Jane Porter - Sem Aliança, Sem Passado (Paixão 295)

Page 1

Sem Aliança, Sem Passado (His Majesty’s Mistake)

Jane Porter

Ela é tudo o que

um solitário rei do

deserto não deveria desejar... Desprezada e humilhada publicamente pelo pai de seu bebê, a princesa Emmeline D'Arcy fora totalmente destituída de sua aliança, de seu casamento e de sua honra. Porém, ainda teria de passar por mais uma humilhação, talvez a maior de todas: assumir a identidade de sua irmã gêmea e trocar uma vida glamorosa pelas tarefas subalternas como secretária do sheik Makin Al-Koury. Acostumada a ser obedecida e respeitada, agora Emmeline terá de atender seu patrão todas as vezes que ele estalar os dedos seja de dia ou de noite! Mas quando Makin descobrisse seu passado, o toque dele passaria a ser nada mais que lembranças ardentes?

Digitalização: Vicky Revisão: Bruna Cardoso


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Querida leitora, Emmeline D'Arcy é uma princesa que foge aos padrões normais. Além de grávida, ela foi abandonada pelo namorado e confundida com sua irmã, secretária do sheik Makin. Ou seja, está longe de voltar a viver a vida glamorosa de uma princesa. Mas o que estava ruim fica ainda pior quando Emmeline passa dias ardentes com Makin, correndo o risco de perder seu príncipe caso ele descubra toda a verdade. Mergulhe neste maravilhoso conto de fadas! Boa leitura! Equipe Editorial Harlequin Books Tradução: Marie Olivier HARLEQUIN 2012 PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUI N ENTERPRI SES II B.V./S.à .r.l. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: HIS MAJESTY'S MISTAKE Copyright © 2012 by Jane Porter Originalmente publicado em 2012 por Mills & Boon Modern Romance Projeto gráfico de capa: núcleo i designers associados Arte-final de capa: Isabelle Paiva Editoração Eletrônica: ABREU'S SYSTEM Tel.: (55 XX 21) 2220-3654 / 2524-8037 Impressão: RR DONNELLEY Tel.: (55 XX 11)2148-3500 www.rrdonnelley.com.br Distribuição exclusiva para bancas de jornal e revistas de todo o Brasil: Fernando Chinaglia Distribuidora S/A Rua Teodoro da Silva, 907 Grajaú, Rio de Janeiro, RJ — 20563-900 Para solicitar edições antigas, entre em contato com o DISK BANCAS: (55 XX 11) 2195-3186 / 2195-3185 / 2195-3182 Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171, 4° andar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921-380 Correspondência para: Caixa Postal 8516 Rio de Janeiro, RJ — 20220-971 Aos cuidados de Virginia Rivera virginia.rivera@harlequinbooks.com.br

2


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter

CAPÍTULO UM Alejandro só podia estar na Mynt Lounge, à discoteca mais badalada de South Beach. Afinal, se não estava, já deixara a cidade. Havia outras discotecas, mas se conhecia bem Alejandro, sabia que ele só gostava de lugares chiques. Tinha que estar lá; ela precisava vê-lo. Ignorando as dezenas de jovens americanas na fila, todas de saltos altos finos e saias tão curtas que mal cobriam seus atributos, a princesa Emmeline d'Arcy de Brabant saltou do táxi e prendeu uma mecha dos cabelos compridos e sedosos atrás da orelha. Alejandro ouviria seus argumentos. Explicaria sua situação e, com certeza, ele mudaria de ideia ao compreender o que estava em jogo. Seu nome. Sua reputação. E o mais importante, o futuro e a segurança do filho, dos dois. Ajeitando os ombros, a princesa Emmeline d'Arcy, da Comunidade Européia de Brabant, furou a fila, que já dava a volta no quarteirão. Alejandro deveria honrar sua promessa. Agir como homem, manter a palavra. Ao se aproximar da porta principal, o segurança retirou o cordão de veludo para ela entrar. Não a conhecia pessoalmente. Não fazia ideia de que pertencesse à realeza européia. Entretanto, era evidente sua importância. Era uma VIP. E o Mynt Lounge adorava receber celebridades, modelos e Vips. O lounge era conhecido pela mais rígida política de South Beach. Dentro da discoteca escura, estrelas gigantescas e bolas metálicas pendiam do teto enquanto go-go girls futuristas sem roupa dançavam no bar, usando apenas botas brancas de salto alto. Uma parede de luzes púrpuras cintilava atrás do DJ. Outras luzes tremeluziam, salpicando de roxo, branco e dourado a multidão na pista de dança e deixando os cantos na penumbra. A princesa se deteve, franziu os olhos e examinou o lugar à procura de Alejandro, rezando para encontrá-lo. Rezando para ele ainda não ter viajado para o campeonato de pólo em Greenwich. Os cavalos já tinham seguido, mas em geral ele partia depois. Uma garçonete se aproximou e Emmeline balançou a cabeça. Não estava ali para se divertir, mas para se certificar de que Alejandro agiria de modo correto. Fizera amor com ela; a engravidara. Jurara cuidar dela e era melhor que cumprisse a promessa. Queria um anel, ou melhor, uma aliança. Queria que reconhecesse o filho. Ele lhe devia isso. Jamais planejara deixar a Europa, mas aprendera a amar a Argentina de Alejandro. Poderiam viver na estância nas proximidades de Buenos Aires, ter filhos e criar cavalos. Sem dúvida, um futuro diferente do que a família planejara. Emmeline deveria ser coroada rainha de Raguva, deveria se casar com o rei Zale Patek. A família ficaria aborrecida. Para começar, Alejandro não fazia parte da 3


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter aristocracia. Além disso, não tinha boa reputação, mas quando se casassem na certa os pais o aceitariam. Alejandro era rico. Poderia sustentá-los. Acreditava que a sustentaria ao saber que ela não tinha para onde ir. Nenhuma princesa européia era mãe solteira. Apesar de não querer se casar com ele respeitava o rei Zale Patek. Não podia dizer o mesmo de Alejandro, embora tivesse dormido com ele. Que idiotice dormir com alguém que não amava, torcendo para que ele a amasse e a quisesse ao seu lado, a protegesse... A salvasse... Como se fosse Rapunzel presa na torre de marfim. Horrorizada, estremeceu. Bem, nada de chorar sobre o leite derramado. Precisava usar da inteligência e do autocontrole. Engolindo em seco, ajeitou o vestido de cetim azul. Nunca fora tão magra, mas não conseguia manter nada no estômago. Passava mal de manhã, de tarde e de noite. Rezava para a náusea cessar a partir do quarto mês. Ouviu uma gargalhada masculina na área VIP. Alejandro. Então ele estava lá. O estômago revirou, o corpo se retesou de ansiedade. Ele a vinha ignorando, não atendia as ligações, mas com certeza ao vê-la, lembraria de ter confessado o quanto a adorava. Por cinco anos a perseguira sem descanso com juras de amor eterno. Resistira anos, mas num momento de fraqueza no início da primavera, sucumbira e lhe dera a virgindade. A experiência não se mostrara apaixonante como esperava. Alejandro agira de modo impaciente. Ela se surpreendera com o vazio e a brutalidade, mas se convencera de que da próxima vez seria melhor. Quando o amasse, aprenderia a relaxar. A corresponder. Ouvira dizer que sexo era muito melhor quando existia envolvimento emocional. Tomara que fosse verdade. Contudo, não houvera uma segunda vez. E engravidara. Ridículo. Ainda mais comprometida com outro. Um casamento arranjado desde a adolescência e marcado para dentro de dez dias. Grávida de Alejandro, não podia se casar com o rei Patek. Alejandro devia agir como homem. Assumir a responsabilidade pela catástrofe. De cabeça erguida, entrou na área VIP. Viu Alejandro de imediato. Difícil não notar a camisa branca que ressaltava os cabelos escuros, a pele bronzeada e o bonito perfil latino. Em seu colo, uma morena deslumbrante de mini vestido vermelho. Penélope Luca. Emmeline reconheceu a modelo, recentemente transformada na sensação do momento. A mão de Alejandro estava enfiada debaixo da saia, os lábios grudados no pescoço dela. Por um instante, Emmeline ficou sem ar, paralisada com a visão. Então a humilhação a atingiu. Era esse o homem que lhe jurara amor eterno? Era esse o homem que a desejava mais do que qualquer outra no mundo? O homem por quem sacrificara seu futuro? — Alejandro — chamou em meio à música, ao murmurinho de vozes e às risadas. Olhares se voltaram em sua direção. Emmeline mal tomou consciência de que todos a olhavam, pois só tinha olhos para Alejandro. 4


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Ele a fitou com ar de deboche: as pálpebras entreabertas, os lábios ainda no pescoço da jovem. Nem se importou. As pernas de Emmeline bambearam. A sala girou. Ele não se importava, pensou de novo, abatida pelo terror. Não se importava de ser visto com Penélope. Não se importava com os sentimentos dela porque não se importava com ela. Nunca se importara. A verdade desabou sobre ela. Tudo não passara de uma brincadeira: deitar com uma princesa. O desafio. A caça. A conquista. Para Alejandro, ela não passava de um prêmio. Agora que a possuíra, roubara-lhe a inocência, a descartava. Como se ela não fosse ninguém. A raiva e a dor a cegaram. Raiva de si mesma, dor pela criança. Como fora idiota. A culpa era sua, mas não era esse exatamente seu problema? A carência não fora durante toda a vida seu calcanhar de Aquiles? Sua fraqueza a enojava envergonhava. — Alejandro — repetiu, a voz entrecortada, os joelhos trêmulos, espadas lhe apunhalando o coração. Ele a ignorou. As pernas tremiam. Os olhos ardiam. Como ousava tratá-la assim? Aproximou-se. — Mentiroso cafajeste... — Chega! — disse uma voz profunda atrás dela. Sentiu a mão cm seu ombro. Tentou se desvencilhar, pois ainda não terminara. — Você vai assumir a responsabilidade — insistiu trêmula de raiva. — Já disse que chega! — repetiu o sheik Makin Al-Koury no ouvido de Hannah. Dizia a si mesmo que o motivo da raiva era ter perdido sua assistente, se ressentir por tê-la seguido, mas era bem mais... Era ela, Hannah, vestida como... Parecendo uma... Sexy. Impossível. Hannah não era sexy, mas naquele vestido tão justo que parecia pintado no corpo esbelto, o tecido turquesa colado aos seios pequenos e firmes e desenhando o bumbum redondo, e de salto alto... O fato de ter prestado atenção ao bumbum o desnorteou. Nunca antes olhara seu corpo; nem sabia que tinha corpo. Entretanto, ali estava ela num vestido justo cintilante, olhos pintados, cabelos escuros compridos e soltos. O cabelo despenteado descia-lhe pelas costas e atraiu novamente o olhar dele para o bumbum. Foi invadido pelo desejo, pela excitação. Trincou os dentes, irritado por se deixar excitar pela assistente como um menino inexperiente. Pelo amor de Deus! Ela trabalhava para ele há quase cinco anos. O que dera nele? Ao tentar se desvencilhar, a palma da mão esbarrou no ombro nu. A pele era tão quente e sensual quanto ela e mais uma vez ele se excitou. Atônita, Emmeline d'Arcy girou a cabeça par ver quem a segurava, mas só enxergou centímetros e mais centímetros de ombros e um peito largo coberto por uma elegante camisa cinza-chumbo.

5


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Me larga! — ordenou. Como não conseguia se virar, a visão ficou limitada ao queixo e ao maxilar. Anguloso, queixo quadrado, lábios firmes. O único toque de suavidade era a pele bronzeada do pescoço. — Você está bancando a tola — avisou a voz com um leve sotaque. Qual o motivo de a voz lhe ser familiar? Será que o conhecia? E o mais importante, ele a conhecia? Seria um dos empregados do pai? Teria seu pai, o rei William, enviado um segurança? Ou teria sido o rei Patek? Ergueu a cabeça, mas ele era alto demais e a discoteca escura. — Me larga! — repetiu, sem querer ser controlada por um empregado do pai. — Quando sairmos — respondeu ele, apertando-lhe o ombro. Ela estremeceu ao sentir a pele na sua. — Não vou a lugar nenhum até falar com o Sr. Ibanez... — Não é a hora nem o lugar adequado — disse, interrompendo-a. Seguroulhe o punho frágil. Ele era forte e ela estremeceu quando o calor espalhou-se pelo corpo. — Me solta — exigiu, puxando o braço. — Já! — Nem pensar, Hannah — respondeu com tamanha calma e determinação que o sangue lhe subiu à cabeça. Hannah. Ele achava que ela era Hannah. Hesitou. Um calafrio percorreu-lhe a espinha. Claro. A voz profunda, familiar. A altura. A força. O chefe de Hannah, sheik Makin Al-Koury. Emmeline se deu conta de estar numa enrascada. Passara os últimos quatro dias na pele da assistente pessoal dele. Viu-se arrastada pela pista cheia. Ficou tonta ao se encontrarem longe das luzes e dos corpos rodopiando no bar e na pista de dança. A pesada porta da discoteca foi fechada e silenciou a música ensurdecedora. Então ele a soltou; Emmeline se voltou e encarou o sheik. Ele não parecia contente. Não, na verdade, estava lívido. Oi — disse ela, a voz entrecortada. Uma das grossas sobrancelhas negras se levantou. — Oi? — repetiu incrédulo. — Não tem mais nada a dizer? Lambeu os lábios, mas a boca continuou seca. Mordeu os lábios. Há cinco dias parecera brilhante a ideia de implorar a Hannah, uma americana parecidíssima com ela, que trocassem de lugar por algumas horas para poder escapar dos seguranças e confrontar Alejandro. Hannah virara loura, e Emmeline morena. Mudaram de penteado, guarda-roupa e estilo de vida. Devia durar poucas horas, mas isso acontecera há alguns dias e desde então tudo se complicara tanto que, no momento, Hannah se encontrava em Raguva, na Costa da Dalmácia, se passando pela princesa Emmeline, enquanto esta ainda estava na Flórida, fingindo ser Hannah. — O qu-que veio fazer aqui? — gaguejou, hipnotizada pelos olhos claros. Os olhos cinza-claros, quase prateados, e a expressão orgulhosa do rosto a deixaram de pernas bambas.

6


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Impedir que fizesse papel de idiota. — O rosto era anguloso demais para ser considerado bonito — maxilar e queixo quadrados, maçãs do rosto proeminentes, nariz reto e comprido. — Perdeu o juízo? O desespero aumentou-lhe o tom de voz. — Tenho de voltar. Preciso falar com ele... — Ele não demonstrou muito interesse. Novamente foi invadida pela cólera; cólera e vergonha porque o sheik tinha razão. Alejandro, ocupado com a deslumbrante Penélope, não demonstrara o menor interesse. Entretanto, não desistiria. Precisaria se esforçar mais para fazê-lo assumir a responsabilidade. — Você nem sabe a quem me refiro. — Alejandro Ibanez. Agora entre no carro... — Não posso. — Mas deve. — Você não entende. — Tomada pelo pânico, as lágrimas brotaram. Simplesmente não podia ser mãe solteira. Seria deserdada pela família. Acabaria na rua. Se Alejandro não assumisse, como ela e a criança sobreviveriam? — Preciso falar com ele. E urgente. — Pode até ser, mas o lugar está cheio de paparazzi e o Sr. Ibanez não parecia... Disponível... Para uma conversa séria. Por favor, entre no carro. Só então Emmeline se deu conta dos flashes espocando. Não por ela — a mídia achava que era Hannah Smith —, mas sim porque o sheik Al-Koury era um dos mais importantes homens do mundo. Seu país, Kadar, produzia mais petróleo do que qualquer outro país ou reino do Oriente Médio. As forças ocidentais se digladiavam para acolhê-lo. E Hannah Smith, a cópia de Emmeline, trabalhava como secretária do sheik. — Vou pegar um táxi para o hotel. O sheik abriu um sorriso, como quem se diverte, apesar do olhar gélido. — Acho que não entendeu. — Fez uma pausa, o olhar percorrendo-lhe o rosto. — Não foi um pedido, Hannah. Não estou negociando. Entre já no carro. Por um segundo, ela perdeu a respiração. O sorriso dele demonstrava que pretendia vencer. Homens poderosos sempre venciam. Agarrando-se ao último resquício de dignidade, ergueu o queixo, passou pelos paparazzi e, graciosamente, entrou no carro. O vestido turquesa de cetim deslizou pelo banco de couro ao sentar-se num canto. Numa manifestação de protesto, ficou muda quando Makin acomodou-se ao seu lado — na verdade perto demais. Cruzou as pernas, na tentativa de se encolher. Ele era grande demais. Exalava tamanha energia e força que o coração dela disparou. Ficou tonta. Esperou o motorista deixar o local para informar o nome do hotel. — Estou hospedada no The Breakers — disse nervosa, ajeitando a saia. — Pode me deixar lá. O sheik sequer a fitou. — Não vou deixar você em lugar nenhum. Estamos a caminho do aeroporto. Vou pedir que o pessoal do hotel arrume suas malas e despache tudo para o aeroporto a tempo de pegarmos o avião. Por um momento, ela emudeceu. — Avião? — Vamos para Kadar. 7


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter O pulso voltou a acelerar; cerrou os punhos. Não entraria em pânico. Ainda não. — Kadar? Ele a encarou. — Isso mesmo. Kadar, meu país, meu lar. Sou anfitrião de uma importante conferência em Kasbah Raha dentro de alguns dias. Duas dúzias de dignitários vão comparecer com as mulheres. Já se esqueceu? Emmeline não entendia nada sobre a organização de conferências, de torneios internacionais de pólo nem qualquer das dezenas de tarefas desempenhadas por Hannah. Entretanto, não podia admitir, quando Hannah estava em Raguva se fazendo passar por ela. E se a jovem nascida no Texas podia bancar a princesa européia, com certeza poderia bancar a secretária. — Claro — respondeu resoluta. — Por que me esqueceria? Novamente uma sobrancelha grossa e negra se ergueu, os traços semelhantes ao de um falcão. — Porque faz quatro dias que você alegou estar doente, embora tenha passado os dias se divertindo pela cidade. — Eu, me divertindo? Nada para no meu estômago e só deixei o quarto do hotel quando estritamente necessário. — Como hoje à noite, por exemplo. — Isso mesmo. — Porque precisava ver Ibanez. A simples menção a Alejandro a chocou, pois ele não apenas a rejeitara, mas também ao bebê. Suspirou. — Exatamente. — Por quê? — Isso é assunto pessoal.

8


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter

CAPÍTULO DOIS Pessoal, repetiu em silêncio Sua Majestade, Makin Al-Koury, príncipe de Kadar, fitando Hannah, as pálpebras entreabertas, surpreso ao constatar que a secretária, sempre tão sensata, se apaixonara por um homem que tinha uma mulher em cada cidade, bem como esposa e cinco filhos na Argentina. — Posso saber o que ele disse? — perguntou friamente. — Que te amava? Que não podia viver sem você? O que disse para levá-la para a cama? A pele de porcelana ruborizou-se e ela afastou os cabelos castanhos do ombro. — Não é da sua conta. Então Alejandro Ibanez a seduzira. Makin se conteve. Desprezava poucas pessoas, mas Ibanez era uma delas. Conheciam-se dos torneios de pólo. Já o vira em ação. A tática do argentino era simples: seduzi-las emocionalmente convencendo-as de ser especial e de que não conseguiria viver sem elas. E as mulheres acreditavam. Aparentemente, Hannah também. Era evidente que algo acontecera com Hannah. Hannah era prática, pontual, organizada, calma, profissional. Nunca faltava ou chegava atrasada. A mulher ao seu lado não reunia essas qualidades. Durante os últimos quatro dias, tentava compreender o que acontecera com a eficiente secretária. Tratara de segui-la, como ela seguia Alejandro Ibanez, e só hoje, ao vê-lo na discoteca, havia compreendido. Ela se apaixonara por Alejandro e o argentino a usara e a dispensara, como fazia com todas as mulheres que lhe cruzavam o caminho. Não se deixaria influenciar. Não era sensível nem próximo dos funcionários. Ele esperava que exercessem bem a função. Ponto final. — Sua vida pessoal está prejudicando a profissional, o que me afeta — retrucou abrindo um sorrisinho, embora se sentisse péssimo. — Não tenho direito de ficar doente? — Teria se estivesse doente de verdade. Embora pálida, sentou-se ereta, o queixo erguido, exibindo uma elegância e até mesmo uma arrogância que ele desconhecia. — Não passei bem — afirmou tão ereta que parecia uma rainha. — Ainda não estou bem, mas pode pensar o que bem entender. A sobrancelha dele se ergueu levemente, como se respondesse ao desafio. Hannah nunca respondera assim e ele se excitou. A calça de repente ficou apertada; baixou o olhar para as pernas da mulher. Parecia não ter fim. Esbeltas, compridas, cruzadas... Conteve-se. Aquela era Hannah. — Não gosto de sua atitude. Se quiser continuar no emprego, sugiro parar. 9


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Ela corou. — Estou apenas me defendendo. — Fez uma pausa e o examinou através dos cílios negros imensos. — Ou isso também é proibido? — Pronto. — O quê? — Insolente hostil... — Não entendo. Sou sua funcionária ou escrava? Por um momento ele mergulhou no silêncio, atônito com tamanha audácia. Onde fora parar a secretária perfeita? — Sheik Al-Koury, com certeza tenho o direito de ter opinião. — Opinião, sim, mas desde que não seja insolente. — Insolente? Não sou uma criança desobediente. Tenho 25 anos e... — Nenhum juízo. — Inclinou-se na direção de Hannah, mas ela não recuou. Pelo contrário, o enfrentou. Foi tomado novamente pelo nervosismo, pela... Curiosidade, pelo... Desejo — e nada disso era aceitável. Contudo ali estava à nova Hannah e ela deixava tudo de pernas para o ar — inclusive ele. — Estou decepcionado. Ela ficou tensa, trincou os dentes, a emoção entristeceu-lhe os olhos. Por um momento, pareceu orgulhosa, mas magoada. Uma lutadora sem braços. Uma guerreira no cativeiro. Joana d'Arc na fogueira. Sentiu um nó estranho no peito. Uma emoção desconhecida, desconfortável. Não queria senti-la. Ela era funcionária dele. Não sei o que pretende, mas a brincadeira terminou. Procurei você de Palm Beach a South Beach; agora chega. Sem negociações. Ou obedece ou procura outro emprego. Ele viu o peito arfar, apesar de ela permanecer calada e de manter nos olhos azuis aquele estreitamento desafiador. Como pudera acreditar que Hannah era calma e controlada? Nada havia de calmo naquela mulher, naqueles olhos misteriosos. Ela era pura emoção. Afinal quem era? Franziu o cenho, frustrado ao examiná-la da cabeça aos pés. No trabalho sempre se vestia formalmente, mas hoje não se vestira para ele e sim para Alejandro, o amante. Imaginá-la com Ibanez acendeu uma chama que lhe escapou do controle, espalhando-se desgovernada. Por razões não compreendidas, não suportava a ideia de Ibanez com ela. Era boa demais para Ibanez. Merecia alguém muito superior. Manteve o olhar fixo; impossível desviá-lo. O vestido de cetim acentuava a pele alva, o cabelo castanho comprido, o pescoço longo e os traços delicados. Sabia que Hannah era atraente, mas nunca se dera conta de que era linda. Deslumbrante. Nada disso fazia sentido, pois Hannah não era o tipo de mulher chamativa. Era estável, focada apenas no trabalho. Quase nunca usava maquiagem, nada entendia de moda; entretanto, hoje parecia tão delicada e luminosa que se sentiu tentado a roçar os dedos em seu rosto para saber o que a deixava tão radiante. 10


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter A ponta da língua umedeceu o lábio carnudo inferior. A excitação aumentou quando a língua rosada subiu e tocou o lábio superior. Por um segundo, invejou-lhe os lábios, mas suprimiu o pensamento erótico, o que não lhe diminuiu a ereção. — Está me ameaçando? — O tom incrédulo o provocou quase tanto quanto a língua. — Já deveria saber que jamais ameaço ou discuto com empregados. Se converso com você é porque tenho algo importante a dizer... Melhor saber que minha paciência se esgotou... — Sem querer ser rude, sheik — interrompeu, antes de fazer um muxoxo —, falta muito para chegar ao aeroporto? Estou enjoada. Para Emmeline, o resto do percurso transcorreu numa mescla de sacolejos e infelicidade. Lembrava-se vagamente da limusine passar pelos portões e estacionar na pista junto a um jato branco. Subiu as escadas, auxiliada por uma comissária e foi conduzida ao banheiro de um quarto. A comissária acendeu as luzes e fechou a porta, deixando-a sozinha. Graças a Deus. Transpirando, agachou-se. As mãos tremiam ao se inclinar e vomitar. O ácido a queimar-lhe a garganta não era nada se comparado ao ácido a lhe corroer o coração. Tudo culpa sua. Fora fraca, tola, insegura. Entregara-se ao homem errado num momento de carência e, para piorar, envolvera Hannah. Foi invadida pelo remorso. Por que não fora mais forte? Por que tanta carência? Entretanto, quando não ansiara pelo amor? Trincando os dentes, sabia que não podia culpar os pais. A culpa era dela. Aparentemente, mesmo quando bebê, queria sempre colo, exigindo afeição e amparo constantes. Menina envergonhava-se por precisar de mais do que os pais podiam oferecer. Princesas bem-comportadas não agiam assim. Não criavam problemas. Lágrimas brotaram. Como alguém podia chamar aquilo de enjôo matinal se eram matinais, vespertinos e noturnos? Voltou a dar a descarga. Uma batida na porta. Makin Al-Koury. Sentiu um frio no estômago. — Sim? Posso entrar? Não. Mas, a princípio, trabalhava para ele, portanto, precisava concordar. — Pode. A porta abriu devagar e uma sombra marcou o chão. Contendo as lágrimas, ergueu o rosto e viu que Makin ocupava toda a porta. Alto, ombros largos, a expressão fechada. Não havia compaixão nos olhos claros, nenhuma bondade. Bem, tampouco demonstrara bondade na discoteca ao arrastá-la para a rua. Mesmo agora, de joelhos no ladrilho frio, sentia o calor de sua mão em sua cintura. Ele demonstrara irritação enquanto a limusine os conduzia da discoteca ao aeroporto e, ao que parecia nada mudara. — Posso ajudar? — perguntou com voz áspera. — Não, obrigada. 11


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Você está passando mal. Assentiu, lutando contra as lágrimas. — Estou. — Por que não disse? Franziu a testa; as sobrancelhas se uniram. — Eu disse. Afastou o olhar, parecendo ainda mais insatisfeito. — Foi ao médico? — Não. — Por que não? Disse que nada para no seu estômago. Deveria fazer exames ou consultar um médico. — Não ia adiantar. — Por que não? Vacilou diante da impaciência na voz. Por um instante, a máscara caiu e ela notou a expressão quase selvagem. — Por que... A voz sumiu ao se perder nos olhos claros; passou-lhe pela mente que ele podia ser o sheik mais rico do mundo, mas nada moderno. Por trás do terno elegante e do verniz, habitava um homem do deserto. O sheik não contrataria uma mulher solteira e grávida, mesmo americana. Era um problema cultural, uma questão de honra. Podia não conseguir digitar com rapidez ou criar tabelas, mas passara tempo suficiente nos Emirados Árabes e no Marrocos para ter se familiarizado com o conceito de hshuma, vergonha. Uma mulher solteira e grávida traria vergonha a todas as pessoas próximas, inclusive ao chefe. — E o estresse. Vou me controlar. Prometo. Makin lançou-lhe um olhar tão demorado que o pelo da nuca arrepiou e ela sentiu um nó na barriga. — Então controle-se. Conto com você. E se não pode mais exercer sua função, avise para que eu procure outra pessoa. — Mas eu posso. Ele se manteve mudo alguns minutos, o olhar fixo no rosto de Hanna. — Por que Ibanez? Por que justo ele? Ela deu de ombros. — Ele disse que me amava. Lançou-lhe um olhar incrédulo. — E você acreditou? Hanna hesitou. — Acreditei. — Não posso acreditar que caiu na conversa dele, logo você, tão inteligente e educada. Ele repete a mesma coisa para todas. Não detectou a falsidade dos elogios? Não notou que ele é uma farsa? Que nunca é sincero? — Não. — Respirou fundo, soluçou. — Infelizmente. Makin tentou controlar o mau humor ao ver Hannah chorando, os cabelos castanhos despenteados caindo-lhe pelas costas magras. Qualquer pessoa mais terna se comoveria com a beleza frágil, mas ele se recusava a experimentar qualquer sentimento em relação a ela, não depois que ela se tornara sedutora, uma tentação. Um problema. Não admitia misturar a vida profissional com a pessoal. Sexo, desejo, luxúria... Nada disso cabia no local de trabalho. Jamais. — Sempre respeitei você. — A voz dele soou áspera até para os próprios ouvidos, mas nunca medira palavras antes e não começaria agora. — Mas já não sei se respeito. 12


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Ela retraiu-se, visivelmente abalada, e ele foi invadido por uma sensação desconfortável que se foi levada pela mesma severidade que aplicava à vida. Não ligava para ninguém... Homem nem mulher. Filho único de uma família unida. O pai, um governante beduíno e príncipe de Kadar, era quase vinte anos mais velho do que a mulher, Yvette, francesa. Os pais raramente discutiam o passado, concentrados no presente. Conheceram-se quando a mãe tinha apenas 20 anos e estudava cinema em Paris. Linda, brilhante e cheia de planos, aceitara a proposta de casamento de Tahnoon Al-Koury após poucas semanas de convivência, abrindo mão dos sonhos. Casaram-se numa cerimônia discreta antes de viajarem para Kadar. Makin encontrara os avôs maternos uma única vez, no enterro do pai. A mãe se recusara a falar com eles, então coubera a Makin se apresentar aos avôs franceses. Não eram maus como imaginara. Apenas não aceitavam que a filha amasse um árabe, muito menos um árabe inválido. Makin crescera vendo o pai na cadeira de rodas; isso não representava nenhuma tragédia, pelo menos não até o final. O pai era espetacular. Devotado à família, adorava a mulher e lutava para manter o máximo de independência, apesar da natureza degenerativa da doença. Makin tinha 20 anos quando o pai faleceu. Durante os anos de convivência, nunca ele reclamara ou se lamentara, embora sofresse dores terríveis. Não, o pai era orgulhoso, valente e ensinara o filho — não com palavras, mas com exemplos —, que a vida exigia força, coragem e tenacidade. — Não me respeita por que eu quis ser amada? — perguntou, forçando-o a esquecer o passado e retornar ao presente. Ele a fitou, lutando contra a mesma sensação desconfortável. — Porque quis ser amada por ele. — Calou-se, desejando que ela compreendesse. — Ibanez não chega aos seus pés. E egoísta, vulgar e só se interessa por mulheres tolas. — Quanta crueldade! — Mas é verdade. Adora um escândalo e prefere mulheres casadas ou noivas, como aquela princesa Emmeline, ridícula... Ridícula? Você a conhece? De comentários... — Então não pode afirmar que é ridícula... — Posso sim. Conheço bem a família e compareci à festa dela de 16 anos. Ficou noiva de Zale Patek. Coitado, virou piada quando ela deu em cima de Ibanez. Ninguém a respeita. A princesa tem a reputação de um gato de rua. — Que afirmação horrível! — Estou sendo sincero. Talvez se tivessem sido mais sinceros com Sua Alteza Real, ela fosse diferente. — Deu de ombros. — Mas não estou interessado nela e sim em você e na sua capacidade de desempenhar as funções com objetividade e eficiência. Não permita que Ibanez lhe faça perder um segundo de seu tempo. Nem o meu, o que é mais importante. Tudo nele me incomoda. — Manteve o olhar fixo. — Estamos combinados? — Sim — respondeu, com voz rouca. — Então venha para a cabine principal. Vamos decolar. Emmeline lavou o rosto, escovou os dentes e os cabelos. Ainda estranhava o cabelo escuro. Sentia saudades do cabelo louro. De suas roupas. De sua vida. 13


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Hannah também devia se sentir perdida vivendo a vida de Emmeline. Tinha consciência de ter colocado Hannah naquela situação. Trocar de identidade fora ideia sua. Hannah nada tinha a ganhar fingindo ser princesa. Emmeline levara vantagem. Conseguira escapar dos seguranças, procurar Alejandro e contar da gravidez. De que adiantara? Fora rejeitada. Respirou fundo, consciente de que a atitude egoísta e tola afetara muita gente. Hannah. O rei Patek. O sheik Al-Koury. Precisava dar um jeito na situação. Não apenas visando o próprio bem-estar, mas o de todos. Aparentemente calma, ocupou o assento indicado pela comissária, perto de Makin. Emmeline tentou bloquear sua imagem da visão periférica quando o jato decolou, irritada com o tamanho e a aparência dele. Era alto, musculoso. Ao digitar no laptop, os músculos se tensionavam e ela via os bíceps desenvolvidos delineados sob o tecido de algodão. As calças de weed marcavam os músculos da coxa. Até as mãos eram fortes; os dedos se moviam com agilidade pelo teclado. Fascinada, observou-lhe as mãos: a pele bronzeada, os dedos compridos. Lembravam as mãos das estátuas gregas — lindas, clássicas, esculturais. Imaginou como seria ser tocada por ele e como as mãos se moveriam pelo corpo de uma mulher. Seria o toque suave ou brutal? Como seguraria uma mulher: sujeitando-a, usando-a como objeto? Nunca pensara nisso, mas a única noite com Alejandro mudara o modo como enxergava homens e mulheres. Dera-se conta de que o sexo fora romantizado em livros e filmes. Sexo nada tinha de bom ou íntimo. Não tinha sido prazeroso. Achara a experiência vazia, desprovida de emoção. Alejandro a possuíra e ponto. Sabia que alimentara expectativas tolas, infantis. Por que não se dera conta de que Alejandro, após atingir o clímax, tomaria um banho, se vestiria e iria embora? Apesar de sete semanas terem se passado, ainda se sentia traída pela necessidade de amor e afeição e por ter acreditado que Alejandro poderia suprila. Imaginara que o sexo preencheria o vazio dentro dela, contudo, só o aumentara. Fechando os olhos, puxou a manta até o pescoço ao ouvir a voz da falecida avó ecoar em sua cabeça: "Não dê pérolas aos porcos." Fora exatamente o que fizera movida pelo desespero, pelo medo de nunca ser amada. Emmeline estremeceu assustada com as péssimas escolhas. — Quer que ligue o aquecimento? — perguntou Makin. Ao abrir os olhos, ele a observava; só não sabia há quanto tempo. — Estou bem — disse, pouco à vontade. Posso pedir outra manta. — Estou bem — repetiu. — Está tremendo. O calor subiu-lhe ao rosto. Ele a observava atentamente. Ibanez não merece. E mentiroso canalha. Você merece um príncipe. 14


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Quanta ironia... Hannah merecia um príncipe e ela, Emmeline, apenas desprezo. Sentiu um nó na garganta. Gostaria de ser inteligente e eficiente como a Hannah que ele admirava, e não a princesa inútil e mimada por quem ele só nutria menosprezo. Seu desdém a magoava. Não deveria. Ele não a conhecia. Além do mais, que importância tinha a opinião dos outros? Contudo, ele a tocara. Parecia enxergar a verdadeira Emmeline de autoestima baixa sob o manto de elegância. Sempre se perguntara o motivo de tanta insegurança. Ao completar 16 anos, meia hora antes do baile, soubera que os pais não eram seus pais verdadeiros. Era adotada. Filha de uma jovem solteira, habitante de Brabant, e de pai desconhecido Comparecera ao baile em estado de choque. Por que o rei William decidira revelar a verdade antes da festa? Enfim, isso lhe arruinara a noite; não parava de pensar na mãe que a entregara para adoção. Seriam parecidas? Ainda pensaria nela? Nove anos transcorridos desde a revelação, continuava a pensar nos pais biológicos. Estariam o vazio e o medo do abandono relacionados ao fato de ter sido adotada? Poderia sentir saudades da mãe que lhe dera a vida? — O que esperava conseguir no Mynt? — perguntou Makin de repente. Aconchegou-se na manta. — Ele disse que me amava... — Eu sei — interrompeu-a, impaciente. — Você já disse. —... Achei que se me visse, seu amor renasceria. Achei que se lembraria de ter me pedido em casamento. — Ele pediu você em casamento? — repetiu incrédulo. Ergueu o queixo, orgulhosa. Por que duvidava? — Pediu. Por um bom tempo, Makin nada disse. Permaneceu sentado, observando-a como se movido pela piedade. Quando Emmeline já não suportava mais o silêncio, ele revelou: — Alejandro já é casado e pai de cinco filhos. O mais velho tem 12 anos. A caçula, nove meses. — Impossível. — Alguma vez menti para você? Sentiu um frio no estômago. Alejandro casado? Pai de cinco filhos? A situação só piorava.

15


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter

CAPÍTULO TRÊS Horas depois, foi acordada pela vibração do jato preparando-se para o pouso. Sonolenta, olhou pela janela, mas viu apenas um tom dourado pálido... Ou seria bege? Nenhum prédio, luzes, estradas ou qualquer sinal de vida. Apenas areia. À distância, um ponto cinza. Ou seria verde? Não parecia uma cidade, pois não tinha aeroporto. Não obstante, desciam como se prestes a pousar. Momentos mais tarde, fizeram uma aterrissagem tranqüila; só ouviu o som dos freios. No meio do deserto, vislumbrou um vale gramado e montanhas douradas à luz da manhã. Esperava uma cidade. A maioria dos príncipes de Dubai e dos Emirados Árabes vivia em cidades cosmopolitas com hotéis de luxo, butiques e restaurantes cinco estrelas. Os sheiks de hoje em dia eram mais ricos e modernos do que a realeza européia. Podiam gozar dos luxos da vida e possuíam aviões particulares, iates, carros sofisticados, cavalos e campos de pólo. Imaginara que Al-Koury a levaria para uma cidade, mas ali só havia areia, inclusive nas montanhas. Planejara pedir a Hannah que pegasse um avião e trocassem de lugar, mas nesse deserto seria impossível. Qualquer aeronave seria notada. — Decepcionada? — Tenho motivos? — perguntou, arqueando as sobrancelhas. Lançou-lhe um olhar penetrante, os traços duros. Os olhos faiscavam, o lábio superior curvado como se ele tampouco estivesse satisfeito. A pulsação acelerou. Ele era deslumbrante. A náusea ameaçou voltar. — Você nunca gostou do deserto e de Kasbah Raha — disse, abrindo um sorriso irônico. — Sempre preferiu a vida agitada de Nadir. Realmente estavam no meio do nada. O que demonstrava ser quase tão impossível trazer Hannah quanto ir embora sem que a troca passasse despercebida. — Pode ser — disse, torcendo para ele não notar o tremor na voz. —, mas adoro o sol da manhã tingindo a areia de tons dourados e acobreados. — Você costumava detestar o deserto, alegando que ele lhe lembrava o rancho no Texas. Tentou entrar no jogo. — Mas adoro o rancho onde cresci. — Pode ser, mas em Nadir tem amigos, um apartamento no palácio e várias atividades sociais, enquanto aqui fica muito sozinha. Ou sozinha comigo. O "sozinha com ele" causou-lhe um arrepio de ansiedade. Não conseguia imaginar uma hora sozinha com ele, quanto mais dias. Precisava trazer Hannah. Já.

16


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Os olhos faiscaram, a boca grossa e sensual se abrindo num sorriso irônico, e ela podia jurar que ele adivinhava seus pensamentos. Corou, arrepiou-se. Não, ele não era capaz de ler mentes. Não poderia saber o quanto a abalava. Contudo, os olhos acinzentados eram tão penetrantes que sentiu um arrepio de temor e expectativa. Era tão diferente de todos que conhecera. Muito mais... Makin estendeu as pernas. Devia ter quase 1,90m. Enquanto Alejandro era bonito, Makin Al-Koury exalava força. — Por sorte, desta vez vai estar muito ocupada recebendo meus convidados para se sentir isolada. Está tudo organizado? — Claro. — Sorriu, na tentativa de esconder o fato de que não sabia do que se tratava. Acabaria descobrindo. Ótimo. Porque ontem tive dúvidas sobre sua capacidade. Entretanto, depois de dormir quase o vôo todo, parece mais descansada. — Estou — respondeu, pensando que ele é que parecia novinho em folha, apesar do longo vôo. Tomou algum remédio para dormir? — Não. Por quê? — Porque nunca consegue dormir no avião. Não sabia o que responder. Viajava muito desde pequenininha. A princípio, com a família, e depois sozinha. Durante a infância e a adolescência sempre fora muito tímida, embora a mídia desconhecesse o fato. Só viam seu rosto e sua fotogenia. Ao atingir os 15 anos, os paparazzi a coroaram como a beleza de sua geração. Desde então vivera sob os holofotes dos jornalistas sempre prontos a fotografá-la e elogiar ou criticá-la. — Eu estava exausta. — Ultimamente vivia com sono; devia ser efeito colateral da gravidez. — E você? Descansou? — Menos do que gostaria. Foi difícil pegar no sono. Estava preocupado com você. O tom de voz profunda a desarticulou. Preocupação verdadeira. Podia odiar Emmeline, mas adorava Hannah. Sentiu uma facada de inveja. Dana tudo para ser brilhante c eficiente como Hannah; uma mulher merecedora de amor e respeito. Tomada pela emoção, desviou o olhar para a paisagem. O avião pousara no vasto deserto. Funcionários uniformizados se aproximaram. Uma frota de veículos pretos reluzentes aguardava. Esse imenso deserto escaldante era o mundo do sheik Al-Koury e tinha a sensação de que sua vida jamais seria a mesma. Makin esticou as pernas no assento do carro, um sedã possante e blindado de vidros fumê. Apesar de a última rebelião ter ocorrido há mais de trezentos anos e de ser pouco provável que ocorresse nos próximos trezentos, o perigo podia vir de fora. O fato de controlar tanto petróleo o tornava um alvo. Entretanto, não se preocupava com a própria mortalidade. Preferia viver como o pai sem medo. Relaxou um pouco, feliz por se sentir em casa. 17


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Embora a família fosse dona de palácios em todo o país, o kasbah tribal rústico em Raha sempre fora seu favorito. O próprio nome significava Palácio do Repouso e simbolizava a paz. Ali no deserto, conseguia pensar com clareza, longe do caos das cidades modernas. — Vamos repassar a agenda de hoje? — pediu, quando o motorista acelerou deixando para trás a pista. Nutriu esperanças ao vê-la, à sua esquerda, pálida, mas recomposta. Talvez tivesse deixado de lado seu drama pessoal. — Qual dos convidados será o primeiro a chegar e quando? Aguardou Hannah pegar o celular na pasta, mas ela não se moveu. — Não sei. Hesitou, achando que ela brincava, embora ela não costumasse agir assim. Contudo, após um tempo, percebeu que ela falava sério. Trincou os dentes ao compreender que os problemas pessoais da secretária encontravam-se longe da resolução. Franziu o cenho. — Saber a resposta faz parte de sua função. Ela respirou fundo. — Acho que perdi a agenda. — Mas tem um back-up da agenda. Cadê o laptop? — Não sei. Makin desviou o olhar. Seu desamparo o comovia. Não queria se zangar com ela, mas tudo nela o provocava. Concentrou-se na paisagem familiar. Para outra pessoa, o deserto poderia parecer monótono. Ele conhecia cada pedacinho como a palma da mão e isso o acalmou. — Perdeu o laptop? — perguntou o olhar fixo nas dunas ondulantes. — Perdi. — Como? — Acho que esqueci em algum lugar quando... Passei mal. Em South Beach? — Antes. Ele virou-se de supetão e fitou os olhos azul-violeta que pareciam enormes no rosto pálido. — Deve ter sido em Palm Beach, depois do torneio de pólo — disse baixinho, entrelaçando os dedos. — Por que não avisou antes? — Sinto muito. Ela parecia tão nervosa e desesperada que ele engoliu a crítica e respirou fundo. Ela ainda sofria. Não agia como de hábito. Ele deveria exercitar a paciência. Pelo menos hoje. Tentou manter a calma. — Deve ter tudo no computador. Quando chegarmos ao palácio, pode imprimir a agenda. — Obrigada — sussurrou. Ele suspirou novamente ao observar o rosto pálido e tenso, a postura rígida. Estranho... Tudo nela lhe parecia estranho. Nunca se sentara daquele jeito imponente. Isso o fez lembrar-se da noite anterior no avião. Franziu o cenho. — Você ontem falou dormindo. Ela o encarou, os lábios entreabertos, sem emitir som. — Em francês. Com sotaque impecável. Se eu não soubesse, acreditaria que fosse sua língua-mãe. 18


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Você é fluente em francês? — Claro. Minha mãe era francesa. Ruborizou-se. — Disse algo constrangedor? — Só que está metida numa baita enrascada. O que fez Hannah? Do que tem medo? Uma veia pulsou; o rosto empalideceu. — De nada. Respondeu rápido demais. Makin conteve a irritação. Quem pensava enganar? Como se não a conhecesse... Trabalhavam a tantos anos juntos que ele com frequência sabia de antemão a resposta dela. Conhecia-lhe os gestos e até a hesitação antes de dar alguma opinião. Entretanto, nunca foram amigos. A relação era estritamente profissional. Conhecia o trabalho de Hanna, não a vida pessoal. Sabia que caso ela tivesse se metido em uma enrascada, dela conseguiria se safar. Era forte. Inteligente. Auto-suficiente. Em longo prazo, talvez, pois no momento, parecia péssima. Empalidecera, não parava de engolir em seco. — Quer que eu peça ao motorista que pare? — Sim, por favor. Minutos depois, eles estacionaram. Ela saltou os saltos altos afundando na areia. Makin não sabia se devia segui-la — afinal não fizera outra coisa na semana anterior — ou deixá-la a sós, para manter parte da dignidade. Venceu a segunda opção. Apesar de cedo, o sol ardia e a temperatura beirava os 38°C. Um calor seco pensou botando os óculos, diferente da umidade da Flórida. Gostava da Flórida, mas ali era o seu deserto. Pertencia a esse lugar. Encontravam-se a poucos quilômetros de distância de Kasbah Raha. A impaciência crescia. Costumava passar vários meses por ano em Raha, seus meses favoritos. Diariamente ao acordar malhava, tomava banho, o café da manhã e trabalhava. Almoçava tarde e voltava ao trabalho, até tarde da noite. Para ele, a escrivaninha era o seu lugar predileto. Entretanto, a rotina dele não se resumia ao trabalho. Tinha uma amante em Nadir com quem se encontrava várias vezes por semana. Embora Hannah soubesse de Madeline, nunca tocaram no assunto. Assim como Hannah nunca discutira a própria vida afetiva. O celular de Makin tocou. Ao olhar a tela, viu se tratar do chefe de segurança do palácio em Nadir. Respondeu em árabe. Ao ouvir a informação, se deu conta de que não podia ter vindo em pior momento. Hannah passava mal. Pediu ao chefe de segurança para mantê-lo informado. Guardava o telefone quando Hannah apareceu, as mãos delicadas ajeitando o vestido turquesa amassado. Enquanto se aproximava, abriu um sorriso sem graça. — Sinto muito. Ele não retribuiu o sorriso. — Você não melhorou. — Pressão baixa. Não comi nada hoje. 19


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Lembrou-se de que ela também nada bebera: nem café, nem chá, nem suco. Makin dirigiu-se em árabe ao motorista, que foi até o porta-malas do carro e buscou duas garrafas de água. Makin destampou uma e a entregou a Hannah. — Está gelada — disse surpresa. — Tenho uma geladeira no porta-malas para as viagens longas. — Boa ideia. Faz muito calor aqui. — Levou a garrafa de plástico aos lábios, as mãos ligeiramente trêmulas. Makin percebeu-lhe o tremor e as olheiras. Estava exausta. Precisava comer. Descansar. Recuperar-se. Podia dispensar as más notícias. Outro motivo para o estresse. Não podia esconder-lhe a verdade, mas não precisava contar nada agora. Esperaria chegarem ao palácio e ela tomar um banho, mudar de roupa e pôr alguma coisa no estômago, pois ela parecia à beira do desmaio. — Podemos ir? — perguntou, apontando o carro.

20


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter

CAPÍTULO QUATRO Emmeline fingiu examinar a paisagem árida, quando na verdade evitava o olhar dele. Sabia que ele a observava desde que haviam parado na estrada. Parecia mais quieto e austero, como se isso fosse possível. Julgara ter ouvido o som do celular. Seu sexto sentido dizia que a ligação dizia respeito a ela. Talvez fosse paranóia, mas tinha a sensação de que ele começava a desconfiar. Teria descoberto a verdade? Ainda preocupada, viu um brilho verde surgir no horizonte: arvores e jardins — um oásis no deserto. Uma cidade. O motorista entrou numa estradinha ladeada por palmeiras. À medida que o carro se aproximava dos enormes portões, estes se abriram. — Lar, doce lar — disse satisfeito enquanto percorriam o caminho ladeado por palmeiras frondosas. Outros portões foram abertos e fechados, revelando uma construção rosa pálida. O palácio era formado por várias construções lindamente interligadas por treliças, pátios e jardins. Nenhuma igual à outra. Algumas com torres, outras com domos, todos os muros cobertos de buganvília. O carro parou diante da construção mais alta, de três andares, portas e colunas douradas, azuis e brancas. Os empregados trajando calças e paletós brancos, alinhados na entrada, sorriram e se curvaram em reverência quando o sheik saltou do carro. Tendo crescido num palácio, Emmeline habituara-se à pompa e ao protocolo. Embora testemunhasse diariamente as demonstrações de respeito à família real, percebia algo de especial. Os empregados o saudavam com alegria genuína. Gostavam dele e, pelo modo como ele se dirigiu a cada um dos homens, o sentimento era recíproco. Makin aguardou por ela e juntos cruzaram as portas douradas, deixando para trás a luz do sol e o calor asfixiante. Ao entrar na sala de estar, com teto em abóbada azul e dourado, suspirou encantada com a calma e o frescor do palácio. — Que maravilha! O sheik ergueu a sobrancelha e a fitou curioso. Corou, lembrando-se de que supostamente era Hannah e estava habituada ao local. Ele a fitou como se buscasse alguma resposta, mas ela não sabia qual. Então acenou como se tivesse chegado a uma conclusão. — Vou acompanhá-la até o quarto. Surpreendeu-se com o tom de voz. Algo acontecera. Sem sombra de dúvida. Atravessaram o vestíbulo, os passos ecoando no assoalho de calcário. 21


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Ele entrou num corredor com colunas ornamentais. O sol entrava pelas janelas. Murais de mosaico decoravam as paredes de mármore e grandes abajures de cobre pendiam do pé-direito alto. Passaram por mais um arco que conduzia à parte externa. As rosas desabrochadas e o perfume fizeram Emmeline se lembrar do jardim de rosas no palácio em Brabant. Sentiu uma súbita pontada ao pensar em tudo que perderia quando os pais descobrissem que ela não poderia se casar com Patek. Ficariam escandalizados. Insistiriam num aborto, o que não faria. Sofreria ameaças. Hostilidade. Makin se deteve diante da porta de mogno e esperou que ela a abrisse. O quarto de Hannah, pensou, abrindo a porta que dava para um espaçoso apartamento. O pé-direito alto da sala de estar exalava elegância, as cores mais vibrantes do que as do resto do palácio. Vislumbrou o quarto e o banheiro. Tinha até mesmo uma cozinha onde poderia preparar café e refeições simples. — O cozinheiro fez o seu pão favorito — disse ele, mostrando um embrulho na bancada da cozinha. — Tem iogurte, leite, tudo de que gosta na geladeira. Se não quiser almoçar, prometa comer algo. — Prometo. Ele hesitou visivelmente constrangido. — Preciso dizer algo. Podemos nos sentar? Ela olhou o rosto impassível. Afastou uma das almofadas bordadas do sofá. Plantou-se diante dela, os braços cruzados, a camisa de linho cinza delineando os ombros largos. Ele realmente era lindo. Irradiava poder, mas agora a enchia de medo. — Aconteceu um acidente — disse, abruptamente. — A noite passada a caminho do aeroporto, Alejandro bateu com o carro. Penélope morreu na hora. Ele foi hospitalizado. Ficou chocada com a notícia. — Foi operado ontem — continuou Makin. — Sofreu uma hemorragia interna. O estado dele é crítico. Emmeline uniu as mãos, aturdida demais para falar. Penélope morta. Alejandro talvez não sobrevivesse à cirurgia. Com o olhar perdido, viu as rosas vermelhas que a lembravam do vestido vermelho usado por Penélope na noite anterior. Num piscar de olhos, o deserto desaparecera só restando o vermelho vívido do vestido colado ao tecido branco da camisa de Alejandro. Sentia-se sufocar. Lágrimas toldaram-lhe a visão. — Quem dirigia? Alejandro? — Isso. — O que aconteceu com Penélope? — Foi cuspida do carro. Fechou os olhos. Quanta irresponsabilidade! Sentiu pena da jovem de apenas 19 anos. Uma lágrima rolou. Limpou-a, furiosa. Furiosa com Alejandro. Furiosa com o fato de ele destruir vidas. — Lamento Hannah. Sei que achava estar apaixonada... Por favor — disse a voz entrecortada. 22


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Ele se agachou e segurou-lhe o queixo, obrigando-a a fitá-lo. Os olhos brilhavam de emoção. — Sei que atravessa um momento difícil, mas vai superar a dor. Então a surpreendeu passando o polegar no rosto de Hannah, limpando-lhe as lágrimas num gesto protetor. Fazia anos que ninguém a acariciava tão tenramente. E nunca um homem. — Obrigada. Makin se levantou. — Você vai superar — repetiu. Gostaria de ter um pingo daquela certeza. — Tem razão — disse, enxugando as lágrimas. — Vou tomar banho, mudar de roupa e trabalhar. — Levantou-se e se afastou. Precisava se distanciar dele. — A que horas nos encontramos? — Acho melhor descansar hoje. Deve ter pilhas de correspondências. — E centenas de e-mails, dúzias de telefonemas, mas podem esperar — afirmou Makin. — Quero que aproveite o dia para comer, dormir, ler, nadar. Recupere-se logo, pois conto com sua ajuda. Enrubesceu. — Lamento. Odeio não lhe ser útil. Ele lançou-lhe um olhar estranho e ergueu os ombros largos. — Repouse. Melhore. Assim me ajudará e muito. — Em seguida se afastou, deixando-a como se ela pertencesse àquele lugar. Entretanto, aqueles aposentos, a comida na cozinha, as roupas... Tudo pertencia a Hannah. Ela precisava recuperar a própria vida. Emmeline se olhou, sentindo-se um lixo no vestido amarrotado e embora ansiasse por um banho — e por comida —, tinha algo mais importante a fazer. Precisava entrar em contato com Hannah. Ligara algumas vezes no dia anterior, mas sempre caía na caixa postal. Hannah enviara uma mensagem de texto perguntando quando planejava chegar para trocarem de lugar antes que alguém notasse a diferença. Pegou o celular e ligou para o número de Hannah, rezando para ela atender. O telefone tocou e tocou até afinal Hannah atender, a voz ofegante. Emmeline apertou uma almofada bordada contra o peito. — Hannah, sou eu. — Eu sei. Tudo bem? — Nã-não sei... — gaguejou. — Quando chega? — Nã-não sei — repetiu, sentindo-se desonesta, pois sabia a resposta. Não poderia ir a Raguva. Quando Hannah perguntou, tensa, como não sabia, Emmeline observou as montanhas atrás dos muros do palácio. Passara a noite viajando, estava grávida de sete semanas e a milhares de milhas de Miami, onde Alejandre jazia em estado critico. — Estou em Kadar. Silêncio. — Kadar? Por quê? — O sheik Al-Koury me confundiu com você. Hannah bufou. — Conte a verdade! 23


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Não posso. — Emmeline estava prestes a perder o controle. Nas últimas semanas enfrentara momentos difíceis, embora acreditasse que tudo pudesse dar certo. Ao invés de melhorar, a situação piorou. — Não posso. Não antes da conferência. Isso arruinaria tudo. — Já está tudo arruinado! — exclamou Hannah. — Você não faz ideia do que aconteceu... — Sinto muito, Hannah. Mas a situação fugiu ao meu controle. — Seu controle. Sua vida. Só pensa em você. — Não é isso... — Você me mandou para cá e não pretendia voltar de imediato. Usou-me. Manipulou-me. Como acha que me sinto fingindo... O telefone ficou mudo. Hannah desligara. O que esperava? Conseguira arruinar a vida da jovem. Makin tivera uma breve reunião com os funcionários depois de deixar o quarto de Hannah e passara 15 minutos no escritório. Os gerentes dos diversos departamentos o colocaram a par das novidades. Dispensou-os com um aceno de mão. Não conseguia se concentrar; os pensamentos voltados para Hannah. Contar sobre o acidente fora mais difícil do que imaginara. Odiara ser o portador das más notícias. Nunca experimentara esse sentimento de proteção. Talvez porque ela não se sentisse bem. Talvez por saber que o coração dela estava despedaçado. Talvez por ter começado a prestar atenção nela. Como mulher. Mulher altamente desejável. E isso era um problema. Com os lábios comprimidos, ergueu-se e deixou a sala. Visitou com o chefe de segurança as alas destinadas aos convidados. Foi interrompido por um telefonema informando que Alejandro deixara a sala de cirurgia. Ainda não acordara e, apesar dos prognósticos, sobrevivera à operação de nove horas. Ficou feliz por Hannah. — Quais famílias se hospedarão nesse prédio? — Tentava se concentrar em sua vida, seu trabalho, sua conferência. Não costumava se distrair com facilidade, mas parecia incapaz de pensar em outra coisa senão em Hannah. — O sultão Malek Nuris, de Baraka, o irmão, o sheik Kalen Nuri e as esposas, Sua Alteza. E o sheik Tair de Ohua. — E no prédio à direita? — Os dignitários ocidentais. — Certo. — Não só a segurança fora providenciada, mas o Kasbah estava imaculado. Apesar de todas as casas e palácios de Makin serem lindos, o Kasbah Raha o deixava sem fôlego. Tinha cem anos e fora preservado pela família AlKoury. As cores imitavam as do deserto o rosa da aurora, as majestosas montanhas vermelhas, o azul do céu e o marfim-dourado das areias. Isolado, era o local onde melhor trabalhava. Por isso nunca levara Madeline a Raha, onde refletia e traçava planos... Longe do desejo e da luxúria. Nunca quisera associar o prazer carnal do sexo a Raha, contudo, agora com Hannah sob seu teto, os temas carnais imperavam, afastando seu pensamento da conferência. Hannah. O simples pronunciar do nome o excitava. Tomou uma decisão. 24


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Apesar de mal terem chegado, ela precisava partir. Não podia se permitir mergulhar na indecisão.

CAPÍTULO CINCO Ainda abalada pela conversa com Hannah, Emmeline tomou banho e vestiu o roupão pendurado no closet, perto do armário de Hannah. Curiosa, examinou as roupas. Nada deselegante, mas prático. Hannah se vestia de modo conservador, como exigia o trabalho. Esticando-se na cama, sentiu uma onda de afeto por Hannah. Era o tipo de amiga com quem se podia contar. Não se lembrava de ter adormecido, mas horas depois a campainha a acordou. Sentando-se, admirou o crepúsculo. Dirigiu-se à porta. Era um dos empregados da cozinha com um carrinho prateado. — Boa noite, Srta. Smith. Sua Alteza achou que talvez preferisse jantar no quarto. Um gesto atencioso do sheik, pensou, escancarando a porta. O homem entrou, empurrou o carrinho até o pátio, arrumou as mesas e cadeiras perto da piscina e cobriu a mesa redonda com uma toalha, pratos, talheres, taças, velas e um arranjo de flores. Com um aceno respeitoso, saiu, levando o carrinho vazio. Emmeline saiu para o pátio. A mesa fora posta para dois. Não jantaria sozinha. A sensação de bem-estar evaporou-se. Tão logo Hannah abriu a porta, Makin se deu conta de ter cometido um erro. Deveria tê-la chamado ao escritório para informar que ela deixaria o palácio, como faria com qualquer funcionário. Impossível falar com ela durante o jantar, em seus aposentos. Pior ainda, ela se produzira o que nunca acontecia. Por que o vestido esvoaçante e as sandálias douradas de salto que tornavam suas pernas tão compridas? Makin a seguiu até o jardim sabendo que não deveria ficar. Ninguém dava más notícias aos funcionários assim. Deveria ir embora e esperar até amanhã, quando se sentisse mais calmo e controlado. Mas não conseguiu controlar o desejo irresistível de ficar. Examinou a mesa e o desconforto aumentou. Ela se vestira de acordo com a mesa posta, o vestido de chiffon num tom um pouco mais vibrante que a toalha. Velas compridas ladeavam o arranjo de centro de rosas alaranjadas e marfim. Outro erro. O mordomo não entendera suas ordens. Deveria ter sido mais específico. Pedira que a refeição fosse servida nos aposentos de Hannah para evitar interrupções. Nunca lhe passara pela cabeça que um simples pedido teria tal efeito... Um jantar íntimo. Franziu o cenho diante da prataria, das taças de cristal, da porcelana. 25


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Aumentou-lhe a raiva o tremeluzir das velas, num jogo de luz e sombras, acentuando as tonalidades da toalha bordada. Mesmo a piscina e o chafariz se iluminaram com a brisa suave que balançava as palmeiras do jardim. Makin já visitara o apartamento de Hannah centenas de vezes, mas nunca jantara ali, não a sós. Em todos os jantares discutiam negócios. Ela comparecera a vários banquetes na companhia dele, quando tomava notas e ele lhe passava instruções. Mas nunca se sentaram um diante do outro à luz de velas, sob a luz do luar. A iluminação mudara tudo, bem como a toalha de seda bordada. O brilho do tecido e da luz criava intimidade... Sensualidade. Ela sempre usava tailleurs, contudo hoje se produzira. Como se não fosse um jantar de negócios. Como se fosse... Um encontro romântico. Ficou excitado só de pensar em ficar a sós com Hannah usando aquele vestido transparente e sandálias de tiras de salto alto. Ainda bem que tomara a decisão de transferi-la. Relacionamentos eram perigosos, principalmente quando envolviam trabalho, e sempre mantivera a vida profissional e a afetiva separadas. Entretanto, com Hannah, a linha entre as duas parecia tênue. Ao lado de Hannah começara a ansiar por... E Makin não era homem de ansiar por nada. — Precisamos conversar — disse, indicando a mesa, decidindo falar antes do jantar. Melhor pôr logo um ponto final naquela história. Não conseguiria relaxar até tê-la informado e ela aceitado a decisão. Observou Hannah sentar-se graciosa e obedientemente. Embora tivesse agido corretamente — sentara-se, aguardando —, mesmo assim havia alguma coisa errada. A começar pelo vestido laranja. E pela pulseira de ouro. E pelo fato de estar com os cabelos soltos. Como poderia anunciar que iria transferi-la para outro departamento quando ela parecia tão adorável? Hannah jamais usava cores vibrantes nem o cabelo solto. Tampouco delineador e batom rosado. Deu-lhe as costas. A piscina retangular, iluminada por refletores, voltava-se para o elegante chafariz. As sombras da água refletiam-se no muro. Mesmo os refletores sugeriam intimidade. Makin rodeou a piscina, passou a mão no queixo, incapaz de se lembrar de outra ocasião em que se sentira tão inquieto. A noite estava quente, mas não era a temperatura que o deixava desconfortável e sim o fato de esta ser a última noite com Hannah, pois amanhã ela partiria... Sabia ser a decisão acertada, entretanto... Tenso, mexeu os ombros. A camisa parecia incomodá-lo, a calça esquentava-lhe a pele. — Você está me deixando nervosa — disse ela, baixinho. Ele a fitou, incapaz de entender essa Hannah ou os sentimentos ambivalentes em relação a ela. 26


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Trabalhavam juntos há quatro anos e meio c embora apreciasse sua eficiência, nunca sentira atração. Não havia química. Nem queria que houvesse. Era sua funcionária. Inteligente, produtiva e útil. Três palavras que usava para descrever o laptop também. Mas não se leva um computador para a cama. — Por quê? — perguntou ele ao ver a ponta dos dela dentes morder o lábio inferior. Ficou excitadíssimo. Isso era absurdo. Ridículo. Por que começara a sentir atração por ela? Pelo amor de Deus, era seu chefe. Não devia se aproveitar da posição e poder. Nunca. Aprendera a lição desde cedo. Entretanto a ereção era real, bem como a palpitação. Começou a sentir raiva, irritação, impaciência. Dela, dele, da situação em si. — Algo deve estar errado — disse majestosa, as mãos dobradas no colo. A ereção pulsou. O sangue parecia ferver. Atingira o seu limite em meio àquela noite, de repente erótica. Disse a si mesmo que devia ser efeito da luz das velas e da lua crescente. A brisa quente excitava-lhe os sentidos, tornando-o mais inquieto do que de hábito. Entretanto, não era a luz suave, nem a brisa, nem o perfume das flores. Era ela. Hannah. Devia mandá-la de volta a Londres de manhã. Não permitiria que nada turvasse sua mente. Ela gostaria de trabalhar em Londres. Amanhã à tarde estaria instalada no novo escritório, seria apresentada à nova equipe. Se bem a conhecia, logo se adaptaria. Mas lhe parecia inadequado dar a notícia assim, justo quando ela estava tão linda que o deixava sem ar. — Vestido novo — disse em tom quase acusador. Surpresa com o tom da voz ergueu as sobrancelhas. — Não é novo. — E a primeira vez que vejo. Ela deslizou a mão como quem ajeita dobras imaginárias no tecido. — Nunca o usei perto de você. — Por que não? Ela franziu os lábios e lançou-lhe um olhar estranho. Posso mudar se preferir. — Fez menção de se levantar. — Não imaginei que o vestido fosse aborrecê-lo... — Não. — Você está zangado. — Não estou. — Vou mudar de roupa... — Sente-se. — A voz profunda ecoou pelo jardim. Não é culpa dela, disse a si mesmo. Não fizera nada errado. Ele decidira mandá-la embora. Ela não pedira para ir. — Por favor — acrescentou, em tom mais baixo. Ela afundou na cadeira, os grandes olhos azuis arregalados. Ele se aproximou, apoiou-se na cadeira vazia e tentou encontrar as palavras apropriadas. As palavras que lhe permitiriam embarcá-la amanhã com destino a Heathrow com o mínimo de drama possível. Odiava cenas. Odiava lágrimas.

27


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter O vestido laranja deixava os ombros alvos desnudos. Usava colar de ouro. E com aqueles olhos pintados com delineador e os cabelos soltos parecia uma princesa de um livro de contos de fadas. Chegava a imaginar que ela aguardava pelo valente cavaleiro, o príncipe que a tomaria nos braços e com quem seria feliz para sempre. Como se ele acreditasse nesse tipo de história... Até parece. Era prático, ambicioso demais. Tinha um objetivo. Uma missão. Não lhe bastava ser um grande líder para seu povo. A missão pessoal de Makin ia além das fronteiras de Kadar. A missão dele era ajudar o mundo. Soava grandioso. Talvez até um pouco arrogante. Mas se o pai tinha conseguido realizar tanto, apesar da doença degenerativa, Makin realizaria ainda mais. O mundo se poluía com morte, produtos químicos, infectado por débitos. Os ricos cada vez mais ricos e os pobres e doentes sofriam e morriam a níveis assustadores. Nos últimos cinco anos reunira-se com visionários abastados da indústria fonográfica e da alta tecnologia para angariar fundos e mudar o mundo. O objetivo era obter água potável para todos, imunizar crianças dos países do terceiro mundo, fornecer redes para proteger as pessoas do mosquito da malária. Comida. Abrigo. Educação. Segurança. Para todas as crianças, independentemente da religião, raça, cultura e sexo. Esse era o objetivo de Makin. Sua ambição. Por isso a mandava embora. Ela o distraía. E nada podia interferir em seu trabalho. — Sheik Al-Koury, vai me demitir? A voz trêmula quebrou o silêncio. Maldita mulher. Maldito jardim. Maldita luz da lua e maldito tecido transparente que grudava nos seios pequenos e firmes e lhe despertava o desejo. — Vou. Quer dizer, não. Vou transferi-la. — Para onde? — Para o escritório de Londres. — Mas eu moro em Dallas. — Sempre gostou de Londres. — Mas minha casa... —Agora vai ser em Londres. — Encarou-a lembrando-se de que o único jeito de resolver a situação era ser duro. — Entendo se preferir não trabalhar mais para mim. Caso contrário, aceitará os desafios do novo cargo no departamento de marketing e relações públicas da divisão internacional. Pronto. Dissera. Ufa! Pela primeira vez em dias sentiu-se aliviado. Reassumira o controle. Reinou o silêncio, quebrado pelo borbulhar do chafariz e pelo farfalhar das palmeiras. Hannah, os lábios franzidos, o queixo firme, calada, era uma provocação. Trabalhava para ele e não o contrário. Devia aceitar. — E uma promoção. O departamento de recursos humanos providenciará um apartamento temporário até você encontrar um de que goste... — Gosto de meu trabalho aqui, com você. — Mas será mais útil lá. — Ontem precisava de mim. — As coisas mudam. 28


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Os lábios se entreabriram como se percebesse o rumo da conversa e o porquê. Ele torcia para que ela aceitasse sua decisão. — Alejandro foi um erro. Admito... — Não tem nada a ver com Alejandro... — Tem tudo a ver... — disse ela, chorando. — Você está enganada — argumentou dividido entre a vontade de confortá-la e socá-la, pois ela só precisava aceitar. Ceder. Não brigar. Não chorar. Não fazê-lo sentir nem um pingo de emoção. — Não sou idiota! — As lágrimas escorriam, mas os olhos lançavam faíscas. — Eu sei. — Então por quê? — Inclinou-se, as maçãs ruborizadas, os seios arfantes. — Durante quatro anos fui totalmente dedicada. Seus objetivos passaram a ser os meus. Priorizei as suas necessidades. Não tiro férias nem licença. Não tenho vida social. Nem mesmo roupas da moda. Minha vida se resume a você. — Mais uma razão para trabalhar em Londres. Ela lançou-lhe um olhar magoado que deveria ter congelado o desejo de Makin, mas isso não ocorreu. Não se lembrava da última vez que sentira tanta atração carnal. Antes de Madeline, francesa, tivera Jenny, uma inglesa deslumbrante. Ambas magras, louras e inteligentes. Sempre sentira atração por mulheres assim. Cuidava das amantes — tanto física quanto financeiramente. Gostava de satisfazê-las. Só não lhes oferecia amor. Não era culpa dela, dissera a Madeline mais de uma vez, mas dele. Não sentia certas emoções, como a paixão. Contudo, naquele instante se sentia literalmente arder. Nada racional. Queria agarrá-la... Que loucura! Nunca experimentara tal sensação. Nunca perdia o controle nem experimentava emoções fortes. O que acontecia? — Vai receber aumento e melhores benefícios. Inclusive mais uma semana de férias. — Outra semana para adicionar às que nunca desfrutei? — Talvez tenha chegado o momento de aproveitá-las. — Talvez. Como ousava desafiá-lo com aquele ar de deboche como se ele fosse o problema e não ela? O que acontecia? Não se reconhecia. Estava a ponto de agarrar-lhe o pulso e puxá-la, cobrir aquela boca debochada, possuí-la. Não se tratava de desejo, mas de necessidade. Precisava senti-la. Não era agressivo, mas no momento queria lembrá-la quem era ele. Era o sheik Makin Al-Koury, um dos mais influentes homens do mundo. Tinha objetivos e nada poderia distraí-lo. Muito menos a secretária. Dispensável. Substituível. Como provara, ao transferi-la para Londres. — Por que essa... Promoção... Agora? —Achei que seria bom. — Quanta gentileza de sua parte. — Não pensei em você. 29


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Peço respeitosamente que não tome decisões por mim. Não sabe nada a meu respeito. — Chama isso respeito? Além disso, conheço você muito bem. Ela riu em tom alto. — Se me conhece, Alteza, sabe quem sou. — Baixou os cílios. — E quem não sou. Talvez não devesse transferi-la para Londres. Devia demiti-la. Nunca fora desrespeitado antes. — Você está exagerando. — Apesar de não ter aumentado o tom de voz, ela se calou. Recostou-se, tensa. Por um instante, ele imaginou ter visto dor nos olhos dela, logo substituída pela dureza. — Estou tentando ajudá-la — disse em voz baixa. Ela desviou o olhar. — Está tentando se ver livre de mim. — Talvez. Pronto. Dissera a verdade. Em voz alta. Por um interminável minuto permaneceram em silêncio: ela, olhando o chafariz, enquanto ele tentava memorizar os traços delicados e elegantes do rosto dela. Nunca antes apreciara a beleza de Hannah, nunca notara as sobrancelhas arqueadas, as maçãs altas, a boca sensual e carnuda. Sentiu um aperto no peito. Arrependimento. Uma pontada de dor. Sentiria saudade. — Então está decidido? — perguntou, voltando-se, os cabelos escuros jogados nos ombros. Fitava-o como se tentasse ler seus pensamentos. Em vão. Como todas as outras pessoas, só veria o que ele permitisse... Em resumo, nada. Nada além da distância. Do vazio. Anos atrás, ciente de que o pai encontrava-se à beira da morte e a mãe não queria viver sem ele, erguera um muro de pedra para esconder as emoções. Ninguém, nem mesmo Madeline, tinha acesso a essas emoções. — Esse é o motivo do jantar? Foi para isso que veio aqui? — Foi. Ela o fitou por mais um longo e irritante momento, os olhos azuis cintilantes contrastando com a palidez do rosto. — Está certo. — Deu de ombros num gesto de indiferença e se levantou. — Com licença. — O jantar ainda não foi servido. — Perdi o apetite. Além disso, me parece perda de tempo conversar se devo me organizar para pegar o vôo amanhã.

30


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter

CAPÍTULO SEIS — O jantar ainda não foi servido — repetiu com calma, recostando-se na cadeira. Emmeline o fitou. Quem não o conhecia, podia achá-lo maravilhoso, calmo, o homem ideal para se apresentar à família. Mas ela o conhecia. Era maravilhoso, mas não calmo simples e gentil. Era orgulhoso, intimidante. Entretanto, supostamente ela era Hannah, e gostava dele apesar da transferência para Londres. — O pessoal da cozinha pode servir a refeição em seus aposentos — mencionou, mascarando a raiva com expressão serena. — Não vou obrigar os empregados a andarem de um lado para outro do palácio. Planejei jantar aqui com você. E vou jantar. — Calou-se e sorriu, mas o brilho em seus olhos irradiava perigo, como se não fosse totalmente civilizado. — E você também. Nunca vira aquele brilho em seus olhos. Sempre o imaginara frio, o elegante sheik árabe rico e poderoso. Agora parecia agressivo. Emmeline se apoiou na mesa. — Não pode me forçar a comer. — Tem razão. Por isso peço que jante comigo. Estou com fome e sei que você praticamente não comeu nada hoje. Uma boa refeição não vai lhe fazer mal. Está magra demais. — Se eu comer, você reconsidera sua decisão? — Não — respondeu de modo direto. — Minha decisão foi tomada. — Mas pode mudá-la. — Mantenho minha palavra. — Por favor, não quero me mudar para Londres... — Hannah. — Eu me dedicarei mais. Não parece justo me dispensar depois de quatro anos... — Não estou dispensando você! — Estava de pé, prestes a se aproximar, mas se conteve. — Por favor, não fez nada errado. — Se não fiz nada errado, por que me manda embora? — Porque às vezes mudanças são necessárias. O coração apertava. Mais uma vez causara danos a Hannah. Ao tentar limpar as lágrimas, a mão tremeu. — Não faça isso. — O quê? Não posso ter emoções? Devo fingir que não me importo? — Isso mesmo. 31


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Por quê? — Porque sua função é facilitar a minha vida. — Que horror! — Mas é verdade. — Nunca soube que não tinha o direito de ser humana... — Entendo sua decepção, mas continue a agir de modo profissional. — Não. — Não? — repetiu, em tom suave como o veludo. — Ouvi bem? O lábio inferior tremeu. — Ouviu. Ele se aproximou uma ruga funda entre as sobrancelhas escuras. — Isso é insubordinação, Srta. Smith. — Não vou sofrer coação. — Sou seu chefe. — Encontrava-se perto, tão perto que ela levantou a cabeça para ver seu rosto. — Ou já se esqueceu? — Não me esqueci — sussurrou, perdendo a coragem diante dos ombros largos, do corpo musculoso. Além do mais, ele a fizera se sentir frágil, tola e emotiva. — Que tal pedir desculpas? A tensão na voz a fez pensar que tinha ido longe demais. — Desculpe. — O quê? — Estraguei tudo. Novamente — disse a voz baixa, os olhos cerrados. — Aceito o pedido de desculpas. Com os olhos ainda cerrados, aquiesceu. — Hannah. Não podia fitá-lo, tomada pela emoção. — Hannah, abra os olhos. — Não posso. — Por quê? Porque você vai ver... — O quê? — Ergueu-lhe o queixo. Obedeceu, a visão embaçada pelas lágrimas. — Vai me ver. Por um infindável instante, ele simplesmente a fitou. — E por que isso seria ruim? A inesperada ternura na voz a pegou de surpresa. — Porque não gosta de mim. — Engano seu. — Jura? — Juro. — Baixou a cabeça, bloqueando a lua e a beijou. Ela não esperava por isso. Nem queria. Ficou imóvel. Por um segundo se esqueceu de respirar, ficou tonta. Os lábios percorreram os seus devagar, um beijo mais consolador que apaixonado. Arrepiou-se e colocou a mão no peito de Makin com a intenção de empurrá-lo, entretanto os dedos repousaram no peitoral trabalhado. Emmeline encontrou-se inclinada, mergulhada no calor, no perfume, na delícia dos lábios. Ele mordiscou-lhe o lábio inferior, pedindo uma reação. Sentiu 32


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter um frio na espinha. Estremeceu de prazer, os lábios entreabrindo-se num gemido abafado. Makin abraçou-a, puxando-a para mais perto. Passou a língua nos lábios dela provocando um choque. Ela voltou a estremecer a boca se abrindo, os mamilos estranhamente sensíveis. Nunca fora beijada assim nem sentira nada parecido. Inebriava-se com o gosto de menta da boca e o cheiro da colônia pós-barba. Mais uma vez ele passou a ponta da língua nos lábios de Hannah e ela abriu ainda mais a boca. Sentiu a mão em sua cintura descer e acariciar-lhe os quadris. A carícia a excitou. Arrepiou-se e segurou-lhe o rosto, retribuindo o beijo. Makin enfiou a língua em sua boca, os lábios mordendo os seus, provocando-lhe arrepios. Pressionou os quadris contra o corpo dele. Ao sentir a ereção entre as coxas, as pernas bambearam. Apenas Alejandro a beijara na noite em que perdera a virgindade. O beijo dele não fizera seu sangue correr quente nas veias, nem sentir calor entre as coxas. Sentira-se pressionada. Makin, ao contrário, deixava seu corpo mole. Mole de desejo. Ele a enlouquecia. Subiu a mão e a colocou na curva do seio. Colou o corpo ao dele, em busca de uma satisfação que não conseguia explicar, os dedos agarrados à camisa. Ouviu um gemido rouco, desesperado e só então se deu conta de que ela gemia. Se ouvira, ele também ouvira. Envergonhou-se e fez menção de se afastar. Segurando-lhe o seio, ele brincou com o mamilo e ela se entregou à intensa sensação colando quadris, seios e coxas. Podia possuí-la, pensou enquanto ele sugava a ponta da língua de Hannah num ritmo sensual. Sentiu a calcinha de cetim ficar molhada. Ele soltou um som primai e másculo ao segurar-lhe a cabeça, mantendo-a imóvel para beijá-la mais ardentemente. Emmeline afundava no desejo, consciente de que nunca se sentira tão excitada. Ele podia fazer o que bem entendesse desde que não parasse de acariciá-la, de beijá-la. Jamais experimentara tal sensação, esse prazer doce e selvagem. Podia sentá-la na mesa, por cima dos pratos e dos talheres, amassando as flores e ela não protestaria. Podia levantar-lhe o vestido, enfiar os dedos na calcinha. Podia penetrá-la. Podia tudo. Então, ela sentiu a mão levantar o vestido e os dedos acariciarem a pele nua. Estremeceu, agarrando-lhe os cabelos escuros e fartos. Sentia-se vazia e precisava de seu calor, que a preenchesse... — Não. Uma única palavra, uma sílaba, mas ele a pronunciou em voz alta, ao retirarlhe as mãos do pescoço e afastá-la. — Não — repetiu o rosto inflamado, a respiração ofegante. — Não posso. Embora tivesse ouvido, não conseguia pensar numa resposta adequada quando o sangue ainda pulsava nas veias, o corpo quente e molhado, e aquela terrível sensação entre as pernas. Nunca conhecera o desejo físico, nunca se sentira excitada. De repente encontrou a explicação para os adolescentes dentro dos carros estacionados. 33


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Perdiam o controle porque era muito gostoso. Esqueciam dos perigos porque o prazer era viciante. Isso não deveria ter acontecido. Desculpe-me. Nunca mais vai acontecer. — Não faz mal... Faz sim. E errado. Tenho uma amante. Não quero isso de você. Deixou-a sem olhar para trás. Atônita, afundou na cadeira. Ainda sentia o calor do beijo, do corpo colado ao seu. Ainda sentia a fragrância afrodisíaca no ar — ou seria em sua pele? Um cheiro de sândalo, um cheiro que a fazia pensar no deserto: quente, exótico. Mas então as palavras dele ecoaram em sua mente. "Não. Vão quero isso de você” e foi invadida pela vergonha. O prazer sumiu. Ficou magoada. Respirando devagar, tentou conter a dor, levantou-se. Como lidar com o desdém? Finalmente recobrou a serenidade. O sheik exagerara. Tinha sido um beijo, só um beijo. Não haviam se despido, trocado caricias mais íntimas. Mesmo assim... Parou, passou a mão no pescoço e entre os seios. Tinha sido uni beijo ardente, explosivo. Um beijo incendiário que a fizera entender o que queria de um homem. Fogo. Paixão. Tudo que nos a ensinaram ser errado, perverso... Entretanto, nos braços de Makin tudo parecera maravilhoso. Sentira-se bem. Linda, forte, atraente. Raramente se sentia atraente. O mundo a considerava a mais linda de sua geração, mas não se sentia bonita. Nunca se sentira especial até... Confusa, mordiscou o lábio. Como algo errado podia ser tão bom? Nos braços de Makin não sentira vergonha, culpa, nada além de prazer. Recusava-se a se envergonhar. Não se permitiria achar o beijo algo pecaminoso, transformar prazer em repulsa. Engolindo em seco, ajeitou o tecido. O simples toque do tecido na pele sensível deixou os seios enrijecidos. E assim que meninas comportadas resolvem botar pra quebrar, pensou, tirando as sandálias de salto. Assim, moças sérias arruínam suas chances. Não com homens como Alejandro, homens de beijos insensíveis, mas com homens como Makin que fazem qualquer mulher se sentir linda e maravilhosa, por dentro e por fora. Embora magoada com a rejeição, o beijo em si fora incrível. E a fizera se sentir incrível. Sorrindo, pegou as sandálias e se levantou. Soprou as velas uma a uma e rumou para o quarto de Hannah. Fechava as portas de vidro quando a campainha tocou. Makin voltara? — Boa noite, sita. Smith — disse o empregado uniformizado. — O sheik AlKoury vai jantar em seus aposentos, mas informou que a senhorita gostaria de comer alguma coisa. O sorriso de Emmeline desapareceu. 34


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Nesse exato instante, lembrou-se de que aquele beijo gostoso, enlouquecedor não era seu. Makin pensava estar beijando Hannah Smith. O beijo do qual ele se arrependera, fora de Hannah. Mas se lamentava ter beijado Hannah, a secretária perfeita, como reagiria se soubesse ter beijado Emmeline d'Arcy, a princesa que desprezava? Engasgou com a gargalhada. Engoliu em seco. Fez o que lhe ensinaram: vestiu a máscara, formal, mas gentil e agradeceu ao empregado por ter trazido seu jantar. Que beijo, mas que beijo... As 2h30 da manhã Makin ainda não pegara no sono. Perdera a ilusão de dormir, assaltado por pensamentos caóticos. Estava zangado por tê-la beijado; zangado consigo mesmo, com sua estranha falta de controle. Mas aquele beijo... Ameaçava colocar tudo de pernas para o ar. Experimentar sensações nunca experimentadas. Sequer imaginadas. Abraçá-la, sentir seu sabor podia se tornar um vício. Não se reconhecia. Quem era aquele homem? De repente, não quis mandá-la para Londres, mas mantê-la com ele. Não como secretária, mas como mulher. Mas já tinha uma. Madeline. E até então ela o satisfazia. Satisfazia, repetiu a expressão fechada, andando de um lado para o outro no quarto. O que o excitava tanto em Hannah? Madeline já não lhe bastava? As emoções à flor da pele saiu para a varanda. A luz da lua banhava o jardim. Recostou-se na balaustrada e admirou o chafariz, ciente de que nunca experimentara nada parecido por Madeline, Jenny, nem qualquer outra mulher. Bem, sempre escolhera mulheres lindas, calmas... Controladas. Suas amantes nunca o desafiavam nem o tiravam do foco. Não deveria permitir que Hannah o desconcentrasse. Nunca quis relacionamentos intensos. Era prático demais. Bastava companhia e satisfação. E isso já tinha com Madeline. Em Nadir, costumava encontrá-la duas, às vezes, três vezes por semana. Se ela se irritava com o pouco tempo juntos, nunca verbalizara. Sempre o acolhia com sorrisos e nunca o pressionara. Viviam o momento. Era o suficiente. Para ela e para ele. Gostava da rotina em Nadir. Ele a encontrava por volta das 21h. Jantavam juntos, conversavam, faziam sexo e ele voltava para casa. Nunca dormiam juntos. O relacionamento ideal. Que tipo de amante seria Hannah? Imaginou instalá-la numa linda casa com vista para os jardins reais em Nadir. Ele trabalharia o dia inteiro e a encontraria à noite. Excitou-se ao imaginá-la o recebendo de roupa laranja e transparente, ou talvez numa camisola preta de cetim com fenda na frente. Não jantaria. Tampouco conversaria. Ia querer ela. Imediatamente. No vestíbulo mesmo enfiaria as mãos por baixo da roupa e acariciaria a pele macia. Depois a possuiria no quarto, ela por baixo, as coxas alvas abertas, os seios arfantes enquanto ele a penetrava devagar, fundo, até ela gritar seu nome. 35


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter O membro latejando, virou as costas para o jardim e, recostando-se, observou o quarto tingido de uma luz amarela, desejando que Hannah estivesse ali. Queria possuí-la naquele instante. Precisava dela, satisfazer-se. Desceu as mãos pela barriga, enfiou a mão na calça larga do pijama e segurou o membro ereto. Masturbou-se pensando nos olhos azuis, na curva dos lábios, nos seios firmes, nos quadris e traseiro arredondados. Possuiria Hannah por trás e depois de frente para ver seu rosto quando atingisse o orgasmo. Queria fazê-la gozar. Sem parar... Pura loucura. Por isso decidira mandá-la embora. Não queria se envolver emocionalmente. Tinha muito trabalho, planos para o futuro do qual não constavam sexo em vestíbulos, noites insones e pensamentos eróticos. Gostava de mulheres calmas, sofisticadas, controladas. Mulheres que não o provocavam, desafiavam ou excitavam a ponto de não conseguir pensar e dormir. Como ela fizera. Embora estivesse com Madeline há três anos, nunca perdera o sono pensando nela. Mas hoje estava obcecado por Hannah. Graças a Deus ela partiria de manhã. O sol infiltrou-se pela janela do escritório, tingindo a tela do computador, irritando-lhe os olhos. Sentia-se péssimo. Que noite! Acabara indo se deitar muito tarde, dormira mal e agora, às 7h, de volta à escrivaninha, tomava uma xícara de café após a outra na esperança de pensar com clareza e, com sorte, expulsar a sensação de culpa e vergonha. Tratara Hannah mal. Continuava zangado pela perda de controle, por permitir que o desejo e a luxúria anuviassem seus pensamentos. Não deveria tê-la beijado, mas a culpa não era dela. Pediria desculpas mais tarde, antes de colocá-la na limusine. Depois, não mais pensaria no assunto. Hannah partiria depois do desjejum, os convidados chegariam à tarde e suas prioridades voltariam a imperar. Serviu-se de outra xícara de café, ligou o computador e checou as notícias nos jornais internacionais. Costumava dedicar uma hora à leitura dos jornais preferidos. No The New York Times encontrou um link com a notícia "Astro argentino de pólo sofre acidente de carro". Curioso para obter informações atualizadas sobre o estado de saúde de Alejandro leu o artigo, que não trazia nada de novo. Examinou as três fotos. A primeira mostrava Ibanez a cavalo no campo de pólo; a segunda, com a equipe num torneio recente em Palm Beach; e a terceira com a princesa Emmeline de Brabant. Ignorou as duas primeiras, intrigado com a última. A foto era recente, tirada uma semana antes no torneio que ele patrocinara e Hannah organizara. A foto era comprometedora. Não deviam ter percebido a presença de fotógrafos. Alejandro, expressão irada, fitava a princesa, em pranto. Não era preciso ter imaginação fértil para descobrir o motivo da briga. Quem sabe a 36


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter princesa descobrira que ele tinha outras mulheres? Mulheres como Penélope, como Hannah. Pensando nela, Makin ampliou a foto. Sentiu uma sombra de desconforto. A princesa parecia muito familiar. Como? Só estivera no mesmo local que ela uma única vez. Entretanto, tinha a impressão de conhecê-la... Intimamente. Impossível. Examinou atentamente a foto, atraído pelos olhos e pela expressão da princesa. Conhecia aquela expressão. Aqueles olhos. O desconforto cresceu. Colou a foto num arquivo e voltou a ampliá-la, analisando o corpo esbelto, os lábios contraídos, a inclinação da cabeça. Era evidente sua infelicidade. Embora isso não lhe dissesse respeito, reconheceu aquele rosto. O mesmo rosto que o perseguira a noite inteira. O rosto de Hannah. Um pensamento o tornou ainda mais desconfortável. Prendendo a respiração, abriu a pasta de fotos, pegou uma foto de Hannah, tirada no ano passado durante um jantar de negócios em Tóquio, recebendo um quimono cerimonial. As duas fotos tiradas do mesmo ângulo. O cabelo de Hannah preso num rabo-de-cavalo, na mesma altura que o coque da princesa. Ampliou a foto de Hannah e a arrastou para compará-la à da princesa. A semelhança era surpreendente. O mesmo queixo, nariz e fronte. Até a cor dos olhos. Bastava mudar a cor dos cabelos e ficariam idênticas. E pensar que se encontravam tão perto uma da outra em Palm Beach. As duas no campo de pólo... Será...? Não. Impossível. As pessoas não trocavam de lugar... Essa era uma ideia absurda, só existente em filmes de Hollywood. Contudo, ao examinar a foto das duas e comparar os rostos, os perfis, os olhos azuis, pensou, Não é de todo impossível. Se mudassem a cor dos cabelos, as roupas e disfarçassem os sotaques, poderiam ser confundidas. Poucas vezes Makin ficara chocado. Como não percebera antes? Como não notara as diferenças... As mudanças? A súbita magreza de Hannah. A beleza frágil. A emoção nos olhos. Hannah não era Hannah. Era a princesa Emmeline d'Arcy, pertencente à família real de Brabant, noiva do rei Zale Patek, de Raguva. O que significava que não beijara Hannah e sim a princesa Emmeline. Hannah não capturara seus pensamentos deixando-os virados ao avesso, mas sim Emmeline. Desejara Emmeline. Ela lhe despertara os pensamentos eróticos. Inacreditável. Tamborilou na mesa. Impensável. Não sabia o que ela planejava, mas logo descobriria. Imperdoável. Deu um soco na mesa e se levantou. Hora de fazer uma visitinha à princesa.

37


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter

CAPÍTULO SETE Emmeline atendeu a porta, julgando ser o cozinheiro com os ovos e torradas solicitados meia hora atrás. Na soleira da porta, Makin Al-Koury, lindo de morrer de calça e camisa pretas. Devia ter acabado de tomar banho e se barbear, pois a pele estava lisinha e exalava o perfume da colônia de sândalo. — Acordou cedo — disse o coração disparado. — As 7h30 já estamos trabalhando. Você tem dormido demais. Havia algo de assustador naquele sorriso. Firmando os joelhos, obrigou-se a erguer o rosto e encará-lo. Os olhos estavam claros e frios como o gelo. Na noite anterior, adorara o beijo, mas hoje à luz do dia, sabia ter cometido um erro fatal. O sheik era grande demais, poderoso demais e nada civilizado. Podia ter bilhões de euros, brinquedos caros e casas espalhadas pelo mundo, mas isso não o tomava alguém de fácil convivência. Não estranho ter me mandado embora. Ando muito preguiçosa — respondeu, forçando um sorriso e repousando a mão trêmula no cós da saia de renda marfim, torcendo para conseguir enganá-lo com a pretensa coragem. — Ninguém consegue ser perfeito o tempo todo. — Abriu um sorriso. — Como vai? Dormiu bem? Embora sorrisse não se sentia à vontade. — Bem, obrigada. — Ótimo. — Fitou-a com expressão indecifrável. — Nesse caso, poderia anotar um ditado? — Ditado? — Tomara que ele não tivesse percebido a hesitação na voz. — Preciso despachar uma carta ainda hoje; aliás, no mesmo vôo que você. — Claro. Lutou contra o pânico. Poderia fazer isso. Poderia fingir um pouco mais... — Gostaria que eu fosse até seu escritório? — Não precisa. Já estou aqui — disse escancarando a porta. Emmeline se afastou para deixá-lo passar. — Preciso de papel e caneta. — Vai encontrá-los na mesa do quarto — disse prestativo caso tenha se esquecido. Ela o fitou de relance, tentando entender o que pretendia, porque definitivamente tinha um objetivo. Não estava gostando nada disso. — Obrigada. Com o coração aos pulos, dirigiu-se ao quarto em busca do bloco e da caneta. Hesitou diante do espelho sobre a cômoda pintada. Estava elegante: 38


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter blusa de seda marfim saia de renda no mesmo tom e colar de pérolas. Prendera o cabelo escuro. Torcia para que a aparência camuflasse a ansiedade. Não entendia nada de cartas. Nunca ditara tampouco pegara um ditado, mas não daria o braço a torcer. De volta à sala de estar, instalou-se na beirada de uma poltrona forrada de seda dourada. — Pronto. Ele observou a caneta e depois a encarou. Voltou a sorrir, mostrando os dentes brancos. — Não sei como começar a carta. Poderia me ajudar? É para um conhecido, o rei Zale Patek, de Raguva. Estou indeciso quanto à forma de tratamento. Devo dizer "Real Alteza"? Ou apenas "Alteza"? O que acha? Emmeline corou. Tentou manter a voz calma. — As duas são corretas. — Ótimo. — Sentou-se no sofá, perto demais para o gosto dela, e a encarou. — Que tal começarmos com "Alteza Real"? Ela engoliu em seco, aquiesceu e rabiscou as palavras no início da página, antes de voltar a fitá-lo. "Não posso ignorar um fato que chegou ao meu conhecimento. Trata-se de assunto pessoal urgente e não o mencionaria se não fosse importantíssimo." Parou e examinou o que ela tinha anotado. — Ótimo, pegou quase tudo. Muito bonita a letra, mas prefiro que taquigrafe. Fica difícil pensar quando não acompanha meus pensamentos e escreve tão devagar. Ela aquiesceu, fitando o bloco com ar perdido, tão desorientada que mal registrou uma palavra do que ele dissera. Não podia continuar. Deus do céu, mal conseguia respirar... Seria um ataque de pânico? Já lhe acontecera, na noite do 16° aniversário, depois de ter tomado conhecimento da adoção. Quase desmaiara naquela noite; a traquéia fechara. Como agora. Ficou tonta. Tudo porque o sheik estava esparramado no sofá ao seu lado, ocupando todo o espaço, ditando uma carta para o seu noivo. Uma carta sobre um assunto pessoal urgente. O que Makin poderia ter a dizer de urgente ou pessoal a Zale? Se fossem amigos íntimos, não ditaria uma carta. Enviaria uma mensagem de texto, um email, telefonaria. Não, uma carta formal só fazia sentido se fossem conhecidos. E se contivesse más notícias. — Pulou uma frase. A última que ditei, sobre ter descoberto perturbadoras informações quanto à noiva, a princesa Emmeline d'Arcy. Anote, por favor. Esperou enquanto ela anotava devagar cada palavra. Sua letra está diminuindo. Ainda bem que vai digitar a carta depois. Continuando. Onde paramos? Ah, sobre a noiva falsa, a princesa... — Já anotei — interrompeu-o com voz rouca. — Mas pulou a palavra "falsa". — Você não disse isso da primeira vez. — Estou dizendo agora. E importante avisá-lo. A caneta pairou sobre a página. Não conseguia movê-la. 39


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Hannah — chamou em tom grave. — Termine a carta. Ela balançou a cabeça, mordeu o lábio. — Não consigo. — Vamos. E vital despachar a carta. O rei Patek é um homem de grande integridade e um dos poucos membros de famílias reais de quem gosto. Precisa ser informado de que não pode confiar na noiva. Que ela é inescrupulosa, amoral e só lhe trará vergonha... — Com licença. — Engasgou o estômago pesado. — Não me sinto bem. Correu para o banheiro, fechou a porta e sentou-se no piso frio de mármore perto do vaso sanitário. Estava tão enjoada que gostaria de ter vomitado. Entretanto, as palavras do sheik ecoavam em sua cabeça. Falsa. Inescrupulosa. Amoral. As mesmas palavras seriam pronunciadas pela mãe. Ninguém ficaria ao seu lado; ninguém a defenderia. A família sempre a julgava e a punia. A porta do banheiro foi aberta com vagar e uma sombra cobriu o piso de mármore branco. Com olhar desafiante, encarou Makin. Makin olhou a princesa sentada no chão, os braços finos abraçando os joelhos. Considerando sua situação, deveria ter um comportamento tímido, choroso, pedir desculpas. Entretanto, o encarava olho no olho, o queixo erguido de modo rebelde, os lábios carnudos apertados. Uma das sobrancelhas ergueu-se ligeiramente. Era isso o que pretendia? Bancar a vítima e colocá-lo no papel de vilão? Fascinante! Era bem melhor atriz do que ele supusera. Na noite anterior, o emocionava com sua vulnerabilidade. Ele, que quase não experimentava emoções, deixarase seduzir. Pensara em desembainhar a espada e partir em defesa dela. Bancar o herói proporcionar-lhe a proteção de que parecia precisar desesperadamente. Tudo encenação. Não era Hannah nem frágil, mas uma princesa manipuladora que só se importava consigo mesma. Os cantos da boca curvaram. Não mudara. Continuava a princesinha mimada que conhecera nove anos atrás, no baile de 16 anos dela. Nunca se esquecera de que o pai organizara uma festa suntuosa e ela retribuíra chorando a noite inteira. Constrangido pelo pai dela e enojado com tamanha teatralidade, deixara cedo o baile, jurando evitá-la no futuro. Cumprira a palavra. Até agora. Os olhos cinza a perscrutaram: em nove anos pouco mudara. Ainda representava tudo o que mais desprezava na civilização moderna. A prepotência. O mito da celebridade. A adoração do dinheiro. O julgamento pela aparência. Sim, Emmeline era estonteante — não negaria tê-la desejado na noite anterior —, mas agora que sabia com quem lidava, o desejo se fora. Só restara a indiferença. Furioso, apoiou as mãos na penteadeira de mármore branco. Queria respostas e as obteria naquele instante. — Não está gripada — afirmou, abruptamente. Ela abriu a boca para protestar, mas mudou de ideia. 40


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Tem razão. — Como não passou mal ontem por queda de pressão. Ergueu ainda mais o queixo. — Isso mesmo. Ainda não percebera que a brincadeira chegara ao fim? Não compreendia que ele descobrira a verdade? Que sabia quem era e o quanto isso o enfurecia? Que sua paciência encontrava-se por um fio? Makin tentou se controlar embora estivesse prestes a explodir. — Está de quantos meses? — perguntou quando julgou estar em condições de falar. Os olhos lindos se arregalaram. Os mesmos olhos violeta, cor de alfazema de Hannah, a tomaram ainda mais detestável. — A verdade — pronunciou entre os dentes. Ela apenas o encarou, a expressão rebelde, os lábios contraídos. Não demonstrava qualquer fraqueza ou desamparo. Mesmo sentada no chão, mantinha o porte altivo, pronta a lutar com ele de igual para igual. Como ousava bancar a princesa ali? Devia estar implorando perdão. — Continuo esperando — murmurou impaciente, plenamente cônscio de que se ela fosse um homem, não usaria palavras, mas os punhos. Quem achava que era para entrar em sua vida como se ali fosse o seu lugar? Por um segundo lembrou-se da noite passada no jardim, de como a beijara, com o mais voraz desejo já experimentado. O fato de ela tê-lo feito bancar o tolo na própria casa o enraiveceu. — Sete semanas — confessou, os luminosos olhos violeta contrastando com a palidez do rosto. — Mais ou menos. Mais ou menos, repetiu Makin em silêncio. Céus, como a detestava. Odiava tudo nela, tudo o que representava. — Suponho que Alejandro Ibanez seja o pai. Ela assentiu. — Por isso a cena na discoteca. As maçãs do rosto coraram. — Não fiz cena... — interrompeu-o, mordendo com força o lábio inferior e desviando o olhar, com expressão torturada. Por um breve instante quase sentiu pena. Quase. — A segunda pergunta, Alteza Real, e a mais importante: o que fez com minha secretária? Emmeline inclinou a cabeça, o olhar desconfiado. — Como assim? Por um instante ele voltou a ver tudo vermelho-sangue, mas a visão desanuviou. — Não estou a fim de brincadeiras. — Nã-não sei o que quer dizer. De tão zangado, poderia suspendê-la do chão e ensinar-lhe uma lição. — Sabe exatamente a que me refiro. — Eu sou Hannah. Makin trincou os dentes com tanta força que o maxilar doeu, as têmporas latejaram. — Não insulte a minha inteligência, Alteza. Só me deixa mais irado... — Mas sou... 41


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter —... Emmeline d'Arcy, princesa de Brabant — concluiu a frase, em tom brusco e seco. — Tem fingido ser minha secretária, Hannah Smith, durante os últimos três dias — talvez mais. Exijo explicações. — Sheik Al-Koury... Que tal deixarmos os títulos de lado? Pode encerrar a pretensa formalidade e respeito. Você não me respeita e eu tampouco. Vou chamá-la de Emmeline e você me chama de Makin, e com sorte, talvez eu finalmente obtenha a verdade. Ela se levantou devagar, ajeitou a saia de renda que acentuava os quadris arredondados e o traseiro empinado. O sangue fervia em suas veias. De repente ficou excitado, o membro enrijecido, o que o deixou ainda mais furioso. Como podia ainda desejá-la? Incomodou-o o fato de, apesar de tudo, ainda achá-la atraente. — Como descobriu? — perguntou baixinho. — Por acaso. — Ao fitá-la, franziu os lábios num ricto de ironia, apesar de o corpo latejar tamanha a vontade de possuí-la. Contudo, não seria gentil. — Estava lendo o 777e New York Times on-line e encontrei um artigo sobre o acidente de Alejandro. Em uma das fotos apareciam vocês dois conversando no torneio de pólo em Palm Beach. A única foto que tirei com a equipe argentina... — Não posou para essa foto. Quanta ingenuidade! Estava atrás dos estábulos e nenhum dos dois parecia feliz, mas sim brigando. — Viu o brilho esmorecer nos olhos dela e se deu conta de ter acertado. Deviam estar discutindo sobre a gravidez. Era evidente que Ibanez não assumiria a criança e insistira num aborto. Por um segundo, sentiu pena da princesa, mas sufocou o sentimento. Emmeline d'Arcy merecia. Não a pouparia. — Você estava chorando — acrescentou sem rodeios, com voz áspera, recusando-se a permitir que ela voltasse a enternecê-lo, lembrando-se de que ela não passava de uma criatura vazia, egocêntrica, sem uma única virtude que a redimisse. — Foi assim que soube. — Calou-se, observando o rosto pálido. — Reconheci a expressão. — E aqueles olhos, acrescentou para si mesmo. Agora que sabia quem era quem, percebia como os olhos de Emmeline eram diferentes dos de Hannah. Podiam ser da mesma tonalidade, aquele azulvioleta espetacular, mas a expressão não tinha nada de semelhante. O olhar da secretária era calmo, seguro, enquanto o da princesa era tempestuoso, melancólico. Quem não a conhecesse imaginaria que crescera num bairro perigoso, tendo sido forçada a brigar pelo próprio espaço, quando, na verdade, vivera em meio ao luxo, presenteado numa bandeja de prata. Ele sentiu o peito apertar. Disse a si mesmo se tratar de raiva. Mas não era apenas raiva, mas a sensação de ter sido traído. Chegara a gostar dela, mesmo que só um pouquinho. O suficiente para se sentir usado. Manipulado. — E ninguém manipulava Makin. Então, o que fez com Hannah? — inquiriu demonstrando desdém através do tom gélido. — Eu a quero de volta. Imediatamente. Por um instante, a princesa permaneceu calada. Depois, respirando fundo, ergueu os ombros. — Ela está em Raguva. — Hesitou. — Se passando por mim. 42


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — O quê? — Raras vezes levantava a voz, mas desta vez ela ribombou no banheiro de mármore. Ela permaneceu majestosa, simulando indiferença, mas o fato de morder nervosamente o lábio inferior arruinou a pose. Precisava falar com Alejandro sobre minha gravidez, mas ele não atendia meus telefonemas, depois daquela conversa no torneio de pólo. Fiquei desesperada. Precisava vê-lo. Precisava da ajuda dele. Implorei a Hannah que trocasse de lugar comigo por um dia para eu falar com ele pessoalmente. — E não podia ir sem disfarce? — Ele me evitava e mesmo que concordasse em me ver, meus seguranças não me permitiriam sair. Tinham recebido ordens de meus pais para me manter afastada dele e estavam decididos a obedecer. — Seus pais tinham razão em não confiar em você. Ela deu de ombros e passou por ele ao sair do banheiro. — E provável. — Provável? — indagou, seguindo-a. — Isso é tudo o que tem a dizer? — O que quer de mim? Um pedido de desculpas? Pois que assim seja. Desculpe. Makin se deteve na porta do quarto, espantado com tamanha despreocupação. De repente, ela se tornara o modelo típico da calma e serenidade. — Qual o exato momento em que trocou de lugar com a minha assistente? — Domingo passado, dia 22. — Ela entrou no closet. Voltou com os braços carregados de roupas. Fazia as malas. — Devia supor que ia a algum lugar. Isso foi na semana passada — disse ele, recostando-se na soleira de braços cruzados. Por que fazer as malas agora? Para viajar para Londres? No avião dele? Às suas custas? Incrível! Emmeline saiu do closet com meia dúzia de pares de delicadas sandálias de salto. Franziu a testa ao vê-la guardar cuidadosamente as sandálias ao lado das roupas. — E quanto tempo planejava deixar minha secretária em Raguva, Sua Alteza? Emmeline afastou os olhos dos calçados, atônita diante de tanto sarcasmo. Ele a abalara. — Nã-não sei — confessou, sentando-se na beirada da cama. — Não tinha pensado nessa parte. Ele a fitou de cima a baixo com expressão impiedosa. Inacreditável! O peito ardia enquanto o resto permanecia frio. Ela nem tentou responder. Ele deu um passo em sua direção e mais outro. — Quem você pensa que é? Como ousou colocar minha assistente nessa situação? Tem ideia do que isso lhe custou? Ela permaneceu em silêncio. — O emprego. — Apesar de furioso, Emmeline permanecia distante, inalcançável. — Vou demitir Hannah. Não preciso mais de seus serviços... Nem aqui, nem em Londres, nem em Dallas. Portanto, parabéns para você. O corpo de Emmeline se contraiu, os ombros caíram. 43


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Mas você deixou claro que não existe ninguém eficiente como Hannah... — E verdade. Mas você é responsável por ter pedido que ela trocasse a lealdade que sentia por mim por você... — Não é verdade. Ela ainda é leal a você. Adora o trabalho. Afinal, pensou, conseguira obter alguma reação. Mas pouca, e tarde demais. Insensível à argumentação, deu de ombros. — Ela é toda sua. Pode trabalhar para você. — Por favor, não faça isso. Hannah adora o emprego. — Devia ter pensado nisso antes de ir para Raguva. — Já saía quando se voltou e fitou a princesa, ainda imóvel na beirada da cama. — Não sei o motivo de estar fazendo as malas. Não faço ideia de para onde e como pretende ir. Lembre-se de que aqui é o meu deserto, o meu mundo, princesa, e está presa aqui comigo. Deixou o apartamento alterado, ainda mais furioso do que uma hora atrás. Seu comportamento traria conseqüências. E ela certamente não gostaria nadinha delas.

44


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter

CAPÍTULO OITO As pernas tremiam quando a porta se fechou. Tremia desde que ele a confrontara no banheiro com a verdade. Tremia de medo. Mas agora ele se fora e ela ficou feliz. Feliz por ter sido deixada em paz. Feliz por, finalmente, a verdade ter vindo à tona. Odiara ser obrigada a mentir para ele. Odiara fingir ser Hannah, a perfeita. Não mais precisaria mentir. Melhor assim. Mesmo que isso representasse nunca mais voltar a falar com ele. Melhor a sinceridade. Assim ele poderia dizer o que bem entendesse a respeito dela. Podia ridicularizá-la, desprezá-la, mas não lhe permitiria magoá-la de novo. Emmeline trocou a serenidade do quarto branco, damasco e dourado, pelo jardim. Caminhou pelo jardim privado banhado pelo sol inalando o intenso perfume de rosas. Para muitos, esse palácio representaria o paraíso. Mas ela crescera em palácios cercados por muros altos e guardas uniformizados que se revezavam a cada quatro horas. Nunca havia sido a turista do outro lado do muro, admirando a elegância e o esplendor. Fora uma prisioneira real entre os muros do palácio, trancada para a própria proteção. Agora, Kasbah Raha não passava de mais uma linda e pomposa cela onde ficaria confinada. E Makin não passava de mais um homem poderoso que acreditava ter o poder de intimidá-la. Menosprezá-la. Controlá-la. Entretanto, jamais voltaria a ser manipulada e controlada. Chegara à hora de crescer. Amadurecer. Abrir os olhos e usar o cérebro. Era inteligente e, aos 25 anos, chegara a hora de assumir as rédeas da própria vida e tomar decisões quanto ao futuro. Um futuro com um bebê. Seu bebê. Como o amava... Não existia ninguém mais importante no mundo. — Você parece um tigre no zoológico. Sobressaltou-se ao som da voz profunda de Makin. — Obrigada pela privacidade — disse ela, de braços cruzados. Ele deu de ombros. — Você não abriu a porta. — E isso lhe dá o direito de entrar? — Eu me preocupo com a segurança dos hóspedes. — Passou a se preocupar comigo? Ele voltou a dar de ombros. — Sou responsável por todos os hóspedes. — Esqueceu alguma coisa ou descobriu outro jeito de me humilhar? — Não é preciso. Sua Alteza se encarrega às mil maravilhas disso. Apontou um banco na sombra. — Tenho novidades. Sente-se. 45


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Os pelos se eriçaram diante do sarcasmo, mas se recusou a deixá-lo perceber o quanto a afetava. Não havia motivo para a atitude dele perturbá-la desse jeito. Disse a si mesma que não dava a mínima para ele. Era evidente que não precisava dele. Eram iguais. Adversários. — Prefiro ficar de pé. — Você está grávida de sete semanas. Melhor sentar. Pelo tom da voz, era evidente que ele esperava que obedecesse, mas se esquecera de que não exercia o menor poder sobre ela. — Não se esqueça que não sou Hannah... — Não tenho a menor dúvida quanto a isso — interrompeu-a, com um suspiro. — Preciso lhe contar algo e, acredite, não é nada agradável. Sentiu o estômago revirar e as pernas cederem. Um alarme se acendeu. — Alejandro? — murmurou. — É. Ela repousou a mão na barriga, o sexto sentido alertando-a de que Makin não trazia boas notícias. Aproximou-se do banco de mármore protegido pela sombra e se sentou, sentindo a roupa colar à pele úmida. — Lamento — disse ele. Sentiu um nó no estômago. — O que houve? Alejandro sofreu uma parada cardíaca. Apesar de socorrido pelos melhores médicos e enfermeiras de Miami, não sobreviveu. Levou um momento para absorver a informação. — Ele partiu. — Sim. Fechou os olhos, tomada por diferentes emoções. Choque, luto, arrependimento. Mas não por si ou por Alejandro, mas pelos cinco filhos dele. A vida deles mudaria para sempre. — Está tonta? — perguntou Makin. Ela balançou a cabeça e abriu os olhos. — Não. — Deve ter sido um golpe. — Foi. — Sinto muito. Ela afastou uma mecha do rosto. — Você não gostava dele. — Ele era pai. Ela aquiesceu. — Sinto muito pelas crianças — comentou ciente de que o filho jamais conheceria o pai. — Será que a mulher já foi avisada? — Não lhe parece muita hipocrisia? — O quê? — Fingir que se importa com a família dele? — E por que não me importaria? — Você deu em cima dele, foi para a cama com ele... — Só soube que era casado quando você me contou. Mais um detalhe: foi ele quem deu em cima de mim. — E isso justifica dormir com um homem casado? — Céus, não! Quando me contou, fiquei horrorizada. Cometi um grave erro.

46


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — E quanto ao noivado? Também não sabia que era noiva? Engoliu em seco. Não era à toa que Makin gostava de ridicularizá-la. Ela soava patética. Mais idiota impossível. — Sabia. — Que alívio! Podia pensar que todos, exceto você, sabiam. Ela vacilou. O rosto ficou ruborizado. — Ele deu em cima de mim e não o contrário. Passou anos ligando e mandando mensagens. — Então está afirmando que a traição é justificável? — Não disse isso. Mas eu ainda não tinha me casado; ainda sonhava com um casamento por amor e não por conveniência. Meus pais sabiam que eu era contra casamentos arranjados. Eu acreditava que Alejandro me amava. — Se não queria se casar com Zale, por que não se recusou? Por que aceitou? Makin era um homem poderoso e podia ser especialista em política e economia, mas não entendia de todos os assuntos. Não fazia ideia do que representava ser mulher. Sobretudo, uma mulher bonita e protegida, sem vocação, com poucas habilidades práticas e sem a menor noção de como funcionava o mundo real. Só seria valorizada se provasse sua capacidade de conquistar um bom casamento. — Porque não tive escolha. — Foi forçada? Deu de ombros, exausta de tentar fazê-lo compreender. Foram criados de modo diferente. Os pais dele tinham diferentes planos dos que os dela. — Existem vários tipos de pressão. Nem sempre se trata de força física. As mulheres podem ser intimidadas emocional e psicologicamente... — Abalada, balançou a cabeça. — Isso não vem ao caso. O fato é que desde criança meus pais deixaram claro que meu marido seria escolhido por eles e que eu devia cumprir o meu dever. — Aparentemente obtiveram êxito. Porque todo mundo, exceto o rei Patek, sabe que você e Ibanez tinham um caso há anos. Emmeline corou. — Não é verdade. Nunca tivemos um caso. — Então não está grávida? — Estou. Fui para a cama com ele. Uma única vez e ele foi o meu... Primeiro. — A voz saiu entrecortada. — Eu era virgem. Makin bufou demonstrando escárnio. O rosto de Emmeline ficou ainda mais ruborizado, o calor se espalhando pelo corpo, que começou a formigar. — Acredite no que quiser. Não lhe devo satisfações. Não preciso impressioná-lo ou tentar despertar qualquer sentimento de amizade em relação a mim. Nunca mais vamos nos ver... — Calou-se de repente e deu-lhe as costas, horrorizada ao descobrir que ia cair no choro. Graças a Deus ele não disse nada nem riu. Graças a Deus só se ouvia o borbulhar e os salpicos do chafariz. O silêncio se prolongou por tempo demais. Emmeline relanceou os olhos e viu a expressão de Makin. Dura. Inflexível. 47


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Apesar do nó na garganta, ergueu o queixo, recusando-se a se assustar com o julgamento dele, ciente de que outros a olhariam do mesmo jeito. Inclusive os pais. Ia doer, mas não morreria. Ao longo do tempo aprendera a aceitar a desaprovação sem sucumbir. Aprendera que não podia contar com ninguém. — Sei que não me tem em alta conta. Mas vou ser boa mãe. Farei o melhor pelo meu filho. O primeiro passo é consultar um médico tão logo chegue à Europa. — Então nada de perder tempo. Vou embarcá-la para Brabant... — Não vou para lá e sim para Londres. — Não vai voltar para Brabant? — De jeito nenhum. — Mas é seu país... — Não mais. — Não pode alterar seu direito de nascença. Descende de uma das mais antigas famílias reais da Europa. Seu sangue a une ao país. — Encontrarei um novo país onde possa construir meu lar. Muitos membros da realeza agem assim. — É verdade, mas apenas em países onde a monarquia foi substituída pela democracia ou pelo socialismo. Pelo que sei Brabant ainda é uma monarquia constitucional e você, a herdeira do trono. Por que abrir mão do seu direito? — Porque não sou a legítima herdeira — disse em tom rouco, afastando-se na direção da piscina. — Não sou a herdeira... — Não seja ridícula! Ela deu de ombros. — É verdade. Por isso não vou voltar para casa nem pedir perdão. Não devo satisfações a meus pais. Tenho 25 anos, sou maior e tenho acesso ao fundo deixado por meu falecido avô. Se não desperdiçar, dá e sobra para viver. — E seu filho? Caso se afaste, a criança pode jamais ser aceita por sua família. — De qualquer maneira, não vai ser aceita — afirmou depois de um intervalo. — Certamente não, se pensa em fugir e... Se esconder na região rural da Inglaterra. — Quem disse que vou me esconder? Quero levar uma vida serena, criar meu bebê com privacidade e dignidade, se me permitirem... — Se permitirem? — Franziu os lábios. — É esse seu brilhante plano? Torcer por alguma privacidade e dignidade? — perguntou zombeteiro. — Boa sorte, Alteza. Vai precisar. — Virou as costas e se afastou. Ela ofegou, com a sensação de ter sido esbofeteada. — Talvez eu esteja fugindo, mas você é especialista em dar as costas — berrou, cerrando os punhos, a voz vibrante de emoção. — O quê? — Só age assim porque tem poder — disse quando ele se voltou para encará-la. — A maioria de nós não pode. Não nos resta outra opção além de enfrentar o que nos espera. Mas você não precisa. E homem, e um dos mais ricos do mundo. Todos precisam de você. Todos buscam sua aprovação ou proteção. Deve ser uma sensação fantástica. — Como ousa falar comigo nesse tom de voz? Você está na minha casa. Depende totalmente de mim... 48


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Não pedi isso. — Não, não pediu. Impingiu sua presença ao se passar por minha assistente. — Então me deixe ir embora. — Adoraria. Ela recuou, abalada. Mas por quê? O que lhe importava o que pensava? Por que tinha o poder de magoá-la? Engolindo em seco, contornou a piscina e caminhou na direção da casa. — Perfeito. Então somos dois. Basta mandar o motorista me levar até o aeroporto e parto de imediato. — Em que avião? — O mesmo que usaria para despachar Hannah. —Ah, no meu avião. Mas ele seria usado por Hannah. Pode mandar o seu buscá-la. — Eu não tenho avião. — Então vai ter de pedir aos seus pais. — Era exatamente a isso que me referia ao dizer que você adora o poder. Quer que o mundo o considere uma pessoa boa, caridosa. Patrocina conferências, eventos, pesquisas, apenas para provar sua superioridade. — Alguém devia lhe ensinar boas maneiras. — Não vai ser você. Não tem educação. — Talvez eu deva abandoná-la na estrada, no meio do deserto... Quem sabe algum membro bondoso de uma tribo de beduínos passe e lhe dê uma carona para casa? Ou pode acabar morta. — Quanto cavalheirismo! — Nunca posei de cavalheiro. De qualquer maneira, não vejo motivo para tentar me passar por um diante de uma mulher que não é uma dama respeitável. — Agora sim, está se divertindo, não é? Os olhos dele brilharam. — Nem um pouco. Ajude-me a compreender o que quer de mim. Piedade? Pobre Emmeline, pobre princesinha, tem sido tão maltratada... — Vá para o inferno — exclamou entre os dentes, passando por ele e entrando na sala de estar. Que machão arrogante, prepotente. Não podia acreditar que fosse o mesmo homem que beijara na noite anterior. E que noite! Por um instante experimentara uma sensação maravilhosa, mas toda a beleza se dissolvera, só restando à decepção. — Aonde pensa que vai? — Terminar de fazer as malas. Os homens da tribo de beduínos me parecem encantadores se comparados a você.

49


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter

CAPÍTULO NOVE Quando Makin Al-Koury decidia agir, agia com rapidez. E desta vez, agiu de modo tão rápido que a cabeça de Emmeline ainda girava. Mal podia acreditar estar sentada no jato que se preparava para decolar apenas trinta minutos depois de ter dito que os homens da tribo de beduínos pareciam encantadores se comparados a ele. Pensando bem, talvez não tivesse sido a afirmativa mais conveniente. Entretanto, desde criança haviam tentando ensiná-la a conter as emoções. Um dia aprenderia a se controlar. Um dia morderia a língua antes de falar. Até lá sofreria as conseqüências, como agora. Porque não apenas viajava para Brabant. O sheik decidira acompanhá-la alegando que não podia confiar nela e que talvez ela não fosse para casa conversar com os pais. Decidira escoltá-la até o palácio d'Arcy e deixá-la aos cuidados dos pais. Que encanto de príncipe! O jato acelerava, percorrendo a pista estreita onde haviam pousado 24 horas antes. Uma repetição. Tudo como antes: instalados nos mesmos assentos, ela experimentava as mesas emoções também. Ansiedade. Preocupação. Medo do desconhecido. Emmeline sentiu o olhar de Makin quando o jato deixou o solo numa subida Íngreme e ela soltou uma exclamação. — Tem medo de voar? — Não. — Respirou fundo. Não tinha medo de voar, mas com certeza não contava passar o resto do dia na companhia dele. A manhã fora terrível e agora tinha um longo dia pela frente. — Apenas certo mal-estar na decolagem. Ele hesitou, mas acabou perguntando de modo grosseiro: — Precisa de alguma coisa? A cabeça girou de tão chocada, os lábios entreabrindo-se diante de tamanha audácia. Se ela precisava de alguma coisa? Não podia estar falando sério. Ele a transportava à força do Oriente Médio para a Europa com o intuito de devolvê-la, contra sua vontade, ao palácio real em Brabant e perguntava se ela precisava de alguma coisa? Era isso que não conseguia entender. Se estava tão zangado com ela — e estava então por que se importar com seu estado? Por que perguntar se precisava de alguma coisa ou fingir se preocupar com seu bem-estar? 50


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Os primeiros convidados não chegam hoje à tarde? — perguntou, afastando as dúvidas e se dando conta de que nunca o compreenderia. — Chegam. — Você não vai estar lá. — Tenho plena consciência disso. — Achei que a conferência fosse de extrema importância. — E é. — Então não deveria estar em casa, recebendo os convidados em vez de viajar duas mil e novecentas milhas para me humilhar diante dos meus pais? — Achei prudente tirar você de Raha antes da chegada dos convidados. Observou-lhe a expressão e compreendeu. — Achou que eu causaria desordem. Ela constatou ter acertado em cheio. Ele não confiava nela. Achava que ela causava problemas aonde ia. Sentiu um aperto no peito dificultando-lhe a respiração. Ele não era diferente de seus pais. Não a via como ela realmente era; tirava conclusões precipitadas. Desviou o olhar e admirou o mar de areia dourada abaixo. Que Makin pensasse o que bem entendesse. Pouco importa... Ele também não me importa... Contudo, lá no fundo do coração, admitia que talvez ele importasse. Tudo mudara quando ele a havia beijado. Em seus braços se sentira não apenas segura, mas... Desejável. Linda. E nunca se vira como uma mulher linda. Jamais se sentira uma mulher de verdade... Até Makin beijá-la, despertando uma nova Emmeline. Nunca experimentara sensação tão incrível quanto durante aquele beijo. Queria mais. — Não sou perigosa — disse a voz rouca, incapaz de segurar as palavras ou esconder a mágoa. — Não tinha dito perigosa, mas desordeira. — Não teria lhe causado constrangimento. — Não podia correr esse risco. — E quanto aos seus convidados? Não os receberá na chegada. — Meu amigo, o sultão Nuri, de Baraka, prometeu fazer as honras da casa. Emmeline conhecia Malek Nuri, já o encontrara em vários eventos sociais com a mulher, a princesa européia Nicolette Ducasse. Formavam um casal lindo e pareciam felizes. — Ele sabe por que você não estará presente? Sabe que se sente compelido a me entregar pessoalmente ao carrasco? — Como você é dramática. — E o que dizem. — E sensível. O sangue lhe corou as maçãs do rosto. — E você é tão crítico... Com os olhos semicerrados, analisou-a. — Toquei no ponto fraco, certo? — Passei a vida inteira sendo criticada por minha sensibilidade. Ao embarcar, Makin estava furioso, mas, agora, sentado ao lado dela, achou impossível continuar chateado com ela. Desconhecia se isso se devia ao fato da incrível semelhança com Hannah ou porque Emmeline era um enigma que o intrigava e lhe despertava a curiosidade. — Quem critica você? 51


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Meus pais, principalmente a minha mãe. — Qual a queixa? — São tantas... — Franziu o nariz. — Mas a principal parece ser a minha excessiva emotividade. — Excessiva? Como? Ela contou nos dedos as queixas da mãe. Sou sensível. Falo rápido demais. Irrito-me com frequência. Choro feito uma manteiga derretida. Seus lábios contraíram-se. — Chora feito uma manteiga derretida? — Depende da manteiga. Divertindo-se, sorriu, gostando dessa Emmeline. Ela nada tinha de pretensiosa. Era engraçada. Direta. — O relacionamento entre vocês duas sempre foi tenso? — Desde que nasci. — Por quê? — Quem me dera saber. De repente pareceu muito séria e ele franziu a testa. Ela usava uma calça jeans e uma blusa branca de camponesa e com o cabelo solto e sem maquilagem, parecia jovem e saudável. Atraente. O tipo de moça que se gostaria de apresentar aos pais. O que seus pais teriam achado de Emmeline d'Arcy? Apesar de terem ouvido falar dela, nunca a haviam encontrado, devido à doença do pai. — Eu também era emotivo quando garoto — disse, de repente. — Sensível. Nunca me esqueço de minha mãe dizer, quando eu tinha uns oito ou nove anos, que eu já era grande e não devia chorar. — Lembra-se do motivo do choro? — Meu pai caiu da cadeira de rodas. Senti medo. — Mas isso é assustador. — Vi coisas piores. — Pelo que conta, teve de amadurecer cedo. Ele deu de ombros. — Minha mãe precisava de mim. Precisava ser forte para apoiar tanto minha mãe quanto meu pai. A expressão de Emmeline demonstrava inquietação. A conversa se tornara pessoal. Mudou de assunto para desanuviar o ambiente. — Nunca vi você de jeans antes. Emmeline olhou para baixo e cruzou as pernas, passando a mão na coxa. — A calça e a blusa são dc Hannah. Encontrei no fundo do armário. — De repente, o fitou. — Eu devolvo, prometo. Mando lavar e... — Isso é entre vocês duas. Imagino que ela tenha sido obrigada a usar suas roupas em Raguva. Não consigo imaginá-la brincando de princesa. Justo ela que só tem peças em tonalidades marrons, beges e cinzas. Emmeline deu um sorrisinho sem-graça. — O guarda-roupa dela não é estiloso. Não; é prática demais. Emmeline passou novamente a mão no tecido gasto. Nunca tive um jeans assim macio, gasto de verdade. Não é de nenhum estilista famoso. — Hannah cresceu no rancho do pai no Texas, perto de San Antonio. Contou alguma história da vida no rancho? Emmeline balançou a cabeça. 52


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Ela se sentia sozinha. Foi criada pelo pai, sem mãe. Cresceu montando a cavalo, laçando e ajudando nos rodeios. Bem diferente da minha vida. — Não consigo imaginar você num rancho. — Nem eu, mas sei montar. Eu costumava competir. — Adestramento? Abriu um sorriso. — Não, saltos. Eu era boa. — Deve ter percebido a incredulidade em seus olhos, pois riu e acrescentou: — Sério. Aos 20 anos fiz parte da equipe olímpica de Brabant. Você participou das Olimpíadas? — Bem, participei, mas acabei caindo na primeira competição. Foi um tombo feio e por quase 24 horas não sentia nada do peito para baixo. Felizmente me recuperei, mas foi o final de minha carreira. Ainda não tenho autorização para competir. — Não sabia. — Não consigo imaginar você lendo revistas de fofocas, portanto como poderia saber que sou louca pelo esporte? — O acidente deve ter sido manchete. Mencionaram que fui derrubada, mas no dia seguinte houve um terremoto terrível e o foco se voltou para a vida real. Quando isso aconteceu? — Faz cinco anos. — Ajeitou a blusa, passando a mão na barriga ainda reta. — Foi assim que conheci Alejandro. Ele estava presente quando caí e foi ao hospital. As enfermeiras não queriam deixá-lo entrar, mas sabe como ele é... — Engoliu em seco. — disse que era meu noivo e conseguiu me visitar. E pensar que a conhecia há todos esses anos. Achava saber tudo de importante a seu respeito: rica, chique, mimada e preguiçosa. Imaginara que a única ambição dela era ser vista e fotografada. Entretanto, passara anos treinando para um esporte perigoso, competitivo. Caíra do cavalo. Era bem mais forte do que supunha. — Foi assim que os rumores sobre nós dois começaram, mas não tínhamos qualquer envolvimento — até março. — Mas costumava ser vista com ele. — Porque ele me procurava. Nunca o contrário. Nunca me interessei por ele. Não fazia meu tipo. Sei que não acredita, mas sempre o rejeitei. Hoje acho que isso apenas o estimulou. Quanto mais o rejeitava, mais ele se mostrava determinado a me domar. Olhando os traços maravilhosos — as maçãs altas, o queixo quadrado, a boca carnuda — ele acreditava. Ela era maravilhosa, radiante, como se uma luz lhe desse brilho. — Homens gostam da caça. — Já aprendi. — Tentou sorrir sem êxito. — Ele não me amava. Apenas desejava que eu... Fizesse parte de sua lista de conquistas. Quando conseguiu, se foi. Estou grávida. E nada voltará a ser igual, certo? De tanta emoção, a respiração lhe faltou. Ela enfrentara momentos difíceis e outros ainda piores a esperavam logo adiante. Precisava de um amigo. — Tem razão. — Estou apavorada. 53


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Ele foi novamente tomado por inexplicáveis emoções. Adeus à princesa glamorosa que passava pela vida a salvo dos problemas comuns dos mortais. Parecia jovem e vulnerável. — Pode interromper a gravidez. — Nunca. — Seria melhor para você. — Mas não para o bebê! — vociferou. — Sei que não gosta de Alejandro... — Não tem nada a ver com ele. Apesar de não ser a favor do aborto, você precisa ser prática, pesar suas decisões. Afinal, é uma princesa. — Prefiro amputar uma perna ou um braço a interromper a gravidez. Amo esse bebê e estou preparada para me submeter a sacrifícios para que ele tenha a melhor vida possível. Makin a observou, ao mesmo tempo admirado e preocupado, ciente de que ela enfrentaria sérios problemas, mas a vida não se tratava de tomar as decisões mais fáceis, e sim as corretas. Se ter o filho era a sua opção, ele a apoiava cem por cento. A vida era preciosa, cheia de mistérios. Makin se habituara à fragilidade da vida. Desde adolescente sabia que não poderia ter filhos por causa do gene herdado do pai. Então, aos 20 anos, seis meses após o falecimento, Makin decidira se submeter à vasectomia. Não podia correr o risco de transmitir uma doença fatal e dolorosa aos filhos. Bastara assistir ao sofrimento do pai. Não conseguia imaginar os filhos condenados ao mesmo destino. — Então precisa ser forte. Agarrar-se às suas convicções e não permitir que ninguém a demova. Viajaram em silêncio por uns quarenta minutos. O capitão anunciou que dariam início à descida. Emmeline olhou pela janela e fitou Makin. — Ainda sobrevoamos o deserto. — Vamos dar uma parada em Nadir para encher o tanque. Passaremos uns 15 minutos em terra. Calou-se, observando os cabelos pintados de castanho. — Você tem cabeleireira? — Está com Hannah. — O que significa que ela pode estar em qualquer parte, pois Hannah deixou o palácio hoje pela manhã e deve estar a caminho de Dallas. — Então o rei Patek sabe? — Descobriu a verdade ontem à noite. — Então meus pais também devem saber. — Avisei que estamos a caminho e que chegaremos à tarde. — Vai ser complicado. — Mais cedo ou mais tarde tem de enfrentar sua família. — Mais tarde me parece preferível. — Agora, talvez. Mas é sempre melhor enfrentar de vez os problemas. Sempre ajo assim. Evita dores de cabeça. — Por isso estamos a caminho de meu país. — Exatamente. — Tentou suavizar o golpe. — Meu pai me ensinou a não varrer a poeira para debaixo do tapete ou bancar a avestruz e enfiar a cabeça na areia. Os outros vão imaginar que sente vergonha ou que tem algo a esconder. 54


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Mas estou envergonhada. Não sinto orgulho de ser mãe solteira. Compareci a tantos eventos tentando ensinar aos adolescentes a importância de tomarem cuidado... Façam o que eu digo, mas não façam o que eu faço. — Você reconhece ter cometido um erro. — Enorme. Makin sentiu um aperto no coração. Quisera despachá-la ontem não por não gostar dela, mas porque mexia com ele. Preocupava-se com ela. Sentia-se feliz por acompanhá-la e dar-lhe apoio moral. — O que está feito, está feito. Não pode voltar atrás. Cabeça erguida. — Certo. — Mas não deveria voltar assim. — Indicou-lhe os cabelos. —Morena. Conheço alguém que pode ajudar. Peço que nos encontre no aeroporto e suba a bordo enquanto cuidam do combustível. Emmeline passou a mão no cabelo. — Tem certeza? — Ela é minha funcionária. — Então é sua cabeleireira. — Não, de Madeline. — Madeline? — Minha... Amante. Emmeline franziu o cenho. — E verdade. Você a mencionou ontem à noite. — Hesitou. — Madeline não vai se importar? — Não sei. — Deu de ombros, impaciente, pouco à vontade. Não deveria tê-la mencionado. — Risa está acostumada a trabalhar a bordo e você exibirá a cor natural dos cabelos ao chegarmos a Brabant. Uma hora depois, já tinham abastecido e decolado. A cabeleireira trouxera todo o material, pintara e fizera mechas finas no cabelo de Emmeline. Enquanto esperava ser avisada de quando poderia lavar a cabeça, sentada na cama, embora folheasse uma das revistas trazidas pela cabeleireira, seus pensamentos concentravam-se em Makin. Por que teria amante? Por que não uma namorada... Ou mulher? Uma batida na porta. Makin. Abriu-a. Nossa, está parecendo um extraterrestre — comentou observando as tiras de papel laminado e o creme roxo. Emmeline sorriu. Quem mandou entrar? Onde está Risa? Na cozinha limpando o material. Fechou a revista. — Ela c muito eficiente. — Trabalhou dez anos em Paris antes de ser contratada por Madeline. — Risa me contou que Madeline é loura. — Não entendia o porquê do próprio comentário. —É. Em vão, ficou à espera de mais informações. — Você sempre teve amantes? — Que pergunta é essa? — Curiosidade. Você perguntou sobre a minha vida pessoal. Acho que tenho o mesmo direito. — Nunca neguei isso. — Ótimo. Então por que tem amante e não namorada? Ele hesitou. Deu de ombros. 55


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Por conveniência. — E o que ela ganha com isso? — Conforto. Segurança. — Financeira... — Exatamente. — Porque emocional não tem. — Não é bem assim... — Você tem todo o controle. Dá as ordens. Só a encontra quando quer e ela deve estar sempre à sua disposição. Que situação horrível! — Madeline está satisfeita. — Como sabe? — Porque nunca reclamou. — Talvez por medo. — Madeline não tem medo de mim. — Mas não deve se sentir segura. Vocês não têm um relacionamento sério... — Hora de mudar de assunto. — Você a ama? — Não é da sua conta. — Planeja se casar com ela? — Também não é da sua conta. — Mas são amantes há três anos. — Risa contou? — Ela não tem culpa. Faço perguntas demais. — Estou vendo. Emmeline corou. — Odiaria ser a amante. Odiaria passar a vida à espera de alguém. — Madeline tem amigos em Nadir e uma vida social agitada. — Preferia ser pobre e ter um homem que me amasse a viver com muito dinheiro e sem amor. — E fácil dizer isso quando se pode comprar o que bem entender e receber convites para todas as festas. — Isso tudo é supérfluo. Trocaria todo o dinheiro em minha conta bancária pelo amor de alguém. Makin sorriu. — Você parece um filhotinho que não larga o osso. Ela o fitou demoradamente. Depois, relutante, abriu um sorriso. — Desculpe. Exagerei. — Admiro suas firmes convicções. O sorriso aumentou. — Você não é de todo mau, sheik Makin Al-Koury. Até reconheço algumas qualidades. — Há poucas horas dizia que eu só me interessava pelo poder. Ela corou sem saber se devia rir ou chorar. — Não se esqueceu, hein? Eu também não me esqueci de que não somos amigos. E de que não gostamos um do outro. Retorceu os lábios. — Você é incorrigível. Impossível de ser controlada. — Muitos tentaram. Franziu os olhos. — Não pode se mudar para a Inglaterra. Vai ficar infeliz. — Não acho. 56


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Claro. Viveria vigiada pelos paparazzi. — Não no campo. —Você é a princesa Emmeline d'Arcy. Quando a mídia descobrir que está grávida e continua solteira, não vai lhe dar um minuto de sossego. Os jornalistas dos tablóides vão persegui-la. Os fotógrafos não vão desaparecer num piscar de olhos só porque pretende viver em paz. — Não posso continuar a viver em Brabant, trancada no palácio, sob as ordens de meus pais. Não é saudável. — Você não tem casa em Brabant? — Meus avôs deixaram uma propriedade no norte. Um pequeno castelo com lindos pomares, um jardim de rosas e até um pequeno bosque com um lago para pescaria, mas meus pais disseram que custaria muito caro eu viver lá, pois eu teria que contratar empregados e seguranças. — Você não mencionou um fundo deixado por seu avô que estaria à sua disposição ao atingir a maioridade? Mencionei, mas o valor não é suficiente para viver num palácio e meus pais não se mostram dispostos a cobrir a diferença, nem a pedir ajuda aos contribuintes, no que concordo. Não quero ser um peso para o nosso povo. Por isso pensei em me mudar para um país como a Inglaterra, encontrar um lugar menor que eu possa pagar. — Acho que os cidadãos de seu país ficariam magoados se você os abandonasse. Gostam de você. Pensou nas multidões sempre presentes quando ela aparecia. Gente de todas as idades, sacudindo bandeiras e levando flores. Criancinhas oferecendo o rosto para ganhar um beijo. — E eu os amo. Sempre foram tão bons, tão leais. Mas agora estou grávida e isso os envergonharia, o que não me parece correto. Deveria ter sido a princesa perfeita, a substituta de minha tia Jacqueline, a princesa mais querida até os dias de hoje. Já se foi a mais tempo do que os anos que viveu e, apesar disso, eles ainda lamentam a sua morte. Era linda. Jovem. Morreu aos 20 anos. — Mas agora você criou uma nova vida — disse com firmeza. — Um bebê da realeza para seus súditos amarem e adorarem. De tanta emoção, sentiu um nó na garganta. — Mas eu não faço parte da realeza... E Alejandro é plebeu. Logo, a criança não terá um título nem entrará na linha do trono. F. assim que funciona em Brabant. — A voz saiu entrecortada. Por isso eu tinha de me casar com o rei Patek. Precisava me casar com um membro da realeza, de sangue azul. E, é óbvio, não posso mais me casar com Zale — nem com ninguém de sangue azul —, portanto, não estou mais na linha de sucessão. Ou seja, meu bebê também não. — Não entendo. Como você não faz parte da realeza sendo filha do rei William e da rainha Claire? — Filha adotiva. — Os olhos dela encontraram os dele. Hesitou, tentando encontrar as palavras apropriadas, mas nenhuma lhe parecia servir. — Fui adotada seis dias após o meu nascimento. Ao que tudo indica sou uma bastarda, de quem minha mãe adotiva morre de vergonha. Makin ficou chocado. — Não sabe nada sobre seus pais biológicos? 57


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Apenas que minha mãe era uma plebéia de Brabant. Jovem, grávida e solteira. — E seu pai? — Ninguém tem nenhuma informação a seu respeito. — Não pode descobrir? Emmeline balançou a cabeça. — Não foi uma adoção formal. Minha mãe biológica não sabia quem me adotaria, e meus pais sempre se mostraram muito reservados. Só soube que era filha adotiva ao completai 16 anos. — Calou-se, mexeu no punho da blusa. — Meu pai me contou um pouco antes da minha festa de aniversário. Makin estreitou os olhos. — No exato dia de seu aniversário? Deu de ombros. — Sei que soa infantil, mas isso me arrasou. Eu sequer suspeitava e de repente meu pai me conta que sou adotada — uma bastarda, filha do pecado. — Retorceu os lábios. — E lá estava eu, no meu lindo vestido de baile, calçando meu primeiro par de sapatos de salto alto, me achando adulta, animada. E meu pai me chama e estraga tudo. Acho que não tinha a intenção de me magoar. Mas me chamar de bastarda? Dizer à sua filha única que ela era fruto do pecado? O sorriso desapareceu revelando a dor em toda sua extensão. — Desmoronei. Acho que chorei a noite inteira. Sei que é tolice. — Seria um choque para qualquer um. — Talvez. — Permaneceu em silêncio por um segundo. —Como pode constatar, compreendo o estigma e a vergonha de ser filha ilegítima. Sei o que é ser julgada e rejeitada. Quem sabe quem foram meus pais e o motivo de me darem para adoção? Mas agiram assim e devem ter imaginado que seria melhor para mim. Talvez tenha sido. Mas eu quero meu filho e jamais verei essa criança como um erro. Farei tudo ao meu alcance para garantir sua felicidade.

58


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter

CAPÍTULO DEZ Emmeline sentou-se na beirada da cama enquanto Risa secava o seu o cabelo usando uma escova redonda. Enfrentaria um problemão quando voltasse para casa. A mãe perderia as estribeiras e provavelmente a chamaria de idiota em alto e bom som. O pai, como sempre, demonstraria profunda decepção e deixaria a bronca a cargo da mulher. Era assim que lidavam com problemas como ela. Não que jamais tivesse feito nada errado, mas era assim que a consideravam: um problema. Às vezes pensava em dar motivos para queixas, pois o máximo que fizera — até então — fora nadar pelada durante uma visita às primas na Espanha. Tinha 12 anos e lhe parecera ousado nadar nua à noite na piscina do palácio. A ideia partira de Delfina, 13 anos. Isabel, de 10 anos, aprovara a ideia e Emmeline, rindo de nervoso, aceitou. Fora divertido até o serviço de segurança do palácio fazer queixa aos respectivos pais. Tia Astrid lhes deu uma bronca, mas a mãe de Emmeline se enfureceu. Exigiu saber de quem partira a ideia, e como Delfina não se entregou, Emmeline assumiu a culpa para proteger as primas. Achou que levaria uma surra e pronto. Entretanto, a mãe não apenas lhe batera como também a mandara de volta para Brabant. A surra foi horrível, mas ser afastada das primas foi muito pior. Nos 14 anos que se seguiram, nada mudara muito. Os pais continuavam distantes, a mãe austera. Como reagiriam ao tomar conhecimento de que a filha estava grávida? Já grandinha demais para levar uma surra ou ser exilada, o que fariam? Seria trancada na torre e depois jogariam a chave fora? — Está quase pronto — disse Risa, desligando o secador. O que significava que já estavam chegando, o que a deixou nervosa. Enquanto Risa penteava o cabelo de Emmeline na cabine de trás, Makin, instalado na cabine principal, repassava na memória as últimas conversas entre os dois. Ela era bem diferente do que supunha. Não era sem graça, apenas ingênua e protegida em demasia. Como poderia odiar alguém por ser superprotegida e inexperiente? Impossível. Compreendeu o que a levara a entrar em pânico em março. Voltara-se para Alejandro por desespero, em busca de amor, ciente de que seu futuro noivo não a amava. Cometera um grave erro de julgamento, mas não era má. Não poderia condenar seus atos nem detestá-la. Como detestá-la quando compreendia o quão doloroso devia ter sido ser condenada a casar com quem oferecera o melhor lance? Sua atitude apenas 59


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter demonstrava ser uma jovem sensível, inteligente e tímida, cheia de esperanças e sonhos. Makin arrependeu-se da atitude precipitada. Tarde demais; chegavam a Brabant. Poderia oferecer-lhe apoio, mostrar que não estava sozinha. Uma hora depois, no banco de trás da limusine, dirigiam-se ao palácio. Pouco depois da aterrissagem, Emmeline apresentou-se de saia lápis preta, blusa preta de cetim e uma comprida fileira de pérolas. O cabelo, louro dourado, estava preso num elegante coque. Usava brincos de pérolas. Escondia qualquer sinal de nervosismo. Era preciso enfrentar a realidade. De nada adiantaria fugir. Sobreviveria. — Não que isso interesse, mas não aprovo casamentos arranjados disse Makin, quebrando o silêncio. São populares em minha cultura, mas não os aceito. Ela o fitou, surpresa por ele ter confidenciado alguma opinião pessoal. — Seus pais não tentaram arranjar esposa para você? — Formavam um casal apaixonado. Queriam o mesmo para mim. — Ainda estão vivos? — Não. Morreram já faz algum tempo. Primeiro meu pai, quando eu tinha 20 anos, e minha mãe um ano depois. — Hesitou. — A morte de meu pai já era anunciada. Sua doença vinha de longa data. Mas minha mãe... Ainda era jovem, tinha 41 anos. Foi um choque. Não estava preparado para perdê-la. — Sofreu um acidente? — Não, um ataque cardíaco... — A voz sumiu e ele franziu a testa. — Eu acho que foi de tristeza. Para ela a vida não fazia sentido sem o meu pai. Emmeline observou-lhe os olhos emocionados. Até ele beijá-la na noite anterior, sempre o imaginara frio... Distante. Agora começava a compreender que, na verdade, as águas calmas escondiam a turbulência de uma natureza apaixonada. — Eles eram felizes? — Muito. Um relacionamento extraordinário dedicaram-se um ao outro do dia em que se conheceram até o final. Tive sorte de conviver com pais que se amavam tanto e fazer parte desse círculo de amor. Graças a isso sou quem sou. — Então por que nunca se casou? — perguntou, notando que ele também tinha tomado banho e mudado de roupa pouco antes de aterrissarem. Usava camisa cinza, calças pretas e o primeiro botão da camisa branca impecável aberto. A pele era do mesmo dourado queimado do deserto, combinando à perfeição com os cabelos negros e os estonteantes olhos cinza. Boa pergunta, pensou, enquanto esperava pela resposta. Ele era lindíssimo. Inteligente. Podre de rico. Devia ser o partidão do século. Moveu os ombros largos. — Ainda não encontrei a mulher certa. — E como a imagina? — Não sei. Ainda não a encontrei, mas aviso assim que isso acontecer. Makin viu os lábios se curvarem e os olhos dançarem ao rir para ele. Jamais imaginaria que gostaria de vê-la rir, mas ficou encantado. Ela não costumava rir com frequência, mas agora que ganhava vida, as covinhas apareciam, a luz faiscava em seus olhos... Ela demonstrava estar contente... Brincalhona... Mais feliz e mais jovem. Por um instante pensou que daria quase tudo no mundo em troca de voltar a vê-la sorrir daquele jeito. 60


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Ao descer dos olhos para os lábios, foi tomado pela vontade de tocá-la, beijá-la, separar aqueles lábios carnudos e mergulhar naquela boca, como na noite anterior no jardim. Estaria sofrendo o efeito da luz das velas e da lua? Não, tinha plena consciência de que ela o enfeitiçava, mas tinha Madeline, e Emmeline estava grávida. Cada um tinha seu próprio caminho a seguir. — Tenho um plano — disse com firmeza, odiando o fato de se sentir excitado e inquieto ao seu lado. Não poderia se deixar afetar daquele modo. Ele tinha um plano — um objetivo — jurara tomar a vida significativa e nada o afastaria dessa decisão. Se o pai obtivera êxito apesar da doença brutal e debilitante que lhe destruíra a espinha dorsal e as pernas, acabando por lhe tirar os movimentos e a fala, aprisionando a mente brilhante num corpo inútil, então Makin conseguiria mover montanhas. Mas não se perdesse o foco. Um dia teria tempo para outras coisas. Não agora. Não agora, repetiu o olhar indo das pérolas ao pescoço. Nunca fora fã de pérolas. Faziam-no lembrar das senhoras e das jovens bem-comportadas de twin sei de cashmere, mas em Emmeline elas se tornavam glamorosas. Não, sexy. O colar comprido descia dos seios até quase a cintura, balançando-se sobre a blusa preta de cetim quando ela se movia, ressaltando um dos seios e depois o outro. Era quase impossível desviar o olhar das pérolas luminescentes. Engoliu um grunhido ao sentir outra onda de desejo, a atração agora agravada pela vontade de protegê-la. Não sabia precisar quando isso começara, mas gostava dela e não havia nada de simples naquele relacionamento. — Estamos chegando — disse Emmeline baixinho, tendo a alegria abandonado a sua voz. O carro saía da estrada e entrava numa cidade tranqüila e ela se concentrou nas construções antigas, mas a expressão demonstrava serenidade e os olhos azuis se mostravam calmos. Se alguém não conhecesse a real situação, imaginaria que ela se dirigia a um desfile de moda e não a um encontro excruciante com os pais. Alguém que não conhecesse a real situação repetiu em silêncio, dando-se conta de que não a conhecia. De que sempre olhara o exterior — a mulher jovem e estonteante de estilo descontraído e expressão plácida — e imaginara que ela passava pela vida a passeio, distante das adversidades. Engano seu. De repente ela virou a cabeça e o fitou. Por um instante, apenas o fitou, fria, controlada, e então devagar curvou os lábios. — Alguma coisa errada no meu rosto? — perguntou arqueando a sobrancelha, o protótipo da princesa. — Ou alguma coisa verde nos dentes? Ele quase sorriu ao ouvir a segunda pergunta. Ela era engraçada. Há anos acreditava conhecê-la; ledo engano. Ouvira falar dela e então projetara as informações nela, mas entendera tudo errado. Ela não era formal, dramática e petulante. Era emotiva, mas também inteligente, afetuosa, dona de uma verve brincalhona. — Tenho a impressão de que devia ser teimosa quando era criança. 61


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Ela franziu o nariz. — Devo ter sido. Até os 13 anos achava que meu nome era Emmelinevenha-já-pra-cá-menina-danada-d'Arcy. Makin abriu um sorriso, apesar da pontada no peito. Ela era engraçada. Meiga. Adorável. Capaz de calar fundo no coração de alguém e ele não sabia como nunca percebera isso antes. Culpa da beleza? Ou da aparência majestosa? — Estou contente com a oportunidade de passar uns dias com você. Quando se afasta dos seguranças e das cortes de criadas, você é um bocado agradável. Ela conteve o riso. — Cuidado. Não seja tão bonzinho. Posso achar que somos amigos. Passou-lhe pela cabeça que ela precisava de um amigo. Começava a entender que não contava com ninguém para protegê-la. — Então me diga: o que pretende fazer ao chegarmos a sua casa? O entusiasmo apagou-se dos olhos. — Não vai ser nada agradável. Ouvirei palavras rudes, sobretudo de minha mãe. — Ela tem um gênio horrível? Sim. E sabe como... Ferir. — Lembre-se: paus e pedras podem quebrar seus ossos... —... Mas palavras jamais conseguirão me ferir... Terminou o poema infantil e a voz apagou-se. Ela deu um sorrisinho indeciso. — Tudo vai dar certo. Aquele sorriso quase o tirou do sério. Naquele instante, percebeu que nada daria certo. Voltou a desviar o olhar, admirando as elegantes construções acinzentadas datadas do século XVIII em torno da praça. Chuviscava e as nuvens escuras tornavam à tarde sombria. A única cor, graças à primavera, era o verde luxuriante das árvores no parque adjacente. — Tudo parece sombrio agora — disse ciente de correr o risco de se envolver demais, gostar demais. Precisava recuar. Colocar alguma distância entre os dois. Seu único objetivo era devolvê-la em segurança à família. — Mas vai passar. De fato, há essa hora amanhã você terá outro tipo de problema. — Espero que não — comentou, rindo assustada diante dos portões do palácio à distância. — Acho que já tenho problemas o suficiente, concorda? Entrar no salão do palácio onde os pais a aguardavam era como caminhar em terreno minado pensou minutos depois. Mal atravessara as portas do salão e a mãe já vociferava. — O que passou pela sua cabeça? Se é que alguma coisa passa por essa cabeça. — A rainha Claire d'Arcy se ergueu num átimo, a voz aguda ricocheteando. — Ou sua intenção era nos humilhar? — De jeito nenhum — respondeu Emmeline com firmeza, forçando-se a colocar um pé diante do outro para diminuir a distância entre elas. Num recôndito do cérebro sabia que Makin se encontrava atrás dela, mas ele era a menor de suas preocupações naquele instante. — Jamais desejei humilhar à senhora...

62


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Mas humilhou! Zale Patek não nos deu um motivo específico para romper o noivado; mencionou apenas falta de compatibilidade. Compatibilidade — repetiu a rainha em tom amargo. — O que isso significa? — Ele tentava apenas ser gentil. A culpa é minha. — Por que será que isso não me surpreende? Emmeline ignorou o deboche. — Lamento tê-los desapontado... — E quando isso não aconteceu? —... E tentarei corrigir meu erro. — Ótimo. Pelo menos concordamos num ponto. Você vai retornar a Raguva imediatamente e pedir perdão a Sua Alteza Real. Faça o que for preciso, mas não volte sem uma aliança no dedo... — Não posso. — Emmeline, não pedi sua opinião. E seu dever casar-se com ele. Dar herdeiros ao rei. — Não posso mamãe. Já estou grávida. No enorme e elegante salão ornado de branco e dourado, reinou o silêncio. Nem um som, nem um movimento. A mãe afundou na cadeira ao lado do marido e inclinou a cabeça. — O que você acabou de dizer? Emmeline buscou a ajuda do pai, que até então não pronunciara uma palavra. Como de hábito, silencioso e austero, deixava à mulher a incumbência de falar. — E-eu estou... — Respirou fundo... — Com quase oito semanas de gravidez. — Por favor, diga que não ouvi direito. — A voz da mãe não passava de um sussurro. — Bem que eu gostaria. — E claro que o filho não é de Zale Patek. —Não. — Vagabunda. Emmeline ouviu a respiração ofegante de Makin, mas nem piscou. Esperava por isso. Sabia que a situação seria constrangedora. E era. — Como ousa? — disse Claire engasgada. — Sua ingrata! Como ousa jogar fora tudo de bom que lhe demos e retribuir assim? Emmeline sentiu Makin se aproximar. — Sinto muito — disse baixinho. — Só isso? É tudo o que tem a dizer? Você arruína nossas chances, nos arruína e diz que sente muito? Emmeline ergueu o queixo, determinada a manter a calma e a serenidade. Lágrimas de nada ajudariam só a tornariam mais frágil e emotiva. Aceitaria as conseqüências. Não tomara a decisão de dormir com Alejandro? Pois que lidasse com as conseqüências. — O que posso dizer? Embora eu não quisesse que isso acontecesse, aconteceu e assumo a responsabilidade. — E posso saber quem é o pai? Ou é segredo? Emmeline entreabriu os lábios, mas Makin se antecipou. — Sou eu — disse em alto e bom tom. Emmeline voltou-se, boquiaberta, mas ele não a fitou. Encarava a mãe dela, um ricto nos lábios. 63


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Eu sou o pai — respondeu orgulhoso —, e gostaria que nos respeitasse, por favor. As pernas de Emmeline pareciam gelatina; a cabeça girava. Estendeu o braço. — O que está fazendo? — perguntou engasgada, quando ele lhe entrelaçou a mão. — O que é certo — resmungou. Agitada, balançou a cabeça. — Na - não é... Confie em mim. — Não. Chegou a hora de você confiar em mim. — E com um sorriso frio na direção dos pais, saiu da sala com Emmeline e fechou as portas. Ao chegarem ao corredor, às pernas de Emmeline quase a traíram. — Faz ideia do que acabou de fazer? — perguntou, apertando-lhe o braço. — E óbvio. — Franziu o cenho. — Você está tonta? — Um pouco. Ele bufou e a pegou no colo. — Não devia ter trazido você! — Já trouxe. Agora me ponha no chão. Num minuto estarei bem. Ele ignorou o pedido e atravessando o corredor, entrou no grande vestíbulo com o domo pintado de azul, e começou a subir a escada de dois em dois degraus. — Makin, por favor. Eu posso andar. — Não quero que desmaie e se machuque ou o bebê — disse, continuando a subir a escadaria de mármore sem pestanejar. — Onde fica o seu quarto? — No segundo andar, mas não vou desmaiar... — Ótimo. — Ajeitou-a nos braços ao chegarem ao topo da escadaria. — À direita ou à esquerda? Ela espiou sobre o ombro dele, viu o corredor com detalhes de madeira pintados de marfim, os candelabros e o pálido tapete dourado e marfim. — À direita, mas posso andar... — Fantástico. Qual quarto? — Esse — disse apontando uma porta fechada. — Não tinha que assumir o filho. Eu ia contar a verdade. —A verdade? — repetiu, inclinando-se para girar a maçaneta, inundando Emmeline com o perfume que sempre a deixava meio atordoada. — Isso mesmo — respondeu ofegante, cada vez mais acalorada. — Foi o que me sugeriu fazer. — Até ver sua mãe em ação e achar que ela era a personificação do diabo. — Makin. — Verdade. Acho mesmo. — Atravessou o quarto com passos largos. — Não é de espantar que Alejandro tenha parecido uma opção atraente. Sua mãe é aterrorizante! Ela não aterrorizou você. Os braços a estreitaram. — Não. Mas me deixou furioso. Emmeline respirou fundo quando ele a apertou contra o peito. O corpo era musculoso, forte. A fragrância de sândalo excitava-lhe os sentidos e, com a orelha colada ao seu peito, sentiu o coração palpitar. Alejandro fora frio na cama. Achava que Makin não seria. Tampouco o julgava distante ou indiferente. 64


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter A ideia de ter Makin na cama nu ao seu lado era ao mesmo tempo excitante e assustadora. Ele era mais do que lindo, mas grande demais... Forte demais... Irresistível demais em todos os sentidos. Ficou satisfeita quando ele a deitou na cama. Afastou-se, tentando ver a situação com clareza. Ele a fitou, os braços cruzados no peito, enfatizando a largura do tórax. — Você é uma mulher adulta. Não lhes deve nada. Minha mãe acha que sim. — Percebi. — Balançou a cabeça enojado. — Por isso falei. Dei a ela o que queria: um nome. — Isso só vai piorar a situação. Ela vai esperar que você sustente o bebê... — Com o maior prazer. — Não, nada disso. O filho é meu e a responsabilidade é minha, não sua. O maxilar forte contraiu-se em protesto, e ela pensou que nunca ele lhe parecera tão forte, selvagem e másculo. — E o que quer que eu faça? Que deixe você com seus pais? Que permita que a massacrem? — Eu cuido deles. — Como fez no salão? Ruborizou-se; ergueu o queixo. — Não foi assim tão ruim. — Você perdeu o juízo? Foi horrendo. Um banho de sangue. Se seu pai tivesse falado e não a sua mãe, é provável que eu lhe desse um soco. — Makin! — Estou falando sério. — Aprecio seu apoio, juro, mas dizer que é o pai do bebê não é a solução. Precisamos contar a verdade antes que seja tarde demais. — A voz falhou e uma mecha do cabelo claro soltou-se do coque e caiu em seu rosto. — Por favor, entenda que embora eu aprecie sua defesa, já é hora de eu me defender sozinha... — Então o que quer que eu faça? Não faça nada? Permita que sua mãe a ataque? Destrua você? Sentiu um aperto no coração. Os olhos ficaram marejados de lágrimas. — Paus e pedras, Makin, se esqueceu? Ele a fitou por um longo período. — Mas a poesia está errada. Palavras podem ferir. Elas a trituraram. Por um segundo ficou sem ar: o peito ardia, o coração doía. — Ela não falava sério — sussurrou. — Parece pior do que é. Mamãe tem um gênio horrível. Ela ultrapassou os limites, Emmeline. — Tem razão, mas vai se acalmar e se arrepender depois. Acabará me pedindo desculpas, como sempre. — Isso não justifica. Encolheu os ombros. — Eu sei, mas sempre foi assim e não vai mudar. — O que quer eu que faça? — Volte a Kadar. Concentre-se na conferência, que é importante para você. — Você também é importante. Os lábios dela retorceram de leve. — Não tão importante quanto todas as autoridades reunidas em Kasbah Raha. 65


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Ele buscou-lhe os olhos. — Não vou permitir que ninguém mais a magoe. — Pode deixar. O pior já passou. Makin trincou o maxilar e uma veia saltou. — Tem certeza? Suprimiu qualquer vontade de pedir que ficasse; deveria deixá-lo livre. Era a única responsável por seus erros e não permitiria que seus problemas se sobrepusessem à vida dele. Estendeu a mão. — Espero que possamos nos despedir como amigos. A mão dele envolveu-lhe com vagar, o olhar mantendo o seu cativo. — Amigos — repetiu devagar. Ela aquiesceu e forçou um sorriso para ocultar a onda de emoção. Sentiria saudade. Passara a gostar dele. Mais do que deveria. — Podemos nos falar? Escrever-nos de vez em quando? — Isso me parece uma proposta.

66


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter

CAPÍTULO ONZE Após Makin sair, Emmeline jantou no quarto, incapaz de ver quem quer que fosse. Preferia que ele tivesse ficado. Não por precisar de um defensor, mas pela ótima companhia. Além de interessante, a fazia sentir-se interessante. Gostava de vê-lo atento às suas palavras, de como seus olhos fixavam-lhe a boca, do franzir das sobrancelhas. Ninguém jamais conversara tanto com ela. Nem lhe demonstrara tanto apreço. Pegou no sono morta de saudade e acordou pensando nele. Gostou de ter sido chamada pelo pai para o café da manhã; só assim tiraria Makin da mente. As mãos tremeram ao abotoar a blusa do conjunto de seda azul-marinho. O cinto de crocodilo chocolate combinava com os sapatos de salto. Um look elegante, discreto, perfeito para aquela manhã, depois das cenas teatrais da noite anterior. Colocou um colar de pedras de murano. Estaria à mãe à sua espera na biblioteca ou seria um encontro entre pai e filha? Uma daquelas conversas tensas em que ele falava sem parar e ela só ouvia? Não lhe restava opção. Com o cabelo preso num rabo de cavalo e usando apenas rímel de maquilagem, deixou o quarto. A cada passo, o estômago revirava. Makin já devia ter chegado a Kadar, onde o esperavam o amado deserto e o trabalho. Sentiu um aperto no peito, perto do coração. Bateu na porta da biblioteca e aguardou a permissão para entrar. Encontrou o rei William na enorme escrivaninha procurando algo na gaveta. — Eu não fazia ideia — disse os olhos fixos na gaveta, enquanto ela se detinha diante dele. — Gostaria que tivesse me contado. Ela cruzou as mãos. Embora desconhecesse o assunto, sabia que era melhor não interromper. — Teria ajudado se explicasse; evitaria a cena desagradável no salão — Ergueu a cabeça com olhar reprovador. — Foi um bocado desagradável. Sobretudo na presença de Al-Koury. Respirou fundo, odiando a palpitação sempre que ouvia qualquer menção ao nome de Makin. — Tem razão, pai. — Ao mesmo tempo, compreendendo o motivo de não ter contado nada. Entendo que Al-Koury quisesse primeiro falar comigo. Apreciei a cortesia. Fico feliz por ele ser um cavalheiro e querer pedir sua mão como convém... — O quê? 67


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Embora, para ser honesto, Al-Koury deveria ter primeiro pedido a sua mão e depois viajado com você. Foge ao protocolo, pois você era noiva de Zale. Meio presunçoso. Deixou-me numa saia justa, sobretudo com sua mãe. Bem, afinal somos humanos. — Pai — disse categoricamente. Ele não prestava atenção. Aliás, nunca prestara. Dando de ombros, continuou o discurso: — Para sua mãe é mais complicado, pois é muito conservadora e não se adaptou ao comportamento dos jovens de hoje. Para ela, o certo é casar primeiro e engravidar depois e não o contrário. Emmeline piscou. O pai falava francês, mas daria na mesma se falasse em mandarim ou grego. O que dizia não fazia o menor sentido. O rei ergueu a mão. — Prometi não criticá-la e cumprirei minha palavra. Também prometi que veríamos o lado positivo. Meus parabéns. Al-Koury será um bom marido. Você sabe que gosto de Patek, não posso negar, mas o sheik é muito rico. Cem bilhões, duzentos, talvez mais... — Pai! — Tem razão. Não deveria mencionar sua fortuna. Deixaremos para discutir isso depois do acordo pré-nupcial. Você tinha um contrato e tanto com Zale Patek. Com Al-Koury negociarei com o mesmo empenho. — Pai. — Fale Emmeline. — Não entendo. — Não se preocupe com o acordo. E assunto entre nós dois e os advogados. O dele deve estar a caminho enquanto conversamos. Calou-se, fitou-a um segundo e sorriu. — Sua mãe não aprovaria o que tenho a lhe dizer, mas estou orgulhoso de você. Fisgou um dos homens mais ricos do mundo, hein? Não é fácil de ser agradado e é evidente que adora você. Parabéns, filha. — Quando conversaram? — A noite passada. Depois que você subiu para descansar, ele me procurou. — Ele disse que ia para casa. — Talvez para o quarto. Foi convidado a se hospedar na Suíte Ducale. Achei que podíamos ter oferecido uma suíte melhor, mas sua mãe não está cem por cento satisfeita em ter um sheik de genro. Não se preocupe, acabará aceitando, como sempre. — Ele ainda está aqui? — Claro. — Pai, houve um engano. Ele bateu a gaveta. — Qual? — Na - não estamos noivos. — Não estavam até Makin pedir sua mão e eu concordar. Aposto que vai lhe dar a aliança hoje. Ele não me ama, acho que nem gosta de mim. — Com certeza, gosta o suficiente para engravidá-la. — Mas, papai... 68


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Foi interrompida pelo toque do telefone antigo que ocupava um canto inteiro da mesa. — Já disse tudo o que pretendia — comunicou, erguendo a voz. — Ele vai colocar uma aliança em seu dedo e sua mãe ficará mais calma. Agora preciso atender esse telefonema. — Ele não é o pai da criança. — Emmeline, não estou ouvindo. Vemos-nos às sete da noite para uns drinques seguido do jantar de noivado. No corredor, Emmeline colocou as mãos nos quadris e respirou fundo repetidas vezes, tentando processar as palavras do pai. Makin não tinha viajado? Ficara e conversara com seu pai? Pedira sua mão em casamento? O que planejava? Desejando ter comido mais no café da manhã, dirigiu-se à Suíte Ducale, porém Makin não abriu a porta. Bateu de novo, com mais força. Uma criada apareceu no quarto em frente. — O sheik desceu Sua Alteza. Está tomando café no terraço. Emmeline agradeceu e encaminhou-se para o terraço onde encontrou Makin saboreando o café da manhã à luz matinal. — O que deu em você? — perguntou, com voz trêmula. Sentira falta dele de manhã e sonhara em vê-lo, mas não nessa situação. — Problema sanado — respondeu calmamente, adoçando o café. — Não, complicou a situação em vez de resolvê-la. — Por quê? — Encontrei meu pai na biblioteca vibrando diante da expectativa de colocar a mão em parte do seu dinheiro, o que não vai acontecer porque não vamos nos casar. — Eu disse que vamos. — Já soube, mas não me perguntou... —Ainda não, mas você precisa de proteção e casando-se comigo... — Quanta arrogância! — Não é verdade? — Não quero me casar com você. — Por quê? As sobrancelhas dela se arquearam. — Precisa dos motivos? — Preciso. Incrédula, balançou a cabeça. — Você é arrogante, controlador e tem amantes. — Já terminei meu relacionamento com Madeline. — Você é louco! — Não seja tola. E melhor para o bebê e você sabe disso. — Pode ser melhor para o bebê, mas não para mim. Por que não? Nunca desejei esse tipo de casamento. Se quisesse um casamento de conveniência, teria me casado com Zale. Não preciso de você e de meu pai barganhando na biblioteca. — Não seja dramática. — Talvez eu seja. — Desabou na cadeira. — Você sabe que não combinamos. Só me pediu em casamento por causa dos gritos de minha mãe. 69


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Ela fala alto. — Viu? — Emmeline estava à beira das lágrimas. — Você pediu a minha mão por odiar excessos e não se sentir confortável com gritos e soluços. Por isso assumiu o controle. Ele tomou um gole de café. — É mesmo? — É. — Interessante, mas falso. Sem dúvida, sua mãe fez uma cena no salão e revelou um ângulo desconhecido de sua personalidade. Sinceramente, espero nunca mais ter de assistir a tal escândalo. No entanto, está enganada quanto ao resto. Eu sabia exatamente o que fazia. Por um instante, não soube o que dizer. — O quê? — Sabia o que fazia ao deixar seu quarto. Minha intenção era falar com você. — Por pena — sussurrou. — Por não suportar a ideia de ficar de mãos atadas. Os cílios negros escondiam-lhe a expressão. — Você interpretou mal. Não fiz porque precisava, mas porque podia. E queria. — Em que isso vai ajudar? Isso muda tudo, Seu bebê terá um sobrenome, uma família. Casando-se comigo terá segurança e respeito. — Exceto o seu amor. — Como pode afirmar? — Porque sei. Fui adotada por pessoas com boas intenções que me cobriram de bens materiais. Nunca me senti amada. Não quero isso para o meu filho! Não esperou pela resposta. Deu-lhe as costas e desceu correndo as escadas. Num turbilhão de emoções, correu os saltos altos afundando no gramado. Que ódio! Como ele pudera agir assim? Depositara sua confiança nele, acreditando que ele a protegeria. Segurou as lágrimas e andou em círculos, mas de nada adiantou. Sentia-se traída. Pior, sabia que ele tinha razão. Casar-se com ele mudaria tudo. Garantiria ao filho uma vida segura e luxuosa, com aviões, escolas particulares e segurança 24 horas. O bebê seria invejado, admirado, paparicado pelo simples fato de ser filho do sheik Al-Koury. Incrível o poder do dinheiro e do prestígio. Seria uma tola de recusar tudo isso por querer mais. Por precisar de amor. Engoliu em seco, dilacerada entre a consciência de que Makin poderia dar uma vida confortável ao filho e o desejo de liberdade e independência, não obstante saber que pagaria um preço alto por isso. O ser humano podia ser cruel e transformar a vida da criança num inferno. Emmeline se deteve, observando os canteiros de rosas. As flores ainda não haviam desabrochado. Sentia-se como as roseiras — nua, espinhosa, detestável. — Não me chamo William. — A voz furiosa ressoou na entrada do jardim. — Nem Claire. Sou Makin Tahnoon Al-Koury e se estou aqui é por opção. Não 70


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter precisava vir a Brabant. Poderia ter despachado você, mas não agi assim. Quis acompanhá-la. Estar ao seu lado quando anunciasse a gravidez. — Queria presenciar minha humilhação? — Não. Certificar-me de que está bem. Ontem, quando ouvi sua mãe arrasá-la, me dei conta de que você precisava de mim. De alguém que a enfrentasse. Que protegesse você. E eu posso e quero. — Por quê? Pode ser altruísta quando se trata de países do terceiro mundo, mas não tenho paciência com pessoas mimadas e egoístas como eu. — Eu não lhe conhecia. Achei que sim, mas me enganei. Agora percebo que gosto de você. — Gosta, mas não me ama. Nem pretende me amar. O olhar prateado a examinou dos cabelos louros aos pés calçados nas sandálias de salto. — Não preciso de amor para desejá-la. — Fez uma pausa para que ela tivesse tempo de digerir as palavras, observando-a com intensidade. — E eu desejo você. Ela o fitou, o coração disparado. — Quer dizer... Meu corpo. — Você. — Mas não me quer. Os lábios dele se curvaram, a expressão tensa. — Como quero... — afirmou aproximando-se e a puxando contra si. Retesou-se ao sentir o calor do corpo dele e pensar no beijo em Raha. Ao mesmo tempo meigo, fora intenso, avassalador e lhe despertara o desejo. Não podia correr o risco de alimentar esperanças. — Não. Engasgou, tentando se desvencilhar. Ele tapou-lhe a boca, silenciando o protesto. Não foi um beijo meigo, indeciso, mas apaixonado. Estremeceu ao sentir a língua penetrar em sua boca, como se lhe pertencesse. Ledo engano. Não pertencia a ninguém. Debateu-se, invadida pelo pânico, mas ele era forte. Não seria comprada nem vendida. Não passaria de um homem para outro. Não viveria submissa. Furiosa, mordeu-lhe o lábio inferior. Ele esbravejou e ergueu a cabeça, afrouxando o abraço. Os olhos faiscaram. — Por que isso? Ela lhe socou o braço. — Não sou sua propriedade. — Eu sei. E uma mulher, não um objeto. — Então por que negociar com meu pai antes de falar comigo? — Tentava ajudá-la. — Você é igual a todos os homens. Não respeita as mulheres. — Mentira. Sempre alimentei profunda admiração por minha mãe. Ela lidava com situações complexas com dignidade e nunca respeitei tanto um ser humano quanto a ela. — O que ela fez para se tornar tão admirável? — Era uma européia casada com um sheik do Oriente Médio. Precisou lidar com a doença do meu pai. Era meu modelo de força e coragem. E acima de 71


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter tudo, era amorosa. Amava meu pai. — Hesitou, encolheu os ombros. — E me amava. — Isso a torna extraordinária? —Sim. A afirmação foi expressa com tamanha convicção que ela de imediato acreditou nele. De repente, a revolta perdeu o sentido. Emmeline exalou. — Mas você se empenha tanto em trabalhos humanitários... — Certo, porque não preciso de muito. Tenho dinheiro. Fui abençoado com boa saúde. Sempre me senti amado. Portanto, posso me permitir concentrar-me nos outros, o que me permite doar. — Não há nada que queira? Nada de que precise? — Não disse isso. Quero você. A voz profunda causou-lhe um arrepio. Quero você. Demonstrava tanta determinação que sentiu outro arrepio de choque e prazer. Alejandro dissera desejá-la, mas sempre fora um playboy, bonito, mas conquistador. Makin era diferente: orgulhoso, poderoso e extremamente focado. Quando disse que a queria, ela acreditou em sua sinceridade. — Por que eu? Ele ficou em silêncio, os olhos semicerrados. — Tem noção do quanto vale? — Sou uma dor de cabeça cara, sheik. Um constante problema. — Apesar do sorriso, os olhos pinicavam. — Todo mundo precisa de atenção. E princesas — sobretudo princesas lindas — são caras. Ela riu. O olhar dele fixou-se na boca de Emmeline como se a achasse fascinante. — Andei pesquisando sua carreira na equitação ontem à noite depois que foi dormir. — E mesmo? — Vi inclusive vídeos de competição. Você era fantástica. Sua família tem ideia do seu talento? Não sou tão talentosa assim. Quando entrei na equipe olímpica, cai... — Ouça bem. Você entrou na equipe olímpica. — Baixou a voz. — Entrou. Repito para chamar a atenção para o fato de que sua família não a incentivou quando deveriam ter lhe dado apoio e amor incondicional. Emmeline desviou o olhar, comovida com o orgulho expressado na voz dele. Sabia que ele não falava por falar, mas acreditava que ela era merecedora de amor... Amor incondicional. A afirmação a fez ansiar por todas as coisas não experimentadas e ainda desejadas. Amor. Segurança. Felicidade. Após se certificar de ter recobrado o controle, olhou-lhe a boca. — Machuquei você? Ele lambeu o lábio. — Saiu um pouquinho de sangue. Nada grave. — Eu tirei sangue de você? — Você tem uma mordida e tanto. Sabia que ele brincava, mas se sentiu mal. — Desculpe. 72


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Tudo bem. No fundo, fiquei feliz por ter se zangado. Por ainda reagir. A vida não é fácil e não se deve entregar os pontos. — Seria esse seu ensinamento ao bebê? — Sem dúvida. — Mesmo se for uma menina? — Principalmente. A vida é difícil; você vai enfrentar adversidades, ser derrubada. Mas faz parte da vida, então levante, sacuda a poeira e dê a volta por cima. — Achei que só os fracos fossem derrubados. — Todos são. O segredo é se levantar de novo. Por isso dou tanto valor ao poder da mente. Não queremos que as dificuldades nos derrotem, mas que nos tornem mais resistentes. Permaneceu pensativa. — Se pensar no bebê, casar com você é definitivamente a atitude acertada, mas não é fácil para mim. Sou muito orgulhosa. Odeio depender dos outros. Não preciso que corrijam os meus erros ou resolvam meus problemas. Isso é responsabilidade minha. Não sou uma coitadinha ou idiota... — Ótimo. Jamais me casaria com uma. Emmeline o fitou, orgulho e bom-senso duelando. Casando-se com ele o filho teria um nome, lar, legitimidade. Apesar disso, alimentava esperanças e sonhos... Como casar-se com o homem amado. — Seria tão fácil concordar e deixar que você se comportasse como o príncipe encantado e pusesse ordem na bagunça... Mas não é o que quero de um homem. Não mais. — O que quer? — Ser o príncipe. Erguer a espada, cavalgar um cavalo branco e destruir os dragões. — Riu ao imaginar o quadro, embora fosse real. Cansara de ser desprotegida. — Existe uma pessoa forte dentro de mim. Só preciso encontrá-la e libertá-la. — Acho que está no bom caminho disse ele, tomando-lhe a mão e entrelaçando os dedos aos seus. A mão de Makin era quente, forte. Olhou os dedos entrelaçados, o contraste entre a pele dourada e a alva. Era tão gostoso. Sentia-se bem ao lado dele. Talvez um dia viesse a ser como Hannah ou a mãe dele. Talvez um dia ele a respeitasse... Quem sabe até a amasse. Você terminou mesmo com Madeline? — Terminei. — Por quê? — Porque quando nos casarmos amanhã deixarei todas as outras de lado. Fala sério? — Claro. — Então, nosso casamento será... Real? — Claro. Por que o espanto? — Só estou nervosa. Ele a conduziu ao banco perto do relógio de sol e botou-a no colo. Emmeline corou ao sentir-lhe os músculos das coxas, a masculinidade e se mexeu, pouco à vontade. 73


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter —Qual o motivo do nervosismo? — perguntou acariciando-lhe o rabo de cavalo. Ela gostou da carícia reconfortante. E um tanto ou quanto sexy. — Na - não tenho muito experiência. Você contou que Alejandro foi o primeiro. — E eu não gostei. Ele a virou para encará-la. — A primeira vez não costuma ser a melhor. — Acho que ia continuar sem gostar mesmo depois de umas trinta vezes... Com ele. Gostou do beijo? — Não senti nada. — E do meu? O rubor tomou conta do rosto dela. Desviou o olhar. — Foi bom — admitiu de má vontade. — Só bom? Ela voltou a fitá-lo. Ele tentava não rir. — Está querendo elogios? — Não. — Parece. — Sou bastante autoconfiante nesse departamento. — Confiante demais. — Você acha? — E possível. — Podemos testar a teoria? — perguntou e a beijou. Quando Makin curvou a cabeça, o cheiro doce e suave imediatamente o deixou excitado. Entretanto, a beijou suavemente, sabendo que tinha todo o tempo do mundo porque ela seria sua. Sua mulher. Sua amante. A mãe de seu filho. Não importa se a isso se dava o nome de carma ou destino, mas fora feita para ele e a beijou como se fosse à primeira vez e descobrisse o formato dos lábios, a maciez da boca. Sentiu Emmeline vibrar. Puxou-a para mais perto, sem, contudo se apressar. Talvez um dia ela virasse um cavaleiro ou um príncipe valente. Por enquanto, a autoestima era baixa. Nem se conhecia. Nesse instante, assemelhava-se à Bela Adormecida. Precisava ser despertada com um beijo, um beijo que a conscientizasse de sua beleza, de seus atrativos, e de que não corria perigo. Jamais a magoaria. Sempre a protegeria. Mas primeiro era preciso que ela soubesse disso. Depois, que ele a desejava. Porque era a verdade. Deslizou a ponta da língua pelo lábio superior dela e sentiu os mamilos enrijecidos contra seu peito. Lambeu-lhe o lábio inferior e ela gemeu. Ela se entregou o corpo moldando-se ao dele e foi necessário todo seu autocontrole para não lhe desabotoar a blusa ou tirar-lhe a saia e acariciar a pele desnuda. Queria sentir a maciez sedutora, explorar as curvas tentadoras. Ansiava por tê-la nua, molhada, mas precisava se certificar de que ela estava pronta. Não apenas física, mas emocionalmente. 74


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Sua primeira experiência a traumatizara. A segunda precisava ser perfeita. Relutante, ergueu a cabeça. Fitou-a. Os olhos haviam adquirido uma tonalidade escura, sombreados pela paixão. Case-se comigo, Emmeline. — E o que ganha com isso, Makin? Roçou-lhe os lábios, provocando-lhe um arrepio. — Você.

CAPÍTULO DOZE Fora combinado um coquetel antes do jantar com os pais naquela noite, no salão preferido de seu pai, mas a mãe ainda não aparecera. Sentada no estreito sofá de dois lugares com Makin, Emmeline sentia-se pouco à vontade com a coxa dele pressionada à sua. O calor dele a esquentava. Não conseguia relaxar, os pensamentos caóticos. Afinal, fora assim o dia inteiro, desde que acordara e descobrira que Makin havia lhe pedido a mão. O que não fazia sentido. O menor sentido. Por que faria isso? Disse que a desejava. Mas isso, tampouco, fazia sentido. Definitivamente... Emmeline lançou-lhe um olhar desconfiado. Ele era alto, poderoso, rico, maravilhoso... Podia escolher a mulher que quisesse. Por que ela? Estranho... O pai devia ter lhe feito alguma oferta. Porém, Makin era um dos homens mais ricos do mundo. Não precisava de dinheiro. — Se seu pai não estivesse aqui, eu tiraria esse olhar de seu rosto com um beijo — sussurrou para só ela ouvi-lo. Emmeline levou o copo de água gelada à barriga e murmurou: — Pare de agir como o homem das cavernas. Não sou um objeto que você possa agarrar e arrastar para perto do fogo. — Não? Gostei da ideia. Lançou-lhe outro olhar reprovador. Ele nem se alterou. — Você é insuportável. Por favor, chegue para lá. Está me sufocando. — O que era verdade. Espremidos naquela poltrona apertada, pareciam recémcasados. Apaixonados. Que cara impertinente! Autoconfiante e atraente. Voltou a fantasiá-lo na cama. A respiração ficou presa na garganta, os seios sensíveis. — O nome disso é aconchego, Emmie. — Tudo bem, mas eu não gosto. — Porque sentada tão pertinho dele não conseguia ver, ouvir, sentir ou pensar em nada a não ser nele. E naquele beijo. E na sensação das mãos em seu corpo. E nas emoções experimentadas enquanto ele a abraçava... Adorara quando ele a abraçou. Adorara a boca na sua, o corpo colado ao seu... Nunca se sentira assim. Nunca desejara ninguém antes de Makin, Mas queria mais do que apenas beijos e carícias. Queria ele todinho. 75


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter O que era tão atordoante... — Não fui eu que escolhi o aposento, nem o sofá — retorquiu ele. Verdade. Esse era o aposento reservado aos amigos íntimos e à família. De pé direito alto e janelas cobertas por cortinas de veludo verde-escuro, o aposento exibia peças antigas passadas de geração a geração, confeccionados centenas de anos atrás por pessoas definitivamente mais baixas do que as de hoje. — Por que a demora? — perguntou o pai, franzindo o cenho. —Acho que vou ver o que houve com sua mãe. — Se quiser, posso ir. Ofereceu-se Emmeline, aproveitando a oportunidade de escapar. — Não, eu vou. Makin a fitou quando a porta se fechou um sorriso moleque nos lábios. — Bela tentativa. Ela se levantou e afastou-se. — Tudo é tão... Falso. — Como assim? — Nosso noivado... — De jeito nenhum. Pedi sua mão em casamento. Vamos nos casar amanhã... — Calou-se. — Por falar nisso, você está linda. A voz demonstrava admiração; o olhar percorria o ombro nu, o tecido ameixa e rosa ressaltando os seios e o ventre reto, abrindo em evasê até os pés. — Acho que nunca vi você tão bonita. Ela olhou o decote assimétrico do vestido e os quadris de onde abria a saia rosa. Um vestido justo, que em um ou dois meses já não caberia. — E a roupa — disse tocando o corpete cravejado de cristais. — Um bom corte faz maravilhas. — Ao contrário, Emmeline. O modelo realça o vestido maravilhoso. — Estendeu a mão. — Tenho um presente para você. Vacilou ao fitá-lo, ocupando a poltrona estreita. Ainda se recordava da sensação de tê-lo próximo, do calor dos quadris, do músculo da coxa pressionada contra a sua perna. — Você me deixa nervosa. — Por quê? — Não sei, mas sempre que estou perto de você, fico agitada. — Então eu vou aí. — Deixou o sofá, aproximou-se e abriu uma caixa de jóias. Emmeline surpreendeu-se com o enorme brilhante do anel exposto no veludo azul-escuro. — Me dê à mão. Os dedos se fecharam. Não conseguia desgrudar os olhos do anel. O diamante era imenso. Quatro quilates? Cinco? — Isso é o que eu estou imaginando? — sussurrou a boca seca. — É. — Não posso aceitar. Por que não? — E ridículo Makin. Extravagante demais. Um anel menor teria sido melhor... — E o anel de casamento de minha mãe. — Ah! — Exalou, lançando-lhe um olhar culpado. — Sinto muito. Não pretendia... — Você tira conclusões com demasiada rapidez. O coração dela palpitava. 76


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Eu sei. Outro defeito meu — murmurou, estendendo a mão esquerda. Tremia quando ele enfiou o anel em seu dedo. A pedra imensa, incrustada de diamantes menores, era deslumbrante. Tahnoon Al-Koury presenteara Yvette, mãe de Makin, com esse anel e agora ele a presenteava. Sentiu um aperto no coração. — E maravilhoso. — Igual a você. Ergueu o rosto, os olhos lacrimosos. — Não. — Como pode dizer isso? — Porque não sou. — Já se olhou no espelho? — Já. — E o que vê? — Defeitos. — Mordeu o lábio inferior. — Não sou a mulher mostrada nas revistas. Não sou aquela princesa lindíssima. — Graças a Deus. Ela inclinou a cabeça, fitando-o. — Não quero uma mulher linda e irreal. Quero alguém real como você. Calou-se com a chegada dos pais dela. A mãe os conduziu ao Salão Crimson. A mesa elegantérrima exibia louça e prataria reais. O cristal brilhava sob os candelabros antigos. Durante a primeira meia hora da refeição, o ambiente transcorreu tenso, mas o vinho corria à solta e quando o prato principal foi retirado, a rainha Claire ganhou vida. Nervosa, Emmeline fitou a mãe, sabendo que o álcool sempre deixava o pai mais quieto e a mãe mais solta. Claire se tornava muito falante, praticamente verborrágica. Makin ainda tomava a primeira taça de vinho. Emmeline tentou adivinhar os pensamentos dele. Ao perceber-lhe o olhar, ele sorriu, deixando a ainda mais confusa. Ele era lindo demais. Encabulada, olhou a mão esquerda, repousada no colo e o maravilhoso anel de noivado. Nunca vira pedra tão clara, tão delicada; absorvia a luz do fogo com nesgas de azul, branco e prata. Ergueu o rosto e descobriu que ele a olhava intensamente. Amanhã à noite estariam casados. Marido e mulher. E pelo que ele dissera, pretendia exercer suas prerrogativas de marido... — Não diga que não avisei — repetiu Claire, fazendo sinal para um dos lacaios encherem seu copo. — Sempre foi um problema. Desde bebê. Nunca vi bebê tão chorão. Emmeline voltou a sentir o olhar de Makin, mas dessa vez, desviou o rosto com um sorrisinho. Não era um problema. Não sabia o motivo de a mãe sempre achar isso. Não que Claire tivesse demonstrado interesse em conhecê-la. Raramente ficavam a sós. Os pais viviam ocupados. Emmeline fora criada por babás e preceptores, antes de ser mandada para um colégio interno de meninas na França, logo após completar 14 anos. O colégio tinha a reputação de ser severo, mas ali fora feliz. Havia regras lógicas e castigos apropriados, dependendo do delito. Emmeline não se importava por ser proibido o convívio com meninos. 77


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter A escola era o lugar onde escapava do olhar frio da mãe e da permanente tensão no castelo. — Não pode culpá-la, Claire, ela era muito miudinha ao nascer. — Intercedeu o pai, deixando de lado o habitual silêncio. Fitou Makin a testa franzida, os olhos cinza unidos. — Pesava menos de dois quilos quando a pegamos. Acho que a babá tentou vários tipos de leite até encontrar um que Emmeline aceitasse. —Viu? Sempre foi impossível satisfazê-la — acrescentou Claire com arrogância. — Mesmo bebê era temperamental. Chorava horas seguidas. Recusava-se a ser consolada. — Bebês choram — disse William. Emmeline olhou o pai, surpresa por ele ter tomado a sua defesa. Raramente discutia com a mãe, mas talvez o vinho tivesse lhe incutido coragem. A expressão de William suavizou-se ao fitá-la. — Você está linda, Emmie. O cumprimento a emocionou. Abriu os lábios num sorriso. — Obrigada. E o vestido... — Não é o vestido — interrompeu-a. — E você. Cresceu e está... Igualzinha a ela. — A quem, papai? — William! — repreendeu-o Claire. William ergueu a mão exigindo silêncio da esposa. — A sua mãe. — Eu sou a mãe dela — corrigiu-o Claire firmemente. — A mãe biológica — emendou William. Emmeline se arrepiou. Surpresa fitou Claire e, em seguida, o pai. — Vocês conheceram minha mãe biológica? — Conhecemos — respondeu o pai sem hesitação. — E acreditamos que, levando-se em conta a cerimônia amanhã, você também deve saber quem ela é. O coração de Emmeline quase saiu pela boca. As mãos tremiam. — Quem é? Como é? Eu já a encontrei? — As palavras saíram em borbotões. — Claro que já a encontramos — respondeu a rainha Claire bruscamente. — Não adotaríamos um bebê qualquer. Adotamos você por ser... Diferente. — Diferente? — perguntou, espantada. Claire tomou um gole de vinho. — Especial — acrescentou em tom frio. — Você não era um simples bebê. Fazia parte da família real. Um momento atrás o coração de Emmeline acelerara. Agora era a vez de o sangue congelar em suas veias. — Real? — Sua mãe era a princesa Jacqueline — informou o pai, erguendo-se. — Minha irmã. Emmeline balançou a cabeça. — Não... — E verdade — disse Claire sem rodeios, com voz levemente enrolada, olhando a taça de vinho vazia com certa irritação. —A irmã caçula de William. Quantos anos tinham de diferença? Dez? 78


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Ele se deteve, as mãos espalmadas na mesa. — Doze — respondeu em tom grave. — Ela não foi planejada. Meus pais tinham desistido de outro filho. Ela foi uma surpresa e tanto. — A voz estremeceu. — Todos a adorávamos. Nunca imaginaram que a afastando... Nunca lhes passou pela cabeça... Foi um erro terrível. Sentiu a cabeça girar. — Não entendo. Minha tia Jacqueline morreu aos 20 anos de uma doença cardíaca rara... — Essa foi uma história fabricada para ocultar do público as circunstâncias da morte de Jacqueline — afirmou Claire com grande contentamento. — Sua mãe morreu no parto. Pronto, já sabe a verdade. Por um momento reinou o silêncio, interrompido por Emmeline. — Durante todos esses anos esconderam a verdade de mim. Por quê? — Não pareceu relevante — respondeu Claire. Emmeline exalou. — Talvez não para vocês, mas para mim representa muito. Claire bateu com a mão na mesa. Por que é tão importante? — Porque sim. Isso é resposta? — É — Emmeline se ergueu, pressionando as mãos na mesa. Tenho todo o direito de me sentir assim... De ser quem quero ser. Acho que vou deixar o café e a sobremesa para depois. Com licença. Voltando-se para Makin, abriu um sorriso devastador. — Querido, me acompanha? Makin jamais esqueceria aquele momento. Teve vontade de bater palmas, mas julgou inoportuno. Contudo, esse... Era o motivo de desejá-la. Por isso ela era sua. Era brilhante. Deslumbrante. Majestosa. Ouvira em silêncio a revelação quanto à mãe biológica de Emmeline, revoltado por William e Claire terem lhe ocultado a verdade e ainda mais enojado por terem escolhido aquele dia para dar a notícia. Mas o que fazer? Emmeline lidara com a situação demonstrando graça, força e dignidade. Amou-a ainda mais por isso. Definitivamente era a princesa d'Arcy. Filha da princesa Jacqueline d'Arcy, amada em toda a Europa. Jacqueline ficaria orgulhosa. Ergueu-se e abotoou o smoking. — Claro — disse com firmeza, oferecendo-lhe braço. As pernas de Emmeline pareciam gelatina ao saírem para o hall; aliviada por contar com o braço de Makin. Grata por seu apoio. As pernas dela continuavam bambas ao subir a escadaria. Segurou com força o braço dele, achando que não teria superado a revelação sem ele. Ele lhe transmitia confiança. Deixava Emmeline segura. Forte. Como se tivesse importância. E de alguma forma, com ele, quase acreditava nisso. Engoliu em seco ao se aproximarem do quarto. Andou de um lado para o outro, agitada demais para se sentar.

79


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Não era a filha de um plebeu de Brabant. Sua mãe tinha sido a princesa Jacqueline, a mais linda princesa da Europa, e morrera no parto. Morrera ao lhe dar a vida. Terrível. Trágico, mas ao menos agora sabia a verdade. — Então agora você sabe — disse Makin com calma, os braços cruzados. — De um modo horrível, mas sabe. Acabaram-se os segredos. Os esqueletos saíram dos armários. Agora ficou tudo às claras. Emmeline voltou-se. — Se eu não tivesse nascido ela ainda estaria viva. — Se os pais não a tivessem exilado para ter a filha às escondidas, poderia ter sobrevivido. — Você acha? — Claro. Ela aquiesceu; esfregou os braços. — E aqui estou eu, 25 anos depois, solteira e grávida também. — Erros acontecem e aprendemos com eles. Graças a eles crescemos. E espero começar uma família graças a ele. Acho que vai ser bem interessante. Os lábios curvaram-se num sorriso indeciso. — Certamente será uma mudança. — E uma aventura. — Ele retribuiu-lhe o sorriso. — Você me faz bem. Estou mudando. Sinto-me vivo. — E você me transmite confiança, força. — Você sempre foi forte. Apenas não tinha se dado conta. — Gostaria que fosse verdade. — E é. — Ele cobriu a distância que os separava e pegou suas mãos nas dele. Beijou uma palma, depois a outra e por último a boca. Nesse instante, a porta se abriu e uma tosse abafada se fez ouvir do corredor. Makin ergueu a cabeça. Emmeline, ruborizada, fitou o pai plantado no corredor carregando uma enorme bolsa. — Estava entreaberta — desculpou-se, irritado. — Posso voltar mais tarde. — Não — exclamou ainda afogueada. — Entre, por favor. William hesitou. — Não sei se vai caber, mas era de Jacqueline. Usou esse vestido no baile de debutante. Mamãe o guardou e achei que talvez quisesse usá-lo no casamento... — A voz falhou. Engoliu em seco. — Já pode ter comprado outro... — Adoraria usá-lo — interrompeu-o, pegando a bolsa pesada. Não precisa tê-lo trazido. Poderia ter mandado um dos empregados pela manhã. — Eu sei. Claire disse o mesmo, mas eu queria vê-la, certificar-me de que está passando bem. — Entre — repetiu, levando a bolsa para a cama. — Vou deixá-los a sós para conversarem. — Makin deu outro beijo nos lábios de Emmeline antes de sair e fechar a porta. William, plantado no meio do quarto, enfiou as mãos nos bolsos. — Cheguei ao momento errado. — Fico feliz por estar aqui. Gostaria de saber tantas coisas... — Já imagino. Sei que a atitude de meus pais pode parecer cruel, mas eram antiquados; foram criados numa época em que se escondia o fato de uma filha 80


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter engravidar sem ter se casado. Acreditavam agir certo e assim proteger Jacqueline. Não faziam ideia do que aconteceria. — Não me lembro de meus avôs como pessoas cruéis — comentou, sentando-se. — Não eram — afirmou. — E perder Jacqueline os arrasou. Era sua filhinha querida. Nunca se recobraram. Depois do funeral, papai mudou-se para um castelo fora da cidade e mamãe permaneceu aqui para ficar perto de você. — Vovó cuidava de mim? — perguntou Emmeline. — No começo vinha todos os dias. Claire e ela brigavam por sua causa. Discussões terríveis... — Deu uma gargalhada ao se sentar pesadamente, mas a risada soava dolorosa. — Sinto muito. Fizemos tudo errado. Nosso único objetivo era proteger Jacquie e você. Não deu certo. Nunca se esqueça: a verdade é sempre a melhor opção. Ela acenou, pensando ter chegado o momento de lhe contar. Ele se abrira, instaurara a confiança entre eles. Contaria a verdade e confessaria que Makin não era pai de seu bebê, e sim Alejandro Ibanez. Que como este falecera, Makin se propusera a desposá-la movido pelo senso de dever. Sabia que o pai a liberaria do compromisso de noivado. Não insistiria no casamento uma vez revelada a verdade. Entretanto, antes que pudesse encontrar as palavras adequadas, William tomou-lhe a mão e a levou ao rosto. — Não imagina como estou feliz por você. — Apertou-lhe os dedos, tomado pela gratidão. — Não faz ideia do que significa para mim você ter o que sua mãe nunca teve. A oportunidade de se casar com o homem que ama levar uma vida normal... O mais normal possível para uma princesa. A garganta de Emmeline se trancou ao vislumbrar as emoções — dor, alívio, esperança — passarem uma a uma pelo rosto enrugado. Sua vida fora bem mais sofrida do que jamais imaginara. — É difícil levar uma vida normal quando se faz parte da realeza, não é? — perguntou. — Muito. Sobretudo quando se é linda como você. — Beijou-lhe a testa. — Fico feliz por ter encontrado Makin. Ele não é o tipo de ceder ao faz-de-conta. Pode ter certeza de que vai se casar com você pelos motivos certos. Durma um pouquinho, querida. Boa noite.

81


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter

CAPÍTULO TREZE Makin observou Emmeline atravessar a capela do palácio de braço com o pai. O rei William trajava o uniforme real das Forças Armadas de Brabant usado há 21 anos. Desfilava a postura ereta e orgulhosa dos militares. Emmeline prendeu a atenção de Makin, tirando-lhe o fôlego no vestido branco de debutante da mãe e uma tiara nos cabelos dourados. O corpete sem alças realçava-lhe os seios e a cintura e descia em pregas esvoaçantes exibindo rosas em tom marfim dispersas que se concentravam na proximidade da barra. A saia de seda atraía a luz, criando sombras. Não poderia ter escolhido vestido mais lindo para o dia do casamento. Para Emmeline, a breve cerimônia passou num piscar de olhos. O órgão tocava uma música alta e alegre demais. Ela e o pai caminharam em direção ao altar, onde o pai e o bispo os aguardavam. Apenas a mãe se encontrava na igreja vazia. Sentiu o roçar do beijo do pai ao entregá-la ao noivo. Ouviu a voz do bispo e os votos de Makin. Repetiu os mesmos votos. O bispo voltou a falar e trocaram as alianças. Makin ergueu-lhe o véu e beijou-lhe os lábios. Ponto final. Estavam casados. Após a cerimônia religiosa, reuniram-se para o bolo e o champanhe. Emmeline apenas tomou um gole e comeu um pedacinho. Vislumbrou sua imagem no espelho do Salão Dourado. Não fora necessário mexer no vestido, o que significava que ela e a mãe tinham o mesmo corpo e altura. Esbeltas. Elegantes. Teve vontade de tirar o vestido, ir embora de Brabant. Tudo isso pertencia ao passado. Ansiava pelo futuro. — Já terminou? — perguntou ao marido. — Já — respondeu com olhar afetuoso. — Eu também. Vou mudar de roupa. — Vou ligar para a tripulação e avisar que em breve estamos a caminho. Emmeline vestira um tailleur rosa e ameixa, calçara saltos altos e colocava os brincos de pérolas quando alguém entrou no quarto. Viu a mãe parada. 82


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Vim oferecer minha ajuda, mas você já se aprontou — disse. — E — concordou, prendendo o outro brinco. — Já fiz as malas. Agora só falta pegar a bolsa. — Chamou alguém para buscar as malas? — A empregada chamou. — Precisa de... Dinheiro, de alguma coisa... Antes de ir embora? Os lábios se entreabriram num sutil sorriso, embora o rosto permanecesse impassível. — Não. Makin é bilionário. Cuidará de tudo. — Emmeline! Emmeline sentiu os olhos arderem. Engoliu com esforço, a garganta doída da emoção contida. — O que espera que eu diga? Há dois dias deixou bem claro o que sentia a meu respeito. Que eu era um estorvo, um problema, basicamente um fracasso... — Nunca disse que era um fracasso! — Mas disse que eu era um estorvo, um problema. A rainha respirou devagar. — Você não foi uma criança fácil. — Não sou mais criança, mãe. Tenho 25 anos... Sou uma mulher. Vou ter um filho e posso garantir que nunca o chamarei de problema ou estorvo. Que coisa horrível uma mãe dizer isso à filha. — Fui pega de surpresa. — Ao que parece, sempre é pega de surpresa. O silêncio abateu-se, o crepúsculo entrando e alterando a cor do tapete. Claire pigarreou uma, duas vezes. — Talvez não tenha sido a melhor mãe do mundo, mas tentei. Sei agora que não o bastante. Você sempre foi muito emotiva, carente... — Não vamos começar com isso. — Emmeline fechou os olhos recusando-se a ouvir o refrão familiar. — Ouça. Não me expresso bem. Não sou boa em palavras como você. Não me sinto à vontade compartilhando meus sentimentos. Nunca me senti. Mas isso não significa que eu não... Ame... Você. — E difícil pronunciar essa palavra, não é? — Muito. — Nunca ouvi à senhora conjugar o verbo amar antes. Firmou os joelhos, ergueu o queixo. Não desmoronaria. Não partiria em cacos. — Nunca disse que me amava. — Porque não era necessário. Sou sua mãe e você, minha filha. — Saiba que crianças gostam de ternura, de afeição. Sempre ansiei por isso, mãe. De manhã, de tarde e de noite. — Eu sei. É dona de emoções fortes, sente tudo com intensidade. Igualzinha à sua mãe. — A voz tremeu. — Todos amavam sua mãe. A morte de Jacqueline deixou seus avôs devastados. William também a adorava. Por isso quis você. — Mas a senhora não. — Quis, sim, Emmie. Dei o meu melhor, mas você vivia inconsolável. Durante os primeiros seis meses de vida, chorava dia e noite. Sua avó sempre a pegava no colo na tentativa de consolá-la e eu dizia que você era minha filha e queria pegá-la. E pegava. Costumava passear com você no colo horas a fio no berçário. William aparecia às duas da manhã e quando me via acordada, me 83


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter mandava para a cama. Mas eu ficava, determinada a ser uma boa mãe. Decidida a descobrir um modo de você me amar — lamentou-se, os olhos marejados de lágrimas. — Mas não deu certo. — Sempre amei a senhora. Quando criança, buscava todo o tempo sua aprovação, sem nunca obtê-la. — Você era tão parecida com ela. — Com Jacqueline? Claire assentiu. — E você se ressentia e se vingava em mim — concluiu. — Acho que sim. — Por quê? — Porque queria que fosse igual a mim. Sentada na limusine, Emmeline olhou pela janela. Tanta coisa acontecera em tão curto espaço de tempo... A morte de Alejandro. A revelação de que a princesa Jacqueline era sua mãe biológica. O casamento com Makin. E a cena com Claire. — Tudo bem? — perguntou Makin. — Tudo respondeu baixinho, o rosto desviado, o olhar fixo num ponto à distância. O coração pesava. — Aconteceu alguma coisa depois da cerimônia? — Como sabe? — Percebi a mudança em seu rosto, na sua voz. Incrível como ele a compreendia. — Minha mãe foi me ver. O que tinha a dizer? Emmeline sentiu-se emocionada e fechou os olhos. — Queria me dizer que, não obstante as aparências me ama. E eu confessei que sempre a tinha amado. Ele permaneceu um instante em silêncio. — Mas não foi um encontro afetuoso, satisfatório. — Não. — Ela riu, tentando conter as lágrimas. — Afinal, nada com ela é assim. A bordo do avião, acomodou-se na poltrona e entregou-se ao sono. Enquanto dormia, Makin ligou para o melhor amigo, o sultão Malek Nuri, para saber como transcorria a conferência. Malek relatou que tudo corria bem, mas que todos desejavam encontrá-lo. — Quando volta? — perguntou Makin. — Achei que fosse hoje; ou será amanhã? — Não, na verdade estou a caminho de Marquette. — Sua ilha no Caribe? — Isso mesmo. — Makin hesitou, sem saber como contar a novidade, pois a mulher de Malek, Nicolette, e as irmãs eram muito amigas, bem como parentes distantes de Emmeline. Malek e Nicolette também sabiam que Makin nunca admirara Emmeline. — Acabo de me casar — anunciou, considerando a objetividade a melhor alternativa. — Você o quê? — Casei com Emmeline d'Arcy. Malek Nuri era um homem bem-sucedido porque sabia se calar e falar nos momentos apropriados. No entanto, apenas riu. 84


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Meu amigo, achei que fosse apenas levá-la para casa. — E ia. — O que houve? — Não consegui deixá-la lá. Emmeline só acordou perto da aterrissagem. — Onde estamos? — perguntou olhando pela janela. Esperava ver um mar de areia, e não o mar azul. — No Caribe. Aterrissamos em minha ilha, Marquette, dentro de poucos minutos. Olhe pela janela: vamos ser presenteados com um maravilhoso pôr do sol. Ele tinha razão e Emmeline sentiu um arrepio de prazer. — Deslumbrante! — Dramático, não acha? Ela sorriu, achando engraçada a escolha da palavra. — Então às vezes dramático tem um bom sentido? — Tem. Às vezes dramático é perfeito. Na pista, um jipe branco sem capota os aguardava. A casa construída duzentos e cinqüenta anos atrás, em estilo colonial, tinha telhado de palha, pés direitos altos e muros de pedra para conservar o frescor interior. Enxergava-se o oceano de cada aposento. Os raios de luz transformavam o mar num emaranhado de cores. A casa, com móveis do período colonial, séculos XVI e XVII, trazidos da Europa, exibia antiguidades espanholas, francesas e inglesas. Os tecidos, entretanto, eram de linho branco, vermelho, verde e azul com estampas tropicais. Era uma casa alegre, pensou, seguindo Makin numa visita que terminou no espaçoso quarto principal. Uma vez terminada a visita, sua bagagem já se encontrava na suíte, as roupas penduradas e guardadas no closet e na cômoda de mogno. Makin a deixou sozinha para que tomasse banho e se arrumasse para o jantar. Com a porta fechada, rodopiou, os nervos à flor da pele. Pronto. Nada de quartos separados. Estavam casados. Dividiriam a suíte principal a partir de agora. Tentou controlar o pânico andando devagar pelo quarto, tentando se sentir confortável embora o olhar evitasse a cama king size, coberta com roupa de cama de linho branco, que parecia feita sob medida. Sabia que Makin pretendia consumar o casamento naquela cama, naquela noite... Um passo de cada vez, repetiu. Tome banho, mude de roupa, encontre Makin para jantar e deixe para se preocupar com o resto depois. Bom plano pensou trinta minutos mais tarde, mas não funcionaria. Não conseguiria. Como encontrá-lo para jantar e depois ir para a cama com ele, como se fosse à coisa mais normal do mundo? Mal o conhecia. Já o beijara, mas não podia chamar aquilo de relacionamento. Ainda lutava contra o pânico quando a empregada bateu na porta e perguntou se Sua Alteza precisava de ajuda. Como o resto dos empregados, falava francês. 85


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Por favor, poderia avisar o sheik que não passo bem e não jantarei com ele? — pediu, sem abrir a porta. — Não vai jantar com ele, Alteza? — Por favor, diga que não me sinto bem e vou dormir.

CAPÍTULO CATORZE Makin nem ao menos bateu. Adentrou o quarto e o banheiro onde ela ainda estava na banheira. A essa altura, a água estava quase fria. — O que houve? — perguntou, olhando-a do coque até as pontas dos dedos dos pés do lado de fora da água. — Precisa de um médico? — Não. — Está passando mal? —Não. — Está com cólica? Enjoada? — Não! — exclamou sentindo-se culpada e mergulhando um pouco mais. — Só estou... Cansada. — Cansada? — Isso. Acho que vou dormir... Entende? — Então não está doente? Despenteou o cabelo. — Então está absolutamente bem? — Além do cansaço, estou. — Faz ideia do quanto me assustou? Achei que sentisse dor. Que estivesse perdendo o bebê... — Não... Está tudo bem. Eu só... — Desviou o olhar, mas mudou de ideia evitava você. — Isso tudo para me evitar? — Sim. Fiquei nervosa ao pensar na consumação do casamento, então decidi me esconder na banheira. Melhor assim? — Não. Agora se sentia tola, desajeitada e zangada consigo mesma. Como se imaginar a heroína de uma história se não tinha sequer coragem de enfrentar o marido? — Sou covarde. Bem, isso você já sabe. Estou congelando nessa água fria porque decidi me proteger. Isso faz você se sentir melhor? — Não, mas isso sim. — Inclinou-se, tirou-a da banheira e levou-a ensopada até o quarto onde a colocou na cama. Antes que pudesse recuar, Makin subiu em cima dela, prendeu-lhe os punhos, pressionou-os contra a cama e aprisionou-lhe os quadris com as coxas. — Pare de se esconder — murmurou entre os dentes cerrados. — Pare de fugir e comece a viver. — Saia daí — disse furiosa. 86


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Quando eu quiser — respondeu o olhar passeando pelos seios molhados. — Não é o que você faz? Você me deixa isolado esperando minha mulher, quando na verdade ela não tem a menor intenção de ir ao meu encontro. — Eu queria ir. — Se quisesse, teria ido. Mas preferiu mandar a empregada avisar que ia dormir. —Tive medo! — gritou, tentando desesperadamente se desvencilhar. — Do quê? — De você. Disso. — Ofegava do esforço e da frustração. — E o que isso tem de assustador? — Tudo. Estar nua. Ser tocada. — Supere isso. Porque vou tocá-la até enlouquecê-la de prazer, mesmo que seja a última coisa que faça na vida. O brilho nos olhos dele fez o coração disparar. Respirou em pânico, o que apenas enfatizou o movimento dos seios desnudos. — Mesmo que eu diga que não quero? — Deixei claro que nosso casamento não seria uma farsa. — O olhar percorreu-lhe o corpo, descendo dos ombros aos seios, à cintura fina e aos quadris arredondados. — Seu corpo é maravilhoso, Emmeline. Mal consigo esperar para tocar e saborear cada pedacinho. — Mas eu não consigo. — Bufou de raiva. Ele teve a audácia de rir enquanto baixava a cabeça para lhe beijar a clavícula. A boca roçou o osso frágil e ela se arrepiou toda, os mamilos enrijecendo. — Pelo menos você reage — murmurou, descendo a boca até o seio. Uma paixão louca abateu-se sobre ela quando os lábios pousaram em seu seio, a boca molhada e quente abocanhando o mamilo duro e frio. Estremeceu quando ele o sugou tomada pela tensão, consciente de que havia coisas que desconhecia. Ele moveu-se para o outro seio, dedicando-se ao outro mamilo enquanto as mãos acariciavam-lhe a barriga lisa e a curva dos quadris. Sabia exatamente como excitá-la. Ela já estava em ponto de bala. Ele sugava com mais força o mamilo e Emmeline colou-se a ele em busca do alívio impossível de ser encontrado, quando a boca a enlouquecia. A pressão constante e ritmada deixou-a consciente de que se sentia vazia, do quanto precisava dele. Sim, precisava dele. De seu toque, de seu beijo, de suas lambidas, que a penetrasse. Permitiria que ele fizesse o que quisesse se preenchesse o vazio dentro dela. Nunca se sentira tão rígida e tão vazia ao mesmo tempo. Entre as pernas pulsava de desejo. As mãos dele deslizaram pela barriga, acariciaram-lhe o abdome, contornando o umbigo antes de acariciar de leve o quadril proeminente. Suspirou quando a palma da mão desenhou círculos em torno do ventre. Contraiu os músculos internos embora não existisse nada para apertar. Nunca se sentira tão excitada e molhada. Os dedos voltaram a acariciar a curva do quadril e em seguida o lado de fora da coxa até retornar ao mesmo ponto. Ele acariciava-lhe a coxa enquanto a 87


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter boca seguia o caminho que a mão acabara de tomar, a língua em sua barriga, circundando o umbigo e depois delineando a curva em retorno. — Abra as pernas — disse, beijando o vão onde a coxa se unia à pélvis. Foi só um beijinho, mas mesmo assim ela estremeceu. — Não posso — disse os dentes cerrados, estremecendo quando ele a beijou através dos pelos dourados na junção das coxas. A respiração dele tornou-se ainda mais quente e ela começou a ver pontinhos dançando diante dos olhos. — Por que não? — perguntou, deslizando o dedo entre o pelo e os lábios para tocá-la. Emmeline engasgou, arregalou os olhos e tentou escapar. — Assim eu perco o controle. — Mas é exatamente essa a intenção. — Não. Não é certo. — Por que não? — perguntou, voltando a acariciá-la, colocando e tirando o dedo uma, duas vezes, cada vez mais fundo, do clitóris até o final, entre os grandes e os pequenos lábios. — Vou me excitar muito — sussurrou, pensando que já se excitara demasiado. — E nunca é bom se soltar a ponto de se descontrolar. — Se não se soltar não vai sentir prazer. O prazer é uma sensação boa. Ele ainda a acariciava e ela encontrava cada vez maior dificuldade em se concentrar noutra coisa além da deliciosa sensação que ele criava com o toque de seu dedo. O prazer não era apenas sexual; o corpo inteiro estava sensível, intenso, desperto. Dessa vez não resistiu quando ele lhe abriu as pernas e acomodou o corpo entre suas coxas. Levou um choque quando ele lhe cobriu o sexo com os lábios e a língua. — Makin — soluçou. Língua e dedos a acariciavam ao mesmo tempo e a sensação parecia crescer, tornar tênue a fronteira entre prazer e dor. Ergueu os quadris quando a exacerbação aumentou. A língua a lambeu, os dedos a provocaram, um deles preenchendo-a, deslizando para fora e para dentro no mesmo ritmo da língua. — Droga! — exclamou o corpo em chamas, a pele úmida. Queria outra coisa, queria o êxtase, mas não sabia como encontrá-lo. Não quando a pressão continuava aumentando até ela ir às alturas. — Não posso, não posso — exclamou alterada, e nesse instante arqueou-se e berrou tudo se estraçalhando dentro dela, o corpo em convulsão ao contato daquela boca, daquele dedo. Tentou recobrar o fôlego enquanto o corpo contorcia-se, sensível dos pés à cabeça. Nunca experimentara nada parecido. — E um orgasmo — disse atônita. Makin sorriu. — Isso mesmo: um orgasmo. — Agora entendo o porquê de as pessoas se viciarem. — Viu? Precisa de mim. — A voz rouca fez com que outra onda de prazer a invadisse. — Talvez — disse sonolenta. — Talvez? — repetiu, sentando-se para olhá-la.

88


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Então se deu conta de que ele continuava vestido. A sensação de prazer desapareceu apagada pelo sentimento de inadequação. Moças direitas não perdem o controle... Moças direitas não gostam de sexo... Moças direitas... — Não faça isso — ordenou Makin, interrompendo a voz de condenação dentro dela, sempre presente. — Isso o quê? — Arruinar tudo pensando bobagens. — Segundo suas próprias palavras, acabei metida numa enrascada por não pensar. — Isso mesmo, mas eu não sou criador de casos. Sou seu marido e não há o que temer. — Tirou a camisa exibindo o peito bronzeado, a barriga tão dura que parecia entalhada. Os olhos se arregalaram quando ele se plantou perto da cama, desabotoando o cinto e o zíper, tirando uma a uma as peças. Alejandro ficara nu, mas ela nem o admirara. Tudo naquela noite fora um misto de pânico e medo, mas era impossível não admirar Makin. Ele era o protótipo da masculinidade: dos ombros largos, à cintura fina e as coxas musculosas, sem falar do membro ereto. O olhar se fixou na ereção, certamente impressionante. Afinal, tudo nele era grande. Intimidante. — Isso — disse, engasgando —, não vai caber em mim. Os lábios dele se curvaram, os olhos ardendo de desejo. — Vai, sim. — É grande demais. — Você está muito molhada. Contraiu-se. — Vai doer. — Você era virgem, e pelo que relatou Alejandro não foi gentil. — E você vai ser? Ele esticou-se na cama e se apoiou no cotovelo. — Alguma vez machuquei você? Os olhos a fitavam com imensa ternura. — Não — sussurrou. — Nunca vou machucá-la. Emmeline perdeu o fôlego, tomada pela emoção. Ele era forte e seguro como ela desejava ser. — Promete? — Prometo. Abaixou a cabeça, tomando-lhe a boca num beijo lento, quase lânguido. Explorou-lhe os lábios, sabendo como excitá-la. Logo, a respiração dela ofegava, o corpo ardia. Ele a beijou até ela abraçar-lhe a nuca, na tentativa de aproximá-lo ainda mais. Adorou quando ele se moveu em cima dela; adorou sentir-lhe o peso e o calor. O corpo grande e musculoso combinava com a fragilidade de Emmeline. Ela ronronou quando o peito achatou-lhe os seios, os músculos roçando em seus mamilos. 89


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Partiu dela a iniciativa de abrir as pernas, permitindo que ele se acomodasse e passasse a ponta da ereção da barriga às pernas. Respirou fundo quando ele pressionou-a, a ponta roçando pontos ainda sensíveis. Não teria dificuldade em atingir novamente o êxtase, pensou quando Makin a beijou apaixonadamente enquanto roçava em sua feminilidade. Ela gemeu quando ele voltou a se esfregar. — Está doendo? — perguntou, fitando-a com olhos ao mesmo tempo frios e quentes de reflexos dourados. Ele era decidido, orgulhoso, determinado, exatamente o oposto dela. Sentiu um aperto no peito e os olhos arderem. Se não tivesse tanto medo, poderia amá-lo. Se não temesse tanto a rejeição, o abandono poderia entregarse. Mas tinha medo. — Não — sussurrou com o coração apertado. — Quero você. Ela o abraçou mais forte, o coração disparado num turbilhão de emoções. — Me possua. Makin a possuiu devagar, gemendo ao sentir o quanto ela era apertada. Talvez apertada demais. Receou machucá-la. Parou e beijou-a para excitá-la. Sentiu-a ainda mais molhada, ajustando-se ao seu tamanho. Investiu, ainda sob controle. Desta vez, ela rebolou, recebendo-o um pouco mais. Makin gemeu. Uma vez lá dentro, meneou os quadris. Ela gemeu. Makin afastou-lhe os cabelos do pescoço, beijou-o e lentamente se afastou antes de voltar a mergulhar. Ela voltou a gemer, o que o excitou ainda mais, deixando-lhe a pele arrepiada. Beijou-lhe o pescoço, os mamilos rosados enquanto entrava e saía do corpo quente e apertado. Ouvia a respiração dela, via o afogueado do rosto espalhado pelo colo. Através da respiração, Makin conhecia sua excitação. Foi fácil retardar-lhe o prazer. Aprendera a exercitar o controle anos atrás. Ela era maravilhosa e ele queria que voltasse a experimentar o êxtase, queria vê-la atingir o ápice. Quando ouviu a respiração entrecortada, soube que ela estava prestes a gozar. Moveu os dedos entre os corpos acelerando o ritmo, os quadris movendo-se com mais rapidez, num constante entrar e sair. Tocou-a, circundando a delicada protuberância do clitóris com o dedo. Sentiu-a pronta. Voltou a tocá-la ao investir e ela gritou. Desta vez, ele continuou entrando e saindo e ela se contorceu, os músculos internos o apertando, testando seu controle até ele chegar ao limite. Makin teve a sensação de explodir, tamanha a violência do prazer. Não se lembrava de orgasmo mais intenso. O corpo inteiro tremia. Mas não era apenas físico. O peito também doía. Makin a beijou, saboreando a maciez de sua boca e o modo como os lábios se entreabriam. Tinha um gosto doce, cálido. O gosto de posse. Uma estranha sensação, centralizada em seu peito, irrompeu. Por um instante, mal conseguiu respirar. Só experimentara essa dor duas vezes antes. Quando o pai morrera. E depois, a mãe. Dor originada do amor. 90


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Ergueu a cabeça, fitou os olhos azuis de Emmeline e afinal descobriu o motivo de ter insistido em se casar com ela e afastá-la dos pais. Ele a amava. Precisava dela. Desejava-a. Como não percebera antes? Como não compreendera os próprios sentimentos? — Makin — sussurrou. Ele afagou-lhe os cabelos, tomado pela vontade de protegê-la. Ela lhe pertencia. Feitos um para o outro. — Está tudo bem disse do fundo do coração. Emmeline permaneceu deitada coberta pelo lençol de algodão, atenta à respiração dele. Ele adormecera havia uma hora, mas ela não conseguia relaxar. Gostava muito dele. Até demais. E isso a assustava. Casara-se com ele para dar um nome ao filho, mas se apaixonara. E isso não constava em seus planos. Queria ser valente, destemida. Empunhar uma espada e lutar contra os dragões, mas os únicos dragões em sua vida eram os dragões e demônios dentro de si. Ainda grandes demais para vencê-los. Vinte e cinco anos de medo e insegurança não desapareciam em uma semana. Vinte e cinco anos ansiando pela aceitação não terminavam depois de uma noite de sexo. O grande problema do medo era gerar mais medo. E agora se apavorava. Receava se abrir e ser magoada. Amar e sofrer. Não suportava mais sofrimento. O único meio de proteger o coração era fechá-lo, mas perto de Makin perdia o controle. Sentia-se emotiva e extremamente vulnerável. Seria isso amor? Podia o amor ser carregado de medo? Voltou-se para observá-lo. Através das persianas, a luz da lua banhava a cama. Uma nesga iluminava a boca firme e generosa de Makin, que sabia tirá-la do sério, enfraquecê-la. Tocou-lhe o rosto de leve, pois não pretendia acordá-lo. Ele precisava repousar. Era um bom homem. Melhor do que ela merecia.

91


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter

CAPÍTULO QUINZE Embora tivesse passado praticamente a noite acordada, acordou as seis e saiu da cama. Vestiu uma saia comprida de algodão e uma blusa de malha. Pegou as sandálias e foi caminhar. Atravessando a imensa Villa e os encantadores jardins, desceu pelos terraços e alcançou à areia macia da praia. A cabeça doía da noite insone. O coração encontrava-se em estado ainda pior. Makin a ouvira deixar a cama e a viu sair pé ante pé do quarto. Sabia que ela dormira mal. Depois que ela saiu, levantou-se. A cozinheira já se encontrava a postos. Cumprimentou-o efusivamente, serviu-lhe uma xícara de café e perguntou onde ele e a rainha gostariam de tomar o café da manhã. Riu sozinho imaginando a reação de Emmeline ao ser chamada de rainha. — No terraço superior — respondeu abrindo um sorriso. — Sua Alteza saiu para uma caminhada. Vou esperar que retorne. Inclinou-se na balaustrada. Ainda saboreava o café quando Emmeline surgiu, o rosto rosado, o cabelo dourado despenteado. Parecia jovem e saudável incrivelmente atraente. — Você foi à praia? — perguntou ao vê-la subir as escadas ao seu encontro. — Fui procurar conchinhas. — Encontrou alguma? Ela mostrou-lhe três delicadas conchas. — Lindas, mas cuidado. A escadaria do terraço inferior deveria ter sido substituída faz anos. — Tomarei cuidado. — Dormiu bem? — Dormi. E você? Ela não confiava nele. — Fiquei preocupado. Ela fitou as conchas. — Por quê? — Porque me preocupo com você. 92


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Não se preocupe. Estou ótima. — Abriu um sorriso melancólico. — Ainda não comeu? Estou faminta! Passaram a manhã pegando sol, mergulhando e nadando tanto no mar quanto na piscina. Depois do almoço demorado, Makin foi trabalhar um pouco enquanto Emmeline tirou uma soneca. Ao acordar se espreguiçou admirando o céu azul e a água turquesa. Dormira bem e devia ter tido lindos sonhos, pois há tempos não se sentia tão bem. Gostava de Marquette. Seria bom visitar sempre a ilha. Também tinha apreciado passar o dia com Makin. Rira à vontade, feliz. Mas a felicidade a assustou deixando-a vulnerável, receosa do futuro, do fim. Tomou banho e secou o cabelo com o secador. Enrolada na toalha foi para o quarto pensando no que vestir. Encontrou Makin na cama, as mãos atrás da cabeça com olhar sedutor. — Pensei em tomar banho com você. Ela corou e apertou a toalha contra o corpo. — Tomo banho sozinha. — Não por muito tempo. Ela entrou no closet. — A cozinheira recriou o jantar de casamento para nós dois. — Que amor! — Trazia na mão um vestido longo de cetim marfim e colares compridos de pérolas. Logo visualizou uma mulher no harém. — O que é isso? — perguntou, sacudindo o cabide. — Um dos vestidos que encomendei para você. — Quando? — Ontem durante o vôo. Você dormia e eu estava tão entediado que resolvi fazer umas comprinhas online. Examinou a etiqueta. — E de alta costura. Não se compra esse tipo de roupa pela internet. — Enviei um e-mail para o estilista e pedi dois vestidos para a lua de mel. — E como chegaram tão rápido? — Mandei um avião buscar. — Simples assim... Ele deu de ombros. — Achei que cairiam bem em você. — É um desperdício de dinheiro. — Dinheiro não me falta. Ela balançou a cabeça, os lábios contraídos tentando conter o sorriso. — Você não tem vergonha? — Não. E você gosta de minha autoconfiança. — Saiu da cama e se aproximou, examinando-a do fio do cabelo até as pontas dos dedos do pé, o sentimento de posse escurecendo-lhe os olhos. — Talvez fosse melhor pularmos o jantar hoje — disse, puxando-a para seus braços e inclinando a cabeça para beijar-lhe o pescoço. Os lábios se entreabriram quando ele lambeu-lhe a orelha, o pescoço. — Mas a cozinheira... — protestou. Ele tomou-lhe a boca com vagar até ela se agarrar à camisa. Erguendo a cabeça, ele fitou-a profundamente. Emmeline piscou, em devaneio. — Talvez a gente não precise jantar — disse sem fôlego. Ele sorriu. — Eu não preciso, mas você sim. Não está comendo o suficiente para dois. 93


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Ele a afastou gentilmente. — Vou tomar banho e me vestir, mas à noite você será minha. Agitada, chamou a criada, pois precisava de ajuda para abotoar o vestido. Já vestida, deixou os cabelos soltos e se maquiou colocando um batom rosado e esfumaçando os olhos. Examinou-se no espelho. Ao virar, as pérolas se moveram, roçando-lhe as costas nuas. O vestido justo e sexy ressaltava-lhe os seios e os quadris. Sexo. Era isso o que os unia. Sexo gostoso. Não devia ter maiores expectativas. Os empregados se curvaram enquanto ela se dirigia ao jardim, onde outros criados a acompanharam ao terraço central, onde fora erguida uma tenda de seda iluminada por tochas nas quatro extremidades. A pulsação de Emmeline combinava com as chamas tremeluzentes. Ao descer as escadas, viu Makin de costas para ela admirando o mar. Trajava camisa de linho branco e calças caqui. Nunca lhe parecera tão majestoso. — Você nunca usa traje tradicional? — perguntou, observando a mesa preparada para dois. A toalha azul de seda era da cor exata da do oceano. Para completar, um vaso com orquídeas brancas no centro da mesa e velas espalhadas entre os cristais e a prataria. — Uso em Kadar, para reuniões de negócios. Às vezes em casa. Por quê? Gostaria que eu usasse a túnica e a gutra! — Talvez, para me lembrar de que é o sheik Al-Koury. — E não...? — Você — respondeu nervosa. E quem sou eu? — Um homem maravilhoso. Ele demonstrou satisfação. — Sou mesmo? — Sabe que sim! — exclamou, envergonhada por ter se exposto demais. O olhar se fixou no sofá baixo forrado do mesmo tecido azul de cetim e nas três almofadas brancas. Outras velas brancas espalhadas no chão. Inalava um cheiro tentador no ar e não sabia se vinha dele, das flores ou se era uma combinação dos dois. — Tão lindo e romântico! — exclamou, ansiando por se aconchegar em seus braços, onde se sentia segura e quase acreditava que ele a amava... Que apenas o sexo a satisfaria. Serviu-lhe uma taça de água e outra para ele. — Não precisa se privar da bebida porque eu não posso beber. Ele deu de ombros. — Não preciso beber ao seu lado. Na verdade, prefiro não beber. — Por quê? — Porque gosto muito de você. Ela corou e se instalou, sentindo o olhar de Makin, o que fez com que seu coração acelerasse ainda mais. Nunca se sentira tão linda, tão importante. Aos olhos dele, ela contava. De repente foi invadida pela sensação de que não conseguiria viver sem ele. Precisava dele. Desejava-o. Entretanto, não sabia se era amada. — Está tudo bem? — perguntou ele, em tom preocupado. 94


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Tudo. — Obrigou-se a sorrir. A brisa quente acariciava-lhe o corpo e a fazia pensar nas mãos dele em sua pele. — Só um pouco descontrolada... No bom sentido. — Espero que sim. Gosto de tê-la ao meu lado. Faz com que a ilha assuma o sentido de lar. Lutou contra as lágrimas. — Eu também gosto daqui. — Divertiu-se hoje? — Muito. — Do que mais gostou? Pensou um segundo. — De nadar... Mergulhar. O recife de corais é incrível. Tantos peixes lindos... — Minha mãe também adorava esse lugar. — Então Marquette era dela? — Meu pai lhe deu de presente de casamento. Passei muitas férias aqui, mas fazia anos que não vinha aqui. — Por quê? — Não sou mais menino. Trabalho muito; não me dou ao luxo de ter viagens de lazer. Ele era tão focado, tão ambicioso... — Homens também precisam relaxar. Minha mãe costumava dizer o mesmo ao meu pai. — E ele lhe dava ouvidos? — Quase sempre. — Ótimo. Então você também vai prestar atenção ao que digo. Makin sorriu divertido. Dissera a Malek Nuri que se casara com Emmeline porque não conseguia se afastar dela — o que era verdade, mas agora ao fitá-la naquele audacioso vestido sabia que se casara com ela porque ela fora feita para ele. A isso se dava o nome de destino. Em Kadar suas lágrimas o emocionaram, mas seu riso era duas vezes mais contagiante. Quando sorria, ele se sentia invencível. Capaz de tudo para agradá-la. A noite parecia não ter fim. Makin não queria passar duas horas comendo e conversando, tanto ela o atraía naquele vestido. De volta ao quarto, trancou a porta e viu Emmeline levantar os cabelos e exibir-lhe as costas. — Preciso de sua ajuda para tirar o vestido. Ela parecia Afrodite naquela posição, a cabeça ligeiramente inclinada para frente, o cabelo e os braços levantados, as costas expostas. E ela lhe pertencia. Para sempre. No mesmo instante foi tomado pelo desejo. Durante o jantar as pérolas na pele nua o fascinaram. Agora queria cobri-la com as mãos, sentir-lhe a suavidade. Apesar da impaciência, controlou-se sabendo que ela ainda era aprendiz na arte do sexo e do amor. Assim, desabotoou o vestido calmamente. Ela não usava sutiã. Deparou-se diante dele de salto alto e tanga de cetim. Ele a abraçou pelos quadris, as nádegas redondas pressionadas contra seu membro. Céus queria penetrá-la. Abrir-lhe as pernas e cavalgá-la. Ainda não. 95


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Beijou-lhe a nuca e sentiu a mulher estremecer. Subiu a mão dos quadris para a cintura, para o seio. Esfregou o mamilo intumescido, imaginando tocá-lo com a língua molhada, colocá-lo na boca. Ela se contorceu esfregando-se na ereção e ele quase perdeu o controle. — Quero você. Ela voltou-se com um sorriso, os olhos radiantes. Por um momento, ele achou que ela parecia realmente feliz e isso o emocionou. Tomou-lhe o rosto nas mãos, beijou-a apaixonadamente e tirou as roupas. Desnudo, sentou-se na beirada da cama e a colocou no colo, abaixando-a lentamente até penetrá-la. Segurando-lhe os quadris, a guiou, ajudando-a a estabelecer o ritmo que sabia ser seu preferido. Molhada, respiração acelerada gemia de prazer. O som sexy o fez penetrar com mais violência no corpo quente e úmido. Ela atingiu o orgasmo. Ele a deitou e a abraçou. Por longos minutos ficaram imóveis. — Você sempre faz a coisa certa? — perguntou Emmeline, rompendo o silêncio. — Pelo menos tento. — Alguma vez pensou que nem sempre a coisa certa é a certa? —Não. Ela se moveu inquieta, um pouco ressentida com tamanha autoconfiança. Como deveria ser bom não ter dúvidas! — Nem sempre a coisa certa é certa — insistiu. — Às vezes pode ser a pior coisa do mundo. — Como assim? — Segurou-lhe os cabelos, deixando-os escorrer entre os dedos. Ele parecia tão contente, calmo e confiante que isso a enlouquecia. Não era justo. Nunca se sentira calma e contente. Sempre parecia a um passo do desastre. — Meu tio me adotou por obrigação — disse num suspiro —, assim como você se casou comigo por obrigação. Às vezes acho que os dois cometeram o mesmo erro. As decisões não foram baseadas no amor, mas na atitude correta e receio que mais tarde venha a se ressentir, como Claire. Acredito que quisesse ser minha mãe, mas acabou oprimida pela responsabilidade. — Não sou William nem Claire, portanto não posso falar por eles. Você nunca será um peso. Escolhi torná-la minha esposa. Ninguém colocou uma arma na minha cabeça, não fui submetido a qualquer pressão. Tomei essa decisão por livre e espontânea vontade. Assumi um compromisso com você e com o bebê e vocês dois são a minha família. — Mas um dia vai querer ter filhos e na certa vai gostar mais deles... — Não. — Vai sim. — Apoiou-se no cotovelo e o encarou. — É natural. Ele enrolou uma mecha dos cabelos dela. — Emmeline, não posso ter filhos. — Por que não? — A doença de meu pai é genética. Não a herdei, mas carrego os genes. Não posso assumir o risco de ter filhos e lhes passar a doença de meu pai. O final foi brutal. Ele sofreu demais. — Mas você mencionou começar uma família... 96


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — E isso vai acontecer. Há muitas crianças no mundo precisando de pais, de amor, de um lar estável. Sempre planejei adotar. — Você ia me contar? — Estou contando. — Eu sei, mas e se eu quisesse filhos com você? — Mas não queria. — E se eu quisesse ter mais filhos? — Espero que queira. Como filho único, sempre quis ter irmãos. Adoraria dar irmãos ao nosso. — Adotaríamos crianças? — Isso. — E os amaria mesmo não sabendo quem são os pais? — Claro. — Como pode ter tanta certeza? — Porque serão nossos filhos. Gostaria de lhe dizer o quanto amava sua força e autoconfiança. Dizer que ele a inspirava a se tornar mais arrojada, mais corajosa. — Você vai mesmo amar meu bebê? — sussurrou. — Vou — respondeu, afastando-lhe o cabelo do rosto. — Serei um bom pai. Tive um pai maravilhoso que me ensinou a amar. Apesar dos olhos pesados, Emmeline não queria pegar no sono, mas admirar Makin. Como acontecera não sabia, mas se apaixonara. Ela o amava. Mas não acreditava no amor. Na verdade, amá-lo tornava tudo pior. Porque agora ele poderia magoá-la. Partir-lhe o coração. Talvez ele a desejasse, mas sabia que o desejo sexual acaba e temia que uma vez perdido o encanto da novidade, ele perderia o interesse. Acabaria se afastando. Se não física, emocionalmente. E isso a arrasaria. Voltaria a ser a Emmeline desesperada, carente. Odiava sua carência, o querer mais do que os pais puderam lhe dar. A verdade é que já queria mais de Makin. Sexo não era o suficiente. Não podia ser apenas a mulher que o satisfazia na cama. Queria seu coração. Lutando contra as lágrimas, roçou-lhe os lábios. Se ela fosse diferente. Mais forte, mais calma, menos delicada. Alguém feito Hannah. Talvez então pudesse confiar. Acreditar ser merecedora de amor. Mas não era Hannah. Infelizmente, eram muito diferentes. Confrontada com os fatos, a caminhada matinal mais parecia um calvário. Andou em círculos, os braços ao redor da cintura. Não suportava mais permanecer nesse paraíso, nadar, bater papo com Makin como se vivessem uma lua de mel de verdade. Aquilo não era lua de mel. Era um inferno por sua culpa. Apaixonara-se por Makin. Que bobagem! Deveria ter sido mais esperta, forte. Entretanto o amava, precisava dele e a força das emoções a aterrorizava. Se não tivesse se apaixonado, talvez pudesse levar o casamento de conveniência adiante com graça e dignidade. 97


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Consumia-se de medo, sofrimento. Jamais Makin amaria alguém feito ela, tão assustada, incoerente. Em breve descobriria o quanto ela precisava dele e isso o sufocaria. Sua carência sufocava todos os que se aproximavam. Melhor partir enquanto podia. Nunca teria condições de enfrentar um adeus prolongado. Melhor agir rápido. Um corte, o rompimento final. Emmeline respirou fundo sabendo que se enganava. O rompimento seria brutal, mas teria que ser brutal para que ele a deixasse. Só de imaginar o coração apertava. Ele ficaria bem, pensou, tapando a boca para conter um grito. Era resistente. Sobreviveria sem ela. O oposto talvez não fosse verdadeiro. Makin encontrava-se de pé no terraço superior, admirando o mar quando ela retomou da caminhada. Não a fitou enquanto ela subia as escadas e ela percebeu que algo grave acontecera. A brisa matinal despenteava-lhe os cabelos escuros. — Foi boa a caminhada? —Foi. — Você está bem? — insistiu. Ela afastou uma mecha dos olhos. — Estou. Por quê? — Achei ter ouvido você chorar. Ela sentiu um nó na garganta. Andara chorando, mas não queria que ele soubesse. —Não. — Eu podia jurar que era você. O nó cresceu. — Foi o vento. Afinal, ele a fitou com expressão indiferente. — Sua voz ainda está entrecortada. Ela forçou um sorriso, aproximou-se e beijou-lhe o ombro. Ele era tão alto, tão vistoso. — Anda imaginando coisas — disse, em tom descontraído, embora soubesse que em breve lhe diria que o convívio chegara ao fim. Dentro de uma ou duas horas tudo mudaria para sempre. — Vou tomar banho e me vestir. Já tomou o café da manhã? — Não. — Volto em cinco minutinhos. Emmeline encaminhou-se para o quarto sentindo o olhar dele cravado até desaparecer dentro da casa. Ele sabia que havia algo errado e que se a pressionasse, ela revelaria a verdade. Tudo aconteceu como imaginara. Ainda tomavam o café falando sobre os planos para o dia quando abruptamente Makin lhe disse saber que ela estava chateada e que acordara na noite anterior com seu choro. — Não diga que estou enganado. O que houve? Ao invés de fugir dos problemas, ele os enfrentava. Emmeline sentiu uma onda de amor intenso e admiração. Ele realmente era bom, forte. Precisava de alguém como ele. Ela não era. Jamais seria. — Mudei de ideia — disse baixinho, mexendo na alça da xícara. — Mudei de ideia — repetiu mais alto, mais decidida. — Não consigo. — Não consegue o quê? Afastou o arrependimento. — Ficar... Aqui... Com você, como se fosse sua mulher de verdade. — Mas você é. Indecisa fitou-o. 98


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Não sou. — Você repetiu os votos, usa aliança. Emmeline olhou a enorme pedra no dedo. O coração apertou. O anel da mãe dele. De repente, alucinada por se livrar de toda a emoção, medo e sofrimento, tirou o anel e lhe entregou. — Então tome. Não voltarei a usá-lo. — Não. — Achei que conseguiria, mas me enganei. Não vai funcionar. Não sou a mulher adequada para você. Não consigo amar da maneira que você deseja... — Não sabe o que desejo. — Sei, sim. Quer uma mulher como sua mãe, uma esposa amorosa, que transforme sua vida em algo mágico e especial, que o ame acima de tudo... Mas eu não sei amar assim. Ele a observou demoradamente, a expressão grave, os olhos vazios. — Não acredito. Acho que está com medo... — Não amo você, Makin. — Foi à morte dizer isso, pois era mentira, mas sabia que precisava ser cruel, magoá-lo. Viu a alteração da expressão. Ela tinha absoluta certeza de amá-lo, mas ele não poderia saber ou não a deixaria partir. — Nunca o amarei. Ele voltou a fitá-la sem qualquer emoção. — Por que não? Se ia cortar os laços, deixá-lo livre, precisava não deixar margem a dúvidas. Brutal, disse a si mesma, seja brutal e acabe com isso. Curvou os lábios e perguntou em tom zombeteiro. — Precisa mesmo que eu diga? Preciso. Ela deu de ombros apesar de sentir uma punhalada no peito. — Você nunca será Alejandro. Ele nem piscou. Apenas perscrutou-lhe o rosto. Ela manteve o sorriso cruel. — Eu o amava. Você sabe... — Você me disse que nunca o amou. Outro dar de ombros indiferente. — Era mentira. Manipulei você todo o tempo. Afinal um lampejo nos olhos. — Por quê? Ela chegou a titubear. A respiração lhe faltou. Não conseguia ser tão má, tão odiosa. Mas se o magoasse, ele não a perdoaria. Precisava ser terrível, detestável. Garantir que ele a deixaria. Para sempre. — Porque às vezes fingimos para alcançar nossos objetivos. — E qual era o seu? — Um nome para o meu bebê. Uma história para contar à mídia. — E eu era essa história? Ela aquiesceu. — Mesmo depois do divórcio, confirmarei que você é o pai do meu filho. Quando ele nascer, terá o seu nome. Posso ser uma divorciada e levar uma vida confortável. Só não podia ser uma princesa grávida e sem marido. — Eu posso exigir um teste de DNA e tornar o resultado público. — Não faria isso. — Pode apostar que sim. — Você se casou comigo para reparar um erro. E um homem correto. — Mesmo assim não está mais a fim. O peito contraído, o coração ferido, confirmou. 99


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Você me usou. — Certo. — Estendeu a mão, entregando-lhe o anel. — Tome. Dê à sua próxima esposa. Espero que escolha melhor da próxima vez. Makin saiu sem pronunciar uma palavra. Emmeline esperou, com a sensação de que a vida ao seu lado tinha chegado ao fim. Jamais encontraria outro homem como ele. Com sua força, coragem, generosidade. Permaneceu sentada, no fundo ansiando por seu retorno. Torcendo para que ele a agarrasse beijasse a chamasse de tola. Porque era uma tola. Uma tola assustada. Esperou em vão. Ouviu o motor à distância. Congelou. Era o barulho do avião. Makin a deixava. Ergueu-se, o coração quase saindo pela boca. O que fizera? Com ele, com os dois? Correu para o jardim, o som do motor do jato aumentando. O pânico a invadiu. Qual o seu problema? O que pensava? Quando perderia o medo? Precisava detê-lo, dizer que estava enganada. Desceu correndo as escadas dos terraços. O avião decolaria a qualquer instante. Não tinha como chamar a atenção do piloto. Quem sabe conseguiria atrair a atenção de Makin se fosse para a praia? Desceu as escadas estreitas de madeira de dois em dois degraus, correndo pela areia até a água. O barulho do motor aumentou. Ela sacudiu os braços quando o jato branco apareceu e subiu aos céus. Correu dentro d"água, acenando sem parar. Com certeza Makin veria. Ou o piloto. Alguém. Mas o jato sobrevoava o oceano, deixando Marquette para trás. Os braços desabaram. Por vários minutos ficou ali plantada, as ondas batendo-lhe nas pernas. Ele se fora, como temia. Porque o afugentara.

100


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter

CAPÍTULO DEZESSEIS Emmeline ficou uma, duas horas na praia. As pernas não a sustentavam. Não parava de chorar. Nunca se odiara tanto e dessa vez era sério. Era especialista no assunto. Contudo, excedera os limites. Quando amadureceria? Quando se tornaria o príncipe valente empunhando a espada e vencendo dragões e deixaria de ser a princesa aprisionada na torre? Quando sentiria admiração por si própria? Quando deixaria de agir movida pelo medo? Magoara Makin com medo de ser magoada. Transformara o amor que sentia por ele numa arma, atacando como se Makin fosse o dragão. Ele não era um dragão. Era um príncipe. Um herói. O homem que adorava perdidamente. Mas corações são reparados, o amor acaba curado e ela se tornaria mais forte. Valente. Bastava contar a verdade a Makin. Contar que o amava... Mais do que jamais amara alguém... E tentaria mudar se ele tivesse paciência. Se lhe desse uma chance. No fundo, sabia que ele cederia. Porque era um homem correto. Enxugou as lágrimas. Devia voltar para a casa. Estava há horas na praia. Precisava se recompor. Embora Makin tivesse partido, não seria vista com o rosto vermelho, inchado. Princesas não choram em público. Esperou outra meia hora, vendo uma tempestade se formar no horizonte. Os primeiros pingos de chuva caíram. O vento sacudiu as palmeiras. Emmeline lançou um olhar na direção do céu escuro. Ao se deparar com as nuvens negras e o vento uivando, limpou a areia da saia e dirigiu-se às escadas. O vento batia enquanto subia as escadas velhas. Deteve-se sentindo o ranger dos degraus. Vacilou quando voltaram a se mover. Agarrou-se ao corrimão quando a escada de madeira desabou. Meu bebê pensou em pânico. Os degraus pareciam peças de dominó caindo. Emmeline desabou e protegeu a barriga. Não fora um tombo feio. O bebê não devia ter se machucado. 101


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Mas isso era um alerta, pensou, afastando-se dos destroços. Precisava ser mais cuidadosa. Erguendo-se, gritou pedindo socorro. O vento engolia sua voz. Voltou a gritar. Ninguém a acudiu. O temporal desabou seguido de uma ventania. Permaneceu sentada na praia, os braços em torno dos joelhos, tentando descobrir um meio de sair dali. Não conseguia imaginar um local onde se protegesse. Precisaria enfrentar a tempestade. Os minutos se transformaram em horas. Apesar da escuridão e do uivo do vento, pensou ter ouvido um motor. Teria Makin retornado? Fora informado de seu sumiço e voltara para resgatála? Mas ninguém podia voar nesse tempo, e os ventos intensos impediriam um pouso seguro na pequena pista de aterrissagem da ilha. Emmeline lutou contra o pânico. O vento continuava a bater, a maré a subir e as ondas quebravam a poucos centímetros dela. Se a maré subisse mais, teria que nadar. De repente enrijeceu. Alguém chamava seu nome? Ou sonhava? Vislumbrou uma luz. Alguém estava lá em cima. Ergueu-se vacilante e pediu socorro. A luz amarela tremeluziu. — Emmeline! Makin. O coração parou. — Aqui, estou aqui! Ele moveu o foco da lanterna e agachou-se na borda do terraço, onde costumava ficar a escada. Ela não conseguia lhe enxergar o rosto, mas a visão de seu vulto a tranquilizou. — O que faz aí? — Tentava encontrar você... — Perdeu o juízo? E um furacão. — Não era quando você foi embora. — Não se mova. Reapareceu em minutos, prendendo uma corda num dos ganchos de metal da escada. Na escuridão, Emmeline tentava enxergar alguma coisa. Makin pegou a corda, prendeu-a na cintura e desceu a encosta. Parecia um pirata dos filmes antigos no mastro de um navio. Graças à luz da lanterna, viu que a chuva encharcara sua camisa e colavase às costas e aos músculos dos braços. Ele continuou a descer. — Me dê à mão — ordenou, com os pés apoiados na rocha. — Não posso. — Nunca mais quero ouvir você dizer que não pode. Dê-me a mão. Mordendo o lábio, ela lhe deu a mão. — Segure firme — mandou puxando-a devagar e a abraçando, protegendo-lhe o corpo. — Vire para mim — disse-lhe ao ouvido. — Enrosque as pernas na minha cintura... — Makin... 102


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Não estou interessado. Obedeça. Agüente firme. Entendido? Ela assentiu o coração palpitando. Ele começou a escalar a íngreme encosta. Apesar do temporal, ouvia o coração dele bater ao subir com dificuldade o penhasco. Makin ofegava ao chegarem ao topo. Com as pernas abertas, forçou Emmeline a subir e com um impulso se pôs a salvo. Emmeline, os olhos arregalados, o viu afastar o cabelo do rosto. — Você está em maus lençóis — disse entre os dentes. — Não faz ideia de como estou zangado. Podia ter se ferido. Ferido o bebê... — Tentei impedir você... — Eu ia voltar. — Não sabia. — Tremia de frio e de medo. — Disse aquelas coisas terríveis, detestáveis e você fez bem em ir... — Jamais a deixaria. — Mas decolou... — Tinha compromissos. Achei que não voltaria. — Ainda tem muito a aprender. Vá para casa, tome um banho, coma alguma coisa e me encontre na sala de estar dentro de meia hora. Não se atrase. Emmeline seguiu todas as instruções e em vinte minutos chegava à sala de estar. Não o encontrou, mas sim outra pessoa. Um homem alto e magro de cabelos grisalhos e pele bronzeada voltou-se ao ouvir o som dos saltos altos. Usava jeans, botas de caubói e um cinto com uma enorme fivela oval prateada. — Desculpe. Não sabia que tínhamos visitas. O homem de olhos azuis era alto e tinha ombros largos como Makin. — Meu Deus! Jacqueline. Os pelos do braço de Emmeline se arrepiaram. — O que disse? — Inacreditável — disse se aproximando com expressão incrédula. — Você é igualzinha a ela. Tinha o sotaque do Texas. Seria um caubói de verdade? — Igual a quem? — A sua mãe. Por um instante perdeu o ar. — Você a conheceu? — Conheci. — Sabe quem eu sou? — Minha outra filha. Emmeline quase perdeu o chão. Desabou numa cadeira. — Outra filha? Ele assentiu o cenho franzido, os olhos azuis emocionados. — A irmã gêmea de Hannah. — Hannah? — Hannah Smith. Sua irmã. Hannah era sua irmã gêmea? Impossível. — Como... O quê...? — balançava a cabeça, sem conseguir se expressar. 103


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — A princesa Jacqueline teve gêmeas — disse Makin. Entrara em silêncio na sala. — Duas meninas separadas no nascimento. Uma foi para o Texas e a outra para Brabant. Emmeline cobriu a boca buscando o americano com o olhar. — Não acredito... — Finalmente entendi tudo ontem — disse Makin apoiando a mão em suas costas. — Liguei para Jack para confirmar minha suspeita. Quando lhe contei o que sabia, ele pegou o primeiro vôo para St. Thomas e eu o trouxe à ilha. Emmeline não conseguia desviar o olhar do texano louro. — Você é mesmo meu... Pai. Jack Smith assentiu. — Não sabia que eram duas. Não acredito que não me permitiram criar as duas. Os olhos de Emmeline ardiam. Respirou fundo. — Como era minha mãe? — Como você. Inteligente. Gentil. Engraçada. E a pessoa mais linda que vi em toda a minha vida. Emmeline limpou as lágrimas. — Você a amava? — Nem tenho palavras para descrever o meu sentimento. Os três jantaram juntos e conversaram sem parar. Emmeline fazia perguntas, Jack respondia e Makin apenas ouvia. Por vezes Emmeline enxugava as lágrimas e olhava Makin, que a observava com uma expressão no rosto... Um olhar... Que a comovia. Não queria apenas sexo. Ele a queria. Preocupava-se. Talvez até viesse a amá-la. Contendo as lágrimas, voltou à atenção para o pai que contava como conhecera Jacqueline. A princesa fazia uma visita beneficente aos Estados Unidos e Jack, membro da polícia montada, fora designado para cuidar de sua segurança durante a visita ao Texas. — Nos apaixonamos entre Austin e San Antonio. Fizemos amor apenas uma vez. Eu a amava. Era louco por ela e pensei em ir a Brabant pedir sua mão. Entretanto, depois que voltou para casa, nunca mais tive notícias. Não fazia ideia de que estava grávida até o dia em que uma mulher apareceu no meu rancho com um bebê e me disse que Jacqueline morrera e que aquela era nossa filha. — E essa mulher nunca disse que havia outro bebê? — perguntou Emmeline, inclinando-se. Ele balançou a cabeça. — Não. Juro que se soubesse de sua existência a teria buscado. E ninguém, nem mesmo o rei e a rainha de Brabant, poderia me impedir. Emmeline olhou para Makin e depois para o pai. — Hannah já sabe que somos irmãs? Makin assentiu. —Já. — Quero vê-la. — Ela está a caminho — comunicou Jack. — Deve chegar de manhã. Mais tarde, depois que todos se recolheram e reinou o silêncio na casa, Emmeline encarou Makin. 104


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Você me ama de verdade — sussurrou. — Eu não tinha certeza. Achei que quisesse apenas sexo ou então uma mulher como Hannah... — Não, definitivamente não quero Hannah. — Ele repousou o dedo em sua boca para evitar protestos. — Sua gêmea é brilhante, mas nunca senti a menor atração por ela. Quanto a você... Não posso manter as mãos longe... Emmeline fechou os olhos, os lábios se entreabrindo quando ele beijou-lhe o pescoço, o ombro, o seio. — Melhor parar, Makin. Assim não consigo falar. Ótimo. Já falamos o suficiente por hoje. — Mas preciso dizer... — Não precisa, não. — Preciso, sim. Preciso pedir desculpas pelas coisas horríveis que disse... — Já está desculpada. — Prendeu uma mecha atrás da orelha de Emmeline. — Eu amo você. — Devia me odiar depois do que eu disse. — Não posso odiá-la. Nunca. Sei que estava assustada. — Sem mágoas ou ressentimentos? Ele riu, puxando-a contra si e voltou a beijá-la. — Claro. — Por quê? — Porque você é minha mulher. — Mesmo que por imposição? Ele voltou a rir e a beijou carinhosamente. — Não houve imposição. Foi o destino, querida. Você foi feita para mim. — Apesar de meus defeitos? — Você não tem defeitos. É perfeita para mim. — Eu amo você, Makin. — Eu sei. — Sabe? Assentiu, beijou-a carinhosamente e depois apaixonadamente. — Sei. — Como? — Porque você não consegue disfarçar seus sentimentos... — Eu sabia! Ele riu e a beijou de novo. — Isso é uma qualidade. Preciso de seu afeto, sua energia e sua paixão pela vida. Passei os últimos 14 anos mergulhado no trabalho, mas estou pronto a me dedicar a outras coisas. Eu quero e preciso de você. — Por que eu? — Não faço ideia, mas nunca gostei de mais ninguém. — Botou a mão no peito. — Até entrar na discoteca e ver você naquele vestido turquesa. Ganhei vida. Graças a você. — Você me ama de verdade! — Muito. Fomos feitos um para o outro. — Como pode ter tamanha certeza? Estamos juntos há apenas uma semana. — Meu pai e minha mãe se casaram dias depois de se conhecerem. Foram felizes durante vinte anos. 105


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter Ela suspirou. — Adoraria passar vinte anos felizes com você. — Eu não. Quero no mínimo quarenta. Ela conteve o afluxo de lágrimas. — Quarenta me parece melhor. — No mínimo quarenta — repetiu. — Vamos ver nossos filhos crescerem, se casarem, terem filhos. Que tal? — O melhor final feliz do mundo!

EPÍLOGO Sete meses depois Numa linda manhã de inverno em Nadir, no melhor hospital da cidade, numa ala reservada à família Al-Koury, depois de uma longa noite, Emmeline sentia-se grata ao marido e à irmã. Dezenove horas de contrações deixavam Emmeline exausta e a dor só piorava. Apertando a mão de Hannah, gritou. As contrações se seguiam sem repouso. — Dói — soluçou a testa suada, o corpo trêmulo. — Falta pouco — avisou reconfortante a enfermeira. Emmeline balançou a cabeça. — Dói muito. Makin fitou a enfermeira. Providencie algum remédio para a dor, já! — Tarde demais — respondeu checando o monitor que registrava o batimento cardíaco de Emmeline e do bebê. — Os dois passam bem. — Como assim, tarde demais? — A cabecinha do bebê já apontou. Ele ou ela está chegando. — Diabos, e onde está o médico? — A caminho. Porém, o pequeno está impaciente para ver o mundo e decidiu não esperar. — A enfermeira abriu um sorriso calmo e encorajador. — Sua Alteza, na próxima contração, respire fundo e força... — Sem lhe dar nenhum remédio para a dor? — Ela não pode Makin — repreendeu-o Hannah do outro lado da cama, exasperada com o tom de voz dele e a única em condições de mandá-lo se controlar. — Você insistiu em ficar — acrescentou apontando para a porta —, mas não está ajudando Emmeline agitado desse jeito. Se não vai ajudar é melhor sair. Makin trincou os dentes, mas a expressão suavizou-se ao fitar Emmeline. 106


Paixão 295 – Sem Aliança, Sem Passado – Jane Porter — Sinto muito — desculpou-se, afastando o cabelo do rosto suado. — Odeio ver você com dor. — Estou ótima. — Não está ótima — corrigiu, inclinando-se para beijá-la. — Você é ótima. — Muito bem, Alteza. Hora de conhecer seu pequenino. Respire fundo e empurre. Força. Apertando a mão de Hannah de um lado e a de Makin do outro, Emmeline concentrou toda a energia em trazer seu bebê ao mundo em segurança. — Isso — exclamou a enfermeira. — Sua filha chegou. O bebê chorou um grito agudo. — Puxa, Emmie, ela é linda! — exclamou Hannah, curvando-se para beijar a irmã. — Meus parabéns! Uma menina, uma filha, repetiu Emmeline em silêncio ao olhar a enfermeira segurando o neném, e o marido, Makin, que só tinha olhos para a recém-nascida. — Posso pegar o neném no colo? — pediu ele à enfermeira. — Quer esperar eu limpá-la? — Não. Não agüentava mais esperar pela minha filha. Os olhos de Emmeline se toldaram de lágrimas quando a enfermeira entregou o bebê ainda sujo a Makin. Ele a apertou contra o peito, como se os braços fossem um berço feito para acolhê-la. — Jacqueline Yvette — disse baixinho, e o bebê parou de chutar e chorar. — O que acha? — perguntou a Emmeline, levando o neném para encontrar a mãe pela primeira vez. Emmeline olhou a filhinha desnuda nos braços fortes de Makin. Era uma coisinha de cara vermelha, cabelos escuros e um chute potente. — Perfeito — respondeu a voz embargada. Makin inclinou-se para beijá-la. — Igualzinha à mãe. Contendo as lágrimas, a rainha Hannah Jacqueline Patek deixou em silêncio o quarto e foi ao encontro do marido para comunicar que a primeira da nova geração de lindas princesas havia acabado de nascer.

107


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.