ADORO ROMANCES EM E-BOOKS APRESENTA! JULIA- 832- CIÚME, TEMPERO DO AMOR ROSEMARY HAMMOND
Ter o marido de volta! Era um sonho há muito acalentado achei. Para isso, no entanto,teria de superar o ciúme... Rachel ficou realmente preocupada. Justamente agora que estava refazendo sua vida, seu ex-marido, Stephen, reaparecia. A pequena editora para a qual trabalhava estava em péssima situação financeira e ele oferecia a ajuda necessária. Aquela aproximação trouxe para Rachel amargas lembranças, mas também a esperança de reconquistar Stephen. Para isso, seria preciso superar o ciúme. Um ciúme quase doentio que a fizera romper um casamento sólido e feliz...
Título original: All it takes is love
CAPITULO I
Nunca fizera tanto calor em Seattle naquela época do ano. A principal cidade de Washington e do noroeste dos Estados Unidos, erguida numa faixa de terra entre a baía de Puget Sound e o lago Washington, de água doce, costumava apresentar uma clima ameno. Mas Rachel mal saíra de casa, a caminho do trabalho, e já se arrependera da roupa que vestira. "Ah!... Essas previsões de tempo. Quem pode confiar nelas?", pensou já um pouco irritada. O conjunto de algodão e a blusa de seda tinham sido escolhidos a dedo, mas ela não esperava sentir tanto calor. No pequeno trajeto até o ponto de ônibus a roupa já começava a grudar no corpo. Imagine mais tarde, em meio a toda aquela trabalheira no escritório! Se pudesse, voltaria para casa e trocaria de roupa. Mas hoje, infelizmente, não podia se atrasar. Seu chefe pedira que chegasse cedo ao escritório para participar de uma reunião, cuja pauta, dissera ele, era não só importante como urgente. Rachel trabalhava numa pequena editora, localizada na Pioneer Square, entre uma galeria de arte e um prédio de advogados. Era uma região nobre, com prédios envelhecidos, mas bem conservados. Aquela hora da manhã o movimento era intenso, e Rachel custou a chegar à portaria do edifício. — Bom dia, Sam — cumprimentou ela, mostrando contrariedade ao entrar na minúscula recepção do escritório. — Só espero que o assunto seja sério mesmo, pois não costumo madrugar e nem pretendo repetir a dose. O rapaz levantou o olhar do jornal que estava lendo, pousou a xícara de café sobre a mesa, bateu a cinza do cigarro e levantou-se, um tanto constrangido. — Antes fosse uma bobagem! Mas é importante mesmo, Rachel — garantiu. — Não iria incomodá-la se não fosse urgente. Rachel colocou a bolsa sobre a mesa e tirou o casaco rapidamente, tentando amenizar o calor que sentia. — Então diga logo do que se trata, meu rapaz! — disse Rachel, já um tanto ansiosa com todo aquele suspense. Na verdade, Sam mostrava-se inquieto, circulando pela sala sem parar. Seu cabelo ruivo, habitualmente despenteado, estava agora todo decomposto, como se tivesse passado por uma ventania. Os olhos azuis, geralmente tranqüilos, brilhavam de entusiasmo. Além disso, ao contrário do costumeiro jeans e a camisa esporte, vestia terno e gravata. Rachel teve vontade de rir ao vê-lo naquela roupa. Era um costume em
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extravagante tom verde-claro fora de moda e, pior, totalmente amarrotado. Como se isso não bastasse, o nó da gravata listrada estava torto e faltava um botão na camisa. Apesar disso, quem conhecesse bem o rapaz saberia que se esforçara para se apresentar da melhor forma possível aquela manhã. Rachel olhou para ele, desconfiada. — Imagino que esteja comemorando alguma coisa muito especial, ou não teria se arrumado desse jeito — observou com certo cinismo na voz. — Será que morreu alguém? — Não, sossegue, não morreu ninguém. — Pelo amor de Deus, Sam, abra logo essa boca, mostro jogo! — Arrumei o dinheiro! — disse, entusiasmado. — Que dinheiro? — indagou Rachel, sem entender nada. — O que vai nos salvar da falência — explicou Sam. — Desde que fomos obrigados a demitir a contadora, você tem tido acesso aos nossos livros contábeis; portanto, deve saber que a situação financeira da firma é péssima. Sem essa injeção de dinheiro, não resistiríamos um mês. Rachel arregalou os olhos. — Está querendo dizer que tomou dinheiro emprestado de algum banco? — Melhor do que isso — replicou Sam. — Um poderoso grupo empresarial quer negociar conosco. Rachel franziu a testa. — Não me diga que está pensando em vender a editora. — Não! Aí é que você se engana... É onde exatamente está a vantagem do negócio! — explicou ele. — Não vou perder a editora. Em troca de uma porcentagem dos lucros... — Espere aí — interrompeu Rachel, cada vez mais apreensiva. — De que lucros está falando? — Quer me deixar terminar? Pare de ser tão pessimista! — Está bem, desculpe. Continue. — E simples — prosseguiu ele. — Os lucros virão da expansão dos negócios, possível justamente devido à injeção de capital necessária para o fortalecimento de nossas operações. Sabe muito bem que estamos cercados de escritores talentosos, muitos inéditos, que vivem solicitando a publicação de seus livros. Só não investimos neles por absoluta falta de dinheiro. Com esse empréstimo, a situação será bem diferente. — Parece um negócio interessante — disse Rachel, revelando pouco entusiasmo. — Mas tenha cuidado, Sam. Pense bem antes de fechar negócio com quem quer que seja. Que companhia é essa que caiu do céu na hora "H"? — Ah, não me lembro o nome. Parece que alguma coisa como Mundial ou 3
Universal, sei lá! Mas logo você vai ficar sabendo. Temos uma reunião com um representante do tal grupo dentro de quinze minutos. E mais... No Hilton, minha querida. Vamos, vamos rapidinho que não quero chegar atrasado logo no primeiro encontro! Rachel mal teve tempo de vestir o casaco e sair correndo atrás do apressado Sam. Sabendo o quanto era desastrado nos negócios, queria certificar-se de que o tal acordo era realmente vantajoso para a editora. Sam era um excelente editor, mas às vezes confiava demasiadamente nas pessoas e punha muito coisa a perder. Enquanto seguiam em direção ao Hilton, Sam não parava de falar dos planos de expansão que tinha em mente. Contratariam uma secretária e uma recepcionista e trariam Martha de volta para cuidar da contabilidade, de forma que Rachel pudesse se ocupar da parte da editoração, o que era realmente sua função. Em meio à euforia de Sam, a memória de Rachel retornou à época em que fora convidada a trabalhar com ele. "E um negócio pequeno", dissera, "mas com muita chance de expansão. E você é a pessoa indicada. Aceite, por favor,". Rachel relutou a princípio, mas não conseguiu resistir ao entusiasmo de Sam. E ali estava ela, ao lado dele, tentando jogar um pouco de água fria naquele arrebatamento quase infantil. O fato é que ultimamente o pequeno escritório vinha enfrentando problemas, principalmente devido aos inúmeros concorrentes instalados na vizinhança. Viva-se urna espécie de boom editorial e havia editora por toda a região. Rachel recebia muitas ofertas de trabalho, mas sempre recusava. Era fiel a Sam. Na verdade, mais que seu chefe ele era um amigo muito querido. Ao se aproximarem do hotel, no alto da colina, Rachel estava quase sem fôlego, além de toda suada e despenteada devido à correria para chegarem na hora marcada. Mas assim que se viu dentro do amplo e agradável saguão do hotel, virou-se para Sam e disse: — Vou até a toalete dar um retoque na maquiagem e ajeitar o cabelo. Precisamos impressionar os tais magnatas. Dizendo isso, olhou por sobre o ombro de Sam e gelou ao avistar um homem alto e elegante que passeava tranqüilamente pelo saguão. Por um instante seu coração quase parou de bater e ela ficou paralisada no lugar. Incrível! Não pode ser ele. Reconheceria aquele andar até o fim de seus dias. O jeito confiante, a postura altiva... Não havia a menor sombra de dúvida. Horrorizada, Rachel percebeu que o sujeito vinha na sua direção. Mas àquela altura, mesmo que quisesse, não poderia fugir sem ser percebida. Conforme o homem se aproximou, Rachel notou ele quase não 4
mudara. Estava só ligeiramente mais velho, talvez. Também, pudera, já faziam dois anos que não o via! Ela própria devia estar aparentando mais idade. Instintivamente passou a mão pelos cabelos, lamentando que depois de tanto tempo fossem se rever justamente quando estava tão mal arrumada. — Olá, Rachel — cumprimentou ele, descontraído, assim que se aproximou o suficiente dela. Sua voz continuava baixa e macia, porém firme. — Oi, Stephen — respondeu ela, procurando demonstrar tranqüilidade e virando-se para Sam, que os olhava sem entender nada. — É ele o representante da tal companhia, Sam? — indagou quase num sussurro. O rapaz confirmou com a cabeça. — Estou enganado ou já se conheciam? — perguntou curioso. Stephen voltou-se sorridente para ele. — Há um bom tempo — gracejou, olhando de relance para Rachel. — Na verdade, fomos casados durante cinco anos. A situação era constrangedora, mas, superado o primeiro impacto, dirigiram-se ao restaurante, procurando comportar-se da maneira mais natural possível. Apesar do embaraço inicial, Rachel até que se saiu bastante bem, chegando mesmo a participar das discussões que, para sua felicidade, giraram unicamente em torno dos negócios da editora. Sam estava tão curioso a respeito do relacionamento de Rachel e Stephen que chegou a especular a respeito, mas Stephen desconversou e tratou de dar a reunião por encerrada. — Bem, Sam, tenho certeza de que nossa proposta beneficiará a ambas as partes. Não se preocupe com nada agora. Caso venhamos a fechar negócio, nossos advogados providenciarão contratos, minutas «te, enfim, tudo o que for necessário. Sam quase deu um salto na cadeira ao ouvir Stephen. — Posso lhe dar a resposta agora mesmo. O que você acha, Rachel? — Não seria prudente discutir o assunto com mais calma — observou ela, firme. Stephen sorriu conciliador. — Tem uma colaboradora inteligente, Sam — comentou, com certa ironia na voz. — É melhor ouvir seus conselhos, pois Rachel sempre teve ótima cabeça para negócios. Rachel não gostou da observação, aliás a primeira de caráter pessoal que ele fazia, e perguntou-se o que estaria querendo dizer com aquilo. Estava insinuando que não fora assim tão sensata na vida conjugai? No entanto, a expressão dele continuava cordial e amigável. Apenas o olhar, frio como aço, parecia penetrar o seu íntimo e vasculhar seus pensamentos 5
mais secretos. — Quanto tempo vai permanecer em Seattle? — perguntou Sam. Stephen deu de ombros. — Não sei ao certo. Depende de nosso acordo: Mas não se preocupe, não tenho a menor pressa. Rachel teve vontade de dar uma resposta ríspida, mas se conteve. Em toda sua vida, Stephen Kincaid nunca fizera nada que não fosse planejado nos mínimos detalhes, e ela podia jurar que ele estava preparando uma das suas. Pobre Sam! Tão ansioso para botar as mãos naquele dinheiro! Se não ficasse de olhos bem abertos acabaria se dando mal. — Já que não está com pressa e caso se interesse, posso lhe mostrar a cidade — ofereceu Sam, gentilmente. — Agradeço, mas conheço Seattle muito bem. Para ser mais exato, nasci aqui. — Não me diga — gaguejou Sam, um tanto desapontado, olhando para Rachel sem saber o que dizer. Stephen virou-se para ele. — Voltaremos a nos falar, Sam. Com essas palavras, despediu-se e retirou-se. Assim que ele saiu pela porta do saguão, Sam virou-se para Rachel. — Puxa, que coincidência, heim? Não sabia que você tinha sido casada. — Não achei que valesse a pena contar, até porque isso não tem nada a ver com minha vida atual. O rapaz olhou um momento para o prato vazio à sua frente, depois virou-se para ela. — Agora, ao menos, sei que você não é contra o casamento, como eu imaginava. Se é assim, talvez eu tenha alguma chance. — Desculpe, Sam, mas não pretendo repetir a experiência nunca mais, se é isso que quer saber. — E levantando-se, decidida: — É melhor voltarmos logo para o escritório, pois temos de discutir as propostas de Stephen, não minha vida pessoal. Sam passou a manhã toda no maior entusiasmo, fazendo planos para o futuro, enquanto Rachel, distraída, mal ouvia o que ele dizia. Não conseguia tirar da cabeça o encontro daquela manhã. Além disso, estava intrigada com o interesse de Stephen na pequena editora. Não fazia sentido que um alto executivo como ele se dedicasse pessoalmente a um negócio tão insignificante. E pensar que julgara-se a salvo quando soubera que ele estava em Londres, gerenciando uma filial da companhia! Por volta de meio-dia Sam saiu para encontrar-se com alguns clientes e ela aproveitou para ligar para a irmã, Laura, avisando que iria almoçar 6
em sua casa. Precisava sair um pouco do escritório. Longe de Sam, talvez pudesse refletir melhor sobre os últimos acontecimentos. Laura era casada com John, um advogado bem-sucedido, com quem tinha quatro filhos. Viviam numa imponente mansão no alto de Queen Anne Hill, de onde avistava-se a cidade e o lago. Era uma região nobre, deslumbrante. Como fosse feriado escolar, os sobrinhos, entre sete a treze anos de idade, encontravam-se todos em casa. Depois de muito esforço, Laura conseguiu que almoçassem e se distraíssem com um jogo. — Pronto — suspirou, aliviada, debruçando-se sobre a mesa. — Espero que nos dêem ao menos quinze minutos para almoçarmos em paz. Confesso que às vezes sinto inveja da vida tranqüila que você leva. — Calma e sossego também cansam — replicou Rachel, sorrindo. Na verdade, Rachel sentia uma certa tristeza por não ter tido filhos. Admirava a irmã, com todos aqueles filhotes inquietos e barulhentos. De família numerosa, sentia falta do ambiente familiar. — Com esses quatro filhos você não deve saber o que é monotonia! — brincou Rachel. — Não creio que sua vida seja tranqüila, do jeito como você trabalha... Às vezes fico imaginando como teria sido a minha vida se tivesse tido filhos. Laura arregalou os olhos. — Me admira muito! Você não queria nem ouvir falar no assunto! Mas ainda está em tempo. Tem só vinte e oito anos e muito chão pela frente. — E, mas não dá para gerar um filho sozinha. — Percebendo o olhar compadecido de Laura, acrescentou: — Mas não estou me lamentando, não. Acho que não é meu destino ser mãe. Fiz uma opção e tenho de aprender a conviver com ela. Um silêncio embaraçoso caiu sobre as duas irmãs. Rachel sabia muito bem que Laura devia estar pensando que, se não tivesse deixado o marido, provavelmente poderia ter tido filhos. Haviam discutido aquele assunto inúmeras vezes antes de Rachel resolver colocar um ponto final na questão. Agora, não sabia nem bem porque, algo mudara dentro dela e sentia necessidade de conversar com alguém a respeito da inesperada reaparição de Stephen. Laura era a única pessoa em quem podia confiar e, mesmo sabendo que aquilo talvez significasse a reabertura da antiga discussão, resolveu arriscar. — Ah, sabe quem encontrei um dia desses? Stephen — começou em tom casual, olhando diretamente para Laura. — Está brincando. — Admirou-se Laura. — Ele está em Seattle? — Isso mesmo. Parece que a companhia para a qual trabalha tem 7
interesse em negociar com a editora de Sam. — Mas por que Stephen veio a Seattle? Não poderiam ter enviado um funcionário qualquer? — Foi o que pensei. Laura recostou-se na cadeira e mordeu os lábios, pensativa. — Por que será que voltou? Isso não a intriga? — Tenho de admitir que sim — replicou Rachel. — Quer dizer, tenho uma vaga sensação de que a sua volta poderá me trazer aborrecimentos. — Por que diz isso? Rachel permaneceu quieta um instante, antes de responder. Lembrava-se que a separação nunca fora bem aceita por Stephen. Ele reagira mal e nunca se conformara. — Bem, todo mundo sabe que homem nenhum admite ser abandonado pela mulher. — Rachel tentou justificar. — Sabe perfeitamente o que penso a esse respeito — disse Laura, com sinceridade, percebendo um olhar de recriminação em Rachel. — Está bem, vamos mudar de assunto, mas saiba que não creio que Stephen seja do tipo rancoroso. Rachel inclinou-se para a frente e olhou fixamente para Laura. — Porque não viu como ficou arrasado quando pedi o divórcio. — Posso imaginar, mas mesmo assim não creio que tenha vindo para se vingar. Sei que é um homem difícil, temperamental mesmo, mas nunca vingativo. John sempre gostou muito dele. — E, olhando longa e duramente para Rachel, acrescentou: — Vai me desculpar, mas continuo achando que foi loucura sua deixá-lo. Rachel não se conteve. — Mas Laura, eu o peguei com outra! O que queria que eu fizesse? Que permanecesse cega? — Não, claro que não! Mas dizem que o abandonado, mesmo quando culpa-lo, sofre mais do que aquele que é traído. — Ora, Laura, não me venha com essa! Eu era apaixonada por Stephen, acreditava ser correspondida. Levávamos uma vida maravilhosa, até que... — Sua voz tremeu e ela desviou o olhar. — Não seja boba, é claro que ele a amava. Só que não existe casamento perfeito. Se tivesse tido mais calma, conversado com ele„. Naquele instante, uma das crianças começou a chorar. — Espere um pouco, desta vez parece que algo de sério aconteceu. Volto num instante — pediu Laura, correndo para o quintal. Rachel aproveitou a ocasião para liberar um pouco as emoções que sentia. As lágrimas começavam a correr pelo rosto. Sabia que era bobagem aborrecer-se por causa de um assunto morto e enterrado, mas 8
tinha de admitir que a incomodava realmente pensar que Laura talvez tivesse razão. Quem sabe não fora precipitada em deixar Stephen daquele jeito. De mais a mais, será que seu casamento era mesmo tão perfeito como acreditara? Lembrou-se das várias discussões, acontecidas muito antes daquela noite horrorosa, e fechou os olhos com força, como se quisesse apagar aquela lembrança terrível. Mas não adiantava, ainda podia vê-los juntos: Stephen e sua melhor amiga abraçados na sua cama. Ela seminua, ambos embriagados. — Não! — gritou, esmurrando a mesa. Nada justificava o que ele lhe havia feito. Não o perdoaria nunca. Durante o caminho de volta para a cidade, Rachel não conseguia esquecer as palavras de Laura. Errara esperando que ela a compreendesse e a apoiasse. Claro que era bem-intencionada, mas estava tão convencida de que o casamento era o melhor para qualquer mulher que não conseguia imaginar outro modo de vida. Além disso, sempre gostara muito de Stephen e achava que ela, Rachel, fora muito dura com ele. Aquela conversa, em vez de ajudá-la, a deixara mais confusa ainda. Agora que a ferida fora reaberta, via-se de volta ao passado, reavaliando a situação outra vez e analisando a atitude de Stephen durante todos aqueles anos. Para não pensar muito em Stephen, trabalhou até mais tarde, tentando dar fim a uma pilha de manuscritos que vinha evitando há muito tempo. Agora, diante da possibilidade de uma injeção de capital novo na companhia, precisava voltar à sua verdadeira função. Quando decidiu ir para casa, agradeceu a Deus por ter colocado o conjunto mais quente, pois a chuva fina que caía fizera baixar bastante a temperatura. Ainda morava na mesma casa dos tempos de casada. Ela e Stephen haviam morado lá durante pouco mais de um ano, até que a companhia o transferiu para o escritório central, em Nova York. Como Stephen passou a ter maior prestígio com a nova posição, mudaram-se para aquela cidade, resolvendo, entretanto, conservar a casa de Seattle. Com o divórcio, Rachel voltou a morar na casa, agradecendo aos céus por ter um lugar para onde ir. No entanto, agora percebia que tudo ali fazia com que o passado voltasse. Perturbada, dirigiu-se para o quarto, a fim de trocar de roupa. Ainda bem que tivera o bom senso de se desfazer da velha cama de casal onde surpreendera Stephen nos braços de Margaret. Fora isso, o quarto era o mesmo de antes e, olhando ao redor, não pôde evitar a volta de tristes recordações. 9
Era ridículo que deixasse um único encontro lhe roubar o prazer de viver na casa que sempre adorava! Tinha sido um choque, é verdade, mas com certeza o superaria. Logo Stephen resolveria seus negócios e sumiria da sua vida para sempre deixando-a em paz. Depois de tomar um banho quente e comer alguma coisa, Rachel foi para a sala de estar e começou a examinar um manuscrito. A fim de provar a si mesma que era uma pessoa forte, decidida, sentou-se na cadeira preferida de Stephen. Mas não havia meio de conseguir concentrar-se. Por mais que se esforçasse, não parava de pensar no ex-marido. Quando já estava disposta a parar de trabalhar e ligar a televisão, tocou o telefone. Era Sam, falando apressado e ofegante. — Desculpe ligar para sua casa. — Tudo bem. O que houve? Você parece nervoso. — Nada de grave, só que acabo de receber um telefonema pedindo para pegar o primeiro avião para Nova York amanhã. Rachel estremeceu. — Que coisa estranha! E por que essa pressa toda? — Os magnatas querem me conhecer pessoalmente, compreende? — Acho que seria mais lógico que dessem uma olhada na contabilidade da editora. — Escute, Rachel, não estou em condições de criar caso com eles. Esse dinheiro representa muito para mim e não vou deixar escapar a oportunidade. Só me resta lhe pedir que tome conta dos negócios durante a minha ausência. — Está bem. Por quanto tempo imagina ficar fora? — Não muito. Apenas o necessário. Agora preciso me apressar pois nem comecei a arrumar a mala ainda — completou Sam, desligando em seguida. Rachel ficou parada ao lado do telefone, cismada. Se tinham enviado um executivo do gabarito de Stephen para tratar do negócio, por que razão estariam chamando Sam a Nova York, assim de repente? Alguma coisa soava mal naquela história, mas Sam dissera que o chamado viera de Nova York e, pelo que sabia, Stephen ainda estava em Seattle. Desta vez, pelo menos, parecia não ser armação dele. Devia estar paranóica para achar que depois de dois anos ele ainda desejasse vingança. Ficou horas quebrando a cabeça até, finalmente, conseguir adormecer. No dia seguinte passou quase toda a manhã no escritório em meio a uma pilha de papéis. Sam levara os livros contábeis para Nova York, de modo que não tinha muita coisa a fazer, além de continuar a ler os manuscritos. Quando faltava pouco para o meio-dia, ouviu abrir a porta da recepção. 10
Como já era quase hora do almoço, apanhou os papéis que estivera lendo, recolocou cada um em sua respectiva pasta e levantou-se, para verificar quem havia chegado. Abriu a porta e deparou com Stephen. — Olá, Rachel — cumprimentou ele. Rachel sentiu os joelhos tremerem e o coração bater feito louco. Por que razão, depois de tudo que acontecera, ainda se sentia tão perturbada diante daquele homem? Respirou fundo, procurando manter a calma, pensando que talvez fosse melhor deixar que ele falasse, descobrir o que desejava e daí, então, tentar resolver tudo da melhor maneira possível. — Sam não está — comunicou, tentando aparentar naturalidade. — Eu sei. Não é com ele que quero falar. — Compreendo. No que posso lhe ser útil? Sam levou os livros contábeis para Nova York, mas talvez possa ajudá-lo. — Não vim a negócios, mas apenas para saber como tem passado Rachel. — Muito bem, obrigada. E você? — Andando de um lado para o outro, feito um cigano. — Soube que estava morando em Londres. Por que voltou a Seattle? Não me diga que foi por causa desse pequeno negócio que sua empresa está fazendo conosco. Stephen olhou em torno, avaliando o discreto escritório e num só relance pôde perceber um lustre quebrado, um vidro remendado com esparadrapo na janela, os cantos das paredes cheios de teias de aranha e o chão empoeirado como se não fosse varrido há pelo menos uma semana. Rachel ficou parada, olhando para ele e esperando uma resposta. Sabia perfeitamente o que deveria estar pensando. Ele olhou para ela e sorriu. — Então foi por causa dessa brilhante carreira que sacrificou sua vida? Rachel teve vontade de dar uma resposta malcriada, mas se conteve. Seria fria, distante, indiferente e não permitiria que ele se intrometesse em sua vida. — Pode parecer pouco — disse, com um leve sorriso, — mas adoro meu trabalho. Além disso, não sei de que sacrifício está falando. Ele ergueu as sobrancelhas. — Ah, não? Então, o casamento, a família, um lar, não significam muita coisa para você? Ela ficou vermelha de raiva. — Não se faça de desentendido. Sabe muito bem porque nosso casamento acabou, e o meu trabalho não tem nada a ver com isso. Com dois largos passos, Stephen cobriu a distância que os separava, colocando-se bem à frente de Rachel. Estavam tão próximos que ela 11
podia sentir o velho e conhecido perfume da sua colônia após-barba. — Então por que foi? — Embora o tom de voz fosse firme, Rachel o conhecia bastante bem para perceber a emoção contida. — Ah, Stephen. Para que voltar a esse assunto? Já discutimos isso na ocasião e não chegamos a lugar algum — disse, voltando-se. — Porque você nunca quis me ouvir. Acredita ter entendido tudo que aconteceu aquela noite entre Margaret e eu, não é? — Stephen, eu os vi! — gritou com raiva, as mãos na cintura. — Viu e interpretou à sua maneira — defendeu-se ele. Prometera para si mesma não perder o controle diante dele, mas deixara-se levar pela emoção, quando o que mais precisava era manter a cabeça fria. Com muito esforço, conseguiu controlar-se. — Chega, Stephen — disse em voz baixa. — Não vejo razão para ficarmos discutindo o passado outra vez. — Está bem, também não quero mais falar nisso — concordou ele. Que acha de almoçar comigo, hoje? — Desculpe, mas não creio que seria uma boa idéia. — Ora, vamos! Em nome dos velhos tempos. Afinal, nos conhecemos desde pequenos, crescemos juntos. Não vai ser um simples almoço que vai tirar a sua paz de espírito. Ou vai? Rachel olhou bem para ele. Sua proximidade estava começando a deixála nervosa. Foi até a janela, fingindo espiar o movimento da rua, voltouse e o fitou nos olhos. — Está certo, Stephen, você venceu. Mas agora me diga, sinceramente, o que veio fazer em Seattle? Stephen desconversou. — Ah... foram várias as razões que me trouxeram de volta. Primeiramente, porque aqui me sinto em casa; depois, porque queria tentar recomeçar a vida, entende? Quando surgiu a oportunidade de fazer negócio com Sam, pensei que seria melhor eu mesmo vir e cuidar de tudo pessoalmente. — Só por isso? — desconfiou ela. — Digamos que eu tenha decidido dar outra chance a você, também — confessou Stephen, com um largo sorriso nos lábios sensuais. CAPÍTULO II Ao ouvir aquelas palavras e ver a expressão de ansiedade nos olhos de Stephen, Rachel ficou assustada. Parecia que todas as suas dúvidas e anseios tinham sido colocadas à sua frente. — Você deve estar brincando! — protestou. — Não costumo brincar com coisas sérias — garantiu Stephen, sério. — 12
Sabe disso. — Então deve ter enlouquecido de vez, pois está passando dos limites. — Não sei porque. Ora, vamos, admita que ainda existe um sentimento verdadeiro entre nós... — Ah, Stephen — interrompeu Rachel. —- Você deve estar delirando. Tudo acabou entre nós e você sabe disso tanto quanto eu. — Pois não é o que penso — discordou ele. — Se não ligasse a mínima para mim, como quer me fazer crer, aquela noite entre Margaret e eu não a teria aborrecido tanto. — Ah, não? Aquilo foi a pior traição que um ser humano pode fazer a outro! Você estragou tudo. Mas já disse que não quero falar no assunto, por favor. — Porque sabe que estava errada — insistiu Stephen. — Pense o que quiser. Acabou e ponto final — disse Rachel, tentando colocar um ponto final na discussão. — Então não podemos conversar como pessoas adultas e civilizadas? — Não, não podemos — confirmou Rachel, dando-lhe as costas. — Agora, se me dá licença, tenho um trabalho urgente... — Isso é péssimo — falou Stephen. — Eu detestaria desapontar Sam logo agora que ele está certo de poder contar conosco. — E dando uma rápida olhada na modesta sala, acrescentou com pouco caso — Mesmo porque não estou muito certo se seria um bom negócio investir nisto aqui. Quase possessa, ela girou nos calcanhares e o encarou de frente. — Está me chantageando por acaso? — Absolutamente. Negócios são negócios, minha cara! Estou aqui justamente para avaliar a situação e ver se realmente o investimento nos interessa. Só isso. Rachel cruzou os braços e olhou para ele, desafiadoramente. — Isso é muita baixaria. Nem mesmo de alguém da sua laia eu poderia esperar uma coisa dessas! — Ora, por favor, não seja dramática. Não disse que meu parecer vai ser contrário ao negócio. Mas se você, como funcionária e, portanto, parte interessada no negócio faz questão de não cooperar, de criar obstáculo ao meu trabalho, o que mais posso fazer? Rachel mordeu os lábios e pensou em Sam, tão confiante e cheio de projetos. — Tudo bem — cedeu. — Aceito seu convite, mas só para que não pense que estou lhe causando embaraços. Ele sorriu, vitorioso. — E tudo que peço. Podemos ir? Guiado pelo bom gosto de sempre, Stephen levou-a a um renomado 13
restaurante de Seattle, especializado em frutos do mar. Sentaram-se perto de uma janela de onde se via o porto e a baía de Puget Sound e, apesar da neblina impedir que avistassem as montanhas ao longe, a vista das barcas e dos navios atravessando a baía em direção às ilhas vizinhas, carregando e descarregando nas docas, era bastante agradável. Apesar da irritação que a princípio a atitude de Stephen lhe causara, Rachel não podia deixar de sentir-se lisonjeada com seu assédio, principalmente considerando-se o interesse que sua passagem despertava nas mulheres enquanto dirigiam-se à mesa. Fazia tempo que não saía com um homem tão atraente. Após terem feito seus pedidos ao garçom, Stephen olhou pensativo em direção do porto, e sorriu. — Ah! Como é bom estar de volta. Tinha quase me esquecido como esta cidade é bonita, tão aconchegante. — É a primeira vez que volta aqui, então? Ele fez que sim com a cabeça. — Não tenho vindo muitas vezes aos Estados Unidos, desde que fui transferido para Londres. Sinto que está na hora de voltar para casa. Rachel sorriu, entendendo perfeitamente bem o que ele estava tentando dizer. — Pretende voltar a morar aqui? — Ainda não resolvi. A companhia conserva meu apartamento em Nova York, mas não pretendo viver naquela loucura por muito tempo — explicou ele, olhando para ela disfarçadamente, e observando o efeito de suas palavras. Em seguida, acrescentou: — Só que antes preciso resolver algumas coisas. Nesse momento o garçom aproximou-se, interrompendo o rumo da conversa. Durante o almoço, falaram sobre velhos amigos comuns, sobre as experiências passadas e, aos poucos, Rachel foi se descontraindo. Afinal que mal havia em serem amigos? Sabia que havia mágoa no coração de Stephen, mas ele não parecia querer revanche, como pensara a princípio. Terminaram de almoçar e só mais tarde, enquanto tomavam café, Stephen tentou dar um sentido mais pessoal à conversa. — O que tem feito desde que nos separamos? Quer dizer, além de trabalhar, claro. Estou enganado ou tem mesmo um caso com o cabeça fresca do seu chefe. Rachel quase engasgou. — Que idéia! Nosso relacionamento é absolutamente profissional. E você? Imagino que deve ter um harém à sua espera em Nova York. Stephen não se conteve. Atirou a cabeça para trás e deu uma sonora gargalhada. Os ocupantes das mesas vizinhas, principalmente as mulheres, olharam para ele, não deixando de sorrir. Era praticamente 14
impossível ficar indiferente ao charme de Stephen. — Que exagero! Deve achar que não penso em outra coisa, não é? Para ser sincero, tive alguns casos, mas nada de importante. — Não pensou em se casar de novo? Stephen olhou para ela, horrorizado. — Deus me livre! — exclamou. — Acho válida uma primeira tentativa; agora, se não der certo, é porque a pessoa talvez não tenha nascido para o casamento. — Que é isso, Stephen? Está me dizendo que não se deve tentar uma segunda chance? — Bem, penso que sempre se pode tentar mudar o comportamento, mas isso dentro de um mesmo casamento. Agora, se não se consegue da primeira vez, não creio que haja a menor chance de se dar bem numa segunda ou numa terceira tentativa. — A maioria das pessoas não pensa como você. — Claro — comentou ele, sério. — Mas basta dar uma olhada no número de divórcios que se concretizam por ano, principalmente de pessoas que já foram casadas, para ver que estou certo. — E tomando um gole de café, acrescentou: — Tudo bem, mas vamos falar de nós dois. — Não há mais nós dois, Stephen — afirmou Rachel, em voz baixa. Lembra-se? — Ouça, estamos os dois livres, somos velhos amigos e você, para ser sincero, ainda é uma mulher incrivelmente atraente. Nada nos impede de usufruir da companhia um do outro. Além disso, agora que a minha firma resolveu entrar no ramo editorial, é provável que eu possa até ajudá-la profissionalmente. Rachel lançou-lhe um olhar desconfiado. — Podemos até ser bons amigos, mesmo porque parece que vamos viver na mesma cidade, além de termos negócios a tratar. Mas é só isso. — Não vejo porque — ponderou ele, com tranqüilidade. — Como já lhe disse, você continua muito atraente. — Inclinou-se sobre a mesa e colocou a mão sobre a dela. — Passamos momentos tão agradáveis juntos. Poderíamos repetir a experiência. — De jeito nenhum! — disse Rachel, tentando retirar rapidamente a mão. — Não faça isso comigo. — Os olhos azuis dele brilhavam intensamente, enquanto apertava a mão dela. — De mais a mais — disse, quase num sussurro — tem de admitir que, apesar das nossas diferenças, na cama sempre nos demos às mil maravilhas. Rachel corou e, por um instante, sentiu-se tentada a aceitar á' proposta. Nos seus dois anos de divorciada, não conhecera homem algum que a interessasse tanto. E numa coisa ele tinha razão: sempre tinham se dado 15
maravilhosamente bem na cama. Justamente por isso, sentira-se tão magoada quando descobrira que estava sendo traída. A lembrança disso foi como um balde de água fria. Ele destruíra o seu mundo naquela noite e ainda tinha coragem de sugerir que podiam recomeçar tudo de novo, como se nada tivesse acontecido. — Não há a menor chance, Stephen — garantiu, como quem dá o caso por encerrado. E, retirando a mão debaixo da dele, pegou a bolsa na cadeira ao lado. — Agora tenho de voltar para o escritório. Já que para sua própria conveniência você afastou Sam do caminho, tenho de me virar sozinha. Stephen sorriu, divertido. — Eu fiz o que? — De repente, ficou sério. — Escute aqui: não quero ser insistente, mas acho que você podia no mínimo pensar na minha proposta. Acho que até me deve isso. Rachel olhou para ele, sem palavras. — Eu lhe devo? Não sei como se atreve a me propor uma coisa dessas. Esquece-se de que eu o peguei na cama com a minha melhor amiga? Sentindo o rosto em chamas, Stephen debruçou-se sobre a mesa e aproximou o rosto do dela. — Nunca fui para a cama com Margaret. Vê se põe isso na cabeça de uma vez por todas. Não vou explicar de novo o que aconteceu. Se não quis me ouvir na ocasião, não creio que queira, agora. — Exatamente — concordou ela, levantando-se. — Portanto, não temos mais nada a nos dizer, certo? Agora, com licença. De cabeça erguida, sem se preocupar se ele a seguia ou não, saiu do restaurante. Quando chegou à rua deu uma olhada para trás, mas não viu nem sombra dele. Respirando, aliviada, percorreu a pé o caminho de volta ao escritório, com o rosto queimando de raiva. Já não conseguira esquecê-lo uma vez? Pois conseguiria novamente. Entretanto, não tardou para que descobrisse que não seria assim tão fácil como pensara. A noite, em casa, não conseguia desviar a mente do que acontecera. Ficou andando feito uma barata tonta de um lado para o outro, sentindo um estranho vazio. Tudo dentro daquela casa lhe trazia recordação de Stephen. Era impressionante como a inesperada reaparição dele fizera com que sua vida de repente parecesse fútil e sem sentido. Tinham sido tão felizes ali! Num impulso, dirigiu-se à sala de jantar e abriu a gaveta do bufê, onde ainda mantinha o álbum de fotografias do casamento. Deste a separação procurara mantê-lo longe dos olhos, mas agora sentira vontade de revêlo. 16
Sem refletir, abriu a gaveta e ficou olhando para o álbum, incapaz de folheá-lo. Mentalmente pareceu reviver o dia mais feliz da sua vida e, enchendo-se de coragem, Levantou cuidadosamente a capa do grosso volume. Ficou olhando para a primeira foto, sua favorita, tirada quando estava subindo as escadas para arrumar-se para a viagem de lua-de-mel. Stephen, alto e forte, lindo no seu fraque, olhava para ela, apaixonado. Lembrou-se da maravilhosa lua-de-mel nas Bahamas, da noite de núpcias e sentiu um aperto no coração. Apesar da traição que sofrerá, dos esforços para esquecê-lo, ainda o amava. Sempre o amaria. No silêncio da casa vazia, deu um soluço sentido, deixou as lágrimas escorrerem pelo rosto e virou a página. Para essa segunda foto posavam ao lado de seus pais, que pouco mais tarde faleceram num desastre de carro, e de Laura, que fora sua dama-de-honra. Em último plano, via-se Margaret Fulton, a garota mais bonita da turma, com seus longos e sedosos cabelos pretos, imensos olhos verdes e um corpo de parar o trânsito. Deprimida, fechou o álbum. Desde a infeliz ocasião não a vira mais. Era terrível ter sido traída justamente pelas duas pessoas em quem mais confiava, pensou, recolocando o álbum no lugar. Jamais os perdoaria. Chorou como nos primeiros dias de divorciada e, quando adormeceu, sonhou com Stephen — não aquele que a traíra, mas o homem por quem fora perdidamente apaixonada um dia. Ao acordar, na manhã seguinte, a imagem de Stephen ainda estava tão nítida na lembrança que chegou a pensar que estivesse ao seu lado na cama, como quando eram casados. Será que ainda poderiam ser felizes juntos? Da próxima vez não recusaria seu convite. Espreguiçando-se, sentou-se na cama e percebeu que o dia estava feio e chuvoso. Apesar de ter um montão de trabalho a aguardando na editora, resolveu não ir trabalhar. Afinal era sábado e, se tomasse coragem, talvez mais tarde desse uma olhada na pilha de papéis que trouxera para casa. Assim decidido, não tinha por que se apressar em levantar-se. Ainda não eram nem oito horas e, além do mais, dormira muito mal a noite toda. Virou-se de bruços e quando estava quase pegando no sono novamente, o telefone tocou. Deve ser Stephen, pensou, estendendo o braço, afobada. — Alô! — Rachel? Sou eu, Sam. — Ah, é você. Está tudo bem? — perguntou, caindo de sono. — Tudo, mas contenha esse entusiasmo, tá? — ironizou Sam, percebendo o desânimo em sua voz. — Desculpe Sam. E que acabei de acordar. Mas o que houve para você estar me ligando tão cedo? 17
— Cedo? São quase onze horas. — Aí. Mas lembre-se de que aqui ainda são oito da madrugada. — É mesmo, Rachel! Desculpe, esqueci completamente do fuso horário. — Tudo bem. Já ia levantar mesmo. Mas diga logo de que se trata. — Nada de especial. Só queria avisá-la que volto amanhã para Seattle e que estarei no escritório segunda-feira logo cedo. — Nenhuma novidade? — Está tudo resolvido, amiga. A partir de agora a Editora Overton faz parte de um gigantesco conglomerado. — Isso é ótimo — disse Rachel, disfarçando a desconfiança. — Mas imagino que tenham imposto algumas condições, não é? — Nenhuma, minha cara. Parecem confiar que de posse do capital necessário poderemos nos transformar numa mina de ouro. Se bem que o que para nós é uma fortuna, para eles é uma ninharia. — Tomara que seja isso mesmo, Sam. Esse negócio ainda me parece um tanto quanto esquisito. Contínuo achando que deveria ter consultado um advogado antes de fechar o negócio. — Ah, Rachel, por favor, não me venha com seus sermões. Como você é pessimista! — Pessimista coisa nenhuma! Sou apenas cautelosa, coisa que deveria aprender a ser também. Mas tudo bem, você é o dono da editora e tem todo o direito de fazer com ela o que bem entender. Alegro-me por você. Sam não disse mais nada e Rachel começou a pensar que a linha tivesse caído. Será que se ofendera e desligara? Estava quase para desligar, a fim de desocupar a linha para o caso de ele querer ligar novamente, quando ele disse, desta vez em tom grave: — Quer dizer, fizeram só uma exigência. — Qual? — perguntou Rachel, preocupada. — Que Stephen Kincaid seja uma espécie de supervisor. Mas não se preocupe — apressou-se ele —, isso não significa que ele vá interferir nos negócios. Só vai observar nada mais. — Compreendo — murmurou Rachel. — Espero que não se incomode Rachel. Isto é, considerando-se que já foram casados, bem, sabe como é. — Sim, eu sei e acho que agora só nos resta esperar e ver o que vai acontecer. — Espero que não fique zangada comigo. Não tive outra escolha. Ou aceitava essa pequena exigência ou perderia o contrato. Como a salvação da editora depende disso, achei melhor aceitar. Não quero perdê-la, Rachel e não teria outro emprego para lhe oferecer... — Eu entendo Sam. Desde que Stephen não se intrometa, não vejo problema algum. 18
O que ela não disse a Sam é que não acreditava nem um pouco naquela história de que Stephen iria apenas observar os negócios. Mas não criticava Sam por tentar, já que não tinha nada a perder e que talvez, embora achasse difícil, até pudesse dar certo. Mas o que a preocupava mesmo era saber como ficaria a sua situação naquilo tudo. Apesar de estarem em pleno outono, o dia seguinte amanheceu lindo. Como fazia todos os domingos. Rachel foi passar a tarde em casa de Laura. John levara as crianças ao zoológico, de forma que as duas ficaram à vontade para conversar. — E então, como vão as coisas com Stephen? — perguntou Laura, demonstrando curiosidade. Rachel colocou a xícara sobre o pires. — Não sei por que insiste nesse assunto? — Porque ninguém tira da minha cabeça que ele voltou a Seattle para tentar uma reconciliação. — Ah, Laura, pare com isso! Ele voltou porque aqui sente-se em casa. Nasceu aqui, lembra-se? Laura deu uma gargalhada. — Sabe, querida, apesar de ter crescido à beca nos últimos dez anos, Seattle ainda é uma cidade pequena e provinciana. Rachel entendeu o que Laura queria dizer. — Tudo bem, se faz questão de ouvir da minha boca, almocei com ele sim senhora. Mas porque fui obrigada, ou ele poderia retirar a ajuda que estão dando a Sam. Laura fingiu acreditar. — Ah, sei. Só por isso, claro. Rachel não teve outra opção senão sorrir. — Está bem, sua danada. Admito que fiquei um pouco curiosa, também. — Curiosa? — É. Curiosa. O que mais você queria? Laura debruçou-se sobre a mesa e olhou atentamente para a irmã. — Quer saber mesmo o que penso? — Para dizer a verdade não, mas como sei que vai dizer de qualquer jeito... — Acho que você ainda o ama! — Rachel ia protestar, mas Laura a interrompeu. — E isso mesmo. E agora escute. Está mais do que claro que ele quer voltar. Quanto a você, pode negar o quanto quiser, continuo achando que quer o mesmo que ele. Eu a conheço, Rachel. Você é do tipo de mulher que só ama uma vez na vida. Tenho visto o esforço que tem feito nos últimos dois anos para fingir que está tudo ótimo, que não sente falta da vida que perdeu, ou melhor, jogou fora, apegando-se àquele 19
emprego... Rachel não se conteve. — Espere aí. Agora está indo longe demais... — Não senhora! — insistiu Laura. — Só para variar, hoje é você quem vai me ouvir. Vou dizer tudo o que penso, quer isso lhe agrade, quer não. Tenho certeza que ainda está apaixonada por Stephen. Ele, sem dúvida alguma, ainda a ama e a quer de volta, além de jurar que não aconteceu nada naquela maldita noite. Que custa lhe dar um voto de confiança? O que você perderia com isso, Rachel? O quê? Percebendo a sincera preocupação de Laura, Rachel não conseguiu ficar zangada; ao contrário, sorriu para ela. — Sei que quer o meu bem, o que não compreende... Naquele momento, John chegou com as crianças, interrompendo o sossego das duas. — Por favor, Rachel, pense nas minhas palavras. Se não tentar ao menos mais uma vez, talvez se arrependa pelo resto da vida — profetizou Laura, desviando o olhar e dando por encerrada a conversa. No dia seguinte, Rachel não conseguia pensar em outra j' coisa. Apesar de no começo ter achado que tudo não passava de imaginação de Laura, com o tempo começou a achar que até fazia sentido. Honestamente, tinha de admitir que era ridículo querer substituir o amor por um emprego. Talvez, quem sabe, pudessem tentar mais uma vez. Mas o problema é que Stephen não lhe dava chance. Como os dias passassem sem que sequer ouvisse falar, dele, concluiu que desistira. Também, não era para menos. Afinal, já era a segunda vez que o rejeitava e mesmo um homem persistente como ele, não podia passar a vida toda martelando na mesma tecla. Talvez fosse melhor assim. Na segunda-feira Sam retornou ao escritório cheio de planos para o futuro e sonhando feito uma criança. Rachel nem tentou trazê-lo de volta à realidade, pois notou que simplesmente não lhe daria ouvidos. Passou a semana mergulhada no trabalho, na tentativa de parar de pensar em Stephen. Para complicar a situação, na sexta-feira seu carro começou a falhar e teve de deixá-lo na oficina. Mais do que o gasto com o conserto, o que a aborrecia era ficar a pé durante o fim de semana. No domingo ligou para Laura, avisando que, excepcionalmente, não iria à sua casa. — Ah, essa não! Tem de dar um jeito de vir. Estou contando com você e demais a mais estou experimentando uma receita nova que faço questão que prove — protestou. 20
Rachel sorriu consigo mesma. Laura era um desastre na cozinha, mas não desistia. — E uma pena, mas não vou poder ir — mentiu, procurando ser amável. — John pode ir buscá-la e depois levá-la de volta. Afinal não é tão longe assim — ofereceu Laura, animada. Rachel arrumou mil pretextos, mas Laura insistiu até convencê-la. Sabia que John não se importaria em ir buscá-la e, depois, não morreria se provasse mais uma das receitas da irmã. Também gostava muito do cunhado, que além de ser educadíssimo, parecia muito apegado à família e, em especial, à esposa. Como advogado bem-sucedido que era, podia oferecer-lhes um excelente padrão de vida. No caminho, Rachel arriscou perguntar: — O que Laura está preparando desta vez? Espero que seja algo mais comestível do que aquele pão doce da última vez. John riu a valer. — Por mais que eu lhe diga que me contento com carne e batatas, ela insiste em fazer pratos complicados. O que eu posso fazer? — E viva quem inventou o sal de fruta — brincou Rachel. Estava começando a chover novamente e, como todas as vagas na garage estivessem ocupadas, John deixou-a em frente a casa e foi guardar o carro num estacionamento na rua de trás. Cobrindo, a cabeça com a bolsa para proteger-se da chuva, Rachel correu para a porta, onde Laura já a esperava. — E John, onde está? — Foi guardar o carro no estacionamento — respondeu ela, sacudindo a capa de chuva e entrando. Logo sentiu um cheiro estranho no ar. Aspirou fundo, desconfiada. — Que cheiro diferente — observou. — É surpresa — disse Laura. — Não adianta que não vou lhe contar o que é. — Vou colocar minhas coisas no quarto — disse Rachel, dobrando a capa. Encaminhou-se para o hall e, mal chegou à sala de jantai avistou a figura familiar de Stephen, encostado à soleira da porta, com um copo na mão. Parou no mesmo instante surpresa. — Olá, Rachel — sorriu ele. Ela olhou para trás, à procura de Laura, mas mal teve tempo de vê-la correndo para a cozinha. Voltou-se calmamente, para o ex-marido. — O que está fazendo aqui? Stephen sorriu. — Fui convidado, claro. Nesse instante, John entrou, parou um momento, meio sem jeito, olhando de um para o outro e saiu apressado em direção à cozinha. 21
— Vou ver se Laura precisa de alguma coisa — explicou. Rachel voltouse para Stephen. Tinha vontade de matar a irmã pela armadilha, mas como não pudesse, só lhe restava tirar o melhor proveito da situação. CAPÍTULO III Com Stephen presente ao jantar, Rachel nem percebeu o fracasso em que se transformou a "surpresa" de Laura. Ele e John, velhos amigos que eram, puseram-se a conversar sobre esportes, política e negócios, esquecendo-se totalmente da presença das duas mulheres. Durante toda a refeição, Laura não parou de lançar olhares nervosos à Rachel, receando que estivesse muito zangada com a armadilha que lhe preparara. Propositadamente, Rachel se fez de distraída. Mais tarde se entenderia com ela. Vez ou outra como quem não quer nada, Laura tentava entrar na conversa dos homens, dando um palpite qualquer. John, então, voltava-se para ela, dava-lhe um sorriso compreensivo, fingia prestar atenção ao que ela dizia, e voltava-se para Stephen novamente. Rachel estava louca para escapar dali e, assim que todos terminaram de comer a sobremesa uma coisa verde, de aparência esponjosa e gosto estranho, viu surgir sua chance. — Aceitam um cafezinho? — perguntou Laura. Rachel pulou da cadeira. — Não, obrigada. Na verdade, se não se importa, acho que já vou indo. — Não pode ir embora ainda! — falou Laura, voltando-se para ela, aflita. Ignorando os sinais e piscadas que Laura lhe dava, Rachel virou-se rapidamente para o cunhado, que gentilmente já se levantava para levála de volta para casa. — Não se incomode comigo, John. Pegarei um táxi. Pela primeira vez desde que haviam se sentado à mesa, Stephen olhou-a de frente. — Não será preciso. Eu a levo — ofereceu. — Não, obrigada. Posso perfeitamente... — Bobagem — interrompeu Stephen, erguendo-se. E virando-se para a anfitriã, sorriu e disse: — Obrigada pelo jantar, Laura. Estava excelente, como sempre. — Ora, foi um prazer — gaguejou Laura. — E obrigada por levar Rachel de volta. John vai ter de ir buscar as crianças e isso lhe poupa tempo. Rachel olhou firme para ela e percebeu que, estranhamente, parecia tão ansiosa para livrar-se dela quanto estivera para detê-la, poucos momentos antes. A menos que quisesse fazer um escândalo, só lhe 22
restava aceitar a carona. — É uma pena que eu já tenha de ir embora, mas é que amanhã cedo vou para Nova York — disse Stephen, voltando-se para John. Então fora por isso que ele andara sumido nos últimos dias, pensou Rachel. — Vou apanhar as minhas coisas e volto já — anunciou. Durante o caminho de volta, nenhum dos dois encontrou muito o que dizer. Rachel seguia dura como uma estátua ao lado de Stephen que, como de costume, dirigia com o braço apoiado na janela do carro, as mãos levemente pousadas no volante e a atenção firmemente concentrada no trânsito. — Vejo que Seattle não mudou muito desde que parti — comentou ele, rumando na direção norte da cidade. Rachel sorriu. — É verdade. Nos horários de pico, prefiro pegar a marginal. — Boa idéia — disse ele, pegando a saída mais próxima. — Se ainda mora no mesmo lugar, é melhor ir por aqui — acrescentou, ao acaso, depois de um breve silêncio. Rachel percebeu que ele sabia muito bem onde ela morava. Só não sabia como teria descoberto. Será que a seguira? Curiosamente a idéia a deixava satisfeita. Chegando em frente à casa de Rachel, Stephen parou, puxou o freio de mão e desligou o carro. Ela o olhou de relance e viu que tinha uma expressão séria, pensativa. De repente, ele abriu a porta e deu a volta pela frente do carro, vindo para o seu lado. Rachel abriu a porta e saltou. Quando ele a alcançou, ficaram parados um em frente ao outro, sem saber o que dizer. — Não vai me oferecer uma xícara de café? — perguntou ele, por fim. Ela hesitou por alguns instantes. — Por que não? Vamos subir. Dentro de casa, Rachel sentiu uma saudade incrível dos tempos em que eram casados. Tirou o casaco, pendurou-o numa chapeleira que ficava a um canto do hall e virou-se, mas ele já não estava mais ali. Indo para a sala de estar, encontrou-o parado, os olhos muito atentos a tudo, uma expressão estranha no rosto. De repente, virou-se para ela. — Não mudou quase nada aqui — disse em voz baixa. — Até minha cadeira predileta continua no mesmo lugar. — Ela é muito confortável! — explicou Rachel. — Sempre achei que sim. Aquela conversa estava começando a deixá-la nervosa. Onde estava com a cabeça para permitir que aquele homem entrasse em sua casa? — Bem, sente-se — convidou-o, por fim, num tom formal. 23
— Vou preparar o café. Ele agradeceu e sentou-se. Ao virar-se para sair, notou que ele percorria a sala com o olhar como se quisesse se certificar de que ainda era capaz de reconhecer cada objeto. Parecia tão à vontade, pensou Rachel, irritada. Aquilo era ridículo! Colocou água numa caneca, levou-a ao fogo, apanhou um bule e duas xícaras no armário e ficou parada ao lado do fogão, esperando que a água fervesse. Estava tão distraída com os próprios pensamentos que não ouviu a porta se abrir. Quando Stephen pronunciou seu nome em voz baixa, bem atrás dela, levou um tremendo susto. — Eu? — respondeu, sobressaltada. — Não quero café, Rachel. — Ele pousou a mão em seu ombro. — Sabe muito bem o que quero... Mal conseguindo respirar, ela ficou parada, esperando. Ele deslizou a mão para a sua nuca e começou a acariciá-la. — Sempre adorei seus cabelos — murmurou. — Stephen — murmurou ela, excitada. — Pare, por favor. Mas ele não lhe deu ouvidos. Abaixou a cabeça, ergueu os cabelos dela e delicadamente pousou os lábios na sua nuca. Rachel sentiu um tremor percorrer seu corpo de cima a baixo. Sem refletir, fechou os olhos e, relaxando, por uma fração de segundo, apoiou-se nele. Tomando aquilo como sinal de entrega, Stephen imediatamente puxou-a para si, apertou-a de encontro ao seu corpo forte, beijando-a sem parar, nos cabelos, na nuca, nas orelhas. — Quero você, Rachel — sussurrou. — Nunca deixei de querer. Rachel virou a cabeça para olhá-lo de frente, procurando resistir, mas ele começou a beijá-la de uma forma tão carinhosa que ela se viu novamente transportada ao passado. Enquanto a beijava, Stephen foi deixando que sua mão escorregasse na direção dos seios dela. Nesse exato instante, o alarme da cafeteira automática soou, avisando que a água estava fervendo. Rachel soltou-se imediatamente dos braços dele e correu a tirála do fogo. — Já que você não quer café, é melhor ir embora — falou, decidida. Ele ficou calado por alguns instantes e, apesar de não poder vê-lo, pôde ouvir e sentir sua respiração forte e o esforço para controlá-la. Correra um alto risco, deixando-se levar daquela maneira pelos impulsos e não queria se arriscar de novo. — Olhe para mim, Rachel — disse ele, após instantes. Ela voltou-se lentamente e olhou-o bem nos olhos. — Diga, Stephen. — Por que está fazendo esse jogo comigo? 24
— Não estou fazendo jogo nenhum — replicou ela, com tranqüilidade. — Para você pode parecer normal voltar depois de dois anos de silêncio e ir se instalando na minha vida, mas para mim não, Stephen. — Dois anos de silêncio! — vociferou ele. — Foi você quem quis o divórcio, está lembrada? — Ah, que diferença faz isso agora? — gesticulou ela. — Não podemos voltar no tempo. E tarde demais. Tenho uma vida nova e você também, com certeza. Stephen deu um passo na direção dela e, embora suas feições mostrassem que ainda estava zangado, falou com suavidade. — Você ainda me quer Rachel. Não pode negar. Corando àquela lembrança, ela ergueu o queixo, fingindo-se de forte. — Está certo, não nego. Só que, independentemente do que eu sinta Stephen, não consigo esquecer o que vi naquela noite. Você nunca vai entender o quanto me magoou. Ele ergueu as duas mãos, num gesto de contrariedade. — Não aconteceu nada! — afirmou, com convicção e a voz embargada. — Nada? — repetiu Rachel, baixinho. Agora foi a vez de Stephen corar. — Bem, praticamente nada. Estávamos comemorando minha promoção naquela noite, não sei se você se recorda. Eu havia bebido um pouco além da conta, Margaret estava lá e eu tive um minuto de fraqueza. Mas não houve nada além daquilo que você viu. Eu lhe garanto. — Só que para mim aquilo foi o bastante — rebateu ela. — Em meus pesadelos ainda os vejo juntos, na cama... — Ela interrompeu o que dizia e virou-se para ele — Por favor, Stephen, não insista. Vá embora, Houve um silêncio quase absoluto na sala, quebrado apenas pelo tic-tac do relógio e pela ruído da chuva que batia contra a janela. Passados alguns segundos, Rachel ouviu os passos de Stephen se afastando. Permaneceu parada, tensa, até ouvi-lo saindo. Somente depois que ele deu a partida no carro e arrancou, encostou-se no armário da cozinha, a cabeça baixa, e deixou as lágrimas escorrerem à vontade. Apesar de ter passado quase a noite toda em claro, no dia seguinte, logo cedo, aprontou-se e saiu para o trabalho. Quando entrou no escritório, encontrou Sam sozinho na modesta recepção, esparramado numa cadeira, examinando uns papéis. — Ah, Rachel — exclamou ele, pondo-se de pé. — Ainda bem que você chegou. — Ele estendeu os documentos para ela e acrescentou — Quer me fazer o favor de ver se decifra esse emaranhado de itens e cláusulas que eu fiz a loucura de assinar? — Mas Sam — lamentou ela, com uma careta de desaprovação, não disse que estava satisfeito com o acordo? Sam fez um trejeito e arqueou as sobrancelhas. 25
— Bem, na hora me pareceu. Senti tanto alívio financeiramente e, além do mais, tudo me pareceu tão convincente... — gesticulou, desolado. Rachel pegou o contrato e deu uma espiada, por cima, no seu conteúdo. Tinha, no mínimo, umas trinta páginas, a maior parte delas em letras minúsculas, quase ilegíveis. — Você precisa é de um bom advogado. Quer que eu peça a John para cuidar disso? O rosto de Sam iluminou-se. — Faria isso por mim? — Claro que sim — afirmou ela. — Então, estamos combinados. Mas será que não poderia dar uma olhada nessa papelada antes dele chegar? Assim, ao menos, um de nós terá condições de discutir com ele durante a reunião. Ela o olhou, sem entender o que estava dizendo. — Antes de quem chegar? De que reunião está falando? — Ah, acho que esqueci de avisá-la — disse ele, inocentemente. — Quem poderia ser, minha querida? Stephen Kincaid. Bem, ele agora é nosso sócio observador e convocou uma reunião para as nove e trinta. — Se é só "observador", para que essa reunião, então? Sam pareceu desorientado. — Como quer que eu saiba? Por favor, Rachel, veja se esfria a cabeça e descobre se existe alguma coisa que eu precise saber, antes que ele chegue. Rachel colocou a bolsa e o contrato sobre uma cadeira, tirou o casaco e pendurou-o no chapeleira que ficava a um canto da sala. Sentia que de certa forma fora colocada de lado e estava furiosa com Sam. — Sabe de uma coisa, Sam? Fui contratada como editora, não como consultora administrativa. Tenho feito de tudo nestes dois últimos anos, menos editoração. — Eu sei, eu sei — Sam procurou acalmá-la. — E não tenho palavras para lhe agradecer. De agora em diante tudo vai ser diferente, prometo. Faça-me só mais este último favor e depois poderá se dedicar exclusivamente à editoração, certo? Ela apanhou o contrato e olhou para ele, irritada. — Está certo, posso dar uma olhada, mas não garanto que vá entender mais do que você. Não dá para adiar essa reunião com Stephen até que John tenha examinado o contrato? Ele sacudiu a cabeça, nervoso. — Não, não dá. Não sei o que há com esse cara. Me trata bem, é educado, não faz pose de chefe, nem nada disso, mas sinto que não admitiria ser contrariado. Entende o que quero dizer? — Sim — murmurou ela. — Perfeitamente. Passando por ele feito um 26
furacão, Rachel entrou na sua minúscula sala e sentou-se à escrivaninha, ainda forrada de manuscritos. Com um profundo suspiro de resignação, apoiou os cotovelos na mesa e começou a estudar o complicado contrato. Passados trinta minutos, estava tão perdida quanto antes, se não mais. Só um ponto ficara totalmente claro naquilo tudo: Stephen Kincaid teria controle absoluto sobre o capital aplicado na sociedade pela sua empresa. Rachel ergueu a cabeça e resmungou, em voz alta: — E Sam chama isso de "sócio observador"! Não podia acreditar que o amigo pudesse ser tão estúpido, mas até imaginava o que iria acontecer. Sentindo-se livre para atuar na área de editoração, naturalmente assinaria qualquer coisa que Stephen lhe apresentasse. Levantando-se, esticou braços e pernas. Será que conseguiria tirar Sam daquela enrascada? Quando já pensava em ir até ele e lhe dizer que desistia, que estava se demitindo do emprego, ouviu o ruído da porta se abrindo e o rumor de vozes masculinas vindo da recepção. Stephen! Havia se esquecido dele. Olhou para o relógio de pulso. Nove e meia em ponto. Era melhor acabar com aquela história o quanto antes. Alisou a saia, passou os dedos nos cabelos, apanhou o contrato e dirigiuse à recepção. Assim que apareceu, os dois homens pararam imediatamente de falar. Sam tinha um olhar suplicante, ao passo que Stephen parecia frio e impessoal. — Bom dia — cumprimentou ela, secamente. Stephen respondeu no mesmo tom. Mesmo evitando olhá-lo muito demoradamente, não pôde deixar de notar que vestia um terno escuro muito bem cortado, camisa branca impecável e gravata cor-de-vinho. Estava divino, contrastando com o desleixado Sam, que naquela manhã nem se dera ao trabalho de vestir terno e gravata. — Bem — começou Sam, tentando demonstrar vivacidade, já que estamos todos aqui, creio que podemos começar. Sentaram-se em semicírculo e Rachel estendeu o contrato para Sam. Não era ele o pai da criança? Que se virasse, então. Não diria nada além do absolutamente necessário. — Marquei esta reunião — iniciou Stephen — a fim de esclarecermos alguns detalhes a respeito do acordo que celebramos. — Apontou para o contrato, no colo de Sam. — Suponho que já o tenham lido. Sam confirmou com um movimento de cabeça. — Ah, sim, claro. Acho que está tudo ótimo. Stephen virou-se para Rachel. — E você? O que pensa? 27
— Já tive oportunidade de dar uma olhada, mas não concordo com Sam. A meu ver não está nada muito claro. Aliás, pretendo pedir a John que dê uma estudada nele, se não se incomoda. — Devia ter feito isso antes de Sam assinar — rebateu Stephen. — Contratos podem ser rescindidos, sabia? — argumentou ela, calmamente. — Sim, desde que fique comprovado ter havido traição ou má-fé. Evidentemente estavam se referindo a um outro contrato: ao de seu casamento. Vendo que Sam parecia um peixe fora d'água, Rachel achou que já era hora de parar de tratar de assuntos pessoais. — Seja como for, a única coisa realmente clara é que você terá controle quase absoluto sobre os negócios de Sam — disse, ríspida. — É verdade — concordou Stephen, tranqüilamente. — Creio que temos esse direito. Afinal, é o nosso capital que está em jogo. E voltando-se para Sam: — Pode ficar sossegado que não tenho a menor intenção de interferir no seu trabalho. Não entendo absolutamente nada de editoração. Agora, uma coisa é certa: não tenho nada contra o que você publica ou deixa de publicar, mas em termos administrativos você não é lá grande coisa. — Tem razão — admitiu Sam. — E é porque tenho consciência disso que fico muito satisfeito com a sua disposição em me ajudar nesse campo. Rachel já estava se cansando daquela conversa um tanto humilhante, sem pé nem cabeça. — Acho que deveria esperar até John dar uma olhada no contrato, Sam. — Mas por que, Rachel? Já assinei mesmo. — Ele sorriu e lançou um olhar conspirador na direção de Stephen. — Ela é assim mesmo. Não confia nem na própria sombra. Stephen olhou para ela, ofendido. — Eu sei — foi só o que disse. E antes que ela pudesse responder, levantou-se. — Bem, acho que é tudo. Só o que quero é dar uma espiada nos registros contábeis de vez em quando, além de controlar todas as despesas, claro — explicou. E com um breve cumprimento, dirigiu-se à porta, abriu-a e saiu. Sam e Rachel ficaram sem silêncio por algum tempo. — Bem — disse Sam( finalmente — por mim, acho que está tudo certo. Rachel levantou-se lentamente da cadeira e olhou bem para ele. — Não foi você quem arranjou essa encrenca toda? Pois vire-se. Já que o grande chefe assumiu o comando dos negócios, vou tratar de fazer o meu trabalho — concluiu, com pouco caso. Pisando duro, voltou para sua sala, onde ficou olhando para o nada por vários minutos. Não sabia por que, mas sentia-se derrotada. Claro que a 28
passividade de Sam a deixava furiosa, mas não era só isso. De súbito, caiu na realidade. Além da óbvia referência ao divórcio, Stephen mostrara-se totalmente indiferente a ela durante a curta reunião. Não lhe dirigira sequer um olhar. Mas não era exatamente isso que ela queria? Então, por que estava tão desapontada? O que estava havendo com ela, afinal? Ah, Deus, por que ele tinha de ter voltado? Naquele instante o telefone tocou, interrompendo seus pensamentos. Era Laura. — Como foi ontem a noite? — perguntou. — Como foi o quê? — replicou, irritada. — Não sei do que está falando. — Percebi muito bem o jeito como Stephen olhou para você durante todo o jantar. Rachel deu um profundo suspiro. — Laura, não me venha com essas bobagens novamente. Ele passou a noite inteira discutindo política e esportes com John. — Ah, eu sei, mas isso não tem nada a ver. Estou me referindo aos olhares que ele lhe deu, e não sobre o que conversou. — Está certo, só que desta vez seus superpoderes falharam. Não aconteceu nada, está bem? Mas você me paga. — Eu? Que foi que eu fiz? — estranhou Laura. — Nada, só me colocou numa situação bastante desagradável. Por que não me disse que havia convidado Stephen para o jantar? Sabia que se dissesse eu não iria, não é? — Não é isso. E que foi uma coisa de última hora. É que depois de almoçarem juntos, Stephen acabou trazendo John para casa e entrando para me cumprimentar. Me pareceu deselegante não convidá-lo para o jantar. Não vejo mal nenhum nisso, além do mais ele é meu cunhado. — Não é mais, não senhora — corrigiu Rachel. — Agora, por favor, veja se me dá sossego, está bem? Será que cuidar de John, dos seus quatro filhos e das suas experiências culinárias não lhe dá trabalho suficiente? — Tem razão, tenho mais o que fazer. Se é assim que você quer... — concordou Laura, ofendida. — É isso mesmo que eu quero. — Depois, suavizando o tom de voz, acrescentou: — Está tudo definitivamente acabado entre nós, Laura. Nas semanas que se seguiram, Stephen permaneceu fiei à palavra dada e manteve-se longe dos negócios de Sam. Na verdade, só apareceu no escritório umas duas ou três vezes durante o mês inteiro, e assim mesmo apenas para trocar algumas palavras com Sam ou pegar a sua assinatura em algum documento. Com isso, Sam viu-se livre para fazer o trabalho junto aos escritores, logo recuperando vários dos antigos autores que haviam debandado para 29
outras editoras. Pôde também contratar uma secretária-recepcionista e um contador, o que, por sua vez, liberou Rachel para seu verdadeiro trabalho. Para completar o quadro de mudanças, o escritório foi totalmente redecorado, a saleta da recepção ganhou mobília nova, menor e mais apropriada às suas dimensões; as paredes foram pintadas e, principalmente, pôde-se contratar uma pessoa para fazer a limpeza com regularidade. Rachel passava o dia inteiro trabalhando e, aos poucos, conseguiu pôr em dia o trabalho de análise das pilhas de manuscritos, que não paravam de chegar às suas mãos. Era sempre emocionante descobrir um novo escritor e, pela primeira vez em meses, voltou a se entusiasmar pelo trabalho. Stephen não tentou mais convencê-la de sua inocência e, nas raras vindas dele ao escritório, ela sempre dava um jeito de evitá-lo. Para todos os efeitos, saíra completamente da sua vida. Chegou o mês de maio, época em que o tempo se tornava mais agradável em Seattle. Rachel descobriu que não tinha nada de apropriado para vestir e decidiu que já era hora de comprar algumas roupas novas, uma vez que com a injeção de capital que o escritório recebera, Sam pudera lhe dar o aumento com que tanto sonhara. Uma tarde, depois do trabalho, resolveu ir até a pequena butique onde costumava comprar quando casada. Estava entretida dando uma olhada nos conjuntos para meia-estação, quando de repente deu de cara com Margaret Fulton, a última pessoa no mundo que pensava encontrar. Ficaram olhando uma para a outra, como se tivessem visto um fantasma. Como sempre, Margaret estava linda e elegantíssima. — Olá, Margaret. — Olá, Rachel. — Ela fez uma ligeira pausa e, então, deu um sorriso acanhado. — Quanto tempo, hein? — É mesmo. Como tem passado? — Bem, obrigada. — E sorrindo, nervosamente, contou — Em dois anos me casei e divorciei duas vezes. — Não diga! Bem — completou Rachel, polidamente — acho que já vou indo. Prazer em revê-la. Virou-se para ir embora, mas antes que pudesse dar um passo, sentiu a mão de Margaret em seu braço. — Que tal tomarmos um drinque? — quase implorou Margaret. — Por favor, diga que sim. Rachel não tinha a menor disposição para sentar-se e beber com ela, mas o olhar de Margaret era tão suplicante que não pôde negar-se. Tinha sido sua melhor amiga até dois anos atrás e não era fácil esquecer tudo 30
que tinham vivido juntas. — Está certo — concordou. — Mas apenas um. CAPÍTULO TV Escolheram um simpático restaurante próximo da butique, freqüentado principalmente pelo pessoal dos escritórios e lojas vizinhos, que tinham o hábito de, dar uma parada para tomarem um drinque antes de voltarem para casa, geralmente na periferia da cidade. Como já passasse das seis da tarde, não tiveram muita dificuldade em encontrar uma mesa vaga, num canto sossegado do salão. Rachel não costumava beber, mas pediu um Martini, para ver se descontraía um pouco diante de Margaret, que também não parecia nada a vontade. Não tinham muito o que conversar e Rachel não via a hora de dar o fora dali. Assim que lhes trouxeram as bebidas, Margaret tomou um gole do seu scotch, acendeu um cigarro e debruçou-se sobre a mesa. — Soube que me divorciei do meu segundo marido? — perguntou. — Não — murmurou Rachel. Sinto muito. Parecia que a bebida já estava começando a fazer efeito, pois Margaret mostrava-se bem mais descontraída. Rachel mais brincava com o copo nas mãos do que bebia e mal prestava atenção ao que a outra dizia, quase arrependida de ter aceito o convite. Para seu espanto, não demorou muito para que Margaret terminasse seu drinque e pedisse outro ao garçom. Assim que foi atendida, tomou um gole e olhou demoradamente para Rachel, com expressão amargurada. — Menina, não tenho mesmo sorte com os homens — queixou-se. — Meu primeiro marido não passava der um playboy beberrão. O segundo, mal voltamos da lua-de-mel, começou a aprontar das suas. — Sinto muito — repetiu Rachel. O que mais poderia dizer? "Bem feito", pensou, "você não merece outra coisa depois do que me fez!" Mas não faria sentido, depois de todo aquele tempo. Nisso, Margaret resolveu fazer um brinde. — A vida de solteiro! Nada como ser livre novamente — disse, com ironia. Depois de tudo que bebera, quase não conseguia falar 'direito e, olhando para ela, ouvindo-a falar sobre suas tristes experiências conjugais, Rachel chegar mesmo a sentir pena. Olhando-a mais atentamente, percebeu que a desilusão colocara marcas em seu rosto, antes perfeito. E pensar que de todas as garotas da sua turma na escola, Margaret Fulton tinha sido a mais brilhante, em todos os sentidos! Fora sempre a mais bonita, inteligente e rica, além de também a mais popular e a 31
melhor atleta. Era terrível vê-la agora, afogando as mágoas na bebida, quando poderia ter tido um futuro tão maravilhoso, — Lembra-se de quando éramos garotas? — perguntou Margaret. — Como sonhávamos com o homem ideal! Deus parece que faz um século. — E aproximando-se mais de Rachel — Tivemos bons momentos, não foi? — Claro que sim — concordou ela, com um sorriso forçado. — Lembra-se do nosso primeiro baile? Morríamos de medo que nenhum rapaz nos tirasse, para dançar. E quando coloquei uma porção de jornal amassado dentro do soutien para aumentar o volume dos seios, que eu achava pequenos? Lembra-se! Parecia que tudo quanto dizia começava com aquela frase. De fato, Rachel lembrava-se de muita coisa. De como Margaret a ajudara a defender-se de um moleque que a perseguia na escola, que devia a ela todos os convites que recebera para participar de atividades esportivas para as quais não tinha o menor jeito, e uma porção de outras coisas que marcaram sua infância e juventude. Ergueu o copo para beber mais um gole e surpreendeu-se de que estivesse vazio. E olhe que já era o segundo que bebia! Era melhor ir embora, pensou. Apanhou o casaco e a bolsa e, levantando-se, virou-se para a amiga: — Foi ótimo revê-la, Margaret, mas preciso ir. — Não — pediu ela, segurando-a pelo braço. — Fique mais um pouco, por favor. Espantada com o tom ansioso que percebeu na voz da amiga, Rachel sentou-se novamente, enquanto Margaret fitava o copo como se não enxergasse. Provavelmente o quinto ou sexto que bebia. — Soube que Stephen está de volta à Seattle — disse, com naturalidade. Imediatamente Rachel mudou de humor. — E, está — disse, levantando-se novamente. Desta vez Margaret olhoua de frente. — Ah não, sente-se aí, Rachel. Precisei de dois anos e seis drinques para tomar coragem e agora não vou deixá-la ir embora sem ouvir o que tenho para lhe dizer. Embora não quisesse admitir, Rachel estava curiosa. — Está bem — concordou, voltando a sentar-se. — Mas seja breve, por favor. — Farei o possível. Bem, tenho de confessar que aquela noite quando você pegou Stephen e eu juntos, a culpa foi toda minha. Ele estava só tentando ser educado comigo. — Pigarreou e prosseguiu. — Quer dizer, acho que fiz aquilo tudo por ciúmes, entende? Não suportei vê-la levando a melhor. Mas não pense que sinto orgulho pelo que fiz. Sei perfeitamente 32
que deveria ter lhe contado tudo na ocasião, e não ter esperado que se divorciasse, mas foi tudo tão rápido e eu estava com tanto ciúme, que não tive coragem. Rachel ouviu atentamente e, aos poucos, foi se dando conta de que, se era como Margaret dizia, então Stephen dissera a verdade. Não tinha sido culpa dele mesmo! Apesar de ainda estar magoada com a amiga, teve vontade de beijá-la, de abraçá-la, agradecida por estar lhe contando toda a verdade, ainda que depois de tanto tempo. — Além do mais — continuou Margaret — não aconteceu nada entre nós, além do que você presenciou. A verdade é que tentei seduzir Stephen, mas ele resistiu. — E lançando um olhar suplicante à amiga: — Será que poderá me perdoar algum dia? — Claro — tranqüilizou-a Rachel. — Fique sossegada quanto a isso. — E, levantando-se, olhou para Margaret com ternura. — Obrigada por me contar. Lamento tudo que tem passado, mas agora preciso mesmo ir. E saiu correndo do restaurante, sem se importar com a chuva forte que caía. Quando chegou à rua, vestiu uma capa, cobriu a cabeça com um lenço e saiu andando sem destino, em meio à multidão. Caminhou por horas a fio, pensando como havia sido tola. Se ao menos tivesse dado ouvidos a Stephen, se não tivesse sido tão orgulhosa e ciumenta! Agora era tarde demais. Mas seria mesmo? De repente, percebeu que estava bem em frente ao Hotel Quatro Estações. Não ouvira Stephen dizer a John na noite de domingo que estava hospedado ali? Que estranho! Inconscientemente caminhara até o lugar onde sabia que o encontraria. Deu uma olhada no relógio e passava um pouco das sete. Não era tão tarde quanto pensara e, se tivesse sorte, talvez o encontrasse. Mas e daí, o que faria? O que lhe diria? Não tinha outra escolha senão lhe pedir perdão. Se ele dissera que ainda a queria, talvez não fosse tarde demais para recomeçar. Antes que tivesse tempo de se arrepender, cruzou a porta giratória e entrou no saguão, dirigindo-se decidida ao balcão, onde um recepcionista apressou-se a atendê-la. — Boa noite. Em que posso ajudá-la? — Por gentileza, pode me dizer o número do quarto do senhor Kincaid? — Posso saber seu nome? — perguntou o rapaz, gentilmente. — Por que quer saber? — Para poder anunciá-la, senhora. — Não faça isso. Quero fazer uma surpresa. — Sinto muito — respondeu o recepcionista, educadamente — mas são normas do hotel. Para a segurança de nossos clientes, compreende? 33
— Nesse caso não se preocupe — afirmou Rachel, prontamente. Sou esposa dele. O jovem ergueu uma sobrancelha, desconfiado, e correu os olhos pelo livro de registro que estava sobre o balcão. — Desculpe, mas não existe registro de nenhuma senhora Kincaid — argumentou, levantando os olhos para ela. Rachel ficou embaraçada. Para que tudo desse certo, seria melhor que Stephen não soubesse de sua chegada, que fosse uma surpresa. Embora tivesse voltado a usar o nome de solteira após o divórcio, na sua carteira de motorista, que em Washington tinha validade por oito anos, ainda constava seu nome de casada. Colocou a bolsa sobre o balcão, tirou o porta documentos e sacou a carteira de motorista. — Aqui está. Rachel Kincaid está vendo? Por gentileza, me dê logo o número do quarto, sim? — Está certo — concordou ele. — Eu não devia fazer isso, mas já que a senhora é esposa do senhor Kincaid... Com o número da suíte de Stephen, Rachel apanhou o elevador e subiu ao 27a andar. Como só havia quatro suítes por andar, não tardou a encontrar a dele. Por uma fração de "segundo, ficou parada sem saber o que fazer. Respirou fundo, ergueu a cabeça e bateu. Ninguém respondeu. Bateu novamente, com mais força, rezando para que Stephen estivesse. — Pode entrar. A porta está aberta. Era a voz dele. Receosa, com o coração disparado e os joelhos trêmulos, abriu a porta de mansinho e ficou parada um momento na imensa sala de estar, olhando em volta sem ver ninguém. Percebeu, então, através da porta aberta, um ruído de água correndo na torneira. Ficou parada, esperando, sem saber o que fazer. Em poucos segundos Stephen apareceu. Incapaz de falar, Rachel limitouse a ficar olhando para ele, boquiaberta. Pelo jeito ele estivera fazendo a barba, pois vestia apenas um par de calças escuras, e ainda enxugava o rosto com uma toalha. Quando a viu, abaixou as mãos e ficou parado olhando para ela, com um ar admirado. Por longos momentos, nenhum dos dois disse nada. Tudo que Rachel percebia era a figura daquele homem seminu à sua frente, os ombros, largos, braços fortes, tórax musculoso e bem definido. Foi ele o primeiro a quebrar o silêncio. — E você! Ela sorriu, constrangida. — Sim, sou eu. — O que deseja? A fim de ganhar tempo, Rachel caminhou lentamente até a janela e 34
parou um instante, olhando as luzes da cidade. Sentia a presença dele atrás de si com tanta intensidade, que uma veia começou a pulsar no seu pescoço. Por fim, virou-se e o encarou. — Acabo de ter uma longa conversa com Margaret Fulton. Ele a olhou, espantado e ergueu uma sobrancelha. — E mesmo? E o que de interessante as duas encontraram para se dizer? Sentindo-se um pouco mais a vontade, Rachel atravessou a sala, parando bem na frente dele. Erguendo a cabeça para fitá-lo melhor, disse, suplicante: — Ah, Stephen, será que poderá me perdoar um dia? Margaret me contou tudo sobre aquela noite, tudo que você não quis me dizer, por delicadeza. Disse que foi ela quem deu em cima de você o tempo todo, e que você só tentou não ser rude com ela, nada mais. Fui uma cretina! — De fato, foi mesmo — concordou ele, zangado. — Reconheço o meu erro, se isso o satisfaz. E estou lhe pedindo perdão. — Tudo bem, aceito suas desculpas. Agora, se era só isso que queria, com licença que tenho um jantar marcado para daqui a meia hora e preciso terminar de me arrumar. Ela o fitou, desconcertada com o tratamento frio que ele lhe dispensava. O que mais poderia esperar depois do jeito como o tratara? Primeiro o acusara injustamente de infidelidade e pedira o divórcio sem ao menos lhe dar oportunidade de se defender. Dois anos depois, rejeitara-o novamente quando viera atrás dela, tentando uma reconciliação. — Claro, entendo. Só queria lhe dizer que... — parou, com um nó na garganta. — Você sabe o que eu queria lhe dizer. Com um aperto no coração, virou-se e começou a se dirigir para a porta. Os dez ou doze passos que a separavam da saída pareceram-lhe léguas. Quando colocou a mão na maçaneta, ouviu a voz dele às suas costas. — Rachel? Ela se voltou e o viu lentamente vindo na sua direção, com os olhos azuis brilhando, nos lábios um leve sorriso. — Não vá — disse baixinho. — Não foi isso que eu quis dizer. — Estava querendo me castigar pelo que fiz? — Talvez, inconscientemente. Não quer conversar um pouco a respeito? De repente, aquilo tudo era demais para Rachel. A conversa desgastante com Margaret, os drinques, e agora a rejeição de Stephen. Sentiu uma onda de tontura, os joelhos fracos e fechou os olhos, procurando cegamente um apoio. Quando se deu conta, estava nos braços de Stephen, que a abraçava com força para que não caísse. — Você está bem? 35
— Acho que sim. — Comeu alguma coisa? — indagou Stephen, preocupado. Ela sacudiu a cabeça. — Não tive tempo. — Você precisa é de um bom bife, garota. Vou pedir um jantar para nós. — E o seu compromisso? — Não é assim tão importante — retrucou ele, dirigindo-se ao telefone e pedindo dois filés com batatas, salada de alface e bastante café. — Acho que devia me refrescar um pouco — disse Rachel, quando ele desligou. — Fique a vontade. O banheiro ainda estava cheio de vapor e, por todo lado, via-se creme de barbear, escova de dentes e a escova de cabelos prateada que ela lhe dera no Natal. Rachel enxugou o espelho do armário e espiou a própria imagem ali refletida. Estava horrível, com o cabelo todo escorrido e despenteado, quase sem maquiagem e os olhos borrados. Lavou as mãos e o rosto com água fria, retocou a maquiagem o melhor que pôde e deu um jeito nos longos cabelos castanhos. Quando estava quase terminando, ouviu que Stephen falava em voz baixa na sala ao lado. Aproximou o ouvido da porta, tentando ouvir o que dizia. Parecia estar falando ao telefone e pelas poucas palavras que conseguiu entender com clareza, desculpava-se por não poder comparecer ao tal jantar. Rachel alisou a saia com as mãos, deu uma última escovada nos cabelos e voltou para a sala. Enquanto ela estivera no banheiro, Stephen vestira uma camisa e estava justamente abotoando-a quando ela entrou na sala. Parou um instante, ao vê-la entrar e, naquele exato instante, bateram à porta e uma voz anunciou o jantar. Stephen pediu ao garçom que colocasse a bandeja sobre a mesa redonda que ficava ao lado da janela, deu-lhe uma gorjeta e o dispensou. Quando o garçom se foi, ele voltou-se para Rachel. — Vamos jantar? — O cheiro está divino — disse ela — mas não quero atrapalhar os seus planos... — Já lhe disse que não era nada importante — garantiu ele. —Venha comer alguma coisa antes que desmaie novamente. — Eu não desmaiei! — protestou ela, sentando-se à mesa. Aliás, saiba que eu nunca desmaiei, viu? Stephen puxou uma cadeira e sentou-se bem em frente a ela. — Ah, não? Engraçado, quando você começou a cair tive a impressão de que iria desmaiar. — E apontando para ela com a faca na mão acrescentou: — Teria desmaiado sim, caso eu não a tivesse segurado a 36
tempo. — Pode ser — admitiu ela. — Não comi nada depois do café da manhã. Ele balançou a cabeça. — Você nunca teve muito bom senso em matéria de alimentação. Mas vamos comer antes que esfrie. Saboreando a carne, aliás deliciosa, Rachel começou a sentir uma alegria que há muito não experimentava. O jantar magnífico, o clima romântico, a luxuosa suíte e, acima de tudo, a presença de Stephen, fizeram com que sentisse uma felicidade tão grande que quase chegou a esquecer que estavam separados há dois anos. Por mais estranho que parecesse, apreciava mais sua companhia agora, sabendo o quanto era difícil viver longe dele, do que antes. Não tiveram muito o que conversar durante a refeição, mas estavam felizes simplesmente por estarem juntos. Quando terminaram o jantar, Stephen levantou-se e foi até o pequeno bar que ficava a um canto da sala. — Que tal um conhaque? — ofereceu. — Não, obrigada, mas aceito mais um cafezinho — respondeu ela, virando-se de frente para ele. Sentia-se embriagada de amor e não queria correr o risco de que a bebida viesse perturbar aquela doce sensação. Virou-se para se servir de mais uma xícara de café, e o ruído familiar de Stephen recolocando a garrafa na prateleira trouxe lágrimas de felicidade aos seus olhos. Enxugando-as, reclinou-se na cadeira e pôs-se a olhar as estrelas no céu escuro. Antes mesmo que Stephen a tocasse, pôde sentir sua aproximação por trás dela. Evidentemente imaginara como a noite terminaria, mesmo porque, apesar de tudo, ainda o via como seu marido. Porém, isso não impediu que sentisse o coração aos saltos. Delicadamente, Stephen pousou uma das mãos em seu ombro, como se quisesse perceber a sua reação. Quando Rachel, encorajando-o, deitou a cabeça em seu ombro, ele deu a volta por trás da cadeira, colocou o copo sobre a mesa e começou a acariciar seu pescoço, com a mão experiente e macia. Ela prendeu a respiração, ansiosa, sentindo a onda de desejo que envolvia a ambos. Stephen deslizou a mão suavemente até alcançar o decote da sua blusa e começou a acariciar seus seios, fazendo-a pensar que seu coração fosse saltar do peito a qualquer momento. — Deus, como senti sua falta — suspirou ele. — Ah, Stephen — gemeu ela — posso imaginar, porque senti tanto quanto você. Incapaz de permanecer quieta por mais um momento sequer e 37
obedecendo a um impulso incontrolável, levantou-se e quando seus olhares se cruzaram, brilhantes de desejo, permaneceram um breve momento se olhando, sem se tocarem, apenas se devorando com os olhos. Por fim, coro um gemido surdo, Stephen avançou na sua direção e ela atirou-se em seus braços. Ele então puxou-a gentilmente para junto de si e começou a beijá-la, a princípio com suavidade, depois, com crescente paixão, fazendo-a delirar de desejo. Suave, mas firmemente, ele deslizou a mão pelo seu colo e enfiou-a pelo decote alcançando os seios firmes. Rachel fechou os olhos e deu um suspiro profundo de puro prazer. Afastando-se um pouco dela, e olhandoa bem nos olhos disse: — Quero você, Rachel. Mais do que nunca. Diga que também me quer. — Ah, meu amor, é claro que também o quero — gemeu ela, atirando os braços em volta do pescoço do ex-marido. Encorajado por essa declaração, Stephen começou a desabotoar os botões de sua blusa. Rachel permanecia absolutamente quieta, a fim de que ele tivesse o prazer de despi-la, como costumava fazer sempre que se amavam. Logo ela estava com o busto descoberto. — Ah, continua não usando soutien — suspirou Stephen. Ela corou, envergonhada dos seios pequenos e ele, percebendo imediatamente seu constrangimento, colocou a mão sobre um dos seios, como a reconfortá-la. — Adoro seus seios — disse, enquanto deslizava a mão sensualmente de um mamilo para o outro. — Sempre os adorei. Como se quisesse provar o que dizia, ele então reclinou-se sobre ela e começou a beijar-lhe os seios, mordiscando e brincando com os mamilos rosados. Rachel jogou a cabeça para trás, entregando-se totalmente àquele momento, sentindo um desejo tão grande que chegava quase a doer. Um instante depois, Stephen afastou-se dela, despiu a camisa e voltou a apertá-la de encontro ao peito. Estavam ambos seminus agora. Agarrando-a pelos quadris, puxou-a para mais perto, até que ela pode sentir a ereção dele contra as coxas, prova do poder que ainda exercia sobre ele. Devagarzinho, Stephen foi abrindo o zíper da saia dela e começou a descê-la pelos quadris e pernas, ao mesmo tempo em que percorria cada centímetro do seu corpo nu com as mãos e a língua. Em seguida, ergueua nos braços, enquanto Rachel o enlaçava e beijava seu peito descoberto, deixando-o sem fôlego. Chegando à porta do quarto, parou. Rachel ergueu a cabeça, admirada. — Tem certeza de que me quer mesmo, Rachel? — perguntou ele, num sussurro. 38
— Ah, Stephen, como pode duvidar? — replicou ela. E sorrindo: — É como você mesmo disse. Sempre nos demos muito bem na cama. — Tem razão — concordou ele, seguindo para o quarto. Stephen colocou-a na cama e terminou de se despir, ante o olhar de cobiça de Rachel. Assim que estava despido, deitou-se ao seu lado e tomou-a nos braços. Rachel queria compensá-lo pelo tempo que, por sua culpa, haviam perdido. Ergueu-se um pouco, apoiando-se sobre um dos cotovelos e inclinou-se sobre ele. — Stephen — murmurou, ofegante. — Diga, meu amor — respondeu ele, acariciando-lhe os seios, estômago e coxas. — Deixe-me amá-lo — pediu Rachel. Por um momento Stephen pareceu admirado, mas logo sorriu, retirou a mão que a acariciava e recostou-se no travesseiro, os braços cruzados por trás da cabeça. — Com todo prazer — sorriu. Rachel planejara seduzi-lo lenta e suavemente, usando as mãos e os lábios até vê-lo gemer de desejo, mas não demorou a perceber que não seria possível. Mal alcançou a parte baixa do seu abdômen, ele a agarrou, implorando: — Pare com isso. Não agüento nem mais um minuto. E ligeiro, virou-a e colocou-se sobre ela. Rachel fechou os olhos, quase delirando de prazer com as carícias e beijos que ele lhe fazia pelo corpo inteiro, até que, não agüentando mais, com as unhas cravadas nas suas costas, suplicou: — Me ame agora, querido. Por favor, agora. Stephen não se fez de rogado. Cobrindo-a com seu corpo, uniram-se novamente, como homem e mulher. A certa altura da noite Rachel acordou com o soar de uma sirene. Sobressaltada, sentou-se na cama e assim ficou até que o som fosse desaparecendo a distância. Ainda sonolenta, puxou a coberta por sobre os ombros nus e só então lembrou-se de Stephen e olhou para o lado. Ele ainda dormia, na mesma velha posição de costume, os braços erguidos em torno da cabeça. Estava coberto apenas até a cintura e a luz vermelha-alaranjada que entrava pela janela revelava seus ombros e braços fortes. Rachel sentiu uma vontade louca de tocá-lo, acariciar seus cabelos, ajeitar as cobertas e correr os dedos pelas suas costas nuas, mas se conteve, limitando-se simplesmente a olhá-lo amorosamente para que não acordasse. Era Stephen, repetia para si mesma. O marido que perdera e que agora estava novamente ali com ela. Com um sorriso de felicidade nos lábios, 39
escorregou silenciosamente para fora da cama e, na ponta dos pés, dirigiu-se ao banheiro. Ligou o chuveiro e, com os olhos fechados, deixou a água escorrer pelo rosto e corpo, relembrando cada detalhe dos maravilhosos momentos que haviam desfrutado na noite anterior. Estava assim distraída, quando, de repente, a porta do Box se abriu e à sua frente surgiu Stephen, ainda sonolento. — Estava imaginando aonde você teria ido — disse ele. — Pode ficar sossegado que não vai se livrar de mim com essa facilidade — brincou Rachel. — Quando ouvi o chuveiro, pensei que talvez precisasse de alguma ajuda — disse ele com voz rouca. — Sabe que não dispenso sua ajuda em hipótese alguma — respondeu ela, fingindo seriedade. Stephen entrou no box, abraçou-a por trás e num instante, suas mãos experientes ensaboavam seu corpo todo, de alto a baixo. Rachel apoiou-se contra ele, entregando-se totalmente e não demorou muito para que ele tivesse uma ereção ali mesmo, debaixo d'água. — Está gostando? Em resposta, ela virou-se de frente para ele, atirou os braços em volta do seu pescoço e puxou delicadamente sua cabeça para baixo. Enquanto se beijavam, foram deslizando para o chão. CAPITULO V Naquele dia deram-se ao luxo de tomar um demorado café da manhã na suíte do hotel. Rachel sentia uma estranha sensação. Estava ao lado do ex-marido, mas sentia-se meio constrangida, como se estivesse ao lado de um amante. A noite fora realmente delirante. Ainda sentia no corpo as emoções provocadas por Stephen. — O que gostaria de fazer nesse final de semana? — perguntou Stephen, enquanto comia seu apetitoso omelete com bacon. — Qualquer coisa, desde que estivéssemos juntos. — O tempo parece estar tão bom! Que acha de irmos à montanha apreciar o que resta da neve do inverno? Poderíamos ficar na suíte de hotel que a Companhia mantém para mim. — Acho ótimo, só que antes preciso passar em casa para trocar de roupa. — Sem problema. Enquanto termina seu café vou tomar um banho — concordou ele. Ela olhou para cima e sorriu, com malícia. — Já tomou banho ontem a noite. Lembra-se? — Claro que sim — sussurrou, deslizando a mão do ombro para dentro 40
da blusa dela. — Mas acontece que depois disso transpirei à beca, está lembrada? Rachel sentiu um frio percorrer-lhe a espinha. — E verdade — disse, excitada. — Lembro-me muito bem e a menos que queira começar tudo de novo, sugiro que entre logo nesse banho, de preferência frio, certo? Muito a contragosto ele retirou a mão do seu decote. — Está certo, só pensei que deveríamos recuperar o tempo perdido — gracejou. Antes de sair, assobiando baixinho, debruçou-se sobre ela e deu-lhe um carinhoso beijo no rosto. Mesmo sem muito apetite, Rachel forçou-se a comer alguma coisa. A medida que comia, ia relembrando a noite anterior, sem sombra de dúvida a melhor da sua vida. Stephen nunca se mostrara tão atencioso, apaixonado e ansioso para satisfazer todos os desejos, seus e dela. Mas, estranhamente, alguma coisa que nem ela saberia dizer ao certo o que era, ainda a incomodava. Já sabia de toda a verdade sobre ele e Margaret, dera a mão à palmatória e admitira ter se enganado e ele a perdoara. Estavam livres, portanto, para retomarem a vida juntos e serem felizes. Que mais poderia sair errado agora? Súbito, deu-se conta do que a estava incomodando. E que nem ao menos uma vez ele dissera que a amava. Naquele instante, Stephen começou a cantar como sempre fazia quando estava contente. Rachel sentiu um arrepio. Certamente, no momento oportuno, acabaria dizendo tudo que ela ansiava por ouvir. Tinha de levar em conta que ele também saíra magoado daquela história toda. Depois de passarem em casa para que Rachel mudasse de roupa e apanhasse algumas coisas, dirigiram-se à montanha. O dia estava lindo, com os telhados salpicados de neve aqui e ali, e ainda era possível avistar-se alguns últimos esquiadores descendo a encosta. Rachel simplesmente adorou a fantástica suíte do hotel onde se hospedaram. Fizeram longas caminhadas, saborearam uma comida deliciosa, sentaram-se em frente à lareira depois do jantar e, por fim, fizeram amor. Só no domingo à tarde voltaram para a cidade. Rachel fez todo o percurso com a cabeça apoiada no ombro de Stephen. Ele era tão vigoroso, tão cheio de vida! Não era ninguém sem ele. E sabia disso, agora. Entretanto, ao voltarem à cidade e à agitação do dia-a-dia, as dúvidas do dia anterior voltaram a assaltá-la. Ele ainda não dissera as três palavrinhas mágicas "eu te amo", nem 41
falara no futuro, durante todo o tempo em que estiveram juntos. Mas, lembrou Rachel, ele nunca fora de se preocupar muito com o dia de amanhã e não iria mudar de uma hora para a outra. Ao chegaram à cidade, Rachel viu surgir a chance que tanto esperava. Tinham saído da auto-estrada e estavam parados num farol, a espera do sinal verde, quando Stephen se voltou para ela e perguntou: — Quer que a deixe em casa ou podemos dar uma passada no hotel? Poderíamos jantar juntos. O farol abriu e ele se misturou ao tráfego, deixando Rachel embasbacada. Teriam mesmo de conversar e o carro não era local apropriado para isso. — Tive uma idéia — disse ela. — Poderíamos comprar alguma coisa no supermercado e eu prepararia um jantar lá em casa. O que me diz? — Eu acharia ótimo — respondeu ele de pronto, mudando a direção do carro. Fizeram as compras necessárias, jantaram e quando acabaram Rachel achou que era chegado o momento. — Ummmmm, estava ótimo — elogiou Stephen, assim que terminou de comer. — Sua comida é divina! — Aceita um café? — Aceito, obrigado. Rachel levantou-se e dirigiu-se à pia. Enquanto preparava o café, ia pensando numa maneira de abordar o assunto que tanto a angustiava. Quando o café ficou pronto, virou-se e olhou para ele com firmeza. — Estive pensando que não há motivo para você voltar para o hotel. Por que não acerta logo as contas e volta aqui para casa? — sugeriu, ao acaso. Stephen descansou os talheres no prato, esticou as pernas. na cadeira e olhou pela janela, pensativo. Rachel sentiu uma fisgada no estômago. Era evidente aí-preocupação dele. Será que dissera alguma bobagem? — Não estou bem certo se seria uma boa idéia. Mas, de todo modo, temos muito a conversar — ponderou ele. Empurrou a cadeira para trás, levantou-se e caminhou i até a janela. Apreensiva, Rachel pressentiu que melhor seria sentar e ouvir o que ele tinha para lhe dizer. Stephen aproximou-se da mesa, serviu-se de café, tomou I um gole, depositou a xícara de volta sobre o pires, sentou-se e olhou-a de um modo estranho. — Deve estar havendo um mal-entendido. Ou muito me engano ou você acha que estamos às vésperas de nos casarmos novamente. Acertei? — Acertou — confessou ela, tão baixinho que mal se podia ouvir. 42
— E o que mais eu poderia pensar, depois de tudo que houve entre nós? Pensei que... Stephen sacudiu a cabeça. — Pensei ter deixado bem claro, desde o dia em que almoçamos juntos, que não pretendo me casar novamente e que não acredito em segundas chances. — Sim, mas estávamos falando de outro casamento — argumentou ela. Ele deu uma gargalhada. — E se nos casássemos de novo, não seria outro casamento? — Não exatamente, pois seria com a mesma pessoa! — exclamou Rachel. — Vejo que continua mal em aritmética — caçoou ele. Com a mesma pessoa ou não, não deixa de ser um segundo casamento. — Mas e quanto a ontem a noite? — ousou perguntar Rachel. — E anteontem? Não significou nada para você? — Claro que sim — afirmou ele, apressado, estendendo o braço sobre a mesa e colocando a a mão sobre a dela. — Foram momentos maravilhosos, só lamento que você tenha confundido tudo. — Pensei que estivesse tudo resolvido. Assim que Margaret me esclareceu todo o equívoco e que compreendi que eu é que estava errada, a primeira coisa que fiz foi correr ao seu encontro, admitir o meu erro e lhe pedir perdão. Pensei que tivesse me perdoado. — E perdoei. — Então não me ama mais? É isso? — perguntou Rachel, morrendo de medo da resposta. — Não se trata disso, só que não acredito mais no casamento. Acha que sofri pouco com aquela história toda? Rachel estava começando a perder a paciência. Aquilo era humilhante demais! Sentia-se traída pela segunda vez. Num impulso, levantou-se e olhou furiosa para ele. — Mas foi você quem se deu ao trabalho de voltar a Seattle, descobrir meu endereço, de casa e do trabalho, e se meter nos negócios de Sam. E fez tudo de propósito — disse ela, morrendo de raiva. — Rachel — esbravejou ele — se não se acalmar não vai dar para conversarmos como pessoas adultas e racionais. Não tire conclusões precipitadas antes de me ouvir, por favor. Lentamente, ela voltou a se sentar, fazendo força para não chorar na frente dele. Tinha de admitir que ao menos num ponto ele tinha razão: precisavam mesmo conversar, e a sério. Não repetiria a bobagem que fizera da primeira vez, negando-se a ouvi-lo. — Tudo bem — disse. — Pode falar. — Você acha que só nos separamos por causa do mal-entendido com 43
Margaret, não é? — Acho sim. Por quê? Estou enganada? Não sei o que mais poderia estar errado? Stephen corou diante da sinceridade dela.. — Está certo, talvez eu tenha errado, tenha exagerado imaginando que você não teria mais interesse em continuar casada comigo agora que tem um emprego... — Não sei como pode dizer uma coisa dessas — surpreendeu-se Rachel. — Nosso casamento sempre foi a coisa mais importante da minha vida. Pelo que sei, estava tudo ótimo até então. Com o esclarecimento de toda aquela história, não vejo o que poderia atrapalhar a nossa felicidade. Stephen olhou longamente para ela. — Não vê? Acha mesmo que o nosso casamento foi sempre tão magnífico como diz? Pense um pouco na vida que levávamos antes daquele infeliz episódio, Rachel. Ela percebeu que ele estava começando a ficar irritado. Abriu a boca para argumentar, mas Stephen certamente não havia terminado, pois ergueu um dedo, mandando-a calar-se e, dando um passo à frente, com os olhos azuis brilhando de raiva, disse: — Por que não experimenta analisar seu próprio comportamento bem antes de Margaret entrar na nossa vida? — Não estou entendendo aonde está querendo chegar? — Você sempre morreu de ciúmes do meu sucesso profissional, tanto que quis trabalhar fora, em vez de procurar ser uma boa dona-de-casa. Preferiu seguir uma carreira em vez de me dar os filhos que eu sempre quis. Nosso casamento já não ia bem quando Margaret surgiu e você sabe muito bem disso. A cabeça de Rachel começou a girar. Tudo que queria era mandá-lo embora o quanto antes, fugir daqueles olhos acusadores e da rejeição neles contida. Fora ele quem errara e agora, para justificar seu erro, fazia-lhe aquela série de acusações injustas. Pois estava muito enganado com ela. Levava uma vida ótima até ele voltar e continuaria assim. Recobrando toda sua dignidade, ergueu-se lentamente da cadeira e lançou um olhar de pouco caso a Stephen. — Está bem — disse, em voz firme. — Se é assim que você pensa, creio que não temos mais nada a nos dizer. Portanto, é melhor que vá embora. Stephen levantou-se e olhou longa e penetrante mente para a ex-esposa. Fez um gesto vago, como se pretendesse dizer algo, mas desistiu. Deixando o braço cair ao longo do corpo, disse baixinho: — Não quero perdê-la, Rachel. Ela o olhou com desprezo. — Lamento, Stephen, pois acaba de me perder. 44
A seguir dirigiu-se à janela e lá ficou imóvel como uma pedra, os músculos tensos e os punhos cerrados. Quando o ouviu sair, teve de fazer um esforço enorme para não correr atrás dele. Não faria isso nunca! Aquela tinha sido a última vez que fora humilhada, jurou para si mesma. Não faziam quinze minutos que ele se fora quando o telefone começou a tocar insistentemente. Rachel permanecia no mesmo lugar e olhava como se não enxergasse para o jardim, que àquela hora já começava a se encher das sombras do sol poente. A princípio pensou em não atender. Não queria falar com ninguém e, com certeza, não devia ser Stephen. Ou seria? Fosse quem fosse que estava ligando, não desistia facilmente e ela achou melhor atender de uma vez. — Alô. — Onde você se enfiou? — perguntou Laura. — Fiquei tão preocupada! Rachel deixou-se desabar numa cadeira. — Ah, pelo amor de Deus, Laura. Só viajei um fim de semana — respondeu, a contragosto. — Para onde? Com quem? — Ei, calma lá. Não sou mais criança, sabia? Não precisa tomar conta de mim o tempo todo. Quer me deixar viver minha própria vida do meu jeito? Fez-se silêncio durante alguns momentos e Rachel percebeu que tinha ofendido a irmã, mas àquela altura, estava pouco se importando. — Tudo bem, desculpe — suspirou Laura, finalmente. Fez uma pausa, mas logo em seguida saiu com outra das suas. — Aposto que saiu com Stephen. — Não sei por que tem tanta certeza. — Porque conheço você o suficiente para saber que não sairia com outro homem, querida. Rachel logo viu que não adiantava esconder nada da irmã e resolveu abrir o jogo. — Tudo bem, você ganhou. Saí com ele sim, se quer mesmo saber. — Bem, sorte sua! — replicou Laura. — Devem estar planejando se casar novamente, não é? Rachel suspirou de raiva. — Não estamos planejando coisa nenhuma. — Mas por que não? Vocês se amam. Qual é o problema, então? Era melhor colocar tudo às claras e acabar logo com aquela palhaçada, pensou Rachel. Sabia que não teria sossego enquanto não contasse tudo a irmã e, de mais a mais, ela acabaria descobrindo, como sempre. — Problema nenhum, só que ele não quer, — Não acredito! — reagiu Laura, imediatamente. — Por que está 45
dizendo isso? Rachel deu uma risada nervosa. — Porque foi o que ele próprio me disse. — Mas ele quer o que nesse caso? — indagou furiosa. — Quem é que pode saber. Talvez apenas um caso passageiro, um final de semana, sei lá... — Que sem-vergonha! Os homens são todos iguais! — explodiu Laura. Rachel não pôde deixar de rir. Com um marido fiel e devotado como John, não era de se estranhar que Laura ficasse tão admirada com aquela atitude, tão comum entre os homens. Mas ela ainda não acabara de expressar sua indignação. — Eu simplesmente não compreendo... — Escute aqui — interrompeu Rachel. — Agradeço seu interesse, mas não estou com disposição para conversar. Estou cansadíssima. Amanhã ligo para você, está bem? — Sim, claro. Posso dizer só mais uma coisa? — Diga, Laura. — Ainda acho que se você de fato o ama, deve ir à luta. Boa noite. E não se preocupe que vai dar tudo certo Claro que sim, pensou Rachel, desligando o telefone. Laura podia se dar ao luxo de sonhar, ela não. Nas semanas seguintes, embora acordasse todas as manhãs com um terrível sentimento de perda, Rachel estava muito ocupada com o trabalho na agência para se dar conta do vazio que se instalara em sua vida. Felizmente Laura manteve a palavra e não tocou mais no nome de Stephen. Como a editora estivesse voltando aos bons tempos de antes, o trabalho voltou a ser o centro de suas atenções e ela passava o dia inteiro no escritório, sem falar das pilhas de manuscritos que levava para examinar à noite em casa. Não fosse pela dedicação ao trabalho, não teria conseguido manter o equilíbrio nas terríveis semanas que se seguiram ao rompimento com Stephen. Sempre que seu pensamento se voltava para ele e o maravilhoso fim de semana que haviam passado juntos, procurava se concentrar no manuscrito que estava lendo, no escritor que teria que entrevistar, no contrato que teriam que elaborar, ou qualquer outra coisa que a fizesse desviar o pensamento. Sam estava tão atarefado quanto ela, e também parecia estar se saindo muito bem. Dedicava-se ao contato com os editores de arte e as gráficas, raramente aparecendo no escritório. Embora Rachel ainda sentisse o coração apertado, chegou o dia em que finalmente acordou com o sentimento de que o pior já passara. Fazia 46
quase três semanas que não via e nem ouvia falar de Stephen, o que deixava evidente que não tinha a mínima intenção de procurá-la novamente e que estava tudo acabado entre eles. Quando abriu a janela naquela manhã, o dia estava radiante e ensolarado e podia-se ouvir os pássaros cantando no imenso pinheiro do jardim. A brisa da manhã trazia consigo um forte aroma de lilás. Enquanto tomava banho e se aprontava para o trabalho, pensando a respeito de tudo que acontecera, Rachel chegou à conclusão de que, se fora capaz de esquecê-lo uma vez, poderia fazê-lo novamente. A simples lembrança do final de semana que passaram juntos e de como se entregara sem reservas, sentiu-se corar de vergonha, sentindo-se usada e jogada fora. Bem, talvez tivesse sua parcela de culpa também. Tinha de admitir que talvez merecesse algumas das acusações que ele lhe fizera: o estúpido orgulho e o ciúme cego é que haviam destruído seu casamento; portanto, não podia culpá-lo por não querer se arriscar novamente. A única coisa que não podia perdoar era que ele a tivesse enganado fazendo-a pensar que ainda a amava, com o único objetivo de levá-la para a cama de novo. Mas também, pensou, de que adiantaria ficar se lamentando pelo resto da vida? Felizmente estava tudo acabado e talvez fosse melhor a solidão, já que o amor parecia só lhe trazer sofrimento. Sempre. Quando chegou ao escritório, Rachel estranhou encontrar Sam na pequena e recém-pintada sala da recepção. Ainda mais surpresa ficou quando ele se virou para cumprimentá-la. — Sam? E você mesmo? O rapaz havia feito um corte moderno no cabelo, vestia um elegante terno cinza-escuro, camisa listrada azul e branca e uma gravata que contrastava com seus cabelos ruivos. Olhando para ela meio sem jeito, sorriu e encolheu os ombros, intimidado. — Achei que devia começar a me vestir melhor agora, já que estou me tornando um executivo bem-sucedido — explicou. — Você está divino! — exclamou ela, aproximando-se. — Fez até as unhas, olhem só! Ele enfiou depressa as mãos nos bolsos, envergonhado. — Ah, deixe disso, Rachel. Ela sorriu. — Não sei porque precisa ficar tão embaraçado. Está maravilhoso, Sam. Nunca imaginei vê-lo tão bonito e elegante. Estou realmente impressionada. — Sam deu um sorriso de satisfação. — Sério mesmo? Rachel sacudiu a cabeça afirmativamente. 47
— Nunca falei tão sério na minha vida. — Bem, sabe como é. Preciso causar boa impressão nas altas rodas por onde ando agora. — Tem toda razão. Também ando pensando em renovar meu guardaroupa, agora que estou recebendo um salário mais digno. Dizendo isso, Rachel lembrou-se de que era justamente o que estava tentando fazer quando encontrou Margaret Fulton e de tudo que acontecera depois e corou. Antes que Sam pudesse notar algo de estranho, aproximou-se mais dele e ajeitou a sua gravata, eternamente torta. — Pronto, agora está perfeito. Sam olhou para ela e seu sorriso empalideceu, dando lugar a uma expressão séria e compenetrada. — Perfeito o bastante para levá-la a jantar? A despeito do seu tom de voz alegre, Rachel percebeu uma espantosa seriedade em seu olhar. Sempre recusara seus convites, não por causa da sua aparência e sim porque não pretendia se envolver com homem algum. Aquilo fez com que pensasse se, na verdade, não mantivera sempre uma esperança secreta de vir a se reconciliar com Stephen. Mas agora que o sonho acabara de vez, quem sabe não fosse chegada a hora de bater asas e voar? Nem passava pela sua cabeça ter um romance com Sam, mas gostava demais dele e sentia-se a vontade em sua companhia. — Sam — disse, hesitante. Sempre fui honesta com você a respeito dos meus sentimentos... Ele ergueu a mão, interrompendo-a. — Eu sei, eu sei — disse, com uma careta. E sorrindo acrescentou — Só achei que como estou mais apresentável agora, talvez tivesse mudado de opinião. Mas, tudo bem. Compreendo. — Não estou dizendo que não queira jantar com você — explicou Rachel, com um sorriso. — Não? — espantou-se ele, os olhos arregalados. — Não. Só quero, desde já, deixar bem claro que não estou disponível para qualquer tipo de envolvimento... Principalmente com alguém com quem trabalho. — Ótimo! — exclamou ele, animado. — Entendi perfeitamente seu recado, mas sabe que sou super-respeitador e já que estamos os dois livres, por que não nos divertirmos um pouco? Já que aceita, quando poderemos sair? Ela sorriu. — Por que não diz você quando, em vez de perguntar para mim? — Se quer assim — replicou ele, prontamente. — Hoje é segunda. Que tal 48
quarta-feira? Rachel hesitou. Não estaria muito próximo? Mas por que não? — Combinado. Quarta-feira. Pode me pegar em casa às sete? — decidiuse. — Perfeitamente. — Agora é melhor começarmos a trabalhar para justificar o nosso salário. Rachel passou a manhã inteira perguntando se teria errado ao aceitar o convite de Sam. Ele parecia entender e aceitar a sua firme determinação de não se envolver emocionalmente com ninguém, mas ela sabia muito bem que nem sempre as pessoas diziam o que realmente estavam pensando. Deixara sua posição bastante clara; portanto, se por acaso Sam distorcesse ou interpretasse mal suas palavras, não se sentiria culpada. Que mal haveria em jantarem juntos apenas para comemorar o novo visual de Sam pensou. Chegada a quarta-feira combinada, Rachel surpreendeu-se com o local escolhido por Sam para o jantar. Parecia-lhe lógico que agora que ele se tornara elegante e bem vestido fosse querer impressioná-la ainda mais levando-a a um restaurante requintado e caro. Em vez disso, escolheu um bar enfumaçado e barulhento, cujos freqüentadores eram, na maioria, estudantes. — Freqüentei muito este lugar quando estava na faculdade! — gritou ele no seu ouvido, enquanto abria caminho no meio da multidão. — Espero que não se importe, pois aqui me sinto como se estivesse em casa. — Claro que não! — gritou ela, por sobre o ombro. — Parece divertido! Tocava uma música country, altíssima e o bar estava apinhado de gente, na maioria homens que bebiam imensas canecas de cerveja. Havia um forte aroma de pizza no ar e o ambiente era abafado e quente. Estava razoavelmente quieto no fundo do salão, onde ficavam as mesas para quem pretendesse jantar. Assim que se sentaram, um jovem garçom se aproximou, fazendo acrobacias com uma bandeja. — O que vai querer hoje, Sam? — perguntou, demonstrando intimidade. — O de sempre? — Isso mesmo, Jerry — replicou Sam. — Só que para dois. — E debruçando-se sobre a mesa, disse para Rachel — Que noite quente está fazendo, hein? Assim que o garçom se foi, Rachel não deixou por menos. — Sam, o que quis dizer com aquela última observação? — Ah, não esquente a cabeça, Rachel. Estava só brincando. Ela olhou desconfiada para ele, mas quando viu o largo sorriso em seu 49
rosto, o brilho de felicidade estampado nos seus olhos azuis, percebeu que estava só querendo se exibir para o garçom, como um adolescente. Afinal, depois de tantos anos jantando sozinho, aquilo levantava um pouco a sua moral perante o garçom. — Tudo bem, desde que não comece a dar asas à imaginação, certo? Ele olhou para ela com ar inocente. — Não, claro! — garantiu. Rachel acabou se divertindo a valer. A companhia de Sam era muito agradável e o lugar tão informal e descontraído que no fim da noite estava cantando junto com os demais freqüentadores como se os tivesse conhecido sempre. Já eram mais de onze horas quando se despediram, dirigindo-se ao carro de Sam, ainda rindo dos acontecimentos da noitada. Já dentro do carro, Sam voltou-se para ela. — Como recompensa pelo seu espírito esportivo e por ter aceito entrar no meu mundo, vamos tomar um drinque no seu. — Não estou entendendo — confessou Rachel, ajeitando-se no banco. Ele deu a partida e anunciou, feliz da vida: — Vou levá-la nada mais nada menos do que ao Space Needle. — Não acha que já é um pouco tarde? Temos que trabalhar amanhã — protestou ela. — Não discuta comigo. Esquece-se de que sou o chefe? — Está certo — sorriu Rachel. — Se isso o deixa feliz. Mas saiba que adorei o seu mundo, como você diz. O Space Needle era um local sofisticado onde as pessoas geralmente iam para jantar e não para tomar apenas um drinque mas, fingindo não notar o olhar de reprovação do maitre, Sam conseguiu arrastar Rachel até o bar. Pararam à entrada da sala levemente iluminada à procura de uma mesa, mas estavam todas ocupadas. Nesse instante, lá no fundo, dois homens se levantaram e começaram a sair, conversando animadamente. — Corra — sussurrou Sam no ouvido de Rachel. Vamos pegar aquela mesa antes que o antipático do maitre coloque outra pessoa nela. E colocando as duas mãos nos ombros dela, saiu empurrando-a na direção da mesa vaga. Em meio à multidão, um homem afastou-se para lhes dar passagem pelo estreito corredor. Ao levantar os olhos para agradecer, Rachel deu com os incríveis olhos azuis de Stephen. CAPITULO VI Por alguns momentos os três ficaram parados no meio do caminho, 50
embaraçados e sem saber o que dizer. Foi Stephen quem primeiro se recobrou da surpresa. — Rachel — cumprimentou com um gesto de cabeça. — Sam. — Fez uma pausa. — Pelo visto a noitada está boa, hein? — É verdade — respondeu depressa Rachel. — Não é bem assim — deixou escapar Sam, quase ao mesmo tempo. Rachel desejou matá-lo. Queria que Stephen pensasse haver algo entre eles e que morresse de raiva. Percebeu, satisfeita, que ele olhou Sam de cima a baixo, admirado com seu novo visual. Mas Stephen não se deu por vencido. — Parece que não estão muito certos — disse, com um sorriso irônico nos lábios. Sam ficou desconcertado com o fora que acabara de dar. — Humm... Quer dizer, estamos só nos divertindo um pouquinho — explicou. Stephen voltou-se para o amigo que o acompanhava. — Vá andando, Larry. Alcanço-o num instante. — Depois, olhando para Sam como se Rachel não existisse, acrescentou — Foi bom tê-lo encontrado. Vou para Nova York amanhã cedo e ficarei lá vários dias. Se precisar de mim, sabe onde me encontrar. — Sim, claro — disse Sam. Assim que Stephen se despediu, Sam olhou para Rachel que, mesmo percebendo o quanto o rapaz estava aborrecido, ignorou seu olhar. — E agora? — perguntou ele. — E agora o quê? — Ah, por favor, Rachel. Não sou cego, sabia? Pensei tê-la ouvido dizer que não havia mais nada entre vocês dois. — E não há mesmo — sustentou ela. Sam sacudiu a cabeça. — Não foi o que me pareceu. — De repente, olhou adiante e franziu a testa. — Diabos, alguém pegou a nossa mesa — resmungou. — Olhe, Sam, acho que nem quero mais beber. Por que não vamos para casa? — Nada disso, olhe lá, vagaram dois lugares no bar. Já que estamos aqui, vamos tomar alguma coisa. Rachel não queria mesmo ir para casa e ainda por cima temia encontrar Stephen novamente, por isso resolveu concordar. Beberiam alguma coisa e iriam embora em seguida, pensou. Sentaram-se no bar, fizeram seus pedidos e ficaram calados, distraídos com seus pensamentos. — Nossa noite fracassou por causa de Stephen, não é? — perguntou Sam, finalmente. — Absolutamente. 51
— Ah, o que é isso, Rachel? Por acaso pensa que me engana? Você estava ótima até há pouco. Admita. Ainda gosta dele, não é? — E como ela não respondesse, continuou — E ele de você, claro. — Por que diz isso? Sam deu uma gargalhada. — Se olhar matasse, a essa altura eu seria um homem morto. Ele ficou furioso comigo. Morrendo de ciúmes. — E balançando a cabeça: — Acho que eu não merecia isso. Deveriam abrir o jogo comigo. Rachel fez um aceno afirmativo. — Não menti para você, pode ter certeza. Nos — fez uma pequena pausa, a seguir prosseguiu — bem, tivemos uma ligeira recaída algumas semanas atrás, só que não deu certo. Tínhamos propósitos diferentes e acabamos chegando à conclusão de que o melhor mesmo era cada um seguir o seu caminho. Ele balançou a cabeça novamente. — Acredito em você, mas não foi o que me pareceu. Não quero encrencas com Stephen, principalmente agora que os negócios vão indo tão bem. Se ele me puxar o tapete a esta altura, estarei perdido. — Ele não vai fazer isso — garantiu ela. — Stephen tem seus defeitos, mas é um homem de palavra. — Tomara que sim — suspirou ele. Rachel não conseguiu mais tirar Stephen da cabeça pelo resto da noite. O inesperado encontro mexera com ela mais do que queria admitir. Julgara que não teria dificuldade em esquecê-lo, mas fora só revê-lo e voltara a sentir a antiga angústia. Estava quase conformada com a situação, até ouvir os comentários de Sam. Por que ele insistia em afirmar que Stephen ainda a amava se ela própria não percebera nem sinal de que isso fosse verdade? Afinal, ele nunca mais lhe telefonara nem tentara revê-la. .E ela, como reagiria, caso isso acontecesse? Teve a resposta na manhã seguinte, ao receber um telefonema seu. Quando chegou em casa e encontrou o telefone tocando sem parar, correu a atender, secretamente desejando que fosse ele. — Rachel? É Stephen. Ela sentiu os joelhos fracos e teve de sentar para não cair de emoção. — Eu sei. Conheci sua voz. — Estranho termos nos encontrado ontem a noite, não é? Que mundo pequeno, hein? — E verdade. Houve um momento de silêncio. — Sam mudou um bocado, hein? Estava tão elegante! Foi boa a noitada? Ele estava com ciúme! Uma alegria imensa tomou conta de Rachel. 52
Aquilo era demais! Fora sempre ela quem se atormentara com suspeitas, ao passo que ele parecia ficar até orgulhoso se por acaso outros homens lhe davam mais atenção do que o habitual. Era tão seguro do seu amor que nunca lhe ocorrera sequer que ela pudesse olhar duas vezes para outro homem! — Foi excelente! — mentiu. — Quanto a Sam, fica muito bem quando se arruma um pouco. Temos muito em comum, você sabe. — Sei — respondeu Stephen, indiferente. Depois de alguns segundos de um desagradável silêncio, ele voltou a falar. — Escute, Rachel, gostaria de falar com você sobre a nossa última discussão. Não consigo pensar em outra coisa. Ele fez uma pausa, certamente na esperança de que ela dissesse alguma coisa. Rachel não só estava determinada a não mover uma palha para facilitar as coisas para ele, como também não saberia o que dizer, por isso preferiu permanecer calada. Ele prosseguiu: — Saiba que lamento muito todo aquele mal-entendido. Nunca tive intenção de magoá-la. — Fez novamente uma pausa, depois concluiu: — Espero que possamos ser amigos. Rachel pensou o quanto deveria estar sendo difícil para alguém orgulhoso como Stephen, humilhar-se daquela maneira, tomar a iniciativa de telefonar para ela e pedir desculpas e ainda demonstrar o ciúme que sentia de Sam. Contudo, sabia que aquilo não significava que tivesse mudado de idéia com relação a ura segundo casamento, pois ele fizera questão de deixar bem claro esse ponto. Cora que intenção queria que fossem amigos, então? De repente, lembrou-se das palavras de Laura. Se o amasse de verdade, teria de lutar por ele. Mas como? — É evidente — concordou, procurando ganhar tempo. É o que também espero. — Então, o que acha de jantar comigo sábado próximo? Ali estava sua chance. Não tinha a menor idéia do que diriam um ao outro, mas pensaria nisso depois. Não perderia aquela oportunidade. — Está bem — aceitou. — Será um prazer. — Ótimo. Passarei aí em torno das sete. Não havia muito mais o que conversar. Assim, despediram-se e desligaram. Rachel ficou vários minutos parada ao lado do telefone, pensativa. Ainda era quinta-feira, o que significava que até sábado teria dois dias para planejar uma estratégia de ação. Naquela noite, ao se aprontar para dormir, lembrou-se que seu pai dizia que, por mais forte e inteligente que fosse o homem, com jeitinho a 53
mulher conseguia tudo que quisesse. Talvez fosse a solução. Pensando e repensando o problema dormiu muito mal. Ao abrir os olhos na manhã seguinte, entretanto, tinha em mente um verdadeiro plano de ação. Assim que chegou ao escritório, tratou de desmarcar todos os compromissos agendados para o período da tarde. Vinha trabalhando demais nas últimas semanas e merecia um descanso. Sam estava fora, mas a nova secretária podia perfeitamente se arranjar sozinha por algum tempo. Fez uma refeição ligeira na lanchonete da esquina e foi direto à butique onde encontrara Margaret. Em menos de duas horas, auxiliada por sua vendedora preferida, saía com o vestido mais exuberante e caro que já possuíra na vida. Era interessante que depois da noite em que jantaram juntos, Sam parecia fugir dela como o diabo da cruz, falando apenas sobre negócios e o mínimo necessário. Não o culpava por isso. Afinal, pusera na cabeça que Stephen tinha ciúmes dele e era compreensível que não quisesse encrencas. Também não se sentia de modo algum prejudicada, já que nunca pensara nele senão como um bom amigo. Evitou falar com Laura naqueles dois dias, imaginando que ela não entenderia se lhe contasse que estava saindo com Stephen, ainda mais depois da desfeita que ele lhe fizera. Até que ela vinha se mostrando bastante discreta nos últimos tempos, mas como o que é bom dura pouco, justamente no sábado a tarde, quando Rachel saía do banho, Laura ligou, com o pretexto de confirmar se ela iria jantar em sua casa no dia seguinte, como de costume. Evidentemente não queria saber apenas isso, mas também, e principalmente, a respeito de Stephen. — Humm... O que me conta de novo? — perguntou, depois de confirmado que se veriam no domingo. — Nada. Só que tenho trabalhado muito. — Espero que não esteja exagerando. Deveria se divertir mais, sair para dançar, freqüentar festas. Rachel sorriu. . — Trabalhar me diverte. Fez-se um longo silêncio. — Hum... Rachel prometi não perguntar mais sobre Stephen... — O que achei ótimo, Laura. Continue assim. Desculpe mas estou com pressa. Preciso desligar, está bem? — Então alguma coisa está acontecendo! Eu sabia! Não se preocupe que não vou perguntar o que é. Só quero que saiba que fico feliz por você. Até 54
amanhã. Quando Laura desligou, Rachel ficou parada com o fone na mão por alguns segundos. Que danada! Pensou, recolocando o fone no gancho. Não é que ela adivinhava tudo? A seis e meia em ponto, portanto meia-hora antes do horário combinado com Stephen, olhou-se no espelho, observando o resultado de tantos preparativos. O vestido, de uma seda verde que realçava incrivelmente o brilho dos seus olhos castanhos, era ligeiramente sexy. A saia era ampla, mas o decote, em compensação, bastante generoso, mostrava boa parte dos seios. Teve vontade de colocar um broche, mas acabou desistindo. Afinal, não tinha seios tão grandes a ponto de se preocupar. As sandálias douradas combinavam perfeitamente com o vestido e, felizmente, não havia sinal de que fosse chover aquela noite. Para dar o toque final, colocou os brincos de esmeralda que sua mãe lhe dera pouco antes de morrer. Pensou em prender os cabelos num penteado sofisticado, mas logo lembrou-se de que Stephen gostava deles soltos e desistiu. Normalmente quase não usava maquiagem, mas como a ocasião fosse especial, passou uma leve camada de pó, um pouco de sombra verde-claro e um batom coral. Finalmente, com discrição, aplicou atrás das orelhas e entre os seios o caríssimo perfume que comprara especialmente para a ocasião. Alisando a saia do vestido e ajeitando os cabelos, deu uma última e cuidadosa examinada na imagem refletida no espelho. Podia não estar perfeita, mas fizera tudo que estava a seu alcance. Interessante que, mesmo super produzida, tinha um ar absolutamente natural. Nesse momento a campainha da porta soou. Era Stephen, pontual como sempre! Seu coração começou a bater feito louco e ela procurou acalmar a respiração, aspirando e expirando lentamente. Muita coisa estava em jogo — seu próprio futuro dependia daquela noite — e ela não iria estragar tudo tendo um ataque de nervos antes de a noite começar. Deu uma última e apressada olhada no espelho, apagou a luz do quarto e correu a atender à porta, obrigando-se a descer um degrau de cada vez. Quando o viu ali parado, alto, elegante e impecavelmente vestido como sempre, com um sorriso nos lábios bem torneados, seu nervosismo passou, como num passe de mágica. Aquele era o seu velho e querido Stephen e nada poderia dar errado enquanto estivesse a seu lado. — Olá, Stephen — cumprimentou sorridente. — Entre um pouquinho enquanto vou apanhar minhas coisas. Ele entrou, fechou a porta atrás de si e ficou parado um momento, com as mãos nos bolsos, olhando-a dos pés à cabeça, nos olhos azuis um brilho de aprovação. — Está muito bonita — elogiou, inclinando-se e beijando-a no rosto. — 55
Humm, e perfumada... — Obrigada — replicou Rachel, dirigindo-se com desenvoltura à chapeleira para apanhar o casaco. — Vamos? Stephen levou-a a um elegante restaurante à margem do Lake Union, especializado em frutos do mar. Apesar do salão estar bastante cheio, a mesa que lhes fora reservada ficava suficientemente afastada, de modo que eles pudessem gozar de uma certa privacidade, além de usufruírem a vista magnífica do lago. Ainda estava relativamente claro e podia-se observar as sombras dos barcos lá fora, com suas luzes brilhando à meia-luz do crepúsculo. No salão suavemente iluminado por candelabros, além do tilintar de copos e talheres, ouvia-se um leve rumor de conversas sussurradas e risos discretos. — Que lugar agradável — comentou Rachel, assim que pediram seus coquetéis. — Nunca havia estado aqui antes. — Nem eu — confessou Stephen — mas me foi muito recomendado. Dizem que preparam uma variedade de pratos à base de ostras. — Ah, você me conhece — disse ela, rindo baixinho — normalmente já como bem, quando o prato é ostra, então... Nesse momento o garçom aproximou-se com seus drinques. — E como vai o trabalho? — indagou Stephen. — Muito bem. E um alívio não ter mais que me aborrecer com a contabilidade e a correspondência, além dos credores, claro. Agora posso me dedicar totalmente a editoração, que é o que realmente gosto de fazer. — E sorrindo, acrescentou — Aliás, devo isso a você. Obrigada, Stephen. — Não precisa me agradecer. Sam não é lá grande coisa como administrador, mas sem dúvida como editor é excelente. Como era justamente o que estávamos precisando, não foi favor algum. — Ele está felicíssimo. Tenho certeza de que não vão se arrepender — garantiu Rachel. Enquanto bebiam seus drinques, fez-se um momento de silêncio. — E você? O que pretende fazer, agora que Sam vai indo de vento em popa? Por um instante ele se limitou a brincar cora o copo. — Para dizer a verdade, não tenho planos. Nada definitivo, pelo menos — confessou, por fim, olhando-a bem. nos olhos. — Não acredito — estranhou Rachel. — Você nunca foi disso. Com certeza ainda vai realizar muitas coisas na vida. Ele fez um trejeito com a cabeça. — Estou enganado ou há uma ponta de ironia nessa observação? — O que é isso? Não tenho nada com a sua vida pessoal. Só que o 56
conheço e tenho certeza de que é só questão de aparecer um novo desafio para você se animar. — As pessoas mudam — afirmou ele, apanhando o cardápio. — Quer fazer seu pedido? O resto da noite transcorreu no mesmo tom. Conversaram sobre tudo: trabalho, amigos comuns e até sobre a situação mundial e, à medida que o tempo passava, Rachel sentia-se cada vez mais à vontade. Nem os olhares de admiração que as mulheres presentes lançavam a Stephen chegaram a incomodá-la, pois ele não era apenas atraente, mas muito especial. Livre do velho e destrutivo sentimento de posse e do ciúme cego que sempre a dominara, começava a se dar conta do quanto o amava. Bem lá no fundo ambos sabiam que aquela amizade nada mais era que um disfarce para o desejo que ainda sentiam um pelo outro. Em todo caso, era melhor serem apenas amigos do que viver desconfiando um do outro e brigando à toa. Ele tinha deixado claro que não pretendia se casar novamente, mas talvez fosse melhor aceitar o que ele podia lhe dar, em vez de ficar fazendo exigências tolas. Depois do jantar, enquanto bebiam um delicioso licor, Rachel sentiu-se realmente feliz de estar ali com ele. A noite fora maravilhosa, melhor até do que imaginara. — Gostaria de fazer alguma coisa especial esta noite? — perguntou Stephen, quebrando o silêncio. Ela olhou para o relógio. — Meu Deus! Quase onze horas! Ele sorriu. — Quando a gente está se divertindo o tempo voa, não é? — Estendeu o braço por sobre a mesa e colocou a mão sobre a dela. — Espero que tenha gostado da noitada. — Não tenha dúvida. Foi muito agradável. — Ela hesitou um instante, antes de prosseguir: — Estou tão feliz que possamos ser amigos. Sem que eu me desse conta, toda aquela amargura que carreguei por tanto tempo estava me corroendo por dentro. Ele balançou a cabeça. — Eu sei. — Apesar da resposta breve, seus olhos brilhavam de contentamento por ouvir aquela confissão. Ele afastou a cadeira e disse: — Bem, então vamos? Durante o caminho de volta para casa, não tiveram muito o que conversar. Quando chegaram à casa de Rachel, ele parou e desligou o carro. — Não vai me convidar para entrar? Pega de surpresa, Rachel levou alguns momentos para responder. — Não sei, Stephen. Não sei se seria uma boa idéia. 57
— E porque não? — indagou ele, aproximando-se e inclinando a cabeça na sua direção. Ela se afastou e olhou bem nos seus olhos. — Decidimos ser bons amigos, lembra-se? — disse, com doçura. Ele sorriu. — A propósito — murmurou, tentando abraçá-la — amigos se beijam, ou não? Além do mais, não vejo razão para levarmos tudo tão ao pé da letra. — Pois acho que deveríamos, Stephen! Se vamos ser apenas bons amigos, é melhor parar por aqui. — Não creio que esteja falando sério. Aquela altura ela própria já não tinha mais certeza de nada. Sabia que aquilo acabaria acontecendo e até planejara uma série de coisas, mas agora, a proximidade dele fazia com que experimentasse estranhas sensações. Enquanto ficava assim, indecisa, ele estendeu a mão e começou a acariciar o seu rosto. Então, lenta e insinuantemente, deixou a mão escorregar até alcançar a fenda da sua saia. Rachel sentia a cabeça rodar. O simples toque das mãos de Stephen sobre sua pele fazia seu sangue ferver. Não sabia o que fazer ou dizer. A única coisa que conseguia era ficar ali sentada, como que paralisada. Mas quando sentiu a mão dele deslizar sob sua roupa, foi como se de repente voltasse a si de um choque e, de repente, soube exatamente o que devia fazer, quase como se inconscientemente tivesse planejado tudo, desde o momento em que aceitara o convite dele para jantar. — Não, Stephen — disse, decidida, afastando a mão dele e empurrando-o com delicadeza. — Não quero. — Por que não?—insistiu Stephen, visivelmente contrariado. — Por que nunca mais vai acontecer nada entre nós. Concordei em sermos bons amigos, adorei cada minuto dessa noite maravilhosa que me proporcionou e me diverti a valer, mas é só — explicou. Stephen ficou olhando para ela de boca aberta, os lábios apertados, as mãos agarrando fortemente o volante. A luz do luar, Rachel percebeu a expressão do rosto dele, de completa frustração e pensou, divertida, o quanto um homem, mesmo inteligente como seu ex-marido, podia ser estúpido em situações como aquela. Por fim, ele se virou para ela e numa voz baixa e grave perguntou: — E o fim de semana que passamos juntos, não significou nada para você? Sua voz era quase suplicante e seus olhos a fitavam, brilhantes. A expressão amorosa do seu rosto quase a fez voltar atrás. Afinal, se também o queria, qual o problema? Mas não, simplesmente não poderia. 58
— Foi maravilhosa. Sempre nos demos bem na cama, não é? Mas isso não basta para mim. Já lhe disse que não seria feliz num relacionamento superficial, sem compromisso. Ele pôs as mãos na cabeça e murmurou: — Não compreendo você. Sei que me deseja, sabe que sou louco por você, somos adultos responsáveis, não adolescentes. Ninguém tem nada a ver com a nossa vida e também não estamos prejudicando ninguém, estamos? — Já lhe expliquei que não vejo sentido em me relacionar dessa maneira, sem vínculo, sem compromisso. — Não vê sentido? Como pode dizer isso de um relacionamento que já foi tão importante para nós dois? — Mas, Stephen, foi você quem disse isso — sustentou ela, num tom doce, porém firme. — Pensei muito a respeito e cheguei à conclusão de que você tem razão. Nosso casamento tinha tudo para dar certo, só que deixamos a sorte escapar. — Ainda temos tudo para dar certo. Ela sacudiu a cabeça tristemente. — Não creio. Mas não o culpo por isso. A culpa foi toda minha. Morria de ciúmes, não apenas de outras mulheres, mas também do seu sucesso profissional. Ele desviou o olhar. — Bem, acho que exagerei um pouco. — Não, o pior é que não exagerou. Você estava certo, eu é que errei. Só agora me dou conta disso. Na verdade, começo a pensar que sou do tipo de mulher que não consegue ficar casada por muito tempo. — Ah, claro — disse ele, inconformado. — Sua preciosa carreira é mais importante do que um lar, marido, filhos, não é? — Não, não é isso. Adoraria ter tudo isso, mas acho que não tenho tanta sorte. Quer dizer, acho que começo a entender seu ponto de vista sobre o casamento. Se não deu certo da primeira vez, não vai dar da segunda. Ele fez uma careta. — Não foi bem isso que eu disse. Rachel abriu a porta e deu um último sorriso. — Agora é melhor eu ir. Está ficando tarde. Mais uma vez obrigada pela noite maravilhosa. — Espere um pouco. Para que tanta pressa? Ela se voltou e o olhou com ar interrogativo. — Como disse? Stephen pareceu desconfiado. — Por acaso está me chantageando? Rachel saltou. do carro e, com olhar ofendido e voz severa disse: 59
— Acho que não mereço ouvir isso, Stephen. — Não, claro que não. Sinto muito — desculpou-se ele, desconcertado, acrescentando a seguir: — Então é por causa de Sam, não é? — acrescentou, sério. Ela arregalou os olhos inocentes. — Sam? O que o faz pensar assim? — Você não disse que têm muita coisa em comum? — No momento, já que trabalhamos juntos — replicou ela, suavemente. — Somos apenas excelentes amigos. Nada mais. Stephen olhou fixamente para as próprias mãos por um longo momento e tomando coragem arriscou: — Então, temos alguma chance? Foi a vez dela se engasgar. — Como você mesmo disse, podemos ser amigos. — Só isso? — Receio que sim. — Bem, veremos — respondeu ele, abrindo a porta do carro. — Vamos, vou acompanhá-la até a porta. Depois de se certificar de que ela estava em segurança, murmurou um rápido boa-noite e voltou para o carro. Quando ele se foi, Rachel encostou-se à porta e fechou os olhos, pensando se aquela não teria sido a maior besteira que já fizera em toda sua vida. CAPÍTULO VII Na manhã seguinte, Rachel acordou com uma tremenda tempestade, coisa, aliás, muito comum em Seattle. O jardim estava precisando de alguns cuidados e ela planejara fazer tudo naquele dia, já que era domingo, mas com o mau tempo não seria possível. Espreguiçou-se e pulou da cama, pensando que o tempo não poderia estar mais propício para ler o manuscrito que trouxera para casa. Sam a estava pressionando para que fizesse isso e, além disso, era uma forma de parar um pouco de pensar em Stephen. Depois do café da manhã, tomou um banho, vestiu um velho e confortável jeans e uma camisa de algodão, apanhou o manuscrito e dirigiu-se à sala de estar para examiná-lo em sua cadeira preferida. A cadeira de Stephen! De repente lembrou-se da noite da véspera. Até que tinha se saído bem, pois, apesar de ter ficado aborrecida quando Stephen desconfiara de que o estava chantageando para que se casasse com ela novamente, conseguira convencê-lo de que estava enganado e 60
que tudo que pretendia com seu vestido novo, o perfume caro e tudo mais era lhe mostrar que, quando queria, ainda era uma mulher atraente. Só que quando ele tentara se aproximar e ela o impedira, a situação se invertera, dando a impressão de que ele queria a reconciliação e que ela o rejeitara. Perdera, assim, a chance que ele próprio lhe oferecera. Resolveu não se aborrecer mais com o assunto. Tinha deixado sua posição bem clara e já que ele achava que não seria viável voltarem a viver juntos, melhor seria continuarem apenas amigos. A situação estava nas mãos dele, não lhe restando outra alternativa senão esperar. Olhou o título do manuscrito que tinha em mãos: Um Ano em Alto Mar, de Lars Helmerson, e fez uma careta. A julgar pelo título, não devia ser muito interessante, mesmo porque geralmente aquele tipo de leitura conseguia ser incrivelmente monótona. Mas a orientação de Sam era no sentido de que nenhum manuscrito fosse desprezado, pois nunca se podia prever quando apareceria um bom escritor. Segundo ele, muitos editores perdem a chance de editar grandes obras justamente porque rejeitam os originais antes mesmo de tê-los lido. Lembrando disso, virou a página e começou a ler o primeiro capítulo. Leu tanto que ao desviar os olhos sonolentos do papel, precisou piscar repetidas vezes para descansar a vista antes de olhar para o relógio. Passava de duas da tarde! Tinha passado bem umas quatro horas lendo. Apesar de não apreciar muito aquele tipo de história, qual não foi sua surpresa ao ver-se diante de um dos livros mais fascinantes que já lera. Tratava-se de uma interessante narrativa de situações vividas pelo autor durante uma viagem através do oceano Pacífico, em cujos momentos de absoluta solidão tivera a oportunidade de meditar profundamente, alcançando um profundo entendimento da natureza humana, da posição do Homem no Universo e do significado da existência humana. Com uma boa edição, o corte de algumas passagens repetitivas e um novo título, tinha certeza de que seria sucesso garantido. Seu instinto lhe dizia que tinha em mãos um verdadeiro bestseiler. Súbito, ouviu o toque distante do telefone, pois costumava abaixar o volume da campainha sempre que estava trabalhando, a fim de não ser importunada. Ainda não terminara de ler o manuscrito, mas seu estômago lhe dizia que já era hora do almoço. Levantou-se, esticou braços e pernas amortecidos devido ao longo tempo em que permanecera na mesma posição, e correu a atender o telefone. Pela janela, percebeu que parará de chover e um pálido sol ameaçava surgir por detrás das nuvens. — Olá Rachel, como vai? — Era a voz de Stephen. Ao som daquela voz, encheu-se de entusiasmo, mas procurou conter-se. — Bem, obrigada. E você, como está? 61
— Tão bem quanto me é possível, depois do jeito como me tratou ontem a noite. Ainda não me refiz do golpe. — E, antes que ela pudesse responder, acrescentou — Liguei várias vezes, mas acho que você não estava. — Não, estava aqui mesmo, só que não ouvi o telefone tocar, envolvida na leitura de um texto incrível que recebemos. É uma super interessante aventura no mar. — Pensei que não gostasse desse tipo de leitura. — Geralmente não, mas esse é diferente. É até difícil de explicar, mas o autor deve ser algum velho marinheiro que tem um jeito muito especial de relatar as incríveis experiências que viveu. — Acha que valeria a pena deixá-lo de lado um pouco e dar uma volta de carro comigo esta tarde? Parou de chover e pensei que poderíamos pegar o teleférico e fazer um passeio até Deception Pass. O que você acha? — Ah, Stephen, lamento, mas é que costumo ir jantar com Laura e John aos domingos. — Eles se importariam se apenas por hoje você não fosse? Rachel procurou pensar depressa. Claro que queria vê-lo, estar com ele, mas será que devia? Tinha certeza de que ele arquitetara um novo plano para seduzi-la e seria bom que ficasse sabendo que ela não estava à sua disposição, como ele pensava. — Acho que não vai dar — sustentou. — Ouça, só quero vê-la um pouco. Será que não podemos simplesmente passar uma tarde juntos? Rachel sentiu-se enfraquecer. Queria sair com ele e tinha certeza de que Laura não só entenderia sua ausência, como até daria a maior força se soubesse. — Está certo. Mas me dê uma hora, então. — Estarei aí em torno das três. Almoçaram tranqüilamente em um restaurante à beira-mar, na pequena cidade de Edmonds, pegaram o teleférico em Kingston e cruzaram a estreita estradinha arborizada que levava à ponte de acesso à Deception Pass. Passaram uma tarde maravilhosamente tranqüila, exatamente como nos velhos tempos: riram das mesmas brincadeiras, apreciaram as mesmas coisas na paisagem e, incrível, até as músicas que ouviram no rádio do carro pareciam ser as mesmas de quando eram casados. O tempo estava magnífico e só quando voltava para casa, relaxada e exausta do longo passeio, ocorreu a Rachel que pudesse repetir-se a cena da noite anterior. O que faria, se isso acontecesse? Mas quando saíram da auto-estrada e pegaram o caminho da sua casa, percebeu que de fato o tiro saíra pela culatra, pois sabia perfeitamente 62
que desta vez não resistiria às suas investidas. Ao chegarem à casa de Rachel ele parou, desligou o motor e virou-se para ela. — Vou só acompanhá-la até a porta. Acho melhor deixá-la retomar o trabalho que interrompeu por minha causa. Rachel ficou olhando para ele feito boba. Aquela era a última coisa que esperava. Recobrando-se, porém, desviou depressa o olhar, torcendo para que ele não tivesse notado seu desapontamento. — Não se preocupe — apressou-se ela, abrindo a porta. Já na calçada, abaixou-se e debruçou-se à janela. — Muito obrigada pelo passeio e também pelo almoço — agradeceu com um sorriso forçado. — Foi um prazer. Ela não teve outra alternativa senão ir para casa. Entrou e, antes de fechar a porta, virou-se para acenar para ele, mas Stephen já tinha ido embora. Rachel passou o resto da tarde tentando se concentrar no manuscrito de Helmerson, mas por alguma razão, a leitura que lhe parecera tão fascinante pela manhã, tornara-se um mero amontoado de palavras sem sentido. Contrariada, desistiu de continuar a leitura e resolveu tomar um bom banho quente. Dentro da banheira, com os olhos fechados, a primeira imagem que lhe veio à mente foi a de Stephen. Deveria estar até agradecida que ele tivesse levado à sério sua decisão de serem apenas amigos, mas então, por que se sentia rejeitada daquela maneira? Ao chegar ao escritório na manhã seguinte, encontrou Sam conversando com um rapaz. — Ah, Rachel, aqui está uma pessoa que quero que conheça. Este é Lars Helmerson, escritor do livro que lhe passei. Lars, essa é Rachel Spencer, nossa editora. Rachel ficou boquiaberta. Imaginara um marinheiro velho e acabado e, em vez disso, tinha à sua frente um homem alto, loiríssimo, cujo rosto bronzeado, jovial e saudável era emoldurado por uma longa cabeleira desgrenhada. Não devia ter mais do que vinte e poucos anos e, apesar de vestir-se de maneira bastante descontraída, tinha um ar por demais compenetrado para a sua idade. Ficou olhando para ela com o par de olhos mais incrivelmente azuis que ela jamais vira. Refazendo-se da surpresa, Rachel caminhou até ele e lhe estendeu a mão, sorrindo: — Prazer em conhecê-lo, senhor Helmerson. Ele retribuiu o sorriso, revelando dentes alvíssimos. — Me chame de Lars, por favor — disse ele, apertando a mão dela na 63
sua, enorme. — Então é você a editora — continuou ele. — Sempre tive curiosidade de conhecer uma. — Somos de carne e osso como todo mundo — gracejou Rachel, retirando a mão e olhando para Sam. — Tive oportunidade de ler seu manuscrito no fim de semana e gostei muito. — Tinha certeza de que gostaria — afirmou Sam. Rachel voltou-se novamente para o gigante loiro. — Claro que ainda precisa de alguns retoques antes de ser publicado, Lars. O rapaz pareceu preocupado. — Vai dar muito trabalho? Não sei se terei tempo para reescrevê-lo. Ela sacudiu a cabeça. — Não será tanto trabalho assim. Apenas uma pequena revisão, talvez alguns cortes, mas com certeza não terá que reescrevê-lo todo. Não se preocupe, está quase perfeito. Ele olhou para ela, aliviado. — Puxa, que bom ouvir isso. E passando a mão pelos grossos cabelos revoltos, prosseguiu: — Isso tudo é novidade para mim, você sabe. Vou precisar da sua orientação. — Ah, Rachel é fabulosa nesse tipo de coisa — garantiu Sam, com animação. — Vocês dois vão trabalhar em conjunto daqui por diante. Em quanto tempo acha que estará tudo pronto para ser publicado, Rachel? — Preciso ler com mais calma antes de responder. Mas digamos que dentro de duas a quatro semanas, dependendo do pique de Lars — calculou, sorrindo para o rapaz. Depois, concluiu: — Vamos para a minha sala ver se conseguimos começar logo isso. Tenho algumas idéias em mente e talvez possamos partir delas. Embora nos dias que se seguiram Rachel tenha ficado quase que totalmente à disposição de Lars Helmerson, vez ou outra vinha-lhe à lembrança Stephen e seu estranho comportamento no domingo. Não era próprio dele desistir com tanta facilidade, o que a fazia imaginar se ele não teria mudado de idéia a seu respeito e se aquilo não teria sido um adeus. No meio da semana, quando ela já estava quase certa disso, ele ligou para a sua casa. — Tenho dois ingressos da peça Os Miseráveis, uma adaptação do romance de Victor Hugo muito elogiada, para sexta à noite. Gostaria de ir comigo? — Claro que sim. Adoraria. Ouvi dizer que é ótima. — Começa às oito. Apanho-a às sete e quinze, assim teremos bastante tempo para estacionar. 64
Bem, pensou Rachel, ao desligar, que mal haveria? Pelo seu comportamento de domingo, parecia ter aceito a idéia de serem apenas bons amigos. E depois, eram de fato. Mas como não podia deixar de acontecer, Rachel acabou traída pelos próprios sentimentos e durante todo o espetáculo, assim como depois dele, enquanto tomavam um aperitivo à espera de que o trânsito descongestionasse, começou a ansiar por mais do que uma simples amizade. A certa altura do espetáculo, aproveitando-se de uma cena de humor em que ambos morreram de rir, pegou no seu braço. Quando seus olhos se encontraram, ela notou um brilho diferente nos dele, mas ele não fez a menor menção de querer segurar a sua mão. Ela retirou a mão depressa e olhou para a frente, desconcertada. Quando a peça terminou e ele foi levá-la para casa, comportou-se como no domingo, só que desta vez insistiu em acompanhá-la até a porta. Depois de abri-la, Rachel virou-se para agradecer mais uma vez, temendo e ao mesmo tempo desejando que ele pedisse para entrar. Afinal, poderia haver final mais perfeito para uma noite tão agradável? Mas antes que ela tivesse a chance de abrir a boca, ele disse um brusco "boa-noite", virou-se e saiu correndo, como se receasse ser convidado a entrar. O que está errado comigo? Pensou ela, fechando a porta. Não estabelecera as regras? Agüentasse as conseqüências, agora. Nas semanas seguintes viram-se um dia sim outro não e era sempre a mesma coisa. Saíam para jantar ou para assistir a um show qualquer, divertiam-se muito juntos e no final da noite ele a levava para casa, dava-lhe um beijo no rosto e ia embora sem nem ao menos pedir para entrar. Parecia estar até evitando encostar nela, que ficava cada dia mais frustrada e precisava fazer um esforço tremendo para se controlar e não tomar a iniciativa de propor um relacionamento mais íntimo. Sabia que a culpa era sua, mas isso não a confortava nem um pouco. O que a ajudava a não enlouquecer de vez, eram as longas horas que passava trabalhando ao lado de Lars. Sam lhes dera um prazo de, no máximo, duas semanas para terminar a edição, de forma que tinham de trabalhar duro. Felizmente, o trabalho ia muito bem. Lars mostrava-se muito interessado e receptivo às suas sugestões, o que permitiu melhorar tremendamente a qualidade do texto original. Só uma coisa a preocupava. É que como trabalhavam juntos, naturalmente viam-se muito e ele passou mesmo a ir à sua casa à tarde e nos finais de semana, de modo a concluírem o mais depressa possível o 65
trabalho. Aos poucos, Rachel começou a perceber que ele a olhava de modo estranho e insistente. Dizia para si mesma que só podia estar enganada e que ele devia ser no mínimo cinco anos mais novo do que ela! Se é que estava mesmo impressionado por sua causa, devia ser pela força que estava dando ao seu livro. Numa tarde de sexta-feira, no início de junho, Stephen ligou para a agência, convidando-a para jantar. — Ah, sinto muito, mas não vai ser possível. Combinei com Lars e devo trabalhar até mais tarde. Não podemos deixar para outra hora? Amanhã, por exemplo? — Lamento, mas é que viajo justamente amanhã — explicou ele, contrariado. — Para onde? Mal perguntou, arrependeu-se, mas já era tarde. Não tinha nada a ver com a sua vida e não queria que ele pensasse que o estava controlando. — Vou primeiro para Nova York, depois para Londres, tratar de uns negócios. Ficarei fora umas duas semanas, no mínimo, por isso gostaria de vê-la antes de partir. Será que estaria levando alguém com ele, pensou Rachel. Não sabia absolutamente nada a respeito de sua vida pessoal ou sobre o que fazia nas noites em que não estava com ela e, pela primeira vez, ocorreu-lhe que um homem sensual como Stephen certamente não ficaria sozinho por muito tempo. Aliás, pensou, talvez por isso mesmo aceitara sua imposição de serem apenas amigos: já devia estar de caso com alguém. Só em pensar nessa possibilidade, uma onda de ciúmes tomou conta dela. Já era hora de colocar um ponto final naquele impasse e parecia que a iniciativa teria de partir dela. Além disso, Lars estava começando a ficar muito dependente dela e a tomar muito do seu tempo. Não lhe faria mau nenhum caminhar com as próprias pernas por algum tempo. Havia deixado bem claro quais as mudanças que precisariam ser feitas, ele que se virasse. — Tudo bem — disse ela, por fim. — Vou adiar a reunião com Lars. — Ótimo — replicou Stephen. — Deseja ir a algum lugar em especial? — Tive uma idéia. Que tal eu mesma preparar um jantar para nós? — Eu acharia genial. Estou com saudade de uma comidinha caseira. Ela espiou o relógio. Já eram mais de três horas. — Está muito ocupado no momento? — Mais ou menos, mas nada inadiável. Por quê? — Que acha de nos encontrarmos no mercado municipal e comprarmos 66
alguma coisa para o jantar? — Excelente idéia. A que horas nos encontraremos? — Me dê apenas uma hora para me livrar do que for mais urgente e comunicar a Lars que nossa reunião foi adiada. Quatro horas está bem para você? Assim também evitamos o trânsito da hora do almoço. O mercado ficava no lado litorâneo da cidade, bem na região central e não muito longe do terminal ferroviário. O dia estava lindo e ensolarado e, como costumavam fazer nos velhos tempos, caminharam sem pressa pelos corredores, àquela época do ano repletos de turistas. Examinaram bem as mercadorias oferecidas e, finalmente, decidiram-se por um pintado, alface crespa, pão francês e doce italiano. Quando terminaram as compras já passava das cinco horas. — Receio que não tenhamos conseguido nos livrar do trânsito — comentou Rachel. — Não faz mal. Daremos um jeito — disse Stephen, sorridente. O trânsito estava péssimo durante todo o trajeto, mas a casa de Rachel ficava relativamente perto do centro, de forma que em pouco mais de vinte minutos estavam em casa. Como Rachel tivesse insistido em pagar a despesa do mercado, Stephen fez questão de passar numa adega e comprar uma garrafa de vinho, um conhaque francês e os ingredientes necessários para um coquetel de vodca. Quando ele desembrulhou as garrafas todas, Rachel não pode evitar de rir. — O que está pensando, Stephen? Não vamos dar conta de beber isso tudo! — Espero que não — respondeu ele, colocando o vinho na geladeira. — Podemos guardar o que sobrar para uma próxima vez, não acha? — E virando-se para ela: — Acho melhor eu ir tratando de acender a churrasqueira. — Boa idéia. A grelha ainda está no jardim, coberta com um plástico. — E abrindo um dos sacos do supermercado, tirou um pacote de carvão que estendeu para ele. — O acendedor está no mesmo lugar de sempre. Stephen abriu a porta de correr e saiu para o jardim. Rachel ficou cantarolando baixinho, enquanto colocava as compras em seus devidos lugares, feliz por tê-lo em casa como nos velhos tempos. Dali a segundos ele voltou à cozinha. — Sabe onde anda aquela minha velha câmera fotográfica? Gostaria de levá-la para Londres. Ela estava lavando a alface para a salada e virou-se para ele, admirada. — Não me diga que ficou sem uma câmera nesses dois anos! — Não, mas aquela sempre foi a minha favorita. Nenhum dos novos 67
modelos se compara àquele. A menos que precise dela, gostaria de tê-la de volta. — Ah, não. Nunca consegui tirar fotos decentes. Acabo sempre cortando a cabeça de alguém, fica tudo fora de foco. E um desastre. Pode pegá-la. Deve estar na gaveta de cima do móvel da sala de jantar. — Vou ver se a encontro. Enquanto ele ia buscar a câmera, Rachel terminou de lavar a alface, fatiou alguns tomates e colocou tudo numa travessa. Não faltava muita coisa a fazer, apenas cozinhar o macarrão, mas isso só no último instante. Podia colocar a água para ferver quando Stephen começasse a assar o pintado. Estava guardando a travessa de salada na geladeira, quando o ouviu voltando à cozinha. — Encontrou? Como ele não respondesse, ela se virou e viu que ele vinha em sua direção, de cabeça baixa, totalmente entretido com algo que definitivamente não se parecia com uma câmera fotográfica. Imediatamente reconheceu o álbum de casamento. Esquecera completamente de que estava na mesma gaveta que a câmera. Stephen levantou os olhos para ela. — Olhe o que achei — anunciou ele, sorridente. E caminhando até a mesa, começou a folhear o álbum, rindo-se de algumas fotos, franzindo a testa diante de outras, conforme a situação. De repente desatou a rir. — Venha ver uma coisa. Rachel aproximou-se e olhou para a foto que ele lhe apontava. Era do carro em que saíram para a lua-de-mel, todo pichado e com latas penduradas, obra de alguns amigos gozadores. Stephen virou-se para ela. — Levei uma hora só para tirar aquela tinta e me livrar das latas todas. Está lembrada? Você me fez parar no primeiro lava rápido que encontramos pela frente, com vergonha de chegar ao hotel e todo mundo perceber que éramos recém casados. — É verdade. Como poderia me esquecer? Mas não adiantou nada, porque assim que desci do carro na porta do hotel, uma porção de arroz caiu das minhas roupas bem aos pés do manobrista. Entreolharam-se novamente, sorridentes, só que desta vez sustentaram o olhar. Rachel sentiu o rosto quente, o sangue pulsando nas veias e sabia que o mesmo devia estar acontecendo com ele. Sentindo toda a resistência desaparecer, resolveu deixar de lado a cautela. Desejava aquele homem a qualquer custo, essa era a verdade. Lentamente Stephen levantou-se e se aproximou dela, olhando-a 68
fixamente. — Quero lhe fazer um pedido — disse baixinho. O coração dela batia feito louco. — Diga. O que é? — Quero que vá comigo para Londres. CAPÍTULO VIII Rachel quase caiu de susto. Viajar para Londres com Stephen! Devia estar sonhando. Então não havia ninguém na vida dele, como receava. Sentiu o impulso de aceitar, mas lembrou-se de Lars e de seu livro. Não podia largar o trabalho pela metade e também não seria delicado com Sam. — Ah, Stephen, gostaria muito, mas infelizmente não vou poder ir — disse, voltando-se para ele. Ele colocou a mão sobre o ombro dela. — Por que não? Tenho me comportado bem, não tenho? Ou será que ultrapassei o limite que determinou? Sabe muito bem o quanto a desejo e não adianta me dizer que não me quer também porque eu sei que sim. Para que ficar na defensiva desse jeito, Rachel? — Não se trata disso, Stephen. Acontece que enquanto o livro que estou editando não estiver pronto para ser publicado, não posso me ausentar — explicou, honestamente. — Então é por causa daquele escritor, não é? — É, quer dizer, não é o que está pensando. E que estamos num ponto importante da revisão do livro e não posso deixá-lo na mão logo agora. — Mas não há outra pessoa que possa fazer isso? — Ele segurou-a pelo queixo e olhou-a fixamente, com um brilho de ternura no olhar. — Poderíamos passar excelentes momentos juntos. Já pensou? Duas semanas longe de tudo e de todos, numa das cidades mais interessantes do mundo. Vamos, Rachel, diga que vai comigo. Ele estava ligeiramente inclinado na sua direção, prestes a beijá-la e ela não só desejava que isso acontecesse, como sentia que acabaria por ceder e ir para Londres com ele. O que seria mais importante: o livro de Lars Helmerson ou seu futuro? Fechou os olhos, entreabriu os lábios e ficou imóvel, esperando que ele a beijasse mas, justo naquele instante, o telefone começou a tocar insistentemente, quebrando a magia daquele momento. Rachel sobressaltou-se, abriu os olhos e fez menção de atender, mas Stephen a impediu. — Deixe tocar. 69
— Ah, Stephen, tenho de atender. E se for algo importante. — E o que pode ser mais importante do que nós? — perguntou ele baixinho. — Nada, claro, mas... — Está bem, então atenda — consentiu ele. Rachel hesitou, mas como o toque insistente começasse a lhe dar nos nervos, correu a atender. — Rachel, é Lars. — Diga Lars. Estou muito ocupada no momento. — Preciso da sua ajuda — foi logo dizendo. — Estou totalmente perdido sem você. Não consigo terminar a revisão sozinho. A voz do rapaz estava tomada pelo pânico e Rachel sentiu pena dele. Sempre temera que isso acabasse acontecendo. Ele se tornara tão dependente dela, que não confiava mais em si mesmo. — Claro que consegue, Lars — tranqüilizou-o, num tom suave, porém enérgico. — Eu não estava lá quando você escreveu o livro, lembra-se? — Agora é diferente. Sinto-me totalmente incapaz. Preciso vê-la. Estarei aí em dez minutos. — Não! — exclamou ela, firme. — Já disse que estou ocupada. Fez-se um longo silêncio. — Está bem, então — disse ele, desanimado. — Já que é assim, o melhor que tenho a fazer é queimar essa droga, pegar o meu barco e ir embora. Não sei o que me fez pensar que me tornaria um escritor. — Mas você é um escritor, Lars. — Não. Sem você por perto não sou, não. Rapidamente Rachel pensou que não havia outra alternativa senão procurar fazer Stephen entender. Não poderia de jeito nenhum ir a Londres com ele. Teriam de esperar até que ele voltasse de viagem para se acertarem. — Está certo, Lars — cedeu. — Venha para cá e veremos o que se pode fazer. Desligou o telefone e virou-se para explicar a Stephen o que estava acontecendo, mas encontrou-o parado ao lado da mesa, de braços cruzados, cara fechada, os lábios apertados numa expressão zangada. Ela bem que tentou dizer alguma coisa, mas ele fez sinal para que se calasse, colocou as mãos nos bolsos e lentamente caminhou até ela. — Pelo que pude entender você já tomou sua decisão, certo? — Por favor, Stephen, tente entender. Tenho de ajudá-lo. Se o deixar agora, só Deus sabe o que ele poderá fazer. — Ótimo. Então é melhor eu ir embora para que vocês possam trabalhar em paz. Dando-lhe as costas, caminhou lentamente até a porta, esperando talvez 70
que ela pedisse que ficasse. Rachel permaneceu onde estava por alguns segundos, pensando no que fazer. Não poderia perdê-lo pela segunda vez. — Stephen — chamou. Ele parou, ficou imóvel por alguns momentos, depois virou-se devagarzinho para ela. — O que é? — Fique um pouco mais. Lars deverá demorar uns trinta minutos ainda. Não quero que se vá desse jeito. Vamos conversar um pouco. — A respeito de quê? — indagou ele, com um sorriso pálido. Rachel vasculhou a memória à procura de alguma coisa que justificasse o convite. — Sobre o nosso jantar, por exemplo. — Dane-se o jantar — murmurou ele, saindo feito um furacão. Rachel ouviu quando ele deu a partida no carro e arrancou, cantando os pneus no asfalto. Caminhou até a mesa sobre a qual ele deixara o álbum de fotografias do casamento, olhou para a foto do carro de núpcias, lentamente o fechou e recolocou na gaveta. Durante toda a semana seguinte Rachel esteve tão ata-refada que mal teve tempo de pensar no ocorrido. Passava dez horas por dia dando assistência a Lars e, à noite, caía exausta na cama. Como já esperava, não teve mais notícias de Stephen. O que a,confortava era pensar que na semana seguinte, quando ele estivesse de volta, já teria terminado o trabalho com Lars e, caso Stephen não a procurasse, ela é que o procuraria e o faria ouvir tudo o que tinha para dizer. Ele ainda a queria — isso estava claro — ou não a teria convidado a ir para Londres com ele, e nem muito menos se zangado tanto quando recusara o convite. O que a deixava mais ansiosa, entretanto, era que começava a desconfiar que estava grávida. Seus ciclos menstruais sempre tinham sido irregulares, por isso, a princípio, procurara convencer a si própria de que não estava acontecendo nada de anormal. Conforme o tempo foi passando, outros sintomas, como um ligeiro inchaço dos seios e uma certa náusea pela manhã apareceram, e ela teve de encarar o fato como uma real possibilidade. Se estivesse mesmo grávida, o melhor que tinha a fazer para si mesma e principalmente para a criança era passar por cima do próprio orgulho e fazer o possível para trazer seu pai de volta. Assim que ele voltasse de Londres, lhe falaria sobre suas suspeitas e tudo se resolveria. Ele queria tanto ter filhos! Felizmente aquele seria o último dia em que trabalharia com Lars. Como de costume, tinham começado cedo aquela manhã e se estendido até às seis horas, mais ou menos. 71
— Pronto — disse ela, virando a última página. — Terminamos. — Graças a Deus — exclamou Lars, realmente satisfeito. — Pensei que não fossemos terminar nunca. O rapaz debruçou-se sobre a mesa e propôs maroto: — Isso merece uma comemoração, não acha? — Certamente — concordou ela, pondo-se de pé. — Acho que tenho uma garrafa de conhaque. Vou já verificar isso. Levantou-se e estava a caminho da cozinha quando ele a segurou pelo braço. — Havia pensado em alguma coisa mais emocionante — sussurrou. Ela sorriu, sem jeito. — O quê, por exemplo? — Sabe muito bem no que estou pensando — disse ele, segurando-a com mais força. Rachel sentiu o sangue gelar nas veias. Há tempos que vinha suspeitando das intenções do rapaz, mas agora que haviam terminado o trabalho em conjunto esperava que ele fosse embora. No entanto, o gigante loiro parecia ter outras idéias em mente. Com uma risada nervosa, puxou o braço e afastou-se alguns passos dele. — O quê? — arriscou. Com um único passo ele a alcançou, segurando-a pelos ombros. — Quero que venha para o meu barco comigo, Rachel. — Claro, qualquer tarde dessas vamos dar um passeio de barco, certo? — Você não entendeu, Rachel. Escute — prosseguiu ele, com uma voz baixa e ansiosa — Se é que você e Sam estão certos, ganharei muito dinheiro com esse livro e poderemos ir para o lugar que você quiser. Taiti, Samoa, Tasmânia. Gostaria de lhe mostrar o mundo inteiro. Venha comigo, Rachel. Ela ficou olhando para ele, boquiaberta. Não é que ele estava falando sério! Não sabia o que dizer ou pensar. Estava assim surpresa, quando sentiu que os braços enormes dele a enlaçaram e a puxaram para si e, antes que pudesse fazer qualquer coisa para impedi-lo, o rapaz começou a beijá-la. Passado o susto, Rachel tentou em vão gritar e se desvencilhar do abraço forte dele. De repente, ouviu alguém tossir atrás de Lars e uma voz conhecida rompeu o silêncio. — Espero não estar interrompendo nada importante. Sua cabeça começou a girar. Era a voz de Stephen! Levantou os olhos e lá estava ele, parado junto à porta, os braços cruzados e a cara fechada. Lars soltou-a no mesmo instante. — Stephen! O que está fazendo aqui? — A porta estava aberta. Desde ontem estou tentando ligar para cá, mas ninguém atendeu o telefone. Hoje cedo liguei para Laura e ela me disse 72
que estava preocupada porque também não estava conseguindo lhe falar e me pediu que viesse ver se estava tudo bem. — Lamento — murmurou Rachel. — Trabalhamos o fim de semana todo e resolvi desligar o telefone para que ninguém nos interrompesse. Pensei que ainda estivesse em Londres. Stephen olhou para Lars que, imóvel, parecia uma caça em vias de ser abatida, e de novo para ela. — Estou vendo — observou, em tom de desprezo. — Voltei uma semana antes do previsto. — Sei — murmurou ela. Rachel percebeu que Stephen estava furioso. Precisava convencê-lo de que estava enganado, de que as coisas não eram como pareciam. — Stephen, esse é Lars Helmerson, o escritor com quem estive trabalhando. Lars, esse é Stephen Kincaid — apresentou. Os dois homens.ficaram se olhando, mas não demonstraram a menor disposição de se cumprimentarem. Rachel sabia que tinha de fazer alguma coisa para acalmar os ânimos, antes que os dois resolvessem partir para a ignorância. — Encerramos por aqui — disse, virando-se para Lars. Seu tom de voz dava a perceber que não admitiria discussão. — Acho melhor você ir agora. O gigante loiro abriu a boca para dizer alguma coisa mas, ao perceber a expressão fechada de Rachel, desistiu. Após um instante de hesitação, virou-se e saiu sem dizer palavra. Assim que ele saiu, Stephen olhou para ela com os olhos azuis fuzilando e os lábios apertados de raiva. — Sinceramente, Rachel. Por essa eu não esperava. — O que quer dizer com isso? Sei que é difícil acreditar, mas não é o que está pensando. Posso explicar... Ignorando completamente suas palavras, ele continuou, no mesmo tom agressivo e acusador. — Nunca pensei que tivesse coragem de se rebaixar a ponto de ter um romance barato, e ainda por cima com um moleque! O tom de voz dele começou a perturbá-la. Quem pensava que era para vir lhe dar lição de moral? — Vejam só quem fala — exclamou, tremendo de indignação. — É para você saber o quanto dói. Agora sabe como me senti quando peguei você e Margaret exatamente na mesma situação. Stephen não disse nada, mas seus olhos se arregalaram como se fossem sair das órbitas. Quando recobrou o controle, não deixou por menos. — Está certo. Se é que está sendo sincera mesmo, agora sabe o quanto é duro ser acusado injustamente. A situação se inverteu, mas não se 73
esqueça de que a culpa é toda sua. — Não! — explodiu ela. — Não é a mesma coisa. Que direito você acha que tem de me julgar e, principalmente, de comparar o inocente relacionamento que tenho com Lars ao que aconteceu entre você e Margaret? Com três largos passos ele a alcançou. — Inocente? Pois eu mesmo os surpreendi prestes a fazer amor, aqui mesmo nesta cozinha. Agora entendo porque não quis viajar comigo. — Não estávamos prestes a fazer amor coisa nenhuma! — negou ela, ofendida. — E se não viajei com você foi porque tinha um compromisso de trabalho. Quer saber de uma coisa? Pense o que quiser. — E isso mesmo que vou fazer. — Não sei porque estou lhe dando tantas explicações. Além do mais, você deixou bem claro que não quer mais compromisso, não foi? Por que se incomoda tanto que outro homem me queira? Stephen ficou tão irado que não soube nem o que dizer. Deu um passo à frente e Rachel chegou a pensar que ele fosse agredi-la, mas ele simplesmente deu meia-volta e saiu da sala. E certamente da sua vida também. Depois do ocorrido, Rachel entrou em estado de profundo abatimento e nem passava pela sua cabeça que devesse cuidar de si mesma. No domingo seguinte, como de hábito, foi almoçar com Laura. Como John tivesse levado as crianças a uma feira de ciência no Seattle Centre, as duas resolveram não fazer almoço, mas aproveitar o que restara do jantar da véspera. Almoçavam sossegadamente no jardim da casa quando Laura notou a falta de entusiasmo da irmã. — Pensei que gostasse de lasanha — comentou. — E gosto — garantiu Rachel, sem muita convicção. — Então por que está enrolando tanto para comer? Rachel afastou o prato. — Desculpe, Laura. Não estou com muito apetite, hoje. — Ultimamente você quer dizer, não é? — E olhando-a desconfiada — Não está doente, está? Rachel deu um sorriso pálido. — Não exatamente. Só um pouco cansada. — É por causa de Stephen, não é? — Em parte. Um pouco também é por ter terminado de editar o livro de Lars. Estava louca para terminá-lo, só que agora sinto falta do trabalho. — Você o tem visto? — Quem? Lars? — Não! Sabe muito bem de quem estou falando. 74
Rachel sacudiu a cabeça. — Não, nem sombra dele. Do jeito que ficou furioso comigo, acho que nunca mais vai me procurar. Não deve nem querer ouvir falar de mim, e eu é que não vou passar a vida toda explicando o que aconteceu. — Bem, detesto voltar a esse assunto, mas não foi exatamente isso que você fez quando o encontrou com Margaret? — lembrou Laura, já esperando uma reação da irmã. Ao contrário do previsto, Rachel não pareceu muito abalada. Deu um sorriso pálido e admitiu: — E. Stephen disse a mesma coisa. — Puxa, você deve estar mal, hein? Se estivesse no seu normal, ia querer me enforcar por fazer esse tipo de comentário. Laura debruçou-se sobre a mesa e olhou atentamente para Rachel. — Sabe de uma coisa? Você está com olheiras e até emagreceu um pouco. — Sorriu, maliciosa, e acrescentou: — Só os seios não diminuíram. Pelo contrário, parece até que aumentaram de volume. Súbito, Laura calou-se, levou a mão à boca e olhou horrorizada para a Rachel, que corou e tratou de ir se levantando. — Tenho me sentido exausta nos últimos dias, Laura. Se não se importa, acho que está na hora de ir para casa — justificou-se. — Não senhora. Sente-se aí que precisamos ter uma conversa. Cansada demais para discutir, Rachel sentou-se novamente. — Não vai me dizer que está grávida, vai? — Não sei, mas receio que sim — desabafou Rache, tristonha. — Como receia? Ainda não foi ao médico? Rachel sacudiu a cabeça negativamente. — Bem, é a primeira providência a tomar quando se tem uma desconfiança dessas. Nada de entrar em pânico antes de ter certeza. Apesar de que, pelo que sei, você apresenta todos os sintomas. — E depois de um momento de hesitação: — Stephen já sabe? Rachel deu de ombros. — E por que deveria saber? Se nem eu mesma tenho certeza... E levantando-se novamente da cadeira. — Preciso mesmo ir. — Está certo — consentiu Laura, levantando-se também e colocando a mão sobre o ombro da irmã. — Mas me pro- meta que irá ao médico sem falta. Acredite, vai se sentir melhor quando tiver certeza. E lembre-se, querida, estou do seu lado. Sabe que pode contar comigo e com John para qualquer coisa. — Obrigada. Agora é melhor eu ir embora logo, antes que comece a chorar. Ultimamente tenho vontade de chorar à toa. — Não se preocupe com isso. Essa emotividade exagerada é só mais um 75
sintoma de gravidez. Raquel foi embora decidida a seguir o conselho de Laura e, três dias depois, saia do consultório médico totalmente atordoada, tendo nas mãos uma amostra grátis de vitaminas, uma receita para o caso de vir a sentir náuseas, alguns tabletes de cálcio e um folheto contendo dieta è exercícios especiais para gestantes. Depois da conversa que tivera com Laura, quase não tinha dúvida de estar grávida. Contudo, por alguma estranha razão, a confirmação do médico a deixara extremamente preocupada. E agora? O que ia fazer da vida? Colocou a mão trêmula sobre a barriga. Um bebê! Uma criança sua e de Stephen! Seus olhos ficaram marejados de lágrimas ante esse simples pensamento. O doutor lhe garantira que estava em excelente condição física e que a gestação deveria transcorrer dentro da mais absoluta normalidade, mas ainda assim, a idéia de ter uma criança sob sua responsabilidade a assustava. Por outro lado, pensava que se outras mulheres conseguiam, ela também conseguiria. Tinha certeza de que o trabalho não atrapalharia em nada e que poderia muito bem ler os manuscritos em casa. Sam compreenderia, certamente. Ao chegar em casa, ainda perturbada com o resultado dos exames, encontrou o telefone tocando. Dirigiu-se lentamente ao aparelho e, como supunha, era Laura. — Bem? E daí? — indagou ela. — Você estava certa. Estou grávida mesmo. Houve um longo silêncio. Rachel ficou segurando o receptor e esperando, pois já sabia o que Laura diria. — Imagino que vá contar a Stephen. Rachel não teve dúvidas. — Não, Laura, não vou. — Mas por que? — replicou a outra. — Não é ele o pai? Pois que assuma a responsabilidade. Aliás, tenho certeza de que não vai lhe negar apoio, principalmente financeiro. O que não será favor nenhum, aliás. — Escute Laura — disse Rachel, assim que conseguiu se acalmar o suficiente. — Estou lhe avisando. Se você contar a Stephen que estou grávida, vou esquecer que somos irmãs e nunca mais falo com você. Desta vez é pra valer. — Está bem — concordou Laura, com suavidade. — Estou avisada. Mas então o que pretende fazer? — Bom, para ser sincera, ainda não pensei a respeito. — Pois volto o lhe dizer. Conte comigo para o que der e vier. — Obrigada. Sei que posso contar com você. Agora me desculpe, acho que vou tomar um bom banho de banheira para relaxar um pouco, que é o que estou precisando no momento. Falo com você mais tarde. 76
Assim que desligou, Rachel encaminhou-se lentamente para o banheiro. Enquanto ligava a torneira e se despia, pensou na conversa que tivera com Laura e estranhou a facilidade com que se deixara convencer a não contar nada a Stephen. Tinha o péssimo costume de interferir na sua vida; porém, não costumava faltar com a palavra. Entrou na banheira e fechou os olhos. Enquanto procurava relaxar, sem querer, veio-lhe à cabeça que Laura talvez estivesse certa. Quem sabe não seria melhor contar logo tudo a Stephen. Tinha certeza de que ele não fugiria à responsabilidade, mas sabia também que, ainda que resolvesse ficar com ela, seria apenas por causa da criança. Não seria por amor. De certa forma, não seria chantagem contar-lhe sobre a gravidez? Ficou deitada na banheira, pensando, até a água esfriar e acabou não chegando a conclusão nenhuma. Na manhã seguinte ainda não havia decidido o que fazer com relação a Stephen, mas de uma coisa tinha certeza. Com o estômago ruim como estava, tomou um leve café da manhã e ligou para o escritório, à procura de Sam. — Overton Publicações — atendeu a bem-humorada Martha. — E Rachel, Martha. O Sam ainda está aí? — Acabou de sair mas, se esperar um minuto vou ver se ainda o alcanço. Poucos segundos depois Sam atendeu. — Onde você está Rachel? — foi ele dizendo, sem demora. — Preciso de você para me ajudar a escolher a capa do livro de Helmerson. — Desculpe Sam, mas não estou me sentindo muito bem, hoje. — O que está havendo? Nunca a vi doente! — estranhou ele. — Acho que aquela trabalheira toda com o livro de Lars no mês passado me deixou estressada. Seja como for, preciso só descansar um pouco. — Mas estou precisando de você! — protestou o rapaz. — Não, não está — replicou Rachel com firmeza — Dei o sangue por causa dessa droga de livro, trabalhei várias noites até altas horas, assim como inúmeros finais de semana. Não agüento mais! — Mas o livro ficou incrível! — Eu sei — admitiu ela. — Mas já fiz a minha parte e, de mais a mais, não entendo absolutamente nada de arte-final. Você e Lars podem se arranjar muito bem sem mim. Estou morta, Sam. Preciso de um tempo. — Quanto? — perguntou ele, receoso. — Não sei. Mas no mínimo o resto da semana. Na próxima segunda-feira verei como vou estar me sentindo. Nesse momento, só quero descansar, recuperar as forças. — Bem, já que é assim, vou ver se dá para eu me virar sozinho por alguns dias. Em último caso, lhe telefonarei. — Nada disso. Vou sumir de circulação por alguns dias, por isso nem 77
adianta ligar. — Bom, se está falando sério mesmo, posso ao menos mandar alguns manuscritos para você ler em casa mesmo? Coloquei vários deles na sua mesa hoje cedo. — Está certo. Envie aqui para casa, mas não prometo nada. — Ótimo. Se cuida, tá? Não desejo perdê-la de vez. — Não existe o menor risco disso vir a acontecer — afiançou Rachel, mais animada. Despediram-se e desligaram. Agora que teria uma criança para criar, precisaria daquele emprego mais do que nunca, pensou Rachel. Pela primeira vez em anos, passou o resto da semana exatamente como quando estudante. Assistia a todos os programas que podia na televisão, indo dormir tarde da noite, e só se levantava lá pela metade da manhã. Começou até a ler alguns romances que comprara, mas que, por falta de tempo, não chegara sequer a folhear. A tarde, dava uma cochilada e saía para uma caminhada. Quando não, cuidava do jardim. Mantinha o telefone desligado mas, para que Laura não se preocupasse, às vezes ligava para ela para dizer que estava tudo indo bem. Lá pelo fim da semana já estava se sentindo bem melhor. A comida lhe parecia mais saborosa, estava mais descansada mental e fisicamente e até começava a acreditar que seria capaz de cuidar do bebê, chegando mesmo a se empolgar com a idéia. No domingo à noite, resolveu começar a dar uma espiada no pacote de manuscritos que Sam lhe enviara. Jantou, tomou um demorado banho de banheira, colocou uma camisola, um robe e um confortável par de chinelos e sentou-se à mesa da cozinha, tendo o cuidado de preparar um bule de café fresco para espantar o sono. Mal desembrulhara o primeiro manuscrito quando ouviu a campainha da porta. Contrariada, aguçou os ouvidos tentando descobrir quem era, torcendo para que, fosse quem fosse o visitante, desistisse e se mandasse. Fora tão bom ficar sozinha aqueles dias todos. E depois, não havia lei que a obrigasse a atender à porta. A visita, porém, não desistia e continuava tocando a campainha que Rachel continuava a ignorar. De repente, ouviu-se uma forte batida na porta. Por um momento, Rachel pensou em chamar a polícia e dar uma lição em Sam. Mas não poderia fazer isso. Daria um jeito de mandá-lo embora. Com um suspiro de resignação, levantou-se e dirigiu-se à porta, pensando no que lhe diria para que fosse embora. Quando abriu a porta, deu de cara com Stephen Kincaid em pessoa. CAPÍTULO IX 78
Pálido, o olhar preocupado, quando Rachel finalmente abriu a porta, Stephen entrou feito um furacão. Ela estava desconcertada demais para dizer qualquer coisa. Stephen ficou andando em círculos por algum tempo, antes de aproximar-se, com olhar fulminante. — Por que não me contou sobre o bebê? — Como foi que soube? — Que diferença isso faz? Ela lhe deu as costas. — Só pode ter sido Laura, é claro — resmungou. — Prometeu que não diria nada. — Não foi Laura. Ela virou-se, duvidosa. — Mas se ninguém mais sabia! — Laura não prometeu não contar a John. — Mais cedo ou mais tarde você ia descobrir mesmo. Diga logo o que tem a dizer, depois pode ir embora — disse ela, dando de ombros. — Só quero lhe fazer uma pergunta. — Pois faça. Embora não quisesse se iludir, o fato de Stephen ter ido procurá-la davalhe alguma esperança de que tudo se resolvesse da melhor maneira possível. — Só vejo uma razão para você não ter me contado tudo — deduziu ele, os olhos azuis fitando-a com ansiedade. — Seja sincera: essa criança é minha? Rachel sentiu-se como se tivesse levado um golpe em plena face e só conseguiu ficar olhando para ele com os olhos arregalados. Teve vontade de gritar, de espernear, mas se conteve. Em vez disso, endireitou os ombros, ergueu a cabeça e olhou para ele com altivez. — Essa é a coisa mais grosseira que já ouvi. Perturbado, Stephen abaixou a cabeça e ficou olhando para o chão por alguns segundos. Quando ergueu os olhos novamente havia uma certa suavidade em seu olhar. — Acho que a minha pergunta não é tão absurda assim — justificou-se. Ela arqueou as sobrancelhas. — Ah, não? E por que quer saber? — Bem, se a criança for minha, quero ter certeza de que nada irá lhe faltar. — Você quer dizer financeiramente? — Escute Rachel, acabei de receber a notícia. Para ser sincero, levei um choque e ainda nem tive tempo de me acostumar com a idéia. Tentei lhe telefonar e só decidi vir pessoalmente porque ninguém atendeu o 79
telefone. Acho que devíamos conversar racionalmente. Rachel o olhou admirada. — E acha que isso seja conversar racionalmente? Invadir a minha casa e me fazer uma pergunta dessas? — Tenho todo o direito de saber — replicou ele, arrogante. Ela sentiu o sangue subir à cabeça e não pôde evitar de explodir. — Tem coisa nenhuma! Você saiu feito louco daqui de casa, sem ao menos me dar a chance de explicar o que estava acontecendo, e ainda tem coragem de entrar aqui e me acusar de ter caso com outros homens. Apesar do esforço para manter a calma, estava quase gritando, sem refletir no que dizia. — Se nem com você eu transava sem estarmos casados, como pode pensar que me envolveria com outro qualquer? — Está certo. Acalme-se. — Como acalmar? — rebateu Rachel, batendo o pé. — Isso é o cúmulo. Não temos nada a conversar. — Então devo concluir que o bebê não é meu? Aquilo só fez a raiva dela aumentar. — Saia já da minha casa! — ordenou, apontando para a porta. — Não pode me expulsar desse jeito. — Mas estou expulsando. Saia já! Seus olhos se cruzaram, só que desta vez ela sustentou o olhar. A boca trêmula de Stephen, a veia pulsando nervosa no maxilar, demonstravam que estava tão zangado quanto ela, mas Rachel não iria recuar por isso. Não daquela vez. — Será que não podemos conversar calmamente? — insistiu Stephen. — Não! — gritou ela. — Retire-se já da minha casa e da minha vida também, de preferência. — Está certo — concordou ele, em tom defensivo. — Eu vou. Virou-se e dirigiu-se lentamente em direção à porta, como se esperasse que ela o chamasse de volta. M is Rachel não o chamou. Estava quase arrependida das palavras rudes, mas era tarde para voltar atrás. Quando ele saiu, Rachel encostou-se à parede, deixou-se deslizar até o chão, fechou os olhos e prendeu a respiração, ainda tentada a chamá-lo de volta. Ficou ali imóvel, sem respirar, até ouvi-lo dar a partida no carro e arrancar. Só então relaxou e deixou as lágrimas rolarem a vontade. Na manhã seguinte, tão logo levantou-se, ligou para Laura. Se estava furiosa com Stephen, com a irmã ainda mais e queria que ela soubesse exatamente como estava se sentindo. — Muito obrigada — falou, assim que Laura atendeu. — Como? — estranhou ela, ainda sonolenta. — E você, Rachel? Acordei 80
agora mesmo. — Estou ligando para lhe agradecer por ter contado tudo a Stephen, embora tenha me prometido não abrir a boca. — Mas eu não contei nada! — negou Laura, ofendida. — Ah, não? Mas contou a John, o que dá no mesmo. Não sei se não fez de propósito. — Ah, Rachel, por favor! Prometi que não contaria a Stephen e não contei. E verdade, contei a John. Mas será que não dá para você entender que só queremos ajudá-la? Ou acha que fiz isso para magoá-la, ofendêla? — Ah, sei, e ajudou muito, mesmo — discordou Rachel. — Ele veio aqui a noite passada, exatamente como você esperava que fizesse. Só que a única coisa que queria era saber se a criança é dele! — Essa não — murmurou Laura, após alguns segundos de absoluto silêncio. — Como um homem tão inteligente pode sertão ignorante em certas ocasiões? Por favor, rfão fique zangada comigo, querida. Eu nunca poderia imaginar que ele fosse fazer uma pergunta dessas. — Está certo — disse Rachel, contrariada. — Eu mesma mal posso acreditar que ele tenha feito isso, mas fez. E acredite, não estou mais chateada com você. Provavelmente estou só descontando em você a raiva que ele me fez passar. — E o que foi que você lhe disse? — perguntou Laura, cautelosa. — Toquei-o aqui de casa, claro. O que mais poderia fazer? — Ah, sei. Bem, não teria sido melhor ter contado a verdade de uma vez? — De jeito nenhum! Se ele duvida que seja o pai da criança, está claro que não há mais esperanças para nós. Ele que fique com a dúvida. Não vai morrer por causa disso. — É, mas e você? Como é que fica nisso tudo? — ponderou Laura, sensata. Rachel deu uma gargalhada. — Não sei o que mais tenho a perder. Do jeito que a coisa está, não dá para piorar. — Diz isso porque ainda não sabe como é difícil criar uma criança sozinha, minha querida — replicou Laura, que era mãe de três filhos e, embora tivesse sempre contado com apoio do marido, podia muito bem imaginar como teria sido sem ele. Concluindo, argumentou: — Querer saber se o filho é seu já é um sinal de interesse, não acha? — Não havia pensado nisso. Acha mesmo? — Bem, é claro que ele está com ciúmes, mas ouça Rachel, continuo achando que vocês podiam fazer um esforço e pensar um pouquinho no bem-estar da criança que vai nascer em vez de em si mesmos. E você sabe que vai precisar de toda ajuda que puder conseguir. 81
— Pois sabe o que foi que ele me disse? Que se tiver certeza de que a criança é realmente dele, vai querer me ajudar financeiramente. — Disse isso? — Exatamente isso. — Bem, talvez ele só precise de um tempo para se acostumar com a idéia. Só ontem ficou sabendo que vai ser pai. Ele ainda deseja ter .filhos, não deseja? Rachel deu um profundo suspiro. — Para dizer a verdade, Laura, não sei de mais nada. Às vezes penso que nem o conheço mais, se quer saber. — Bem, faça o que achar melhor. Só quero lhe dizer mais uma coisa, depois prometo não tocar mais no assunto. Certo? — Pare de fazer mistério e diga logo o que está pensando. — Acho que daqui a um tempo, quando tiver pensado melhor, Stephen vai voltar atrás e fazer o que é correto. Aí, trate de engolir o seu orgulho, de pensar no bem-estar do bebê e procure se entender com ele. — Pode deixar, querida — replicou Rachel.. — Mas tenho quase certeza de que num ponto você está enganada. — Qual? — indagou Laura. — Se conheço bem Stephen, tenho certeza de que não vai me procurar nunca mais. No entanto, o tempo mostrou que Rachel estava completamente enganada. Na manhã do domingo seguinte, trabalhando no jardim e colocando estacas numas dálias que tinham sido castigadas pelas chuva a noite toda, Rachel viu o carro de Stephen parar bem em frente à casa. Levantou-se lentamente, ainda com uma estaca na mão, e ficou observando enquanto ele estacionava o carro no meio-fio. Quando ele desceu e se aproximou, percebeu admirada seu aspecto cansado. — Olá, Stephen. — Olá, Rachel. Ele hesitou por um momento, antes de perguntar: — Será que podemos entrar e conversar um pouco? Rachel quase disse que não, que já haviam dito tudo que tinham para se dizer, mas lembrou-se do conselho de Laura e calou-se a tempo. Talvez ele merecesse uma chance. Afinal, era o pai de seu filho e devia assumir a responsabilidade pela criança tanto quanto ela própria. Além disso, olhava-a de um jeito tão amoroso que não teve forças para resistir. Parado ali como um garoto que tivesse levado uma bronca, as mãos nos bolsos traseiros das calças escuras, tinha a aparência de quem não dormia há dias. Tinha um ar preocupado e os olhos azuis estavam sombrios como nunca. Para completar o quadro, devia fazer dias que não fazia a barba. 82
— Tudo bem. As dálias podem esperar — concordou Rachel, colocando as estacas e o martelo num canto do jardim. — Aceita uma xícara de café? Stephen relaxou e sorriu. — Aceito sim, obrigado. Na cozinha, perturbada pela presença de Stephen, Rachel lavou as mãos sujas de terra e começou a preparar o café. Ele também parecia nervoso e inquieto, muito diferente do homem confiante e seguro de si com quem ela se acostumara. — O jardim está muito bonito — elogiou ele, quebrando o silêncio. Ela se virou e o surpreendeu olhando pela janela, de costas para ela. Tinha os ombros largos agora um pouco curvados, como se derrotado. Ocorreu-lhe, de repente, que se ele a magoara, no passado, ela também não tinha sido exatamente um exemplo de doçura o tempo todo. — Faço o possível, mas nem sempre sai tudo como deveria, principalmente nesta época do ano, quando tudo parece fugir ao controle da gente. Aquela altura o café já estava pronto e ela serviu duas xícaras. — O café está pronto — anunciou. Ele se virou, caminhou até a mesa e apanhou uma delas. Tomou um gole, recolocou-a sobre o pires e ficou olhando para o chão por vários minutos. Finalmente, levantou os olhos para ela. — Como tem passado? — perguntou. — Muito bem — assegurou ela. — No princípio fiquei um tanto tensa, mas acho que só precisava de um bom descanso. Tirei uns dez dias de férias e, se achar necessário, tirarei mais alguns. Ele mostrou-se de acordo. — Isso é ótimo. Tenho pensado muito esse tempo e gostaria de lhe pedir desculpas pelas coisas que falei e... — Ele interrompeu-se, pigarreou, depois prosseguiu: — Bem, por ter insinuado que você teria saído com outros homens e que outro qualquer poderia ser o pai do bebê. — Pensei que me conhecesse melhor — disse ela. — Também lhe devo desculpas pelas bobagens que disse, mas você me deixou furiosa. — Eu sei. E que achei que você é quem deveria ter me contado que estava grávida e não John. A primeira coisa que me ocorreu foi que a criança poderia não ser minha. Olhou para ela como se pedisse perdão. — Se tivesse dado um tempo, refletido com mais calma, não teria feito o que fiz. E que eu não conseguia tirar da cabeça a imagem de você e aquele maldito escritor se beijando. — Se ao menos tivesse me deixado explicar... — Eu sei, eu sei — interrompeu Stephen. — Mas fiquei tão cego de ciúme 83
que não vi mais nada à minha frente. Rachel mostrou-se compreensiva. — Acho que sei exatamente como se sentiu — disse. — Mesmo porque tenho consciência de que nosso casamento acabou por causa do meu ciúme. — Não exatamente. Ela deu de ombros. — Mas essa é uma velha história. Não adianta ficar remoendo o passado a vida toda. Talvez tivéssemos que passar por aquilo tudo. O importante é aproveitar a experiência e não ficar repetindo os mesmos erros a vida toda. Ele ergueu a xícara, tomou mais um gole de café e voltou a colocá-la no pires. Rachel ficou olhando para ele, o coração nas mãos. Será que ainda a queria? Ela própria não tinha mais certeza se o queria, também. Mas sabia que se ele encostasse num fio de cabelo seu estaria perdida, que concordaria com qualquer coisa. Mas ele não o fez. Ao contrário, pôs-se a falar, devagar e cuidadosamente. — Acho que somos ambos responsáveis pela criança e que devemos deixar para lá as diferenças e procurar nos acertar de uma vez por todas. — Concordo totalmente. — Você bem sabe o quanto eu quis ter filhos — continuou ele. — Não creio que suportaria viver longe do meu filho, tendo de me contentar com uma visita nos fins de semana. Quero ser um pai de verdade, poder criar o meu filho, acompanhar seu crescimento, por isso tenho uma proposta a lhe fazer. Rachel esperava, ansiosa, mas ele, talvez querendo certificar-se da sua reação antes de prosseguir, não disse mais nada. — Estou ouvindo — disse ela, angustiada. — Fale? — Gostaria que nos casássemos de novo. Rachel sentiu o coração dar um salto no peito, mas logo caiu na realidade. Ele não dissera que a amava, que não podia viver sem ela, nem nada do gênero. Apenas se dispunha a abrir mão de sua preciosa liberdade, colocar a cabeça no lugar, mas não porque a amasse, e sim porque queria realizar o sonho de ter um filho. Mordeu os lábios e virou-se de costas para que ele não percebesse a expressão de desapontamento em seu olhar. Até que ponto teria de se sacrificar em nome do bebê que ia nascer? Um casamento sem amor traria algum benefício para ele? — E então, Rachel? O que me diz? — Não sei se daria certo, Stephen. Isto é, seja é arriscada uma segunda tentativa, imagine sem amor. 84
Ele arregalou os olhos. — Sem amor? — perguntou, incrédulo. Depois, franzindo a testa: — Está tentando me dizer que não me ama mais? — Não é isso. — Então o que é? — perguntou, desesperado. — Não está duvidando do meu amor, está? Ela corou intensamente. — E o que esperava? — protestou, com ardor. — Primeiro você diz que não acredita numa segunda tentativa; depois, só porque vou ter um bebê, vem me dizer o que devíamos e o que não devíamos fazer. O que esperava que eu pensasse? Ele sacudiu a cabeça, com uma expressão de total incredulidade. — Não sei porque duvida que é você que eu quero, que é a você que eu amo. A criança não tem nada a ver com isso. — Mas você disse... — Ah, dane-se o que eu disse! — bradou Stephen, pondo-se a andar de um lado para o outro. Rachel sentiu o coração apertado novamente. Queria tanto que tudo desse certo. Sua vontade era correr para ele, dizer-lhe o quanto o amava, que era óbvio que queria se casar com ele e passar o resto da vida a seu lado, mas se conteve. Precisava estar absolutamente segura antes de dizer ou fazer qualquer coisa. Stephen então prosseguiu: — Eu disse uma série de coisas que na verdade não sinto Rachel. Para ser honesto, apesar de não me haver dado conta na ocasião, só voltei a Seattle porque no fundo tinha esperança de reconquistá-la. Estava tão furioso com a sua recusa em acreditar nas minhas explicações e com a pressa com que pediu o divórcio, que quis puni-la. Só que quando a vi, tudo mudou. Ele aproximou-se mais e acariciou-lhe o rosto. — Aquele fim de semana que passamos juntos foi demais. Melhor do que quando estávamos juntos. Naqueles dois dias percebi o que realmente queria da vida, mas tinha receio de me precipitar. Pretendia agir com calma e ver como as coisas rolariam entre nós, mas aí você veio com aquela história de sermos apenas bons amigos... — Mas eu não poderia agir de outra forma — protestou ela. — Tinha de ser tudo ou nada. Percebe? Eu não suportaria ter um "caso" com você, ser amante do meu próprio marido. — É, agora estou entendendo. Aliás, acho que comecei a perceber isso há algum tempo, por isso convidei-a a ir comigo para Londres. Pensei que poderíamos nos casar antes de ir. — E ,por que não me disse nada? 85
— Porque você preferiu ficar aqui com o idiota daquele marinheiro... Só por isso! Ela olhou para ele, indefesa. Que adiantava continuarem discutindo, remoendo os erros do passado? O que importava agora era o futuro. E já que ele a queria, que ainda a amava, o resto não tinha a menor importância. Já era tempo de acabarem com aquela bobagem. Deu um passo na sua direção, ergueu os braços e afagou o seu rosto. Stephen olhou-a com os olhos azuis mais brilhantes do mundo. — Rachel — sussurrou ele, com voz rouca. — Estou pedindo, case-se comigo. Quero cuidar de você e do nosso filho. Por favor, diga que sim. — Ah, Stephen — suspirou ela, atirando os braços em volta do seu pescoço. — Claro que sim. Ele envolveu-a num abraço apertado, como se receasse perdê-la novamente. Ficaram ali abraçados por alguns momentos, agarrados um ao outro. Aos poucos, um calor diferente foi crescendo entre eles, e o abraço assumiu um novo significado. Stephen começou a acariciar as suas costas, apertando os quadris contra os seus, e Rachel sentiu a gratidão dele aos poucos transformar-se em desejo. — Deus, como a desejo, meu amor — cochichou ele, em seu ouvido. — Nunca deixei de amá-la. — E tomando seu rosto entre as mãos, olhou profundamente em seus olhos. — Amo-a mais do que a própria vida. Rachel empurrou de leve a cabeça dele para trás a fim de olhá-lo bem nos olhos. — Eu sei — murmurou. — E também o amo muito. Ele aproximou a boca da sua, ansioso pelo seu beijo e Rachel respondeu ardentemente. Abraçando-o, deslizou as mãos por debaixo da camisa dele e alcançou a pele macia das suas costas. Para sua surpresa, ele afastou-se e sorriu. — Venha cá — falou, puxando-a pela mão. — Vamos nos sentar um pouco. Quero deixar tudo muito claro antes de... — Ele sorriu. — Você entende. De mãos dadas, caminharam até a sala de estar. Stephen foi direto à sua cadeira, sentou-se, e puxou-a para o seu colo. — Humm... — murmurou no seu ouvido — como está perfumada! Ela sorriu. — Ah, sim. Tanto quanto um jardineiro! — brincou. — Estava cuidando do jardim, lembra-se? Ele a abraçou com força e ela recostou a cabeça em seu peito, podendo sentir que seu coração batia tão aceleradamente quanto o seu. — Desta vez não haverá mais mal-entendidos entre nós, não é? — perguntou ele, de repente. — Não. Acho que já chega de briga. 86
Stephen não se cansava de acariciar seus cabelos castanhos e de beijarlhe a fronte. — Acho que já discutimos todos os pontos, não? Ela concordou com um gesto de cabeça. — Vamos nos casar já? Ela concordou de novo. — Então vamos ser uma família de verdade? Outro gesto. — Ah! — fez Stephen, satisfeito. — Então está tudo resolvido. Rachel levantou os olhos para ele e deu um sorriso tímido. — Nem tudo — observou. Ele ergueu as sobrancelhas interrogativamente, seus olhares se cruzaram e, aos poucos, as sombras desapareceram dos seus olhos azuis, dando lugar a um brilho intenso. Abaixou a cabeça em direção à dela e quando seus lábios se encontraram, beijaram-se com incrível suavidade. Enquanto se beijavam, ele procurava desabotoar a blusa dela e, quando por fim conseguiu, começou a acariciar seus seios, agora mais volumosos devido à gravidez, fazendo-a gemer de prazer. Sua mãos passeavam de um seio a outro, apalpando, apertando, até que ela não agüentou mais aquele delicioso tormento. Quando ele descolou a boca da sua e abaixou a cabeça em direção ao seu decote, ela jogou a cabeça para trás, entregando-se inteira, sentindo os lábios dele no pescoço, e depois, lentamente descendo ao vale formado pelos seios, até alcançarem os mamilos intumescidos pelo desejo. Enquanto a beijava e mordiscava, suas mãos ágeis foram desabotoando seu jeans. Quando conseguiu espaço, deslizou a mão lenta e sedutoramente pelo seu estômago, depois, descendo um pouco mais, pelas suas coxas, levando-a à loucura. Quando Rachel não agüentava mais, sentou-se e levantou a cabeça, olhando profundamente nos olhos dele. — Vamos para a cama, querido. Algum tempo depois, ao acordar ao lado do homem a quem nunca deixara de amar, Rachel abriu os olhos, ergueu a cabeça do travesseiro e só se deu conta de que ainda era dia porque percebeu, através das frestas da janela, que o sol ainda brilhava. Sonolento, Stephen deslizou a mão da cintura para os seios nus da mulher. Com ar de absoluta felicidade, ela colocou a mão sobre a dele, apertou-a de encontro ao coração e sorriu para si mesma. Tudo ia acabar bem, pensou feliz. Como Stephen dissera, de agora em diante seriam uma família de verdade, como ele sempre sonhara e do jeito que ela, embora inconscientemente, sempre desejara também. 87
Poderia continuar com seu trabalho e, quem sabe, um dia, até pudessem ter outros filhos. Virou a cabeça e ficou observando-o dormir tranqüilamente. Teve vontade de ajeitar seus cabelos negros e revoltos, mas não queria atrapalhar seu sono. Tudo voltara a ser como nos velhos tempos, pensou. Aliás, até melhor do que antes. O sofrimento lhes ensinara o que realmente importava na vida. E certamente não era orgulho, riqueza ou sucesso, mas simplesmente amor.
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