Rebecca Lang - A Hora Certa De Amar (Sabrina1145)

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A HORA CERTA DE AMAR The Perfect Treatment

Rebecca Lang

Que segredo fazia aquele homem fugir do amor? Abby Gibson ficou exultante quando soube que iria trabalhar com o dr. Blake Contini, um médico altamente conceituado. O que mais poderia uma jovem residente almejar? imaginando que o relacionamento de ambos seria puramente profissional, Abby surpreendeu-se com as reações que o charmoso médico lhe provocava. Ele, por sua vez, demonstrava sentir carinho por ela... e também atração. Mas alguma coisa o impedia de oferecer mais do que amizade...

Digitalização: Ana Cris Revisão: Cris Paiva


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Querida leitora, Às vezes acontecem coisas na nossa vida que nos levam a rever nossos valores. Coisas que nos fazem repensar, como um sofrimento, ou uma paixão. A verdade é que com tudo que acontece aprendemos alguma coisa, crescemos um pouquinho, ou muito. Cabe a cada um saber tirar proveito até mesmo das pequeninas coisas, pois elas podem nos levar a encontrar a felicidade que procuramos. Patrícia Garcez Editora

Copyright © 1999 by Rebecca Lang Originalmente publicado em 1999 pela Silhouette Books, divisão da Harlequin Enterprises Limited. Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial, sob qualquer forma. Esta edição é publicada através de contrato com a Harlequin Enterprises Limited, Toronto, Canadá. Silhouette, Silhouette Desire e colofão são marcas registradas da Harlequin Enterprises B.V. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência. Título original: The Perfect Treatment Tradução: Maria Albertina Jerônimo Editor: Janice Florido Chefe de Arte: Ana Suely S. Dobón Paginador: Nair Fernandes da Silva EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Rua Paes Leme, 524 - 10- andar CEP: 05424-010 - São Paulo – Brasil Copyright para a língua portuguesa: 2000 EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Fotocomposição: Editora Nova Cultural Ltda. Impressão e acabamento: Gráfica Círculo

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CAPÍTULO I

Província de Ontário, Canadá A dra. Abby Gibson estava atrasada para a sessão de apresentações de casos médicos no Hospital Universitário da cidade de Gresham, onde morava. Os cabelos ainda estavam molhados do banho que tomara vinte minutos antes no alojamento do hospital. — Bom dia, dra. Gibson. Está com pressa, como de costume? — Um dos outros ocupantes do elevador lotado, um fisioterapeuta a quem ela conhecia razoavelmente bem, sorriu-lhe enquanto se viam comprimidos junto a uma parede do pequeno compartimento. No hospital, aquele era um dos pontos de encontro, onde se podiam trocar algumas palavras. — Oh... Olá, Ray! — disse Abby, ofegante. — E, pode-se dizer que sim! — Enquanto se inclinava para olhar seu relógio de pulso, deixou cair dois livros grossos e alguns papéis que estivera segurando. — A pressa é inimiga da perfeição! — Ele tornou a sorrir e conseguiu agachar-se para pegar-lhe galantemente as coisas que haviam caído. — Obrigada — disse ela, aceitando os livros e os papéis. — Como vai você? — Vou indo. Vivendo de semana em semana, como todo mundo. Abby suspirou, consciente do clima geral de estresse que andava prevalecendo no hospital. Eram tempos de incerteza em relação aos empregos e aos cargos de treinamento por causa de severos cortes no orçamento. — Ray, você sabe alguma coisa sobre o novo chefe do departamento de medicina interna? É para a sessão de apresentações conduzida por ele que estou atrasada. — O dr. Contini? Já o vi algumas vezes. Parece um bom sujeito. É um tanto jovem para o cargo, eu diria... se o conseguir em definitivo. Você sabe como são os rumores neste lugar. Cada emprego tem cerca de duzentos candidatos. Mesmo em se tratando de alguém do nível dele, imagino eu.

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— Sei bem disso. De qualquer modo, não quero me atrasar demais. A primeira impressão é importante, não acha? — Ela correu a mão por entre os cabelos molhados. — Talvez ele não me note na multidão... ou melhor, a minha ausência. — Qualquer homem que se preze notaria você numa multidão. Dormiu no alojamento? — Sim. A semana está sendo movimentada. Você está bastante galante neste manhã. — Eu sou sempre galante. Abby abriu um sorriso, embora estivesse preocupada. O nervosismo era inevitável, sabendo que conheceria um colega que ocupava Uma posição superior e, portanto, poderia julgá-la, dar-lhe sua avaliação profissional. — Vamos esperar que ele também seja. Não queria dar ao dr. Contini uma má impressão, pois era provável que estavam destinados a passar bastante tempo juntos profissionalmente. O antigo chefe do departamento de medicina interna estava ausente numa viagem prolongada de trabalho. O dr. Blake Contini, que iria ocupar o lugar durante ausência dele, estava cotado para se tornar o novo chefe do departamento quando o anterior se aposentasse, de acordo com os rumores. — Até logo, Abby. Desço aqui. — Até mais, Ray. O elevador se esvaziou, e ela ficou sozinha. Quando desceu, momentos depois, no subsolo, saindo para o corredor que a levaria da ala leste para a oeste do hospital, colocou seus livros no chão e tirou de sua valise de couro o avental branco, cuidadosamente dobrado, que vestiu por cima da saia e blusa que usava. Seguiu pelo corredor rapidamente, tentando parecer profissional, embora não houvesse ninguém mais ao redor para vê-la. Ali em baixo, a vista era desoladora... utilitária, com corredores vazios e luzes fluorescentes.

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Mais à frente, onde o corredor começava a dobrar ligeiramente, pôde ver que alguém deixara um saco para a lavanderia ou algo assim no chão. Aquele era um dos problemas do hospital, pensou. Não havia pessoal da manutenção o bastante para deixá-lo totalmente limpo e organizado. Aproximando-se, viu que o "saco para a lavanderia" era uma pessoa usando calça e avental brancos e que estava caída no chão, junto à parede. — Oh, céus! — exclamou, aturdida. Era um homem de cinqüenta e poucos anos, de cabelos ralos e grisalhos. Tinha o rosto pálido, contraído, e obviamente pertencia à equipe médica. Abby ajoelhou-se ao lado dele depressa, largando a valise e os livros. Ao virá-lo para poder ver-lhe o rosto com mais clareza, notou que parecia familiar. Tinha os lábios azulados e parecia inconsciente. — Oh! — murmurou, reconhecendo o dr. Will Ryles, o chefe do departamento de radiologia. De imediato, tirou-lhe o pulso, constatando, aliviada, que existia, mas estava fraco, irregular. Com mãos firmes, desabotoou-lhe a camisa e afrouxou-lhe a gravata. Em seguida, auscultou-lhe o peito com seu estetoscópio, trabalhando depressa. Depois de pegar o aparelho necessário em sua valise, tirou-lhe a pressão sangüínea. Estava muito baixa. Teve quase certeza de que Will Ryles sofrerá um ataque cardíaco. Olhou ao redor freneticamente. Onde estavam as outras pessoas quando de fato se precisava delas? Tinha que levá-lo ao pronto-socorro imediatamente, antes que sofresse dano cerebral por causa da pressão baixa. Teria que ser colocado no oxigênio, submetido a exames e receber medicamentos anticoagulantes. Uma onda de compaixão dominou-a ao observar-lhe o rosto lívido. Parecia exausto. Não era de admirar, pensou Abby. Ao lado dele no chão havia um telefone celular, além de alguns outros objetos que obviamente tinham caído de seus bolsos. Talvez o dr. Ryles tivesse tentado pedir ajuda. Rapidamente, ela ligou para o setor de triagem do pronto-socorro, sem saber se o telefone funcionaria no subsolo. Felizmente, ouviu-o tocando. Projeto Revisoras

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— Olá — disse quando uma enfermeira atendeu. — Aqui é a dra. Abby Gibson. Acabei de encontrar o dr. Will Ryles, o radiologista, caído no corredor do sub-solo, entre as alas leste e oeste. É provavelmente um enfarte do miocárdio. Ele precisa de oxigênio bem depressa. Quero algumas pessoas aqui depressa com uma maça. Terá que ser carregado. — Certo — respondeu a enfermeira. — Enviarei um médico, uma enfermeira e dois atendentes agora mesmo. Abby agradeceu e desligou o telefone celular. Chamou o dr. Ryles, pedindolhe que abrisse os olhos e tornou a verificar-lhe o pulso. O homem gemeu, seus olhos mal se entreabrindo. — Mantenha a calma. Você caiu no chão, mas está bem. Fique onde está e não tente se mexer. A ajuda já está a caminho. Sou a dra. Gibson. O dr. Ryles tornou a gemer, soltou um longo suspiro e fechou os olhos com ar cansado. — Está com muita dor? — perguntou Abby. Pobre homem, pensou, um nó em sua garganta. Gostava muito de Will Ryles. Em tudo que já haviam tratado, ele sempre fora cortês, bastante profissional, excelente em seu trabalho e um bom professor. Ele sacudiu a cabeça de leve em resposta. Enquanto o observava, ela também sentiu raiva e frustração. Ouvira dizer que o departamento do dr. Ryles era um daqueles que estava sofrendo cortes. A nova tecnologia da computação estava permitindo que raios X fossem lidos e os diagnósticos feitos externamente, fora do hospital, onde eram tirados e onde os procedimentos do diagnóstico eram seguidos. Homens de negócios estavam tomando decisões sobre como as coisas deviam ser feitas, em vez de profissionais da medicina, em geral tomando decisões vitais e importantes sobre coisas que praticamente desconheciam. Ela olhou para o corredor em expectativa, rezando para que a equipe do pronto-socorro não demorasse a aparecer. Quando ouviu as portas do elevador se abrindo na distância, recolheu os pertences que haviam caído dos bolsos do dr. Ryles e guardou-os em sua valise para devolvê-los depois. Projeto Revisoras

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Eram o dr. Marcus Blair, chefe do pronto-socorro, uma enfermeira e dois atendentes com uma maça que se aproximavam pelo corredor quando ela se virou para cumprimentá-los. Em questão de segundos, colocaram uma máscara de oxigênio no dr. Ryles. Abby explicou ao dr. Blair como o encontrara, e ele agradeceu-lhe, não demorando a remover o dr. Ryles com a sua equipe em direção ao prontosocorro, situado no térreo. Ela continuou onde estava até que ouviu as portas do elevador se fechando e, somente então, deu-se conta de como ficara tensa. Sentiu-se esgotada, como se já tivesse trabalhado durante meio dia, como também abalada com aquele triste encontro com alguém que conhecia razoavelmente bem como colega. Alguém, agora, ficaria incumbido da desagradável tarefa de telefonar para a esposa dele a fim de informá-la a respeito. — Não é uma boa maneira de se começar a manhã — murmurou para si mesma enquanto prosseguia em seu caminho. Não havia mais razão para se apressar... uma boa parte da primeira apresentação já teria terminado. Geralmente, dois ou três dos residentes apresentavam casos interessantes ao departamento de medicina e a quem mais quisesse tomar parte das apresentações para aprender ou por questões de interesse. Como estava em treinamento, esperava-se que ela comparecesse. Talvez pudesse entrar sem ser notada na pequena sala de palestras onde as apresentações estavam sendo feitas daquela vez. Se não conseguisse, teria que se desculpar com o dr. Contini e explicar seu atraso. Não estava com tanta sorte, pensou, resignada, entrando na sala no exato momento em que as luzes foram acesas. Era evidente que uma exibição de

slides tinha terminado, indicando que o primeiro caso já fora apresentado. Provavelmente, haveria mais um ou dois. Havia muitas pessoas presentes e algumas viraram-se na direção dela quando entrou. Abby adiantou-se até os fundos da sala para tentar se misturar à pequena multidão em torno da máquina de café. Momentos depois, bebericava café quente com satisfação, segurando a valise e os livros desajeitadamente debaixo do braço, a mente preocupada

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com Will Ryles. Com o atendimento que recebia, àquela altura ele já devia estar fora de perigo, lembrou a si mesma. Vários de seus colegas mais próximos encontravam-se ali, aqueles que estavam no mesmo programa de treinamento, e caminhou na direção deles. Foi quando uma mão firme segurou seu braço, detendo-a. — É a dra. Abigail Gibson, eu presumo? — indagou uma voz masculina, seu tom de censura evidente. Quando se virou, para olhar para o dono da voz, os livros pesados tornaram a lhe escapar e caíram aos pés dele, cobrindo-lhe parcialmente os sapatos. Sentindo-se desajeitada e constrangida, Abby descobriu-se balbuciando: — S-Sim, sou a dra. Gibson — confirmou, erguendo os olhos para o homem diante de si. Perplexa, deparou com um par de frios olhos azuis, olhos inteligentes que a observavam sem exasperação, mas com surpresa... talvez por causa do peso dos livros nos dedos dos pés dele? Abby engoliu em seco. — S-Sinto muito. Ele tinha um rosto bastante atraente e másculo, mas que não apresentava o menor indício de sorriso. Então, aquele devia ser o dr. Blake Contini. Abby sentiu-se um tanto sem fôlego. Não porque ele franzisse o cenho e a olhasse de uma maneira soturna que não chegava a ser justificada por seu atraso ou por ter-lhe derrubado os livros nos pés. Aquele olhar intenso causou-lhe uma sensação estranha, indefinível. — Sinto muito — murmurou ela outra vez, incapaz de pensar em outra coisa. Enquanto se agachava para apanhar os livros, gotas de café escorreram do copo descartável que segurava. — Deixe-me fazer isso, dra. Gibson — disse ele, fazendo um gesto para detê-la. Abby corou, sentindo-se como se a sala toda tivesse ficado em silêncio e todos os pares de olhos se voltassem em sua direção. Mantendo o olhar baixo, observou-o pegando seus livros. Projeto Revisoras

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— Aqui estão — disse ele, ajudando-a a colocá-los debaixo do braço. — O-Obrigada. — Abby achou ter visto um brilho divertido naqueles olhos azuis quando as mãos de ambos se tocaram por um instante. Ele tirou uma folha de papel impressa do bolso do avental branco. — Este é o resumo do primeiro caso que revimos hoje, o qual você conseguiu perder por completo. Estamos prestes a começar a apresentação do segundo caso. — Meteu a folha de papel entre as páginas de um dos livros dela e se virou abruptamente. — Espere um minuto — disse Abby, recobrando parte de sua confiança e compostura. — E você é? Não entendi seu nome. — Considerou o fato de ele não ter-se apresentado um tanto rude e não pôde deixar aquilo passar. Tinha quase certeza de que aquele era o dr. Contini, uma vez que fora avidamente descrito por várias de suas colegas, mas ele não podia apenas partir do princípio que ela saberia automaticamente de quem se tratava. Ele virou-se devagar, uma expressão de surpresa no rosto. Fitando-a com um olhar que poderia ter fulminado alguém mais inseguro, estendeu-lhe a mão. Com a outra, tirou-lhe o copo de café da mão. — Não queremos mais acidentes, certo? — falou, sardônico, enquanto Abby dava-se conta de que as pessoas mais próximas os observavam com curiosidade. — Sou o dr. Contini — acrescentou secamente, apertando-lhe a mão com firmeza. — Blake Contini... Chefe interino do departamento de medicina interna. — Oh... sim — respondeu Abby, pensativa, como se não fizesse idéia.— Isso explica tudo. — Conversarei com você ao final das apresentações, dra. Gibson. Espere por mim. — declarou Blake Contini antes de se afastar. Quando Abby viu seus colegas do programa de treinamento de clínica geral olhando-a com comiseração, sorrindo, sentiu-se corando outra vez. O sujeito era realmente arrogante! Tão logo as apresentações acabassem, iria lhe dizer o que pensava, caso ele continuasse agindo daquela maneira quando lhe explicasse sobre o dr. Ryles. Ele nem sequer lhe dera chance para se desculpar por polidez. Alguns dos outros homens da equipe teriam feito Projeto Revisoras

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vista grossa a seu atraso. Talvez porque alguns deles não se importavam, teve que admitir a si mesma. Alguns eram bons professores, alguns medíocres e ainda havia aqueles que eram péssimos. — O que foi aquilo? — Cheryl Clinton, colega e amiga dela, aproximou-se. — Ele ficou furioso com você por ter perdido a primeira apresentação? — E, acho que sim. — Abby deu de ombros. — Que homem arrogante. E que coragem, agir assim na frente da sala inteira. — Eu não me importaria em receber esse tipo de atenção dele — declarou Cheryl, o olhar percorrendo a sala em busca do objeto da conversa de ambas. — Ao menos o homem tem um aperto de mão firme — disse Abby, tentando rir da situação. — Ele quer me ver depois da sessão. Mal posso esperar para lhe dizer o que penso. A amiga riu. — Isso mesmo! Coloque-o em seu devido lugar. — Então, acrescentou num sussurro: — Mas ele é um pedaço de mau caminho, não? Cheryl tornou a se virar na direção do homem alto que agora estava a um canto da sala conversando com os residentes que haviam apresentado o primeiro caso médico. Abby acompanhou-lhe o olhar, observando o dr. Contini, mas seus pensamentos tornaram a se concentrar no que acontecera com o dr. Ryles. Tão logo pudesse, iria até o pronto-socorro para descobrir como ele estava. — Lamento ter perdido a primeira apresentação — disse a Cheryl. — Algo aconteceu. Contarei a você depois. O caso seguinte estava prestes a ser apresentado. Talvez, quando ela saísse da sala de palestras, o dr. Ryles já tivesse sido transferido para a unidade de tratamento coronário. O dr. Contini, como se sentisse o peso de seu olhar, virou-se para fitá-la de onde estava. Arqueou as sobrancelhas espessas com um ar inquiridor quando seus olhares se encontraram. Provavelmente ele nem sequer conhecia Will Ryles, disse ela a si mesma, zangada.

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Recusando-se a ser a primeira a desviar o olhar, continuou fitando-o. Não se deixaria intimidar por aquele homem. Pela segunda vez em poucos minutos, foi tomada por aquela sensação estranha, a súbita percepção de uma atração física indesejável mas forte. Então, toda a sua atenção concentrouse nos dois jovens residentes que se adiantaram até a frente da sala para fazer a segunda apresentação. Quando a sessão de apresentações finalmente terminou e todos saíram, Abby permaneceu na sala, à espera. Todos os demais tinham se retirado abruptamente, tendo que retomar seu dia de trabalho normal. Ela observou enquanto o dr. Contini se adiantava até a porta e a fechava, bloqueando o som de vozes das pessoas que se afastavam pelo corredor. — Bem, dra. Gibson — disse ele, aproximando-se —, por que se atrasou? E tenho razão quanto a você estar no segundo ano do programa de treinamento de clínica geral? — Sim — confirmou ela, procurando sustentar-lhe o olhar com naturalidade. — Estou no segundo ano. Blake Contini tinha cabelos castanho-escuros, traços marcantes e bonitos, realçados por um par de intensos olhos azuis. Embora Abby tivesse um metro e setenta e cinco, ele era bem mais alto, obrigando-a a erguer o olhar para fitá-lo. — Planeja trabalhar como clínica geral depois que terminar o seu treinamento? — indagou ele, sem querer que ela respondesse sua outra pergunta. — É claro que sim. Por que outra razão eu estaria fazendo minha residência? — Muitas jovens médicas se casam logo depois de terminarem sua residência — disse o dr. Contini secamente — e acabam não clinicando. — Não será o meu caso. — Abby conseguiu evitar que sua voz soasse rude, embora não gostasse da atitude dele. Fora até aquela sessão de apresentações preparada para gostar do homem e aceitá-lo. Agora, sentiase constrangida e na defensiva. Ainda assim, ao mesmo tempo, o instinto lhe dizia que o dr. Contini fizera aquele comentário para descobrir se ela era casada. Não seja tola, disse a si mesma, exasperada. O que estaria lhe

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acontecendo? Aquele homem devia estar mexendo com seus nervos. — Espero que os residentes cheguem aqui no horário, dra. Gibson — prosseguia ele. — Acho que não é pedir muito, certo? — Eu... Não, claro que não é. Tenho uma boa razão para meu atraso. — Ótimo. Diga-me, dra. Gibson, está realmente prestando atenção? Tenho a impressão de que está com a mente em outro lugar. Blake Contini sabia que a estava encarando, mas não podia evitar. A garota à sua frente... parecia-lhe uma garota... tinha cabelos castanho-avermelhados, de comprimento médio, tão sedosos que reluziam sob as luzes da sala. Os lábios eram cheios e sensuais, os traços do rosto delicados e bem-feitos, a pele perfeita, acetinada. Ele sentiu uma vontade absurda de tocar^ lhe a pele, de sentir a fragrância daqueles cabelos... Também se deu conta do sarcasmo velado em sua própria voz. Aquilo parecia ter-se tornado um hábito seu quando conhecia mulheres atraentes... mulheres inteligentes e capazes que não tinham medo de sua própria feminilidade, mas que podiam representar algum tipo de ameaça à fachada de calma dele. Kaitlin fora daquela maneira no passado. A imagem indesejável dela povooulhe a mente... loira, pálida como uma boneca de cera agora. Com a imagem surgiu o familiar e agudo arrependimento. Não gostava de si mesmo por seu sarcasmo, pois o mostrava como algo que não era. De qualquer modo, era uma defesa inútil. Percebeu que Abigail Gibson não era do tipo que odiava os homens. Ocorreu a Abby que poderia retrucar de várias maneiras, mas conteve-se. — Deixe-me explicar — disse-lhe. Com poucas palavras, descreveu o que acontecera depois de ter encontrado o dr. Ryles caído no corredor. Concluiu, comentando: — Uma vez que você é novo aqui, talvez não conheça o dr. Ryles. — Ao contrário — respondeu o dr. Contini, seu rosto subitamente sério, expressando choque e preocupação. — Eu o conheço bem. Eu já o conhecia antes de ter vindo para o Hospital Universitário. Já verificou como ele está passando? Projeto Revisoras

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— Não, é claro que não. Vim diretamente para cá. — E você tem me

exasperado desde então, quis acrescentar. — Pobre Will. — Ele murmurou as palavras, como se as dissesse para si mesmo. — E foi uma triste experiência para você logo de manhã. — Surpreendendo-a, estendeu a mão para tocar-lhe o braço num gesto amável. — Você provavelmente salvou a vida dele. — Imagino que o dr. Ryles tenha tentado pedir ajuda, mas não conseguiu. — Eu deveria saber que algo assim aconteceria. Will tem estado sob muito estresse ultimamente. E exige demais de si mesmo no trabalho. — Ele parecia exausto quando o encontrei. Lamentei demais o que lhe aconteceu. — Sim, ele devia estar exausto — comentou o dr. Contini, pensativo, quase como se tivesse previsto que o dr. Ryles teria um ataque cardíaco, fazendoa perguntar-se se ambos eram realmente amigos muito próximos. — O que quer dizer? Você sabia que o dr. Ryles estava doente, que poderia ter um enfarte? — Não... — respondeu ele, quase distraído. — Não foi isso. Mas Will tem sofrido muita pressão. Blake arrependeu-se ainda mais de seu sarcasmo. Os olhos que o fitavam com franqueza eram verdes, grandes e expressivos. Não continham a expressão calculada que via com tanta freqüência em muitas mulheres que conhecia. Tornou a observar os lábios cheios e bem-desenhados dela. Pareciam tão macios e convidativos... Dando-se conta do rumo de seus pensamentos, recobrou-se depressa, desviando o olhar. — Quanto à primeira apresentação, aquela que perdi... — começou Abby, olhando para a folha de papel que ele lhe dera, sentindo agora a pressão do tempo. — Sinto muito por isso. Eu gostaria de ficar a par... — O paciente citado nessa apresentação está na ala leste 2. Talvez você possa ir vê-lo hoje. Eu irei visitá-lo por volta das onze horas. Talvez possa me encontrar lá, dra. Gibson. Posso rever algumas coisas com você. É

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possível que eu queira aplicar um teste ao seu grupo relacionado a este caso daqui a alguns meses. — Obrigada — disse ela formalmente. — A clínica geral não é exatamente fácil, dr. Contini, embora vocês, especialistas, possam achar que sim. É preciso ser bom em tudo, não apenas numa coisa. — Eu não disse que era fácil, nem é o que penso. — Bem, tentarei estar lá — disse ela, dando-se conta de repente de que estavam a sós na sala de palestras, de que sentia uma atração inadequada pelo homem. — Sou esperada no departamento de clínica geral no momento, na clínica do dr. Wharton. — Estou indo para aquela ala. Ligarei para o dr. Wharton e providenciarei para que você tenha tempo às onze horas — disse ele. Então, decidindo-se sobre algo, consultou seu relógio de pulso. — Se deseja ver o dr. Ryles tanto quanto eu, posso ligar para a clínica e avisar que você vai se atrasar um pouco. Assim, poderemos visitá-lo rapidamente na unidade de tratamento coronário. — Sim. Obrigada. Eu gostaria de vê-lo e descobrir o que aconteceu. — Lamento por minha intransigência anterior — desculpou-se o dr. Contini. — Eu não fazia idéia do que tinha acontecido, é claro. — Não — concordou Abby, conseguindo dar a entender com seu tom que ninguém deveria fazer julgamentos apressados. Ele era incrivelmente bonito, notou outra vez, baixando o olhar para o papel que segurava. Poderia até ser charmoso, ponderou, se não adotasse um ar tão circunspecto. — Verei se conseguirei providenciar isso e saber onde o dr. Ryles está. — Espero que ele tenha conseguido sobreviver. — Eu também. Abby observou-o afastar-se em direção a um telefone que havia na sala. A reação dele à sua notícia, para alguém novo no hospital, fora mais intensa do que o esperado. Perguntou-se onde ele teria conhecido o dr. Ryles, que trabalhava no Hospital Universitário havia pelo menos vinte e cinco anos. Subitamente, teve um estranho e forte pressentimento de que o dr. Contini Projeto Revisoras

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exerceria um grande papel em sua vida, e, não apenas profissionalmente. A sensação era tão forte, tão peculiar que a fez estremecer. Dizendo a si mesma que estava sendo tola, obrigou-se a desviar o olhar. Não adiantaria sentir nada daquela natureza por um colega de trabalho. Prometera a si mesma não se envolver com ninguém antes de ter ao menos terminado seu treinamento de pós-graduação e se estabelecido em seu primeiro emprego permanente como médica. Não havia tempo para romances. Tinha que ganhar seu sustento, retribuir de alguma maneira aos pais que a haviam apoiado durante toda a sua vida, entre outras coisas ajudando-a a pagar a cara faculdade de medicina. Não que fizesse o tipo do dr. Contini. Franzindo o cenho, pensou que ele provavelmente preferiria uma mulher da alta sociedade. Na verdade, já devia estar casado, tendo cerca de seus trinta e cinco anos. Talvez ele a afetasse daquele modo porque a fazia lembrar de algo que nunca tivera... amor de verdade, paixão. Talvez fosse aquilo, considerando que grande parte da vida dela concentrava-se no trabalho. Adiantou-se até a porta para esperá-lo, ansiando por sair. — Falei com o pronto-socorro — disse o dr. Contini, aproximando-se. — O dr. Ryles está na unidade de tratamento coronário agora. Está bem. — Oh, isso é ótimo. Ambos colidiram quando tentaram abrir a porta ao mesmo tempo. — Diga-me, dra. Gibson, é sempre assim tão... — Desajeitada? Ele abriu um sorriso que lhe iluminou o semblante, dissipando os sinais de tensão. Abby descobriu-se fascinada, observando-o tão de perto e, por um momento, sentiu a absurda vontade de inclinar-se para a frente e beijá-lo nos lábios. Teve que se conter para não fazê-lo. — Essa não é a palavra que eu teria usado, mas serve de qualquer modo, acho eu. Não quero ser rude. — Blake Contini acrescentou as últimas palavras num tom gentil, a voz aveludada fazendo-a derreter. Não seja tola, tornou a dizer a si mesma.

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-— Costumo ser assim — admitiu ela, forçando-se a usar um tom de brincadeira. — Meus amigos me dizem que é sinal de genialidade... a "síndrome do professor de mente distraída". — Hum... Vamos esperar que estejam certos. — Ele ainda sorria, os olhos azuis estudando-a atentamente. — Mas, só por precaução, deixe-me carregar seus livros, dra. Gibson.

CAPÍTULO II

A unidade de tratamento coronário estava silenciosa, situada numa ala do hospital onde não havia trânsito de pessoas e o ruído era o mínimo possível. O acesso dava-se através de uma porta pesada que se fechava suavemente atrás de quem passasse. Uma enfermeira estava sentada à sua mesa, olhando para um grupo de telas individuais de computadores que monitoravam os quatro pacientes que se encontravam em seu setor. Cada paciente estava conectado a aparelhos eletrônicos que transmitiam as informações para a tela. Quaisquer irregularidades nos batimentos cardíacos, pressão sangüínea e níveis de oxigênio no sangue seriam detectadas de imediato. Embora tudo estivesse tranqüilo, Abby sabia que não gostaria de ser uma paciente ali, deitada num leito, perguntando-se se seu coração pararia a qualquer momento. Caminhando ao lado do dr. Contini, olhou à sua volta enquanto se aproximavam da enfermeira em silêncio. — O dr. Ryles está aqui? — perguntou ele. A enfermeira fez um gesto na direção de um pequeno corredor onde ficavam os quartos. — Está no quarto três — respondeu ela com um sorriso. — E como ele está? — perguntou Abby. — Bastante bem, levando-se em conta o que passou. Sua situação é estável agora. A esposa está lhe fazendo companhia no momento. Ele está dormindo e, portanto, não deve ser incomodado. Projeto Revisoras

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— Claro — disse o dr. Contini. — Nós não o acordaremos. No quarto três, o dr. Ryles estava deitado na cama estreita, os aparelhos conectados por fios a seu peito despido. Um pequeno monitor junto à cama mostrava seus batimentos cardíacos e a pressão sangüínea. Abby olhou automaticamente para aquela tela, enquanto ambos entravam em silêncio. O que viu confirmou que o quadro era estável. A pressão estava quase normal, os ritmo dos batimentos cardíacos era bom. Sentiu sua ansiedade diminuindo. A equipe do pronto-socorro chegara a tempo, afinal. A sra. Ryles, que parecia ter uns cinqüenta anos, estava sentada junto a cabeceira da cama. Levantou-se quando os dois pararam a seu lado. O rosto pálido mostrava sinais de lágrimas, os olhos inchados e vermelhos, mas demonstrou surpresa e alegria em ver o dr. Contini. — Olá, Ginny — disse ele, estendendo-lhe os braços. — Lamento revê-la sob estas circunstâncias. — Oh, Blake. — A voz da mulher tremeu enquanto aceitava o abraço que lhe era oferecido. — Felizmente você está aqui. Então, eles eram amigos, afinal. Abby manteve-se de lado, observando-os, suas próprias emoções quase vindo à tona enquanto via novas lágrimas no rosto da mulher. Quando se asseguraram de que o dr. Ryles estava realmente bem, o dr. Contini sugeriu que saíssem para o corredor principal, onde poderiam conversar sem incomodar ninguém. — Esta é a dra. Gibson — apresentou-a ele depois que saíram. — Foi ela quem encontrou Will. A sra. Ryles segurou a mão que Abby lhe estendeu com ambas as suas. — Quero agradecer-lhe — disse com sua voz trêmula. — Eu soube que Will estava no sub-solo, onde talvez não fosse encontrado por algum tempo. Se você não o tivesse achado, nem sabido o que fazer, ele poderia não ter sobrevivido. Obrigada. Você salvou a vida do meu marido. — Eu... fico contente de ter estado lá. Mas não cheguei realmente a fazer muita coisa. Só pude chamar alguém. — O importante é que você estava lá! — disse Ginny Ryles, enfática. — São esses cortes no orçamento que estão acontecendo aqui que causaram isso a Projeto Revisoras

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Will. — E bem provável que tenha sido uma das causas — concordou Abby, sendo mais ou menos aquilo que estivera pensando naquela manhã. — E absurda essa idéia de se terceirizar o serviço de radiologia do hospital sem nem sequer dizerem à equipe de profissionais o que foi planejado — prosseguiu Ginny Ryles, veemente, como se tivesse estado à espera de conversar com alguém sobre aquilo. Abby meneou a cabeça, enquanto o dr. Contini se manteve em silêncio. — Não duvido que tenha sido isso nem por um momento — declarou a mulher. — Ele não falou sobre outra coisa durante semanas. Todo esse estresse acaba afetando uma pessoa. — Sim — concordou Abby, identificando a frustração naquelas palavras. Blake Contini pegou o braço da sra. Ryles com gentileza. — Venha comigo até a lanchonete do hospital. Vamos tomar um café. Poderemos conversar lá. A dra. Gibson precisa ir para o departamento de clínica geral. — Obrigada, Blake. Está sendo muito atencioso. — Dra. Gibson — Ele virou-se para Abby —, eu a verei na clínica daqui a pouco. Tenho que ir ver alguns pacientes lá. Explicarei ao dr. Wharton sobre o tempo que você se ausentou e falarei do paciente que visitaremos às onze horas. — Obrigada. Bem, até logo, sra. Ryles. É provável que eu volte para ver o dr. Ryles mais tarde. Ele está em boas mãos. — Torno a lhe agradecer, dra. Gibson. Planejo passar a maior parte do dia aqui com Will. Minha preocupação só aumentará se eu ficar em casa — falou Ginny Ryles com um suspiro. — Tudo indica que Will vai se recuperar — assegurou-lhe o dr. Contini, enquanto Abby o via com novos olhos. Sim, estava claro que ele podia ser charmoso. Ela se perguntou por um momento como seria tornar-se o objeto daquele charme.

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— Obrigada por suas palavras — declarou a sra. Ryles, tentando soar esperançosa. — Aqui estou eu, voltada para minhas preocupações, mas e quanto a você, Blake? Como vai Kaitlin? Houve alguma mudança? — Não, nenhuma. — E há a possibilidade de haver alguma? — Duvido muito. Enquanto Abby se encaminhava ao departamento de clínica geral, perguntouse o que teria significado aquele final de conversa. Era evidente que o dr. Contini conhecia o dr. Ryles e a esposa havia muito tempo. Ela soltou um suspiro, olhando para seu relógio de pulso e fazendo um esforço para concentrar-se no trabalho à sua espera na clínica. Ansiava por fazê-lo. Quem, afinal, era Kaitlin? A pergunta martelava em sua mente. Não podia evitar. O que a intrigara também fora o tom de voz de Blake Contini quando respondera: "Não, nenhuma". A voz soara sombria, desprovida de emoção. A clínica do dr. Wharton estava em plena atividade quando chegou lá. Os jovens residentes do departamento de clínica geral, como ela própria, recebiam novos pacientes para poderem fazer históricos detalhados, vários exames físicos, pedir exames de sangue, de urina, raios X, quando preciso, e tudo mais que fosse necessário antes que o médico encarregado, naquele caso o dr. Wharton, visse cada paciente para confirmar, ou questionar, o diagnóstico preliminar. Aquele sistema poupava aos médicos bastante tempo e também servia como ótimo treinamento para os residentes. — Bom dia, Sue. — Abby sorriu para a recepcionista sentada à mesa da sala de espera daquela clínica. — Lamento estar atrasada. Há algo interessante para mim? Eu terei que sair outra vez por algum tempo por volta das onze horas para ir ver um paciente na ala leste 2, um dos pacientes do dr. Contini que foi debatido numa apresentação que perdi. Ele tem muitos pacientes aqui nesta manhã? Embora Abby sentisse o rosto corando quando fez a pergunta, e ainda estivesse um tanto desconcertada com tudo o que acontecera naquela manhã, achou bom estar na relativa quietude da clínica. Começava a relaxar, Projeto Revisoras

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sua habitual confiança retornando. Aquele era seu território. — Olá, dra. Gibson. — Sue, a jovem e eficiente recepcionista, sorriu de volta. — Vai ser um daqueles dias, acho eu. Há vários casos interessantes para você. Aqui está o seu primeiro. — Ela entregou-lhe uma pasta que continha os dados básicos do paciente e a queixa inicial. — O dr. Contini tem dois pacientes para ver aqui. Ele me disse que estaria disponível para esclarecimentos de dúvidas se alguém deste departamento desejar consultá-lo. — Isso é ótimo! Talvez eu aproveite essa oferta, se o dr. Wharton estiver ocupado. Obrigada. — Abby abriu a pasta para ver o nome do paciente, tomada pelo entusiasmo em poder trabalhar com Blake Contini, embora ainda sentisse alguns resquícios de irritação em relação ao homem. O dr. Wharton estaria ali na clínica, além de dois outros residentes do departamento como ela. No momento, não havia sinal deles. Sem dúvida, já estariam nos consultórios que lhes eram designados, atendendo pacientes. — Sr. Barlow — chamou Abby, olhando em torno da sala de espera. — Gary Barlow. Um homem magro levantou-se de uma cadeira, meneando-lhe a cabeça. Ela o conduziu até seu consultório. — Tire seu casaco, sr. Barlow. Sente-se ali diante da mesa. Sou a dra. Gibson. Eu o examinarei primeiro, anotarei as informações e, depois, o dr. Wharton irá vê-lo. Com a pasta aberta na mesa à sua frente, Abby leu a principal queixa que aquele paciente tinha. Estava escrito: "tosse crônica persistente". Tinha sido anotado por Sue através da própria descrição do paciente sobre o que estava errado com ele. Muitos dos pacientes chegavam ali sem nenhuma carta de referência de nenhum outro médico. Simplesmente telefonavam para o hospital, pedindo para ver um clínico geral. Munindo-se de caneta e papel, Abby perguntou-lhe a respeito da tosse crônica e quaisquer outros sintomas associados a ela. Escreveu durante os minutos seguintes enquanto o homem falava, descobrindo que ele tinha a tosse havia cerca de um ano, que fumava quarenta cigarros por dia e que

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nunca tirara uma chapa dos pulmões. Ela não deixava de se surpreender com o fato de que a maioria das pessoas que fumavam tanto ignorava todas as estatísticas sobre os fumantes e o câncer de pulmão. Era como se achassem que, de algum modo, podiam se dissociar do problema, como se não lhes dissesse respeito. Até o dia em que era tarde demais... Infelizmente, aquela era uma maneira de pensar comum também em relação a outras doenças. Na verdade, não deveria ficar surpresa, sabendo que a nicotina era uma droga poderosa que viciava, embora geralmente não fosse considerada assim. Ela continuou fazendo as perguntas pertinentes, tomando o cuidado de manter a voz neutra, sem nenhum indício de julgamento. Às vezes, os pacientes se levantavam e saíam se houvesse algum sinal de julgamento negativo sobre seu comportamento, passado ou presente. O sr. Barlow não via um médico havia muitos anos e era do tipo que não parecia se importar com sua saúde. Quando terminou as perguntas, Abby solicitou-lhe exames de sangue e preencheu um formulário para que tirasse uma chapa dos pulmões naquele dia no hospital. Orientou-o a marcar nova consulta quando os resultados ficassem prontos. Tomou todo o cuidado para não dar o menor indício de que ele poderia ter câncer no pulmão, o diagnóstico que achava mais provável. Também poderia se tratar de bronquite, tuberculose ou de enfisema crônico, uma doença nos pulmões causada tanto por repetidas inflamações no peito como pelo fumo. Depois que lhe fez um exame detalhado, ligou para a recepcionista para informá-la de que já estava pronta para conversar com o dr. Wharton sobre aquele paciente. — Ele acaba de entrar no consultório de um dos outros residentes — informou-a Sue. — Pode ser que o dr. Contini esteja disponível no momento. Gostaria de falar com ele? — Bem... sim, se estiver tudo certo com o dr. Wharton. — Abby sentiu-se corando outra vez, algo com que não estava acostumada. Na verdade, orgulhava-se de seu controle. — O dr. Wharton está de pleno acordo. Está atrasado, e o dr. Contini quer

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ficar a par dos assuntos daqui. Enquanto esperava pelo dr. Contini, Abby ligou para o departamento de raio X para marcar um horário para Gary Barlow, enfatizando que precisava da chapa naquela manhã. Como poderia ser tirada rapidamente, deram-lhe um horário que coincidiria com o término da consulta do sr. Barlow na clínica geral. O dr. Contini entrou após uma rápida batida à porta. — Em que posso ser útil, dra. Gibson? — Poderia verificar o histórico que preparei do paciente, por favor? — pediu Abby, entregando-lhe suas anotações. — E o que o dr. Wharton faz. Observou-o enquanto ele se inclinava para ler as anotações, os braços fortes apoiados na mesa. — Você faz um bom histórico. — É claro. — Abby apertou os lábios de leve. — Sou bem conhecida por meus bons históricos... entre outras coisas. Eu sublinhei meu diagnóstico provisório. — Aproximando-se, apontou para o que havia escrito, não querendo dizer nada na frente do sr. Barlow. Afastou-se rapidamente, então, dando-se conta de que Blake Contini sabia que estava se distanciando dele. Viu-o sorrindo de leve e pareceu haver um quê de tristeza naquele sorriso. De imediato, Abby se arrependeu de ter apertado os lábios, de seu ar altivo, porque, afinal, ela não era realmente daquela maneira. Mais uma vez aquele nome surgiu-lhe na mente... Kaitlin. Quem seria? A esposa dele, talvez? Uma criança? Lembrou-se da pergunta da sra. Ryles: Houve alguma

mudança? E da voz soturna dele respondendo: Não, nenhuma. Soube que não queria que o dr. Contini fosse casado, nem comprometido de maneira alguma. Aquilo significava que sua própria força de vontade estava esmorecendo. E ainda tinha longos meses de residência pela frente. — Agradeço sua ajuda — disse. — Talvez haja algo que deixei passar. — Veremos — falou ele, tirando o estetoscópio do bolso do avental. — Olá, sr. Barlow. Sou o dr. Contini. Pelo que li, tem uma tosse crônica, certo? Projeto Revisoras

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Eram onze e cinco quando ela chegou ofegante à ala leste 2, tendo decidido acompanhar o sr. Barlow até o setor de raio X, apenas para se certificar de que não deixaria o hospital sem tirar sua chapa. Depois, ainda atendera mais dois pacientes. — Se está à procura do dr. Contini — disse uma enfermeira, fazendo um gesto na direção do corredor —, ele foi por ali. Está no quarto seis. ;

— Obrigada.

— Estamos mantendo aquele paciente, o sr. Simmons, em isolamento. Vai encontrar as coisas que tem que colocar na ante-sala. Havia um pequeno painel de vidro na porta do quarto seis, por onde Abby viu Blake Contini, usando uma bata comprida, touca e máscara e conversando com o paciente. O sr. Ralph Simmons, homem com pouco mais de sessenta anos, tinha leucemia, doença que o deixava anêmico, debilitado, e, portanto, mais suscetível do que o normal a infecções que poderia contrair de outras pessoas. Abby colocou uma bata na pequena ante-sala, cobrindo as próprias roupas, depois a touca e a máscara. Finalmente, pôs um par de luvas de látex. — Ah, dra. Gibson — disse o dr. Contini ao vê-la entrando no quarto —, estávamos à sua espera. — Bom dia. — Ralph Simmons esboçou um sorriso cansado. — Bom dia — respondeu ela, colocando-se ao lado de Blake Contini, que segurava a ficha do paciente. -^ Você teve tempo para ler a folha impressa de computador que eu lhe dei hoje cedo? — perguntou o dr. Contini. — Sim, tive. — Ótimo. Aqui está a ficha com o histórico médico. — Ele entregou-lhe a ficha para que ela pudesse ler a respeito do paciente mais detalhadamente, ver os resultados dos exames de sangue que haviam sido feitos até então para se chegar ao diagnóstico e avaliar o grau de desenvolvimento da doença. — O sr. Simmons conhece seu diagnóstico.

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Aquilo significava que podiam conversar a respeito na frente do paciente. — Como está se sentindo, sr. Simmons? — perguntou ela. — Muito cansado. Antes de ter entrado na faculdade de medicina, Abby tivera a impressão de que geralmente eram crianças que sofriam dos vários tipos de leucemia conhecidos. Somente mais tarde descobrira que a doença era igualmente comum em adultos, especialmente nos mais velhos. Na verdade, a incidência da doença dava-se mais na faixa dos sessenta e dos setenta anos. Sabia agora que o prognóstico para uma pessoa com mais de sessenta anos não era tão bom quanto para alguém mais jovem, principalmente porque quanto mais velha fosse uma pessoa menos capacitada seria fisicamente para

tolerar

os

efeitos

colaterais

dos

potentes

tratamentos

de

quimioterapia que eram necessários para que a doença regredisse. — Como tenho certeza de que vocês sabem — começou o dr. Contini, dirigindo-se a ela e ao paciente —, a causa da leucemia aguda é desconhecida, embora tenha havido ligação com produtos químicos tóxicos em alguns casos. Temos discutido o futuro tratamento possível, dra. Gibson. — Entendo— disse ela. O sr. Simmons meneou a cabeça, seus olhos no dr. Contini. Antes de sua internação no hospital, soubera do diagnóstico provável através de seu clínico geral e insistira para que lhe dissessem a verdade. — De quanto tempo estamos falando aqui? — perguntou ele. — Bem, a leucemia aguda pode se desenvolver em três meses — respondeu o dr. Contini, enquanto Abby mantinha o olhar na ficha. — O que parece ter sido o seu caso. — Exato — murmurou o paciente. Homem bastante inteligente, ao que parecia, teria uma boa idéia de suas chances de recuperação. — Ele foi submetido a diversos exames — comentou Abby, levando a ficha até o final da cama e ficando ali, observando-a. — Sim — murmurou o dr. Contini, colocando-se a seu lado, enquanto examinavam juntos os resultados dos hemogramas. Projeto Revisoras

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— Como você sabe, na boa medicina, ao se fazer um diagnóstico, deve-se pensar nas coisas mais comuns primeiro antes de se chegar às mais raras e às exóticas. Essa é a razão de todos esses exames de sangue. — Sim — concordou ela, consciente da proximidade de ambos. — Você deve conhecer o ditado que se usa no que diz respeito a diagnósticos: "Quando ouvir o som de galope, pense em cavalos, não em zebras". Abby sorriu. — Sim, conheço. E certamente não se deve pensar em unicórnios — algo a fez acrescentar. — Exato. — Ele sorriu de leve em resposta. — Não que a leucemia seja difícil de se diagnosticar. Mas temos que ter certeza de qual é o tipo. Ela meneou a cabeça. — O sr. Simmons está neste quarto há dois dias, esperando pelos resultados de mais hemogramas. Vim para falar sobre o tratamento com ele. Há perguntas que queira lhe fazer? Embora a maior parte das informações já estivesse na ficha, Abby preferiu ouvi-las diretamente do paciente, percebendo que ele tinha necessidade de falar a respeito. O sr. Simmons também se mostrava ávido por informações, como se aquilo pudesse ajudá-lo a combater a doença, ao menos psicologicamente. Depois que ele respondeu suas perguntas relativas a sintomas e ela lhe falou detalhadamente a respeito da doença, o dr. Contini concluiu, explicando sobre o tratamento planejado: — O que vou fazer, sr. Simmons, é aumentar a sua resistência geral antes de iniciarmos a quimioterapia. Se concordar com isso, é claro. Como está muito anêmico, vou lhe fazer uma transfusão de sangue, juntamente com plasma que ajudará na função de coagulação do seu sangue, que fica comprometida com essa doença. — E quando será isso? — Começaremos nesta tarde. Depois de feitas as transfusões, discutiremos Projeto Revisoras

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a etapa seguinte do tratamento. Se nos decidirmos pela quimioterapia mais tarde, receberá uma combinação de medicamentos por um período de cinco a dez dias. É a chamada "terapia de indução". — Já li algo a respeito — disse o sr. Simmons com ar grave. — É um tratamento que mata todas as células anormais, certo? Ou quase todas? Acho que faz com que a pessoa se sinta muito indisposta e causa a queda do cabelo. Blake Contini confirmou com um gesto de cabeça.

CAPÍTULO III

Quando a visita ao paciente terminou e os dois saíram novamente para o amplo corredor, já sem as vestes de proteção, Blake Contini puxou Abby de lado e perguntou-lhe sobre os aspectos da doença. — Como você faria um diagnóstico final aqui, dra. Gibson? — indagou, estudando-a com aqueles inquietantes olhos azuis. Ela limpou a garganta, quase se sentindo como uma aluna prestes a fazer um exame. Ao mesmo tempo, estava grata por aquela oportunidade de aprender... mesmo que seus sentimentos em relação ao professor estivessem um tanto confusos. Não havia tempo no momento para lidar com aquilo. — Bem, há células anormais no sangue e na medula óssea. Os exames para detectar isso foram decisivos. As células na medula óssea nunca amadurecem além do nível de mieloblasto. — Fitou-o nos olhos, confiante, motivada pelo assunto. — E, é claro, as células que se proliferam da leucemia acumulam-se na medula óssea, eventualmente suprimindo a produção das células normais de sangue e dos elementos normais de medula. — Sim. — Ele tem evidência de coagulação anormal de sangue — prosseguiu ela, Projeto Revisoras

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explicando habilmente demais conseqüências daquele quadro. O sr. Simmons manifestara dois sinais clínicos comuns: baço e fígado distendidos. Não a deixara com a menor dúvida a respeito quando o examinara. Eram evidências de uma doença no sangue. Também comentou a respeito com o dr. Contini. — Está certa, dra. Gibson. E, depois das transfusões de sangue que lhe fizermos, como você procederia com o tratamento? — Bem, eu faria a quimioterapia que você mencionou... desde que ele estivesse apto a recebê-la. Precisaríamos realmente elevar-lhe a resistência primeiro, incluindo, provavelmente, a administração de antibióticos para tentarmos livrá-lo de infecções residuais, em especial se ele tiver algum problema gastrointestinal. — Sim... ótimo. Posso ver que sabe bem a sua lição, dra. Gibson — concedeu Blake Contini, abrindo-lhe um pequeno sorriso que lhe iluminou o semblante fechado. Haviam se afastado bastante da porta do quarto seis para falarem sobre o paciente, mas, ainda assim, Abby olhou naquela direção, sentindo uma familiar compaixão. — Pelo que entendi, ele era um homem que tinha uma ótima forma antes disto — comentou. — Não fuma e sempre se exercitou regularmente. — Sim. Veremos o que as transfusões farão por ele nos próximos dois dias. Tento transmitir o máximo de esperança possível para esses pacientes. Mas cada caso é diferente do outro e podemos falar apenas em probabilidades. — Sim. — O problema é que não há nada que o impeça de pegar um livro de medicina e ler sobre as probabilidades para si mesmo. — E evidentemente o sr. Simmons já leu algo a respeito. — Você acha que ele seria um candidato para um transplante de medula óssea? — Estatisticamente falando... não tenho certeza — respondeu Abby, pensativa. — A idade não está a favor dele. Fico me perguntando como o sr. Simmons reagiria aos medicamentos que seriam necessários antes do

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transplante. Mas eu não desejaria descartar a possibilidade. — Está correta em suas considerações. Bem, veremos como o quadro evolui. Antes de começarmos a quimioterapia, precisamos fazer outro exame do fígado e nos certificarmos de que a função renal está em ordem. Um pequeno silêncio seguiu-se, enquanto outros funcionários do hospital passavam atarefados em ambas as direções. — Bem... — disse Abby, pensando na clínica geral, mas com uma estranha relutância em encerrar aquela verdadeira aula. — Obrigada por ter revisto este caso comigo. Acho que devo voltar... O dr. Contini consultou seu relógio de pulso. — Era o mínimo que eu podia fazer uma vez que você perdeu a apresentação por causa de Will Ryles. Uma rápida xícara de café viria a calhar, não acha? — Sim, sem dúvida. — Vamos até o meu escritório — sugeriu ele, descontraído. — Assim, poderei questioná-la a respeito de suas atitudes. — O sorriso que lhe abriu surpreendeu-a mais uma vez, assim como também aquela tendência de provocá-la gentilmente de um minuto para o outro. Ao que tudo indicava, estivera errada em sua primeira impressão. O dr. Contini não era arrogante como parecera. Na verdade, não sabia direito o que pensar a respeito dele. Duas coisas eram certas: o homem era bastante atraente e conhecê-lo seria um desafio, profissional e pessoal. — Você disse que era boa em outras coisas além de fazer históricos. — Ele parecia determinado a afastar o clima um tanto soturno gerado pelo estado do sr. Simmons. — Fale-me um pouco sobre o que são essas outras coisas, — Segurou-lhe o cotovelo de leve, indicando que deviam caminhar e conversar ao mesmo tempo. — Bem...-— Apreciando aquele toque, ela caminhou devagar. — Sou bastante boa em meio a uma crise. — Lançou-lhe um olhar, desafiando-o a contradizê-la, seus lábios se curvando num sorriso involuntário. — Imagino que sim — concedeu ele, pensativo, sua voz um tanto rouca. Projeto Revisoras

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— Mesmo achando que sou um pouco desajeitada? — O sorriso dela alargouse. — Foi você quem disse isso. Eu teria usado uma palavra mais lisonjeira. — Não sei se acredito. Enquanto deixavam o corredor principal do segundo andar, entrando por um corredor secundário até onde se situava o departamento de medicina interna, Abby perguntou-se, com certo nervosismo, o que mais ele iria querer saber a seu respeito. Começou a achar que deveria ter recusado o convite para uma xícara de café. — O dr. Wharton vai se perguntar por que estou demorando tanto — comentou, enquanto ele a conduzia a seu acolhedor escritório. — Falei com o dr. Wharton. Não haverá problema. Afinal, este é um hospital-escola. Você não me disse no que mais é boa... fora do trabalho. Gosto de conhecer os meus novos colegas. — Bem... Sou boa em jardinagem e faço uma excelente torta de morangos quando tenho disposição para isso, Ele riu, divertido. — Talvez você deixe que eu experimente sua torta algum dia desses. Quer um café? — Sim, por favor. Estou ansiosa por um café e comecei a achar que você não me ofereceria nenhum, afinal. — Tentando encobrir algum sinal de sua crescente atração por ele, Abby baixou o olhar para sua valise e virou-se, colocando-a sobre a mesa. — Um café agora em troca de uma fatia de torta de morangos numa data ainda a ser especificada. Certo? — O tom dele era descontraído. — Certo — respondeu ela sem pensar, ciente apenas de que seu coração batia depressa e de que queria poder vê-lo fora do ambiente de trabalho. — Voltando a assuntos sérios, fale-me sobre sua ética pessoal — pediu ele, abrindo a garrafa térmica para preencher duas xícaras com o café fumegante. — Gostaria de se sentar... ficar mais confortável? — Eu... prefiro ficar de pé. Projeto Revisoras

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— Já notei. — Ao vê-la corando, ele sacudiu a cabeça como se censurasse a si mesmo. — Fiz isso outra vez, não foi? Como já disse antes, não quero ser descortês. Às vezes, sem me dar conta, acabo sendo... insensível com as mulheres. — Está tudo bem — insistiu Abby. Repassou, então, na mente as muitas normas para a boa medicina que adotara para si mesma, tentando responder a pergunta. Levou a xícara que ele lhe entregara aos lábios, sorvendo um gole de café. — Quanto à minha ética... — começou. — Bem, eu não forço nem induzo um paciente a fazer um tratamento que realmente não queira, mesmo que o prognóstico sem ele não seja dos melhores. Às vezes, "tratamentos" podem matar. Há risco em muitos. Se um paciente quer uma segunda ou terceira opinião antes de concordar com um tratamento ou operação, certifico-me de que a obtenha. O dr. Contini bebericava seu café, enquanto a observava com ar pensativo, sua expressão indecifrável. — O que acha da eutanásia? — perguntou-lhe inesperadamente. Por alguns instantes, ela estudou-o, tendo a inexplicável impressão de que havia algo além de mera curiosidade sobre suas opiniões naquela pergunta. — Eu sei que alguns médicos são a favor da eutanásia — disse devagar, evitando aqueles perscrutadores olhos azuis por um momento. — Não é o meu caso. — Diga-me por quê. — Bem, não sou exatamente religiosa, mas acho que o mandamento "não matar" influi decisivamente na minha filosofia pessoal. E eu não analisei o assunto muito a fundo. Por experiência, sei que as pessoas não querem que a vida lhes seja tirada. Na verdade, querem um alívio para a dor. Todos amamos a vida e nos apegamos a ela. — Concordo com você plenamente. Não cabe a nós tirar uma vida. — Havia um tom grave na voz dele, como se aquele fosse um assunto que tivesse sido forçado a considerar muitas vezes. E Abby pressentia que provavelmente Projeto Revisoras

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teria sido o caso. Encorajada, sentiu as faces corando enquanto revelava seus pensamentos, esforçando-se para encontrar as palavras adequadas. — Para mim, a confiança que um doente tem em seu médico é sagrada e jamais, em circunstância alguma, deve ser traída, Como você diz, não cabe a nós tirar uma vida. Não temos o direito de exercer esse tipo de poder sobre a vida alheia. Seria inconcebível. Ele assentiu com um gesto de cabeça, sem dizer nada. O silêncio que se seguiu pareceu estar carregado de uma peculiar compreensão entre ambos. De repente, Abby lembrou-se do pressentimento que tivera na sala de palestras. Mordeu o lábio inferior, indecisa, olhando para a xícara que segurava. Queria sair, mas parecia não conseguir reunir a energia necessária para fazê-lo. Então, sentiu-lhe os dedos firmes tocando os seus enquanto ele pegava sua xícara. — Obrigado por conversar comigo. Deixe-me servir-lhe mais café, o seu deve estar frio. Tenho lhe feito perguntas demais, não é? Aquele toque deixou Abby ainda mais sem ação. Não podia entender o que estava lhe acontecendo. O dr. Contini entregou-lhe uma xícara de café fumegante. — Tome. Não direi mais uma palavra enquanto você não beber isto. — Você de fato faz muitas perguntas. E várias de natureza pessoal — disse ela, reunindo coragem, mas evitando fitá-lo. — Imagino se também costuma dar respostas tão abertamente. — Beba seu café, dra. Gibson. Pode não ter outra chance. — Ambos se entreolharam, enquanto sorviam o bem-vindo café, avaliando um ao outro. Ela foi a primeira a desviar o olhar. — Eu terei prazer em responder quaisquer perguntas que queira me fazer. Numa outra ocasião. Houve uma batida à porta. — Pode entrar.

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— Ah, aí está dr. Contini — disse uma secretária junto à porta entreaberta. — Há um telefonema para você do Hospital Geral de Gresham. Querem lhe falar imediatamente. Devo passar a ligação aqui para sua sala? — Sim, por favor — disse ele, após um mínimo de hesitação. Enquanto atendia o telefone um momento depois, pareceu a Abby que o dr. Contini desligou-se totalmente dela e da situação presente, concentrando-se apenas em quem estava do outro lado da linha. Quando a fitou tinha uma expressão neutra no rosto, como se mal a visse, enquanto ela se preparava para sair. — Obrigado por ter vindo, dra. Gibson — disse ele formalmente. — Estaremos conversando dentro de alguns dias sobre o sr. Simmons. — Obrigada, dr. Contini. Enquanto deixava o escritório, Abby se perguntou se ele também trabalharia no outro hospital, embora aquilo a surpreendesse. Tinha quase certeza de que o cargo que ocupava no Hospital Universitário lhe tomava todo o tempo. Talvez fosse apenas o telefonema de um colega pedindo-lhe uma opinião. Ela mesma ia ao Hospital Geral de Gresham ocasionalmente como parte de seu programa de treinamento. Descendo até o térreo, onde ficava o departamento de clínica geral, tornou a refletir sobre o caso do sr. Simmons. Era evidente que todo o possível seria feito para que ficasse curado. O homem estava em boas mãos. Teve que admitir que o dr. Contini era muito bom no exercício de sua profissão... muito bom de fato. Enquanto rumava para o refeitório do hospital para o almoço, depois de ter visto mais alguns pacientes, Abby encontrou a sra. Ryles num dos corredores. — Olá, dra. Gibson. Ainda estou aqui, como pode ver. Abby abriu-lhe um sorriso, notando o cansaço no rosto da mulher. — Como está o dr. Ryles? — Seu quadro é estável. E não sente nenhuma dor, felizmente. — Ótimo. Se houver algo que eu possa fazer para ajudar, por favor me Projeto Revisoras

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avise. — Embora fosse uma residente, sem nenhuma influência política dentro do hospital, Abby achou que talvez houvesse algo que pudesse fazer, com a ajuda dos demais, sobre a ameaça de cortes de custos no departamento de radiologia. — Bem... no que diz respeito ao emprego de Will, talvez você pudesse conversar com Blake — disse Ginny Ryles. — Ele tem sido tão bom para nós, apesar de ter tido aquele problema terrível... tudo o que aconteceu com Kaitlin — lamentou. — Eu... — começou Abby, intrigada. Quem era Kaitlin?, perguntou-se outra vez. A sra. Ryles não lhe deu oportunidade para indagar a respeito, talvez presumindo que ela soubesse do assunto. — Quem poderá falar em favor dos pacientes, ou dos profissionais do hospital, com os homens de negócios no comando? — ainda acrescentou a sra. Ryles com veemência, antes de começar a Se afastar pelo corredor. — Diga-me!

CAPÍTULO IV

Aquelas palavras ficaram martelando na mente de Abby. Não havia garantia de que o departamento de clínica geral não seria afetado por causa dos cortes no orçamento. Não era um setor muito lucrativo para o hospital atualmente. E aquele parecia ser o critério principal para a sobrevivência. Como a maioria dos funcionários do hospital, no momento, ela estava confusa, sem respostas. Tentando afastar tudo aquilo de sua mente por ora e concentrar-se nos cuidados aos pacientes, voltou ao trabalho. Bem mais tarde, destrancou a porta de seu pequeno apartamento, carregando sua valise de couro, três sacolas de compras do supermercado, além de uma maleta. Nas duas noites anteriores, dormira no alojamento do Projeto Revisoras

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hospital, que acolhia médicos, técnicos, enfermeiras e outros funcionários que ficavam de plantão à noite e nos finais de semana. Membros do seu grupo faziam poucos plantões. Já passava das sete da noite, e estava exausta. Fora um dia longo, cansativo. Tudo o que podia pensar no momento era em arrumar algo para comer e beber... estava faminta novamente. Deixando as coisas que carregava no sofá da sala, adiantou-se até a pequena cozinha e serviu-se de meio copo do vinho branco que tinha na geladeira. Sentou-se, então, numa poltrona, tirou os sapatos e colocou os pés na mesa de centro. — Ah... felizmente, é sexta-feira — disse, sorvendo um pouco do vinho e, então, recostando-se na poltrona com os olhos fechados e deu um suspiro de contentamento. Levaria mais do que alguns minutos para relaxar depois de um dia tão atarefado. Fora ainda naquela manhã que encontrara o dr. Ryles caído no corredor? Pareciam ter-se passado dias em vez de horas. Suas conversas com o dr. Contini também tinham-na deixado inquieta. Por alguma razão, não conseguia tirá-lo de sua mente. Aquele fato irritava-a extremamente. Queria relaxar durante o fim de semana, não pensar no trabalho... nem em quanto Blake Contini era bonito, com seu corpo atlético e bem-proporcionado, seus olhos de intenso azul... — Oh, droga — disse em voz alta. — Pare de pensar naquele homem. Quando o telefone tocou, dez minutos mais tarde, sabia que era sua amiga Cheryl, que morava no mesmo prédio. Ambas tinham uma rotina nas noites de sexta-feira quando estavam de folga. Revezavam-se no preparo do jantar e, depois, saíam para tomar um café numa lanchonete, quando não estavam exaustas demais. As vezes, Cheryl levava um namorado. Geralmente, formavam um pequeno grupo, pois alguns dos outros residentes, de ambos os sexos, moravam naquele prédio. Era de fácil acesso ao hospital, situando-se perto de uma estação de metrô. Não havia nenhum homem em especial de quem Abby gostasse além da amizade. Era como queria manter as coisas por ora.

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— Sim, Cheryl, eu sei que é a minha vez de fazer o jantar — disse ela ao atender o telefone sem se preocupar em dizer olá primeiro. — Acabei de chegar. Você poderia ter esperado um. pouco mais. Eu preciso de pelo menos meia hora para relaxar. Como não houvesse resposta do outro lado da linha, prosseguiu: — Foi um dia difícil com o prepotente Blake Contini me policiando daquele jeito. Eu gostaria que você tivesse estado lá quando tive que ir ver o paciente. O dr. Contini quase me tratou como se eu fosse uma estudante de medicina, bombardeando-me de perguntas... e na frente do paciente. Mas acho que não posso me queixar. Aprendi alguma coisa. Fez uma pausa para recobrar o fôlego e sorver mais um pouco de vinho. — Hum... este vinho é ótimo. Talvez eu guarde um pouco para você, Cheryl, especialmente se vier me ajudar no preparo do jantar. Que tal? O silêncio se prolongou do outro lado. — Cheryl? — Aqui não é Cheryl — disse uma possante voz masculina, quase fazendo Abby derrubar seu copo de vinho. — É o "prepotente Blake Contini". — Oh, céus! — exclamou ela, mortificada. — Eu... não fazia idéia. Lamento muito. Como conseguiu o meu telefone? E por quê? — Rapidamente, tentou se lembrar de alguma coisa que ele tivesse me pedido e que acabara esquecendo, mas não lhe ocorreu nada que tivesse deixado de fazer. — Bem, dra. Gibson, conseguir o seu número não foi difícil. Eu havia planejado dar-lhe uma incumbência hoje de manhã, antes de ter recebido aquele telefonema no meu escritório. Sentindo-se tensa outra vez, Abby engoliu em seco, tendo sido apanhada totalmente de surpresa. Teve a impressão de que havia um quê quase imperceptível de humor na voz dele. Esperou estar certa. Alguns dos médicos se ressentiam do fato de terem que ensinar os residentes, mas, refletindo a respeito, achou que aquele não era o caso do dr. Contini. Naquela manhã, na visita ao sr. Simmons, ele parecera apreciar genuinamente o papel de mentor, mesmo tendo sido um pouco dominador.

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— Oh... está certo, então. Por um momento achei que tivesse negligenciado algo que me pediu. Eu ficaria satisfeita em ter uma incumbência. Seria relacionada ao sr. Simmons? O silêncio tornou a se prolongar, e ela se perguntou porque o homem a estava deixando tão nervosa. Já lidara com colegas de todos os níveis, alguns donos de uma certa arrogância profissional. Tinha quase orgulho de sua habilidade em ter um bom relacionamento profissional com todos. — O que é exatamente no meu comportamento que acha prepotente, dra. Gibson? — Bem, eu... Na verdade, foi um equívoco da minha parte. Estava apenas gracejando. Você sabe como é. Pensei que estava falando com minha amiga Cheryl — explicou ela, esforçando-se para controlar o nervosismo. — Ora, vamos,— disse ele, sarcástico. — Pode dizer o que pensa. Não acho que seja tímida. Pelo contrário. Àquela conversa já fora longe demais. — Ouça, eu lamento muito. Não falei a sério. Não tenho nenhuma crítica a você, nem ao seu comportamento. Agora, por favor, eu ficaria contente em saber sobre a incumbência que tem para mim. — De qualquer modo, eu gostaria de uma resposta para minha pergunta — declarou ele, a voz soando firme do outro lado da linha. Como se aqueles penetrantes olhos azuis pudessem vê-la no momento, Abby sentiu o rubor tingindo-lhe as faces. — Está certo. Você presumiu, ao me ver pela primeira vez, que eu havia chegado atrasada deliberadamente à sessão de apresentações. E me tratou com arrogância por causa disso. E eu sou uma residente, não uma estagiária. —- Bem, quando alguém está atrasado, eu presumo simplesmente que está atrasado, se entende o que quero dizer. — O toque de humor parecia ter voltado à voz de Blake Contini. — E sei que não é uma estagiária, dra. Gibson. De qualquer maneira, peço-lhe desculpas por ter parecido prepotente. Acontece apenas que levo meus deveres bastante a sério. Seria bom que você se lembrasse disso; comentário que, percebo, vai achar prepotente. — Pareceu estar sorrindo naquele momento. — Agora, vamos à sua Projeto Revisoras

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incumbência. — Só um instante. Devo anotar algo? O dr. Contini riu. — Acho que é bastante capaz de guardar isto em sua memória. Só quero que me escreva uma projeção do tratamento do sr. Simmons e do possível resultado, começando com o tratamento prévio à quimioterapia. Você viu os resultados dos exames de sangue, dos quais, espero, irá se lembrar, uma vez que não contêm nada muito fora do comum. Quero dizer, são típicos do diagnóstico dele. Irá encontrar exemplos nos seus livros. — Eu me lembro dos exames. É só isso? — Sim. — E para quando quer essa projeção? — Eu gostaria de recebê-la na segunda-feira, se possível, uma vez que o tratamento estará começando de imediato. Não quero estragar seu fim de semana, mas creio que isso não lhe tomará muito tempo. — Sim, está certo — concordou ela, pensando nas outras coisas que planejara fazer, a maioria sendo de tarefas no apartamento. — Eu gostaria que você se mantivesse a par do progresso do sr. Simmons. Acho que se pode aprender muito quando se acompanha um caso por inteiro. Começaremos as transfusões de sangue no fim de semana. Assim, quando for vê-lo na segunda-feira, deverá perceber uma diferença no quadro. Ele estava presumindo que ela teria tempo para ver o sr. Simmons na segunda-feira. De qualquer modo, arranjaria o tempo necessário, pensou Abby. Tinha toda a intenção de acompanhar o caso, embora fosse um paciente de Blake Contini no departamento de medicina interna e não no seu. — Certo — disse mais controlada agora. — E começarei a projeção amanhã. — Você poderia me encontrar na segunda-feira, às oito e meia, na ala leste 2? — Sim, certamente — respondeu Abby, mantendo a voz neutra. Aquilo acabava com seus planos de dormir até mais tarde na segunda-feira, pois não precisara ir para o hospital cedo. — Tenho que estar na clínica por volta das dez horas. Projeto Revisoras

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— Isso nos dará bastante tempo. — Daquela vez, o sorriso foi evidente na voz dele. — Boa noite, dra. Gibson. Tenha um bom final de semana. — Estava sendo sarcástico? Ela teve vontade de lhe dar uma resposta ferina, mas conteve-se. — Obrigada. Boa noite. O dr. Contini foi o primeiro a desligar. Abby tornou a recostar-se na poltrona. — Maldição! — exclamou. — Por que não descobri quem estava ligando antes de ir abrindo a boca? Ele deve achar que sou ainda mais desajeitada agora! Soltou um profundo suspiro. Por alguma razão, queria que Blake Contini pensasse bem a seu respeito... e não apenas por ser um homem irresistivelmente bonito. Ela esvaziou o copo de vinho de um só gole no momento em que ouviu uma batida à porta. Tinha os olhos lacrimejando e tossia quando deixou Cheryl entrar. — O que houve? Está doente, ou algo assim? — indagou a amiga. — Se a resposta é sim, lamento muito, mas já tive minha cota de pacientes por hoje. — Tomei o vinho muito depressa — explicou Abby ainda tossindo. — E você não poderá dizer isso quando for clínica geral e estiver por conta própria nesse mundo frio lá fora. — Sim. Bem, até que esse dia chegue, manterei um horário normal sempre que puder — sorriu Cheryl, adiantando-se pelo apartamento. — Onde está o jantar? Como o seu telefone estava ocupado, decidi vir logo para me servir. — A eterna otimista — riu Abby. — Veja! — A amiga exibiu uma garrafa de vinho que escondia atrás de si. — Esta é a minha contribuição. — Ótimo! Bem que estou precisando. Cheryl tinha cabelos curtos, escuros e cacheados. Possuía um sorriso simpático e seus olhos azuis estavam sempre bem-humorados. Era direta e franca. Não tinha nada da dissimulação que havia em muitos colegas de ambos os sexos que tratavam uns aos outros como se tivessem que estar Projeto Revisoras

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em constante competição. — O jantar ainda não está pronto. Recebi um telefonema do dr. Contini. — O quê? Do dr. Contini? — Cheryl era toda ouvidos. — Sim. Enquanto preparavam um jantar simples na cozinha, Abby contou-lhe sobre seu dia, incluindo o inesperado telefonema e o fato de ter encontrado o dr. Ryles tendo um enfarte pela manhã. — Você certamente teve um dia complicado — comentou Cheryl ao final. — Will Ryles é uma excelente pessoa. Todos os tipos de coisas estranhas estão acontecendo no hospital com esses cortes de despesas. Eu gostaria de saber o que fazer a respeito de algumas delas. — Eu sei. Digo o mesmo. — Muitas pessoas não querem se envolver nem lutar contra o que está acontecendo enquanto não são diretamente atingidas pelas mudanças, apesar de estarem todas com medo. — Sim. É tão conveniente fingir que algo não é real enquanto não acontece com você — comentou Abby, pensativa. — Conveniente, mas enlouquecedor. Como você sabe, temos que enfrentar as coisas cedo ou tarde, pois todos acabamos sendo afetados algum dia. — Talvez, se o departamento de clínica geral for atingido ou até tiver que se mudar para outro lugar, o nosso grupo se envolva. — Esperemos que sim. Sabe, acho um tanto estranho que Blake tenha lhe telefonado. Duvido que tenha esse hábito. Talvez ele goste de você, Abby. Apesar de ser casado. — Ele é? — Bem, não sei ao certo. Mas acho que sim, você não? — Sim. — Acho que alguém mencionou que Blake tem filhos. Talvez seja divorciado. Abby manteve o olhar na salada que estava preparando, censurando a si mesma pela estranha sensação de perda que a dominou diante da Projeto Revisoras

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possibilidade de que Blake Contini fosse comprometido. O que lhe importava, afinal? Conhecera o homem naquele dia e poderia muito bem descobrir, dali a algumas semanas, que nem sequer gostava dele. — Você o chama pelo primeiro nome? — Não. — Cheryl riu. — Só pelas costas dele. Vamos comer. Depois, poderemos nos reunir ao pessoal e descer para um café. Algo me diz que você está precisando espairecer mais do que eu. — Tem razão. — Vamos jantar na sacada? A temperatura subiu bastante nesta tarde, felizmente. Já não era sem tempo para o mês de maio. — Boa idéia. Enquanto Abby levava os pratos e talheres para a varanda, onde tinha uma pequena mesa e algumas cadeiras, Cheryl colocou a comida e o vinho numa bandeja. Comeriam uma salada de macarrão, preparada com ervas aromáticas e azeite, e uma salada de folhas verdes, acompanhada de pão crocante e queijo. O pequeno apartamento ficava no terceiro andar. O prédio situava-se de frente para um parque, numa agradável área residencial, junto à uma rua de pequenas lojas e restaurantes acolhedores, onde a vida noturna era intensa, mas não havia problema com barulho. — Um dia, Cheryl — comentou Abby, pensativa, enquanto ambas olhavam para o parque — espero ter uma casa com um grande jardim... talvez um cachorro ou dois... um dia, quando ganhar realmente bem, em vez de estar sempre com o dinheiro contado. Estou tão cansada disso. — Quem está? — É claro que adoro este apartamento e tenho uma certa renda, embora deva ao banco e aos meus pais pelas despesas com os meus estudos. — É melhor não pensar no total que você deve, apenas faça seus pagamentos a cada mês. Também quero todas essas coisas. E um bom marido para acompanhar, é claro. Alguém como Blake Contini seria ótimo, não? — Cheryl soltou um riso divertido.

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Por alguma razão, Abby não teve vontade de rir. — Eu gostaria que você não tivesse dito isso. Tenho que me firmar na realidade, não ficar criando fantasias tolas. — Em primeiro lugar, tinha que continuar ganhando seu sustento... nunca esperara ter um marido para ajudá-la naquele sentido. — Você o achou atraente, não foi? — perguntou Cheryl, estudando-a. — Não se preocupe. Depois que ele tiver passado algumas semanas lá, metade das mulheres do hospital vai estar atraída por Blake também. — Eu não disse que estava atraída por ele. — Ah, mas ficaria se você se permitisse isso. Conheço-a muito bem. O problema é que insiste em afastar os homens. Já vi sujeitos caídos por você, mas tratou-os como se fossem seus irmãos ou algo assim. — Ora, pare com isso! — Abby sorriu, escondendo a verdade quanto a sua atração fulminante por Blake Contini. Jantaram num silêncio amistoso, cada uma refletindo sobre os eventos do dia. Abby deu-se conta de que seus pensamentos teimavam em girar em torno de Blake Contini e de sua gafe ao telefone. Talvez algo bom surgisse do fato de tê-lo deixado saber que o achara prepotente em princípio. Soube que se tivesse sonhos naquela noite, seriam inevitavelmente com ele. Mais tarde, voltando da lanchonete onde tomara café com um grupo de amigos, sentiu-se inquieta. Ansiando por se ocupar com algo, pegou seu livro de medicina geral a fim de refrescar a memória sobre os aspectos da leucemia aguda. Apesar do dr. Contini ter-lhe dito que não queria estragar seu fim de semana, era evidente que esperava um relatório substancial na segunda-feira de manhã. Não seria uma tarefa difícil, pois ela já possuía um bom conhecimento sobre o assunto. Decidiu fazer algumas anotações preliminares naquela noite. Procurando caneta e um bloco de papel em sua valise, deparou com um envelope fechado que não se lembrava de ter visto antes. Talvez fosse algo que guardara durante semanas, alguma cópia de relatório que pretendera arquivar. Não havia nenhum nome do envelope e, portanto, abriu-o. Encontrou uma carta escrita a mão:

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"Caro Blake, Foi gentil de sua parte examinar a papelada que lhe deixei para ver. Até agora descobri que a família Drexler (um membro faz parte da diretoria do hospital, como deve saber) era a dona da empresa de radiologia chamada Serviços de Raios X Computadorizados. Essa tornou-se uma empresa pública algum tempo atrás. Agora, ouvi dizer que a família está tentando comprar de volta todas as ações, com a intenção de vender a empresa inteira para uma de ramo semelhante nos Estados Unidos. Poderíamos nos encontrar para conversar sobre isto? Tenho outras informações a respeito que prefiro não colocar no papel por ora. A

empresa

interessada

em

comprar

a

Serviços

de

Raios

X

Computadorizados pode ser (ouvi os rumores) a Image Tec, dos Estados Unidos. É a Image Tec, acho eu, que quer ficar com o meu departamento... com a aprovação da Administração, é claro. Talvez esteja havendo um conflito de interesses aqui. Sinceramente, Will."

Abby colocou a carta devagar em sua mesa de jantar, dando-se conta de que a lera toda automaticamente... uma carta particular que nada tinha a ver com ela. Fora destinada a Blake Contini, obviamente, e devia ter caído de um dos bolsos de Will Ryles junto com os outros objetos que ela recolhera. O telefone celular e os demais itens entregara às enfermeiras da unidade de tratamento coronário. — Droga! — exclamou em voz alta. Ali estava outra fonte de constrangimento para ela em relação a Blake Contini. Obviamente, podia colocar a carta em outro envelope e fingir que não a lera, mas tinha certeza de que trairia a si mesma. Não era boa em subterfúgios de nenhum tipo. Não, seria melhor dizer-lhe que acabara lendo a carta inadvertidamente. No dia seguinte, teria que lhe telefonar. Talvez Will Ryles estivesse se perguntando sobre aquela carta... se teria parado em mãos erradas. Parecia que ele estivera fazendo alguma Projeto Revisoras

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investigação sobre as empresas particulares que esperavam ficar com serviços de radiologia do hospital. Obrigando-se a tirar tudo aquilo de sua mente, abriu o livro de medicina na parte de "Hematologia e Oncologia", munindo-se de caneta e papel. Ela esperou até dez e meia na manhã seguinte, reunindo, enfim, coragem para telefonar para a residência de Blake Contini, tendo conseguido o número através do hospital. Era possível que o sábado fosse o dia da semana em que ele dormia até mais tarde, disse a si mesma, com nervosismo, enquanto esperava que alguém atendesse o telefone. Talvez a carta do dr. Ryles não fosse tão importante e pudesse esperar até segunda-feira, mas sentia-se culpada por tê-la lido e ansiosa por entregá-la ao destinatário. — Alô. — O próprio Blake Contini atendeu o telefone, deixando-a absurdamente aliviada. — Olá, dr. Contini. Aqui é a dra. Gibson. Sinto muito por estar lhe telefonando no fim de semana. Acontece que encontrei uma carta do dr. Ryles para você na minha valise. Devo tê-la pegado junto com as coisas dele no corredor do subsolo. Eu acabei lendo-a sem querer... Não havia nada escrito no envelope, sabe. Lamento muito ter feito isso. — No breve espaço de tempo que passara desde que o conhecera já andara se desculpando demais, pensou Abby, torcendo os lábios. — Bom dia, dra. Gibson. — Ele soou descontraído, como se tivesse acabado de se levantar. — E o que diz a carta? —

Algo

sobre

as

empresas

Image

Tec

e

Serviços

de

Raio

X

Computadorizados. — Hum. — Houve uma rápida pausa. — Eu poderia ir buscá-la onde você está? Gostaria de ter essa carta em mãos logo. — Claro. — Abby deu-lhe seu endereço e rápidas instruções de como ir da casa dele até ali. Sabia que Blake Contini morava num bairro nobre e tradicional, situado não muito longe dali. Ela mesma vivia numa antiga área de casas de artesãos do século passado e de velhas mansões que haviam entrado em decadência com os tempos difíceis. Projeto Revisoras

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— Eu moro num dos poucos prédios de apartamentos desta região — explicou. — Estarei aí dentro de meia hora, se for conveniente para você. — Sim, é. — Talvez possa me oferecer uma xícara de café, dra. Gibson, uma vez que ainda não tomei o meu nesta manhã. Lá estava aquele tom bem-humorado na voz dele outra vez, notou Abby. Talvez o homem não fosse um ogro, afinal. — Claro. Felizmente, ela limpara e arrumara o apartamento no começo da semana, antes de ter ficado de plantão por duas noites. Em geral, o lugar vivia numa certa desordem, já que nunca sobrava tempo para organizar tudo. De qualquer modo, olhou ao redor depressa, guardou um jornal, arrumou algumas almofadas. A sala de estar era uma mistura eclética de mobília de segunda mão, mas cada peça bem conservada fora escolhida com carinho, formando um ambiente acolhedor. Havia também objetos de decoração que sua família e amigos tinham doado quando ela montara seu apartamento no começo de sua residência. As paredes da sala eram pintadas de um agradável tom de verde, que fazia o lugar parecer aconchegante no inverno e fresco no verão. O que deixava a desejar em termos de mobília era compensado com vasos de plantas, fotografias de família em porta-retratos interessantes e muitos livros. Terminando de ajeitar as coisas rapidamente, adiantou-se até o banheiro para aplicar um pouco de maquiagem e escovar os cabelos. Sentia um certo nervosismo com o fato de que um colega de nível superior a veria em seu ambiente um tanto humilde. Não que se importasse realmente. Embora não fosse muito, orgulhava-se do que tinha. O interfone tocou assim, que acabou de fazer o café. Enquanto se adiantava depressa para atender, usando jeans e uma blusa simples, censurou a si mesma por estar tão nervosa quanto a colegial que um dia fora. Apesar de ter

tido

namorados

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na

escola

e

na

faculdade

e

alguns

breves 44


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relacionamentos depois, sabia que sempre se resguardara, nunca tendo se apaixonado totalmente por alguém. As vezes, dava-se conta de que sua relutância em se envolver demais com alguém podia dar a impressão de que odiava os homens ou algo assim, mas não era o caso. Apenas insistia em dar prioridade à sua profissão. — Olá. Aqui é Blake Contini — disse a voz possante quando Abby atendeu o interfone. — Suba, por favor. — Ela apertou o botão do interfone que destrancava a porta de entrada do prédio. Levou uma bandeja com o café para a sala de estar enquanto ele subia de elevador até o terceiro andar. — Bom dia — disse, com um sorriso polido, quando abriu a porta para deixálo entrar. Sentiu algo estranho ao vê-lo parado no corredor diante de seu apartamento. No dia anterior, na sala de palestras, quando Blake Contini a irritara tanto, jamais poderia ter imaginado que o veria ali. — Bom dia outra vez — respondeu ele, retribuindo o sorriso. Percorreu-a com um olhar um tanto demorado que a fez corar. Usava calça de pregas clara, uma camisa pólo e jogara um suéter leve por sobre os ombros, parecendo descontraído e, ao mesmo tempo, sofisticado. — Entre, por favor. Já fiz o café. — Abby indicou-lhe que se adiantasse pela sala de estar e entregou-lhe a carta. — Peço desculpas outra vez por tê-la lido. Não me dei conta imediatamente de quem era "Blake" e, portanto, não pude saber quem era o destinatário logo de início. — Talvez, então, seja melhor você me chamar de Blake — disse ele, com um sorriso irônico, tirando a carta do envelope. — E mais simples e menos formal. — Em poucos momentos, leu a carta, sua expressão ficando séria. — Pobre Will — murmurou, enfim. — Gostaria de uma xícara de café? — perguntou Abby polidamente. — Sim, por favor — assentiu ele, distraído. Enquanto preenchia duas xícaras com o café fumegante, ela notou que Blake Contini olhava rapidamente ao redor de sua acolhedora sala de estar.

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— Como está o dr. Ryles? — perguntou. — Soube mais alguma coisa sobre seu estado? — Sim. Liguei para a unidade de tratamento coronário nesta manhã. Disseram-me que Will passou bem a noite, que está alerta e conversando com todos. Se superar esse episódio, acabará ficando bem. — Espero que sim. — Fico contente que tenha me ligado a respeito da carta. Eu agradeceria se você não mencionasse sobre o que leu a ninguém. O dr. Ryles andou discutindo seus problemas profissionais comigo nestes últimos meses... confidencialmente. Eu e algumas outras pessoas temos tentado ajudá-lo. — E claro que não falarei sobre a carta a ninguém. É um assunto que realmente não me diz respeito. — declarou Abby, ciente de como a presença máscula dele parecia tomar conta de sua sala de estar. Através das portas-janelas que davam para a sacada, uma brisa agradável soprava na sala. — Posso ir até lá fora? — perguntou ele. — Está um belo dia. — Sim, claro. Ambos ficaram junto ao gradil da sacada, olhando para o parque, onde a grama estava verdejante com a chuva da primavera e o sol mais recente. — E lamentável o que está acontecendo no hospital agora — comentou Abby. — Há tanto mistério... e o controle não está nas mãos das pessoas que realmente fazem o trabalho. — Sim — disse ele pensativo, seu semblante sério. Sob a claridade da manhã, ela notou-lhe alguns sinais sutis de tensão no rosto e perguntou-se a que se deveriam, além do fato de o dr. Contini trabalhar arduamente... assim como quase todo mundo que conhecia. A intuição lhe dizia que, a seu exemplo, ele também se resguardava com o sexo oposto, não revelando muito de si mesmo. Por outro lado, era receptivo e atencioso com seus pacientes. Era dono de uma maturidade que a atraía emocionalmente. Tinha vontade de conhecê-lo melhor... bem melhor. — Posso me servir de mais café? — A pergunta dele interrompeu-lhe os Projeto Revisoras

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pensamentos. — Sim, claro, dr. Contini. — Insisto para que me chame de Blake. É mais fácil. — Está certo. — E eu a chamarei de Abby, combinado? Ou de Abigail? — O que preferir.— Ela deu de ombros de leve, tentando não deixá-lo perceber quanto gostava de sua companhia. Talvez fosse casado, afinal. — Abigail. É um nome muito bonito — murmurou ele, estudando-a com intensidade, como se quisesse memorizar seus traços. Não tão bonito quanto Kaitlin. O pensamento surgiu na mente de Abby espontaneamente, surpreendendo-a, em especial porque não fazia idéia de quem era Kaitlin. Voltaram à sala de estar para se servirem de mais café. Perto da escrivaninha, tomada por livros e papéis, havia uma prateleira de madeira, onde mantinha lembranças de sua época de faculdade. O olhar de Blake pousou ali, detendo-se numa pequena placa oval de madeira onde estavam afixadas plaquetas de prata. Aproximando-se, leu em voz alta: — Prêmio concedido à aluna que teve o melhor desempenho acadêmico do ano letivo... — A voz sumiu-lhe enquanto continuou a ler e, depois, virou-se para fitá-la. — Abigail Gibson... quatro anos consecutivos. Bem, eu certamente não tenho razão para ser prepotente com você, não é? Ela corou. — Eu gostaria que você pudesse esquecer que falei uma coisa dessas. — É provável que eu mencione isso mais uma vez ou duas por puro divertimento... Abby. Quando Blake sorriu, ela se deu conta de que o encarava, os olhares de ambos se encontrando numa avaliação mútua que continha um novo tipo de tensão. Aquela era a primeira vez que ele lhe dava toda a sua atenção de uma maneira pessoal, fora do ambiente hospitalar. O efeito era

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arrebatador. — Eu... espero que você não tenha pensado que fiz a faculdade de medicina sem me dedicar e que só quis me tornar clínica geral porque não pude fazer uma especialização — declarou Abby, obrigando-se a reprimir a atração que sentia. — Alguns médicos especialistas pensam assim dos que optam pela clínica geral. — Muitos de seus professores na universidade haviam tentado convencê-la a fazer alguma especialização, mas ela mantivera sua intenção inicial de se tornar clínica geral. — Não, eu não pensei nada disso. — Ter inteligência pode ser um grande fator de compensação, como deve saber. — E o que você precisa compensar com a sua inteligência? Você também é bonita. — Blake observou-lhe os lábios de uma maneira que a fez sentir a secreta vontade de que a beijasse^ — Você ficaria surpreso. Todos nós temos os nossos pontos fracos. — Abby desviou o olhar, inclinando-se para pegar um prato de biscoitos que colocara na mesa de centro. — Coma um biscoito — ofereceu. — Não, obrigado. Preciso ir agora. — Blake depositou sua xícara na bandeja. Tornou a se retrair de repente, quase como se tivesse sido um absurdo demonstrar sua aberta amizade. — O café estava delicioso. Agradeço-lhe. Lamentando que o breve encontro tivesse terminado, ela escondeu sua ligeira agitação recolhendo a bandeja com o bule de café e mais coisas que pusera sobre a mesa. — Deixe-me ajudá-la antes que você derrube isso — disse ele num tom brando, referindo-se ao fato de ela ter sido desajeitada no dia anterior... provocando-a. Abby deixou-o pegar algumas coisas de suas mãos. Colocaram-nas na pia da pequena cozinha. — Bem, eu a verei na segunda-feira. Torno a lhe agradecer. — Foi um prazer. Blake surpreendeu-a inclinando-se para beijá-la, ao que pareceu, no rosto. Sobressaltada, ela virou-se e, inesperadamente, os lábios de ambos Projeto Revisoras

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acabaram se tocando. O silêncio foi absoluto na cozinha de repente, parecia haver uma corrente eletrizante pairando entre os dois. Ele pareceu ficar tenso outra vez enquanto a fitava nos olhos com intensidade, seus rostos bem próximos. Abby entreabriu os lábios involuntariamente, ansiando para que a beijasse de fato. A poderosa tensão sexual, que começara entre ambos quase desde o instante em que haviam se conhecido, ameaçava vir à tona subitamente agora e arrebatá-los. — Eu... — Aturdida com que estava sentindo, ela deu um passo atrás. — Abby... — Havia um grande anseio na voz de Blake, fazendo-a saber intuitivamente que não tivera uma mulher em seus braços por um longo tempo, que precisava dela. Sem poder ignorá-lo, Abby abraçou-o pelo pescoço. Sentiu seu corpo aproximando-se do dele, seus lábios posicionando-se para serem beijados, como se estivesse observando outra pessoa. Por um momento, Blake pareceu tenso mas, com um gemido abafado de puro desejo, estreitou-a em seus braços e tomou-lhe os lábios comum beijo faminto. Estimulou-lhe os lábios macios com os seus, fazendo com que se entreabrissem, os braços fortes envolvendo-a como se não quisessem nunca mais soltá-la. Abby retribuía com ardor e, ao mesmo tempo, afagava-lhe os cabelos castanhos, puxava-o mais para si. Beijaram-se por longos momentos, os lábios de ambos se acariciando voluptuosamente, as línguas se entrelaçando numa cadência extasiante. — Abby... — Blake murmurava seu nome entre os beijos sôfregos, ofegante, a voz carregada de desejo. As mãos quentes encontraram-lhe a pele macia das costas, insinuando-se sob a blusa folgada. Abby perdeu a noção do tempo. Podiam ter-se passado segundos ou horas. Tinha consciência apenas do corpo viril que se moldava ao seu, dos lábios que a beijavam deliciosamente e de que gostaria que aquilo durasse para sempre.

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CAPÍTULO V

Foi, inevitavelmente, o telefone que os separou e os levou de volta a uma realidade mais séria. — Você não está de plantão, não é? — murmurou Blake, ambos tensos com o ruído insistente. — N-Não — sussurrou-lhe Abby ao ouvido, enquanto ele a abraçava. — Ignore o telefone, então. Finalmente, Blake soltou-a, o desejo estampado em seu rosto enquanto a fitava. Sem constrangimento, Abby sustentou-lhe o olhar, sabendo que estava deixando transparecer seu próprio desejo. Numa atitude atípica, entregava-se ao momento. — Sem dúvida, preciso ir embora desta vez, doce Abigail. Do contrário, acabaremos parando na cama... e pelo dia inteiro. Por mais que eu queira isso, acho que ainda é um pouco cedo, não? Havia um ar irônico na maneira como ele curvou os lábios, deixando-a saber que aquele não era um hábito seu... envolver-se com mulheres com quem trabalhava. Ao menos não com uma que tivesse acabado de conhecer. Ela afundou o rosto no peito de Blake, esperando que ele soubesse sem ter que lhe dizer que também não tinha o costume de se envolver com colegas de trabalho. Sentia que havia grande entendimento entre ambos. Sem confiar na sua voz, apenas meneou a cabeça para indicar que concordava. Alguns instantes depois, ele deixou o apartamento. Abby ficou andando de lá para cá pela sala de estar, torcendo as mãos, relembrando o que acabara de acontecer. Aqueles momentos de abandono pareciam um sonho. Mas a agitação física e emocionar que continuou dominando-a deixava claro que tudo fora bastante real. Ansiando por se ocupar com algo, foi até a cozinha e começou a lavar as xícaras. Quando terminou, andou pelo apartamento já organizando, arrumando coisas que não precisavam ser arrumadas, dobrando toalhas, separando roupas para lavar. Sobressaltou-se quando o telefone tocou.

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— Alô? — disse, atendendo-o ao segundo toque. — Abby. — A voz de Blake fez com que uma onda de calor percorresse-a por inteiro e seu coração disparasse. Contente com o fato de ele não estar ali para ver-lhe as faces afogueadas, ela admirou-se com a rapidez com que sua costumeira calma podia abandoná-la. — Esqueci de lhe dizer uma coisa. — Oh, não me diga que tem outra tarefa para mim! — respondeu Abby, conseguindo recuperar parte de seu controle. Blake riu, sua voz rouca, como se, possivelmente, também estivesse se lembrando dos beijos que haviam trocado. — Estarei oferecendo uma festa, uma espécie de churrasco no jardim da minha casa daqui a duas semanas. Será para todos os médicos do meu departamento e para aqueles ligados a ele. É uma chance para que eu conheça os membros do meu departamento socialmente e para que também me conheçam. Eu gostaria que você viesse, se desejar. Não será um evento formal. — Bem... sim, eu gostaria de ir. Por alguns momentos, ela se sentiu como se tivesse voltado aos tempos de escola, época em que conseguira estudar em estabelecimentos caros e renomados graças às bolsas de estudo pelas quais lutara. Sentia-se como se estivesse recebendo um convite de um colega de classe que morava numa mansão e comparando-a com a modesta casa onde seus pais moravam. Aceitara os convites na época, sabendo que seria tolice não fazê-lo, mas sempre ciente de que não pudera competir socialmente com seus colegas. Havia competido usando seu intelecto, algo que acabara acontecendo naturalmente. Despertara a admiração dos outros ; com todos os prêmios que ganhara. Se ao menos agora pudesse relaxar um pouco, sabendo que não apenas podia ganhar seu próprio sustento como também ajudar a família que tanto a incentivara... Muito em breve poderia parar de erguer barreiras em torno de si. Mesmo agora, com Blake Contini, já sentia sua força de vontade ferrenha esmorecendo um pouco. E faltava menos de um ano para alcançar sua meta. — Eu a informarei sobre os detalhes na semana que vem — disse Blake. —

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Minha secretária está providenciando os convites. E, por favor, não se esqueça de que a carta é confidencial. Isso é muito importante. Algumas pessoas que não querem que o hospital sofra esses cortes esperam começar a oferecer algum tipo de oposição. — E claro. — Ocorreu a Abby que talvez ele a tivesse convidado para aquela festa, para seu seleto círculo de amigos, como um meio sutil de pressão para que não dissesse nada a ninguém sobre a carta. Se era o caso, o homem estava subestimando seu grau de integridade. Depois que Blake desligou, ela se adiantou até sua mesa de jantar e, num esforço para tirá-lo da mente, abriu seu livro de medicina e procurou concentrar-se no trabalho pela frente. Usando também as anotações que fizera na noite anterior, começou a preparar o relatório que ele lhe pedira relacionado ao tratamento de Ralph Simmons. Depois que o visitasse na segunda-feira, ela ainda teria uma agenda cheia a cumprir pelo resto do dia. Ainda na parte da manhã teria que ver alguns dos pacientes internados no hospital. Um pouco mais tarde, iria à clínica da dra. Eliza Cruikshank no departamento de clínica geral. Na parte da tarde, assistiria a uma palestra na universidade, que ficava a uma breve caminhada do hospital. Cheryl Clinton a acompanharia. A dra. Cruikshank sempre tinha uma mistura interessante de pacientes de todos os tipos, tanto adultos quanto crianças. Abby gostava muito de participar daquelas consultas. Eliza Cruikshank era sua mentora. Na segunda-feira de manhã, ela conseguiu aparentar seu habitual controle ao entrar no hospital, embora temesse desmoronar por dentro quando visse Blake. Abby o encontrou na ala leste 2 quando chegou. Apesar de ter tomado todo o cuidado para não chegar atrasada, Blake já verificava os dados no computador principal das enfermeiras e estava imprimindo provavelmente os mais recentes resultados de exames laboratoriais do sr. Simmons e de outros pacientes que tinha naquela unidade. Foi a presença das atarefadas enfermeiras que fez com que Abby conseguisse conter o rubor que ameaçou espalhar-se por suas faces.

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Respirando fundo, colocou-se ao lado dele e observou a tela do computador. De imediato, sentiu aquele inquietante calor percorrendo seu corpo. — Bom dia, Abby. — Ele virou-se para fitá-la, estudando-a com intensidade. — Fico contente que tenha conseguido vir — acrescentou, tornando a olhar para o monitor. — Estou imprimindo os exames mais recentes. Temos os resultados dos exames do fígado e da função renal do sr. Simmons. Dois residentes vão se reunir a nós para ver o paciente. Devem chegar dentro de alguns minutos. Vou ler seu relatório antes disso. Ela o achou cansado e um tanto distante. Talvez tivesse estado de plantão no dia anterior. — Está aqui. — Tirou algumas folhas de papel datilografadas de sua valise. Enquanto aguardava que Blake lesse seu relatório, deu-se conta de que queria a aprovação dele. Geralmente, dava o melhor de si e não se preocupava muito sobre como seria avaliada. Agora, olhando para o perfil sério do dr. Contini, quis vê-lo sorrindo outra vez, da maneira como fizera em seu apartamento depois de ter visto seus prêmios da faculdade. — Ótimo — declarou ele, examinando os papéis. — O sr. Simmons já começou a receber os antibióticos que você sugere aqui. E seus comentários sobre os possíveis resultados da quimioterapia estão bastante detalhados e precisos. Mesmo levando em consideração a idade do paciente e o estágio da doença, concordo com a margem de chances favoráveis que você descreveu. Ambos ainda conversaram mais alguns minutos sobre o tratamento, Abby esforçando-se para não demonstrar sua íntima satisfação. Ele não apenas aprovou seu relatório como ainda apreciou algumas sugestões que fizera quando o preparara. Quando, enfim, o silêncio se prolongou, ela limpou a garganta, perguntando: — Teve alguma notícia sobre o quadro do dr. Ryles nesta manhã, dr. Contini? — Achei que tivéssemos concordado que você me chamaria de Blake, Abby. — Bem, sim. É apenas um tanto estranho... uma vez que não o conheço muito bem. — Espero que passemos a nos conhecer bastante bem durante os próximos meses. — Blake fitou-a com perturbadora intensidade, seus olhos azuis Projeto Revisoras

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brilhando por alguns instantes antes de desviá-los. — Liguei para a unidade de tratamento coronário hoje cedo. O quadro de Will é estável. Talvez este seja o repouso forçado de que tanto precisa. — Sim. — Ela tentou distanciar-se mentalmente do efeito que ele lhe exercia, esforçando-se para se concentrar nas folhas impressas de computador que segurava. Dois residentes reuniram-se a eles naquele momento, Tim Barrick e Alison Lupino, os quais Abby conhecia razoavelmente bem. Cumprimentou-os, aliviada com o fato de o momento inicial de tensão com Blake ter passado. — Dra. Gibson — disse-lhe ele. — Por que não entra para ver o sr. Simmons? Sei que tem outras coisas para fazer. Nós nos reuniremos a você dentro de cinco minutos. Ficarei com seus papéis e falarei com você a esse respeito na próxima sessão de apresentações. Ficarei bastante tempo com o sr. Simmons nesta manhã e não quero detê-la. Abby agradeceu e foi preparar-se para a visita ao paciente, colocando a bata, luvas e máscara que o protegeriam de qualquer bactéria que pudesse introduzir em seu ambiente. Achou-o melhor do que da vez anterior que estivera ali para vê-lo, resultado dos antibióticos e das transfusões destinadas a melhorar-lhe o sistema imunológico. Ele tinha ciência de que aquela melhora era passageira e de que iria se sentir terrivelmente indisposto quando a quimioterapia começasse. Querendo confortá-lo de algum modo, Abby decidiu que a melhor maneira de lhe responder as perguntas era o mais abertamente que pudesse, ao mesmo tempo transmitindo-lhe algum otimismo e esperança em relação ao tratamento. Instintivamente, sabia que o sr. Simmons teria feito perguntas semelhantes a outros médicos, repetidamente, a fim de chegar o mais perto possível da verdade e de uma melhor idéia sobre suas chances. — Há excelentes medicamentos disponíveis hoje em dia — assegurou-lhe. — Um regime de tratamento bastante personalizado lhe será feito pelo dr. Contini e os hematologistas. Não há dois pacientes exatamente iguais. Nada será deixado ao acaso. Receberá o que há de melhor, sr. Simmons, o tratamento mais moderno de que dispomos. Projeto Revisoras

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Enquanto a ouvia atentamente de sua cama, ele meneou a cabeça e pareceu relaxar um pouco. — Como sou uma residente de clínica geral, não o verei todos os dias — prosseguiu ela —, mas virei sempre que puder. Pergunte ao dr. Contini o que desejar. Ele é um excelente profissional. Não hesite em lhe falar sobre quaisquer preocupações que tiver. Ralph Simmons abriu um sorriso. — Parece que você o admira — comentou com perspicácia, observando-a. — Sim — admitiu ela, sem querer acrescentar que Blake a exasperava de certa maneira também —, embora eu não o conheça há muito tempo. Mas é um médico de renome e fará tudo que puder para ajudá-lo. — Sim, eu sei. Venha me ver quando tiver a chance, dra. Gibson. É bom poder conversar com alguém. Do contrário, eu acabaria enlouquecendo neste quarto. — Eu virei — prometeu Abby, enquanto os outros entravam com as roupas de proteção. — Até breve. — Obrigado. — Eu tenho que ir, dr. Contini — disse ela. — Devo ver três pacientes que estão internados e, depois, há uma clínica à minha espera. — Certo — assentiu ele com um breve gesto de cabeça. — Nós nos veremos aqui, sem dúvida. E na próxima sessão de apresentações de casos médicos. — Sim. — Abby deixou o quarto e, enquanto retirava a bata, as luvas e a máscara na ante-sala, ponderou que era bastante difícil ter sido beijada com ardor por alguém e, depois, ter que fingir que nada acontecera. Sem poder evitar, descobriu-se ansiando por poder partilhar com ele de intimidade semelhante outra vez. Consultando seu relógio, viu que ainda tinha tempo o bastante para visitar os três pacientes. Talvez houvesse chance de um rápido café na lanchonete antes de ir à clínica da dra. Cruikshank. Deixando a ante-sala, deu-se conta de que mal podia esperar pela sessão seguinte de apresentações de casos médicos. Eram realizadas a cada segunda sexta-feira do mês. Se não tivesse

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chance de conversar com Blake Contini antes disso, certamente o veria naquela ocasião. Enquanto descia lances de escadas, em vez de esperar pelos lentos elevadores, censurou a si mesma por estar especulando sobre quando o veria. Deveria parar com aquilo, pensou. Não queria perder seu empenho, sua dedicação. Não faltava muito para terminar sua residência e não queria que nada a distraísse de seu trabalho. Eliza Cruikshank estava à sua espera quando, finalmente, chegou à clínica dela, depois de ter tomado seu café. — Venha logo até aqui, dra. Gibson — disse a dra. Cruikshank bem-humorada em sua voz alta, enquanto Abby entrava em seu consultório. — A sala de espera está abarrotada de gente. De meia-idade, Eliza Cruikshank tinha olhos e cabelos escuros e uma personalidade forte e um tanto excêntrica. Era surpreendentemente intuitiva, compreensiva e gentil, apesar de seu jeito franco e direto. Abby meneou a cabeça com um sorriso. — Onde quer que eu fique? — perguntou. — Use o consultório ao lado. Deixei uma pilha de fichas para você na mesa de lá. Há vários pacientes novos, incluindo uma garota de dezesseis anos que está grávida. Achei que ela quisesse ver alguém mais próximo de sua própria idade inicialmente. Depois que a tiver atendido, você poderá me chamar para conversar a respeito e decidirmos o que fazer... levando a opinião dela em consideração, é claro. — E essa garota é desabrigada? — Não. Vem de uma família rica. Freqüenta escola particular e tudo mais. Ao que parece, o pai jamais a perdoaria se soubesse. Lamento muito pela garota. Na certa, é uma das histórias de costume... dinheiro e coisas materiais demais e pouco amor e atenção em casa. Quando não é um extremo é o outro, não? É um caso um tanto complicado. Mas não são todos? — Sim — concordou Abby, num tom sério, preparando-se para o que teria

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que encontrar naquela clínica do hospital. — A propósito, estou ouvindo boas coisas a respeito do novo chefe de medicina interna — comentou a dra. Cruikshank, enquanto ela abria a porta para ir até o consultório ao lado. — Qual é mesmo o nome dele? — Dr. Contini. — Exato. Agora... onde foi que eu já ouvi esse nome antes? — A clínica geral franziu o cenho. — Parece que o ouvi recentemente em algum lugar... talvez no Hospital Geral de Gresham... Um paciente, talvez? De qualquer modo, se precisarmos encaminhar pacientes a alguém, podemos tentar alguns com ele. — Está certo — concordou Abby e saiu, preferindo não se deter o bastante ali para ser objeto da percepção da dra. Cruikshank e não dando indicação de que já conhecia o novo chefe. Sem mencionar que teria que começar a ver logo os pacientes para chegar a tempo da palestra mais tarde na universidade. Examinando rapidamente a pilha de fichas no pequeno consultório, decidiu ver a garota grávida primeiro, que, no momento, devia estar aguardando nervosamente na sala de espera lotada, temendo o que iria lhe acontecer. Era comum atenderem mulheres grávidas no departamento de clínica geral, encaminhando-as posteriormente a um obstetra, ou a um ginecologista se decidiam interromper a gravidez. Respirando fundo para se preparar, Abby saiu para a sala de espera, chamando a jovem. — Kyra Trenton — disse, olhando ao redor. A garota que se levantou era alta, bastante atraente, parecendo sofisticada demais para seus dezesseis anos. Usava jeans de uma marca cara com uma blusa de seda. Os cabelos loiros estavam presos num coque na altura da nuca. — Sou a dra. Gibson e estou no programa de treinamento — explicou Abby, estendendo a mão para a garota depois que haviam Projeto Revisoras

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entrado no consultório. — A dra. Cruikshank pediu-me para atendê-la inicialmente. Em seguida, ela mesma a verá. A garota meneou a cabeça. — Está certo. — Sente-se ali diante da mesa. — Abby sorriu e também se sentou, preparando-se para começar a fazer suas anotações. — Você ainda está na escola? — Sim — respondeu Kyra, encontrando-lhe o olhar abertamente e, depois, baixando o seu para as mãos e mordendo o lábio inferior. As emoções ameaçavam vir à tona em momentos como aquele, sabia Abby, apesar da aparente calma da garota. Teria que ir com cuidado, gentilmente. — Faltam mais dois anos para terminar o colegial, certo? — Sim. — Agora... — Abby baixou o olhar para a ficha. — Aqui diz que você está grávida. Fez-lhe, então, perguntas pertinentes ao último período menstrual, e a jovem respondeu quase num fio de voz. Provavelmente, estivera preparada para deparar com alguma censura e, em conseqüência, mostrar-se um tanto desafiadora.

Mas

Abby

mantinha-se

neutra

enquanto

anotava

as

informações. Como a jovem lhe dissesse que só fizera um teste caseiro de gravidez, informou-a de que precisaria confirmar com um exame de urina e que a encaminharia para fazê-lo depois. — Agora, Kyra... presumindo-se que está mesmo grávida, pretende ter o bebê? — Não... não, eu não posso — respondeu a jovem, tornando a baixar o olhar para as mãos em seu colo. — Eu não contei aos meus pais. Não contei a ninguém antes de ter vindo aqui. Nem mesmo à minha melhor amiga. Meu... pai é membro do parlamento do governo federal. Não posso deixar ninguém saber disto. Os jornais fariam grande alarde em torno da situação se soubessem. Além disso, meus pais ficariam horrorizados. — Você não contou nem à sua mãe? Projeto Revisoras

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— Não. Ela está em Ottawa com meu pai e irmãos. Estudo numa escola interna daqui e vou para casa nos fins de semana... na maioria deles. — Você não se consultou com o médico de sua família? — Não. Não quero que ele saiba... por favor. — A jovem pareceu subitamente assustada, a vulnerabilidade evidente em seus olhos azuis. — Está certo. Não há nenhuma razão para que entremos em contato com ele. Então, pelo que entendi, você quer interromper essa gravidez, não é? — Sim, é preciso — disse Kyra, um quê de desespero em sua voz. — Eu... não gosto da idéia de... fazer isso... mas não tenho escolha. — Uma lágrima escorreu-lhe pela face. Tomada por grande compaixão, Abby procurou confortá-la, explicando-lhe calmamente sobre o processo da gravidez, aconselhando-a a não tomar nenhuma decisão precipitada e, principalmente, a contar a uma amiga de confiança, de modo a ter alguém de sua própria idade com quem conversar. Gradativamente, a garota pareceu relaxar e aceitar o inevitável. — Há algo que tenho que lhe perguntar — disse Abby, finalmente. — Quero que pense bem a respeito antes de responder. Há alguma possibilidade de que você tenha contraído o vírus da AIDS? — Eu... acho que não. — Kyra pareceu mais uma vez assustada, seu rosto corando. — Meu namorado não sai com outras garotas. Tenho certeza de que sou a única. — De qualquer modo, eu vou solicitar um teste de AIDS, apenas para descartarmos a possibilidade. Suas chances de ter contraído o vírus não são grandes, acho eu, mas precisamos ter certeza absoluta. Precisarei, é claro, do seu consentimento. — Estará tudo bem se meus pais não forem informados sobre a operação? Quero dizer, pelo fato de eu ainda não ter dezoito anos? — Sim, estará. No nosso país, em algo assim, basta o seu próprio consentimento para a operação, uma vez que tem dezesseis anos. — Que bom. Eu estava tão preocupada. — A garota recostou-se de volta na cadeira, seu alívio quase palpável.

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Abby não acrescentou que também não haveria nenhum julgamento moral, esperando que aquilo fosse evidente. De qualquer maneira, preferiria que Kyra não tomasse precipitadamente uma decisão que poderia afetá-la pelo resto de sua vida. Sabia que ela estava muito assustada, por várias razões. Iria se empenhar ao máximo para ajudá-la a superar aquele medo. Talvez, de tal modo, Kyra pudesse refletir com mais clareza e decidir o que realmente queria. Elas iriam se atrasar para a palestra na universidade. Abby deixou o elevador, adiantando-se depressa até a recepção principal várias horas depois, onde podia ver Cheryl à sua espera. Depois dos diversos pacientes que vira na clínica da dra. Cruikshank, tivera tempo apenas para trocar suas roupas por um jeans e um suéter leve no vestiário e comer um sanduíche na lanchonete. — Eu estava prestes a sair sem você — disse Cheryl. — Parece que vai chover. Vamos, talvez consigamos chegar antes que a chuva comece a cair. — Ainda estou faminta — disse Abby, enquanto ambas caminhavam depressa, deixando o hospital. — Não tive tempo de almoçar hoje. Tudo o que consegui foi engolir um sanduíche às pressas. — Poderemos comer algo na universidade depois. — Oh, droga. Já está chovendo. — Abby soltou um suspiro enquanto saíam para o ar quente de final de primavera. — Talvez consigamos uma carona com alguém. Vários médicos passam pelo campus para irem até o Hospital Geral de Gresham — comentou Cheryl, esperançosa. Começou a olhar para os carros que estavam parados por perto. Era um ponto de parada apenas, não uma área de estacionamento. — Estão à procura de uma carona? — perguntou-lhes uma voz possante e familiar da janela aberta de um grande Buick cinzento que parou ao lado de ambas. O dr. Contini colocou a cabeça pela janela, abrindo-lhes um sorriso. — Estamos, sim — respondeu Cheryl sem hesitar. — Vamos até a universidade e só temos dez minutos para chegar, ou nos atrasaremos. — Ah, atrasos acabam acontecendo quando se está na companhia da dra. Gibson, creio eu. — Ele tornou a sorrir e desviou os olhos para o rosto Projeto Revisoras

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corado de Abby, provocando-a deliberadamente. Ela fuzilou-o com o olhar. — Estou a caminho do Hospital de Gresham. Entrem. — Tem certeza de que não será incômodo, dr. Contini? — indagou Cheryl polidamente. — Absoluta. Rapidamente, Abby abriu a porta de trás do carro e entrou» para não ter que se sentar na frente com Blake. Ao que parecia, sua atração pelo homem continuava aumentando. Mas também sentia uma certa hostilidade, que se originara em alguma parte de seu sistema de defesa, talvez porque tivesse a impressão de que os beijos de ambos não o haviam afetado tanto quanto a ela. Para seu alívio, durante o breve percurso, Cheryl foi tagarelando, falando sobre a palestra a que assistiriam, respondendo as perguntas de Blake sobre o programa de treinamento. Por uma vez, os divertidos olhos azuis dele encontraram os de Abby através do espelho retrovisor, e ela desviou o olhar depressa, perguntando-se por que se sentia tão desconcertada. Depois que Blake as deixou diante do prédio da faculdade de medicina, onde aconteceria a palestra, Abby se deu conta de que não proferira uma palavra sequer no carito. — Eu não sabia que você conseguia tagarelar tanto em tão pouco tempo, Cheryl — comentou ela secamente. — Bem, o dr. Contini não é incrivelmente bonito? Ele me deixa nervosa. — Eu percebi. — Mas, sabe, enquanto eu estava falando, tive a de que ele não ouviu uma palavra sequer do que eu disse, de que estava concentrado em você. — Ora, vamos! — censurou-a Abby, desejando que fosse verdade. — Não estou brincando — retrucou a amiga, enquanto entravam no prédio antigo e imponente. — É melhor se cuidar, garota. Antes que perceba, você estará tendo um tórrido romance com ele. Afinal de contas, já não é sem tempo, eu diria, depois de todos esses anos em que você tem se reprimido tanto. Eu mesma não diria não a ele...

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— Pare com tolices! Você me conhece. Meu lema é muito trabalho e pouca diversão. — Exatamente — disse Cheryl, revirando os olhos.

CAPÍTULO VI

Os dias que se seguiram pareceram passar rapidamente. 0 ritmo de vida era em geral movimentado, chegando ao frenético às vezes. Na sexta-feira, Abby foi ver o sr. Simmons outra vez. Descobriu que sua quimioterapia fora adiada e começaria na segunda-feira, prosseguindo por vários dias. Inseguro, ele lhe disse que o dr. Contini comentara mais uma vez sobre como seria o tratamento, e ela procurou tranqüilizá-lo, confirmando que os medicamentos lhe seriam administrados por meio intravenoso, como os que já recebia. Antes de se retirar, desejou-lhe boa sorte, dizendo-lhe que voltaria para vê-lo no meio da semana, talvez antes. Quando deixou o hospital ao final daquele dia para ir para casa, pensou mais uma vez no sr. Simmons, que teria de passar seu fim de semana esperando e se preocupando com o iminente tratamento. Tais pensamentos fizeram-na apreciar o pôr-do-sol, as promessas de verão que estavam a toda volta, os sons dos pássaros nas árvores perto da entrada do hospital. Naquele final de semana, Abby visitaria a mãe e o pai para conversar com ele sobre sua nova atividade de plantar e comercializar frutas e vegetais orgânicos. O pai começara o negócio um ano e meio antes, após ter sido demitido de seu antigo emprego administrativo na companhia ferroviária. Enquanto caminhava até a estação de metrô, ela lembrou-se do terrível medo que se abatera sobre sua família quando aquilo acontecera. Ainda assim, desde aquela época, seu pai dissera que a mudança fora a melhor coisa que lhe acontecera em um longo tempo. De uma mudança forçada, acabara surgindo um meio de vida completamente diferente. Abby sabia que devia muito aos pais bons e generosos. Um dia, muito em breve, poderia começar a compensá-los por tudo que lhe haviam Projeto Revisoras

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proporcionado. Quando chegou ao seu prédio, encontrou em sua caixa de correspondências um

convite.

Fora

enviado

pelo

escritório

de

Blake,

convidando-a

formalmente para sua festa ao ar livre, que seria realizada no sábado seguinte. A confirmação de presença deveria ser endereçada à secretária dele. — Eu irei, é claro — disse Abby em voz alta. Não havia alternativa. Naquele mesmo instante, seu coração já disparava com a expectativa de vê-lo num lugar diferente do hospital. O fim de semana descontraído passou rápido demais. Os pensamentos de Abby mantiveram-se nos dois dias agradáveis e tranqüilos junto com sua família durante a semana seguinte, quando o excesso de trabalho ameaçou sufocá-la. O sr. Simmons já começara sua quimioterapia quando foi vê-lo na terça-feira. Cumprimentou-a com um rápido olá, sentindo-se evidentemente nauseado e fraco demais para conversar. Tim Barrick, o outro residente, reuniu-se a ela durante a visita, e ambos conversaram sobre aquela fase do tratamento, analisando os dados do computador que monitorava o paciente. — Agüente firme — disse Tim Barrick num tom gentil, enquanto o homem fechava os olhos com firmeza para lutar contra a onda de náusea. Sentindo um nó na garganta, Abby apertou a mão do paciente na sua antes de deixar o quarto. Quando saiu deu-se conta de que ainda não vira Blake Contini naquele andar. Seu pager tocou enquanto tirava as roupas de proteção e encaminhou-se até a mesa de uma enfermeira para ligar para o serviço de localização do hospital. — Dra. Gibson, há uma mensagem para você do dr. Contini. Ele pede para que ligue para seu escritório — uma voz feminina informou-a. — Obrigada. — Abby sentiu o coração disparando enquanto discava o número que lhe transmitiram. — Estou prestes a ir visitar o dr. Ryles — disse-lhe a voz possante de Blake do outro lado da linha. — Achei que, se você estivesse livre, gostaria de ir Projeto Revisoras

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comigo. — Sim, disponho de alguns minutos — respondeu ela, contente com o convite. — E gostaria muito de vê-lo. Ainda não o vi acordado desde sua internação. Acabo de visitar o sr. Simmons e ainda estou neste andar. — Venha até o meu escritório, então. Blake encontrou-a no corredor principal e ambos seguiram juntos até a unidade de tratamento coronário. Embora fossem conversando no caminho, Abby deu-se conta de uma certa tensão no aí-. E não era de sua parte. — Finalmente, tenho a oportunidade de vê-la, dra. Gibson — disse Will Ryles. Estava sentado numa confortável poltrona ao lado de sua cama num quarto particular da unidade de tratamento coronário. Segurou com firmeza a mão que Abby lhe estendeu. O sorriso que ele lhe abriu iluminou-lhe o rosto pálido... um rosto que ainda evidenciava um cansaço crônico, mas não tão acentuado quanto no dia em que tivera o enfarte no corredor do subsolo. Ela retribuiu o sorriso. — E bom vê-lo também. E em franca recuperação. — Parece que devo minha vida a você, dra. Gibson. Obrigado. É bom estar vivo, afinal. Houve umas poucas vezes em que me perguntei... Nada como ver a morte de perto para ajudar uma pessoa a entender quais são suas verdadeiras prioridades. — Espero que não se preocupe demais com a política hospitalar enquanto estiver aqui, Will. Deixe que outras pessoas resolvam isso — interveio Blake tranqüilamente,

percebendo

que

Abby

ficara

embaraçada

com

os

agradecimentos. Ela lançou-lhe um breve sorriso, aliviada. — Eu não desisti — disse Will Ryles. — Ginny está fazendo algumas investigações para mim. Não é às mudanças que me oponho, pois acabam acontecendo algum dia. Acontece apenas que há muitos interesses escusos nessas mudanças e pretendo expô-los, se eu puder. Blake colocou a mão no ombro do homem mais velho. — Sim, e eu vou ajudar. Deixe isso comigo e com os outros. Enquanto está Projeto Revisoras

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aqui, procure relaxar. Não poderá fazer nada se continuar doente. Também estou obtendo progressos com minhas investigações. E Ginny é esperta demais. Se houver algo errado acontecendo, sem dúvida descobrirá. O dr. Ryles soltou um pequeno riso. — E verdade. — Verei você amanhã — disse Blake, preparando-se para sair. — Leia um livro, assista um pouco de tevê... enfim, faça qualquer coisa para desviar seus pensamentos do departamento de radiologia, está bem? Will Ryles meneou a cabeça. Quando saíram para o corredor, Abby e Blake ficaram conversando por alguns minutos. — Ele parece bem melhor — comentou ela. — Sim, Will ficará bem. Apenas precisa de um bom e longo descanso. Não é o tipo de homem que descansa voluntariamente. Estamos providenciando isso também... fazer com que ele vá para um chalé junto a um lago quando tiver alta. — É uma ótima idéia. — Abby sorriu, pensando nos lagos na "área de chalés", situada a cerca de duas horas de carro de Gresham. — Acho que todos nós precisamos de um pouco desse tipo de terapia de vez em quando. — Você tem um chalé? — Oh, não... não. — Mudando um pouco de assunto, espero que vá a minha festa no sábado. — Ele deu um passo atrás, como se estivesse se distanciando, os pensamentos já no trabalho que tinha a fazer. Naquele dia, usava o avental branco sobre um terno cinza-escuro que parecia ter sido feito sob medida. — Sim, eu irei. — Bem, nos vemos lá, então. — Blake abriu um ligeiro sorriso, apenas um certo brilho em seus olhos azuis dando algum indício de que pensava nos beijos voluptuosos que haviam trocado, enquanto ela sabia que corava de leve. — Convidei outros residentes, para que não se sinta sozinha, eu espero. Pessoas de sua própria idade. Projeto Revisoras

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Enquanto Blake se afastava, ela permaneceu no lugar por alguns momentos, observando-o até que desapareceu de seu raio de visão. Com aquele comentário, colocara-a inadvertidamente numa categoria diferente de sua própria... a da geração dos médicos mais jovens. Se bem que ela tinha vinte e sete anos e ele devia ter uns trinta e cinco, não havendo, portanto, uma diferença maior do que oito anos entre ambos. Pensando melhor a respeito, achou que talvez o comentário tivesse sido proposital. Daquele modo, Blake se distanciara mais. Era por ser casado? Ninguém ali no hospital parecia saber ao certo. Abby sentiu um estranho aperto no peito enquanto se afastava pelo corredor, um anseio por algo que não conseguiu identificar. Obrigou-se a se concentrar em tudo o que teria que fazer antes do final do dia. Ela e Cheryl tinham que estar no Hospital Geral de Gresham na quinta-feira daquela semana para verem alguns pacientes dos clínicos gerais com quem trabalhavam e que admitiam doentes em ambos os hospitais. Foram no velho carro de uma amiga, percorrendo a breve distância de cerca de três quilômetros do Hospital Universitário, ainda na área central de Gresham. O dia estava claro e agradável. — Ah, é ótimo ter uma mudança de cenário por algum tempo — disse Abby, apreciando a brisa quente que soprava pela janela do carro. — O que tem que fazer no Gresham? — perguntou Cheryl. — Tenho que ver duas pacientes na unidade de tratamento crônico. Ambas tiveram derrame e foram parar lá porque não têm parentes próximos que possam cuidar delas. São pacientes do dr. Wharton, que quer que eu reveja os medicamentos e avalie o progresso das duas. Com o tempo, esperemos, acabarão voltando para casa, apenas indo ao hospital várias vezes por semana para fazer fisioterapia e terapia ocupacional. E quem você vai ver lá? — Uma de nossas pacientes foi admitida no pronto-socorro de lá ontem à noite... alguém da nossa clínica de diabetes. Estava em coma. E um tanto problemática porque não testa sua taxa de açúcar no sangue antes de comer.

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— Uma rebelde? — Pode-se dizer que sim. E bastante jovem... É deprimente quando não se pode levar uma vida normal. Assim que chegaram, as três se separaram na entrada principal do hospital, Abby seguindo para a unidade de tratamento crônico, situada no segundo andar. As duas mulheres que teria que ver estavam no mesmo quarto. Uma enfermeira saiu de um quarto rapidamente e quase colidiu com Abby enquanto ela seguia pelo corredor principal da unidade. — Oh, desculpe-me — disse a mulher, ofegante, parando para observá-la. Havia uma expressão de intensa ansiedade em seu rosto, o que chamou a atenção de Abby de imediato. — E a dra. Gibson, não é? — Sim, sou. — Poderia me ajudar, por favor? Estou com um problema terrível. Venha até este quarto. — Sim. O que houve? — Seguindo-a até o quarto, Abby viu que era ocupado apenas por uma paciente, que estava deitada e totalmente imóvel numa cama alta. Tinha um rosto muito pálido, emoldurado por cabelos longos e loiros e era jovem. A enfermeira fechou a porta rapidamente atrás de ambas. — Ela está tendo uma parada respiratória — disse em tom de urgência. — Os pulmões estão obstruídos, cheios de muco. Ela parou de respirar de repente, um momento atrás. Comecei a sucção para manter livres as vias aéreas, mas não consegui reanimá-la. O coração ainda está batendo... Junto à cabeceira da cama, Abby verificou o pulso da mulher, observandolhe os traços delicados do rosto pálido. Era magra, quase frágil, e devia ter uns trinta anos. Os olhos estavam fechados, os lábios não tinham muita cor, mas, ainda assim, havia uma beleza serena nela que era estranhamente pungente. — Ela está em coma há mais de um ano — explicou a enfermeira depressa. — Sofreu um acidente, teve lesões cerebrais e nunca mais recobrou a consciência depois disso. Eu... eu estava prestes a entubá-la. Estou com a

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bandeja de entubação aqui, com todo o equipamento necessário. Mas... não sei se devo... — Por que ela não está num respirador? — Vem respirando sozinha, embora tenha contraído algumas infecções de menor gravidade no peito ao longo do ano. Quando Abby olhou para o rosto da enfermeira, notando o tremor em sua voz, viu que seus olhos estavam cheios de lágrimas. — Por que você não a intubou? Sabe como fazê-lo, eu presumo. — Oh, sim, eu sei. O problema é que se trata de uma paciente que não deve ser ressuscitada. Embora essa não seja exatamente uma situação de parada cardíaca, isso vai acontecer se eu não a fizer respirar outra vez! — Sim... — concordou Abby. Uma mulher daquela idade teria um coração bom e forte, mas se não recebesse oxigênio logo, ele pararia, causando a morte. A enfermeira segurou-lhe o braço com desespero. — Oh, eu não posso deixá-la simplesmente morrer. Tenho sido sua enfermeira desde que foi admitida nesta unidade. — Lágrimas escorriam-lhe pelas faces. — E sou católica... Isso vai contra tudo em que acredito, deixála morrer desse jeito quando existe chance de salvá-la. Ela tem apenas trinta anos de idade... Enquanto a enfermeira estivera explicando a situação, Abby verificara o equipamento que havia no quarto... o balão de oxigênio e o aparelho de sucção, que eram padrão em qualquer quarto como aquele, a bandeja de intubação, que estava aberta na mesa ao lado da cama. Levou apenas segundos para avaliar a situação e tomar sua decisão. — Vou intubá-la — disse à enfermeira. — Oh, obrigada! — exclamou a mulher com alívio. — Não posso deixá-la morrer. Ah, e tome cuidado, dra. Gibson. Ela é portadora do HIV. Abby assentiu e tomou as providências para se proteger, começando a dar instruções à enfermeira enquanto iniciava o procedimento.

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Em questão de segundos, livrou habilmente os pulmões da paciente de toda a secreção, desobstruindo a passagem de ar, e o peito dela começou a se mexer ligeiramente, enquanto tentava respirar. Mas, como seus esforços ainda não fossem fortes o bastante, Abby passou para a etapa seguinte, colocando-a no oxigênio. — Felizmente você a intubou, dra. Gibson — declarou a enfermeira, enfim. — Obrigada. Pensarei nas conseqüências mais tarde. Acha que ela respirará espontaneamente daqui a pouco? Espero que sim. Do contrário... — Deixou a frase inacabada, pairando no ar como uma nuvem sombria. — Ela começou a querer respirar momentos atrás, mas vou deixá-la no respirador por precaução. — Ambas sabiam que o problema da paciente talvez estivesse mais relacionado ao dano cerebral, um estado de deterioração, do que propriamente ao muco que lhe obstruíra as vias aéreas. — Mas terei melhores condições de responder sua pergunta depois que tiver dado uma olhada na ficha e no histórico médico dela. As conseqüências que a enfermeira mencionara não demoraram a chegar na forma do chefe dos residentes, que subiu ao andar para fazer uma verificação de rotina de seus pacientes. O fato se deu no momento em que Abby foi ao escritório da unidade para procurar a ficha da mulher, arquivada sob o número do quarto. Em sua pressa, não perguntara o nome da paciente. No instante em que achava a ficha, ele entrou no escritório, uma expressão fechada no rosto. — Você não sabia que não deveria ser feito o ressuscitamento daquela paciente? — perguntou numa voz fria, mas baixa, para que ninguém que estivesse perto dali pudesse ouvi-lo. — Por que você a intubou e a colocou num respirador? Ela nem sequer é sua paciente. — Sim, eu fui informada de que ela não deveria ser ressuscitada — respondeu Abby com firmeza. — E não se chegou ao ponto de ter que ser feito um ressuscitamento. Ela não teve uma parada cardíaca. Simplesmente parou de respirar por causa de uma obstrução. Esforçando-se para não se colocar na defensiva diante da evidente censura

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dele, Abby decidiu não justificar sua atitude, mas apenas declarar: — Não tenho o hábito de ficar de braços cruzados enquanto um paciente morre se houver algo que eu possa fazer para impedir. Ele lançou-lhe um olhar penetrante. — E um caso bastante complicado. Ela também é portadora do HIV. — A enfermeira me disse — retrucou Abby abruptamente. — Não há garantia de que ela volte a respirar por conta própria outra vez, não é? Assim, você, ou quem quer que tenha decidido que a paciente não deve ser ressuscitada, poderá ter a satisfação de desligar o respirador, certo? O cenho franzido do chefe dos residentes disse-lhe que talvez ela tivesse ido longe demais. — Ouça... Erguendo a mão, Abby o interrompeu. — Está certo... Desculpe-me. Estou um pouco nervosa no momento. Vai passar. Quando ele deu de ombros e estendeu-lhe a mão, ela aceitou o cumprimento. — Também lhe peço desculpas. Mas acho que é um caso sem esperança. A propósito, sou Stewart Hadley. — Abby Gibson. — Leia a ficha assim mesmo. Talvez a ache interessante. — Anotarei o que fiz, embora não seja minha paciente, para que haja um registro disso. — Claro. Não havia ninguém mais no escritório e, quando ele saiu, Abby sentou-se na beirada da grande mesa a um canto e abriu a pasta que continha a ficha e o histórico médico da paciente. Foi tomada por grande choque de repente quando leu o nome dela. Observou-o fixamente e incrédula pelo que pareceram longos minutos. Kaitlin Amanda Contini. Correu, então, os olhos pela ficha, procurando o nome do parente mais próximo. Sim, ali estava... Blake Contini, marido. Projeto Revisoras

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— Oh, céus! Não leu mais nada, sentindo-se como se estivesse invadindo a privacidade da família Contini. Apenas pegou uma folha em branco da mesa e começou a escrever. O dr. Hadley tinha razão... não era a médica da mulher. Uma rápida olhada na ficha disse-lhe que ela estava sob os cuidados de um dos neurologistas do hospital e de vários outros médicos que se consultavam a respeito entre si. Com cuidado e precisão, mantendo um rígido controle sobre suas emoções, Abby anotou tudo o que fizera por Kaitlin Amanda Contini, incluindo primeiro a parte em que a enfermeira lhe pedira ajuda. Tendo feito aquilo, apanhou a folha de medicação e prescreveu antibióticos para a mulher. Pela ficha, pareceu que não havia muito tratamento ativo em andamento, apesar da impressionante equipe médica que estava cuidando dela... ao menos no papel. A realidade era que provavelmente os médicos apenas cuidavam dela a nível rotineiro, além da enfermeira. — Não vou simplesmente embora! — resmungou Abby consigo mesma. — Terminarei o serviço... e o farei adequadamente. Antes de deixar o andar, diria à mesma enfermeira que a chamara que prescrevera alguns antibióticos para a sra. Contini. Sabia que a competente enfermeira os administraria de imediato. Sra. Contini! Como aquele nome lhe soou estranho. Haviam-se passado apenas duas semanas desde que conhecera Blake Contini, mas, ainda assim, tinha a impressão de que fazia muito mais tempo. Agora, achava que conseguia entender por que ele a beijara com tanto desespero e por que se mostrara tão resguardado em princípio. E o que lhe importava, pessoalmente, que ele fosse casado? Que tinha uma esposa que estava gravemente doente? Mas importava. Por razões que não podia compreender direito, importava muito. Talvez tudo não passasse de uma forte atração física... Fechou os olhos, passando a ponta dos dedos pelas pálpebras, a fadiga começando a dominá-la, em especial após o súbito fluxo de adrenalina que percorrera seu corpo durante a inesperada situação de emergência. Projeto Revisoras

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Depois de devolver a pasta ao arquivo, voltou ao quarto da sra. Contini. A enfermeira, que estava com Stewart Hadley, viu-a parada junto à porta e se aproximou. Ela falou-lhe sobre a medicação que prescrevera. A enfermeira meneou a cabeça, sorrindo. — Eu me certificarei de que ela a receba agora mesmo. Obrigada pelo que fez. Eu a verei no andar mais tarde? Estará visitando as duas pacientes do dr. Wharton? — Sim. Vou tomar um café rápido na lanchonete do térreo e tornarei a subir. Alguém ligou para o dr. Contini... o marido dela? — Como aquilo soava estranho, em especial saindo de seus lábios, pensou Abby. Na verdade, estava ansiosa para deixar aquele lugar um pouco para poder ordenar os pensamentos. — Acabei de telefonar para ele — confirmou a enfermeira. — O dr. Contini virá do Hospital Universitário para cá. Deve estar a caminho agora. Abby deixou o andar, sentindo-se como um autômato. Precisava realmente sair dali.

CAPÍTULO VII

Depois de comprar um café na pequena lanchonete na recepção do hospital, Abby foi sentar-se num banco num trecho gramado em frente ao prédio, à sombra de uma árvore. O rosto de Kaitlin Contini permanecia em sua mente. Imaginou como seria estar em coma por mais de um ano, o pensamento entristecendo-a. Quando ergueu o olhar, viu Stewart Hadley caminhando em sua direção. — A enfermeira disse que eu encontraria você aqui — falou ele, sentando-se a seu lado no banco. — Quero pedir desculpas por minha rispidez. Megan, a enfermeira que está lá no segundo andar, fez com que eu me desse conta disso. — Desculpas aceitas. Projeto Revisoras

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— Você provavelmente não teve tempo de ler o histórico do caso. — Não. Eu ia ler. Então, vi que ela é a esposa de Blake Contini. Foi um choque. Eu trabalho com ele... não o conheço muito bem... — Sim, entendo o que quer dizer. Sabe, eu a vi logo que foi internada aqui. Não tenho reservas em admitir que acho que já é tempo de a deixarmos ir. Soa como algo horrível e eu sinto muito por ela, mas as lesões são irreversíveis. Não há esperança. Temos que ser realistas. A família decidiu que ela não deveria ser ressuscitada, caso houvesse a necessidade, cerca de duas semanas atrás. Foi uma decisão difícil. Ela tem dois filhos. — O que aconteceu, Stewart? — Para resumir a história, Kaitlin teve um longo caso com outro homem, o qual provavelmente lhe transmitiu a AIDS. Ambos foram juntos para a Jamaica para passarem alguns dias e sofreram um acidente de lancha. Ele era uma espécie de playboy rico. Escapou com ferimentos leves, enquanto que Kaitlin foi atirada da lancha e bateu a cabeça, o resultado sendo o coma do qual nunca saiu. — Oh, céus — murmurou Abby, perplexa. — Que terrível. Ela e o dr. Contini estavam separados na época? — Não, ainda eram casados, pelo que sei. Eu disse que era um caso complicado, não? E em vários sentidos. Ela também quebrou ambas as pernas e teve uma lesão na espinha. Está paralisada da cintura para baixo. — Eu não fazia idéia. É claro, o dr. Contini está há pouco tempo no Hospital Universitário. Suponho que seja apenas uma questão de tempo até que o caso se torne de conhecimento geral. — Pode apostar, Abby. É apenas por causa dos excelentes cuidados que está recebendo que ela continua viva. Foi enquanto estava no hospital na Jamaica, após o acidente, que descobriram que ela tem o HIV. O sujeito com quem estava também está internado neste hospital. Seu nome é Todd Braxton e se encontra muito mal, num estágio bem avançado da AIDS. Abby sacudia a cabeça em aturdimento. — Algo mais?

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— Sim. Não acho que Todd vai durar muito. Mas ele ainda consegue andar um pouco. Desce de seu andar para vê-la todos os dias. Senta-se junto à cabeceira da cama segurando-lhe a mão e chora. Ele a ama, sabe, e sente-se culpado. — E deveria? — Acho que sim, porque o que se comenta é que ele causou o acidente. Acho que chora por si mesmo como também por Kaitlin. O fato de se sentar lá, segurando-lhe a mão lhe dá um pouco de consolo, ameniza sua culpa, mesmo que ela jamais saiba de sua presença. — Oh, Stewart, eu mesma sinto a ameaça de lágrimas. Tem razão quando diz que o caso é complicado. — Você precisa ter um senso de perspectiva para manter a mente sã — comentou Stewart, pensativo. — Nós temos feito tudo o que podemos. É o que fico lembrando a mim mesmo. — Sim, eu sei. E devem ter feito um excelente trabalho para mantê-la viva por tanto tempo. Amigos? — Abby estendeu-lhe a mão, e ele apertou-a calorosamente. — Sim, claro. Mantenha seu senso de humor e estará bem. — É o que procuro fazer, mas nem sempre é fácil. Diga-me, e quanto a Blake, o marido de Kaitlin? E os filhos? — Eles vêm vê-la regularmente. E choram também. Ao menos, os garotos, sim. O dr. Contini simplesmente fica com uma expressão péssima — declarou Stewart Hadley casualmente, embora agora Abby soubesse que ele se importava muito com a situação. — Talvez seja melhor deixá-la ir... Mas acho que os filhos gostam de saber que ela está ali, de vê-la... — De que idade são os garotos? — Abby não quisera pensar em Blake como sendo casado, muito menos com filhos. Aquela era uma grande revelação. Seu desapontamento pessoal foi inevitável, mesmo diante da trágica situação. — Têm cerca de dez anos. São dois meninos, gêmeos. — Obrigada por me contar tudo. Foi muita gentileza sua e também lhe peço

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desculpas se pareci um tanto arrogante lá na unidade. — Está tudo bem. Entendo como se sente. Eu mesmo já estive em situações semelhantes e sei como é. — Obrigada por ver as coisas dessa maneira. — Vai subir de volta à unidade? — Stewart levantou-se. — O intervalo terminou? — Sim. — Subirei com você. — Tenho que ver duas pacientes lá. — Ei... falando nele... — Stewart parou quando estavam prestes a entrar no hospital, enquanto um grande Buick cinzento passava em direção ao estacionamento. — Lá vai o dr. Contini. Alguém deve ter-lhe telefonado para informá-lo que sua esposa quase morreu. — Sim, aquele é o carro dele — confirmou Abby, seu coração disparando. — A enfermeira lhe telefonou. — Admitia a si mesma que queria revê-lo, mas talvez fosse melhor evitá-lo se pudesse. A situação era delicada. — Acho melhor eu trocar algumas palavras com o dr. Contini quando ele subir até a unidade — comentou Stewart, enquanto ambos prosseguiam seu caminho. Ia dizer mais alguma coisa, mas foi interrompido pelo sinal de seu

pager. — Droga! É da unidade de tratamento crônico. Talvez Kaitlin tenha piorado. Vou subir depressa. Vejo você depois. Ele rumou para as escadarias quase correndo, enquanto Abby seguiu atrás mais devagar, com uma estranha relutância em voltar à unidade. Também tinha o pressentimento de que algo acontecera com Kaitlin Contini. Se fosse o caso, não iria se envolver. Afinal, não pertencia à equipe daquele hospital. De volta ao segundo andar, decidiu seguir até o banheiro feminino, tentando ganhar tempo, ainda não se sentindo pronta para enfrentar Blake Contini. Também queria tentar aparentar mais otimismo quando fosse ver as duas pacientes que haviam tido derrame. Enquanto seguia pelos corredores, viu uma movimentação junto à entrada do Projeto Revisoras

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quarto de Kaitlin Contini, vários médicos e enfermeiras entrando e saindo dali. Ficou-lhe claro que a mulher tivera uma parada cardíaca e, apesar da especificação em contrário, estavam tentando ressuscitá-la... talvez porque Blake estivesse ali. Ela entrou no banheiro depressa e jogou um pouco de água no rosto, tentando se recompor. Havia algo particularmente trágico na morte de uma mulher jovem, e sua intuição e experiência diziam-lhe que era o que estava acontecendo. Havia também a estranha sensação de que a esperança ainda indefinível que estivera nutrindo se acabava. Enquanto aplicava um pouco de maquiagem, estudou seu reflexo no espelho e soube que começara a ter uma idéia, ainda que vaga, de que o dr. Contini poderia lhe significar algo em termos pessoais, de que existira alguma coisa entre ambos... Agora, em face do que acontecia, tudo parecia loucura, ilusão. — Dra. Gibson! — A voz que a chamou quando deixou o banheiro era inconfundível. Não havia como escapar dele. Estava no meio do corredor, caminhando na direção dela, enquanto a movimentação continuava no quarto da sra. Contini. O rosto de Blake estava lívido quando a segurou pelo braço para detê-la. Com um gesto de cabeça, indicou que deviam entrar numa sala vazia. — O que aconteceu aqui? — perguntou-lhe, num tom áspero quando se viram a sós. — A enfermeira da minha esposa me disse que você ajudou a intubá-la e a colocá-la num respirador. Como acabou se envolvendo... sendo uma residente de clínica geral? Havia um quê de acusação na voz dele, a expressão no olhar distante, tomada pela dor. — Eu estava na unidade para ver duas pacientes do dr. Wharton — começou Abby, um frio percorrendo-a diante da maneira como Blake a fitava, como se mal a visse como um ser humano, apenas como algum tipo de instrumento que poderia, de algum modo, ter contribuído para a morte de sua esposa. — Foi uma emergência. Explicou-lhe rapidamente tudo o que acontecera. — Ela estava bem quando deixei a unidade — concluiu. Projeto Revisoras

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— Kaitlin teve uma parada cardíaca um pouco depois. .Há alguma coisa que você possa ter feito que acabou causando isso? Embora sutil, não passou despercebida a Abby a insinuação de que talvez tivesse sido negligente. — Não — respondeu com firmeza. — Pelo contrário. Eu fiz todo o possível para impedir que ela acabasse tendo uma parada cardíaca. Escrevi na ficha médica todo o procedimento que fiz, dr. Contini, se quiser verificar. Como ela esta? — Nada bem. — Lamento muito. Pelo que entendi, ela não devia ser ressuscitada... — comentou, sabendo que teria sido Blake, como, o marido, a ter tomado aquela decisão. — Mas parece que a decisão foi revogada. — Sim. Quando me ligaram, eu pedi para tentarem salvá-la se Kaitlin piorasse. Quando chega o momento decisivo, não se consegue fazê-lo... não se pode deixar uma pessoa morrer sem se fazer um esforço para salvá-la... não em se tratando de alguém tão jovem quanto ela. — Não. Foi por isso que a coloquei num respirador quando ela teve a parada respiratória. Eu lamento tanto. — Lágrimas marejaram os olhos de Abby, embora tentasse contê-las. Queria confortá-lo, mas não havia meio. — Achei que talvez você tivesse feito algo que acabou cansado isto... — Não vejo como. Tudo o que fiz foi a sucção, do muco, dei-lhe oxigênio, intubei-a e, enfim, coloquei-a no respirador. Depois, só lhe prescrevi antibióticos. — Chocada com o fato de que talvez ele a achasse incompetente, Abby recostou-se numa mesa. — Ela estava ligada a um monitor, é claro. Os batimentos cardíacos e a pressão estavam dentro dos limites normais e o dr. Hadley, o chefe dos residentes, encontrava-se lá quando a deixei. Inquieto, Blake começou a andar de lá para cá pela pequena sala. — Estou apenas querendo entender o que pode ter acontecido. Quando cheguei aqui, estavam tentando fazer o coração dela voltar a bater. Eu sei que era apenas uma questão de tempo... Deveria estar preparado para isto, mas não estou... Projeto Revisoras

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Um médico entrou na sala e fechou a porta. Lançando um rápido olhar a Abby, notando-lhe o avental com um estetoscópio metido no bolso, concluiu obviamente que podia falar na sua frente. — Lamento, mas ela não resistiu, Blake — anunciou o médico num tom grave. — Fizemos todo o possível. Está me parecendo que foi uma embolia pulmonar para o óbito ter-se dado tão depressa. Sinto muito, mas provavelmente foi melhor assim. Ela não soube de nada. — Não... não. — Blake Contini disse as palavras automaticamente, enquanto fechava os olhos por alguns instantes e passava a mão pelo rosto. Abby quis poder abraçá-lo, confortá-lo. Mas manteve-se no lugar, sentindose uma intrusa, desejando poder se tornar invisível. Uma embolia pulmonar... um coágulo na artéria pulmonar... matava depressa, sabia Abby. Quando um paciente passava muito tempo em coma, coágulos formavam-se nas veias das pernas e, às vezes, um pedaço de coágulo desprendia-se e era transportado pela circulação até os pulmões, causando morte instantânea pelo bloqueio de um vaso sangüíneo vital. Sim, aquela teria sido a causa mais provável... Não deveria ter-se preocupado em querer ficar invisível. Os dois homens deixaram a sala sem um olhar para trás. — Gostaria de vê-la, Blake? — perguntou o médico enquanto saíam. — Sim. Abby respirou fundo, esforçando-se ao máximo para se recompor. Devia ir ver as suas pacientes e, depois, precisava retornar para o Hospital Universitário. Não havia mais nada que pudesse fazer ali. Quando saiu para o corredor, Stewart Hadley a chamou. — Não precisa dizer nada. Sei como se sente — disse ele, com gentileza, ao ver-lhe a expressão do rosto. — Espera-se uma coisa, mas não se está realmente preparado quando acontece. — Eu não a conhecia, mas ela era tão jovem... — Sim. Bem, você fez um ótimo trabalho, sabe disso.

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— Acha que foi uma embolia? — Tenho quase certeza. Vão fazer uma autópsia. — O dr. Contini parece achar que minha tentativa de reanimá-la pode ter causado a parada cardíaca. — Ela sussurrou as palavras, angustiada. — Ele chegou a dizer isso? Não vejo como poderia ser. Pobre homem... Ele apenas procura razões... como todos fazemos. Acredito que o quadro dela já estava piorando há vários dias. Isto era inevitável. Não deixe que abale você. — Só espero que o dr. Contini não me culpe de algum modo. — Não se preocupe. Ele vai acabar lendo a ficha e comprovará que você não teve culpa de absolutamente nada. A própria Megan já lhe disse quanto você a ajudou antes que ela tivesse chance de chamar outra pessoa. Bem, agora preciso ir. Vejo você depois, Abby. — Obrigada, Stewart. Também tenho que ir ver as duas pacientes. Era tarde quando Abby chegou em casa naquela noite. Ansiosa por deixar o hospital, por tentar relaxar um pouco antes de ir para seu apartamento, fora a um restaurante sozinha para um jantar simples. Mas seu turbilhão interior continuava. A imagem de Blake não lhe saía da mente, e não sabia como conseguiria conciliar o sono naquela noite. Era tolice sentir-se tão envolvida; afinal, conhecia-o havia pouco tempo. Ainda assim, estava envolvida. Fez nova tentativa para relaxar tomando um longo banho quente. Quando vestia sua camisola, ficou surpresa em ouvir o interfone, indicando que alguém estava na entrada do prédio, querendo subir. Em geral, seus amigos e familiares telefonavam antes de aparecerem para uma visita. — Olá, aqui é Blake Contini — disse a voz familiar quando ela atendeu o interfone, como se o tivesse materializado de seus pensamentos. O coração de Abby disparou, um misto de emoções dominando-a, incluindo o temor de que ele ainda a achasse de alguma forma culpada pela morte da esposa. — Oh, olá — respondeu, incapaz de ocultar sua surpresa. — Eu estava por perto e decidi passar por aqui, se você não se importa. Há Projeto Revisoras

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algo que eu gostaria de lhe dizer. —Bem... — Ela limpou a garganta, ciente de que não estava adequadamente vestida. — Pode subir. Acho que precisamos mesmo conversar. Decidindo não se trocar às pressas antes que ele subisse, apenas colocou um robe por cima da camisola e o esperou junto à porta. — Peço-lhe desculpas por aparecer neste horário — disse ele ao vê-la de robe. — Eu tinha que vir. — Está tudo bem. Por favor, entre e sente-se. Vou me trocar. Abby quase correu para o quarto a fim de vestir calça comprida e um suéter, esperando que ele estivesse preocupado demais com seus problemas para ter notado sua alegria em vê-lo. E também estava nervosa. Por que Blake estaria ali se não para falar sobre Kaitlin? Bem, era melhor resolverem aquilo logo de uma vez por todas. — Gostaria de um chocolate quente? — perguntou quando voltou à sala, encontrando-o sentado no sofá. — Eu ia fazer um para mim, já que a noite está fria. — A oferta corriqueira ajudou a dissipar o ar de tensão. — Sim, obrigado. Adiantando-se até a cozinha, Abby ponderou que ele ainda devia continuar em estado de choque. Parecia estar falando e agindo automaticamente, como se sua mente estivesse em outro lugar. — Eu vim até aqui principalmente para me desculpar — disse Blake, minutos depois, quando ela depositou uma bandeja com duas canecas de chocolate quente na mesa de centro. — Lamento ter insinuado que você possa ter contribuído para a morte de Kaitlin. Foi uma grande tolice de minha parte dizer uma coisa dessas. Sei que você não teve culpa de nada e espero que me perdoe. Abby apenas meneou a cabeça enquanto lhe entregou uma caneca fumegante, esperando não deixá-lo perceber quanto ficara magoada com aquela insinuação. — Já fizeram a autópsia — prosseguiu ele. — Encontraram embolia múltipla no sistema pulmonar, o que causou a morte imediata. Ela também tinha

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pneumonia e outras infecções que estavam sendo impossíveis de tratar. Abby tornou a menear a cabeça, tomada pela compaixão. — Eu sinto tanto, Blake. — Corou ao se dar conta de que o chamara pelo primeiro nome. Foi algo que acrescentou um toque de intimidade ao encontro, até então tão desprovido de emoção. Ambos bebericaram seu chocolate quente por alguns momentos em silêncio. — Obrigado por seus esforços — disse ele, enfim. — Sei que agi sem pensar quando cheguei ao hospital. Mas quero que saiba que sou grato pelo que você fez. — Você... gostaria de falar a respeito? Não comentarei com ninguém. Stewart Hadley me contou algo sobre as circunstâncias. Eu não li o histórico do caso, na verdade. Não quis invadir sua privacidade. Ele levou a caneca aos lábios, hesitando por alguns momentos, como se fosse difícil falar sobre si mesmo. — Kaitlin e eu não vivíamos como marido e mulher havia bastante tempo, vários anos, embora ocupássemos a mesma e casa e continuássemos sendo pais unidos para nossos filhos. Achávamos que não seria justo com os meninos se nos divorciássemos. Nós nos casamos jovens demais. Ela tinha apenas vinte anos, e eu, vinte e cinco. Foi uma decisão precipitada, mas, com a obstinação da juventude, achávamos que estávamos agindo certo. — O que deu errado? — Eu não fui um bom marido para Kaitlin — confessou ele, sua voz quase inaudível. — Só acabei enxergando quando já era tarde demais que ela precisava de mais do que uma casa adorável com todos os bens materiais e filhos. Em princípio, Kaitlin parecia adorar aquilo. Era como uma garotinha brincando de casinha. Então, cresceu. — Continue, por favor. — Além de todos os bens materiais, tudo o que dei a ela foi a «chance de esperar em casa sozinha quase todas as noites, aguardando, enquanto eu trabalhava no hospital... o grande homem, salvando vidas. — A raiva de si mesmo ficou evidente na voz de Blake.

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— Você realmente salvou vidas. — Sim, mas a que custo? As conseqüências foram que uma mulher jovem foi obrigada a procurar amor e companheirismo fora de seu casamento. Ela me disse, mais de uma vez, que um casal devia passar um mínimo de tempo junto, que esse era um dos propósitos de um casamento. Ignorei essa necessidade. — Você não a amava? — A vontade de saber sobrepujou a costumeira reserva de Abby. — É claro que a amava. Mas eu estava sempre ausente. Kaitlin vivia solitária. Precisava de afeição e de atenção, duas coisas que não lhe dei, exceto esporadicamente, quando conseguia conciliar minha vida pessoal com o trabalho. —- É uma história comum, receio eu — comentou Abby, com um suspiro. — Médicos tendem a achar que o trabalho que fazem é o mais importante do mundo... Todos somos culpados disso. O que temos que compreender é que uma criança só tem um pai de verdade, uma mãe... e que um marido ou esposa precisam de tempo também. — Sim... Por que fazemos isso? Por quê? — Blake fechou os olhos e passou as mãos pelo rosto por alguns momentos, como se pudesse apagar as imagens quê o atormentavam. — Há tantas coisas que são arbitrárias na vida. Acho que um dos motivos para trabalharmos tão compulsivamente é porque queremos tentar colocar um pouco de ordem nessa arbitrariedade... nesse caos. — Enganamos a nós mesmos achando que podemos ter tudo. Então, acabamos arruinando a vida de alguém... — Pare com isso! As circunstâncias tiveram muito a ver com o fim de seu casamento. Todos sabemos que a medicina exige muito de um profissional, que não o deixa com muito tempo ou energia de sobra. Acabamos nos envolvendo demais no nosso trabalho. Não há por que você se culpar totalmente. — Mas eu me culpo. Kaitlin era jovem demais para protestar muito em princípio, inexperiente demais com os homens. E por algum tempo ela Projeto Revisoras

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também se deixou levar pelo mito de que a parte mais importante de minha vida era a profissão. Finalmente, acabou procurando fora do casamento a atenção que não lhe dei. — Onde entra Todd Braxton nessa história? — Foi o último dos vários namorados dela. Eventualmente, Kaitlin descobriu que outros homens a amariam, que lhe dariam o que precisava. Era uma bela mulher, meiga, adorável. Queria se divertir, como todas as pessoas jovens. Foi mais uma coisa que não lhe dei. De muitas maneiras eu a destruí. — Oh, Blake — disse Abby, ansiando por tomar-lhe as mãos nas suas, confortá-lo de algum modo, mas esforçando-se para se conter. — Nós todos acabamos desapontando as pessoas em algum aspecto, mesmo quando não queremos. Não podemos ser todas as coisas para elas. — Talvez não. Mas eu poderia ter dado muito mais a Kaitlin. Enquanto viver, jamais me perdoarei — declarou ele, amargurado. Recostou-se, então, no sofá, soltando um longo suspiro. Daquela vez o silêncio era menos tenso. Havia uma certa empatia entre ambos, e Abby também pôde relaxar na cadeira que puxara para perto. Pensativa, esvaziou sua caneca de chocolate quente. Havia pouco que poderia dizer. Era melhor apenas ouvir. — Muitas das tragédias da vida são prosaicas, mundanas em suas origens... não heróicas. O que aconteceu com Kaitlin teria sido quase corriqueiro se o resultado não tivesse sido tão terrível... — Como... como se descobriu que ela era portadora do HlV? — Fizeram o exame na Jamaica depois do acidente. Foi feito outra vez aqui quando foi trazida ao país e houve confirmação do resultado. — Entendo. — Também me submeti ao exame... para ver se talvez eu havia transmitido o vírus a ela quatro anos atrás. Isso teria acabado comigo. Mas o resultado foi negativo. — Quatro anos atrás? — Foi a última vez que estivemos juntos como marido e mulher. Projeto Revisoras

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— Oh... Foi talvez providencial que o telefone tocasse um momento depois. Para Abby, a interrupção foi um alívio. Queria ficar a sós e chorar, a dor que vira nos olhos de Blake causando um profundo pesar em seu coração. — Aqui é do serviço de localização do Hospital Universitário — disse uma voz feminina quando ela atendeu o telefone. — Há uma mensagem para você, dra. Gibson, de uma paciente, Kyra Trenton. Ela pede para lhe telefonar quando possível. Disse que é muito importante, mas não urgente. O número é o seguinte... Abby franziu o cenho, confusa. — Kyra Trenton? — murmurou o nome. — Ah, sim — disse, lembrando-se da jovem de dezesseis anos que estava grávida. Anotou o número do telefone depressa num bloco de papel, dando-se conta de que Blake se levantara. — Eu tenho que ir. Já tomei muito do seu tempo. — Não, não tomou. Não precisa ir já... — Não? — Ele conseguiu abrir um pequeno sorriso. — Não quero aborrecê-la com meus problemas. Você foi bastante compreensiva. Obrigado. Por alguns momentos ambos se entreolharam, bem próximos um do outro. — Acho que você faria o mesmo por mim se eu estivesse com esse tipo de problema — disse ela, sincera, fitando-o com intensidade —, apesar do que me falou sobre eu ter negligenciado sua esposa. Sem saber exatamente como aconteceu, aproximaram-se mais um do outro ao mesmo tempo e, de repente, abraçaram-se. Abby sentiu-lhe os braços fortes envolvendo-a e fechou os olhos, aliviada. Tudo ficaria bem. Ele não a culpava de nada. Abraçou-o pela cintura em retribuição. Não havia nada de sexual no abraço de ambos... era um gesto confortador, solidário. — Obrigado por ter-me ouvido. Você será uma ótima clínica geral... uma das melhores.

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— Obrigada. Blake afagou-lhe os cabelos, encostando o rosto na fronte dela. Tiraram um estranho tipo de consolo um do outro, enquanto o clima era desolador. Abby sabia que havia um longo caminho a percorrer se queria se aproximar dele em outro sentido. Ansiava por aquela proximidade, embora Blake tivesse praticamente dito que era incapaz de dar de si mesmo. Ela não acreditava. Aquele pressentimento inicial que tivera de que as vidas de ambos estariam interligadas achava-se mais presente do que nunca. Continuaram abraçados por longos momentos, sentindo o restante da tensão ir se dissipando. — Tenho que ir agora — disse ele, enfim. — Meus filhos devem estar sentindo minha falta. Estão bastante vulneráveis no momento, é claro. — Entendo. Estou aqui quase todas as noites, se você sentir a necessidade de conversar. — Eu me lembrarei disso. — Quando já estava prestes a sair, Blake virou-se da porta. — A festa não será mais neste sábado, é claro. Foi adiada por duas semanas. Não pude cancelá-la por completo... os bufês planejam esse tipo de coisa por um longo tempo. É um evento anual. Vou tirar alguns dias de folga, mas não quero deixar o sr. Simmons por tempo demais. Gosto de acompanhar o caso de perto. Vejo você na semana que vem. Boa noite. Abby despediu-se com um leve sorriso. Enquanto fechava a porta de seu apartamento, deu-se conta de que ele, com seu último comentário, resumira o dilema do médico que tinha pacientes gravemente doentes contando com sua presença contínua.

CAPÍTULO VIII

— Minha mãe está em Gresham. Apareceu inesperadamente para passar o fim de semana — disse Kyra Trenton quando Abby lhe telefonou quinze minutos depois. Embora fosse tarde, aquilo desviou-lhe os pensamentos de Projeto Revisoras

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Blake e a fez concentrar-se de volta no trabalho e na mensagem que recebera do serviço de localização do hospital. — Prossiga — encorajou-a ela. — Obrigada por conversar comigo, por estar falando de sua casa. Estou no apartamento de minha mãe — disse a garota numa voz baixa. — Ela está dormindo agora. Eu... estou quase aceitando a idéia de que talvez deva lhe contar que estou grávida. Quero... pedir seu conselho, dra. Gibson. E fiquei me perguntando se, talvez, você poderia lhe contar... — Então, você realmente não chegou a decidir se quer que ela saiba? — Abby falou com gentileza, sabendo que a coragem na voz da jovem era apenas aparente, uma fachada destinada a esconder sua extrema vulnerabilidade. — Não. — Bem, uma vez que não conheço sua mãe, você terá que me dar alguma idéia de como acha que ela reagirá à notícia. Terá que se basear na maneira como já a viu reagindo anteriormente a situações graves, ou algo assim. Houve silêncio do outro lado da linha, durante o qual Abby quase pôde ver a garota franzindo o cenho. Devia ter precisado de muita coragem para ligar para o hospital a fim de entrar em contato com ela. — Não tenho certeza. Minha mãe é uma mulher do tipo equilibrado. Mas não sei se ela preferiria não saber... para não ter que lidar com o problema. E eu não suportaria se ela contasse ao meu pai. — E acha que contaria? Mesmo que você lhe pedisse que não o fizesse? E ela apoiaria sua decisão quanto ao aborto? Seguiu-se novo silêncio. — Eu certamente conversarei com ela se você quiser — prosseguiu Abby. — Mas acho que precisa refletir um pouco mais a respeito. Por que não me liga mais tarde ou amanhã cedo, por volta das sete e meia? Assim, terá a chance de pensar mais sobre o que acha melhor. — Está bem. — Eu a apoiarei na decisão que você tomar. Pense em como você vai se sentir Projeto Revisoras

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a longo prazo se ela não souber... ou se souber. Tente imaginar qual seria o resultado em ambas as situações e se, algum dia, você vai querer lhe contar, se não o fizer agora, e como sua mãe reagiria por não ter sabido antes. — Sim. Obrigada, dra. Gibson. Seu trabalho como clínica geral seria mais daquela maneira, pensou Abby, enquanto tornava a vestir sua camisola. Estaria mais envolvida na vida pessoal dos pacientes do que fazendo ressuscitamentos dramáticos como o de Kaitlin Contini. Sabia que haveria ocasiões em que sentiria falta daquelas situações de emergência em que precisava de toda a sua habilidade para salvar uma vida. Por outro lado, o que queria realmente fazer, e no que se julgava mais habilidosa, era ajudar as pessoas nos aspectos mais amplos de suas vidas. Kyra telefonou-lhe às sete e meia da manhã seguinte, enquanto ela se arrumava para sair para o trabalho. A jovem lhe disse que havia decidido contar à mãe sobre a gravidez, e Abby manteve sua oferta de fazê-lo. Combinaram que ela iria ao apartamento da mãe de Kyra no domingo, por volta das onze da manhã. Pareceu estranho a Abby ir para o trabalho, sabendo que Blake não estaria em nenhum dos vários andares que compunham o imenso edifício do Hospital Universitário. Enquanto caminhou pelos corredores, visitou pacientes nos andares, atendeu na clínica geral, uma sensação de vazio a acompanhou. Ao que tudo indicava, apesar de seus esforços em contrário, ficara emocionalmente envolvida com o novo chefe do departamento de medicina interna. No domingo, a conversa com a mãe de Kyra, no apartamento dos Trenton, situado numa área nobre de Gresham, não foi das mais fáceis, como havia esperado. Temendo a reação da mãe, a jovem saiu, deixando-as a sós. Abby explicou à sra. Trenton que era a clínica geral de Kyra e que a filha havia lhe pedido para terem aquela conversa. — Mas do que se trata? — perguntou a sra. Trenton, apreensiva, enquanto ambas se sentavam na elegante sala de estar. — Minha filha está doente? — Não. Kyra está grávida.

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A mulher arregalou os olhos e levou a mão aos lábios. — Oh, céus! — exclamou. — Em princípio, Kyra não queria lhe contar, mas mudou de idéia. Ela decidiu fazer um aborto. Está aos cuidados de um ginecologista do Hospital Universitário. Na verdade, está com a cirurgia programada para esta semana. — Oh, céus! — repetiu a mulher, chocada. — Você tem certeza? — Sim, fizemos um exame para confirmar a gravidez. Ela está de seis semanas. A sra. Trenton recostou-se no sofá e fechou os olhos. Soltou um profundo suspiro e só encontrou a voz longos momentos depois: — Meu marido e eu só concordamos em deixá-la aqui nesta cidade porque Kyra estaria no colégio interno. Ela insistiu em continuar estudando lá, em vez de se mudar conosco. Não imaginei que algo assim fosse acontecer. Quem mais sabe a respeito? — Ninguém. E Kyra não quer que o pai saiba. Sem mencionar que tem medo de que a história saia nos jornais. — Pobrezinha — disse a mulher, angustiada. — E pensar que tem passado por isso sozinha. Ficarei aqui, é claro, para estar a seu lado. Eu... acho que a negligenciei nos últimos meses, desde que meu marido e eu nos mudamos para Ottawa. Bem, teremos que lidar com a situação da melhor maneira possível. Não vou ficar zangada. Espero que ela não tenha achado... — A voz morreu-lhe na garganta e mordeu o lábio inferior, como se estivesse lutando contra as lágrimas. A porta do apartamento bateu. Ambas viraram-se na direção da entrada da sala enquanto Kyra se aproximava. — Não consegui ir a nenhum lugar — disse a garota. — Apenas fiquei lá em baixo, andando pela rua. A sra. Trenton levantou-se e estendeu os braços. — Você poderia ter-me contado, querida. — Eu tive medo. — Kyra atirou-se nos braços da mãe, chorando, Projeto Revisoras

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— É claro. — A sra. Trenton abraçou-a com força. — Jamais torne a pensar que não estarei a seu lado. Sei que posso não dar essa impressão às vezes, mas sempre coloco você e seus irmãos em primeiro lugar. Ficarei em Gresham agora... arranjarei algum pretexto para estar aqui. Ficará tudo bem. Abby pôde ver o alívio na jovem por ter desabafado. — Obrigada, dra. Gibson — disse Kyra, ao notar que ela se levantava, preparando-se para sair. — Você estará bem agora? — Sim. — A garota conseguiu abrir um sorriso por entre as lágrimas. A mudança nela foi notável, só por saber que a mãe estava a seu lado. Na quarta-feira daquela semana, Abby viu Blake pela primeira vez desde a visita a seu apartamento. Encontrou-o no segundo andar, no escritório da unidade em que o sr. Simmons tinha seu quarto. — Oh, bom dia — disse ela, hesitante, enquanto entrava no escritório para verificar o tratamento mais recente do paciente de ambos, cujos dados estariam no computador. Enfermeiras entravam e saíam, atarefadas. Era bom revê-lo, embora a morte da esposa dele tivesse, de algum modo, formado uma barreira entre ambos, a despeito da conversa dos dois posteriormente. — Como vai? — perguntou-lhe, não se sentindo à vontade para chamá-lo pelo primeiro nome no ambiente de trabalho devido àquele distanciamento. — Bom dia, Abby. Estou bem. — O rosto de Blake estava sério, tenso. — Eu estava prestes a ir ver o sr. Simmons. Presumo que seja por isso que está aqui. — Sim. Pensei em vê-lo agora que a primeira^ etapa da quimioterapia terminou. Ele ainda deve estar muito indisposto. — Podemos vê-lo juntos. Ficaram no quarto do paciente cerca de quinze minutos. Vendo-o tão exausto e abatido, ela ofereceu-lhe algumas palavras de consolo e, depois, manteve-se em silêncio, anotando os dados do monitor, enquanto Blake Projeto Revisoras

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conversava com ele sobre a etapa seguinte do tratamento, procurando animá-lo. Abby perguntou-se como ele conseguia fazê-lo sendo que devia estar sofrendo tanto. Talvez fosse daquele modo que encontrava conforto. E, de qualquer maneira, aquilo fazia parte do trabalho. Quando deixaram o quarto, Blake perguntou-lhe se tinha tempo para um rápido café na lanchonete. — Bem... — Abby consultou seu relógio, sabendo que diria que sim, qualquer que fosse o horário, embora ainda houvesse um certo temor em seu coração de que ele não confiasse completamente nela depois de ter intubado sua esposa. — Eu gostaria muito de um café e, uma vez que a lanchonete fica perto da próxima clínica a que tenho que ir, vamos, sim. — Ótimo. É por minha conta. — Ambos caminharam rapidamente pelo movimentado corredor. — Não precisa fazer isso — sorriu ela, sentindo seu estado de espírito melhorar. — Faço questão. — Ele retribuiu o sorriso, os traços de seu rosto se iluminando. Talvez as coisas ficassem bem entre ambos, afinal. Quando já estavam sentados na grande lanchonete no andar principal do hospital, com duas xícaras de café fumegante na frente de ambos, Abby viu-se contando a história de Kyra Trenton e de como acabara indo conversar com a mãe da jovem. — Tentei aconselhá-la da melhor maneira que pude, mas não sei se estou fazendo a coisa certa. Ela já estava decidida sobre o aborto e tudo o que pude fazer foi dizer-lhe para refletir bem antes de tomar uma atitude. Mas quem pode garantir que Kyra não vai se arrepender de sua decisão daqui a alguns anos? — Ninguém. Você agiu certo. Não há mesmo muito que você possa fazer além de ouvi-la e falar-lhe sobre suas opções. Ao final, a decisão, seja qual for, terá que ser dela. Pelo que conheço de jovens da idade dela, em geral acabam tomando instintivamente a decisão que é melhor para eles em algo Projeto Revisoras

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assim, no estágio da vida em que estão, quando chega o momento. Um pouco de medo os deixa mais conscientes. Ela ficará bem, desde que tenha alguém a seu lado. — Você me parece bastante sábio — comentou Abby, um tanto timidamente. — Não sou sempre sábio para mim mesmo — argumentou Blake, pensativo. — Mas eu tenho dois filhos, lembra-se? Tornou a abrir um sorriso caloroso, apesar do ar sério em seus olhos azuis. Aquele sorriso era capaz de derretê-la. — Costuma ser mais fácil saber o que fazer quando os problemas são das outras pessoas, não? Estou contente neste momento de não ter uma filha de dezesseis anos. Abby descobriu-se retribuindo o sorriso, fitando-o nos olhos. — E como estão seus filhos? — Eles receberam a notícia como se não estivessem surpresos. Talvez sejam mais perspicazes do que imaginei. Estão bastante tristes, é claro. Vão precisar de tempo para superar a morte da mãe. — E quanto a você? — Para mim, o tipo de sentimento é diferente. Eu não estava mais ligado emocionalmente a Kaitlin há muito tempo. Ela deixou de me amar primeiro. O que tenho que lidar é com a culpa de não ter sido um bom marido, um companheiro. Como muitas pessoas, eu gostaria de poder voltar no tempo... Ela quis lhe perguntar o que ele teria mudado se pudesse, mas não teve coragem de colocar seus pensamentos em palavras. Teria se esforçado para ser mais atencioso com Kaitlin? Ou não teria se casado com ela? — Como está o dr. Ryles? — acabou perguntando. — Está bem melhor. E parece que eu e alguns amigos dele estamos obtendo algum progresso no sentido de que seu departamento seja mantido como está. — Permanentemente? — Esperamos que sim. Will deverá ter alta dentro de um dia ou dois. Depois, apenas terá que voltar à clínica de cardiologia para consultas de rotina. — Fico contente que ele tenha se recuperado. Bem, eu... tenho que ir para a Projeto Revisoras

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clínica geral agora. Obrigada pelo café. — Espero vê-la na minha festa. Uma vez que não pôde ser cancelada, depois de todos os preparativos em andamento, o melhor que temos a fazer é tentar espairecer um pouco. Precisarei ver alguns rostos jovens e sorridentes lá. — Não sei se estarei sorrindo, mas eu me empenharei ao máximo. Sim, eu irei. Enquanto deixava a lanchonete, Abby afastou seus pensamentos com dificuldade de Blake Contini. Mais tarde naquele dia atenderia Kyra Trenton e a mãe, para terem uma conversa final antes que a garota voltasse ao final da semana para a operação, se assim decidisse. Estava tudo programado, mas ainda havia tempo para Kyra mudar de idéia se quisesse. Seus pensamentos passaram da jovem para Gary Barlow, cuja radiografia acusara um diagnóstico de provável câncer no pulmão. Haviam-lhe marcado outro

exame

no

departamento

de

radiologia,

uma

tomografia

computadorizada, que permitiria uma melhor avaliação do tumor. Depois daquilo, seria feita uma biópsia. Ao menos fora o dr. Wharton, não ela, que tivera que dizer ao sr. Barlow sobre o provável câncer, dando-lhe também a boa notícia de que o mal parecia não ter-se espalhado. Ele parará de fumar instantaneamente, ao que parecia, mas era tarde demais.

CAPÍTULO IX

O dia da festa ao ar livre amanheceu agradável e límpido, um belo dia de verão com pássaros chilreando e a promessa de bastante calor, com possível chuva ao final da tarde. Chegando de táxi à tarde na residência dos Contini, para encontrar uma grande casa cercada de gramados e amplos jardins, Abby sentiu súbita timidez, dando-se conta de que sabia bem pouco sobre Blake. Enquanto o táxi se afastava, deixando-a diante de imponentes portões de ferro, abertos para receber os convidados, perguntou-se se iria se sentir como » Projeto Revisoras

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proverbial peixe fora d'água. Uma imensa tenda fora erguida no gramado na lateral da casa, onde garçons cerimoniosos circulavam entre as mesas compridas. Então, o evento não iria ser um simples churrasco, como Blake dera a entender... seria algo muito mais formal. Uma pequena multidão de convidados já circulava junto a uma mesa de drinques, o som de risos e vozes ecoando pela tranqüila rua residencial que não ficava muito longe do centro de Gresham. Dois carros pararam diante da propriedade e mais convidados desceram. Passando pelos portões e seguindo atrás dos recém-chegados, ela teve a sensação de que seria uma das pessoas mais jovens ali. Pelo que podia ver, a maioria dos convidados era de meia-idade e mais velha, a elite da administração hospitalar e da profissão médica. Quase desejando poder se retirar, sentiu-se nervosa até que viu Blake se aproximando do grupo que ela seguira. Esperou até que ele cumprimentasse a todos, deixando-a por último. — Abby, que bom vê-la. — Percorreu-a com um olhar intenso, observando-a no delicado vestido de crepe florido que lhe moldava discretamente as curvas do corpo. Por sobre o braço, ela levava um cardigã leve. Deixara os cabelos soltos, os reflexos avermelhados reluzindo sob o sol. Blake inclinou-se para beijá-la na face, cumprimento corriqueiro trocado pelos demais convidados, mas aquele toque dos lábios sedutores em sua pele fez com que uma onda de calor percorresse o corpo dela. Seus olhares, então, encontraram-se por um longo momento. — Você veio de carro? — perguntou ele. — Não, vim de táxi. Não tenho carro. — Então, talvez eu possa levar você para casa, especialmente se ficar até o final da festa. Haverá dança um pouco mais tarde, sendo que encontrei uma boa banda para isso. — Ele segurou-lhe o cotovelo com gentileza, conversando para deixá-la à vontade. — Venha, vou providenciar-lhe uma bebida e em seguida eu a apresentarei ao único outro residente que já chegou.

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O outro residente era Tim Barrick, que pareceu tão aliviado em vê-la quanto Abby a ele. — Na verdade, acho que vocês já se conhecem. — Blake sorriu-lhes, caloroso, deduzindo que estariam se sentindo deslocados. — Divirtam-se. Enquanto mais convidados chegavam, deixou-os, mas não sem murmurar antes para Abby: — Falo com você depois. Apesar de seu ar cansado e da expressão um tanto vaga nos olhos azuis, apenas aqueles que o conheciam bem poderiam provavelmente ter dito que ele estava sofrendo com a morte da esposa, ponderou ela, enquanto o observava afastar-se. — Ele me levou a acreditar que isto seria um churrasco simples e descontraído debaixo de uma árvore — disse Tim. — Não uma festa ao ar livre para a realeza. A expressão no rosto dele estava tão mortificada que Abby riu, divertida. Pegando-lhe o braço, conduziu-o na direção da tenda de comida. — Talvez o dr. Contini soubesse que não viríamos se dissesse que era um evento pomposo. Vamos comer alguma coisa, sim? Estou faminta. Nós nos divertiremos, veremos como vivem os ricos. Está bem? — Sim, vamos nos divertir o máximo que pudermos, pois amanhã estarei de plantão. Apesar de seu ar descontraído, ao mesmo tempo Abby sentia uma estranha desolação. As esperanças vagas que nutrira em relação a Blake Contini pareciam-lhe cada vez mais absurdas. Tinha a impressão de que ele ainda estava emocionalmente envolvido com a falecida esposa, apesar de ter negado aquilo. E, pai de dois filhos, era provável que não se interessaria por uma jovem residente que tinha que comprar suas roupas em liquidações a fim de poder pagar os empréstimos que fizera para custear os estudos. Quando, mais tarde, a música começou mal conseguiu abafar o som alto das conversas e risos. Projeto Revisoras

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Abby e Tim haviam bebido uma quantidade razoável de vinho àquela altura. Os amplificadores eram necessários para que a música fosse ouvida na grande tenda e para atrair as pessoas para a pista de dança de madeira polida que fora montada um pouco além. Aquele não seria um evento que avançaria pela noite, mas evidentemente Blake planejara torná-lo divertido para os que ficassem por mais de uma hora ou duas. Abby estava se sentindo zonza por causa do vinho e das poucas horas que dormira quando Tim lhe perguntou numa voz um tanto pastosa: — Gostaria de dançar? — Eu adoraria, desde que você prometa beber várias xícaras de café forte antes de voltar para casa dirigindo. — Ambos se encaminharam até a pequena pista de dança. — Não vou dirigindo. Voltarei a pé. — Mesmo assim — disse ela, enquanto praticamente apoiavam um ou outro, movendo-se ao ritmo da música. Já havia algum tempo que notara que Blake estava dançando, mudando de uma parceira para outra, sem dúvida fazendo todas aquelas mulheres se sentirem bem-vindas. Admitindo uma ponta de inveja enquanto o observava discretamente, ansiou para que ele fosse tirá-la para dançar. — Tenho que ir ao banheiro — disse Tim dei repente. — Preciso arranjar um copo de água. — Você está se sentindo bem? — Sim. — Não vai vomitar, não é? Se for o caso, talvez eu tenha que fingir que não estou com você. — Não. E todos sabem que está comigo. Abby adiantou-se até a extremidade da pista de dança, enquanto Tim abria caminho pela pequena multidão em direção à casa. Inesperadamente alguém pegou seu braço e ela se viu frente a frente com seu anfitrião. — Espero que não esteja indo embora antes de me conceder ao menos uma dança — disse Blake, fitando-a com ar inquiridor. — Está se divertindo? Projeto Revisoras

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— Sim, muito — respondeu ela, sincera. Cambaleou de leve, é ele a segurou, deixando-a ciente de seu corpo alto e musculoso. Enquanto a amparava, pareceu estranhamente familiar a Abby naquela multidão, mas, ao mesmo tempo, sofisticado e distante de seu mundo. — Estou me sentindo um pouco zonza. Bebi vinho demais e não dormi muito na noite passada. Mas não estou embriagada. Ainda posso dançar. — Ótimo — disse ele, com um brilho divertido no olhar. Abraçou-a e colocou-lhe os braços em torno de seu pescoço. — Segure-se em mim. — Não estou embriagada — repetiu ela, indignada, mantendo-se rígida, mas permitindo-se apreciar o contato dos corpos de ambos. — Não, é claro que não. — Blake abriu um sorriso que lhe iluminou o rosto bonito, e ela descobriu-se cativada, sorrindo de volta, satisfeita em conseguir deixá-lo descontraído. Lembrou-se do ar soturno no rosto dele após a morte da esposa. Por mais que tentasse, não conseguia tirar aquela imagem de sua mente. Também se lembrou do que o ouvira dizendo: Eu não estava mais ligado emocionalmente

a Kaitlin há muito tempo. — Esta é uma dança por obrigação? — Não. Eu deixei você por último. Isto é puro prazer. — Ele a estreitava junto a si na pista apinhada onde mal havia espaço para se moverem e ninguém se perguntaria por que estavam tão colados. Em poucos momentos, um calor percorreu Abby por inteiro e foi tomada pela sensação de que seu lugar era naqueles braços. Embora dissesse a si mesma que era loucura sentir-se daquela maneira, não conseguia evitar. Se ele se sentia afetado do mesmo modo, não demonstrou abertamente, mas também ficava claro que não estava indiferente, que não a tirara para dançar por mera polidez. Ou ao menos foi a impressão que Abby teve, embora lembrasse a si mesma que não devia tirar conclusões precipitadas. Mais e mais casais lotavam a pequena pista, rindo. Ela acabou avistando Tim no gramado, à sua procura. Alguns dos outros residentes estavam com ele. — Acho que vai cair um temporal — disse-lhe Blake ao ouvido. De fato, grossas nuvens tinham avançado pelo céu azul, escurecendo o dia Projeto Revisoras

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prematuramente e baixando de leve a temperatura. — Sim — concordou ela, sentindo-lhe o hálito quente junto a seu ouvido. As pessoas começaram a ir embora com despedidas apressadas e pedidos de desculpas cerca de vinte minutos depois, quando as primeiras gotas de chuva caíram. — Entre na casa — sugeriu Blake, soltando-a para se despedir dos convidados. — Levarei você para casa quando todos já tiverem ido, se desejar. — Sim, obrigada. Abby correu da tenda para a casa, com as gotas de chuva penetrando pelo crepe fino de seu vestido. Logo cairia um verdadeiro temporal. No espaçoso vestíbulo da frente, viu que várias outras pessoas haviam buscado abrigo, inclusive Ronald Slater, o detestável diretor geral do Hospital Universitário. Ficara um tanto surpresa em vê-lo na festa mais cedo, pois tinha a impressão de que Blake não gostava dele. Mas, obviamente, teria sido falta de cortesia não convidá-lo, concluíra. Agora, Ronald Slater estava bem na sua frente enquanto ela tentava abrir caminho pela multidão para chegar até a escadaria e encontrar um banheiro no segundo andar. — Acho que ainda não fomos apresentados — disse-lhe ele, os olhos descendo até os seios dela antes de tornar a fitá-la. Havia algo sugestivo naquele olhar, um ar possessivo que fez Abby gelar. Sem baixar os olhos para si mesma, deu-se conta de que a chuva devia ter deixado seu vestido um tanto transparente em alguns lugares, talvez relevando os contornos de seu sutiã. — Você é uma das residentes, creio eu? — Sim — respondeu ela, sem conseguir pensar em mais nada para lhe dizer. — E gosta do Hospital Universitário? — indagou Ronald Slater, os olhos pequenos observando-a com interesse. Recobrando-se, Abby sustentou-lhe o olhar. — Estou no programa de treinamento de clínica geral — informou-o sem Projeto Revisoras

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sorrir. — É ótimo, mas mal posso esperar para sair para o mundo real. Com seu tom, esperou que o estivesse deixando saber que não achava que o atual clima tenso do hospital representasse a realidade, nem as crises deliberadamente orquestradas, que, no fundo, não passavam de pretextos para tirarem dinheiro do orçamento já apertado. — Nós temos pensado em eliminar o programa de treinamento de clínica geral — declarou Ronald Slater à queima-roupa. — Oh, é mesmo? — Abby arqueou as sobrancelhas, dizendo a si mesma que não havia razão para apreensão. Era improvável que algo de importância crucial como o programa de treinamento pudesse ser eliminado do hospital. — Seria um erro. — Por quê? — O hospital tem a boa reputação de dar treinamento a profissionais que se tornam excelentes clínicos gerais. Ele torceu os lábios com ar de cinismo. — O treinamento não gera dinheiro e, sim, custos. — Mas a filosofia de um hospital-escola não está ligada ao dinheiro. Há muitos outros lugares que estão no ramo para fazer dinheiro, mas bem poucos que oferecem excelente treinamento. — Talvez. Abby ouviu o sinal de seu pager em sua bolsa e ficou aliviada com o pretexto para encerrar a conversa. — Com licença — disse, rumando para a escadaria. Sem olhar para trás, subiu o mais rápido que pôde, sentindo que ele a observava... sem dúvida despindo-a com o olhar. — Posso ajudá-la? — perguntou-lhe uma voz feminina com um sotaque britânico quando ela parou no corredor do segundo andar. Virando-se, deparou com uma mulher jovem e bonita, de cabelos ruivos e olhos castanho-claros. Talvez fosse a amante de Blake. Tal pensamento ocorreu-lhe de imediato. Com certeza, ele não ficaria sem uma mulher. A idéia produziu-lhe um aperto no peito. Projeto Revisoras

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— Eu estava à procura de um banheiro. E de um telefone, se possível. Meu

pager acaba de tocar. Não creio que seja algo importante porque não estou de plantão, mas gostaria de responder assim mesmo. — E claro. — A mulher sorriu. — Há um banheiro para as damas ao final do corredor. Todos os telefones parecem estar sendo usados no momento, mas há quatro linhas na casa e, portanto, alguma deverá estar livre logo. Vou lhe mostrar onde ficam os quartos de hóspedes. Eu sou a babá da família. — Ah, obrigada. — Abby descobriu-se sorrindo, um absurdo senso de alívio dominando-a. Não que aquela mulher atraente ainda não pudesse ser amante de Blake... No momento não queria investigar seus sentimentos muito de perto. Os dois telefones dos quartos de hóspedes estavam sendo usados e Abby decidiu esperar no corredor. — Há uma outra linha no quarto do dr. Contini — disse a babá. — Aquele ali adiante. Acho que ele não se importará se você a usar caso as outras demorem demais para ser desocupadas. — Obrigada. Quando Abby saiu do banheiro, os telefones dos quartos de hóspedes ainda estavam sendo usados e, portanto, ficou andando pelos corredores, seus pés afundando no espesso carpete. Enquanto esperava, dois meninos de cerca de dez anos de idade aproximaram-se pelo corredor principal. Ela não os vira na festa. Eram, supôs, os filhos de Blake. Esperando vê-los prosseguir pelo corredor, ficou surpresa quando os dois pararam

à

sua

frente

e

a

observaram

com

atenção,

avaliando-a

silenciosamente. — Você é a namorada de nosso pai? — perguntou um deles. Talvez estivesse ficando paranóica depois de sua conversa com Ronald Slater, pensou Abby, mas achou que havia hostilidade e um ar desafiador nos meninos. Nenhum dos dois se parecia com Blake... nem com a mãe, na verdade. Eram mais como uma mistura de ambos, tendo cabelos castanhoclaros, olhos azuis, traços bonitos. — Não, não sou — declarou ela, sustentando o olhar sisudo de ambos. — ; Sou Projeto Revisoras

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uma médica do Hospital Universitário, uma colega dele. A babá aproximava-se pelo corredor. — Mark! Jeremy! — chamou. — O que estão fazendo? Os meninos viraram-se imediatamente e correram na direção oposta, seus passos ecoando na escadaria. Adiantando-se até Abby, a babá soltou um suspiro. — Espero que não estivessem incomodando você — disse em tom de desculpas. — Os dois vêem toda mulher atraente como uma rival da mãe e se mostram hostis. Acho que é uma espécie de compulsão em ambos. Perderam a mãe recentemente. — Sim. Eu entendo. Não me importei com o que me disseram. — A propósito, sou Susan Reed. Trabalho para a família há três anos. Comecei bem antes de a mãe de ambos ter sofrido o acidente. Você sabe sobre Kaitlin? — Alguma coisa. Eu a vi antes que ela morresse. — Se os meninos não soubessem que tenho namorado, não me facilitariam nem um pouco as coisas, acho eu — comentou Susan Reed, tentando abrandar a situação. — Deve perdoá-los. — Esta era... a casa da família? — Não. Esta casa pertencia aos pais do dr. Contini. Deixaram-na para ele logo depois que o pai se aposentou, alguns meses atrás. Era médico também. Pelo que entendi, sempre foi uma casa feliz. — O lugar tem um clima adorável — concordou Abby. A babá conseguira dar a entender que a casa anterior não fora tão feliz. — Os meninos estavam apenas avaliando você — explicou Susan. — Na próxima vez em que a virem, serão mais receptivos. Eles têm uma surpreendente percepção quando conhecem mulheres que procuram agradálos para tentarem se aproximar de seu pai. Foi difícil fazer um comentário e, portanto, Abby manteve-se em silêncio. Teve a impressão de que a outra mulher estava lhe dando uma dica útil.

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Ouviram Blake subindo as escadarias, seguido de algumas outras pessoas. — Blake, você se importa se ela usar o telefone no seu quarto? — perguntou Susan. — Os outros estão constantemente ocupados. — Não, é claro que não. — Ele sorriu-lhes, e Abby sentiu seu coração disparando. Depois do encontro um tanto inquietante com os filhos de Blake, sentiu mais uma vez que não deveria se envolver demais. — Obrigada — disse à babá e afastou-se, não querendo que a perspicaz mulher visse o efeito que seu patrão lhe exercia. — Venha comigo — disse Blake. As cortinas estavam fechadas em seu quarto, e acendeu um abajur que ficava ao lado do telefone na mesinha-de-cabeceira. — Leve quanto tempo quiser, Abby. Ainda tenho que me despedir de algumas pessoas. Alguns convidados continuam pela casa, esperando a chuva passar. — Oh, Tim Barrick disse que ia para casa a pé — lembrou-se ela. — Talvez queira uma carona. — Ele já foi com um outro residente. Quando ficou a sós, Abby sentou-se na beirada da grande cama, olhando ao redor do quarto espaçoso e confortável. Era mobiliado em mogno escuro, os tecidos da decoração possuindo tons vibrantes de vermelho e verde, incluindo a bela colcha em que estava sentada. Olhando para a pilha de travesseiros, tentou imaginar Blake deitado ali. O clima do quarto era bastante íntimo. Se ao menos pudesse partilhar daquela intimidade com ele... Durante sua adolescência, o casamento e a maternidade tinham-lhe parecido coisas relegadas a um futuro distante por causa de suas outras obrigações. Agora, via-se ansiando por aquilo.

Céus!, censurou a si mesma. Pare de devanear e dê logo aquele telefonema! Seu pager indicara que a ligação fora do hospital. — Dra. Gibson — disse uma atendente do serviço de localização —, houve uma ligação para você de Kyra Trenton, uma de suas pacientes. Falou que não é urgente. Vai lhe telefonar? — Ah... sim. — Usando caneta e um bloco de papel que estavam na mesinhaProjeto Revisoras

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de-cabeceira, ela anotou o número do telefone. Havia mais de uma semana que Kyra se submetera à operação para interromper sua gravidez, a mãe sempre a seu lado como prometera, não tendo dito uma palavra a ninguém. Era provável que queriam se despedir. Kyra iria passar as férias escolares com os pais. Sentindo súbita tontura, Abby fechou os olhos, arrependendo-se dos vários copos de vinho que tomara, em especial quando soubera que estava tão cansada. Permitiu-se deitar a cabeça nos convidativos travesseiros, pretendendo descansar só por alguns minutos. Não achava que Blake fosse se importar. De qualquer modo, iria se passar algum tempo antes que pudesse levá-la para casa. Ela gostaria de dormir por uma semana inteira. A chuva tamborilava na janela, um som relaxante que fazia o charmoso quarto parecer ainda mais acolhedor e seguro. Depois de um momento, descalçou os sapatos e colocou as pernas na cama, ficando deitada de lado. Só por alguns minutos... Ele devia estar observando-a havia algum tempo. Quando Abby abriu os olhos, viu Blake sentado numa cadeira perto da cama, fitando-a. — Oh, eu lamento muito — disse ela, a voz sonolenta, enquanto se esforçava para se sentar. — Não tive a intenção de adormecer. Quando Blake se levantou e parou ao lado da cama, sua expressão estava velada, mas havia um brilho em seus olhos azuis, um brilho de desejo que não pôde esconder enquanto a observava. Abby pôde apenas sustentar-lhe o olhar como se estivesse hipnotizada, seu pulso se acelerando. — Lamento muito — repetiu, após um longo momento, quando seus olhares se encontraram. Calçando os sapatos, levantou-se devagar. Blake pousou as mãos nos ombros dela. — Não precisa se desculpar. Por alguns minutos, apenas se entreolharam, o silêncio se prolongando, deixando-a nervosa, ciente de que estavam a sós naquele quarto. De repente, os braços dele envolveram-na, segurando-a... Ficaram daquele jeito por longos momentos até que Abby sentiu sua tensão se dissipando.

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Fechou os olhos, pousando a cabeça naquele ombro forte. Se eu abrir meus

olhos, pensou, isto não será real. Mas não havia como ignorar o calor daquele corpo que se moldava ao seu, E ansiava para que ele a beijasse. Nunca sentira aquela intensidade antes, em nenhum dos relacionamentos corriqueiros que tivera. Cheryl estivera certa... Havia tratado os homens como irmãos até então. Então, aquilo era paixão, aquele anseio arrebatador, aquela afinidade... aquela entrega absoluta sem constrangimento, a espera de que o inevitável acontecesse. Como se lesse seus pensamentos, Blake ergueu-lhe o queixo com gentileza para que o fitasse, os olhos azuis carregados de desejo. Inclinou a cabeça devagar, cobrindo-lhe os lábios com os seus. Com um gemido abafado, abraçou-a com força e beijou-a sofregamente. Abby retribuiu com o mesmo ardor, sem hesitar, tomada por um raro deleite que apagou tudo mais de sua mente. Abraçou-o pelo pescoço, afagou-lhe os cabelos castanhos e estreitou-se mais junto ao corpo forte, evidenciando que o queria perto de si. Não havia necessidade de falar, e agora ela entendia por quê, enquanto uma comunicação que não se fazia por meio de palavras conduzia-os a um mundo de sensações e paixão. Em algum outro lugar da casa um telefone tocou. Como se estivesse despertando de um transe, Blake soltou-a. — Abby... — murmurou, afagando-lhe a face. — O que foi que você me fez? Como não houvesse resposta, continuou fitando-a por longos momentos. — Levarei você até seu apartamento — disse-lhe, enfim. — Trarei o carro até a frente da casa. Espere cinco minutos e, então, desça até o vestíbulo. Se meus filhos nos virem deixando este quarto ao mesmo tempo, ficarão aborrecidos. Quando se viu a sós, Abby respirou fundo algumas vezes, tentando se acalmar. Aquilo era o que quisera, não era? Um possível relacionamento com um homem maduro? Blake Contini era tudo que esperara. Não... Era mais, muito mais, embora fosse obrigada a admitir que enquanto ele estava pronto Projeto Revisoras

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para um relacionamento físico, era talvez cedo demais para esperar que quisesse um envolvimento emocional. O mútuo abandono de ambos pegara-a de surpresa. E também deixara-a com medo em relação ao futuro. Apaixonar-se por Blake Contini, se aquilo estava lhe acontecendo, iria desordenar sua vida de maneiras que só podia começar a imaginar. Além do mais, um envolvimento sério com ele poderia causar problemas no trabalho. E sabia que Blake estava emocionalmente vulnerável, além de preocupado com os sentimentos dos filhos. Tendo se julgado um péssimo marido, não iria querer ser um mau pai também. Apesar de a ter beijado com desespero, não o fizera sem travar uma batalha interna. Um homem como ele levaria mais do que algumas semanas para superar a morte da esposa, ainda que tivesse deixado de amá-la. Abby temia sair magoada daquela situação. Trocaram poucas palavras durante o trajeto até seu apartamento. A chuva continuava caindo, mas se abrandara. — Obrigada pela carona — disse ela quando ele parou diante do prédio, mal conseguindo olhar para os olhos azuis. — E... e eu me diverti na festa. — Fico contente que tenha ido. — Blake sorriu-lhe, fitando-a sem constrangimento. — Diga-me uma coisa. Você conhece Ronald Slater bem? Estava conversando com ele na minha casa. — Eu mal o conheço — respondeu ela, surpresa. — Na verdade, conheço-o somente pela reputação. — Estou apenas com ciúme. — Não brinque desse jeito. — Não estou brincando. Você é uma mulher adorável. Ele a estava observando como se desejasse que houvesse algo entre vocês. — Não pude evitar. Mas o sentimento não é recíproco. Blake riu. — Felizmente. — Tocando-lhe o queixo, virou-lhe o rosto com gentileza para que o fitasse. — Eu quero você só para mim. — Impedindo-a de fazer qualquer comentário, beijou-a nos lábios demoradamente. — Você tem um namorado, ou alguém em sua vida? — murmurou ele, enfim, Projeto Revisoras

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deitando-lhe a cabeça em seu ombro. — Não, ninguém. — Ótimo. Agora sabemos como estão as coisas entre nós. — Sabemos? — Acho que sim. Obrigado por ter ido à festa hoje. Gostaria de jantar comigo algum dia desses? — Bem... sim. Se você prometer não gracejar demais — concordou Abby, seu coração vibrando com absurda felicidade. — Entrarei em contato quando estivermos menos atarefados — disse Blake, despedindo-se. —- Sem dúvida nos veremos ao longo da próxima semana. Quando o telefone tocou naquela noite, Abby estava na cama. De imediato lembrou-se de que não telefonara para Kyra Trenton. Embora não houvesse pressa para retornar a ligação, talvez já devesse tê-lo feito em vez de ter resolvido esperar até a manhã seguinte. Mas, quando atendeu o telefone, ficou surpresa em ouvir a voz de Blake. Foi naquele momento que teve que admitir a si mesma que sentia falta dele, que os beijos que haviam trocado tinham rompido uma barreira que não podia ser erguida outra vez. Foi tomada por inevitável contentamento. — Pode achar que estou usando isto como pretexto para ouvir sua voz... — Era evidente que ele sorria do outro lado da linha — mas liguei para avisá-la que você esqueceu seu cardigã no meu quarto. — Oh, achei que você iria querer mais um relatório. E para segunda-feira! O riso espontâneo de Blake apagou os vestígios de tensão entre ambos. — Eu não estragaria seu fim de semana outra vez. Levarei seu cardigã ao hospital, ou talvez você prefira vir buscá-lo algum dia desses — disse ele, mantendo o tom bem-humorado. — Como falei antes, gostaria de levar você para jantar comigo, se desejar. Que tal na semana que vem, na sexta-feira, ou no sábado? Se você não estiver de plantão. Abby sentiu o coração disparando. — Eu gostaria muito. Pegarei o cardigã nessa ocasião. Na sexta-feira estaria

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bem? — Sim. Falarei com você na semana que vem. Boa noite. — Boa noite. Afundando nos travesseiros, Abby fechou os olhos com força e tentou lidar com o turbilhão de emoções que a dominava. Poderia competir com a lembrança da bela Kaitlin, se era aquilo que estaria fazendo? De repente, era como se estivesse perdendo o controle sobre si mesma, apaixonando-se pela primeira vez em sua vida. E estava longe de se sentir preparada para aquilo.

CAPÍTULO X

Era um dia típico de verão, ensolarado e quente, quando Abby se encaminhou ao hospital às sete horas da manhã da segunda-feira seguinte. Descontraída em sua saia reta e blusa sem mangas, apreciou a brisa de encontro ao rosto e a sensação de estar temporariamente livre. Tal sensação, sabia, iria se dissipar tão logo chegasse ao hospital para começar a ver alguns pacientes internados antes de se dirigir à clínica geral. A primeira visita seria ao sr. Barlow, que iria ser operado naquele dia. A bateria de exames confirmara o diagnóstico preliminar, mas realmente o câncer não se espalhara. O dr. Wharton encaminhara-o a um cirurgião que faria a remoção do tumor cancerígeno no pulmão direito. A visita dela seria apenas de cortesia. — Olá, Abby, como vai? — Cheryl encontrou-a a caminho do vestiário das residentes. — Está um belo dia, não? — Sim, está bonito demais para se ficar aqui o dia todo — concordou Abby. — Pareço estar tendo dificuldade para permanecer no mesmo lugar ultimamente. Não que eu esteja reclamando. Acontece apenas que, às vezes, em vez de estar aqui, eu preferiria me encontrar num chalé de frente para um lago, dourando ao sol. Projeto Revisoras

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— E exatamente o que espero estar fazendo no chalé dos meus pais no próximo fim-de-semana. Gostaria de ir comigo na sexta-feira à noite? — Bem, normalmente, eu adoraria ir, mas tenho um encontro na sexta-feira. — Puxa! — exclamou Cheryl, entusiasmada, mas não fez mais perguntas, uma vez que havia outras residentes no vestiário quando entraram. — Conte-me a respeito mais tarde. Depois da visita a Gary Barlow, a quem procurara animar antes da cirurgia a que seria submetido, Abby não pôde deixar de pensar em Blake. A coragem do sr. Barlow a fez lembrar de como ele estivera na ocasião da morte da esposa. Demonstrara a mesma mansa dignidade quando haviam lhe dado a notícia.

Eu o amo. O pensamento lhe ocorreu enquanto esperava o elevador para visitar mais um paciente e o barulho do hospital a circundava. Ficou alheia a tudo a sua volta durante aqueles momentos, tal constatação sendo acompanhada de absoluta certeza. Por mais que tivesse lutado contra aquilo, apaixonara-se irremediavelmente por Blake Contini. O grande elevador estava lotado quando entrou. Enquanto abria caminho entre as pessoas, segurando sua valise junto ao peito, viu Blake a um canto. Trocaram um olhar antes que ela se virasse para as portas. Um rubor tingiu-lhe as faces com a lembrança dos beijos voluptuosos que haviam trocado. Era de fato um dilema envolver-se com alguém do trabalho, disse a si mesma. E no seu caso, ainda havia se apaixonado... Esforçando-se para afastar aqueles pensamentos, concentrou-se no trabalho, pensando em Gary Barlow e na maneira como ele -a agradecera quando procurara tranqüilizá-lo. Também recebera agradecimentos no dia anterior quando ligara de seu apartamento e falara com a mãe de Kyra. Ambas viajariam para casa tão logo a jovem iniciasse as férias escolares, e a sra. Trenton fizera questão de lhe agradecer por sua assistência. Eram ocasiões como aquela que certamente tornavam seu trabalho e dedicação gratificantes. Absorta em seus pensamentos, surpreendeu-se com a mão quente que segurou seu braço quando o elevador começou a se esvaziar no térreo.

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Virando-se, deparou com os olhos azuis de Blake. — Você irá à sessão de apresentações de medicina interna na sexta-feira? — perguntou ele formalmente. — Estaremos revendo o caso do sr. Simmons. Depois, teremos dois outros casos interessantes, sendo um bastante incomum sobre tuberculose. Espero ver você lá. Percorreu-a com um olhar demorado, e ela também o observou em seu impecável avental branco, que usava sobre camisa, gravata de seda e calça de pregas cinza, realçando-lhe o ar de competência e sofisticação. — Estou planejando ir. — Vocês vão sair? — perguntou alguém educadamente. Os dois deixaram o elevador depressa. — Ótimo — disse Blake, sorrindo de leve. — Acredito que não vai se atrasar. Novamente corada, Abby sustentou-lhe o olhar, sabendo que seus olhos brilhavam por causa dele. — Geralmente, sou bastante pontual. — E não se esqueça que vou levá-la para jantar à noite — murmurou Blake, ignorando as pessoas que passavam por perto. — Passarei para buscá-la às sete. Abby meneou a cabeça e observou-o afastar-se com um rápido aceno. Como poderia se esquecer?, perguntou-se, enquanto se dava conta de que acabara descendo no andar errado. — Droga — murmurou para si mesma. A vida ficaria complicada se não pudesse falar com Blake sem ficar nervosa feito ou uma adolescente ou sem se sentir como se estivesse derretendo por dentro. Teria mais de meio ano pela frente antes de terminar seu treinamento, depois haveria os exames e, finalmente, teria que assegurar um emprego a fim de adquirir experiência. Esperava conseguir um emprego com um dos clínicos gerais com quem trabalhava atualmente. Na verdade, tinha esperança de que Eliza Cruikshank lhe oferecesse sociedade... era uma possibilidade promissora. Se não, teria que começar a clinicar com um ou dois de seus colegas residentes.

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O que quer que o futuro lhe reservasse, não haveria lugar em seus planos para alguém como Blake Contini. De qualquer modo, homens como aquele estavam provavelmente fora de seu alcance. Enquanto tornava a pegar o elevador, o coração dela vibrava assim mesmo. Viveria um dia de cada vez, pensou. Na sexta-feira, estariam juntos, apenas os dois. Não achava nem por um instante que ele estivesse à procura de uma outra esposa. Mas, ao que tudo indicava, Blake queria um relacionamento, e talvez ambos pudessem acabar se entendendo sem que ela saísse magoada. Havia

mais

pessoas

na

sessão

de

apresentações

conduzida

pelo

departamento de medicina interna na sexta-feira do que na ocasião anterior quando Abby conhecera Blake. Fazia exatamente cinco semanas que pusera os olhos nele pela primeira vez. O curioso pressentimento que sentira naquele dia distante voltou... a sensação de que o novo médico teria um significado importante em sua vida. Bem, algo estava certamente acontecendo... Reunindo-se a um grupo de colegas que incluía Cheryl, sentiu-se à vontade, mas também peculiarmente eufórica e nervosa. Naquela noite, sairia com Blake para jantar, e estava sendo difícil conter a ansiedade. — Olá, Abby Gibson — disse-lhe uma voz masculina, e ela se virou para ver o dr. Stewart Hadley do Hospital Geral de Gresham. — Oh, olá, Stewart! Você veio até aqui apenas para a sessão de apresentações? — Ambos trocaram um aperto de mão, e Abby sorriu-lhe, enquanto Cheryl olhava para ele com certo interesse. — Sim — respondeu Stewart. — A fama do dr. Contini como professor está se espalhando. Ele tem uma excelente reputação no Hospital de Gresham. Muitos de nossos médicos estão se acostumando a vir aqui sempre que o dr. Contini conduz apresentações. — É muito bom vê-lo — comentou Abby, com sinceridade. Stewart era um ótimo sujeito, apesar da primeira má impressão que tivera dele. Cheryl puxou-a de lado, pedindo-lhe num sussurro que a apresentasse.

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— Stewart, esta é Cheryl, uma amiga minha. Fico surpresa que ainda não tenham se conhecido. — Olá! — O semblante dele se iluminou quando notou o rosto bonito de Cheryl, e ambos começaram a conversar animadamente. Sorrindo, Abby desviou o olhar, dirigindo-o até a frente da sala. Parado lá, observando-a como se apenas os dois estivessem na sala apinhada, achava-se Blake. Enquanto seus olhares se encontravam, ela notou-lhe um ar sombrio no rosto, algo que vira apenas uma vez antes... quando ele soubera que a esposa acabara de morrer. Talvez fosse a presença de Stewart que o fizesse lembrar daquele dia, pensou Abby, com um aperto no peito. Abruptamente, Blake desviou o olhar e concentrou-se na tarefa pela frente.

No que estou me envolvendo?, perguntou-se ela, sentindo-se estranhamente chocada. Não era tarde demais para voltar, atrás. Ainda podia cancelar o encontro. Mas não queria. Não. Sabia que era algo impensável... qualquer que fosse o risco para si mesma. A primeira apresentação, feita por Tim Barrick, foi sobre o tratamento do sr. Simmons. Blake assumiu quando o jovem residente terminou, dando mais alguns detalhes sobre o caso. O sr. Simmons voltaria para casa na quartafeira seguinte, onde passaria de quatro a seis semanas, como era de praxe, e, depois, voltaria para a segunda etapa de quimioterapia, ficando internado por mais um mês. Até então, o tratamento transcorria bem e havia razão para otimismo. Ao final das apresentações, Abby retirou-se da sala com os demais participantes. A expressão que vira no rosto de Blake deixara-a questionando qualquer tipo de envolvimento com ele, mas não podia evitar. O interfone do apartamento dela tocou exatamente às sete horas naquela noite, fazendo-a pular do sofá onde estivera à espera, pronta para sair. Censurando a si mesma por estar agindo como uma colegial em seu primeiro encontro, obrigou-se a demorar um pouco para atender. — Olá. — Está pronta para irmos, Abby? A voz possante fez com que o coração dela tornasse a disparar. Projeto Revisoras

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— Sim. — Ótimo. Estou à sua espera, então. Tentando ganhar tempo para se acalmar, Abby foi até o banheiro e observou seu reflexo no espelho. Sabia que estava atraente. A noite quente permitira-lhe usar uma blusa sem mangas que lhe moldava os seios arredondados sensualmente e uma saia reta de comprimento acima dos joelhos e discreta fenda lateral. A maquiagem leve realçava-lhe os traços do rosto, e os cabelos, que deixara soltos, brilhavam com seus reflexos acobreados. Procurando se tranqüilizar com um sorriso, apanhou a pequena bolsa e deixou o apartamento.

Como um cordeiro indo para o matadouro, pensou, enquanto descia de elevador. Blake aguardava em frente ao prédio enquanto os últimos matizes do pôrdo-sol se viam no céu. A chegada do verão era maravilhosa depois do que parecera um longo inverno. Ele usava uma impecável calça creme de linho com uma camisa branca aberta no colarinho. Assim que a viu, percorreu-a com um olhar de apreciação, notando como a blusa lhe realçava os seios bem-feitos e a saia lhe expunha parte das pernas, que pareciam ainda mais longas com as sandálias de salto alto. Pela primeira vez na vida, Abby sentiu todo o poder de seus atrativos femininos. Podia ver a reação estampada no rosto de Blake. Ao mesmo tempo, sentia-se bastante afetada pelo incrível magnetismo dele. — Olá. Você está linda. — Obrigada — sorriu ela. — É bom ver você fora do ambiente de trabalho. — Mesmo durante a festa ao ar livre tinham ficado rodeados por pessoas do hospital. Blake inclinou-se para beijá-la de leve na face, um gesto carinhoso, espontâneo. Como um cavalheiro à moda antiga, ajudou-a a entrar em seu carro, estacionado um pouco além. Sem fazer comentário, Abby notou que era um luxuoso Mercedes e perguntou-se o que ele fizera com o Buick. Como não tinha carro, não pôde deixar de se impressionar com tamanho bom Projeto Revisoras

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gosto. — Aonde vamos? — indagou. Sentado ao volante, ele fitou-a por alguns instantes, parte da tensão anterior tendo se dissipado de seu rosto. — A um acolhedor restaurante no centro da cidade. É francês. — Parece perfeito — disse Abby, fitando-lhe os olhos azuis. O clima entre ambos no confinamento do carro parecia ainda mais íntimo e eletrizante. Ela respirou fundo, tentando vencer o nervosismo. Antes que a noite terminasse, estaria nos braços de Blake. Tinha absoluta certeza daquilo. Esperou poder se controlar o bastante para não fazer nada que lhe fosse atípico. Ele iniciou uma conversa enquanto dirigia: — Estou pensando em começar uma espécie de clube de aprendizado para os estagiários e residentes do meu departamento e do de clínica geral. Conhece esses tipos de reuniões? — Sim, são para fins de treinamento, onde os residentes podem apresentar trabalhos e aprender com isso, certo? — Exato. — Fui a algumas dessas reuniões quando era estagiária, na casa de um dos médicos. Eram ótimas. Ele também as tornava uma espécie de evento social. — Isso é parte da idéia. Alguém apresenta um trabalho, nós conversamos a respeito e, depois, há uma excelente refeição à nossa espera. — A casa aonde eu ia tinha ótima comida. Depois da reunião, todos comíamos no jardim. — E você aprendeu alguma coisa? — Oh, sim, aprendi muito — respondeu Abby, entusiasmada com a idéia. — E onde você faria suas reuniões? — Na minha casa. Você gostaria de ir? — Sim... por favor.

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— Vou começar a planejar isso na semana que vem. Eu e os residentes já estivemos falando a respeito. Talvez possamos fazer a primeira reunião no começo de julho, se algum deles conseguir escrever alguma coisa até lá. — Eu adorarei ir. Ela pensou na encantadora casa de Blake, com seus gramados e jardins bem cuidados, como também na oportunidade que teria de conhecê-lo melhor. Talvez encontrasse os filhos dele outra vez, com a direta babá de ambos que, sem dúvida, revelaria mais alguns segredos da família, se podiam ser chamados de tal modo. Aqueles pensamentos deixaram-na estranhamente eufórica, embora dissesse a si mesma para não ser pretensiosa. — Essas reuniões darão a você a chance de conhecer melhor meus filhos — comentou Blake, colocando-lhe os pensamentos em palavras. — Eu gostaria disso. Não pareceu haver nada a acrescentar e, portanto, Abby permaneceu em silêncio,

experimentando

uma

onda

de

contentamento

com

aquele

comentário e um raio de esperança em relação ao futuro. O restaurante francês era tão agradável e acolhedor quanto ele mencionara, além de bem conhecido, uma vez que quase todas as mesas estavam ocupadas. Uma mesa fora reservada para ambos a um canto, ladeada por grandes vasos de plantas. Debaixo da pequena mesa para dois, os joelhos de ambos se encostaram. — Desculpe-me — disse Blake, com um sorriso. — Acho que duas pessoas não conseguem se sentar aqui sem se tocarem. Espero que você não se importe muito. Eu não me importo. Vendo-a corar, soltou um riso e segurou-lhe a mão em cima da mesa. — Divirta-se — acrescentou num tom gentil, depois que o garçom entregoulhe os menu. — Acho que ambos precisamos disso, não? A comida daqui é excelente. Com os joelhos dele tocando os seus, Abby estudou o menu aparentando uma calma que estava longe de sentir. — Acho que preciso mais de vinho do que de comida. Assim, talvez eu não preste atenção aos seus joelhos de encontro aos meus. Acha que fazem isso Projeto Revisoras

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de propósito com estas mesas pequenas? — Espero que sim. Embora eu tenha pedido esta mesa especialmente. E a menor do restaurante. Quando ambos riram, ela soube que parte da tensão desapareceria. Sim, apreciaria aquela noite. Os dois foram relaxando, descobrindo que gostavam do senso de humor um do outro. Conversaram sobre vários assuntos exceto trabalho. Também não falaram sobre a esposa dele, nem seu casamento. Com o vinho e a boa comida, conseguiram rir e se divertir. Quando, enfim, deixaram o restaurante, caminharam pela rua tranqüila até uma travessa onde Blake estacionara o Mercedes. No interior do carro, virou-se para fitá-la. — Você me convidaria para subir até seu apartamento para urna xícara de café? Não ficarei muito, pois ainda irei para meu chalé no lago Arbour nesta noite. Fica a duas horas e meia de carro. Vou passar o final de semana lá. — Com seus filhos? — perguntou ela polidamente. — Não. Eles irão no próximo feriado. Irei sozinho... para espairecer um pouco. — Sim... É um longo trajeto. — Este é o melhor horário para se ir. Não há muito trânsito. — É bastante bem-vindo para tomar café no meu apartamento — disse Abby, forçando um sorriso, tentando imaginar como lidaria com a proximidade de ambos num lugar tão pequeno. — Depois do vinho que tomou você precisa de um pouco de cafeína para mantê-lo acordado. Já arrumou suas coisas? — Sim. Tenho apenas que ir até em casa buscá-las. Voltaram até o edifício dela em silêncio. Abby sabia que sentiria falta dele durante o fim de semana, pelo fato de que não estaria em Gresham. Era tolice, uma vez que não teriam ficado juntos de qualquer maneira. Agora, era inevitável ansiar para que Blake a beijasse da maneira como fizera em seu quarto no dia da festa. Fechou os olhos para tentar ignorar-lhe a Projeto Revisoras

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presença.

CAPÍTULO XI

Quando chegaram no seu apartamento, Abby foi preparar café, enquanto Blake se deteve diante da estante na sala de estar, olhando seus livros. — Você acha que se pode dizer muito sobre uma pessoa com base nos livros que possui? — perguntou ela da porta da cozinha. — Sim, sem dúvida — disse ele, virando-se para fitá-la. — Então, a que conclusão você chegou no meu caso? Para a consternação dela, Blake se aproximou, fitando-a nos olhos. — Você é bem mais complexa do que parece num primeiro contato. Mais do que quer que os outros acreditem. — E não somos todos assim? — Não. Em algumas pessoas isso é apenas fachada. Acabam sendo um grande desapontamento quando as conhecemos melhor. — Você quer dizer que elas acabam revelando tudo sobre si mesmas de uma só vez e depois não têm mais nada a acrescentar? — Abby riu. — Algo assim. — Blake abriu um sorriso, boa parte de sua costumeira tensão parecendo ter-se dissipado. — Não acho que você seria um desapontamento. Quando os ruídos da cafeteira anunciaram que o café estava quase pronto, Abby se virou. Ele segurou-lhe o braço com gentileza, detendo-a. — Não vá. Você gostaria de ir ao meu chalé no lago nesta noite? Tem o fim de semana livre, não é? Perplexa, Abby sustentou-lhe o olhar ; sabendo que seus olhos traíam sua surpresa e a atração física que sentia. Havia um intenso anseio em Blake. Percebeu que não era um mero anseio por qualquer mulher. Ele a desejava, e

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aquele era um desejo que ela queria aplacar. Ao mesmo tempo, havia uma voz em sua mente alertando-a a não se envolver demais. — Eu... não sei o que dizer. Foi por isso que me convidou para jantar? — Não, é claro que não. Isso acaba de me ocorrer. De repente, pensei como seria bom se você fosse comigo. Sei que deveria avisá-la com antecedência. Talvez você tenha outros planos... — Não tenho. Um silêncio tenso pairou entre ambos. Talvez, se já houvessem se conhecido melhor, tivesse sido mais fácil, pensou Abby. Mas, quanto mais se gostava de alguém, mais difícil era no princípio... Estava decididamente descobrindo aquilo. Os dois sabiam o que Blake estava lhe pedindo. Pedia-lhe que fizesse amor com ele. As coisas não poderiam ser de outra maneira no íntimo contexto de um chalé à beira de um lago, com ambos a sós. — Oh, quero tanto ir... — começou ela, angustiada. — Mas... eu não sei. Não estava esperando isso, não agora. — Sabia que era um momento decisivo, aquele em que finalmente cresceria e assumira por completo a feminilidade que deixara em segundo plano por tanto tempo. Era o momento de dizer sim^» ao homem que amava. Mas ele a amava também? — É claro que você não estava esperando isso... — A intensidade do desejo de Blake estava em sua voz, na mão que estendeu para acariciar-lhe a face. O que ela mais queria era sucumbir àquele desejo entre ambos, mas ainda não podia. — Está certo — murmurou ele, abraçando-a com ternura. — Eu não deveria ter-lhe feito esse pedido. — Oh, eu sinto muito... — Num gesto impulsivo, Abby fitou-o nos olhos e abraçou-o pelo pescoço, deixando transparecer em seu olhar a vontade de ser beijada. Observando-lhe o rosto tenso, teve a sensação de que toda a frustração e infelicidade que ele parecia ter sentido nos anos anteriores estavam estampadas naquele olhar de anseio. Embora fosse um homem muito atraente, não dava a impressão de ter tido amantes durante o casamento de Projeto Revisoras

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aparências. — Você é o tratamento perfeito para mim — disse Blake, rouco. — E, sem querer parecer pretensioso, acho que eu seria algo bom para você também. Você tem tido trabalho demais e pouca diversão, acho eu. Com aquelas palavras, definira às frustrações dela com precisão. Abby ficara acordada por várias noites, lembrando-se dos beijos que haviam trocado, fantasiando sobre um relacionamento entre ambos. Agora ele estava ali à sua frente, desejando-a, e ela hesitava, apreensiva. — Por favor, beije-me — sussurrou. Toda a tensão da espera que os cercara durante a noite pareceu explodir no momento em que seus lábios se encontraram. Enquanto seus corpos se moldavam num abraço íntimo, os lábios se uniam num beijo sôfrego, faminto. — Não... não vá — murmurou ela em protesto quando Blake, finalmente, afastou-se. Mas já a segurava pela mão, conduzindo-a até o sofá da sala. Sem saber ao certo como aconteceu, ela se viu deitada no sofá, com Blake a seu lado. — Eu poderia morrer deste jeito — murmurou ele, abraçando-a. — Não, por favor. Abby devia ter dormido por algum tempo, pois, quando abriu os olhos, havia uma colcha cobrindo-a e Blake se fora. Quando se levantou do sofá, o relógio de pulso indicou que eram duas da manhã. Adiantou-se até o quarto para ver se ele decidira dormir em sua cama, mas Blake realmente fora embora. Acabou encontrando um bilhete que lhe deixara debaixo de uma xícara de café na cozinha. Leu rapidamente as palavras que diziam que havia dois trens aos sábados que saíam de Gresham para Glen Arbour, a cidadezinha que ficava mais próxima ao lago onde ele tinha o chalé. Havia um número de telefone e um pequeno mapa de onde se situava o chalé em relação à cidade. Ele terminara o bilhete dizendo que a buscaria na estação de trem... se ela mudasse de idéia quanto a ir ao chalé. Abby foi sentar-se no sofá para ler o bilhete diversas vezes.

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— Oh, Blake — murmurou no silêncio da sala que agora lhe parecia tão vazia. — Eu amo você. — Sabiamente, ele se retirara, deixando-a tomar sua decisão sozinha. Por um longo tempo, permaneceu sentada ali, pensando em sua vida e em seu trabalho. Decisões importantes nunca eram fáceis... Se fosse até Blake, e era o que queria fazer, iriam se tornar amantes. Na noite anterior, tinham se abraçado e apenas dormido um nos braços do outro. Agora, estavam prontos para o passo seguinte. Não podiam prosseguir da maneira como estavam. Ela não sabia o que resultaria daquele relacionamento... caso resultasse em algo. Tudo o que sabia era que queria estar com Blake, que o amava e que ele era um bom homem. Pensamentos sobre seus pacientes torturavam-na também. A maioria se vira diante de decisões e problemas mais difíceis que os seus. Ao menos a jovem Kyra parecia estar amparada, tendo a mãe a seu lado. Ralph Simmons ainda tinha um longo caminho a percorrer, mas seu tratamento corria bem. Gary Barlow estava se recuperando da operação e havia esperança para ele, apesar de ter tido sua saúde comprometida pelas escolhas negativas que fizera quando mais jovem. E havia também Will Ryles, que adoecera, sem dúvida, por causa do severo estresse no trabalho e cujo departamento poderia ser tomado por uma empresa privada. Havia esperança para ele também. Estava em casa agora. Blake e outros colegas poderiam ajudá-lo... E, claro, havia o próprio Blake. Um homem íntegro não superava tão facilmente a perda de alguém a quem já amara um dia, mesmo aquele amor tendo morrido e sido substituído por preocupação, arrependimento e culpa. E havia também os filhos, naturalmente leais à memória da mãe. Pensar em tudo aquilo fez com a decisão de Abby parecesse mais fácil. Havia ao menos uma coisa que podia fazer... e não hesitaria mais. O trem levou duas horas para chegar à região dos chalés, aos campos abertos, bosques e lagos que caracterizavam o lugar. Enquanto os subúrbios e, depois, as cidadezinhas foram ficando para trás ao longo da jornada, Abby sentiu sua empolgação crescendo. Quando o trem aproximou-se de Glen Arbour, começou a pensar mais uma vez no que faria, no que diria a Blake. Projeto Revisoras

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Telefonara-lhe da estação de Gresham naquela manhã para dizer que iria, e ele confirmara que estaria à sua espera. Agora era meio-dia, o sol de verão brilhando no céu límpido. Imaginou-o na plataforma da estação da pequena cidade, esperando-a. Era um ambiente totalmente diferente de corredores de hospital, de salas de palestras e quartos de pacientes. Quando, enfim, o trem parou na estação, ela desceu com os demais passageiros, carregando sua mochila. Vestindo um jeans e uma blusa sem mangas, sentiu-se como se estivesse de férias, livre e descontraída, mas também estava nervosa. Adiantando-se devagar até o prédio da estação, não pôde ver Blake em lugar algum. E se ele tivesse lhe deixado uma mensagem para dizer que não pudera ir? O que significaria que mudara de idéia e que ela deveria voltar para Gresham... Outros passageiros seguiam seu caminho, ou eram recebidos por parentes e amigos, enquanto ela olhava ao redor, a vista quase ofuscada pelo sol brilhante. — Abby. Ela se virou abruptamente na direção da voz. — Blake! Onde você estava? Pensei que não viesse — disse de imediato, sem tentar esconder seu alívio. — E por que eu não viria? — Ele abriu-lhe um sorriso. — Eu estava bem ao final da plataforma. Aqui estou. — Sua alegria em vê-la dissipou quaisquer dúvidas de que tivesse mudado de idéia. Abriu-lhe, então, os braços num gesto convidativo. Abby largou a mochila no chão e atirou-se nos braços dele, segurando-o com força pela cintura. — Oh, este lugar é tão adorável... Fico feliz por ter vindo. — Por que achou que eu não viria? Estive esperando durante a maior parte da noite e a metade do dia para que você viesse até mim. Eu é que achei que você não viria. — Acabou não sendo uma decisão muito difícil, afinal — murmurou ela,

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tomada por puro contentamento enquanto o abraçava. — Vamos até o carro. — Abraçando-a pelos ombros e carregando-lhe a mochila, Blake conduziu-a da estação. Na saída da pequena cidade, seguiu por uma estrada estreita que levava até o início do lago e prosseguia junto à sua margem. Tudo era verdejante e bucólico, a fragrância dos pinheiros adentrando pelas janelas abertas do carro. Por entre as árvores, podiam avistar a água do lago reluzindo sob o sol. Depois das cores monótonas da cidade, aquele cenário parecia vibrante, majestoso. — Tudo é tão maravilhoso! — exclamou Abby, admirando a vista com entusiasmo, — Espere até ver o chalé. Depois de alguns minutos, Blake entrou com o carro por uma área de cascalho à beira do lago e parou. — Vamos até a água — disse, virando-se para fitá-la com um sorriso convidativo. — A vista que se tem daqui é esplêndida. O chalé fica do outro lado do lago, a uns dez minutos de carro. Abby notou que ele não parecia um homem que ficara acordado durante boa parte da noite, dirigindo na escuridão. Parecia tomado por uma felicidade que não demonstrara antes, um estado de espírito que combinava com o dela. Enquanto caminhavam até a beira do lago, Blake segurou-lhe a mão, seu toque como uma corrente eletrizante que a percorreu por inteiro. — Quero conversar com você... antes de chegarmos ao chalé. Uma vez que estivermos lá, talvez eu não consiga manter as mãos longe de você. Abby riu. — Ao menos fui avisada. Mas acho que não quero que você mantenha as mãos longe de mim. — Vou lembrá-la disso. — Blake abraçou-a pelos ombros quando pararam à beira do lago, olhando para a grande extensão de água cristalina. — Já lhe falei que comprei esse chalé um ano atrás? Projeto Revisoras

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Ela meneou- a cabeça, compreendendo que Blake a estava deixando saber que nunca estivera ali com Kaitlin, que não haveria fantasmas do passado entre ambos naquele lugar. — Eu queria tanto que você viesse. E sei que não deve ser„ fácil para uma mulher adorável como você envolver-se com um sujeito viciado em trabalho feito eu. Não fui grande coisa como marido... — Ele ficou tenso, como se esperasse vê-la sair correndo de repente. — Eu sei o que você foi — disse Abby, fitando-o nos olhos. Blake queria lhe dizer, perguntou-se, que estaria preparado para ser um marido outra vez? — Eu amo você — prosseguiu. — Não sei como se sente a meu respeito, mas isto já é um começo. — Sua voz tremia, traindo sua esperança de que pudesse haver algo mais entre ambos do que um ano ou dois de fins de semana juntos. — Oh, minha querida, isso é muito mais do que acho que mereço. Eu havia desistido da esperança de voltar a amar, de que alguém pudesse me amar outra vez. De repente, os olhos que a fitavam com ternura, tão azuis quanto o lago, deram a certeza a ela de que Blake a amava também. — Eu quero saber ao certo que não vou cometer os mesmos erros novamente — prosseguiu ele, pensativo. — Eu era jovem e imaturo demais na época em que me casei. Não tenho mais essa desculpa. Sou pai, e há muito em jogo. Você é bastante diferente de Kaitlin. É o que eu preciso. E eu, sou o que você precisa? Quero ter certeza disso. — Oh, é claro que é. Eu amo você. — O que estou tentando dizer é que amo você também. Desde o momento em que a vi, eu soube que haveria algo entre nós. Foi algo que me surpreendeu. Chame de pressentimento, ou algo assim... — Você sentiu isso? Eu também senti! — Eu percebi que você havia sentido. — Você não pode continuar se sentindo culpado para sempre. Ambos somos pessoas maduras, já vimos muito do mundo — declarou Abby, sua expressão

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franca, seu coração transbordando de felicidade. — Somos bons um para o outro, eu sei. Você tem que olhar em direção ao futuro, pelo bem dos seus filhos. — Você nos dará a chance, então, de nos conhecermos melhor, minha querida? De que meus filhos conheçam você? Como eu disse, isso é mais do que eu esperava. — Blake tomou-lhe o rosto entre as mãos, com infinito carinho, e ela sentiu lágrimas nos olhos... lágrimas de felicidade. — Sim... sim, é o que mais quero. Quando tive o mesmo pressentimento em relação a você, eu achei que fosse loucura. — Não... não é loucura. — Blake estreitou-a em seus braços e beijou-a apaixonadamente. A fragrância de pinheiros era mais forte ali. Abby sempre associaria aquilo com ele dali em diante, como também o murmurinho da água, a brisa soprando nas folhas das árvores, o som dos pássaros. Quando, enfim, o beijo terminou, Blake tornou a segurar-lhe o rosto entre as mãos, fitando-a com seus intensos olhos azuis, deixando transparecer a imensidão de seu amor. — Minha adorável Abby Gibson, você se casará comigo quando tiver terminado seu treinamento... se não antes? — Sim... sim... Antes... por favor — disse ela, enfática. — E o que você prescreveria para mim, para nós dois, dra. Gibson? — Sem sombra de dúvida! Não é apenas o tratamento perfeito, mas a cura absoluta! — assegurou Abby, com um riso feliz. Do outro lado do lago, o chalé os esperava. Aquele era apenas o começo do resto de suas vidas... juntos.

EPÍLOGO

— É a sra. Contini? — a voz marota de Tim Barrick soou alta ao ouvido de

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Abby enquanto posicionava o fone para escutar. O telefone estivera tocando a manhã inteira na residência dos Contini enquanto os amigos, na maioria os dela, ligavam em resposta ao seu convite e ao de Blake para o primeiro churrasco do ano em seu jardim. Ela estava sentada a uma pequena mesa entalhada numa das salas da casa de ambos, com vista para o jardim, e tinha uma lista de convidados à sua frente. Era sábado, o agradável sol de verão filtrando-se pelas vidraças. — Você sabe muito bem que sou eu! — Abby riu, a felicidade evidenciandose em sua voz. — Você virá, eu espero. — Eu não perderia esse churrasco por nada no mundo. Em primeiro lugar, estou curioso para ver se o casamento com o melhor partido do Hospital Universitário estragou o seu charme. — Isso não mudará... se você diz que eu o tenho! E deixe-me assegurar-lhe que este será um churrasco simples e descontraído debaixo de uma árvore. Talvez até coloquemos você junto à churrasqueira! Será um pequeno grupo, bastante informal, composto na maioria por meus amigos, além de algumas crianças. — Você se lembrou! — riu ele. — Vejo você na próxima sexta-feira à noite, então. Ainda sorrindo, Abby fez uma anotação ao lado do nome de Tim na lista de convidados, escrito logo acima dos de Cheryl Clinton e Stewart Hadley. Percebeu que Blake entrara na sala momentos antes. — O que não mudará, querida? — Ele se aproximou, inclinando-se por sobre a cadeira para depositar-lhe um beijo no pescoço. — Era Tim ao telefone. Disse algo sobre não querer que eu perca meu charme. —Abby abriu-lhe um sorriso. Ambos não conseguiam deixar de tocar um ao outro, de se abraçar e beijar, vivendo cada momento intensamente, a felicidade que sentiam não podendo ser mais completa. Tinham consciência do valor de terem descoberto um ao outro. — Quero marcar um encontro com você — disse ele, numa voz rouca. — Vamos nadar, digamos... às três da tarde? Você me encontra na cabana? Projeto Revisoras

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— É claro que sim. — Susan se ofereceu para levar os garotos ao show aéreo que está sendo realizado em Gresham. Eles têm me pedido para levá-los, mas ela quer ir com o noivo e levar os meninos para que eu possa passar meu tempo com você — disse Blake, agachando-se ao lado da cadeira. — Fica combinado para às três da tarde, então. — Abby também o beijou, nunca deixando de se admirar em ver como ele estava diferente do homem tenso que fora um ano antes, quando haviam se conhecido. Estava descontraído, seu rosto repetindo a alegria que o casamento de ambos lhe proporcionava. A sua própria maneira, os dois tinham estado famintos por amor. Apenas com Blake ela se sentia intensamente viva. Quando ele deixou a sala, Abby tornou a olhar para a lista de convidados distraidamente, seu corpo ainda vibrando com o beijo que recebera. Estavam casados havia seis meses... os mais maravilhosos seis meses de sua vida. O inverno chegara e se fora, e ela terminara sua residência. O verão estava começando outra vez, levando-lhes todas as promessas da estação, todas as promessas do futuro de ambos. Mais tarde, quando todos tivessem saído, os dois se encontrariam na piscina do jardim e partilhariam da intimidade daquele recanto. Blake era o marido apaixonado e atencioso que prometera ser, permanecendo sempre a seu lado. — Abby. — Uma voz infantil interrompeu suas divagações. — Olá, Mark. — Ela se virou para cumprimentar um dos filhos de Blake, parado junto à porta. — Entre, querido. Terminei todos os meus telefonemas. Seu pai me disse que você e seu irmão vão ao show aéreo com Susan e John. — Sim — confirmou o garoto, contente, aproximando-se pela sala. — Quero lhe perguntar uma coisa. — Claro. — Abby sorriu, estendendo-lhe o braço. — Venha até aqui. A propósito, os seis amigos que você e jeremy convidaram para o churrasco virão. -— Legal! Eu... queria lhe perguntar algo sobre isso — disse o menino, Projeto Revisoras

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hesitante. — E o que é, querido? — Ela puxou-o com gentileza para a curva de seu braço. Ao longo dos meses anteriores passara a amar os dois garotos, a apreciar a diferença entre a personalidade de ambos, e dava-se conta de que eles a aceitavam mais e mais. Não apressara as coisas, deixando que o entrosamento entre os três acontecesse naturalmente. — Durante o churrasco e depois... — disse Mark, ainda hesitando. — Bem, Jeremy e eu ficamos nos perguntando se poderíamos começar a chamar você de... mamãe... Abby sorriu, beijando-o na fronte. — É claro que podem — respondeu, enternecida. — Eu ficarei muito feliz se vocês me chamarem de mamãe. Se é a decisão de vocês, eu a aceitarei de bom grado. — Sim, é! Vejo você mais tarde. — Com aquilo, Mark soltou-se e deixou a sala rapidamente. Abby enxugou as lágrimas que se formaram em seus olhos, lágrimas de felicidade e gratidão. Por ter estado preparada para enfrentar dificuldades com os filhos de Blake, ela tomara o cuidado de não interferir em nada e se manter neutra, ajudada naquilo pela babá de ambos, que concordara em continuar no emprego por quanto tempo fosse necessário. Agora, sua quieta estratégia estava dando frutos. Blake já estava lá quando ela entrou na cabana silenciosa, à sombra das árvores, que fora construída como um espaçoso vestiário no jardim, perto da piscina. Ele puxou-a com gentileza para si, fechando a porta. Não havia qualquer ruído além do alegre canto dos pássaros. Os dois tinham o lugar inteiro para si durante a tarde. Na segunda-feira, Abby retornaria ao trabalho, em sociedade com Eliza Cruikshank. Por ora, não seria ninguém mais além da sra. Contini... a amada de Blake. Mais tarde, iria lhe contar que Mark lhe pedira para chamá-la de mamãe e, depois, conversariam outra vez sobre quando deveriam ter um filho de ambos. — Obrigado, minha querida, por me fazer mais feliz do que já sonhei ser Projeto Revisoras

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possível — disse Blake. Ele e Abby se abraçaram, unidos por seu amor. Todos os amanhãs de ambos continham as promessas daquele momento.

REBECCA LANG

estudou para ser enfermeira em Kent, Inglaterra, onde

nasceu. Seu principal interesse voltou-se para o trabalho no centro cirúrgico, e ela adquiriu vasta experiência em todos os tipos de cirurgia em ambos os lados do Atlântico. Vivendo agora em Toronto, é casada com um patologista canadense e tem três filhos. Quando não está escrevendo, Rebecca gosta de praticar jardinagem, ler, ir ao teatro, conhecer novos lugares e de tudo que se relacione relacionado ao estudo da natureza das pessoas.

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