentando demonstrar compreender a luta diária da família de sua empregada doméstica, compara o subemprego do humilde neto da diarista com seus próprios “esforços” ao fazer intercâmbio no exterior, numa condescendência cega, absurda e, mesmo bem intencionada, ofensiva.
erem ideias, sentimentos e lembranças - Foto: Pedro Sotero - Fonte: www.osomaoredor.com.br
Equilibrando-se com maestria entre o humor e uma linguagem que beira o experimental (uma marca registrada dos curtas de Mendonça), “O som ao redor” é capaz de, num momento, trazer uma personagem manifestando horror diante de um suicídio apenas com o objetivo de pedir desconto no aluguel para, no instante seguinte, mergulhar num pesadelo sombrio que retrata dezenas de figuras ameaçadoras saltando os muros da vizinhança – uma representação intrigante da paranoia/culpa capitalista em seu temor constante de que os miseráveis finalmente se rebelem contra a opressão econômica e arrebentem a represa que os mantêm aprisionados (e não é à toa que, em certo ponto da projeção, vemos um amontoado de barracos sufocados em meio a prédios altos e luxuosos). Abrindo a narrativa com uma sequência de fotos em preto-e-branco (outra marca do diretor) que retratam aspectos duros da vida dos trabalhadores rurais nos latifúndios, o filme estabelece outra comparação inteligente ao demonstrar que, de certa maneira, a lógica passada se mantém, já que a rua na qual a história se passa poderia perfeitamente ser encarada como uma atualização urbana daquela realidade, posto que o velho Francisco (vivido por Solha como um homem habituado a ser obedecido) não só é dono de boa parte dos imóveis locais como ainda mantém os descendentes ao seu redor, trabalhando e cuidando dos negócios (ou das “terras”) da família. Da mesma maneira, é interessante observar como a filha da velha diarista de João (Jahn), ao contrário da afável mãe, exibe um ar constantemente irritado, num indício da frustração crescente das novas gerações diante da opressão social e econômica sob a qual vivem há séculos.
Num eco ao elenco homogêneo que emprega um tom apropriadamente melancólico em suas interações, “O som ao redor” é beneficiado ainda por um instigante desenho de som que, em vez de simplesmente refletir a realidade, é empregado para sugerir ideias, sentimentos e lembranças – desde a batida ritmada que acompanha a caminhada noturna de Francisco até o ranger crescente e tenso do elevador, passando pelas risadas das crianças enquanto os seguranças da rua recepcionam o irmão do chefe. Além disso, Mendonça é corajoso ao fugir do realismo que adotara até então ao investir, no terceiro ato, em uma abordagem que beira a fantasia, trazendo a visão nostálgica de um homem que enxerga subitamente a rua de sua infância no lugar da contemporânea e surpreendendo o público com uma cascata de sangue que, quase subliminar em sua aparição, sugere um mundo de raiva contida e frustração por parte do protagonista. Como se não bastasse, a visita de João e Sofia ao passado da família do avô, com direito a uma passagem por um cinema agora tomado por mato e mofo, funciona como uma bem-vinda homenagem à própria Arte que retrata o casal – e aqui mais uma vez o desenho de som interfere para complementar o lindo conceito. Estabelecendo-se como um filme sobre anseios, angústias e aspirações de uma classe social que parece incerta de seu papel no mundo, “O som ao redor” também é uma narrativa sobre a perda de nossas raízes ou, no mínimo, da triste destruição de nossa história. “A casa em que tu morou vai ser derrubada”, diz João à namorada, em certo instante – uma fala literal, mas que poderia perfeitamente surgir como metáfora. E, assim, quando a garota visita o lugar no qual passou parte da infância e entra no antigo quarto, sentimos a perda iminente de um aposento que, mesmo comum, assume contornos de um museu particular. Assim, quando ela percebe que a constelação de papel que colara no teto permanece lá e pede que o namorado a levante, o gesto surge como um símbolo magistral de alguém tentando tocar, pela última vez, as estrelas do céu de sua infância enquanto estas não são arrancadas pela inexorável e cruel passagem do tempo. ______________________________ Pablo Villaça é crítico de cinema desde 1994 e colaborou com publicações nacionais como ‘MovieStar’, ‘Sci-Fi News’, ‘Sci-Fi Cinema’, ‘Replicante’ e ‘Set’. Atualmente, além de diretor do Cinema em Cena, criado em 1997, é também professor de Linguagem e Crítica Cinematográficas em curso ministrado em mais de dez cidades em todas as regiões brasileiras ao longo de 30 edições.
Panorâmica 25
As fases da invenção no Brasil Paulo Aranha
Houve períodos excepcionais nas realizações cinematográficas no país, com produções experimentais de extrema originalidade artística. Evidentemente isso é apenas um pequeno panorama das fases do cinema experimental brasileiro. Vejamos alguns exemplos a seguir. As vanguardas (Avant-garde): Os filmes mais importantes deste período são: “Rien que dês Heures” (1926), de Alberto Cavalcanti, filmado em Paris, “Tesouro perdido” (1927), de Humberto Mauro, “Fragmentos da vida” (1929), do sorocabano José Medina, “São Paulo, a symphonia da metrópole” (1929), dos imigrantes húngaros Rudolpho Lusting e Adalberto Kemeny e “Lábios sem beijos” (1930), de Humberto Mauro. O longa “Limite” (1930), de Mário Peixoto, foi um marco no cinema experimental na América Latina, e teve sua cópia restaurada e exibida em Cannes (2007), causando impacto nos europeus ao saberem que o Brasil produzia filmes vanguardistas. O filme se tornou, ao longo dos anos, um cult lendário. Foi votado várias vezes como o melhor filme brasileiro já realizado e pode ser considerado a primeira e única referência para filmes brasileiros experimentais (apesar da problemática do termo) do cin
Cena de “Limite”, de Mário Peixoto - Fonte: UOL Cinema
Cinema Experimental
ema mudo. Em 1958, o cineasta Glauber Rocha realizou o curta “O pátio”, um trabalho quase abstrato. Outras produções do gênero são “Arraial do Cabo” (1960), de Paulo Cesar Saraceni, “Aruanda” (1960), de Linduarte Noronha, “Um pedreiro” (1966), da campineira Dayz Peixoto, “O artista” (1967), de Luiz C. Riberiro Borges e “Ser” (1969), de Henrique de Oliveira Jr. Cinema Marginal: Nos anos 60 uma nova safra de diretores que propunham um cinema de radicalismo extremo, com originalidade em suas experimentações. Foi uma fase brilhante e visionária das produções nacionais. Entre os mais de cinquenta filmes produzidos, estão “O bandido da luz vermelha” (1968), de Rogério Sganzerla, “A mulher de todos”, de Julio Bressane (que dirigiu também os longas “Matou a família e foi ao cinema” e “O anjo nasceu”), “Orgia ou o homem que deu cria”, de João Silvério Trevisan, “Perdidos e malditos”, de Geraldo Veloso. Quase Cinema: Termo criado nos anos 70 pelo multiartista Hélio Oiticica. Nesse período, vários artistas plásticos lançaram mais de 80 filmes em bitolas de 16 mm, super-8 e 35 mm. Entre os destaques estão “Ritual” (1970), Barrio, “The illustration of art nr 1” (1971), Antonio Dias (FOTO), “Triunfo Hermético” (1971), Rubens Gerchman, “Gotham City” (1972), Raymundo Colares, “Fome” (1972), Carlos Vergara, “Neyrótika” (1973), Hélio Oiticica, “Eat me” (1976), Lygia Pape e “Elements” (1979), Iole de Freitas.
Cena de “O bandido da luz vermelha” (1968), de Rogério Sganzerla - Fonte: Blog PapoCult3
26 Panorâmica
Cinema Super 8: Essa foi uma das fases mais produtivas do cinema brasileiro, tanto pela facilidade do material quanto pelo baixo custo da bitola.
“O vampiro da cinemateca” (1976) - Jairo Ferreira
A câmera Super-8 fazia os registros poéticos e imaginários dos cotidianos urbano, familiar, artístico, político e revolucionário. Com mais de 600 filmes espalhados pelo país, a enorme diversidade de proposições estéticas marcadas na década de 1970 criou uma linguagem de experimentação vigorosa. Entre as produções de destaque, estão “Nosferatu no Brasil” (1971), Ivan Cardoso, “Terror da vermelha” (1972), Torquato Neto, “Valente é o galo” (1974), Fernando Spencer, “Alice no país das mil novilhas” (1976), Edgard Navarro, “O vampiro da cinemateca” (1977), Jairo Ferreira, “O palhaço degolado” (1977), Jomard Muniz de Britto, “Céu sobre água” (1978), José Agrippino de Paula, “Via Crucis” (1979), Paulo Bruscky, “Ovo de Colombo” (1979), Leonardo Crescenti, “Luzazul” (1981), Julio Plaza e “Achados e perdidos”, do jornalista Celso Marconi. Cinema de animação experimental: Embora a animação experimental sempre tenha sido representada pelos pioneiros Norman McLaren e Len Lye, o Brasil também tem seu representante, Roberto Miller. Poucas pessoas sabem, mas este talento já ganhou prêmio em Cannes. Seguidor e amigo de Norman McLaren, Miller introduz o filme animado desenhado diretamente sobre a película de 35 mm. Foi um dos cineastas que
mais pesquisou sobre o cinema de animação experimental, conquistando medalha de prata no festival de Lisboa com “Rumba” (1957), e ouro no festival de Bruxelas com “Sound Abstract”, no mesmo ano. Em 1958, Miller faturou também o prêmio Saci de São Paulo, e menção honrosa no festival de Cannes. No ano seguinte, é premiado em Cannes pela animação “Boogie Woogie”. O diretor seguiu atuando com suas animações abstratas, entre elas “O átomo brincalhão“ (1967), “Balanço” (1968), “Carnaval 2001” (1971), “Can-can” (1978), “Ballet Kalley” (1981), “Biscuit” (1992), “Sound synthetic”, “Sinfonia moderna”, entre muitos outros. _______________________________ Paulo Aranha é formado em Fotografia pela Faculdade de Comunicação, Artes e Design (Fcad)-Ceunsp. Cineclubista, ex-vice-presidente da Federação Paulista de Cineclubes, responsável pela construção do Cineclube Ceunsp. Trabalha com performance arte, vídeo arte, colagem, fotografia, vídeo instalação, cinema, artes visuais e as artes multimídias. Em 2009 foi jurado do 10 Festival de Super-8 de Campinas, pesquisador de cinema e das artes. Atualmente trabalha com cinema, artes visuais e fotografia experimental, e é diretor dos curtas: “Sapatógrafo”, “Memórias Fotográficas” e “Palavras para Glauber”.
Panorâmica 27
Foto: Jornalismo Fcad
é sucesso! Caio Felipe Fré
Evento de cinema traz clima de máfia e garante público fiel Está feito. O evento de cinema “Insônia” entrou de vez para a história da Fcad. Com o slogan ‘Cinema, música e café’, a segunda edição surpreendeu as expectativas e trouxe um verdadeiro clima italiano para a madrugada de Salto. Isso porque o tema da vez foi a Máfia, nua e crua. Realizado na noite de 14 de novembro, as sessões do “Insônia” começaram às 22h30 e o último participante saiu às 8h da quinta-feira de feriado, ao fim do terceiro filme escolhido. Organizado pelos estudantes de Cinema, o conhecido ‘noitão’ deixou evidente a evolução da primeira edição. Além da ampla divulgação, interna e externa, o espaço foi decorado com sofás, pufes e tapetes para maior conforto do público presente, que, em sua maioria, era cativo e que já esperava ansiosamente pelo terceiro. Novos participantes também despontaram, atraídos pelos comentários e pela curiosidade. A primeira sessão trouxe “Os Intocáveis” como destaque. Produzido por Brian de Palma no final da década de 1980, o filme marcou a carreira de Robert De Niro no papel do real gangster Al Capone. Apesar do sucesso imediato, a grande expectativa estava para o segundo round. Isso porque “O Poderoso Chefão” (Copolla, 1972), o maior clássico de máfia de todos os tempos, foi apresentado – e aplaudido!
“Os Intocàveis” (Brian de Palma, 1988) marcou o início da primeira sessão do “Insônia”
‘Yogoslavos’ comandaram o agito, repetindo a boa recepção da primeira edição, com a banda ‘Hellgrass’. Para aqueles que pensam que filmes de gângsteres são apenas para a ‘turma do Bolinha’, a estudante Graziela Sette provou o contrário. Ela foi categórica: “Eu amo filmes de máfia. Adoro O Poderoso Chefão”. O mesmo fez Aline Lopes, que, mesmo sem ser aluna da faculdade, fez questão de estar presente quando soube do tema. Fãs de carteirinha, os alunos César Alexandre e Felipe Mauro (que, diga-se de passagem, estava com a camiseta de O Poderoso Chefão – amor declarado) esperavam ansiosos para que “Os Infiltrados” fosse escolhido como o terceiro longa da noite. “O filme vai a muitos extremos diferentes”, disse Felipe. Mas, não foi dessa vez. A galera preferiu mais de Brian de Palma e votou em “Scarface”. As estudantes de Jornalismo, Beatriz Peixoto, Nathali Ruiz, Verônica Morais e sua equipe garantiram as notícias em primeira mão para quem não pode comparecer ao evento. A turma organizou um livechat ao vivo, direto dos estúdios da Fcad. O cafezinho servido à vontade deu o toque final ao duplo sucesso do “Insônia”. Agora, é só aguardar por mais uma edição. O tema ainda é surpresa...
Entre as sessões, como de praxe, as bandas ‘Granel’ e
Foto: Jornalismo Fcad
28 Panorâmica Pausas entre as sessões: espaço interativo garante conforto e descontração - Foto: Equipe Plano Sequência
Felipe Mauro e César Alexandre conversam com Caio enquanto aguardam a próxima sessão
Os talentos da Fcad Em noite especial, a Faculdade de Comunicação, Artes e Design do Ceunsp premia seus melhores trabalhos
Em reconhecimento às melhores produções acadêmicas, a Faculdade de Comunicação, Artes e Design (Fcad) promoveu, na noite de 23 de novembro de 2012, a primeira edição do Trofeu Capivaras de Ouro - destaque Fcad. Os trabalhos escolhidos foram os que receberam premiação nas etapas regional e nacional do Expocom, mostra competitiva realizada no Intercom, maior congresso de comunicação da América Latina. A etapa nacional do Expocom de 2012 teve como vencedores os trabalhos “Seo Tuta: Um homem de som e imagem”, na categoria ‘Cinema e Audiovisual’, e “Abel”, na categoria ‘Roteiro para Ficção’. As produções “Rota 66: Na trilha do sucesso” e o “Programa Fora de Área”, faturaram o prêmio da etapa regional sudeste, ambos na categoria ‘Cinema e Audiovisual’. Durante a cerimônia, foram lembrados oito projetos selecionados pela Intercom para disputar a regional Expocom 2012. Professores orientadores dos projetos finalistas e vencedores foram homenageados, recebendo placas e diplomas.
O evento foi realizado no auditório Brasiltal, no campus V, em Salto, e foi apresentado pelos humoristas Christian Hilário e Juliano Mazurchi, da Cia. Nósmesmos Produções Artísticas. Além das premiações, foram anunciados os trabalhos que irão concorrer à fase regional do Expocom em 2013.
Imagens: Comunicação Ceunsp
Receberam menção honrosa os projetos “Fique atento”, que ficou em primeiro lugar, e “Informação pública. Além de importante, é necessário”, segundo colocado do ‘Festival do Minuto”.
O professor Edson Cortez, diretor da Fcad, destacou a importância do prêmio como um elemento motivador, além do reconhecimento pelo esforço. “Estamos entregando profissionais prontos para o mercado”, afirmou. A lista completa dos premiados e candidatos a concorrer em todas as categorias está no site do Ceunsp: www.ceunsp.br/noticias
Panorâmica 29
Um clássico romântico Após duas décadas, “O guarda-costas” ainda é receita de sucesso Caio Felipe Fré
Chapman talvez faça algum sentido. Mas, em “O guarda-costas”, a trama é outra. Sob direção de Mick Jackson, a história de Kasdan é sobre Frank Farmer (Costner), um guarda-costas bastante eficiente contratado para proteger Rachel Marron (Houston), celebridade ameaçada por cartas anônimas. Ex-agente do Serviço Secreto, Frank carrega a culpa de não ter conseguido proteger o presidente Reagan de quase ser assassinado. Porém, o imprevisível acontece, e Frank e Rachel se apaixonam. Ele, no entanto, não deixa esse amor seguir adiante, pois sempre que estão juntos ela fica vulnerável. Parece até uma história comum, mas o diferencial no roteiro de Kasdan dá o toque de mestre. O pano de fundo de toda a trama é a inveja familiar. Fraternidade até quando mesmo? O gosto de ter um irmão realizando os sonhos que anteriormente eram seus é amargo.
Kevin Costner e Whitney Houston, parceria que surpreendeu e convenceu - Foto: Andrew Dunn
Quando fez o roteiro, em 1972, Lawrence Kasdan idealizou como protagonistas Steve McQueen e Diana Ross, mas na época a história não agradou. Nem os artistas convidados, nem os produtores se interessaram e o material foi arquivado. Apenas em 1991, no auge de sua carreira como diretor, Kasdan desengavetou seu tão sonhado projeto e pôs em prática o que viria a ser um dos maiores clássicos da década de 1990. Com uma bilheteria estrondosa de 450 milhões de expectadores, “O guarda-costas” foi comparado a outros clássicos românticos como “Ghost” (1990) por arrebatar corações com a paixão entre uma estrela internacional e seu protetor. Mas o filme é muito mais que isso. A história da artista que estava sendo ameaçada e sofrendo tentativas de assassinatos a ponto de contratar um guarda-costas para si, prendeu atenção até daqueles que não gostam de romantismo, mas que buscavam um pouco de ação ou suspense. E quem faria isso com um artista tão amado? A realidade de John Lenon e seu assassino Mark David
30 Panorâmica
E créditos para Whitney Houston! Por que não? A ‘voz do milênio’ revelou-se também uma boa atriz. A trilha sonora assinada pela cantora não deixou por menos: foram 45 milhões de cópias, sendo um dos cinco discos mais vendidos de todos os tempos. A canção “I will always love you” embalou muitos corações apaixonados e é uma das músicas mais vendidas de todos os tempos. “O guarda-costas” se tornou um clássico do cinema. Ainda hoje é assistido, lembrado, comentado – sucesso! Seria pura sorte? Eu diria que não; prefiro chamar de ‘Lawrence Kasdan’ e sua mente fértil.
Foto: Miroslav Ondricek
Não, Whitney Houston não era atriz. E talvez nunca viesse a ser se não tivesse aceitado dar um salto no escuro e protagonizar “O guarda-costas” (“The Bodyguard”, 1992), sua primeira atuação na telona. Tão arriscado quanto perder os milhões de investimentos que os produtores colocaram no longa seria arriscar uma carreira de cantora de oito anos, sólida como rocha.
Whitney Houston e Denzel Washington em “Um anjo em minha vida” (“The preacher’s wife”, 1996) canções ‘gospel’ do filme marcam o retorno às raízes: Whitney começou cantando em igrejas
Arte: Adri Brumer Lourencini - Foto: Sala Imax de Curitiba - Google Imagens (Alessandra Cristina - Set/2011)