Kay Thorpe - O Senhor Do Castelo

Page 1

O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

O SENHOR DO CASTELO Kay Thorpe

SABRINA 126 Copyright: KAY THORPE Título original: “THE LAST OF THE MALLORYS Publicado originalmente em 1977 pela Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra Tradução: KLAUS SCHEEL Copyright para a língua portuguesa: 1981 EDITORA EDIBOLSO LTDA — São Paulo Uma empresa do GRUPO ABRIL Composto e impresso nas oficinas da ABRIL S.A. CULTURAL E INDUSTRIAL Foto da capa: TRANSWORLD

Vanessa tinha que calar no peito seu grito de amor, pois na vida de Brent só havia um lugar para ela: o de sua secretária! “Aqui está o contrato, Srta. Vanessa. Assine-o e será minha secretária por seis meses.” Vanessa hesitou, pensando por um momento em recusar o emprego naquele castelo. Ela não entendia Brent Mallory, seu futuro patrão. Ele era arrogante demais… auto-suficiente demais… e, sem querer, pensou: atraente demais! Num impulso, assinou o contrato, sem saber que, naquele momento, estava abrindo para si mesma as portas do inferno. Pois, em apenas duas semanas, estava apaixonada por Brent Mallory. Ah, antes nunca tivesse respondido àquele anúncio no jornal! Porque era melhor não amar, do que amar e não ser correspondida

PROJETO REVISORAS Este livro faz parte de um projeto sem fins lucrativos. Sua distribuição é livre e sua comercialização estritamente proibida. Cultura: um bem universal. Digitalização: Palas Atenéia Revisão: Cynthia M . 1


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

CAPÍTULO I — O Sr. Mallory está ocupado. Chamará quando tiver tempo. Quer se sentar e esperar? Vanessa disse que sim ao rapaz na recepção. Caminhou, tensa, sobre o tapete macio até um sofá confortável, onde sentou-se na beiradinha das almofadas. Tomara que o Sr. Mallory atenda logo, pensou. Quando esperava muito ficava sempre nervosa: não conseguia parar de pensar. Não se achava capaz de conquistar aquele emprego. Sentia-se frágil, pequena e insignificante, tentando alcançar as estrelas! Preocupada, Vanessa se distraiu abrindo a bolsa, de onde tirou o anúncio, que releu pela vigésima vez: “Precisa-se de assistente para seis meses (no mínimo) de trabalho em Raylings Hall, Derbyshire. É indispensável residir no local, ter conhecimentos especializados da arte antiga, além das qualificações habituais ao secretariado. Salário a combinar na entrevista. O Sr. B. Mallory atenderá os interessados na segunda-feira, 12 de setembro, das catorze às dezesseis horas, no Park Hotel”. O anúncio era simples e economizava palavras. O responsável com certeza gostava de ir direto ao assunto. Suspirando, Vanessa recolocou o anúncio na bolsa. Era querer demais ser candidata única. Haveria outras pretendentes. Como sempre! Viver rodeada por quatrocentos anos de história, por uma das coleções de arte antiga mais valiosas da Europa, era uma oportunidade de ouro. Principalmente para alguém como ela, sempre fascinada e interessada por obras de arte de um passado rico. Também se sentia inibida por ser muito jovem. Tinha apenas vinte e dois anos e não achava seu rosto juvenil suficientemente sério para um trabalho de tanta responsabilidade. Abriu a bolsa de novo e tirou um pequeno espelho. Examinou-se com olhos críticos: o cabelo castanho-escuro solto, o nariz arrebitado e a boca sempre pronta para sorrir não ajudavam nem um pouco a criar aquele respeito que tanto desejava transmitir. Achou que devia ter escolhido um vestido mais sóbrio. — Srta. Page? — O recepcionista desligou o telefone. — O Sr. Mallory está chamando. E no número 5, no primeiro andar. No elevador, Vanessa criou coragem para enfrentar o desafio. Não adiantava nada comparecer à entrevista com uma atitude negativa e derrotista, Seria pura perda de tempo. Pensou no conselho do avô: “Esforce-se ao máximo, tente alcançar as estrelas! Nunca subestime sua capacidade”. Respeitando a saudosa memória, resolveu seguir o conselho. O número 5 ficava bem no meio do corredor atapetado. Vanessa bateu na porta branca e ouviu uma agradável voz masculina convidando-a a entrar. Reunindo toda sua força de vontade, entrou em uma sala arejada, cheia de sol, impecavelmente limpa e com móveis esplêndidos. Ura homem parado perto da janela ampla olhava para fora e não se virou quando a ouviu entrar. Era alto, de ombros largos e usava um terno cinza muito bem talhado. O cabelo preto brilhava sob os raios do sol. — Examine o vaso sobre a mesa e dê a sua opinião. Um pouco embaraçada, Vanessa atravessou a sala até a mesa, onde 2


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

colocou a bolsa e segurou o vaso com as duas mãos. Era um objeto de porcelana fina, com flores em relevo embelezando o fundo bege com traços azuis. O vaso era lindo e estava em perfeitas condições. O interesse de Vanessa foi tão grande que superou o nervosismo. Nem reparou mais no homem que continuava de costas, olhando pela janela. Toda a sua atenção se voltou para o vaso, para a sensação de calor que a porcelana brilhante transmitia às mãos. Virou-o, procurando marcas da fábrica. Sim, havia um símbolo, um pouco apagado mas ainda reconhecível: um sol com as letras “S T C” e, sob essas letras, uma única letra “T”. Sem dúvida isso não bastava para tirar uma conclusão. As peças falsificadas sempre têm uma marca, o que nem sempre acontece com obras originais. Vanessa ergueu o vaso e examinou-o, tentando verificar a autenticidade. Se era falso, tinha sido feito por um artesão habilíssimo. E, nesse caso, uma simples inspeção visual não bastaria para evitar a possibilidade de fraude. Mas Vanessa seguiu o instinto que lhe dizia que aquela peça era autêntica. — É uma peça francesa… Vanessa parou de falar porque o homem se virou e olhou espantado para ela. Seguiu-se um silêncio incômodo, enquanto era examinada por olhos de um verde profundo. Tentou retribuir o olhar, um pouco confusa, sem entender a surpresa do homem. — Desculpe, senhorita. Parece que houve um engano. Pensei estar entrevistando um Sr. Page. — Oh… Talvez o recepcionista não tenha me anunciado com muita clareza ao telefone. — Não é isso. Lamento, mas a senhorita perdeu seu tempo. Esse emprego é para um secretário, um homem. — Mas como? O seu anúncio não dizia isso. — Tem certeza? Vanessa pegou a bolsa e tirou o anúncio. — Veja. Não está escrito no jornal. Ele leu o texto que Vanessa já sabia de cor. — Concordo que não mencionei a palavra “masculino”. Achei que só homens se candidatariam. Será necessário morar no local de trabalho, sabia? — Sim, sabia. Mas não entendo por que uma mulher não pode se candidatar. — Lamento. Nem adianta discutir o assunto. Vanessa ficou tão desapontada que não conseguiu evitar a raiva. Seus olhos fuzilaram aquele homem inflexível e impaciente. — O seu preconceito é contra todas as mulheres ou só contra mim? Acho que mereço ser julgada pela minha capacidade e não pelo meu sexo. O homem olhou para ela, intrigado com aquelas palavras justas, ferinas e ousadas. As sobrancelhas negras arqueadas revelavam um interesse novo: os olhos verdes tinham visto a raiva brilhante no fundo dos olhos azuis de Vanessa. — Continuaríamos perdendo tempo. Não acha? — Não vi mais ninguém esperando — insistiu ela. — Está bem. Admito que sou responsável por sua vinda até aqui. Então, já que deseja mostrar conhecimentos… — Ele indicou a cadeira diante da mesa baixa. — Sente-se. Dê sua opinião sobre o vaso. É francês? 3


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

— Sim. É da fábrica St. Cloud. De… meados do século XVIII. Certamente antes da década de setenta. Vanessa descrevia o vaso com segurança, mas Mallory permaneceu impassível. — Por quê? — A letra “T” foi acrescentada quando Henri Trou tornou-se diretor da fábrica, em 1722. A fábrica foi destruída por um incêndio em 1773. Depois nunca mais voltou a produzir. Ele ficou algum tempo em silêncio e Vanessa sentiu-se chocada com o exame severo daqueles olhos verdes. Corou um pouco. — Você está certa, Srta. Page. Gostei da sua identificação. Foi precisa e suscinta, e isso é uma combinação rara, particularmente tratando-se de uma mulher. Vanessa se sentiu provocada mas resolveu não ligar. Aos poucos o gelo entre eles se derretia, e foram ficando mais unidos pelo interesse mútuo pela arte. No entanto, aquele homem não parecia disposto a abandonar seu preconceito contra as mulheres. Com certeza, só continuava com a entrevista para se divertir um pouco. De repente ele se inclinou sobre a mesa, abriu uma pasta e tirou uma porção de fotografias. — Agora examine estas fotos. Quero o estilo, a época e uma descrição resumida de cada uma, Quinze minutos depois Vanessa estava se sentindo em pleno vestibular. Concentrava-se inteiramente no exame de cada foto, sabendo que o menor deslize provocaria um sorriso irônico ou uma observação sarcástica. E mais uma vez seus conhecimentos a ajudaram a vencer o obstáculo sem hesitação. Ela conseguia falar com clareza e sem rodeios desnecessários. — Muito bem. Seus conhecimentos são surpreendentes. Seus olhos foram bem treinados para identificar detalhes. Onde aprendeu isso tudo? O elogio foi franco e dado com prazer. Mas isso não significava que ele havia mudado de opinião sobre o emprego. — Fui criada pelo meu avô — explicou Vanessa, sorrindo. — Ele era dono de uma loja de antigüidades, em Chelsea. Eu tinha só dez anos quando fui morar com ele, mas já ajudava na loja, limpando as peças. Comecei a me interessar e, mais tarde, passei a ir com ele a leilões e vendas avulsas. E passávamos muito tempo em museus e galerias de arte. Eu ouvindo, ele ensinando. Por sorte, tenho uma memória excepcional… — É uma grande sorte, sem dúvida. Ainda assim, e acho que você concorda comigo, a memória não substitui a prática de lidar com os próprios objetos. Você teve a felicidade de poder trabalhar na loja e de viver com um avô tão bem-intencionado e culto. São poucas as pessoas que transmitem conhecimentos valiosos dessa maneira. Diga-me… seu avô… será que se chama Joseph Page? — Sim. O senhor o conheceu? — Só superficialmente. Ele me vendeu um par de pistolas de duelo há uns três anos. — Mallory se recostou na cadeira com um sorriso gentil. Agora parecia mais jovem do que os trinta e três ou trinta e quatro anos que aparentava ter. — Era um negociante de arte bastante estranho. Lembro-me como foi difícil fazê-lo dizer o preço das pistolas. Parecia mais interessado no que eu ia fazer com elas. 4


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

— Vovô era assim mesmo! — Vanessa riu. — Precisava ter certeza de que cada peça teria o destino certo. Entregava as peças com um cuidado imenso, como se estivesse entregando uma criança para adoção. — Infelizmente, isso hoje em dia é raro. Muitas pessoas compram peças de arte apenas para possuírem símbolos de riqueza, só por uma questão de status. Mas entendo os sentimentos do seu avô… Não me lembro de ter visto você na loja. — Talvez eu estivesse em um leilão. Nos últimos anos eu sempre fazia as compras. — Por que fala no tempo passado? A loja não existe mais? Seu avô mudou de ramo? — Ele morreu há três meses. — Entendo. — A voz neutra não tentou fingir sentimentos de pesar. — E você não se sentiu capaz de dirigir a loja sozinha? — A situação foi mais complicada. — Vanessa desviou o olhar, tentando lembrar as semanas depois da morte do avô. Voltou a falar como se estivesse sozinha: — Vovô nunca foi um homem de negócios… Era capaz de vender com prejuízo, quando alguém realmente gostava da peça mas não tinha condições de pagar o preço justo. Eu sabia que ele gastava suas economias para manter a loja aberta. Mas não pude fazer nada. A vida e o dinheiro eram dele. Vovô gostava tanto de trabalhar ali… — Então você foi obrigada a vender a loja para pagar as dívidas — concluiu Mallory. — E o que fez depois? — Nada. Só vendi a loja há duas semanas. O novo dono me deixou morar lá. Ajudo um pouco enquanto não encontro outro emprego. — E seus conhecimentos como secretária? — Não são muito grandes — Vanessa confessou com um suspiro. — Tive aulas de datilografia e contabilidade porque vovô insistiu. Mas é só isso… — Ah! Em outras palavras, você não tem experiência como secretária… Ele parou, pensativo, olhando para um caderninho de anotações que enchera de rabiscos durante a conversa. Depois, num movimento repentino, largou o lápis sobre a mesa, levantou-se e foi de novo para a janela, onde ficou olhando o trânsito, de mãos nos bolsos. Vanessa observou tudo, temerosa, sem saber se podia ou não alimentar esperanças nessa situação. Será que ele tentava encontrar um jeito de mandála embora? Será que continuava tão contrário à idéia de uma secretária? Em que estaria pensando agora? Tentou adivinhar os pensamentos dele, olhando para aquele perfil forte e sombrio. Como se tivesse notado que estava sendo observado, ele se virou e encarou Vanessa. Havia um brilho novo nos olhos verdes. Com certeza ele tinha tomado uma resolução. — Srta. Page. Vou direto ao assunto que nos interessa. Não sou favorável a presença de mulheres nos meus negócios. Elas se distraem demais, confiam no instinto e não no bom senso, e… — ele a observou com atenção freqüentemente ficam ressentidas com qualquer espécie de autoridade. Vanessa levantou-se indignada e frustrada, com o rosto em brasa. — Isso resolve a questão, não é? Uma boa tarde para o senhor, Sr. Mallory. Desculpe incomodá-lo. Não quis tomar tanto do seu precioso tempo. — Sente-se. Ele falou sem erguer o tom de voz, mas Vanessa se sentiu obrigada a 5


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

obedecer. — Além disso, as mulheres são terrivelmente sensíveis. Isso as distingue dos homens: a excessiva sensibilidade. Os homens, mesmo adultos, são como crianças grandes. Não consigo trabalhar com pessoas que entram em crise ao menor sinal de crítica. — O senhor não está me criticando. Considero sua opinião uma verdadeira agressão! Não vim aqui ouvir lições de moral sobre os defeitos do sexo feminino. Vim desejando um emprego e parece que não o consegui. Agora posso ir? — Quem disse que não conseguiu o emprego? Só estou sendo franco para não haver mal-entendidos. Só. Como eu ia dizendo, normalmente eu não contrataria você ou outra mulher qualquer. No entanto, como não surgiu outro pretendente… e como você revelou conhecimentos satisfatórios no pequeno teste que fiz… Não faz mal que não tenha experiência como secretária. Com boa vontade e muito bom senso, logo terá a experiência necessária. Sempre preferi ditar minhas cartas no gravador… — Quer dizer que vai me dar o emprego? O espanto de Vanessa não tinha limite. Ela olhava para ele sem acreditar. — Não era isso que você queria? — Mallory sorriu com ironia. — Mudou de idéia? — Sim, quero dizer, não… — Ainda existem alguns pontos que quero esclarecer antes de acertar o contrato. Este emprego não será um mero trabalho das nove até as cinco, Srta. Page. O público visita Raylings na primavera e no verão. Antes do começo da próxima temporada temos que ter, pronto, um catálogo completo de todas as peças principais da casa. Preciso da sua dedicação integral, mesmo em horas extras, dependendo da disponibilidade do meu tempo. Em geral estou muito ocupado durante a semana. Você terá de trabalhar muito por conta própria . O trabalho será duro e cansativo, e se não gosta disso é melhor nem aceitar o emprego. Ainda está interessada? — É claro. — Vanessa ignorou as dúvidas que se formaram em sua cabeça depois daquelas instruções. — Está bem. Então vamos ao fundamental. O salário… Ele disse uma quantia que Vanessa considerou generosa sob todos os aspectos. — Aceito — ela murmurou. — E quando pode começar? — Quando quiser. Nada me prende em Londres. — Ótimo! Quanto mais cedo melhor. — As mãos dele já reuniam as fotos em cima da mesa, como que incapazes de ficar inativas por algum tempo. — Sugiro que você viaje para o norte na quarta-feira. Está de acordo? — Estou. — Bem, então estamos acertados. — Ele consultou o relógio. — Vai voltar para a loja em Chelsea agora? — Sim. Mallory pegou o telefone e falou com o recepcionista. — A Srta. Page está de saída. Providencie um táxi para ela. A despesa será por minha conta. — Com os olhos verdes frios ele recolocou o fone no gancho. — Assim você chegará em casa tranqüila, nessa hora de muito trânsito… Até quarta-feira, Srta. Page. Comprarei a passagem de trem e você 6


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

a receberá com uma carta confirmando o emprego. Evidentemente, quando chegar em Sheffield alguém estará à sua espera na estação. — Obrigada. — Esqueci de mencionar mais uma coisa. Quero que assine o contrato de trabalho comprometendo-se a passar seis meses completos em Raylings. Está bem? — Se acha que é necessário, está bem. Enquanto andava até a porta ela ainda sentia aquele olhar verde acompanhando cada passo seu. Com alívio imenso saiu para o corredor atapetado. Enfim… sucesso! Almejara e conquistara um pedacinho do longo caminho rumo às estrelas. Bendito avô… Mas esse tal de Mallory… Que homem arrogante! Convencido e machão! Dava até raiva. Esses pensamentos ainda zuniam em sua cabeça quando Vanessa entrou no táxi que a aguardava diante do elegante edifício. Mas ao se recostar no banco, ela pensou melhor em sua nova situação. Só agora se dava conta de que o tal Mallory, arrogante e machão, era seu novo patrão. No caminho rumo ao sucesso teria de conviver com ele quase todos os dias, aceitar suas idéias, obedecer suas ordens. Que horror! Naquela breve entrevista o Sr. Mallory tinha sido de uma antipatia inexplicável. Ainda assim, ela concordara com tudo: com a moradia, com o horário incomum de trabalho, com o salário, com o fato de vê-lo com demasiada freqüência durante seis meses inteiros… Vanessa olhava pela janela do táxi sem nada ver. Estava mergulhada em pensamentos, nos projetos de um futuro desconhecido. Visualizava os traços do rosto do homem que acabara de conhecer: o cabelo negro, os olhos verdes, o nariz forte e bem delineado, a boca severa, o queixo quadrado. Aquele rosto parecia saber exatamente o que desejava da vida. E parecia também um rosto de homem confiante e bem-sucedido. Toda essa confiança só servia para aumentar a inexplicável antipatia de Vanessa. Seria possível viver em paz e harmonia na companhia de tal homem? Seria realmente possível? Pensando melhor, será que sentimentos de natureza pessoal importavam numa relação de natureza estritamente profissional? Eles trabalhariam como patrão e secretária, sem compromissos sociais. Provavelmente ela teria seu próprio quarto na casa, e, na certa, teria de ficar no quarto quando não estivesse trabalhando. Talvez fosse até obrigada a comer no quarto… O único e grande consolo é que iria viver rodeada das obras de arte que tanto amava. Sempre sonhara com esse ambiente! Sob esse ponto de vista, não haveria problemas. Faltavam quinze para as cinco quando Vanessa chegou à loja de antigüidades, numa das travessas da Kings Road. Tocou a campainha e um homem grisalho abriu a porta; era o novo dono da loja do avô. Sorriu satisfeito ao ver quem estava chegando. — Acabei de esquentar água para o chá. Vamos até os fundos e conte-me como foi a entrevista. Conseguiu o emprego? — Consegui. — Ela o seguiu até um quarto pequeno e confortável, que servia de escritório e de retiro para descanso da loja. — Consegui, sim. Preciso viajar na quarta-feira. — Já? Esse homem… como é mesmo o nome dele… parece estar com muita pressa. Nem entendo por que não colocou o anúncio antes. Teve sorte de encontrar alguém disposto a começar logo. — Ele se chama Mallory. — Vanessa sentou-se com um suspiro. — Duvido 7


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

que esperasse encontrar uma pessoa tão cedo. Simplesmente está se aproveitando da oportunidade. E eu sou a felizarda que vai começar a ganhar um bom salário sem perda de tempo. — Você não precisava desse emprego — disse o velho com sinceridade. —: Podia continuar morando aqui na loja, trabalhando comigo. Daríamos um jeito com o salário. Não prefere ficar aqui em Londres, perto de conhecidos e amigos? — Aqui, depois da morte do vovô, só tenho um bom amigo. — Vanessa sorriu com ternura para o homem grisalho ao seu lado. Sabia que nas mãos dele a loja progrediria. Sempre tinha sido bondoso e, comprando-a, aliviara a dor da perda da loja onde ela trabalhara durante doze anos. — Sua oferta é gentil, Nevil, mas não daria certo. Esse lugar está cheio de lembranças para mim. Ficando aqui, nunca vou conseguir me libertar do passado. Preciso cuidar da vida, ganhar bastante dinheiro. Esse emprego me garante por seis meses, no mínimo. Se economizar agora, juntando o dinheiro que ainda restou da venda da loja, talvez possa começar um negócio por conta própria quando sair de Raylings. — Tem razão, Vanessa. Você já tomou sua decisão. Se precisar de alguma ajuda, pense em mim. Estarei sempre pronto para ajudar. Agora conte-me como foi a entrevista. — Aconteceu um imprevisto. Ele queria um secretário… — Vanessa resumiu os acontecimentos da tarde e concluiu: — Agora, pensando bem, nem sei como fui capaz de agüentar uma entrevista daquelas. Na hora, nada importava. Eu só queria provar que era capaz de fazer um trabalho tão bem quanto qualquer homem. — Provou que tem capacidade conseguindo o emprego. Agora, com a cabeça fria, acha bom trabalhar ao lado desse patrão que me parece um pouco exigente e severo? — Ora, se fosse apenas isso. Acho que ele será um déspota! Mas garantiu que posso trabalhar muito por conta própria… — Vanessa estava se conformando com as perspectivas do emprego. — Rodeada de tantas obras de arte acho que serei capaz de ignorar as dificuldades criadas pelas pessoas. — Você ainda tem muito a aprender, Vanessa. As pessoas nunca podem ser ignoradas. Podemos tolerar as pessoas, isso sim, quando necessário, mas nunca ignorá-las. Você… ah, a campainha! O velho fez menção de se levantar para atender a porta, mas Vanessa o reteve num um gesto da mão. — Pode deixar que eu vou, Nevil. Aproveite enquanto ainda posso ajudar. — Você não pode pensar só em trabalho a vida inteira. Uma moça jovem como você… Bem mais tarde, quando Vanessa já estava deitada, antes de adormecer, ela lembrou essas palavras de Nevil. O que significava pensar apenas em trabalho? Que mais havia para se pensar? Depois de divagar um pouco achou que, afinal, a questão não podia ser tão importante assim. Adormeceu satisfeita achando que, pelo menos durante os próximos seis meses, todos os seus problemas estavam resolvidos.

8


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

CAPÍTULO II O trem se afastava cada vez mais da velha Londres, viajando rumo ao norte. O tempo começava a melhorar. A camada de nuvens que cobrira o céu o dia inteiro se desfazia devagar sob o impacto de um vento forte. Pedacinhos de céu azul surgiram e alguns tímidos raios de sol lançavam alegria sobre a terra. Vanessa admirava a mudança pela janela do trem. Sabia que tomara uma decisão importante na vida. A porta de uma fase do passado se fechara e uma outra se abria agora para o futuro. Sentia-se pronta para recomeçar em um mundo novo. De repente ficou feliz, cheia de confiança. Não havia nada para perturbar aquela deliciosa sensação de bem-estar. Pela manhã, recebera uma carta do patrão, que não chegou a mudar sua opinião sobre ele. Uma carta curta, na redação habitual ao mundo dos negócios, fria, impessoal, aparentemente sem sentimentos, como o homem que a havia assinado: Brent Mallory. O nome, na opinião de Vanessa, de um jovem tirano. Recostada no assento, lembrou-se de uma revista onde havia lido uma reportagem sobre Raylings Hall e a família Mallory. Seu atual patrão era o último dos Mallory, descendente de uma família tradicional de sangue azul. O primeiro membro de importância na família tornou-se nobre em 1550, quando Barratt Mallory jurou lealdade ao rei Eduardo VI. Na época da reportagem, o último descendente era solteiro. Talvez isso já tenha mudado, pensou Vanessa. Que tipo de mulher um homem tão rico e nobre desejaria? A viagem de trem foi longa e cansativa e só uma ida ao carro-restaurante desfez a monotonia. A tarde já terminava quando, enfim, o trem entrou na enorme estação sombria de Sheffield. Diante da estação, Vanessa hesitou ao ver uma longa fila de carros estacionados. Um vento gelado varria a rua. Vanessa logo entendeu que viveria num clima mais frio do que em Londres e vestiu um agasalho para se proteger. Não podia continuar por muito tempo naquele frio. Quem iria recebêla? De repente percebeu o interesse de um homem jovem e louro, sentado num Austin vermelho. Os olhares se cruzaram e o homem saiu do carro. Ele sorriu e Vanessa ficou com medo de ser abordada por um estranho; então girou o corpo e começou a se afastar. Ouviu o som de passos de alguém que a seguia. — Um momento! — Uma voz simpática a fez parar. — Será que você se chama Vanessa Page? Vanessa girou o corpo e viu-se diante dos olhos castanhos do louro sorridente. — Sim. Vanessa Page sou eu. — Ora, viva! — A exclamação foi espontânea e cheia de sentimento. — E Brent só se lembrava do cabelo preto. — Meu cabelo não é preto. — Não é mesmo. Dizer que seu cabelo é preto é um engano muito grande. Seu cabelo é lindo! Eu diria que é um tom de castanho escuro diferente. — Ele estendeu a mão. — Sou Gerard Tumer. Brent me pediu para recebê-la aqui e levá-la para casa. — Seus olhos cintilaram. — E você, Vanessa 9


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

Page, é uma surpresa agradável. — Surpresa por quê? —- Pensei que fosse chata como uma tábua, tivesse cara amarrada e lábios finos. Ainda bem que me enganei. — Ainda bem que estou agradando… Rindo juntos, como dois velhos amigos, entraram no carro depois de guardar as malas. Vanessa examinava o companheiro disfarçadamente e com curiosidade. Chamara o patrão de Brent, por isso devia conhecê-lo bem. Seu pé já calcava o acelerador do Austin vermelho. — Você é amigo dos Mallory? — Sou amigo de todo mundo. Sou sócio da família na exploração de uma pedreira. — Por um instante ele desviou os olhos do trânsito e fitou o rosto amigo de Vanessa. — Brent é meu primo. Mas não se preocupe com isso. Somos pessoas muito diferentes, Brent e eu. Realmente não havia semelhança entre ambos. Gerard era uns oito, talvez nove anos mais moço, e tinha um charme e uma espontaneidade surpreendentes. Ele não escondia que gostava da companhia de uma mulher e, sem dúvida, as mulheres também gostavam dele. Os dois eram diferentes como dois lados da mesma moeda. Demorou um pouco até o carro sair do trânsito da cidade. Quando entraram na estrada, Gerard acelerou tanto que Vanessa pediu a proteção do seu anjo da guarda. Queria chegar inteira e viva e não desejava atropelar ninguém. Mas Gerard revelou ser bom motorista, e conhecia aquela estrada como a palma da mão. A vista pela janela mudara agora com o verde e morros baixos e ondulados. Tudo muito diferente da cidade ruidosa, cinzenta e fria. — Acho que já são seis e meia — comentou Gerard, que nem reparava na beleza da paisagem. — Gosto de ver esse carrinho voando na estrada. Brent pensou em vir recebê-la na estação pessoalmente, mas apareceu um freguês inesperado. Ainda bem… estou gostando do passeio. E você? — Também. Vanessa sentiu um alívio inexplicável por não ter sido recebida pelo patrão na estação. Não conseguia entender o motivo daquela antipatia pelo último dos Mallory. Uma força instintiva a prevenia contra o patrão, contra aquela frieza impessoal, tão diferente do comportamento de Gerard. — Chegaremos logo em Raylings. — Como é a casa? Você mora lá? — Não peça minha opinião sobre Raylings. Odeio aquele lugar. Aquela construção enorme e velha… Só moro lá porque não tenho condições de ter o mesmo nível de vida em outro lugar. — Ele passou a mão pelo cabelo num gesto impaciente. — Além disso, meu primo é dono de Raylings e isso não facilita minha vida. Nem sempre combinamos… — Você não gosta dele? — Sempre tenho a desagradável impressão de que vai pisar no meu calo. Se não fosse por minha mãe, eu já teria mudado faz tempo. — Gerard lançou um sorriso para Vanessa. — Quer saber de uma coisa? A sua presença vai tornar minha vida muito mais agradável. Você será uma nova luz no meu caminho. — Só com o brilho dos meus olhos? — Ora, veja só… você tem senso de humor. Nada melhor do que uma mulher bonita e divertida. 10


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

— Nada melhor do que um homem simpático — disse Vanessa com sinceridade. A presença de Gerard era estimulante, era como… centelhas de vigor e alegria que desfaziam as incertezas iniciais de Vanessa. Ela sabia agora que teria um aliado em Raylings. Isso a deixou bem animada. O carro passava por paisagens cada vez mais deslumbrantes. Nos vales, a terra tinha uma vegetação mais viçosa do que nos morros. Pequenos regatos corriam entre árvores tingidas pelas cores do outono. Depois a estrada, em curvas, subiu cada vez mais, entre encostas rochosas, para novamente descer, passando agora por uma vila de casas modernas com terrenos amplos, construídas junto a um rio. O Austin vermelho passou pela ponte e pouco depois a estrada tomou a subir, agora em meio a uma floresta. Uma terra de contrastes, pensou Vanessa, admirada. Nunca imaginara encontrar tanta beleza natural. Desejou ter oportunidade de explorar os morros e os vales da região, respirando o ar puro da natureza. O carro entrou numa estrada particular estreita, bem ao lado de um muro alto de pedras. Gerard diminuiu a marcha. Um quilômetro depois girou o volante, entrando por um largo portão de ferro na propriedade protegida pelo muro. As rodas rangeram sobre o cascalho quando ele fez a curva, entrando por um caminho ladeado por árvores altas. Seguiram mais um pouco, mais uma curva e, enfim, surgiu a construção imponente de Raylings Hall! Vanessa prendeu a respiração. Construída nas primeiras décadas do século XVI, a casa original agora formava a ala sul de um conjunto de construções realizadas no decorrer dos séculos. O conjunto de telhados com empenas altas, a grande quantidade de janelas e o capricho rude das construções despertavam uma admiração profunda pelos artesãos antigos. As paredes eram de pedras cinzentas de Derbyshire, amaciadas pelos séculos. O sol descia no horizonte, tingindo de púrpura o céu contrastante com os contornos imponentes da casa. O caminho de cascalho desembocava num pátio largo em frente a duas construções erguidas em ângulo reto com o corpo principal da casa. Gerard parou o carro no pátio e desligou o motor. — Seis e meia em ponto. — Ele consultou o relógio com satisfação. — Venha. Vou lhe apresentar sua nova moradia. Subiram alguns degraus até uma grossa porta de carvalho. Um homem de idade a abriu, vestindo roupas velhas, largas e confortáveis. — Ouvi o carro chegando — disse o velho, depois de cumprimentar Vanessa com satisfação. — Quer que eu guarde o carro, Sr. Gerard? Posso guardá-lo antes do Sr. Brent chegar. Sei que ele detesta carros no pátio. — Acho melhor guardar, sim — concordou Gerard com desprazer. Voltando-se para Vanessa, disse: — Quero lhe apresentar Bennett, nossa prata da casa e nosso pau para toda obra. Acho que vão se entender bem. — Isso mesmo, sou pau para toda obra. — O velho sorriu de bom humor. — Espero que a senhorita fique mais tempo do que aquele que veio antes. Ele saiu com uma pressa danada! Gerard segurou no braço de Vanessa e levou-a para dentro. O salão principal, com muitas portas, era imenso e ocupava todo o centro da casa. O fogo já estava aceso na lareira de pedras e a luz bruxuleante das chamas criava sombras estranhas nas paredes altas. As vigas mestras estavam enegrecidas pela fumaça de séculos. Uma escada magnífica de madeira subia 11


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

para um segundo andar. No centro havia uma mesa enorme, antiqüíssima, e Vanessa atravessou o salão na direção da mesa, impelida pelo instinto profissional. Reconheceu o estilo elizabetano e passou a mão sobre a superfície gasta pelo tempo de uso. A cabeça já funcionava, tentando avaliar ° preço daquele tesouro. — Que mesa magnífica! — exclamou ela, pensando em voz alta. — Talvez mude de opinião se tiver de limpá-la todos os dias — comentou uma voz desconhecida com secura. A voz era de uma mulher baixa e muito gorda. Usava um avental branco e o cabelo preso na cabeça. Voltando-se para Gerard, prosseguiu: — Viu o Bennett por aí, Gerard? Mandei trazer mais lenha e até agora nada. — Saiu nesse instante, Emmie. Parecia mesmo com vontade de sair. Estão brigando de novo? — Brigando? Jamais brigaria com Clayton Bennett. Ele nem sabe mais o que faz. Está na hora de se aposentar. — Por que não diz isso a ele? — Gerard sorriu com ironia. Depois apresentou Vanessa: — Sita. Vanessa Page, essa é a Sra. Emmeline Rogers… governanta desta casa há muitos anos. É a única mulher que guarda a chave do meu coração. — Porque sei fazer bolos e cozinha muito bem — retrucou Emmie com presença de espírito. — Não venha com galanteies para o meu lado, moço. — Os olhos de Emmie examinaram Vanessa da ponta dos pés até a raiz dos cabelos. O rosto manteve uma expressão severa e indecifrável. — Venha, Srta. Page. Vou lhe mostrar o seu quarto. Não se preocupe com as malas. Bennett as deixará no quarto, quando voltar. — Não se impressione, Vanessa. Emmie tem um coração de ouro — disse Gerard. — Vejo você na hora do jantar. — Gerard! — Vanessa hesitou antes de subir para o quarto. — Por que Bennett disse que o secretário anterior saiu com muita pressa? — Foi o que aconteceu. O último secretário ficou oito semanas por aqui; e o anterior, só seis. Você é a terceira tentativa. Talvez dê certo. Dizem que três é o número da sorte. — Mas por quê? — Você conheceu o patrão. Ainda pergunta por quê? — Já entendi… Acho que entendi. — Pensativa, Vanessa seguiu a governanta, que já subia os degraus da secular escada de madeira, entalhada a mão. No alto da escada, Emmie virou à direita num corredor que levava para a ala norte da casa. Nas paredes havia tapeçarias com cenas de batalhas, armas, escudos, objetos às vezes mais velhos do que a própria construção. Em um canto, Vanessa reparou numa arca antiga. Parecia ser do estilo Tudor ou mesmo gótico. Sentiu vontade de ficar ali mesmo, admirando aquela arca, alisando-a com a mão. Mas seguiu Emmie, rumo ao quarto. As janelas do quarto davam para os fundos. Vanessa se viu num espaço amplo, decorado com alguns móveis da época da rainha Vitória. Ficou impressionada com a lareira, onde um fogo amigo esquentava o ambiente. Pesadas cortinas de veludo cobriam as duas janelas. Além disso havia um banheiro novo, um requinte da civilização, notoriamente ausente em outros quartos da casa. 12


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

— O jantar é às oito em ponto — informou Emmie já na soleira da porta. — Você não precisa vestir nada especial. O Sr. Brent prefere roupas sóbrias quando não há convidados. Você viverá aqui como se fosse da família. Assim que acabou de falar, Emmie fechou a porta. Vanessa ainda ficou parada, ouvindo o som dos passos sumindo no corredor. Em seguida ouviu um ruído de passos se aproximando e vozes em animada discussão. Momentos depois alguém bateu na porta e, em resposta à voz de Vanessa, Bennett entrou com as malas. — Aquela mulher ainda vai se dar mal um dia desses — resmungou Bennett. Deixou as malas no chão perto da cama e saiu de novo, sem parar de resmungar. Que velho mais esquisito, pensou Vanessa, divertindo-se com aquele ambiente rural e familiar. Enquanto desfazia as malas e guardava as roupas tornou a pensar em Bennett. Se o homem era velho e já não servia mais para trabalhar, por que não havia sido despedido por Brent Mallory? Será que continuava vivendo ali, como prata da casa, graças aos bons sentimentos do patrão? Realmente, o patrão tinha uma personalidade imprevisível. Sem dúvida guiava-se por princípios e ideais próprios, isso ela já havia entendido durante a entrevista. Às quinze para as oito, Vanessa já estava de banho tomado, penteada e vestida em um conjunto novo de lã verde-musgo. Conseguiu atravessar o labirinto de corredores e chegar à escada que dava para o salão principal. Ao descer a escada, teve uma sensação estranha de estar sendo observada pelos personagens ilustres retratados nos quadros da parede. As feições características dos Mallory eram reconhecíveis em todos, apesar das diferenças dos penteados e das roupas. Nas mulheres, a herança de semelhança física era menos nítida. Ainda assim, todas tinham a mesma autoridade nas expressões. Sob o impacto de tantos mortos ilustres com gélido sangue azul, Vanessa se sentiu uma intrusa, entrando em propriedade alheia. Não tinha nada em comum com aquele ambiente. Desceu a escada até o salão principal e se viu diante de muitas portas fechadas. Onde seria a sala de jantar? Indecisa, tentou uma porta por onde parecia sair um fraco som de música. Bateu de leve e entrou. Surpresa, notou que entrara em um quarto particular com paredes forradas de madeira e o chão coberto por um raro tapete chinês. Uma mulher sentada numa poltrona de couro, perto da lareira, ficou olhando fixamente para Vanessa, sem se mover ou falar. Uma música suave vibrava no ambiente. — Sou Vanessa Page… desculpe, não quis incomodar. Por que a mulher a olhava tão espantada? Será que não sabia que uma secretária nova chegara na casa? Eu devia ter esperado até ser convidada a entrar, pensou Vanessa. Não entendia ainda o que significava “viver ali como se fosse da família”. — Sim, você é a nova secretária de Brent. Lamento, querida, não quis ser grosseira olhando tanto para você. É que sua aparência é realmente surpreendente. Entre, Srta. Page. Sou Norah Turner, tia de Brent. A mãe de Gerard, pensou Vanessa. Mas não havia semelhança física entre filho e mãe. A Sra. Turner tinha todos os traços característicos dos Mallory, enquanto Gerard puxara ao pai. Os olhos verdes da mulher, de tonalidade um 13


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

pouco mais clara do que a do sobrinho, continuavam atentos à recémchegada. — Você é muito jovem para ter impressionado Brent. E, sem dúvida, você o impressionou! Sente-se, querida. Confesso que estou curiosa. Quero conhecer as qualidades que fizeram meu sobrinho superar a aversão de trabalhar com mulheres. — Quem foi que disse que superei minha aversão? Essa pergunta irônica fez as duas mulheres olharem para a porta. Lá estava Brent Mallory! Vanessa ficou toda arrepiada com a hostilidade que sentiu de repente. Com certeza a viu descendo a escada, observou a hesitação diante das portas e não tomou a iniciativa de ajudá-la. — Surgiu um imprevisto e não pude receber você na estação — disse Brent, tranqüilo. — Parece que meu primo a trouxe sã e salva. Por falar em meu primo, onde está ele? São quase oito horas. — Não sei, Brent — a tia disse. — Ele deve ter saído de novo. — Duvido. Hoje à noite, não. — O olhar de Brent estava fixo em Vanessa. Ela continuava calada, aguardando os acontecimentos. Então ouviram o som de um gongo ecoando na sala. — Bem, está na hora. Não vamos esperar meu primo. Ele caminhava entre as duas mulheres enquanto atravessavam o salão de chão de pedras. Na sala de jantar de paredes brancas, Brent se sentou à cabeceira da mesa e Vanessa ao seu lado esquerdo. A mesa comprida cintilava, cheia de prata e cristais, e um empregado começou a servir a sopa sem perda de tempo. Já estavam quase terminando a sopa quando Gerard entrou. — Desculpe o atraso — ele disse para todos. — Perdi a hora. — Sentou-se ao lado de Vanessa com um sorriso franco, sem se importar com a opinião dos demais. — Que bom que você está aqui, Vanessa. Pelo menos não preciso ouvir um sermão sobre as virtudes da pontualidade. — Não tenho o costume de gastar palavras inúteis nem meu tempo.__ A resposta fria veio da cabeceira da mesa. — E tenho certeza de que a Srta. Page saberá formar a própria opinião sobre o seu comportamento. Gerard não respondeu. Vanessa também ficou em silêncio. E assim continuou o jantar, muito saboroso mas perturbado pela animosidade silenciosa entre os dois homens. Tomaram o café numa sala de estar. Estavam confortavelmente sentados em poltronas de couro perto da lareira. — Sei que você trabalhou no ramo de antigüidades antes de aceitar este emprego. — A Sra. Turner passou uma xícara de café para Vanessa. — Acha o ramo muito competitivo para as mulheres? — O ramo é competitivo para qualquer pessoa — Vanessa respondeu. — As mulheres não são exceção à regra. Sempre gostei de freqüentar leilões. O ambiente cria uma sensação de importância e esperanças excitantes, mesmo quando não compramos nada. — Conhece a organização chamada “Ring”? Os jornais já comentaram as atividades dessa organização várias vezes. Já competiu com eles? — Freqüentemente. — Vanessa sorriu. — Não há mistérios nessa organização. O “Ring” é simplesmente um sindicato de um grupo de negociantes de arte. Eles elegem um membro que compra as peças para o grupo inteiro, Se o comprador for bem-sucedido, e isso geralmente acontece, 14


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

devido ao sólido apoio financeiro que tem, o sindicato organiza um leilão particular entre os membros. Depois dividem os lucros. Explicando melhor, é um método de manter os preços baixos durante o leilão e de evitar a concorrência entre os membros do sindicato. Quem perde são sempre os vendedores particulares. A organização é ilegal, claro, mas parece que o governo não toma providências… — Parece um esquema bem montado para produzir lucros — interveio Gerard. — Por que você e… seu avô não entraram para a organização? — Talvez porque, para eles, a honestidade foi sempre mais importante do que o lucro — comentou Brent. Ao contrário dos demais, ele continuava de pé, perto da lareira, calmo e arrogante. Essa arrogância tranqüila aumentou a animosidade inexplicável de Vanessa. Ela sentiu vontade de contradizê-lo. Por outro lado, nunca fomos convidados a participar — disse com frieza. — E só conhecemos nossas forças ou fraquezas quando elas são testadas. — Talvez a nossa força consista em reconhecermos nossas fraquezas. — O tom de voz de Brent atormentou Vanessa. — Você com certeza encontraria força de vontade para resistir à tentação. — Não tenho tanta certeza assim! — A vontade de contradizê-lo foi tão forte que Vanessa falou sem pensar. De repente Norah Turner riu, encantada. — Quer saber de uma coisa, Brent? Essa jovem não se assustará com tanta facilidade como seus secretários anteriores. — Espero que não — retrucou Brent, tranqüilo. Depois de uma pausa breve, acrescentou: — Ainda assim, ela deve saber refletir antes de falar. Seria um aviso? Será que o patrão chamava a atenção dela? Neste caso ele não está me tratando como uma pessoa da família, e isso é injusto, pensou Vanessa. Lançou um olhar para o rosto magro de Brent e encontrou os olhos verdes irônicos, que pareciam ler pensamentos. Confusa, voltou a atenção para a xícara de café. O homem era um mistério. Será que alguém sabia o que se passava naquela cabeça? Ele tomou o café de um gole só. — Vou até o escritório — avisou. — Quando terminar seu café, sita. Page, queira se juntar a mim. Ainda temos alguns negócios a tratar. — Já terminei. Podemos ir agora, se quiser. — Então vamos. Brent caminhou até a porta, com Vanessa atrás como um animal obediente seguindo o dono. Sentiu-se ridícula. A porta do escritório ficava junto ao começo da escada grande do salão principal. Uma estante cheia de livros, todos cuidadosamente arrumados, revelava uma das características da personalidade de Brent. Ele seguiu até uma escrivaninha de madeira de lei, abriu uma gaveta e tirou uma única folha de papel. — Sente-se. Indicou uma cadeira forrada de couro. — Vamos cuidar desse assunto agora e depois esquecê-lo durante os próximos seis meses. — A testa franziu um pouco. — A não ser que você não esteja gostando de Raylings… Durante uma pausa, Vanessa brincou com a idéia de recusar o trabalho. Afinal, ainda podia mudar de opinião, pois não havia assinado o contrato e o patrão lhe oferecia a possibilidade de ir embora. Seria tão simples dizer agora que o emprego não a interessava mais! Aquela família era tão esquisita! 15


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

Vanessa não entendia o homem sentado atrás da escrivaninha, e provavelmente nunca entenderia. Não era um homem de meias medidas. Ou se destestava ou se amava um homem como ele, que despertava sentimentos intensos de aprovação ou rejeição. Ela sentia que seus instintos o repeliam. Era arrogante demais… auto-suficiente demais… e, sem querer, pensou: atraente demais! Mas, ao mesmo tempo, Vanessa se imaginou também vivendo todos os dias em contato com os tesouros artísticos de Raylings. Reviu na imaginação a imagem do salão principal, conservado sem modificações desde o dia da construção original, os móveis, os quadros, as arcas e as lareiras… Era uma oportunidade única. Por que recusar? Simplesmente porque antipatizava com um homem que passaria a maior parte do tempo fora da casa? — Está me dando a oportunidade de escapar? Não, não mudei de idéia. — Ela pegou a caneta e assinou o contrato, colocado sobre a mesa. — Pronto! Assinado e… — ela passou o papel para ele com um sorriso — entregue. — Você revelou confiança. Nem leu o texto! Eu podia ter escrito qualquer coisa aí. Tal possibilidade nem passou pela cabeça dela. Acreditava na confiança mútua. Apesar dos defeitos, sabiá que Mallory era honesto. Quanto a isso não havia dúvida. — Mas não precisa se preocupar. Escrevi exatamente aquilo que acertamos na segunda-feira. Mallory guardou o contrato na gaveta e recostou-se com um sorriso estranho. Vanessa se levantou mas tornou a sentar-se, a um gesto dele. — Aproveite para tomar um drinque enquanto está aqui. Aceita um Martini ou prefere uma bebida mais forte? — Um Martini está bem, obrigada. Mallory seguiu até um armário antigo que servia de bar no escritório. Vanessa o observou de costas naquele casaco azul-marinho de corte impecável, com o colarinho branco aparecendo. Depois seus olhos deram com um retrato a óleo de uma mulher de feições finas e delicadas e cabelo louro ondulado, nitidamente diferente da família dos Mallory. Instintivamente, Vanessa levantou-se e foi até o quadro para admirá-lo mais de perto. O rosto tinha uma expressão estranha de resignação. Os olhos cor de violeta irradiavam uma vivacidade incomum. — Minha mãe. — Brent estava parado rente ao ombro de Vanessa. — É linda! — E ela, que tinha pensado que o retrato era da esposa de Brent, concluiu que ele era solteiro. — Era linda — ele corrigiu, enquanto lhe entregava o copo de Martini. — Morreu há dezesseis anos. O rosto de Brent, sempre enigmático, continuava voltado para o quadro. Parecia divagar no mundo das lembranças. Num movimento brusco, ele se virou, encolheu os ombros e sorriu. — À sua saúde, Sr. Mallory! — Vanessa ergueu o copo. — Bem-vinda a Raylings, Vanessa Page. Quero que seja feliz aqui.

16


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

CAPÍTULO III Vanessa acordou cedo na manhã seguinte. Ficou alguns instantes deitada, vendo os raios de sol e as sombras dançando na parede branca. Quando se deu conta de onde estava, levantou-se rápido, sentindo sob os pés descalços o tapete macio e grosso que cobria todo o quarto. Olhou pela janela e viu pequenas nuvens brancas navegando no céu azul, ao sabor do vento fraco. Lindo! Saiu para o terraço de pedras que ocupava a extensão inteira daquela ala da casa. Estava cheio de vasos de plantas muito floridos! De lá, a vista do terreno da propriedade era deslumbrante. Campos bem-cuidados e cultivados; árvores enormes, conservadas no decorrer de séculos; um regato de água cristalina; e, ao fundo, os inconfundíveis morros da região, cobertos de florestas. Aquela era uma terra para ser amada, trabalhada, cuidada com carinho. Devia ser maravilhoso viver ali, sob a proteção secular dos Mallory, cuja história fazia parte da região. Vanessa tomou um banho de chuveiro e se vestiu logo. Depois desceu, disposta a conhecer melhor o lugar. Sentia-se incumbida de uma missão de reconhecimento. O silêncio pairava no salão principal. E era tão profundo que provocava calafrios. Ela atravessou o salão devagar, sensibilizada pelo impacto com os fantasmas do passado. Saiu em outro terraço e respirou fundo, gozando a pureza do ar matinal. Ficou encantada com os jardins. Miríades de cores brilhavam sob o sol ameno. E gotas de orvalho cintilavam nas folhas. Aqueles jardins só podiam ser tratados com muito amor, por alguém que gostasse muito de plantas. Uma janela se abriu no andar de cima e Vanessa olhou. O rosto sonolento de Gerard surgiu. — Acordou cedo? Fique aí mesmo. Vou descer logo. Vanessa se sentou no parapeito de pedra para esperar e ficou admirando os jardins. O “logo” de Gerard demorou mais de vinte minutos. Então ele apareceu em roupas novas e elegantes, lavado e penteado. Sorria, simpático. — Você sempre acorda cedo assim? Ou foi só a curiosidade de conhecer melhor o lugar? — As duas coisas, Gerard. Nunca consegui ficar muito tempo na cama depois que acordo. — Brent e minha mãe também são assim. Eu só consigo levantar quando acho que vale a pena. — Acho este lugar maravilhoso. É um lugar para ser amado. Gerard se aproximou mais e sentou-se ao lado dela no parapeito. — Esse seu coração jovem está pensando em amor? Será que você sabe o que é amor? Se não, não sabe o que está perdendo. Na sua idade o amor não precisa ser levado a sério… pode ser quase uma fantasia ou até uma brincadeira. — Não concordo. Acho o amor muito sério, em qualquer idade. E você, está tentando me conquistar? Imagino que se considere um bom parceiro. — Você leu meus pensamentos, Vanessa. Incrível! A vida é uma só, 17


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

precisamos aproveitar todos os instantes, todas as oportunidades. E quando não existem oportunidades, precisamos fazer um pouco de força para criá-las. Sem esquentar a cabeça. — Só alguns homens pensam assim. Com as mulheres é diferente. — Sabe, Vanessa, eu quis beijar você no primeiro momento que a vi. Seus olhos azuis são cativantes, sua boca é tão sensual, seu corpo… — Calma, Gerard! Pensa que sou o quê? Não consegue ser mais sutil? Acha que todas as garotas são iguais? Você não perde tempo, mesmo. — Deixa, Vanessa. Um beijinho só… Será que vai me negar esse prazer durante os próximos seis meses? Viveríamos no céu, você e eu, durante seis meses inteiros. Já pensou? — Você só pensa na matéria, Gerard. Sou mais espiritual, sensível, emotiva. Não entendo relações sem sentimentos. Vamos dar um passeio pelos jardins? Ela levantou-se bruscamente, decidida a manter Gerard na linha. Que ousadia! Querer beijá-la assim, logo na primeira manhã! Ele era simpático, mas ela nem o conhecia direito. Bolas! — Você tem medo de mim — Gerard concluiu. Estavam passeando nos jardins quando ouviram o som do gongo. Hora do café. Ótimo. Vanessa já estava sentindo o saudável apetite ronronando no estômago. Quando entraram na sala das refeições, os outros já estavam sentados. A Sra. Turner olhou surpresa para os dois. — Levantou cedo hoje! — ela disse ao filho. — Já acordei há mais de uma hora. Vanessa me mostrou os jardins. Foi um passeio agradável. — Você conseguiu mudar o comportamento do meu filho. — A Sra. Turner sorriu para Vanessa. — Em geral ele acha que descer para o café é cansativo demais. — Não exagere, mãe. — Voltando-se para Brent, Gerard perguntou: — Qual é seu programa para hoje? Vai descer até a pedreira? — Vou passar a manhã trabalhando com a Srta. Page. Acho melhor você telefonar para Drayton Brothers, perguntando se podemos fazer a entrega do material. Já terminamos tudo. E antes do prazo! — Está bem, Brent. Cuido disso. Mais alguma coisa? — Acho que não. Se surgir alguma novidade, telefono para você no escritório. — Brent virou-se para Vanessa. — Gostou do jardim? Vanessa tomava seu café tranqüilamente e não esperava a pergunta repentina. — Sim… é lindo — ela murmurou sem conseguir formulai uma resposta mais original. Que homem danado, pensou ela. Que mais podia eu dizer? Gerard saiu para o trabalho logo depois do café, despedindo-se rapidamente de Vanessa, que já caminhava ao lado de Brent rumo ao escritório. Brent a levou para um quarto amplo e bem ensolarado, com vista para o terraço onde ela se sentara de manhã. Havia uma novidade no quarto: uma máquina de escrever elétrica, novinha em folha, em cima da escrivaninha. — Achei melhor você trabalhar aqui do que na biblioteca. Assim podemos trabalhar juntos sem você precisar trazer suas coisas. Vou mandar subir outra escrivaninha. Enquanto ela não chega, use a minha. Não tenha medo de pedir o que precisar. Emmie vai lhe mostrar onde guardo tudo. — Ele indicou a 18


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

cadeira da escrivaninha. — Veja se a altura da cadeira está boa para você. Vanessa se sentou na cadeira confortável, que realmente estava um pouco baixa. Pelo jeito, o dono de Raylings não renunciava ao conforto moderno, apesar do amor pelas antigüidades. Ele ajustou a altura da cadeira forrada e giratória. Vanessa sentou-se de novo. Agora estava boa para ela trabalhar. — Tudo bem, Sr. Mallory. Estou pronta para começar. — Os lábios de Vanessa armaram um sorriso profissional. — Já que vamos trabalhar juntos e viver na mesma casa nos próximos seis meses, sugiro evitarmos formalidades. Pode ser irritante um comportamento muito formal. Bem. Vamos começar com… a correspondência, A manhã passou num instante. O tempo voava, com o trabalho exigindo dedicação integral. Brent explicou que muita coisa ficara acumulada depois da partida do último secretário. Vanessa viu logo que, se usasse o bom senso, bastariam algumas horas por dia para dar conta do serviço. Mas, antes, seria preciso colocar o trabalho em dia. Começou a entender como funcionava a administração financeira da propriedade. Parte das despesas era paga com as rendas de um capital acumulado cuidadosamente pelo quinto Barratt Mallory, que fundara uma companhia de investimentos. A outra parte do dinheiro vinha das visitas do público. As duas receitas cobriam folgadamente as despesas de manutenção da casa e de salário dos empregados. Pelo jeito, Raylings era uma propriedade próspera; seu capital crescia devagar mas sempre. A pedreira era um negócio menor do que a companhia de investimentos. Tinha cem anos de existência e contribuía com uma parte dos lucros da família Mallory. Brent era um homem muito rico. Às onze eles pararam para um lanche e, depois, Brent sugeriu que dessem uma volta pela casa. — Você precisa se familiarizar com a casa antes de começar o catálogo. — Atravessaram a ala norte e desceram para o térreo. — Quero um catálogo que explique as obras, quarto por quarto, na ordem habitualmente seguida pelos turistas quando nos visitam. No começo, você vai ter muito o que pesquisar. Todos os livros de referência necessários estão na biblioteca, no escritório e na sala de armas. — Ele parou e sorriu para Vanessa. — Sei que vai achar o trabalho mais fácil do que os outros secretários. Você carrega um cabedal de conhecimentos imenso nessa cabeça. — Quer dizer que já começou o catálogo? — Sim. Mas só completei o kall e a sala de armas. — A voz soava bemhumorada. — Não tive tempo para mais. Parece que tenho uma influência estranha e desencorajadora sobre meus empregados! Agora estavam em uma galeria longa que acompanhava toda a extensão da parte da frente do prédio principal da casa. A galeria larga e bem iluminada vibrava de vida e cores, abrigando uma coleção de quadros digna de competir com qualquer exposição de museu. Do lugar onde estavam, Vanessa identificou um Renoir: aquela mulher com rosto suave e uma criança, no colorido impressionista, eram inconfundíveis. — Foi para terminar o catálogo que insistiu em fazer o contrato de trabalho? — Achei a atitude mais lógica. Cansei de ver secretários desertando. — Depois de uma pausa, acrescentou: —- Você está com tudo nas mãos 19


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

agora. Vanessa. Assustada? Nos lábios de Brent o nome dela soava diferente… mais doce. — Tudo bem. — Vanessa sorriu, confiante. — Acho que tenho capacidade suficiente para enfrentar o desafio. Da galeria saía uma porta para o gabinete azul. Entraram ali e Brent chamou a atenção de Vanessa para uma pintura no teto do gabinete. Fora magistralmente pintada por Antônio Belluci, um artista italiano que trabalhou pouco tempo na Inglaterra, no começo do século XVIII. Aquela pintura tinha a fama de ser um dos melhores trabalhos da vida inteira do artista. A decoração do gabinete apresentava uma nítida influência italiana. Vanessa ficou bem no meio do ambiente, admirando a ornamentação que circundava a pintura: uma fantasia de aves, animais, sátiros, peixes; frutas, flores, no conjunto conhecido sob o título Trabalho Antigo porque imitava pinturas antigas nas paredes das grutas de Roma. Ao descer o olhar, ela se interessou pela lareira com colunas longas e curvilíneas de cada lado. — Essa lareira parece obra de Francis Cleyn. Há uma parecida na Ham House, em Surrey. — Ela passou a mão nas colunas. Sentiu-se de repente perturbada por uma dúvida e voltou para o meio do gabinete, onde Brent ainda olhava para o teto. — Quase um século separa as obras de Cleyn e Belluci. Essa lareira é uma cópia? — Sua observação é notável, Vanessa. Acredita-se que Cleyn tenha desenhado a lareira na Ham House por volta de 1638. E essa foi desenhada um ou dois anos depois, quando o gabinete azul foi todo reformado. Como pode ver, o mesmo espírito clássico impera no ambiente todo. Belluci foi convidado a trabalhar aqui uns oitenta anos depois, para dar, com sua pintura, um toque artístico nesse ambiente original. Isso esclarece sua dúvida? — Completamente. Eu sabia que tudo nesse gabinete era autêntico! — De novo os olhos azuis viajaram fascinados pelo gabinete. — Foi uma época maravilhosa! Às vezes não lhe dá vontade de viver no passado? — Não. — A secura da voz de Brent foi repentina. Ele andou para a porta e sugeriu: — Vamos continuar? Ainda temos muito o que ver. A visita às obras de arte de Raylings prosseguiu. Vanessa, deslumbrada, passava de um quarto para o outro, sempre com vontade de ficar mais tempo, de observar mais detalhes, de admirar mais as obras. Sentia-se sonhando, realizando o impossível, viajando em um mundo conhecido e, ainda assim, sempre novo e surpreendente. Era capaz de passar anos ali, não apenas seis meses. — Já é quase uma hora. — Brent consultava o relógio. — Vamos almoçar antes que comecem a procurar pela gente, — Invejo sua casa — Vanessa confessou em voz baixa quando voltavam pela galeria. — Você pode ter aquele orgulho da propriedade que o negociante não pode ter. As obras passam pelas nossas mãos, somos donos delas por um tempo muito curto, e, quando as vendemos, entregamos uma parte do nosso coração. — Você não tem jeito para negociante de arte, Vanessa. O negociante precisa ter mais amor ao dinheiro do que à arte. Você é parecida com seu avô… — Então preciso aprender a negociar, antes de sair daqui. Não conheço outro jeito de ganhar a vida. 20


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

— Bem, vamos falar disso quando chegar a hora. Por falar em hora, vamos logo, estamos quase atrasados para o almoço. Depois do almoço, Brent- foi trabalhar no escritório da pedreira. Vanessa terminou a correspondência mais urgente. Sozinha no quarto arejado, com os passarinhos cantando diante da janela, cheia de paz e harmonia interior, conseguiu trabalhar com prazer. Antes das quatro horas todas as cartas já estavam redigidas com perfeição. Vanessa afastou a máquina de escrever com uma sensação de bem-estar que não sentia há tempos. Tudo corria bem, o trabalho não seria tão difícil como imaginara antes. O próprio Brent tinha sido amável naquela manhã. Sua arrogância havia desaparecido. Talvez tivesse julgado o patrão antes do tempo. Resolveu acompanhar os acontecimentos sem preconceitos, até formar uma opinião pessoal sobre aquele homem estranho que provocava sentimentos tão contraditórios. Mas não chegou a se indagar por que queria tanto conhecer a verdadeira personalidade de Brent. Recostou-se na cadeira confortável e passou os olhos pelo escritório. Ah mesmo havia inúmeras pistas sobre os gostos e hábitos do patrão. Os livros, por exemplo. Vanessa se levantou e seguiu até a estante, onde pegou um livro ao acaso. Era uma antologia de poesias. Na contracapa leu: “Para meu amado Brent, da sua mãe, pelo Natal”. Que surpresa! Nunca imaginara que Brent gostava de poesia. Mas o livro estava muito manuseado, gasto pelo uso. Assim começou a ver o último dos Mallory sob um novo ângulo. Como que impelida por uma força irresistível, aproximou-se do quadro sobre a lareira. Lembrou-se da expressão do rosto de Brent quando olhava para o retrato da mãe. Tinha sido uma expressão fugidia, quase instantânea, mas irradiava muita dor naqueles instantes, uma dor excessiva, quase anormal, para uma pessoa morta há tanto tempo. De novo ela sentiu um estranho tremor ao mirar os olhos cor de violeta do retrato. Pareciam vivos e, como se quisessem comunicar algo desesperadamente, imploravam compreensão. É muita fantasia, pensou Vanessa. Ela não podia se impressionar tanto com os retratos dos Mallory. Alguém bateu de leve na porta e Emmie entrou. Lançou um olhar de desaprovação para a escrivaninha vazia e outro para a jovem parada junto à estante. — Prefere tomar chá aqui mesmo ou com a Sra. Turner na biblioteca? — Oh… vou tomar chá com a Sra. Turner. — Vanessa recolocou o livro na estante. — Já terminei tudo que posso fazer antes do Sr. Mallory me dar novas instruções. Obrigada, Sra. Rogers. A expressão dura de Emmie amaciou um pouco. — O Sr. Brent me deu a chave do armário onde guarda todo o material… — Ela indicou a escrivaninha com um gesto de cabeça. — Mas tive tantas coisas para fazer… uma coisa, depois outra… que esqueci de lhe entregar a chave. — Ela enfiou a mão no bolso do avental branco. — Em todo o caso, aqui está a chave. O armário fica do lado direito, na sala das armas. — Obrigada. — Vanessa pegou a chave. — Isso ajudará bastante, assim não preciso incomodar você. Com certeza já tem serviço demais. Cuidar de uma casa como Raylings não deve ser fácil. — Não é, mesmo. O patrão também tem poucos empregados aqui. Os 21


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

jovens de hoje não sabem mais o que é trabalhar duro. Cheguei moça nesta casa, trabalhei para valer. Hoje os jovens só pensam em pagamento, não querem fazer nada. — Bem, as condições de trabalho são melhores nos dias de hoje — Vanessa murmurou sem pensar. Que engano! Emmie gostava dos tempos antigos. A intimidade que já começava a se formar entre elas desfez-se no mesmo instante. Emmie enrijeceu o corpo e franziu a testa, mas não fez nenhum comentário. Que tolice, pensou Vanessa. Quando é que ia aprender a pensar antes de falar? Norah Turner já estava acomodada junto a uma bandeja de chá com bolo e biscoitos quando Vanessa entrou na biblioteca. — Seja bem-vinda, Vanessa. Fico contente de ver que preferiu tomar chá comigo. Não está certo tomar chá na mesa de trabalho. — Ela encheu uma xícara e acrescentou uma fatia de limão. — Como foi o primeiro dia? Está achando o serviço muito complicado? — Nem tanto. O Sr. Mallory… — ela tinha dificuldade em chamá-lo de Brent — explicou tudo com cuidado. — Enfiou a mão no bolso da saia onde guardara a chave entregue por Emmie. — Preciso guardar esta chave em algum lugar seguro. Não posso perdê-la porque é do arquivo da sala de armas. Emmie ficaria muito aborrecida se eu perdesse a chave e isso prejudicaria meu trabalho. — Ora, você convenceu Emmie a lhe entregar uma das suas preciosas chaves? — Não convenci. Foi uma ordem do Sr. Mallory. Os outros secretários não usavam a chave? — Os outros… — A Sra. Turner riu. — Eles nem tiveram tempo para abrir o armário! Brent está confiando muito nesse seu contrato de trabalho… Vanessa sorriu. Ela gostava de Norah Turner. Admirava aquela tranqüilidade e franqueza, e sentia-se bem na sua presença. — Tenho o compromisso moral de ficar aqui por seis meses, mesmo que não goste. Não é? — Exatamente. Mas acho que vai se dar bem, Vanessa. Posso chamá-la assim, pelo primeiro nome, não é? — Vanessa concordou com a cabeça e a Sra. Turner continuou: — Diga, acha meu filho atraente? Esses Mallory têm muita coisa em comum, pensou Vanessa. De repente, começam a fazer ou a dizer coisas completamente inesperadas. — Acredito que a maioria das mulheres considere Gerard atraente — murmurou. — Oh, sim… é verdade. E você? Está nessa maioria? — Não pensei nisso. — Que bobagem! Uma mulher sempre julga um homem no primeiro instante. Ela sabe se o homem a atrai ou não… Talvez não queira admitir, mas que sabe, sabe. Vanessa se sentiu dividida, entre a irritação e o riso. Resolveu encarar a situação pelo lado engraçado. — Muito bem. Eu sei. Acho Gerard atraente… um companheiro agradável. — Sim. Ele sabe ser boa companhia, quando quer. — A Sra. Turner não estava entusiasmada. — E não quero que me ache esquisita se confesso que não tenho ilusões quanto ao comportamento do meu filho. Ele sabe ser encantador. Mas só pensa em mulheres e diversões. Acho que faltou aquela 22


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

disciplina de pai numa fase importante da vida de Gerard… Graham morreu quando Gerard tinha doze anos; No fundo, ele é muito parecido com o pai. — Ela mencionou a palavra “pai” com dureza e desprezo. — Estou avisando você, Vanessa. Gerard não é um homem sério. Ele coleciona corações como prêmios de competições esportivas. Vanessa achou o aviso desnecessário. Não havia se comportado mal e achar um homem atraente era muito diferente de amá-lo. Existe uma distância enorme entre amor e atração. A Sra. Turner julgava o filho com muita severidade! A,/filosofia de Gerard era simples: acreditava em gozar a vida ao máximo, contentando-se em viver na superfície dos sentimentos, sem sofrer as dores de uma paixão. Não seria justo condená-lo por isso. Nem era justo dizer que herdaria defeitos de um pai morto há tanto tempo. Vanessa sentiu pena daquele louro colecionador de corações. Vivia em companhia de uma mãe que não gostava dele e de um primo que só tolerava sua presença por causa da mãe. Gerard com certeza sentia-se sozinho e sem apoio. Viveria melhor se mudasse de residência. Depois daquele aviso a Sra. Turner voltou a falar de outros assuntos. Vanessa contou sua vida antes de chegar em Raylings e despediram-se como amigas. Ao se vestir para o jantar, Vanessa não conseguia parar de pensai nas estranhas relações entre os Turner. Por que Norah mencionara o marido com tanta amargura? Que crime teria Graham Turner cometido para criar essa revolta emocional? Por que Gerard continuava morando em Raylings? Era mais fácil entender a atitude de Brent. Os ideais dos dois homens eram contrários, encaravam a vida.de um jeito diferente demais. Era compreensível que Brent condenasse o comportamento de Gerard. No entanto, uma mãe é sempre mais tolerante com o filho. Será que todas as famílias nobres eram estranhas assim? Vanessa pensava enquanto cuidava do cabelo, sentada diante da penteadeira de espelho imenso. Será que eles viviam unidos e desunidos ao mesmo tempo? Solitários e presos sob aqueles tetos milenares? Contradizendo as profecias sombrias de Bennett, os dias seguintes continuaram ensolarados. Vanessa levantava bem cedo e passeava nos jardins antes do café da manhã. Descobriu um jardim suspenso, cheio de plantas ornamentais e cercado por arbustos, atrás dos estábulos. E no sábado de manhã ficou conhecendo o jardineiro. Era um homem tão velho que parecia pertencer a Raylings desde o começo da dinastia Mallory. Gostava de conversar e explicar sua arte no cultivo das flores. Vanessa, interessada, só saiu dali ao ouvir o gongo chamando. Os outros já estavam sentados para tomar café quando ela entrou, apressada. Murmurou uma desculpa e foi recebida por Brent com um sorriso. — O sábado é um dia folgado. Não temos pressa — Brent disse, bemhumorado. — Não entendo seu interesse pelo jardim. — Gerard mastigava. — Encontrou fadas? — Encontrei um duende chamado Jabez — Vanessa riu. — Um homem velho e sábio, como um mágico da natureza. — Notei que seus passeios matinais terminaram. — A Sra. Turner sorriu irônica para o filho. 23


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

— Sem dúvida, querida mãe, voltei a descansar na horizontal. Assim cuido da saúde enquanto os outros fazem coisas desnecessárias. — Gerard olhou para Vanessa. — Você me passa a manteiga, por favor? — Quer dizer que você conheceu o velho Jabez Naylor? — Brent parecia imune às divergências entre a Sra. Turner e o filho. — É um homem interessante… — Sim. Maravilhoso. Hoje conversou sobre a cerca viva que fez no jardim suspenso. Falou também de um arbusto modelado na forma de um barco a vela. Levou anos até crescer com as folhas cortadas daquele jeito. Está no jardim da casa dele e eu gostaria de ver. — Vale a pena ver — concordou Brent. — Hoje à tarde vou até a vila. Se quiser, levo você até a casa de Jabez. Agora vou ver se já colocaram a outra escrivaninha no escritório. Suba quando terminar. Brent se levantou tranqüilamente e saiu, deixando os demais ainda tomando café. — Foi uma boa idéia você trabalhar no escritório, Vanessa —7 comentou a Sra. Turner. — Gosto de ficar na biblioteca de manhã. É um velho hábito que tenho. Gosto de ficar sozinha. — Olhou para o filho. — E você? O que vai fazer hoje? — O mesmo programa de todos os sábados de manhã. Vou descansar das chateações de uma semana de trabalho. O jornal e uma cadeira no terraço resolvem meu problema. — Virou-se para Vanessa e acrescentou: — Se Brent não tomar todo o seu tempo, venha me ver no terraço mais tarde. Está bem? — Vou tentar — prometeu Vanessa. Brent estava sozinho no escritório quando ela entrou. As duas escrivaninhas haviam sido colocadas em ângulo reto sob a luz da janela ampla. — Está gostando? — Sim. A luz fica melhor e será bom trabalhar em escrivaninha própria. — Ainda é cedo. Vamos dar uma olhada nas anotações que você fez ontem. Não imaginei que fosse começar o catálogo em tão pouco tempo. Pensei que demorasse mais de uma semana para pôr a correspondência em dia. Meus parabéns. — Só fiz algumas anotações preliminares. Tive algumas idéias novas para o hall de entrada. — O hall? Mas isso já foi feito. — Sim. Mas falta um pouco de imaginação. Veja isso, por exemplo: “Mesa Pembroke, desenhada por Thomas Sheraton em 1760”. É uma informação desinteressante para um turista comum. Pense bem, se escrevermos: “Mesa Pembroke, que Thomas Sheraton desenhou depois que uma senhora apresentou o modelo”. Isso já sugere uma história humana, talvez até com romantismo. Sheraton deixa de ser apenas um desenhista para se tornar um artista com sentimentos… — Isso tem importância? — Antes de Vanessa argumentar, o próprio Brent respondeu à pergunta: — Sim, você tem razão. Os turistas não olham as obras como os especialistas. Os visitantes comuns sabem pouco sobre antigüidades. A idéia é boa, Vanessa. Vamos rever os textos e aproveitar sua idéia. Continuaram tão interessados no estudo que só se deram conta do tempo passando quando o relógio de parede bateu onze horas. — O tempo voa, não é, Vanessa? — Podemos continuar, se quiser. 24


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

— Não, por hoje chega. É sábado e está na hora de um drinque.

CAPÍTULO IV — Pensei que você fosse me ver no terraço — Gerard se queixou, depois do almoço. — O que aconteceu? — Estávamos trabalhando — Vanessa explicou. — Depois tomei um drinque na biblioteca, com sua mãe e Brent. — Sabe, Vanessa, quero falar com você. É sobre hoje… Nesse instante surgiu Brent dizendo: — Se está pronta, Vanessa, podemos ir. — Sim, estou pronta. — Acho melhor você levar um agasalho. Vou pegar o carro. Vanessa subiu para o quarto e pegou um agasalho de lã azul-marinho. Quando desceu de novo, Gerard havia sumido e Brent já a aguardava com o carro no pátio. Quando o carro saiu dos portões da propriedade, Vanessa se sentiu repentinamente livre naquele sábado à tarde. Gostava de passear. Jabez Naylor morava nos arredores da vila de Bradley, em uma casa digna de ser desenhada num livro de contos de fadas. Brent já o havia avisado da visita de Vanessa. Encontraram Jabez aguardando em companhia da esposa, relativamente mais moça, talvez com uns setenta anos. O casal vestia as melhores roupas que tinha. Brent apresentou Vanessa para a Sra. Naylor e, depois, se despediu para tratar de negócios na vila. — Volto daqui a meia hora — avisou ele antes de sair da sala limpa e aconchegante. Jabez saiu com Vanessa para o jardim. Ela se deslumbrou com o amor do velho pelas plantas. Os anos de trato haviam realizado um verdadeiro milagre. O arbusto em forma de barco a vela era uma raridade, parecia obra de jardineiro japonês. Vanessa ficou admirada com as estranhas fantasias daquela gente rude e hospitaleira. — Quer uma xícara de chá, querida? — perguntou a Sra. Naylor quando voltaram para a sala. — Acabei de ferver a água. — Com prazer — disse Vanessa, sorrindo. O chá foi servido em xícaras brancas, grandes. Era escuro, forte e estimulante. Vanessa, tomou o chá aos goles, saboreando devagar a bebida tradicional dos ingleses. Entendeu que, ali no campo, o costume de tomar chá era um sinal de hospitalidade e tinha melhor sabor. — Já se acostumou com a casa dos Mallory? — perguntou a Sra. Naylor. — Aqui a vida deve ser muito estranha para quem vem da cidade. Vanessa sabia que qualquer comentário naquela casa se espalharia entre o povo da vila e poderia chegar aos ouvidos de Brent. Por isso respondeu com cautela: — Raylings é um lugar lindo. Estou gostando de trabalhar lá. — Isso mesmo — concordou Jabez — o lugar é bom. E você tem um bom patrão. 25


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

— O Sr. Brent é um verdadeiro cavalheiro — comentou a velha. — Muito diferente do pai! — Ora, Maggie! — o velho preveniu. — Você devia aprender a controlar essa língua! — Ele tirou o cachimbo do bolso e procurou o fumo. — Acho que deixei o fumo no jardim. Vou até lá e já volto. — Bart Mallory nunca foi um homem querido — continuou a Sra. Naylor, depois de ver o marido saindo. — Era duro como pedra. Na vila até dizem que a esposa tomou aquela dose excessiva de comprimidos de propósito. Mas eu a conheci bem. Ela vivia pensando apenas no Sr. Brent. O filho era tudo no mundo para ela. Lembro bem como ficava sentada, lendo as cartas que o Sr. Brent mandava quando estava na escola. — Maggie meneou a cabeça. — Ele chegou em casa, para passar as férias de verão, no dia seguinte ao do acidente. Não acredito que a mãe tenha tomado aqueles comprimidos de propósito. Ela sabia que o filho estava chegando… Não tenho razão? — Maggie observou o silêncio de Vanessa. — Bem, acho que não devia mesmo contar essas coisas… — Tem razão, Sra. Naylor. É melhor esquecer… — Ah, parece que Jabez está voltando. Realmente, Jabez entrava radiante na sala com sua bolsinha de fumo na mão. — Deixei o fumo perto das mudas… — Ele notou o silêncio das mulheres e a testa franzida da esposa. — Maggie! Você andou falando demais de novo! — Estou ouvindo o carro — disse Vanessa, aliviada. Ela levantou-se e seguiu até a janela. — Sim, é o Sr. Brent chegando. — Sorrindo para o casal, acrescentou: — Muito obrigada pelo chá. Estava delicioso. Despediram-se como bons amigos. — Bem? — Brent perguntou quando Vanessa já estava no carro. — Foi uma visita interessante… O jardim é divino e tomei um chá delicioso. — Ah, sim, o chá de Maggie é famoso. Lembro de quando eu era menino: ela sempre servia chá com pão feito em casa. Maggie dizia que eu era magro demais e precisava de muita comida. Depois cresci, encorpei e ela ficou contente. Para Vanessa foi difícil imaginar aquele homem grande e forte como um menino magro e mirrado. Deixou de pensar por alguns instantes na informação surpreendente que havia recebido. A descoberta dos fatos da morte de Caroline Mallory, mãe de Brent, tinha sido um choque. Agora era fácil entender por que Brent parecia tão duro e insensível. Depois do choque da morte da mãe, com certeza ele se protegera com uma armadura de insensibilidade contra o mundo exterior. Uma tragédia dessas dimensões só podia ter marcado profundamente o comportamento e as idéias do jovem de dezoito anos. Seria esse o motivo de não haver um retrato de Bart Mallory na casa? Ninguém fazia comentários sobre o pai de Brent; era como se ele tivesse desaparecido da memória da família. — Já passamos pela estrada para Raylings — observou Vanessa, de repente. — Vamos voltar por outro caminho? — Vou dar uma volta maior. Preciso buscar outro membro da família. — Ao ver o olhar espantado de Vanessa, ele riu. — Estou falando do meu cachorro. Foi ferido na perna enquanto eu estava em Londres e ficou no canil até sarar e tirar os pontos. Você gosta de animais? 26


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

— Gosto sim, mas nunca lidei Com eles. Quando chegaram à casa do veterinário, Brent seguiu sozinho para o canil. Logo depois voltou, acompanhado pelo cão dinamarquês mais bonito que Vanessa já havia visto. O dono e o cão formavam um par magnífico. Brent abriu a porta de trás do carro e o dinamarquês pulou para dentro. — Não precisa ter medo, Vanessa. Ela é uma amiga, Tober! Deita! Deita! O cão obedeceu logo. Vanessa não se espantou com a docilidade do cão. Mesmo as pessoas obedeciam instintivamente àquela voz forte do dono de Raylings. Brent acelerou o carro mas não voltou na direção da casa. — A tarde está bonita demais para ficar dentro de casa — ele comentou. — Quero mostrar uma coisa a você. Dificilmente nossos campos estão em tão boas condições como nesta época. Ele não falou mais e continuaram lado a lado, envoltos por um silêncio agradável. Cada vez mais Vanessa se sentia consciente da presença máscula de Brent. Umas duas vezes ela arriscou um olhar de relance para o lado, tentando adivinhar os pensamentos dele. Mas era impossível descobrir. O mistério daquela personalidade nobre incomodava. Vanessa começou a ficar tensa, os instintos a preveniam contra um interesse excessivo. Agora o carro seguia entre morros e a estrada cheia de curvas serpenteava entre as encostas íngremes. O sol ainda brilhava, mas começava a esfriar. De repente Brent tirou o carro da estrada e estacionou numa espécie de plataforma. Em silêncio, Vanessa olhava, encantada, a vista maravilhosa. Alguns metros na frente do carro, o chão descia e a terra se abria num imenso vale verde, como uma esmeralda engastada entre morros cinzentos e purpúreos. O contraste entre o vale fértil e os morros cheios de pedras era espantoso. Sob o sol, o cenário brilhava com o tom da irrealidade de uma miragem. — Este é o vale da Esperança. Chamamos esta vista de “A Surpresa”. E um nome sugestivo, não acha? — Acho. — De novo Vanessa ficou sem palavras para exprimir seu encantamento. Só conseguiu murmurar — É lindo… — Você devia ver o pôr-do-sol, quando as sombras se espalham pelo vale, com o cume dos morros em brasa. Nesses momentos a plataforma se torna o lugar ideal para pessoas apaixonadas. Quem teria vindo aqui em companhia de Brent? Será que ele sabia o que era o amor? Vanessa pensava, silenciosa e trêmula. — Pessoas apaixonadas não precisam admirar vistas lindas — ela comentou em voz baixa, revelando pensamentos ocultos. —- Você parece falar como quem conhece o amor. Já esteve apaixonada? — Não. — Ela corou. — Nunca me apaixonei. Não tive tempo para essas leviandades. — Se soubesse o que é o amor não usaria esta palavra. O amor nunca é leviano. Não importa o tempo nem o lugar. É uma emoção que toma conta da gente, inesperadamente e com muita força. Pode criar dor ou felicidade, nunca se sabe. Um dia você mesma vai descobrir. — Ele ligou o motor. — Acho melhor voltarmos agora. Tober já está inquieto no banco de trás. Não era só Tober que estava inquieto. Vanessa fervia por dentro. Aquela conversa breve despertara emoções ocultas, sentimentos desconhecidos. Nunca antes ela ficara com o corpo e a mente tão tensos, numa sensação 27


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

incômoda que crescia de minuto a minuto. Chegou um momento em que só pensou em escapar do carro, daquele ambiente fechado e da presença daquele homem. Respirou aliviada quando Brent ligou o motor. Chegaram a Raylings na hora do chá. Foram saudados pelo aroma dos pãezinhos saídos do forno naquela hora. Mas não só o aroma tentador saía da biblioteca. Ouviram também vozes… vozes de mulheres. Uma delas estava rindo. Tober entrou na frente e latiu, excitado. A voz dizia para o cão se acalmar. Brent apressou os passos. Uma moça loura em roupas de montaria abraçava o cachorro quando os dois entraram. Quando viu Brent, a linda jovem levantou o rosto radiante. — Moya! — Brent estava evidentemente encantado. — Por que não avisou que vinha? Passou os braços ao redor do corpo esguio da jovem, abraçou-a apertado e deu um beijo na boca vermelha que se oferecia. — Sentiu falta de mim, Brent? — Sempre sinto sua falta! — Brent a segurava pelos braços e seus lhos vasculhavam o rosto de Moya como se há muito desejasse esse pra— Você está tão bonita… Esse bronzeado combina bem com seu calo! Mas é claro que você já sabe disso… — Sei sim, querido. — Os olhos escuros de Moya repararam em Vanessa, que continuava perto da porta e observava a cena. — Como vai? Desculpe não ter cumprimentado você antes, mas faz seis semanas que não vejo este homem. Brent riu. — E este homem pensava que você ainda ia ficar longe mais duas semanas. — Ele se virou para Vanessa com uma expressão no olhar que, para ela, era indecifrável. — Moya Hanson, Vanessa Page… minha secretária. — Sua secretária? — Moya arregalou os olhos, de tão surpresa. — Que novidade interessante! — Estendeu a mão. — Reconheço que você é muito mais simpática do que os secretários que andaram por aqui. Espero que fique mais tempo. Ter uma companheira da minha idade aqui em Raylings vai ser ótimo! — Ela virou-se para Brent. — Não espante esta secretária, está bem? — Vanessa não se espanta com facilidade. — Os olhos verdes encontraram os azuis. — Não é? — Tento não me espantar. — Vanessa nem reconheceu a própria voz. Norah Turner, que continuava sentada, interveio para chamar Vanessa. — Venha tomar o chá antes que esfrie. Estes pãezinhos estão deliciosos… Quer bolo ? Vanessa agradeceu e se sentou, Brent e Moya também se sentaram e todos se dedicaram ao chá quentinho. — Por que voltou para casa mais cedo? — Brent só tinha olhos para a jovem Moya. — Na sua última carta achei que estava apaixonada pela Áustria. — Voltei porque fiquei com saudade. Quis ver você! — Como está Bernard? — Norah perguntou. — Não o tenho visto depois que você viajou. — Oh, papai está muito bem. Deve andar muito ocupado, como sempre. Sabe, Brent, papai comprou uma égua nova para caçar… Ele quer que você dê uma olhada nela quando tiver tempo. — Ela olhou para Vanessa. — Esta região é ótima para andar a cavalo. Você já montou aqui? — Não. — A simples negação soou fria demais e Vanessa achou por bem 28


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

acrescentar: — Não sei andar bem a cavalo. Durante os últimos doze anos da minha vida não tive muitas oportunidades de montar. A jovem arregalou os olhos cinzentos. — Oh, que pena! Mas não se preocupe. Brent tem vários cavalos. Tem uma égua tão dócil que você vai poder montar sem medo. Posso lhe mostrar a região, se quiser. — Acho que não tenho muito tempo… mas obrigada, Srta, Hanson. — Pelo amor de Deus, não me chame de Srta. Hanson. Assim me sinto velha! Você não pode trabalhar todos os dias. Amanhã é domingo. Brent não vai precisar de você… vai? — Ela se voltou para Brent. — Antes da hora do chá, não — respondeu ele. — Até essa hora você tem o dia livre, Vanessa. Você vai montar Dice com facilidade. Ela é perfeitamente previsível. — Essa última palavra foi pronunciada com um tom de voz diferente. Pelo visto, Brent não gostava de éguas previsíveis. — E você não precisa se preocupar com as roupas. Somos quase do mesmo tamanho e tenho muitas roupas de montaria. Passo aqui depois do almoço. — Você e Brent são loucos por cavalos — interveio Norah Turner com secura. — Nunca consegui me acostumar com esses animais grandes. — Ela ergueu o bule de chá. — Alguém quer mais? — Para mim, chega. Preciso voltar. — Moya sorriu. — Ah, Brent. Encontrei Brenda Ramsden no trem que veio de Londres hoje de manhã. Ela nos convidou para jantar hoje. — Logo hoje? Brenda é assim mesmo, não perde tempo. Pensei que você fosse preferir um programa mais animado nesta primeira noite, Moya. — Vamos jantar lá, Brent. O programa mais animado pode ficar para depois. Vai me acompanhar? — Claro, Moya. Vanessa achou a biblioteca terrivelmente vazia quando os dois saíram com Tober. Terminou de tomar õ chá em silêncio, colocou a xícara na mesa e encontrou o olhar pensativo de Norah. — Onde andou hoje à tarde, Vanessa? — Brent me levou para ver o vale da Esperança. —-Ela se levantou. — Desculpe, Sra. Turner. Quero subir para o quarto agora. Preciso escrever uma carta. — Só uma? Deve ser para o seu namorado… — É para o homem que comprou a loja de vovô. Ele é um velho amigo. Prometi escrever. — E o que vai dizer? Está gostando do emprego? — É o meu primeiro emprego desse tipo. Acho que vou me acostumar. — Então vá. Vá escrever a sua carta. Acho que hoje à noite só nós duas vamos jantar. Vanessa já saía da biblioteca quando entendeu aquela última observação. Significava que Gerard também não jantaria na casa. Evidente. Era sábado. Um boêmio como Gerard certamente tinha um programa para a noite do sábado. Vanessa teve vontade de estar ao lado dele, em qualquer lugar. Sua previsão era de uma noite árida como um deserto.

29


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

CAPÍTULO V Moya chegou às duas horas em ponto na tarde seguinte. Tinha trazido roupas de montaria para Vanessa e acompanhou-a até o quarto. As calças ficaram bem justas no corpo de Vanessa, mas serviram. Ela escolheu um suéter de gola redonda do seu próprio guarda-roupa e admirou a imagem esportiva no espelho. Tentou calçar as botas. Eram pequenas, mas não tinha importância. Calçou um par de sapatos fortes que serviam para longos passeios a pé e também para andar a cavalo. Moya esperava confortavelmente instalada numa poltrona. Estava linda e bem vestida. — Gerard está em casa hoje? Vanessa estranhou a pergunta de Moya. Será que ela também implicava com Gerard, como os demais? — Ele saiu ontem à tarde. Parece que gosta de passar os fins de semana na cidade. — Gosta mesmo. Costuma ficar na casa de um amigo, em Manchester. Não agüenta Raylings no sábado e no domingo. — Moya riu. — Acho estranho que ele não tenha convidado você para sair ontem à noite. Gerard não perde tempo. — Talvez nem tenha pensado nisso. Há quanto tempo a Sra. Turner e Gerard moram em Raylings? — Faz uns seis anos. Vieram depois da morte do pai de Brent. Norah é um amor, não acha? Foi muito maltratada por Bart Mallory. Ele não deixava a própria irmã chegar perto de Raylings! Um absurdo. — Mas por quê? — O caso todo foi uma estupidez. Brigas de família, como sempre. Acontece que Norah se apaixonou por um homem de quem a família não gostava. O pai a deserdou quando insistiu em casar com Graham Turner e mandou-a embora de casa. Parece que nem a perdoou quando o casamento não deu certo. Depois o irmão dela manteve a mesma atitude do pai. Quando ele morreu, Brent insistiu para que a tia voltasse ao lar. — Mas Graham Turner morreu faz tanto tempo… Onde ela e Gerard moraram antes? — Parece que Norah tinha algum dinheiro. Usou a maior parte para comprar uma casa em Grindleford, mas isso não bastou para o marido. Ele achava que tinha casado com uma família rica. Queria mais dinheiro. Brent diz que ele era um homem bonito mas fraco. Norah provavelmente pensou que conseguiria mudá-lo. — Os lábios simpáticos sorriram. — Na opinião de Brent, todas as mulheres são otimistas incuráveis… acreditam que o amor pode mover montanhas. Ele diz que passamos a vida querendo mudar o imutável. Pensando bem, acho que ele tem razão. — Quer dizer que você tentou mudar Brent? — Brent? Para que mudá-lo? Adoro Brent do jeito que é. Mesmo nas suas fases mais dominadoras e auto-suficientes! Conheço-o desde criança… sempre me deu a mão quando precisei. Nas horas mais tristes, nunca negou ajuda. E uma pessoa maravilhosa! — Poucos homens são tão perfeitos. — A voz de Vanessa soou com frieza. 30


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

— Eu não disse que Brent é perfeito. Tem defeitos, como qualquer um. É humano. Só. — Moya se levantou, — Aliás, a paciência não é uma das virtudes dele. Vamos andando. Ele disse duas e meia em ponto. Então Brent também participaria do passeio a cavalo! Vanessa não ficou radiante com a novidade, mas acompanhou Moya, que já saía do quarto. O estábulo fora construído para abrigar mais de uma dúzia de cavalos. Agora, a maior parte da construção servia de garagem para os carros e de depósito. Brent conservava dois cavalos: a égua mansa chamada Dice e um enorme garanhão preto chamado Fabian. Já estavam com sela e freio, ao lado da égua de Moya, aguardando no pátio. Brent conversava com um homem de meia-idade que Vanessa não conhecia. O homem foi embora e Brent se virou para recebê-las com um olhar brincalhão. Ele usava roupas de montaria perfeitas para o corpo alto e musculoso. Sentia-se à vontade naquelas roupas, acostumado a usá-las desde a infância. Sem dúvida, vestido assim, ele era ainda mais atraente. — Eu já ia chamar vocês se demorassem mais cinco minutos. Quando duas mulheres começam a conversar… — Os olhos examinaram Vanessa. — Você parece nervosa. Está com medo de subir em Dice? — Não. — A resposta soou séria. — Estou com medo de cair. — Nem querendo você vai conseguir cair. Ela é confortável como uma cadeira de balanço. — Por que tem dois cavalos só para você? — Vanessa achava evidente que Gerard não gostava de andar a cavalo com Brent. — Dice é a companheira de Fabian. Até os animais sentem solidão. Venha cá. Vou ajudar você a montar. Quantas vezes já andou a cavalo? — Umas seis, no máximo. — Ela sentiu o calor dos dedos de Brent sobre a pele do braço. Sentiu os nervos se contraindo sob aquele contato. — A não ser que eu conte os cavalos de aluguel, na beira da praia. Nesses andei bastante. — É tudo uma questão de prática. — Os olhos verdes se divertiam. — Vamos, coloque o pé no estribo. Assim… Agora monte. Vanessa obedeceu e, no instante seguinte, estava em cima da sela. Brent ajustou os estribos para ficarem na altura certa. Perguntou se ela estava bem e Vanessa concordou com a face corada. Brent montou em Fabian com elegância. O cavalo dançou para o lado, assustado com uma folha de jornal que o vento levantava sobre o pátio. As mãos firmes de Brent controlaram o freio e giraram o garanhão na direção da porteira. Abaixando o corpo para a frente, ele manteve a porteira aberta com a mão estendida até Vanessa passar. Moya já desaparecera atrás de uma curva do caminho de cascalho. Pouco depois já cavalgavam no campo, ainda dentro dos limites da propriedade. Moya mantinha a dianteira, completamente à vontade, guiando a égua na direção do lago. Vanessa sentiu inveja. — Moya monta tão bem… — É lógico. Começou quando tinha cinco anos. Sempre gostou de andar a cavalo. Tem muita experiência. — Ela consegue montar Fabian? — Ela não tenta. Fabian é forte demais para as mãos de uma mulher. — Dice parou e fez menção de pastar. — Vamos, Vanessa. Vamos devagarzinho. — Brent tinha uma expressão divertida nos olhos. — Faça de conta que está sentada numa cadeira. Relaxe. Isso! Vamos em frente. 31


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

E mais fácil falar do que fazer, pensou Vanessa, inquieta. No entanto, depois de alguns minutos, sentiu-se mais à vontade e começou a gostar do movimento rítmico dos músculos fortes entre os joelhos. Dice passou do passo para o trote. Vanessa ganhava mais confiança. Brent controlava Fabian, impedindo o garanhão de disparar como flecha. — Agora, sim! — Brent gostou do trote. — Mantenha a cabeça fria. Não, não puxe o freio. Deixe as rédeas soltas, Dice sabe andar sozinha. Mantiveram o trote até alcançar Moya. Depois continuaram, com Vanessa entre Brent e Moya. — Pensei que não soubesse andar — disse Moya com voz forte. — Veja, vou galopar um pouco. Duquesa, a égua de Moya, partiu como um bólido. Um minuto depois, já estava com uma dianteira enorme. — Vá, Brent! — Vanessa incentivou. — Não espere por mim. — Volto daqui a alguns minutos — gritou Brent, partindo para alcançar Moya. Vanessa viu Fabian alcançando Duquesa aos pés de um morro lá longe. Moya irradiava alegria por ter voltado para aquela região que conhecia tão bem. Brent inclinou o corpo para o lado dela e passou a mão pelos cabelos louros esvoaçantes. Vanessa não conseguiu ver a expressão dele naquela distância, mas fez Dice andar mais devagar para não incomodar os dois naqueles momentos de felicidade. .Algum tempo depois, Dice chegou onde estavam Fabian e Duquesa. — Estamos com vontade de seguir pelo vale até a vila — disse Moya, radiante. — É só meia hora a cavalo. — É um pouco longe demais para mim. Sabe, se vocês não se importam, prefiro voltar. Já estou sentindo o corpo doendo um pouco. — É claro! — Brent concordou. — Vamos voltar com você. — Não, por favor. Não é preciso… Já sei guiar Dice; você tinha razão, ela é muito dócil. Por um instante, Brent pareceu hesitar. — Então, está bem. Encontraremos você na hora do chá. George cuidará de Dice. Não se preocupe por não ir longe no primeiro dia. As dores somem depois de alguns dias de prática. — Ele olhou para Moya. — Vamos até a vila. Seria bom visitar os Maxted… Vanessa voltou devagar para Raylings. Deixou as rédeas soltas e Dice caminhou sozinha na direção do estábulo. Uma estranha tristeza caiu sobre seu rosto. Começou a sentir dor de cabeça… Logo agora! Já bastavam as dores nas nádegas… No estábulo, deixou Dice aos cuidados do empregado George, obedecendo às instruções de Brent. Depois arrastou os pés na direção da casa, louca para tomar um banho e trocar de roupa. De repente, ouviu o ruído de um carro que chegava a toda velocidade no pátio. Só podia ser Gerard. — Pelas roupas, vejo que Brent já fez você participar do esporte predileto dele. Onde é que ele está? — Foi até a vila, com Moya. — Ah!, a princesa voltou! E você? Aonde vai? — Quero tirar esta roupa, que já está incomodando. Você vem? — Para ajudar você a tirar essa roupa? — Gerard deu uma gargalhada. — Meu primo não aprovaria este convite. E cedo ainda, não são nem três horas. 32


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

Vamos dar uma volta de carro. — Gerard, não me provoque… — Ela sorriu. — Está bem. Aceito o convite. Se você não se importar em me levar nestas roupas de montaria… — Tudo bem! Você está elegante assim, pode se apresentar em qualquer lugar. — Ele abriu a porta do carro. — Sente-se tranqüila, o assento é macio. Gerard manobrou o carro e, instantes depois, já saíam pelo enorme portão de ferro. — Viva a liberdade — murmurou Vanessa. — Aonde vamos? — A qualquer lugar, você conhece a região. — Ótimo. Segure firme! O carro virou para a direita, na direção contrária à seguida por Brent no dia anterior. O pé calcou o acelerador até o fundo e o carro disparou como um foguete. Gerard vibrava, feliz com a companhia e a velocidade. Vanessa sentiu a pele arrepiar enquanto seu cabelo voava solto ao sabor do vento. Em uma curva mais fechada as rodas rangeram e o carro derrapou um pouco, mas entraram na reta sãos e salvos. Vanessa notou que estava contendo a respiração e soltou o ar com um suspiro. Estava mesmo precisando dessa distração. Queria se libertar de sentimentos conflitantes e nada melhor do que se sentir livre na velocidade do carro de Gerard. Ele parecia um adolescente se exibindo. Mostrava também que sabia guiar com perfeição. Morros pedregosos formavam a paisagem. De vez em quando, passavam por uma casa de fazenda, onde só a fumaça saindo pela chaminé indicava a presença de moradores. A estrada começou a subir até uma curva e Gerard entrou em um caminho estreito de terra. Pouco depois, paravam num lugar com uma vista privilegiada do vale. — Esperei você ontem. — Gerard acendeu um cigarro. — Queria convidar você para ir comigo até a cidade. Mas você sumiu com o Brent. Onde é que vocês foram? — Fomos buscar o Tober. — Quer dizer que o cachorrão também voltou para casa? Então a família está completa de novo. — Ele deu uma tragada e depois expeliu a fumaça com força desnecessária. — E o que achou da nossa pequena Moya? — Parece uma pessoa muito boa. — Vanessa estava sendo sincera. — Foi ela quem teve a idéia de sairmos a cavalo. Mas não consegui acompanhar o ritmo dos dois. — Quem é que consegue? Ela e Brent andam a cavalo todos os fins de semana. São loucos por animais! — Quantos anos ela tem? — Vinte. Às vezes parece mais moça. Tudo na vida dela foi oferecido numa bandeja. Nunca precisou se esforçar. Só precisa pensar nas roupas que vai usar ou num novo penteado. Nem sabe o que é um dia de trabalho. Como esposa de Brent nem precisará saber pensou Vanessa. Mas… será que não? Brent exigiria muito da mulher que casasse com ele. Tempo integral, dedicação integral. Moya seria capaz de oferecer isso? Era muito jovem, não parecia preparada. Sem dúvida gostava muito de Brent, e queria casar com ele. Mas Gerard tinha razão: ela ainda precisava crescer. O próprio Brent com certeza tinha a mesma opinião. — Voltei hoje à tarde pensando em você, Vanessa. Não consegui convidar 33


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

você ontem… E hoje à noite? Quer sair comigo? Tenho um amigo que vai dar uma festa… uma festa divertida. Você vai gostar de sair um pouco de Raylings. — Eu gostaria… — Ela parou de responder, ao se lembrar do compromisso que tinha. — Preciso perguntar a Brent antes. Vamos trabalhar depois do chá, não sei se ele quer continuar depois do jantar também. — O quê? No domingo? Diga que você não aceita isso! — Não posso. Assinei um contrato. Além disso, duvido que Brent queira trabalhar hoje à noite. Só vou pedir licença para não criar mal-entendidos. — Bem. Então não diga aonde vai comigo. Ele não gosta de Bob Farrow. Por que será?, pensou Vanessa. Depois, afastou o pensamento, achando que não tinha importância. — Eu dou a resposta depois, Gerard. Está bem? — Todos vivem submissos, sob o domínio do meu primo! — Gerard fumegava de raiva. — Um dia desses alguém terá que se opor à autoridade dele. E quero estar lá para ver! — Por que não você, já que tem tanta vontade? Talvez se sentisse melhor assumindo uma atitude mais forte. — Acontece, querida, que não tenho coragem. Quando começa uma discussão, Brent me coloca no chinelo. — Então por que trabalha com ele? Existem outros empregos, não? — Claro. — A voz vibrava com amargura. — Posso trabalhar na indústria do aço ou ser assistente de um comerciante… qualquer coisa em que não seja preciso experiência ou capital. Infelizmente minha mãe controla o dinheiro da família, que é pouco. Além disso, ela adora Brent. Só me daria dinheiro se eu abrisse um negócio em sociedade com ele. Talvez pense que assim pode mudar meu comportamento. — Depois de um silêncio incômodo Gerard rugiu: — Odeio essa vida que levo! Sinto-me na prisão a semana inteira! — O que faria se tivesse escolha, Gerard? Os olhos de Gerard irradiaram esperança e um novo calor. — Isso é fácil de responder! Eu seria piloto de carros de corrida! — Quer ser um dos pilotos das empresas grandes? — Não. Quero construir meu próprio carro… Já tenho o projeto pronto e é um carro para ganhar qualquer competição, tenho certeza. — Mas custaria um monte de dinheiro, não é? — Sim. Mas já planejei isso também. Quero comprar uma oficina… me interesso por tudo, quando se trata de carros… eu passaria mais de um ano construindo meu carro de corrida nas horas vagas. Depois partiria para as competições! — A nova luz nos olhos parou de brilhar. — Só existe um problema, o eterno problema de sempre. Não tenho capital para começar. Já perguntei ao Brent se empresta o dinheiro, mas ele nem quer saber. Não tem confiança no meu projeto. Breat não é culpado, pensou Vanessa. Com certeza, ele conhecia o primo bem demais. Ainda assim, Gerard mudara muito ao comentar o projeto. Havia vibrado, se animado, completamente absorvido por suas idéias. O projeto não era impossível. De repente, Vanessa reparou nas longas sombras das árvores perto do carro. O sol já começava a descer rumo ao horizonte. Ela ficou nervosa e consultou o relógio. — Meu Deus, Gerard, já são quatro e meia! Eles já devem ter voltado há tempos! 34


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

— E daí? Vão guardar um pouco de chá para nós, não se preocupe. — Não é por isso. Tenho um compromisso com Brent depois da hora do chá. Você sabe. Por favor, leve-me para casa., vamos voando! Ele entendeu o nervosismo de Vanessa. Ligou o motor e, pouco depois, guiava como um piloto de corridas na estrada. Mesmo com o carro voando só chegaram a Raylings quando faltavam dez para as cinco. Vanessa entrou na biblioteca e enfrentou a expressão fria de Brent. — Onde é que você esteve? — A culpa foi minha — Gerard interveio. — Convidei Vanessa para um passeio e perdemos a hora. — Quando viu Moya sentada ao lado da mãe, no sofá, ele sorriu com satisfação genuína. — Que prazer ver você, Moya! Vanessa me disse que havia voltado. Os austríacos não a agradaram? — Ele não esperou pela resposta. — Ainda há chá? — Já mandei vir mais — foi a resposta seca da mãe. Vanessa e Brent continuavam perto um do outro: ele com a cara amarrada e ela indecisa, sentindo-se culpada pelo atraso. — Desculpe… — ela começou. — Esqueça, não precisa se desculpar. Vou subir para o escritório. — Brent andou decidido para a porta pior onde entrava Baxter, trazendo mais uma bandeja com chá e bolo. Gerard não parecia levar a sério a situação. — Você está perdida, Vanessa — falou ele, brincando. — Quando Brent fica com essa cara, falta pouco para explodir feito um vulcão. Não viu como as narinas dele estavam se dilatando? Os dragões também são assim, soltam fogo e fumaça pela boca e pelo nariz. Se eu fosse você, não o deixaria esperando nem mais um pouquinho… — Não seja ridículo — a Sra. Turner disse. — Sente-se, Vanessa, e tome seu chá. — Não faço questão de chá, obrigada, prefiro subir. — Andou para a porta. — Não deixe que ele a chateie — aconselhou Moya. Vanessa voltou o rosto, agradecendo o conselho da simpática jovem. — Não vou deixar. Brent estava parado perto da janela e olhava para o jardim. Não se virou quando Vanessa entrou. Vendo aquelas costas largas, ela se lembrou da primeira vez que o encontrou, na mesma posição, no quarto de hotel em Londres… há menos de uma semana. Sentia-se como uma aluna chamada ao gabinete do diretor por ter feito alguma travessura. — Esqueceu que combinamos trabalhar hoje à tarde? — Não, não esqueci. E que estava conversando com Gerard e… — Não entre em detalhes! Tenho ótima imaginação! Conheço bem meu primo. — A voz irradiava desprezo. — Pensei que você seria suficientemente sensata para não se envolver nas aventuras irresponsáveis de Gerard. Ouvi vocês dois conversando no terraço, na primeira manhã… Você criticou Gerard por sua falta de sutileza… concordei com você. Mas ele não desiste! Você é uma mulher atraente… para ele é um desafio… qualquer mulher atraente é o mesmo desafio. Ele quer conquistar! Então é assim que o vulcão explode, pensou Vanessa, usando as palavras do próprio Gerard. Mas ela não gostou da insinuação de Brent. Não tinha havido troca de intimidade entre ela e Gerard. E Brent parecia pensar que sim. — Lamento — ela disse com secura. — Foi só meia hora, não é? Vou 35


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

trabalhar mais meia hora amanhã. — Não foi isso o que eu quis dizer. Não estou preocupado com meia hora a mais ou meia hora a menos. É a sua atitude! Imaginei que seu interesse pelo trabalho fosse mais importante do que distrações. Até hoje à tarde pensei que tinha acertado na escolha. Mas perdi a certeza… — Os olhos brilhavam como aço. — Não entende que ninguém na casa sabia onde você estava? Para mim, Gerard ainda andava pela cidade. — Ele a fuzilou com o olhar. — No futuro lembre-se dos compromissos, antes de aceitar convites. Por enquanto é só. — E o nosso trabalho? — O trabalho pode esperar. Não tem sentido começar agora. Já são cinco e meia. Faltavam duas horas e meia para a hora do jantar. A atitude dele era um absurdo. Simples teimosia e vontade de vingança. Vanessa odiou Brent Mallory. — Se o trabalho pode esperar, então talvez eu possa folgar o domingo inteiro… Posso sair à noite? — Apesar do ódio que sentia, Vanessa falava com voz calma e pausada. — Gerard me convidou para sair. — Para ir aonde? — A uma festa. — Festa de quem? As perguntas partiam de Brent com a rapidez das balas de uma metralhadora. — É alguém chamado Bob Farrow. — Você não pode ir. Essa afirmação foi tão autoritária que Vanessa, no primeiro momento, nem acreditou no que ouvia. Arrogante, autoritário, autosuficiente, machão, canalha! — Como, não posso ir? — Você não vai, e pronto! Quer discutir? — Pode me impedir de ir? — Claro que posso! — Ele sorriu irônico. — Quero você aqui em Raylings. Nós vamos trabalhar das nove até as dez da noite. — Mas hoje é domingo! — E o contrato? Esqueceu do contrato de trabalho? Não me diga que o compromisso assinado é apenas uma folha de papel para… Vanessa não o deixou terminar a sentença. — É uma injustiça! Uma arbitrariedade! — Acha que estou tirando vantagem da situação? — Ele riu sem dó nem piedade. — Seu sentimento de justiça é poesia pura, menina. — Está bem. — Vanessa parou de discutir. Não tinha a menor intenção de dar novas explicações sobre o passeio da tarde. Se Brent achava que ela tinha cedido aos encantos de Gerard… Bolas! Que se danasse! Podia pensar o que quisesse. — Só quero um esclarecimento, Brent. Por que não gosta desse amigo de Gerard? — Só posso dizer que não gosto daquele tipo de gente. Minha verdadeira opinião é grosseira demais. Não quero ferir seus delicados ouvidos. Você não está acostumada a essa espécie de companhia. — Você não conhece meus hábitos! — Vanessa o contradisse, revoltada, e saiu do escritório sem dar tempo a Brent para responder. Gerard estava esperando no fim do corredor, encostado na parede, fumando um cigarro sem se importar com a cinza que caía no tapete persa. 36


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

Seu cabelo brilhava no lusco-fusco da luz que entrava pela janela vizinha. Seu rosto bonito traía a tensão do nervosismo da espera. — E então? — Os olhos ansiosos devoravam o corpo inteiro de Vanessa, que se aproximava. — Não deu pé. — Safado! — Ele expeliu fumaça pelo nariz. — Bem, se não deu, não deu… Pela primeira vez Vanessa reparou nos vincos de fraqueza nos cantos da boca de Gerard. Imediatamente lembrou-se da força do primo. — Desculpe, Gerard. Eu tentei… — Ela já estava cansada de se desculpar. Parecia que tinha passado o dia inteiro se desculpando diante dos homens. — Você não pode convidar outra pessoa? — A essa hora? No domingo? — Pense bem… — Tive uma idéia… — Gerard não disse o que era, mas seu rosto mostrou uma confiança nova. — Em todo o caso, Vanessa, é uma pena que não possa ir. Vamos deixar para a próxima? — Claro. Vanessa voltou para o quarto, achando que Gerard não passaria aquela noite sozinho na festa. Descansou e tomou um banho delicioso antes do jantar. Mais tarde, durante o jantar, notou o comportamento diferente de Brent. Ele quase não falou e ficou com a cara amarrada. Seu mau humor não passou despercebido para a Sra. Turner. — Os homens são todos parecidos — Norah comentou quando viu Brent saindo, depois da refeição. — Basta não gostar de qualquer coisa e eles ficam emburrados. Querer apaziguá-los, em geral, só piora as coisas. Vanessa não pensava em perdoá-lo. A lembrança daquela autoridade feroz e das insinuações revoltantes estava vívida demais. Ela ainda sentia a ferida das frases mordazes. Via a boca deformada pelo desdém na face transtornada. A injustiça! Isso era o que mais doía! Ele não tinha o direito de desconfiar da integridade dela. Exagerava na oposição ao primo. Se estava emburrado, a culpa era toda dele. Mais tarde, sentada ao lado de Brent no escritório, ela não desviou os olhos das mãos fortes que seguravam o relatório do trabalho do dia anterior. Não conseguia desligar os pensamentos de Brent Mallory como homem para ouvir apenas o que ele estava dizendo. Estava ficando furiosa com aquela voz calma e pausada. Passou dez minutos respondendo perguntas com monossílabos e a voz seca. De repente, Brent colocou o relatório sobre a escrivaninha e ficou alguns instantes imóvel, olhando para as mãos. Depois afastou a cadeira < encarou Vanessa de frente. — Assim não podemos continuar, não é? O ar aqui está tão carregado que parece pesar uma tonelada… — ele falou com franqueza. — Entenda Vanessa, hoje à tarde eu estava com raiva. Sei que devia ter me controlado, calado a boca. Mas, reconheça, tive um pouco de razão. Seja boazinha, esqueça essa revolta. Esqueça. — Não estou revoltada! — Toda a fúria reprimida explodiu nesse desabafo contraditório. A própria Vanessa entendeu o absurdo da situação e começou a sorrir. — Assim está melhor. — Ele também sorriu. — Vamos recomeçar? A franqueza e o sorriso de Brent melhoraram o humor de Vanessa. 37


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

Aceitou as palavras dele como desculpa, entendendo que ele tinha feito um esforço para melhorar a relação. Brent pegou uma caixinha de prata de perfeito acabamento artesanal, abriu-a e ofereceu um cigarro. — Aceite e relaxe. Inclinando a cabeça para acender o cigarro no isqueiro que ele estendia, ela não conseguiu evitar um estranho fascínio por aquela mão bronzeada e máscula. Chegou a notar a penugem dourada sobre a pele da mão, viu as abotoaduras de ouro, feitas de moedas antigas. Que homem misterioso e fascinante! Aquela contradição pela personalidade férrea e a sensibilidade pela beleza das obras de arte a perturbava. Se ele gostava de arte, com certeza tinha sentimentos delicados. Vanessa recostou o corpo, sentindo a garganta seca. Sabendo-se atentamente observada, ela falou a primeira coisa que lhe veio à cabeça: — Tenho uma idéia para o quarto chinês e acho que você vai aprovar. Sei que ainda vamos demorar um pouco até chegar nessa parte da casa… — ela falava ainda sem coragem de encarar os olhos que brilhavam, verdes como esmeraldas. — É uma idéia para o quarto inteiro… uma espécie de introdução ao catálogo, se você quiser. Pensei que seria bom usar o nome de Confúcio para chamar a atenção. Todo mundo já ouviu falar de Confúcio. — Sim. As frases sábias de Confúcio são conhecidas por muita gente… — Os olhos verdes piscaram. — Ainda assim, pelo que sei, grande parte do conhecimento atribuído a esse sábio chinês surgiu em época muito mais recente! — Ele pegou uma folha branca de papel e a caneta, para as anotações. — Você sabe que Confúcio condenava o costume dos chineses de enterrarem esposas e servos na companhia do chefe morto? Vanessa notou que ele estava avaliando a extensão da idéia. Continuou: — Confúcio contribuiu muito para o conhecimento atual dos hábitos da China antiga. Também temos pistas materiais porque eles colocavam objetos de uso doméstico nos túmulos, além de jóias e imagens. Você tem uma coleção invejável lá em cima, Brent. Vi cerâmicas das dinastias Tang e Som. Uma ou duas peças de porcelana só podem ser da dinastia Ming. Estou certa? — Você sempre acerta, Vanessa. Se está tão interessada pela arte chinesa, existe uma coleção a poucos quilômetros daqui que é muito melhor que a minha. Quer conhecê-la? — Quero sim! — Os olhos azuis cintilaram. —- Diga onde é e irei na primeira oportunidade. — Infelizmente não poderá ir sozinha. A coleção não está em exposição ao público. É valiosíssima. Jordan não quer correr o risco de acidentes, a porcelana chinesa é muito frágil. Se formos juntos, Jordan não vai se importar com a visita. Podemos ir na quarta-feira, depois do almoço. — É muita gentileza sua… — Será um prazer. Quero estar presente ao encontro dos especialistas: você e Jordan Banks. Mas, aviso: Jordan é muito franco e acho melhor você ficar calada se seu conhecimento não for tão grande quanto o entusiasmo. Vamos continuar com o trabalho agora? Às dez da noite, Norah Turner abriu a porta do escritório. — Vão ficar aí, trabalhando a noite inteira? — Já estamos terminando, Norah. Daqui a pouco vamos descer para um último drinque na biblioteca. 38


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

Tober, deitado perto da lareira, ergueu a cabeça sonolenta quando Brent e Vanessa entraram juntos na biblioteca. O cão voltou a descansar perto do fogo que se apagava devagar. Como eram estranhos esses seres humanos! Iam dormir quando já estava quase na hora de acordar.

CAPÍTULO VI Os dois dias seguintes se passaram em um abrir e fechar de olhos. Quando acordou na quarta-feira de manhã, Vanessa mal conseguiu acreditar que só morava em Raylings há uma semana. Para ela, a casa sempre existira, cheia de significados e de emoções entre os jardins banhados pela farta luz do sol. — Você devia ver essa mansão no meio da neve — comentou Gerard do terraço. — Fica-se isolado do resto do mundo. As cartas não chegam porque o carteiro não consegue passar, os carros ficam presos, a casa vira uma geladeira. Um horror! Para mim, um lugar mais civilizado seria muito melhor. Um apartamento, um supermercado… — Para morar numa gaiola parecida com todas as outras gaiolas, Gerard? É uma questão de gosto. Tem gente que sonha com um apartamento a vida inteira, outros gostam do campo. Só posso concordar com você em um ponto. Você devia morar numa casa própria, batalhar pela sua independência. — Está querendo casar comigo, Vanessa? Está ficando mais desinibida! — Ele consultou o relógio e fez uma careta. — Estou atrasado. Brent já deve ter ido para o escritório na cidade. Vejo você depois. Não vou jantar em casa hoje à noite. Pouco depois ele saía do pátio com o carro e Vanessa entrava na casa. O correio tinha chegado: havia muitas cartas naquela manhã. Ela se sentou para tratar da correspondência. Norah estava sentada em sua cadeira predileta perto da lareira, na biblioteca, ocupada em planejar os cardápios para as refeições da semana seguinte. Vanessa entrou com três cartas na mão, endereçadas a Norah. Resolvera descer logo do escritório para não se esquecer de entregar as cartas. — Você e Brent vão sair hoje à tarde, pelo que sei — Norah comentou. — Vai lhe fazer bem passear um pouco. Aonde vão? — Brent vai me levar para uma visita à coleção Banks. — Ora! Isso não é passeio! Até parece que sua vida é feita de antigüidades. Não acho natural uma moça da sua idade ficar pensando só em trabalho. — Nevil, meu velho amigo em Londres, dizia a mesma coisa. Mas ele falou também que vai chegar um tempo em que não vou mais poder fazer isso. Por isso estou aproveitando, não quero ser perturbada por distrações. — Distrações? Você acha que ele falava do quê? — Norah Turner parecia uma mãe preocupada. — Querida… você nunca pensa como as outras moças? Nunca pensou em se realizar na vida como esposa e mãe? — De vez em quando — Vanessa admitiu. — Mas, para isso, ainda falta 39


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

muito tempo. Ao voltar para o escritório, sentiu dificuldade em se concentrar no trabalho. Quando errou na datilografia pela sexta vez, percebeu que seria perda de tempo insistir. Descansou os cotovelos sobre a mesa, olhou pela janela e ficou divagando, com os pensamentos perdidos nas nuvens. Brent voltou do trabalho às onze e meia e foi trocar de roupa para vestir algo mais confortável do que aquele eterno e elegante terno cinza. Depois do almoço saiu acompanhado por Vanessa para visitarem a coleção de arte chinesa de Jordan Banks. Sentada ao lado dele no carro, Vanessa gostou de ver Brent em roupas esportivas. Ela estava de saia e blusa, muito informal, combinando com a impecável aparência esportiva dele. Nessa época do ano o tempo não costuma ser tão bom. — Brent já entrava com o carro na estrada. — Vamos aproveitar os dias de sol. Bennett diz que o tempo vai mudar e ele não costuma se enganar. — E por isso que você o mantém morando em Raylings? — Vanessa fartou de novo sem pensar. — Bennett vive com os Mallory há mais tempo do que qualquer outra pessoa na casa, incluindo Emmie. — A voz de Brent soou fria. — Raylings é a casa dele enquanto viver. Não sou tão desumano como você parece pensar. — Não acho você desumano. — Vanessa estava um pouco assustada por ter começado a tarde com uma observação tão imprudente. — Agora não, pelos menos. Ele jogou a cabeça para trás e deu uma gargalhada. Seu estado de espírito mudava com a mesma facilidade que as cores de um camaleão. — Estou sendo sincera, Brent. — Tudo bem, agradeço sua sinceridade. O próprio Jordan Banks abriu a porta de sua magnífica residência em estilo gregoriano, perto de Castleton. Era um homem de cinqüenta e poucos anos, magro, de óculos com aros grossos sobre um nariz característico da sua nobreza secular. Vanessa foi apresentada por Brent e Banks recebeua com poucas palavras e frieza excessiva para então guiá-los até uma sala nos fundos da casa. Na sala ampla e cheia de sol, as porcelanas chinesas estavam guardadas em caixas de vidro. Como em qualquer exposição de arte, quase não havia outros móveis. Vanessa não gostava muito de exposições particulares. Concluiu logo que Jordan Banks era daquele tipo de colecionador que prefere comer e beber em porcelana comum para não se arriscar a quebrar uma das suas valiosas peças chinesas. Vanessa lembrou-se de uma velha senhora que tinha tapetes persas no chão, quadros de pintores holandeses nas paredes, caixotes cheios de pratas e cristais, e que preferia tomar seus drinques num copo de vidro ordinário. Parecia haver muita gente rica com essas estranhas manias. Em Raylings o ambiente era bem diferente, Lá se almoçava e jantava » numa toalha de mesa de linho, com pratos da melhor porcelana inglesa, talheres de prata e copos de cristal. As peças existentes nos quartos particulares eram tão valiosas como aquelas em salas franqueadas ao público. Momentos depois, a atenção de Vanessa voltou-se para as obras. Admirou três peças que indubitavelmente pertenciam à época da dinastia Tang: um cavalo com um homem montado, o cavalo empinado e apoiado nas patas de trás, representado com perfeição na beleza desse momento dinâmico. Em alguns lugares a porcelana já estava gasta pela idade e pelo uso mas isso não 40


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

prejudicava aquela obra de arte genial. A segunda peça era um cavalo sem cavaleiro. O animal tinha a cabeça erguida e as narinas di latadas e parecia vivo, de tão perfeito. A terceira peça era uma dançarina com a porcelana em perfeito estado, brilhante, em cores suaves e delicadas. — Essas peças são do período Tang, séculos VII a X — disse Jordan com voz fria e profissional ao lado de Vanessa. — Os cavalos estavam juntos em um túmulo. A dançarina é de outro túmulo e de uma época um pouco posterior. — Ele andou mais alguns passos, sem se importar com os comentários dos presentes. — Considero esse vaso uma das obras-primas da minha coleção. Saberia me dizer a época da origem desse vaso, I Srta. Page? Vanessa estudou a peça exibida na caixa de vidro. No rosto ela apresentava uma expressão fria e profissional, mas por dentro ardia o entusiasmo I da admiradora. O tom de voz severo de Banks fez com que ela adotasse o I mesmo jeito de agir. Intencionalmente deixou os segundos se transformarem em minutos, enquanto seus olhos devoravam a beleza inigualável daquele vaso de porcelana de proporções perfeitas e cores sutis. — E da dinastia Sung. — A voz de Vanessa assumiu o mesmo rigor da voz de Banks. — O período é de 960 a 1279. As obras desse período são famosas por sua perfeição inimitável. Brent sorriu e um brilho de surpresa surgiu nos olhos atrás dos óculos de aros grossos. — Você parece familiarizada com a história da China — comentou : Banks. — Estudou a arte oriental durante muito tempo? — O tempo que tive disponível. Ainda tenho muito a aprender nesse campo. — Isso acontece com todos nós. E você ainda tem a vantagem de ser jovem, querida. — O comportamento de Banks havia mudado de repente. — Venha, quero descobrir o quanto você sabe sobre arte chinesa. Durante a hora seguinte, Vanessa entendeu que formara uma opinião precipitada sobre a personalidade de Jordan Banks. Ela viu nele um companheiro entusiasmado pelos mesmos ideais. Ele fez tudo para apagar a frieza dos primeiros instantes, abriu todos os quartos, deixou Vanessa segurar as peças que queria e deu todas as explicações necessárias. Ouviu a opinião dela com interesse e respeito e revelou uma paciência surpreendente ao responder às inúmeras perguntas. Brent falou muito pouco, satisfeito em ver o interesse vibrante dos dois ao discutirem detalhes técnicos e artísticos de obras milenares. De vez em quando Vanessa notava que os olhos verdes a seguiam e observavam, mas não se incomodou com isso. A coleção era divina. Ela já conhecia sua fama, é claro, mas nunca havia sonhado com a oportunidade de uma visita particular e tão detalhada. Havia peças de quase todos os períodos da história da China. Os olhos encantados irradiavam um brilho apaixonado diante da transparência e brancura da porcelana Ming, chamada t'o-t'ai, isto é, imaterial, por causa da sua extrema fragilidade. Desse período também eram as peças brancas e azuis, com a beleza alcançada através da simplicidade do desenho. Muitas das peças estavam decoradas com os símbolos tradicionais do dragão e da fênix, simbolizando o imperador e a imperatriz. Estavam chegando ao fim da visita quando Jordan pegou dois copos de vinho e colocou-os lado a lado sobre uma mesa pequena, embaixo da janela, 41


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

iluminados diretamente pela luz do sol. — É um par estranho, não acha? São Ming, é claro. Vanessa aproximou-se para um exame mais minucioso, intrigada com o tom de voz um pouco diferente de Banks. A primeira vista, os copos realmente pareciam ser um par perfeito, em porcelana branca como neve, decorada com dragões vermelhos e fantásticas ondas do mar. Sob um olhar mais atento ela começou a perceber diferenças pequenas. A impiedosa luz do sol facilitou o exame: o copo da esquerda mostrou vestígios de azul na brancura da porcelana e uma leve aspereza na superfície. — O copo da esquerda é uma cópia japonesa — ela afirmou com uma confiança que fez Jordan sorrir. — Os japoneses eram hábeis, mas não chegavam a ser tão perfeitos como os chineses. — Ele me pegou nessa armadilha na primeira vez em que visitei a casa — admitiu Brent, parabenizando Vanessa com a mão no ombro dela. — Gostei de ver. Você venceu a parada! — Há quanto tempo trabalha nesse ramo? — Jordan Banks já os conduzia até a porta. — Há doze anos. — Então você é uma criança prodígio! Seu professor deve ter sido excepcional. — Ele abriu a porta. — Volte quando quiser. E, se precisar de um emprego, fale comigo. —- Você impressionou o velho. — Brent abria a porta do carro. — Poucas pessoas são convidadas a visitá-lo de novo. São raros aqueles que podem voltar quando quiserem. Além disso, você recebeu uma oferta de emprego. Está triste por não poder aceitá-la? — Não, não estou. A coleção é maravilhosa e Jordan Banks é um homem brilhante. Mas nunca tive vontade de me especializar em qualquer campo das antigüidades. — Talvez tenha razão. Eu não estou com vontade de libertá-la do nosso contrato. — O Sr. Banks mora sozinho? — Sim. Só uma governanta cuida da casa. Ele não sente falta de companhia. Sua coleção e a expansão dela são os únicos interesses da vida dele. — Existem outras coisas importantes na vida —- murmurou Vanessa, pensando nas palavras de Norah Turner. — Não diga! Você está começando a entender disso? — Brent ajeitou o corpo no assento e pisou mais no acelerador. — Podemos passar a tarde fora, se quiser. Já ouviu falar das cavernas Blue John? — Sim. São aqui perto? — Apenas alguns quilômetros. Temos tempo suficiente. Acho que vai gostar. Para Vanessa aquele fim de tarde foi como um sonho que nunca esqueceu. Brent escolheu a caverna Peak, a mais espetacular das três cavernas abertas ao público. Pareciam ser os únicos interessados em cavernas naquela tarde de quarta-feira. Brent conversou com um guia e acertou uma visita particular. — Hoje estou com uma tarde privilegiada. — Vanessa riu ao ver que, para seu patrão, não existia qualquer dificuldade. O interior da caverna era úmido e frio, iluminado por lâmpadas elétricas. O guia, um homem velho e vagaroso, 42


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

preveniu-os para não escorregarem no caminho por causa do limo. O guia andava, falando num tom de voz monótono, repetindo informações que conhecia de cor e já transmitira milhares de vezes. Depois de alguns minutos, Vanessa desistiu de prestar atenção àquela voz que ecoava nas paredes. Preferiu parar para admirar as espantosas formas da caverna por conta própria. Brent a segurou de leve no braço quando começaram a descer mais e mais para o interior. Ele a ajudava a passar pelos trechos mais difíceis, sempre com cuidado e atenção, como era do seu caráter. O calor dos dedos de Brent no braço fez Vanessa sentir arrepios. De vez em quando, ele dava algumas explicações e, pelo jeito partilhava da opinião de Vanessa sobre o guia. Estavam a quase quinhentos metros da entrada da caverna quando, sem aviso prévio, todas as luzes se apagaram. A escuridão era total. Vanessa tremeu de medo. Sentiu o braço de Brent sobre os ombros. — Não se preocupe, Vanessa. Provavelmente é só trocar um fusível. — Eu não trouxe lanterna — o guia disse. — Querem tentar voltar no escuro ou preferem esperar? Conheço bem o caminho, posso cuidar da luz e voltar logo. — Nós vamos ficar aqui — decidiu Brent sem hesitação. O guia se afastou. O som de seus passos foi diminuindo cada vez mais, até o silêncio voltar a imperar na escuridão total. — Está com medo? — A voz mansa de Brent soou bem perto do ouvido de Vanessa. — Você está tremendo… Os olhos de Vanessa aos poucos se acostumavam ao escuro. Agora ela distinguia o contorno da cabeça de Brent. — É como se eu estivesse presa num túmulo. Você pode ajudar, se tiver um cigarro. O braço sobre seus ombros enrijeceu por um momento e, logo, a soltou. Alguns segundos depois, Vanessa sentiu a prata fria da cigarreira entre os dedos. Brent acendeu um cigarro para ela e outro para ele. A luz do isqueiro iluminou tudo ao redor, projetando sombras fantásticas nas paredes. Quando a chama se apagou, a escuridão ficou ainda maior. — Sente-se num tronco que está aqui atrás da gente — disse Brent. Ela sentiu a mão forte guiando-a no escuro. — Estou sentada no seu casaco, Brent — protestou ela, sentindo a maciez da lã. — Você vai ficar com frio e o casaco vai sujar. Além disso, eu… — Não crie caso, Vanessa. Não estou com frio e o casaco pode ser lavado. Ela sentiu a lã das calças de Brent em seu braço trêmulo quando levantou a mão para dar mais uma tragada. Ficaram em silêncio. As brasas dos cigarros iluminavam as duas bocas de vez em quando. Brent fez uma pergunta inesperada: — O que fazia quando não estava trabalhando, Vanessa? É impossível que tenha passado doze anos debruçada sobre livros e visitando museus. Já sei que nunca esteve apaixonada… mas com certeza teve namorados, dançou, foi ao cinema, não é? Vanessa não acreditou que Brent estivesse realmente interessado no passado dela. Ele só está falando para me animar um pouco, pensou. — Tive um ou dois namorados. Mas foi por pouco tempo. Parece que não me acharam muito interessante. — É mesmo? — A voz soou com surpresa. — Eu acho… — Nesse instante a 43


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

luz elétrica voltou a brilhar. — Ah, ótimo! Podemos voltar. — Ele jogou o cigarro no chão e apagou a brasa com o pé. — Está pronta? Vanessa concordou, já de pé. Fez menção de andar, mas a mão forte de Brent a reteve por mais um instante. — Existem momentos em que os homens precisam mandar. — Ele tinha uma expressão divertida nos olhos. — Você é independente demais, Vanessa. Uma mulher precisa aprender a ceder um pouco, mesmo que seja só para satisfazer o egoísmo do homem. Encontraram o guia quando já estavam alcançando a entrada da caverna. O homem ficou um pouco surpreso quando soube que não queriam continuar visitando a caverna. Mas sorriu satisfeito ao receber uma gorjeta gorda. Ao sair, respiraram aliviado sob o calor e o brilho do sol. Consultando o relógio, Vanessa ficou surpresa ao ver que eram só quatro horas. Para ela o tempo na caverna durara uma eternidade. — Vamos chegar atrasados para o chá, Brent. — Avisei Norah de que não tomaríamos chá em Raylings. Conheço um lugar aqui perto onde servem um delicioso pão feito em casa. A receita do pão é especial. Nem a própria Emmie é capaz de fazer um pão assim, mas nunca tive coragem de dizer isso a ela. Brent guiou o carro até uma casa de chá típica na vila. Ficava numa travessa estreita, mas ao entrar viram que quase todas as mesas estavam ocupadas. No entanto, Brent já reservara uma mesa antes. Havia planejado tudo com antecedência, como sempre fazia. Sentaram-se numa mesa de canto, perto da janela. — Você parece ser um freqüentador assíduo — comentou Vanessa ao ver como estavam sendo bem servidos. — Isso é uma espécie de retiro para você? — E por que acha que preciso de um retiro? — Não sei… pensei que… Bem, imaginei que, de vez em quando, você gostasse de variar, de sair da rotina. — Nisso você tem razão. Qualquer mudança é boa como um descanso… Notamos isso hoje à tarde. Você gostou de sair da rotina, Vanessa? — Gostei muito. Mas, para mim, o trabalho em Raylings não é monótono. Faço tantas descobertas novas! Agradeço a oportunidade que está me dando… — Será que não consegue esquecer o trabalho nem por um instante? Não precisa me agradecer. Você está me dando muito mais do que o dinheiro pode comprar. Vanessa não entendeu a observação de Brent. Achou que ele estava dando conselho demais, que a criticava… Afinal, ela não sabia o que dizer… Brent era o patrão e ainda a intimidava um pouco. Seria essa a palavra certa para descrever os sentimentos que Brent despertava? Esse pensamento passou como um raio no céu, na cabeça de Vanessa. Ela entendia muito de arte e quase nada da força dos sentimentos. O chá foi servido em cerâmicas Staffordshire de boa qualidade. Junto, veio uma bandeja de pãezinhos frescos, da cor do mel, e com a massa cheia de manteiga. Estavam deliciosos. — Assim vou acabar engordando. — Vanessa riu. — Preciso me cuidar para não comer demais, senão vou sair gorda de Raylings. — Você não tem corpo para engordar. — Brent estendeu a mão e segurou a mão de Vanessa, que descansava sobre a mesa. Ele virou a palma da mão dela para cima. — Você tem mãos lindas, Vanessa. Maggie me ensinou a ler as 44


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

mãos quando eu era menino. Vejo que você terá vida longa e três filhos. — Antes de ter três filhos quero um marido — ela disse, gracejando e corando sem querer. — Mas é claro… — Brent examinava as linhas com atenção. — Você vai casar e ter três filhos. Tem um bom coração e uma boa cabeça. E inteligente, sensível, e aqui eu vejo… — Pare, Brent. Tenho um pouco de medo de conhecer meu futuro. — Bem. Já são cinco e dez. Acho que podemos ir andando. Preciso estar em Sheffield antes das sete. A volta para Raylings foi rápida, mas agradável. Emmie os encontrou quando entravam no hall. Avisou que Moya havia telefonado e deixado recado para Brent telefonar assim que chegasse.

CAPÍTULO VII O tempo ficou frio e úmido em outubro. Ventos fortes açoitaram o vale e desfolharam as árvores rubras do outono. A chuva caiu sem parar sobre os campos, os caminhos ficaram lamacentos, as pessoas se recolheram nas casas. Dava pena ver os carneiros, reunidos em pequenos grupos nos pastos, com seus grossos mantos de lã sujos e ensopados. Para Vanessa não foi difícil viver sem sair de casa. O catálogo agora já estava bem adiantado e ela vivia fascinada pela tarefa. Começou a trabalhar na biblioteca na primeira semana de outubro. A tarefa no resto da casa seria mais demorada, é claro. Às vezes ela ficava em dúvida sobre o que aconteceria se terminasse o catálogo antes dos seis meses de prazo combinado. Continuaria trabalhando para Brent? Naquela quinta-feira de manhã, Vanessa estava cuidando da correspondência quando Norah entrou com uma relação de convidados para uma festa programada para a semana seguinte. — É uma festa para nossos amigos mais íntimos — Norah disse. — Quando o tempo esfria, os jantares são nossa distração principal. Recebemos convidados umas duas vezes por mês. — Ela entregou uma caderneta de anotações. — Os endereços estão aqui na caderneta, Vanessa. Não faça os convites muito formais. Eu devia escrevê-los à mão, mas detesto escrever cartas. Brent disse que seu trabalho no catálogo está muito bom. Você nunca se cansa desse serviço? — Só estou aqui há três semanas e um trabalho interessante não me aborrece. Raylings é como a caverna de Aladim. Ainda não consegui me acostumar com a idéia de estar realmente morando e trabalhando aqui. — Vai se acostumar no inverno. A casa fica tão fria que nem o aquecimento central resolve o problema. — Norah viu uma carta para Brent em cima da escrivaninha. — Por que perturbar Brent com esse tipo de carta, Vanessa? A temporada das visitas do público já terminou há mais de um mês. — Eu sei. Mas esse pedido é especial. Uma professora de Manchester tinha planejado fazer uma visita com um grupo de jovens durante o verão, 45


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

mas surgiram alguns contratempos. Talvez Brent abra uma exceção para esse caso. — Não acredito. Ele nunca abriu exceções antes. Acha que os empregados têm direito ao descanso da temporada. Não é fácil limpar Raylings depois da visita de um bando de jovens. Brent respondeu quase a mesma coisa quando Vanessa lhe mostrou a carta durante a tarde. — Esse tipo de pedido é muito freqüente. É de gente que pensa que tem direito a um privilegiado tratamento. Mantenho Raylings aberta ao público porque é um negócio que meu pai iniciou. Mas gosto da privacidade fora da temporada. — Este caso é diferente — Vanessa argumentou. — Este grupo está estudando a época dos Tudor neste semestre. Você não deseja contribuir para a educação dos jovens? — A minha contribuição, aceitando ou negando o pedido, não vai mudar a educação desses jovens. Além disso… — Brent consultou a carta — a professora Pierson quer fazer a visita nesta semana. Acha que tenho tempo para parar de trabalhar e servir de guia para um grupo de adolescentes? Essas meninas nem se importam com os Tudor. — Não é preciso você largar o trabalho, Brent. Eu cuidarei disso. Você nem vai precisar ver o grupo. — Já pensou em tudo, não é, Vanessa? Resolveu que o grupo virá de qualquer maneira. Pede minha permissão só por uma questão de formalidade. — A casa é sua. Deixe, Brent. Por favor… Os olhos de Vanessa pediam com insistência e Brent estava de bom humor. Ele se recostou e ficou pensativo, estudando a expressão do rosto de sua secretária. — Com você pedindo desse jeito, não vou recusar. Você sabe me convencer, quando quer. Só quero saber se esse grupo tem alguma importância especial para você ou se foi só a chama da oposição que a fez lutar pelo pedido. — Que absurdo! Nunca me oponho a você por simples vontade de competir. Simplesmente não quis desapontar a professora Pierson. Posso escrever a ela acertando a visita para a semana que vem? — Já que faz questão, pode. No entanto, vou deixar ao seu encargo a tarefa de convencer Emmie. Vamos precisar servir chá e sanduíches para vinte e uma pessoas no dia da visita. Os comentários de Emmie servirão de lição para você, Vanessa. Brent tinha razão. Emmie não gostou nem um pouquinho da idéia. Ficou indignada com a notícia da visita de mais um grupo de jovens. — Nesta época do ano?! — Emmie exclamou, incrédula. — O Sr. Brent nunca abriu exceções antes. -Acabei de ajeitar a casa depois da temporada de verão e agora vêm esses estudantes para sujar tudo de novo? São estudantes, não são? O Sr. Brent deve ter ficado maluco. Já sei como vai ficar Raylings depois dessa visita. Sujeira no chão, tudo fora dos lugares, arranhões nos móveis, marcas de dedos em todos os lugares! — Não são crianças, Emmie. São moças de quinze anos. — Estas moças também têm pés que sujam o chão, não têm? Por que não vieram antes? Ora! Emmie foi para a cozinha fumegando de raiva. Definitivamente não 46


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

gostava de mudanças nos regulamentos que interferissem no serviço dela dessa maneira. Às duas e meia Moya entrou no escritório e encontrou Vanessa batucando na máquina de escrever. — Você não descansa, Vanessa? Vai acabar ficando exausta! Vanessa não conseguiu conter um sorriso ao ver Moya entrando com toda aquela simpatia. Não gostava de ser perturbada no escritório, mas era impossível deixar de gostar de Moya. Era fácil entender por que Brent amava aquela jovem… apesar de ser um pouco jovem demais para se casar com ele. — Gosto de trabalhar nesse tempo frio. É um bom jeito de não ficar sem fazer nada. — Ao responder isso, Vanessa tentou imaginar o que Moya fazia em seu tempo livre. Ela não precisava trabalhar. Será que não vivia chateada? — Parou de chover, Vanessa. Só por isso vim para cá a cavalo. Vanessa ergueu os olhos, surpresa. Só agora estava reparando que Moya vestia roupas de montaria. Ela usava essas roupas com tanta freqüência que nem conseguia imaginá-la vestida de outra maneira. As roupas, elegantes, serviam como uma luva; Moya parecia ter nascido com elas. Só agora também Vanessa reparava no céu de azul-pálido e nos raios de sol que começavam a aquecer a varanda úmida. — Parou mesmo. Graças a Deus! — Vem! Vamos andar um pouco a cavalo enquanto o tempo ajuda. Brent acha que a chuva vai começar de novo hoje à noite. — E o meu serviço? — Vanessa mostrou a papelada em cima da mesa. — Deixe o serviço para depois. Brent será o primeiro a aprovar seu descanso, quando souber. Aproveite a oportunidade! — Bem… — Vanessa ainda estava na dúvida. — Está certo! Vou com você, mas não quero ir muito longe. Ainda não me acostumei a andar a cavalo. Quer esperar eu trocar de roupa ou prefere descer e avisar George de que vou montar Dice? — Já avisei o George. Foi uma tarde maravilhosa. Antes da mudança do tempo, Vanessa passeara algumas vezes montada em Dice. Em geral, de manhã bem cedo, antes do café, sempre sozinha. Para ela, aquelas tinham sido as melhores horas do dia, em contato com a grama ainda molhada de orvalho e o ar puro e refrescante do amanhecer. No começo hesitou um pouco em sair com a égua, temendo que Brent precisasse da montaria. Mas George explicou que, nessa época, Brent só saía a cavalo nos fins de semana. Vanessa e Moya aproveitaram a tarde de sol. Moya elogiou Vanessa pelos notáveis progressos na arte de cavalgar. Dice obedecia todas as vontades e o corpo de Vanessa já não doía como da primeira vez. Foram juntas até o lago e, de lá, voltaram para Raylings. Quando chegaram ao estábulo, tiraram a sela e o freio de Dice sem perturbar George. Enquanto isso, Duquesa, a égua de Moya, comia uma boa porção de feno. Moya foi para perto de Fabian que se movia, inquieto, com a cabeça fora da porta, chamando a atenção. Passou a mão entre os olhos do garanhão, que pareceu adorar o carinho. Vanessa observou a cena um pouco afastada. Não tinha coragem de se aproximar daquele animal fogoso. Tinha o mesmo jeito do dono: poderoso, cheio de si e imprevisível. — Já montou em Fabian, Moya? 47


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

— Tentei uma vez, faz uns três anos. Mas não fui muito longe. — O que aconteceu? — Brent me salvou antes de eu cair da sela. — Moya riu ao lembrar. — Nunca mais fiquei com vontade de tentar. E um cavalo bom, mas quando fica manhoso só Brent consegue segurá-lo. Eu sozinha não tenho força suficiente. Ficaram em silêncio enquanto Moya continuava acarinhando a cabeça de Fabian. O cavalo aceitava os agrados com os olhos meio fechados e parados. Quando Moya voltou a falar, foi para fazer uma pergunta inteiramente inesperada: — Acha que sou jovem demais para me casar, Vanessa? Vanessa sem querer sentiu o corpo estremecendo. O coração deu um pulo, a cabeça zuniu. Depois de alguns instantes, controlou as emoções o suficiente para responder: — Você já tem idade para se casar. Muitas moças se casam com a sua idade… algumas até mais cedo. — Você está com vinte e dois, Vanessa? Gostaria de se casar? — Estou com vinte e dois anos, mas ainda não encontrei o homem da minha vida. É claro que gostaria de me casar algum dia, mas não estou com tanta pressa. — Ora, eu estou. Casaria amanhã, se pudesse. Mas tanto meu pai quanto Brent acham que uma moça precisa ter no mínimo vinte e um anos para pensar em casamento. E não posso contrariá-los. Preciso esperar mais um ano inteiro para poder decidir por conta própria. Ainda assim quem vai decidir é Brent, pensou Vanessa. Ela começava a entender a situação. Achou que Brent tinha intenções sérias de casar com Moya. Mas só quando ela tivesse idade suficiente. Brent conhecia Moya desde criança e, provavelmente, sempre teve a intenção de se casar com ela. O que era um ano para um homem que já havia esperado tanto? Contudo, Vanessa não conseguia esquecer as palavras de Brent no carro: “O amor não depende do tempo nem do lugar. O amor chega quando a gente menos espera'. Ora, a filosofia de Brent não combinava com seus planos lentos de vida! Planejar o casamento dessa maneira era muito desagradável. E estranho, no entender de Vanessa. Se houvesse amor de verdade, Brent e Moya já podiam estar casados. Gerard voltou cedo do escritório na tarde seguinte e. encontrou Vanessa na biblioteca, examinando atentamente o teto decorado. — Não me diga que você vai colocar também o teto da biblioteca no catálogo! — Claro que vou! É heráldica. Em outras palavras: a arte ou ciência dos brasões. Pelo que consegui descobrir naquele livro, a decoração do teto é da época do casamento de Barrat Mallory com Anne Bellamy de Derby. — Brent podia ter explicado isso. Assim evitava esse trabalho de ter que consultar livros. — Acho muito mais divertido descobrir as coisas sozinha. Brent também voltou cedo, hoje? — Não. — Gerard já estava sentado, folheando uma revista. — Ele está em Manchester. Pretendia encontrar-se com Moya e o pai dela. Acho que nem vem para o jantar. — Oh! Gerard se espantou com a exclamação de surpresa de Vanessa. 48


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

— Você parece desapontada. Não me diga que também está se apaixonando por Brent. É isso, Van? — Não me chame de Van. Detesto apelidos! — Detesta apelidos ou detesta falar sobre o amor? Não fique nervosa à toa. Pode deixar que não toco mais no assunto. Mas acho que todas as mulheres têm mania de achar que meu primo é irresistível. Também, pudera, um homem rico como ele… — Chega, Gerard — A interrupção de Vanessa tinha um forte tom de impaciência. — É claro que não me apaixonei por seu primo. — Desculpe. — O pedido de desculpas não apagou um brilho malicioso dos olhos de Gerard. — Você, Vanessa, tem um espírito prático demais para tentar alcançar as estrelas. Nem pensa nas metas inatingíveis. Quando se apaixonar, será por um homem do seu meio. Um homem de confiança, inteligente e trabalhador. — Ora, nesse caso você não tem chances, Gerard. — Ela riu. — Falou bem. Sabe, você e Brent são parecidos em uma coisa: nas respostas mordazes. Eu gostaria de ouvir uma discussão entre vocês. — Estamos quase sempre de acordo. — Bem, mudando de assunto. Um hotel aqui perto está dando um baile hoje à noite. Quer vir dançar comigo, Vanessa? Ela hesitou por um instante. Brent só voltaria tarde, nada a impedia de se divertir um pouco. Podia datilografar no dia seguinte as anotações já feitas para o catálogo. — Gostaria muito. Mas vou avisando: faz tempo que não danço. Estou meio enferrujada. — Comigo você desenferruja num instante. O tio Gerard, aqui, sabe e gosta de dançar. — Ele se levantou e deixou a revista sobre a mesa. — Estamos combinados, Vanessa. Vamos sair às sete, e comer alguma coisa por lá. Gerard esperava no hall quando Vanessa desceu, às sete. Ele estava usando um terno novo, azul-claro, e seus olhos aprovaram a escolha do vestido azul-marinho da sua companheira de festa. — Linda! — O comentário de Gerard foi breve e eloqüente. A noite estava escura e sem lua, mas Gerard dirigia como se o sol estivesse brilhando a pino. Várias vezes Vanessa sentiu o pulso se acelerando mais do que o carro vermelho. Ela não duvidava das habilidades de Gerard, mas outros motoristas menos experientes poderiam fechar a estrada, criando situações difíceis para ele. Com as mãos entre os joelhos, Vanessa controlava sua angústia em silêncio. — Não gosta da velocidade? — Gerard riu ao ultrapassar um carro, quase raspando na carroceria. — Nunca tive um acidente na vida. — Acredito. Mas tenho certeza de que você já deu muito susto nos outros com esse carro. — Um susto não mata. Sou um ás do volante. Vanessa desistiu de chamar a atenção dele para o perigo e agüentou firme. O hotel era moderno e de linhas arquitetônicas pavorosas. Vanessa não entendia como o governo e as companhias particulares podiam ter concebido um projeto tão absurdo naquela região tradicional. O pátio já estava cheio de carros estacionados. Gerard teve dificuldade para arrumar uma mesa na sala 49


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

de jantar lotada. E, pelo visto, ele só conseguiu ser servido porque era conhecido no Hotel Três Leões. — Esqueci que vem muita gente quando o hotel programa um baile — Gerard disse quando, por fim, estavam sentados. — Eu devia ter reservado uma mesa. — Ele ergueu o menu e correu os olhos pela carta de vinhos. — Vamos tomar o quê? — O bom humor de Gerard continuava firme. — Claro, vamos tomar champanhe! Afinal, demorei três semanas para conseguir sair com você. Estou com vontade de festejar a ocasião. Vanessa pensou na volta, com o carro vermelho a toda velocidade, dirigido por Gerard depois de tomar champanhe. Estremeceu. — Prefiro um Martini, se você não se incomodar. A comida era boa, mas faltava um pouco de imaginação nos temperos. Acabaram a refeição por volta das oito e meia e depois seguiram para o salão. Encontraram muitos amigos de Gerard e foram convidados a sentar com um grupo junto a uma das pequenas mesas laterais. Todos pareciam simpáticos aos olhos de Vanessa. Falavam muito alto, sempre rindo e se divertiam com ninharias. Ela estranhou aquele comportamento, pois não estava acostumada com aquele ambiente. Não era culpa de Gerard, nem dela, mas Vanessa não conseguia se divertir. Sentia-se como um peixe fora d'água. Gerard, pelo contrário, parecia muito à vontade. Dançou como um verdadeiro demônio com Vanessa e com outras garotas, quando Vanessa se cansava. Tinha uma energia surpreendente, não suava nem se cansava. Ao se ver sozinha na mesa por alguns momentos, Vanessa se levantou e foi até o banheiro. O amplo espaço elegantemente decorado em azul e prateado estava dividido em pequenos compartimentos com vasos e penteadeiras com espelho grande. Vanessa tinha acabado de entrar em um desses compartimentos quando entrou gente no banheiro. Reconheceu as vozes. As duas jovens faziam parte do grupo de Gerard. Elas riam e continuaram conversando. De onde estava, Vanessa conseguia ouvir tudo. — Não estou gostando da música desse conjunto novo — disse uma das jovens, chamada Doreen. — Acho que não venho mais dançar aqui. E você, Valerie? — Depende dos outros — respondeu Valerie. — Mas já estamos dançando aqui todas as sextas-feiras há seis meses. Acho que os outros também gostariam de variar um pouco. — Seguiu-se um silêncio breve e depois Valerie perguntou: — O que você acha dessa última companheira de Gerard? — Não é do tipo dele — Doreen respondeu sem hesitação. — Até que não é feia e tem um cabelo bonito. — Será que o cabelo é tingido? — Hoje em dia a gente nunca sabe. Mas ela não parece ser do tipo que tinge os cabelos. Vanessa teve vontade de sair de onde estava. Não tinha se zangado. Achava até engraçado ouvir aquela conversa. Mas seria impossível sair sem ser vista pelas duas. Isso criaria uma situação constrangedora, porque elas podiam pensar que Vanessa ouvira a conversa de propósito. Por isso, não se moveu e resolveu esperar uma oportunidade melhor para sair. — Quem é essa garota? — Valerie parecia ter interesse em Gerard, só isso explicava tantas perguntas sobre Vanessa. — Você não sabe? É a secretária do primo dele. E ela está morando em Raylings! 50


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

— Oh! — Valerie maliciou logo. — É uma situação muito conveniente! — Não adianta maliciar, Valerie. Acho que não tem nada demais. Você nunca viu Brent Mallory? Eu estava com Gerard na cidade há algumas semanas, e encontramos ele e Moya. Pararam para conversar um pouco, é claro: não dava para ignorar a presença de Gerard no meio da avenida High, não é? — E como é ele? — Um tipo grandão, de cabelos escuros. Muito sério, cheio de regras morais. Ele olha para a gente como se fosse o homem mais importante do mundo! — Doreen riu. — E Moya é uma atriz perfeita! Me cumprimentou como se nunca tivesse me visto na vida. Mas, na noite anterior, estive com ela e Gerard na festa de Bob Farrow. Moya devia ser atriz; ela interpreta bem à beca! Nem sei como Gerard conseguiu ficar firme, com aquela cara de pau. Só quero ver quando o primo souber do namoro entre Gerard e Moya. — Será que não sabe? — Sabe nada. Gerard e Moya estão namorando escondido, só a nossa turma sabe. Vanessa empalideceu diante da descoberta. Jamais imaginaria aquela situação. Então Brent estava sendo enganado! Moya namorava os dois. Como terminaria essa situação? — Vamos indo, Doreen? — Vamos, sim. Os outros já devem estar achando que nos perdemos no meio do salão. Os pensamentos de Vanessa não paravam. Moya e Gerard! Impossível! E Brent? Então por que Moya pensava em casamento? Isso criaria uma situação dupla… Por um lado, ela teria a segurança e o dinheiro do marido, por outro, podia se libertar do tédio do casamento se distraindo com o primo. Mas não parecia ser uma atitude típica de Moya. Ela não era um computador frio para fazer esse tipo de planos calculistas. Nem parecia capaz de enganar alguém, quanto mais o homem que esperava desposar. Vanessa não conseguiu resolver o mistério. Gerard estava sozinho na mesa quando ela voltou. Marcava com o pé o compasso do som, estava impaciente e queria dançar mais. — Viva! Seja bem-vinda, Vanessa. Pensei que tivesse me abandonado. Vanessa nem se sentou. — Está ficando tarde, Gerard. Acho que está na hora da gente voltar. — Tarde? São só dez horas! — Quero ir para casa. — Ainda não, queridinha. Uma noite só não vai fazer mal. — Ele estendeu a mão. — Venha, vamos dançar. — Gerard, quero ir para casa. Se você não for, vou sozinha, a pé. Se quiser me levar, estarei no carro daqui a dois minutos. Só vou pegar meu agasalho. Vanessa nem esperou pela resposta e saiu andando. Gerard já estava no carro quando ela chegou lá. Ele tinha perdido todo o seu bom humor e não conseguia entender a atitude inesperada de Vanessa. Não falou quando abriu a porta para ela entrar e fechou-a com força desnecessária. Ficaram um tempão em silêncio, enquanto o carro seguia na direção de Raylings. Por fim, Gerard resolveu pedir uma explicação: 51


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

— Que idéia foi essa de sair tão cedo? As pessoas na mesa vizinha com certeza vão pensar que me comportei mal com você. Fiz papel de idiota! — Ora, Gerard. Não me venha com esse jeito inocente! Você é quem está fazendo os outros de trouxa! — Vanessa se arrependeu dessas palavras. De novo tinha falado sem pensar. — O que você está querendo dizer? — Nada. Eu só estava falando por falar. — Nada disso. — Os olhos de Gerard continuavam prestando atenção na estrada. — Estou fazendo quem de trouxa? — Brent. — A resposta de Vanessa foi seca. — Então foi isso! Valerie andou falando demais! E o que eu faço é da sua conta, Vanessa? — Valerie não falou nada. Eu ouvi a conversa dela com uma amiga. E, além disso, acho que não é da minha conta. Mas tenho minhas opiniões; não está certo usar Moya para atingir Brent. Isso não se faz. Gerard se acalmou um pouco e sorriu com ironia. — Vou explicar, Vanessa. No começo minha intenção foi sair com Moya, achando que estava roubando ela do meu primo. Mas isso foi só no começo. Depois, tudo mudou. A situação agora é outra. Acredite em mim. — Quer dizer que você está apaixonado por ela? — O amor acontece na vida… mais cedo ou mais tarde. — E Moya? Ela também ama você? Desta vez Vanessa leu a incerteza na expressão da face de Gerard. — Não tenho certeza — ele confessou. — Quero ser amado. Mas, às vezes, tenho a impressão de que ela só está brincando comigo. Pode estar me usando só para ir aos lugares que Brent não gosta de freqüentar. Quando mudar de idéia, talvez Moya me largue sem maiores explicações. Ela tem certeza de que nunca terei a coragem de falar qualquer coisa para Brent. Eu seria expulso de Raylings na hora. — E se ele descobrir? — Não tem perigo… — É impossível manter um segredo desses aqui no campo. Todo mundo se conhece. — Moya e eu nunca nos encontramos perto de casa. O único problema é que podemos ser vistos juntos na cidade. Mas nem Brent nem os amigos dele freqüentam os mesmos lugares que nós. — Gerard olhou de relance para o lado. — Você vai contar a ele? Vanessa tentou imaginar a reação de Brent diante de uma notícia daquelas. A jovem que ele desejava transformar em esposa não era santinha nem inocente. Mas, como sempre, a reação de Brent era imprevisível. A maioria dos homens partiria para uma briga numa situação dessas. Mas Brent sempre se controlava. Só uma coisa era óbvia: a relação entre Gerard e Moya terminaria num abrir e fechar de olhos. Gerard seria afastado de Raylings. E Moya… sim… Moya continuaria vivendo na região, como se nada houvesse acontecido. Continuaria pertencendo ao homem que conhecia desde a infância. A tradição histórica provava que os Mallory sempre tinham sido tenazes e persistentes: guardavam o que tinham, inclusive as mulheres, contra todos os adversários. — Não — Vanessa disse em voz baixa. — Não vou contar a Brent. — Obrigado, Vanessa. — Gerard tirou os olhos da estrada por um instante 52


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

e lançou um sorriso de gratidão na direção da sua companheira. — Você é… — Cuidado, Gerard! Olhe! Um homem de bicicleta. Bem na frente do carro! Os próximos segundos foram uma confusão de breques, de guinchadas e de Gerard xingando, enquanto tentava de todas as maneiras evitar uma colisão com o homem de bicicleta. Ele tinha surgido no escuro, bem diante do carro, sem lâmpadas nem sinal. Só havia um caminho a seguir e foi o que Gerard escolheu. O carro foi parar dentro da vala, ao lado da estrada. Por alguns instantes, as rodas derraparam na grama úmida. Depois houve um violento choque e, por fim, só restaram a imobilidade e o silêncio. Que horror! — Maldição! — Gerard não parava de xingar. O Austin vermelho era seu orgulho e sua alegria. O homem de bicicleta desaparecera dentro da noite. Não tinha sido atingido e agora se safava para não levar a culpa pelo acidente. Só Vanessa ouvia Gerard desabafando sua raiva a plenos pulmões. Ele estava enlouquecido, diante do estado do carro, que era lastimável. — Não podemos sair daqui — disse Gerard um pouco mais calmo. — Os dois pneus da frente estão furados, o pára-lama dianteiro foi arrancado quando esbarramos nessa árvore e o carro está preso na vala. Só com reboque serei capaz de tirá-lo daqui. — Gerard olhou para Vanessa. — Você está bem? — Só estou um pouco assustada. Tivemos sorte de não nos machucar. — Tivemos muito azar, isso sim! Como é que vamos voltar? Você viu alguma cabine telefônica na estrada? — Acho que vi uma, num cruzamento a mais ou menos um quilômetro daqui. Mas não vi nem oficina nem posto de gasolina. — Agora me lembro daquele telefone. Você tem razão. Não é muito longe. Quer ficar aqui enquanto chamo o socorro ou prefere vir comigo? — Vou com você. — Vanessa saiu do carro para a grama molhada. Sentiu o frio invadindo os pés pelas sandálias abertas. As meias ficaram molhadas na hora. — Puxa, como está frio! — Ela ajeitou o agasalho. — Vamos sair daqui antes de congelar. Não faço um passeio à meia-noite desde meus tempos de menina. — Ainda não é meia-noite — retrucou Gerard de mau humor. — Ah, se eu conseguisse botar as mãos naquele ciclista. Eu o faria engolir aquela maldita bicicleta! — Gerard reparou na cara amarrada de Vanessa. — Sei, nós tivemos sorte. Ninguém se feriu. Só preciso consertar esse carro… Ah, é impossível fazer uma mulher entender! — Só entendo uma coisa. Se não começar a andar agora, meus pés vão virar dois pedaços de gelo. Aí você vai ter de me carregar até o telefone. Não adianta ficar aqui se lamentando. Ande logo! Eles encontraram o telefone no cruzamento da estrada. Os dois entraram na cabine para se abrigar contra o impiedoso vento frio. Gerard telefonou para a oficina mais próxima e explicou o acidente. Um guincho viria socorrê-los e rebocar o Austin até a oficina. Depois de resolvido o problema, Gerard telefonou para Raylings enquanto olhava para Vanessa com um sorriso forçado. — Agora é o mais difícil. Brent sempre disse que um dia desses meu carro ia parar na vala! Tomara que Baxter atenda ao telefone. Talvez Brent nem tenha chegado ainda… — Ele vai ficar sabendo, mais cedo ou mais tarde, Gerard. E não foi culpa 53


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

sua. Sei que… Alguém atendia do outro lado da linha. Gerard segurava o fone um pouco afastado do ouvido e perto da cabeça de Vanessa. Ela ouviu a voz atendendo, num tom vigoroso e preciso. — Raylings Hall. Aqui fala Brent Mallory. — Brent? Aqui é Gerard. Tivemos um pequeno acidente. Pode mandar um carro nos buscar? — Tivemos? Com quem você está? — perguntou Brent, depois de uma pequena pausa. — Vanessa está comigo. E está tremendo de frio. Mande o carro logo, está bem? — Alguém se feriu? — Só o carro. Estragou… — Onde estão vocês? — Estamos na estrada Bakewell, bem perto do cruzamento para Hassop. Nós… — Dez minutos — foi a resposta breve de Brent, que nem deixou Gerard terminar de falar. O vento parecia mais forte e gélido quando conseguiram chegar até o carro. O agasalho leve e as sandálias abertas de Vanessa não a protegiam. Ela tremia como vara verde, só pensando no abrigo do carro e na lareira quentinha de Raylings Hall. Quem viria buscá-los? Provavelmente George, pensou. Além de outros deveres, ele também trabalhava como motorista da casa. As luzes de um carro que se aproximava na estrada iluminaram Gerard e Vanessa pouco depois de entrarem no Austin. O carrão preto parou e o coração de Vanessa deu um pulo. Brent estava na direção.

CAPÍTULO VIII Brent deu uma olhada no Austin arrebentado, nas marcas da derrapagem dos pneus e entendeu a situação em alguns segundos. — Vocês estavam indo rápido demais — disse com frieza. — Vanessa, entre no carro. Você parece congelada. — Ele voltou a atenção para o primo. — Avisou uma oficina? Vanessa entrou no carro preto, aliviada com o aquecimento. Pela janela observou Brent e Gerard conversando perto do Austin, e pouco depois Brent voltou sozinho para o carro. — Gerard resolveu esperar o guincho — Brent explicou ao ligar o motor. — E como voltará da oficina? — Isso é problema dele. Imagino que vai pegar um .táxi. Está mais quente, agora? — Sinto-me muito melhor, obrigada. Vanessa só dizia uma meia verdade. Estava mais aquecida do que antes, 54


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

mas ainda tremia por dentro e por fora. As sandálias e as meias estavam encharcadas e os pés doíam. Os dedos dos pés estavam dormentes com o frio e ela tentava movê-los com dificuldade. Aos poucos o entorpecimento ia sumindo. Brent dirigia com muito mais tranqüilidade e segurança que Gerard. O carro andava numa velocidade normal e chegaram a Raylings dez minutos depois. Ele a ajudou a sair do carro, segurando seu braço. Continuou a segurá-lo enquanto passavam pelo hall aquecido. Tober abanou o rabo e latiu suas boasvindas. Depois voltou para descansar perto da lareira, como costumava fazer todas as noites. As sandálias de Vanessa deixavam marcas de água no chão de pedra. — Meu Deus! Você está ensopada, Vanessa. Por que não tirou as sandálias? — Eu… achei que não valia a pena. — Às vezes me dá vontade de dar umas palmadas em você — retrucou Brent, exasperado. — Vá tirar essas sandálias… eu trago uma toalha. — Mas eu… Nem adiantava tentar contradizer Brent. Vanessa entrou na biblioteca e sentou-se na poltrona de couro, perto da lareira acesa e de Tober. Provavelmente, pensou, Brent estava trabalhando quando Gerard telefonou. Isso explicava por que ele atendeu, em vez de um dos empregados. Ela tirou as sandálias e as meias, esticou os pés para perto do fogo e mexeu com os dedos. Que alívio! Que bom estar novamente ali, na segurança de Raylings e protegida por aquele homem bonito, cuidadoso e capaz. As meias e as sandálias fumegavam perto do calor do fogo, de tanto vapor. Brent voltou num instante e fechou a porta depois de lhe entregar a toalha. Vanessa havia tirado o agasalho branco e cobriu os ombros com a toalha, depois de se enxugar. Os dedos dos pés agora afundavam gostosamente no grosso tapete macio. Sem sapatos e meias ela se sentia pequena e indefesa. Brent nem olhava para ela, ocupado em preparar um drinque no barzinho da biblioteca. — Beba isso. — Ele lhe entregou o copo. — Vai aquecer você. — O que é? — Conhaque. — Detesto conhaque. — Beba! Não adiantava discutir. Com um suspiro resignado, Vanessa tomou um golinho. — Beba tudo! O conhaque queimou na garganta quando Vanessa despejou o líquido, virando o copo. O calor se espalhou pelas veias, ela tossiu um pouco, fez uma careta, quase chorou. Estava se sentindo ridícula naquela situação. Tinha ido a um baile e agora estava sentada, derrotada, como quem voltava da guerra. — Agora conte-me o que aconteceu. Já ouvi a versão de Gerard. — Não tenho muito o que contar. O homem de bicicleta não tinha luz acesa e pareceu surgir do nada. Gerard não teve outra alternativa e o carro foi parar na vala. — Ele podia ter guiado mais devagar, antes do acidente. Podia ter 55


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

prestado mais atenção na estrada. Ele andou bebendo? — Não bebeu muito. Estávamos voltando do baile no Hotel Três Leões. — Aquela hora? Só passa um pouco das onze. Gerard não tem o costume de voltar tão cedo. — Eu estava cansada, Brent. Foi a primeira vez que fui dançar depois de muito tempo. — Entendo. — A expressão do rosto não dizia se ele estava acreditando ou não. Brent olhou para os pés descalços de Vanessa. — Em todo o caso, você precisa descansar. Está pronta para a cama? Ela concordou e estendeu a mão para pegar as meias, o agasalho e as sandálias. Pensou em levar suas roupas molhadas para o quarto. — Deixe tudo isso aí — disse Brent com impaciência. — Bennett fará a limpeza amanhã de manhã. Ele foi até a porta e parou, esperando que ela o acompanhasse. Bennett levará um susto amanhã cedo, pensou Vanessa ao se levantar- Talvez Brent explicasse a situação, mas afinal Bennett não tinha nada com isso. Parecia que Brent nem se incomodava em ver Vanessa andando descalça. Na biblioteca, o chão era forrado pelo tapete macio, mas no salão e nos corredores era de pedras frias. Brent havia aberto a porta e aguardava com sua educação costumeira que Vanessa passasse… pelo menos foi o que ela pensou. Ficou tão espantada que nem conseguiu falar ao se sentir levantada do chão pelos braços fortes. Brent a carregava no colo. Vanessa só arregalou os olhos, admirados, enquanto seu corpo inteiro sentia a força, o calor e o contato da pele daquele corpo musculoso. — Não se preocupe. — Os olhos de Brent sorriam com uma estranha mistura de ironia e ternura. — Você não pensou que eu ia deixar você andar descalça no chão gelado, pensou? Ele atravessou o salão até a escada, carregando-a com tal facilidade, como se estivesse com uma criança nos braços. Como disparada por um foguete, a sensibilidade de Vanessa entrou em órbita. Todas as emoções e todas as sensações físicas giravam. Seus pensamentos também giravam loucamente em torno do centro do seu mundo naquele momento: Brent. Desconhecidas sensações, dúvidas, medos, atração, repulsão, uma confusão louca, cheia de incertezas. Voltou a se sentir criança, gostou de ser carregada, embalada como neném. Os olhos verdes como raras esmeraldas a magnetizavam. A face tão linda estava perto, bem perto da boca vermelha de lábios trêmulos. Vanessa viveu um sonho. Como uma princesa nos braços do príncipe encantado. O que acontecia com o coração? Por que disparava no peito, por que sentia o sangue pulsar nas veias, por que aquele calor novo a fazia esquecer tudo: o frio, o acidente, Gerard…? Seria assim o amor? Essa vontade louca de abraçá-lo, de beijá-lo, de se entregar inteira àqueles braços divinos? Os seios roçavam no peito de Brent; os bicos endureceram excitados; um calor gostoso se espalhou pelo corpo. Quanto tempo duraria essa sensação? Cresceria mais? Como? Quanto? Por quê? Só nos romances ela conhecia o suave delírio de estar nos braços de um homem. Mas, não. O amor não podia ser só isso: sensações físicas, deslumbramento, o fogo ingênuo da paixão.: O amor era mais, o corpo e a 56


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

alma, unidos. Um compromisso eterno selado no altar… Confiança, sacrifício, abnegação. Essas palavras ela sabia de cor. Fidelidade. Brent seria fiel? Por que pensava nisso agora, nesses instantes etéreos que duravam uma eternidade? “O amor não escolhe a hora nem o lugar”, Brent havia dito. Então ele sabia o que é o amor. Sabia que as emoções tomavam conta da gente, inesperadamente; que juntavam a cabeça, os pensamentos, o corpo; que dominavam a pessoa inteira, como uma estranha obsessão. Quanto tempo ele a seguraria nos braços? Será que gostava dela? Gostava mesmo? Não, impossível! Mas como se desfazer do amor? Impossível também. Oh, não! Vanessa estremeceu ao intuir a dor do amor não correspondido. Brent, com Vanessa nos braços, chegou na porta do quarto. No instante mais eterno, os olhos azuis se perderam para sempre no infinito dos olhos verdes. Depois, como atingido por um raio mágico, o mundo se transformou. Novamente os pés descalços pisavam no chão. De novo Brent se erguia enorme diante dela, sério, severo, impassível, indecifrável. A porta se abriu. — Boa noite, Vanessa. Durma bem. — Durma bem… até amanhã… — ela ainda conseguiu sussurrar. A porta se fechou. Vanessa se jogou na cama, sozinha, infeliz, sem um beijo. E, na dúvida e na confusão dos sentimentos novos, derramou um mar de lágrimas. Soluçou perdidamente, com a mente ligada apenas em um som, uma palavra, um nome, um homem. Brent, Brent, Brent… o pensamento repetia magicamente. Ela o amava. Já eram dez horas da manhã de sábado quando Gerard desceu a escada, bocejando. Vanessa o encontrou no hall, andando com um livro na mão da biblioteca para o terraço. — A que horas você chegou em casa ontem à noite, Gerard? — Cheguei às duas. Não foi fácil conseguir um táxi. — Ele parecia exausto. — Vai demorar uma semana para consertar o carro. Uma semana inteira! Vou me sentir perdido sem o carro. — Alugue um, se está com tanta vontade de passar o fim de semana na cidade — Vanessa sugeriu com um sorriso. Ele a olhou com alguma incerteza, lembrando-se da conversa que tiveram no carro pouco antes do acidente. — Eu não preciso ir à cidade no fim de semana. — Use o meu carro. Não vou precisar dele. A voz de Brent chamou a atenção de Vanessa e Gerard. Ele havia surgido inesperadamente e estava parado na soleira da porta, a apenas alguns metros. Suas sobrancelhas se arquearam ao notar um certo ar de culpa e incerteza na expressão do rosto dos dois. Observou-os com evidente cinismo. — Está falando sério, Brent? Você me empresta o carro? — Claro. Tenho o outro, se precisar sair. Seria uma brincadeira sem graça oferecer o carro sem intenção séria. — Mas, eu… e o acidente da noite passada? — Gerard não acreditava no que ouvia. Aquela oferta o deixou desnorteado. — Ora! Acho que você aprendeu uma lição necessária com esse acidente. Sei que você não é tolo, Gerard. Sabe tão bem como eu que, se não estivesse andando com muita velocidade, teria tempo para brecar ou desviar o carro sem cair na vala. Teria visto o ciclista, com ou sem luzes acesas. — Ele 57


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

encolheu os ombros. — Bem, seja como for, você quer o carro? — Sim… quero sim… e obrigado, Brent. Vou tomar o maior cuidado. — Acho bom. — Ele seguiu até a porta da biblioteca. — Oh, Vanessa, seu agasalho ainda está aqui ao lado da lareira. Vanessa sabia que o casaco ainda estava lá. Ainda não o guardara no quarto. Agora, sob a atenção de Brent, só podia mesmo ir pegar aquelas roupas molhadas que a lembravam da angústia da noite anterior. Ela foi. relutante, na direção de Brent. Ele continuava na soleira, esperando. E ela precisava passar por ali. O corpo inteiro de Vanessa entrou em ebulição. Ela corou, seus nervos ficaram tensos, os olhos piscavam sem querer. As sensações da noite anterior renasciam. Aqueles braços fortes… Que faria se Brent agora conseguisse ler pensamentos? Trêmula, avançou mais e passou pelo vão da porta. O casaco estava onde ela o deixara, cuidadosamente dobrado, sobre o encosto da poltrona. Havia secado durante a noite, com o calor do fogo. Também as sandálias e as meias estavam secas, mas sujas. Ela pegou tudo e voltou para a porta. Brent não havia saído do lugar. — Está se sentindo bem? — A voz dele tinha um timbre novo, desconhecido. Vanessa ergueu o olhar, com toda a força de vontade possível, e encarou o homem que amava. — Estou me sentindo muito bem. Por que aquela repentina frieza numa resposta tão simples? Para que fingir? Por que não gritar para o mundo, por que não confessar que o amava? Que misteriosas forças a obrigavam a manter o controle, a frieza, a educação e a submissão? Seria essa a triste herança de uma infância e adolescência solitárias e sem amigos da sua idade? Ou seria algo mais? — Você quase não comeu na hora do café, Vanessa. Será que ele reparava em tudo? Vanessa sentiu medo. Ela o observara durante o café; parecera ausente, perdido em pensamentos distantes. Resolveu inventar a resposta, improvisando e sem pensar: — Não fiz meu passeio habitual de manhã. Quando saio com Dice sempre fico com mais apetite. — Sim, eu sei. George já tinha selado a Dice quando passei por lá, às sete. Dormiu demais? Não, Vanessa não havia dormido demais. Ela nem conseguira adormecer na noite anterior. Passou a noite em claro, divagando, com uma insônia implacável. Às sete horas da manhã, estava sentada na cama, tentando encontrar uma saída para a situação. Não chegou a lima conclusão. — Sim — disse Vanessa. — Dormi demais. Você vai precisar de mim hoje? — Não tenho serviço programado. Talvez uma folga neste fim de semana faça bem a nós dois. Afinal, o serviço já está bem adiantado. Temos muito tempo. Muito tempo? Vanessa estremeceu. Suportaria ela muito tempo trabalhando ao lado de Brent? Suportaria viver mais seis meses ao lado desse homem que amava? Seria possível viver assim, escondendo as emoções, incapaz de revelar os sentimentos? Só agora ela entendia a verdade: apaixonara-se no primeiro encontro, na hora da entrevista no hotel em Londres. Todas as dúvidas e incertezas, todo o antagonismo, haviam sido simplesmente uma defesa inconsciente contra a atração magnética que ele 58


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

exercia. No inconsciente ela alimentara a esperança de evitar o perigo, de não se entregar indefesa ao ímpeto de uma paixão impossível. Pensara só em trabalhar, em fazer o melhor trabalho possível naquelas condições. Assim, desviava a atenção para as atividades louvadas e permitidas, evitando os precipícios da emoção. Fora em vão. Todos os esforços para se defender haviam fracassado. Três semanas. Só três semanas bastaram para chegar nesse impasse. Sua vida virou do avesso e agora, desesperadamente, ela desejava nunca ter visto aquele maldito anúncio no jornal. Assim nunca teria encontrado Brent, estaria livre dessa dor que agora dilacerava seu coração. Era melhor não amar do que amar sem ser correspondida. A semana seguinte foi a mais longa da vida de Vanessa. O tempo parecia ter parado. Normalmente, ela conseguia se distrair com o trabalho, agora nem isso dava certo. Concentrar-se ficava difícil, outros interesses atrapalhavam a atração pela arte antiga. Ela se viu contando as horas, depois contando os minutos, só esperando pelo momento de Brent chegar do escritório. Uma das noites ele jantou fora e Vanessa sofreu e chorou. Ainda assim não queria trabalhar ao lado dele. Tremia só de pensar nisso. Como suportaria a presença física dele, na intimidade do escritório particular, com o coração dilacerado pela dor? Na quinta-feira Brent perguntou, sem demonstrar muito interesse, se aquele grupo de jovens estudantes ainda viria visitar Raylings. Vanessa respondeu que o grupo chegaria às duas e meia, de ônibus. — Nesse caso — disse Brent —, a visita já terá terminado quando eu voltar. — Os olhos brilharam com ironia. — Por falar nisso, Emmie está resmungando há muito tempo. Falei que a idéia foi sua, Vanessa. Espero que esteja preparada para suportar o peso das reclamações de Emmie durante os próximos dias. — Já suportei tanto, que isso não fará diferença, pensou Vanessa, desconsolada diante dos olhos irônicos. A governanta não gostava mesmo muito dela. Desde o primeiro dia tinham tido opiniões diferentes. O ônibus chegou sem atraso e vinha seguido pelo Austin de Gerard, que pagara as horas extras para a oficina aprontar o carro antes do prazo. — Não resisti à tentação — Gerard explicou, rindo. — Essas visitas de jovens estudantes sempre me atraíram. Hoje, para mim e para Raylings, é dia de festa! — Cale a boca, Gerard — Vanessa preveniu. — As meninas podem ouvir os seus comentários! Vanessa deu as boas-vindas à professora Pierson enquanto do ônibus saía um bando de jovens, todas com o uniforme verde da escola. A Srta. Pierson era uma solteirona alta e magra, de uns cinqüenta anos. Andava com uma seriedade eterna marcada no rosto, e parecia nunca ter sorrido a vida inteira. As meninas, ao contrário, irradiavam vitalidade, interesse, malícia e disposição. Olhavam com curiosidade ao redor, para os altos muros de pedra, para Vanessa, mas principalmente para aquele homem bonito e louro que aguardava displicentemente na soleira da enorme porta de carvalho. — É um pão — foi o primeiro comentário de uma menina que Vanessa conseguiu ouvir. A tarefa da Srta. Pierson não era nada invejável. Manter aquele bando na linha não seria fácil. Vanessa pensou em Emmie, nos avisos de Brent, e 59


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

tremeu um pouco ao imaginar aquelas jovens vândalas em contato com os tesouros artísticos da casa. Ao olhar mais atentamente para a professora Pierson, Vanessa reparou na estranha aparência de cansaço em seu rosto. A face estava lívida, a mão segurava a testa como se ela estivesse sentindo violenta dor de cabeça. — A senhora está se sentindo bem? — Vanessa perguntou, preocupada. — Infelizmente sinto muita dor de cabeça. Estou com gripe, mas não pude deixar de acompanhar essa excursão. E um sonho acalentado há tanto tempo… Vocês tiveram a gentileza de aceitar nossa visita, simplesmente não pude deixar de vir… — A senhora devia descansar. — Já tomei um remédio, mas não fez efeito. Não se preocupe comigo, por favor. Eu dou um jeito. Vanessa não podia deixar a Srta. Pierson naquele estado. Por isso resolveu logo a situação. — Venha, Srta. Pierson, vamos até a biblioteca. Lá poderá deitar e descansar. O Sr. Turner e eu cuidaremos das meninas. Ignorando os protestos fracos da professora, Vanessa convenceu-a a descansar na biblioteca. O grupo de jovens já conversava e ria ruidosamente no meio do hall , sob o olhar interessado de Gerard. — Escute, Gerard — disse Vanessa —, vou levar a professora até a biblioteca. Cuide das meninas enquanto isso. Você pode começar aqui mesmo. Mostre os retratos da família, não vai ser difícil mantê-las interessadas alguns minutos. — Ótimo! Gerard vibrou, satisfeito com a oportunidade. — Minha intuição dizia que minha presença seria necessária aqui, e vejo que não me enganei. Ele foi até o grupo de jovens e Vanessa passou a cuidar da Srta. Pierson. Enquanto ambas seguiam para a biblioteca, já ouviram as primeiras palavras amistosas do instrutor improvisado: — Muito bem, senhoritas — dizia Gerard. — Houve uma pequena mudança nos planos. Vou assumir as funções de instrutor. Começarei com um breve resumo das atividades da família Mallory no decorrer dos séculos. Cuidar da Srta. Pierson não foi tão fácil, como Vanessa imaginara no primeiro instante. Ela teve de correr até o armário de remédios e depois voltar para a biblioteca. Os comprimidos aliviaram um pouco a dor de cabeça, mas a professora preferiu continuar descansando. Quando Vanessa voltou para o hall, o grupo de jovens havia desaparecido, mas as risadas que ecoavam na sala de armas mostravam o caminho a seguir. Gerard, pelo jeito, dava conta do recado. Durante a hora seguinte Vanessa entendeu todas as objeções de Brent a esse tipo de visitas. A maioria das meninas simplesmente estava satisfeita com a oportunidade de passear. Estavam cansadas da chateação de ficarem presas na sala de aula, mas não tinham conhecimento nem interesse para apreciar as belezas de Raylings. Estavam muito mais ocupadas com a beleza dos cabelos de Gerard. Vanessa liderava o grupo, mas a maioria das meninas rodeava Gerard, que andava gracejando e exibindo suas qualidades de saber divertir. As jovens não conseguiam parar de rir. Os ancestrais de Brent devem estar se debatendo nos túmulos, Vanessa pensou. — Não seja chata, Vanessa — disse Gerard quando ela tentava chamar 60


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

sua atenção. — Elas estão adorando. — Elas não vieram para ouvir esses gracejos sobre a família Mallory, Gerard. As suas invenções engraçadas não vão ampliar o conhecimento sobre a arte do período dos Tudor. — Não estou inventando nada — contradisse Gerard e voltou-se para suas entusiasmadas fãs. Vanessa percebeu que gastava tempo e fôlego à toa. Depois disso, dedicou-se mais a uma meia dúzia de meninas que estavam realmente interessadas na arte e deixou as demais ao encargo das piadas e do charme de Gerard. Quando voltaram para o térreo, já era hora do chá. Com todas as jovens sentadas, deliciando-se com os sanduíches e o chá preparados por Emmie, Vanessa respirou mais aliviada. Aproveitou o intervalo para ir até a biblioteca e ver como estava passando a Srta. Pierson. A professora já se sentara e tinha a aparência muito melhor. — Lamento muito deixar as meninas ao seu encargo — disse ela, depois de explicar que não sentia mais dor de cabeça. — Essas meninas não são um grupo fácil de se controlar, eu sei. Teve algum problema? — Tudo bem, Srta. Pierson. Parece que as meninas se divertiram bastante. Estão tomando chá agora. Quer se unir ao grupo ou prefere descansar mais um pouco? Posso mandar trazer uma bandeja. — Não é necessário, eu vou até lá. A professora tomou chá com as alunas e o fim de tarde não ofereceu novas dificuldades para Vanessa. A visita, no entender dela, havia sido uma pura perda de tempo. Tinha sido impossível despertar um interesse maior pela cultura. Quando o ônibus partiu com dúzias de mãos dando adeus, Vanessa suspirou mais tranqüila. Agora o jeito era suportar o mau humor de Emmie por mais uma semana. Graças a Deus, o tempo estava firme e com sol, caso contrário Emmie acrescentaria algumas manchas de lama à sua relação de trabalho extraordinário. — Fiz bem em vir para cá — declarou Gerard, satisfeito. — Passei uma tarde divertida em vez de ficar me chateando no escritório. — O que Brent vai dizer? Ele não se importa com a sua ausência? — Nem vai saber onde estive, se você não contar. Foi para Sheffield e só vai voltar às seis. — E se os empregados comentarem? — Por que iriam comentar? Mesmo assim, como sócio no negócio, sintome com o direito de sair de vez em quando. Se ele se sentia com esse direito, por que não avisara Brent? Gerard parecia um menino, fugindo da escola porque não gostava de assistir às aulas. Será que tinha medo de Brent? Não, pensou Vanessa, Gerard não tem medo de Brent… não no sentido físico… mas teme o sarcasmo e a ironia do primo. Isso era fácil de entender. Brent tinha a capacidade de dominar as pessoas sem ao menos fazer força. Por outro lado, ela também entendia a atitude de Brent em não aceitar a filosofia de vida de Gerard. Não era possível reunir trabalho e diversão dessa maneira. Para Gerard, a diversão era muito mais importante do que o trabalho. O próprio Brent jamais sonharia em sair do escritório para uma folga desse tipo. Era uma falta de responsabilidade. 61


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

— Vou soltar o Tober — disse Vanessa para mudar de assunto. — Ele ficou trancado a tarde inteira. — E para onde você mandou minha mãe? — perguntou Gerard. —”Não fiz nada. Sua mãe saiu porque hoje é dia de reunião da sociedade beneficente. Brent só chegou pouco antes do jantar. Quando viu Vanessa, esperou por ela na escada, parado bem na frente do retrato do avô. Ambos tinham feições espantosamente parecidas. — Bem… — Ele sorriu. — Como foi a visita? — Sem problemas. — Mentirosa! — Os olhos continuavam sorrindo. — Você disse para Norah que ficou contente quando a visita terminou. — E verdade. Você tinha razão, Brent, eu estava enganada. E. se você vier me dizer que avisou antes, eu… eu… — Você o quê? — Peço minha demissão — ela prometeu. — Isso não adiantaria, Vanessa. Você pode pedir, mas só sairá de Raylings se eu aceitar sua demissão. Chega de brincadeiras. Vamos jantar?

CAPÍTULO IX Na sexta-feira, Emmie ainda estava aborrecida. A governanta aparecia em todos os lugares onde Vanessa trabalhava, sempre resmungando e criando pequenos casos. Ela fazia isso de propósito! Tinha resolvido perturbar essa secretária novata depois do trabalho extra da visita. — Ela está uma fera! — Bennett riu quando encontrou Vanessa no hall. Ele trazia mais lenha para as lareiras. Vanessa entendeu logo de quem ele estava falando. — Ela vai esquecer — respondeu, tranqüila. — Em todo o caso, enquanto ela tenta me chatear, você vai ficar mais folgado, Bennett. Aproveite enquanto pode. — Estou aproveitando. No escritório, Vanessa ficava a salvo das perturbações de Emmie. Aproveitou para pôr em dia algumas tarefas e arrumou o arquivo. Depois ajeitou-se no sofá, ao lado do fogo da lareira, encantada com a leitura da antologia de versos de Brent. Passou a tarde se distraindo naquele refúgio, de consciência tranqüila, já que Brent na noite anterior fizera questão de mandála descansar mais um pouco. — Não leve o trabalho tão a sério — dissera ele, admirado com o progresso da redação do texto do catálogo. — Assim você vai virar um… — …Um caco? — Vanessa completou a sentença, sem pensar. Era uma das expressões prediletas de Moya. — Isso mesmo. Moya costuma dizer isso. — Brent sorriu. — Você e Moya parecem grandes amigas. Ela me contou que vocês passearam a cavalo há alguns dias. 62


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

— Você se importa, Brent? — Por que iria me importar? Acabei de dizer que você precisa se distrair. Acho bom que Moya venha mais vezes. Assim vocês duas podem sair juntas à tarde. — Ele apagou o cigarro no cinzeiro. — Você parece tão tensa nestes últimos dias, Vanessa. O que é? Trabalho demais? Alguma outra coisa preocupa você? Brent reparava mesmo em tudo. Mas nunca, nunca iria imaginar que toda aquela tensão, todo aquele comportamento diferente tinha uma só origem. Ela nos braços de Brent, ela descobrindo o amor. — Não estou preocupada. — Vanessa tentou sorrir, escondendo suas verdadeiras emoções. — Acho que você, como sempre, está com a razão. Devo ter trabalhado demais. Isso me cansou. É só. — Só mesmo? Não confia em mim, Vanessa? — Não tenho mais nada a dizer. Vamos trabalhar hoje à noite? — Não. Você já fez o suficiente. Vá dormir cedo, Vanessa. Em Londres, antes de partir para Raylings, Vanessa havia comprado dois vestidos caros para ocasiões especiais. Um deles ela comprou imaginando que talvez precisasse se vestir de um jeito mais formal, em um jantar, uma festa, ou qualquer ocasião parecida. O outro tinha a mesma finalidade, mas foi comprado em resposta a uma vontade interior, um desejo enorme de ter aquele vestido lindo exposto na vitrine. Foi esse o vestido que Vanessa escolheu para o jantar programado em Raylings naquela noite. Ela participaria do jantar como membro da família. Às sete e meia examinou sua aparência com atenção diante do enorme espelho da penteadeira. De novo vibrou com a elegância do vestido. Era longo, de seda preta, com um corte simples e de caimento perfeito no corpo jovem. Não tinha decote na frente e as mangas longas e justas alcançavam os pulsos. Mas atrás abria-se em um “V” enorme sobre a pele macia das costas, formando um contraste excitante. Não se enfeitou com jóias, com exceção de uma pulseira de ouro… um presente do avô quando ela completou vinte e dois anos. Preparou-se para descer, ainda um pouco tímida, sem saber se estava vestida de acordo com o gosto da gente do lugar, aparentemente muito tradicional. Todas as dúvidas que ainda restavam foram desfeitas quando Gerard a acolheu com um assobio de admiração, perto da escada, onde ele acendia um cigarro. — Você está maravilhosa, Vanessa! Alguém já lhe disse que você é uma beleza de menina? — Gostei de ser chamada de menina. E você? Também está um luxo! — Obrigado, Vanessa. — A voz de Gerard estava macia e tranqüila. — Vejo que nossa amizade não acabou depois daquilo que você descobriu no baile. E eu agradeço. São raras as pessoas como você. Ele inclinou a cabeça e lhe deu um beijo casto, roçando levemente os lábios de Vanessa, como sinal de amizade. Ela aceitou o gesto mas estremeceu um pouco por dentro, achando que agora participava como cúmplice da relação entre Gerard e Moya. Não gostava da idéia de estar enganando Brent. Os convidados ainda não haviam chegado, o jantar estava marcado para as oito e meia. A Sra. Turner já estava na biblioteca em um vestido lindo de seda verde-escura. — Como você está bem, Vanessa — disse Norah, com sinceridade, quando 63


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

Gerard e Vanessa entraram no quarto. — Esse vestido lhe cai muito bem. — E eu? — perguntou o filho, brincando. — Como é que eu estou? — Irresistível! — A voz irônica de Brent vinha da soleira da porta. Sem ter notado que havia sido seguida, Vanessa virou-se na direção da porta. Brent estava impecavelmente trajado em preto e branco. Vanessa corou diante do homem distante e inatingível. Quando os olhos verdes encontraram os azuis, ela se arrepiou inteirinha. Havia um brilho estranho naquele olhar, algo diferente… O que seria? Com certeza Brent havia visto o beijo de Gerard no alto da escada. Vendo o beijo de longe só podia tirar uma conclusão: sua secretária estava flertando com o primo na hora da chegada dos convidados. Por isso aquela frieza no olhar. Mas, como explicar a diferença entre um beijo sensual e um de simples amizade? Nem adiantava tocar no assunto. Só ela e Gerard conheciam a verdade daquele carinho amigo e passageiro. O som da campainha chamou a atenção de todos para a chegada dos primeiros convidados. O jantar era para treze pessoas, mas um casal que tinha um compromisso não pôde comparecer. Moya, com seu jeito desinibido, brilhava em um vestido todo vermelho. Viera acompanhada pelo pai. Compareceram também o pastor com a esposa, ambos de meia-idade, chamados Wellasy; os Ramsden, um casal da idade de Brent — o marido, um homem forte e louro, de rosto franco, e a esposa, Brenda, bonita mas excessivamente sofisticada. Não é o tipo de mulher que Brent gosta — pensou Vanessa. Provavelmente a amizade entre eles se mantinha de pé por causa da afinidade entre Brent e John Ramsden. Por fim, havia o homem sentado ao lado de Moya, cujo nome não estava incluído na relação original dos convidados. Era quase da mesma idade de Gerard, com um rosto sem beleza especial mas másculo, formando um tipo em geral apreciado pelas mulheres. Tinha cabelos castanhos cheios, pele grossa e bronzeada, olhos escuros, e estava em traje a rigor. Brent o apresentou dizendo que se chamava David Peterson e explicando que ele acabara de chegar de uma viagem aos Estados Unidos. Moya parecia conhecê-lo bem. Conversou muito com ela, sempre admirando o rosto bonito de Moya e prestando toda a atenção às palavras dela. Na opinião de Vanessa, sentada do outro lado da mesa diante dos dois, David sentia uma atração evidente por Moya. Mas ele era um homem que ouvia mais do que falava e a atenção de Moya começou a se desviar mais para o lado de Gerard. David desistiu da tentativa de conquistar Moya nessa competição em que não tinha chances. Todos tomaram o café na biblioteca, onde havia espaço e poltronas suficientes. Eram velhos amigos e tinham muitas novidades para contar. A Sra. Wellasy conversou muito com Brent, aproveitando a oportunidade para angariar fundos para uma sociedade beneficente da qual era diretora. — É uma causa tão nobre — dizia ela. — Fazemos isso pelo bem das crianças, é claro, mas as atividades nos dão tanta satisfação… Seria maravilhoso se você pudesse doar os prêmios desse ano, Brent. Não tenho coragem de pedir para Norah, que já doou os prêmios do ano passado. Vanessa não ouviu a resposta de Brent, mas já sabia que seria afirmativa. Pensando nisso, ela sorriu e, erguendo o olhar, encontrou outro sorriso nos lábios de Bernard Hanson, sentado perto dela. — Você não parece ser uma especialista em antigüidades — disse o pai de 64


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

Moya. — Ainda tenho um caminho longo pela frente antes de me transformar em especialista — respondeu Vanessa. — Esta não é a opinião de Brent. Outro dia ele estava me contando que metade do arquivo se tornou desnecessário. Disse que sua memória e seus conhecimentos são fabulosos. — Minha memória tem limites. Também uso os arquivos no meu trabalho. — Ela mudou de assunto. — Eu soube que o senhor tem um negócio em Sheffield… — Bem, posso dizer que sou sócio de um negócio. — Ele riu. — Sou diretor-presidente de uma indústria de aço em East End. — Nunca vi uma indústria de aço. — Então aproveite a oportunidade. Vou falar com Brent para vocês me visitarem na empresa. Mostrarei tudo a você pessoalmente. Tenho certeza de que gostará da visita. Vanessa ficou um pouco espantada com aquele convite inesperado. Sorriu e agradeceu, para depois tomar um gole do seu café. O olhar correu pela biblioteca até pousar em Brent e Moya que conversavam, animados. A Sra. Wellasy já havia resolvido seu problema beneficente. Moya conversava desinibida e parecia estar contando um caso engraçado… alguns instantes depois Brent riu. Vanessa engoliu em seco. — Parece que os dois estão se divertindo — comentou Bernard Hanson, que havia seguido a direção do olhar de Vanessa. — Eles têm o mesmo senso de humor. Ouvi dizer que Moya está distraindo você com passeios a cavalo… — Gostei dos passeios com ela. — O interesse de Vanessa voltou pata Bernard. — Sua filha é muito bonita, Sr. Hanson. — Sim. Também acho. É um pouco mimada demais, mas a culpa é minha. Nunca consegui lhe negar um pedido. E a luz dos meus olhos, depois que minha esposa morreu. Devo grande parte da educação dela ao Brent. Moya freqüenta esta casa desde pequena e sempre viu Raylings como um segundo lar. — Então o senhor está na região há muito tempo, desde que Moya era pequena… — Bem… Na verdade, minha família mora na região há mais tempo do que isso. Estamos aqui há uns oitenta anos… Não é uma história tão tradicional como a dos Mallory, é claro. Moya não é filha do meu casamento, ela foi adotada quando tinha quatro anos. Infelizmente minha esposa morreu pouco depois. Moya teve babás, mas elas não substituem o amor de uma mãe. — Ah, Srta. Page! — A Sra. Wellasy chegava, precedida pelo aroma do seu perfume. Sentou-se ao lado de Vanessa e o Sr. Hanson se levantou, rindo. — A esposa do nosso pastor está em plena campanha beneficente, Vanessa — disse o Sr. Hanson. — Vou deixar você aos cuidados dela… — Ainda verei o senhor no coro da igreja — retrucou a Sra. Wellasy, sorrindo. — Agora tenho um pequeno assunto a tratar com a Srta. Page. — O que é? — perguntou Vanessa, enquanto o Sr. Hanson se afastava discretamente. — Temos uma associação que reúne as senhoras mais destacadas da região. Imaginei que seria interessante se você, Srta. Page, fizesse uma pequena palestra… — Sobre o quê? 65


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

— O seu trabalho, minha querida! Uma ou duas das nossas associadas têm algumas antigüidades… Gostariam de conhecer sua opinião… ficariam encantadas com alguns conselhos sobre os leilões e o comércio de arte… Oh. não, pensou Vanessa. Não estava com a menor vontade de atender a esse convite. — Não posso dizer que sim agora, Sra. Wellasy. Preciso pedir a autorização de Brent. — Já cuidei disso, querida. Já pedi a autorização pessoalmente. Ele acha que a decisão é sua. Vanessa não conseguiu inventar outra desculpa para não fazer a palestra. — Bem, neste caso, eu concordo. E quando será? — Vamos marcar para a próxima quinta-feira? Norah levará você até lá. Então já tinham combinado tudo antes, pensou Vanessa, resignada. Parecia que a Sra. Wellasy estava acostumada a pedidos deste tipo e não admitia recusas. Tinha boas intenções, evidentemente. A esposa do pastor era muito ativa e gostava de promover as atividades sociais da região. Vanessa olhou ao redor com uma vontade louca de mudar de lugar. Seu olhar fixou-se em David, que dedilhava o piano de cauda para se distrair. — Desculpe-me por uns instantes, Sra. Wellasy. Vou ver se mais alguém deseja café. Vanessa providenciou uma nova xícara de café para David e foi até o piano oferecê-la. — Gostou dos Estados Unidos? — perguntou, estendendo o café. — Oh, obrigado. — Ele ficou surpreso ao ver Vanessa a seu lado. Aceitou o café com um sorriso. — Os Estados Unidos? Gostei bastante. No começo senti uma grande diferença… cidades muito grandes, estradas, o trânsito que não pára nunca. O ritmo de vida é terrível, as pessoas nunca têm tempo. Mas depois fui me acostumando. Quando trabalhamos num lugar, em pouco tempo ficamos parecidos com os outros. — Então você viajou a negócios? — Vanessa começou a se interessar e apoiou os dois braços no piano. — Sim. Viajei para aprender algumas das técnicas americanas de administração de empresas. Trabalho na empresa do pai de Moya. Na verdade, foi o pai dela quem me ajudou a viajar, com os contatos influentes que tem… — Seu sorriso formou vincos atraentes nos cantos dos olhos. — Tive esta oportunidade porque minha família conhece a família de Moya há muito tempo. — Ele olhou um pouco desanimado na direção de Moya. — Mas parece que ela não está ligando muito para mim. Sou um admirador não correspondido… — Gosta de tocar piano? — Divirto-me com o piano de vez em quando. Aprendi quando era menino. — Adoro música. — E você? Sabe tocar0 — Só um pouco… — Vamos tocar juntos: — sugeriu Gerard, chegando com um copo na mão. — Oh, não! Eu não tenho coragem de tocar com todos olhando — retrucou Vanessa. — Vamos deixar o espetáculo para Gerard — disse David, levantando-se. E, com voz fria, acrescentou: — Venha, Vanessa, vamos deixá-lo tocar 66


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

sozinho. Pelo tom de voz, Vanessa entendeu logo que David não gostava muito da companhia de Gerard. Resolveu ficar perto do piano para ouvir. Surpreendentemente, Gerard revelou ser um excelente pianista. Escolheu uma música típica, bastante conhecida, e alguns instantes depois todos prestavam atenção. No final, Gerard foi homenageado com uma salva de palmas. Vanessa observou Norah conversando com o Sr. Hanson. Não viu mais Brent na biblioteca e estranhou sua ausência. Onde teria ido? Brenda Ramsden estava pedindo para Gerard tocar mais um pouco, mas ele meneou a cabeça. — Já toquei bastante, agora quero beber. — Gerard sorriu. David ficou perto de Vanessa o resto da noite que, para ela, parecia não terminar nunca. Assim ele se consolava da falta de atenção de Moya. Antes de sair, acompanhando os Ramsden às onze e meia, ele tentou marcar um encontro com Vanessa na cidade. Mas ela não aceitou, dizendo que o trabalho tomava todo o seu tempo disponível. Não via graça em passar a noite com um homem que só sabia falar do seu amor não correspondido. Os Wellasy se despediram pouco depois, mas os Hanson não pareciam estar com pressa. Brent tornou a encher os copos. Vanessa notou que ele evitava olhar para ela. — Nós seremos os próximos — disse Bernard Hanson. — Não acha, Moya? — Ah? — Os pensamentos de Moya pareciam distantes. — O que foi, pai? — Seremos os próximos… — A fazer o quê? Ir para casa? — Não, Moya. Seremos os próximos a oferecer o jantar. Podemos marcálo para daqui a duas semanas. — Está bem. Vou me lembrar — Norah confirmou. — É claro que você está convidada, querida Vanessa — disse o pai de Moya. — Agora você talvez consiga convencer Gerard a tocar mais um pouco de piano. Eu não sabia que você tocava tão bem, Gerard. — Obrigado — Gerard respondeu com sinceridade. — Terei prazer em tocar mais para vocês. Realmente, Gerard deu um concerto encantador. Todos ouviram em silêncio, respeitando aquele talento e capacidade musical. Os Hanson só foram para casa à meia-noite e meia. Brent os acompanhou até o pátio. Gerard se espreguiçou na poltrona. — Graças a Deus amanhã é sábado. — Ele bocejou. — Ah, quero dizer, hoje é sábado, já passa da meia-noite. Estou pronto para uma boa cama. Boa noite, mamãe, Vanessa… Vanessa também estava cansada. Gerard subiu para o quarto e ela ainda ficou alguns minutos conversando com Norah. Quando as duas estavam saindo da biblioteca, encontraram Brent, voltando — Boa noite, Brent. Boa noite, Norah… Vanessa subiu a escada devagar. Não tinha conversado com Brent a noite inteira. Será que ele não gostava nem um pouquinho dela? Os pensamentos giravam como redemoinho quando Vanessa se recolheu ao santuário do seu quarto.

67


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

CAPÍTULO X Na manhã seguinte Vanessa deu um passeio pelo jardim. Já não havia tantas flores naquela época do ano, quando o inverno se aproximava. Ainda assim, sob o alegre sol matinal, ela se sentiu bem passeando sozinha para pensar melhor nos acontecimentos da noite passada. Tinha se saído bem nas relações pessoais com os diferentes membros do grupo de convidados. Só a frieza de Brent a perturbava. Ao subir a escada para a terraço, encontrou Norah Turner. Também Norah achara por bem tomar um pouco de ar naquela manhã radiosa. Estava sentada num canto ensolarado com um livro na mão. — Olá, Norah, dormiu bem? — Dormi sim, Vanessa. Sabe, o jantar de ontem me cansou. Não estou mais acostumada com essas visitas em Raylings. Tantas pessoas juntas me confundem um pouco. — A Sra. Wellasy me pediu para fazer uma palestra na próxima reunião da associação beneficente. E na quinta-feira da semana que vem. Espero não desapontá-la. — Ora, para você vai ser fácil. Use seu senso de humor e tudo dará certo. Provavelmente algumas senhoras vão trazer antigüidades para você avaliar. Há o caso da Srta. Hewling, por exemplo: ela tem um quadro na sala e pensa que se trata de uma obra autêntica de Constable. Até hoje não levou o quadro para ser avaliado. — Mas, Norah! Eu não sou uma especialista em preços. Será difícil dar uma opinião num caso assim. — Você não precisa de conhecimentos, basta um pouco de bom senso. Nellie Hewling nunca teve um Constable legítimo na sala. Não se preocupe. Tenho certeza de que tudo vai dar certo. — Bem. Vamos juntas, não é? — Vamos sim, Vanessa. Irei com você até lá. Depois de conversarem mais um pouco, Norah foi para seu lugar costumeiro na biblioteca e Vanessa subiu até o escritório. Timidamente, bateu na porta. Brent tomara o café calado naquela manhã. Parecia até que estava com raiva dela. A única explicação possível era Brent ter visto o beijo trocado na escada, com Gerard. Vanessa se sentia um pouco culpada. — Entre! Frágil como porcelana chinesa, Vanessa entrou no escritório. O coração estava contraído, pequeno, inseguro. Brent lia as cartas que ela tinha datilografado no dia anterior e que tinham ficado prontas para a assinatura dele. Ergueu o olhar mas foi impossível decifrar a expressão de seu rosto. — Sim, Vanessa? — Vamos… — ela hesitou — vamos trabalhar hoje de manhã? Ele passou alguns instantes olhando para ela em silêncio, depois encolheu os ombros, como se nada tivesse importância. — Podemos planejar a exposição da galeria dos quadros. Pensei em mudar um pouco a exposição — ela disse. Pelo jeito, Brent não queria falar da noite anterior. Vanessa sentiu um 68


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

alívio imenso e fechou a porta antes de tomar seu lugar na escrivaninha. Depois acrescentou: — Vou pegar papel e a relação dos quadros que estão na galeria. — Eu não sabia que você tinha uma relação dos quadros — comentou Brent. — Fiz uma na semana passada. Você comentou uma vez que pensava em mudar a exposição. Por isso fiz a relação, para facilitar o trabalho. — Você é de uma eficiência incrível. — A voz que elogiava soava amarga. — Você cataloga as pessoas com a mesma eficiência, Vanessa? Por que essa pergunta? Por que Brent continuava com essa estranha amargura na expressão ausente? — Não entendeu? — De novo aquele insuportável sorriso cínico pairou nos lábios dele. — Veja a noite passada, por exemplo. Primeiro você ficou com Gerard, depois passou a noite olhando para David, como se ele fosse o único homem do mundo… Ele acreditou! Diga, você adora ver todos os homens a seus pés? Com que direito ele se metia na vida dela? Não podia mais conversar nas festas? Agora Vanessa tinha certeza de que Brent havia visto o beijo de Gerard na escada. Mas… David? Nada acontecera com David. — Não seja ridículo, Brent. David estava falando sobre a viagem aos Estados Unidos. — A noite inteira? — Ele não tinha com quem conversar. O que queria que eu fizesse? Que deixasse David sozinho? Que ficasse sozinha a noite inteira também? — Acho que seria melhor. Assim evitaria os comentários de Brenda Ramsden. Ela me disse que tenho uma secretária esperta, que pensa no futuro! — Ah! Então é isso! — Os olhos de Vanessa brilharam, agressivos. -Então acha que estou caçando um marido rico? Adiantaria negar? — Se for verdade, você está perdendo seu tempo com David. Ainda vai demorar muito até ele alcançar uma posição estável. A família dele não é tão rica assim. — A voz de Brent não traía a menor emoção. — Para ser franco, não acredito que você tenha algum interesse em David. Acho que o estava usando só para provocar ciúmes em Gerard. Tenho razão? Vanessa recolocara a caneta sobre a escrivaninha e ficou surpresa ao ver que suas mãos não tremiam. Sentia-se ausente, com uma estranha sensação de que tudo aquilo acontecia com outra pessoa, não com ela. — E então? Tenho razão? — A voz longínqua de Brent insistia. — Adiantaria negar?— ela repetiu a mesma pergunta num tom de voz menos agressivo. — Até parece que você sabe todas as respostas antes de eu responder. — Quer dizer que Gerard conquistou mais um coração… Ele não ama você, Vanessa… jamais amará! Você será apenas mais uma na coleção de conquistas que ele fez. Brent estava tão perto da verdade… e ainda assim tão longe! Gerard não pensava em conquistar Vanessa, pensava apenas em Mova. Mas era melhor que Brent continuasse pensando assim; muito melhor do que saber da verdade. — Só tenho um comentário, Brent. Sei que Gerard não me ama. Você mesmo disse uma vez que o amor tanto pode trazer a tristeza como a 69


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

felicidade. Ela saiu do escritório devagar, sem dizer mais nada. Aquele dia demorou a passar. O almoço foi lento e insuportável, com Brent sentado na cabeceira da mesa de cara amarrada. Todos comiam sem apetite. O ar estava tão carregado, como se uma tempestade estivesse a ponto de desabar. Só Norah fingia não notar nada e falava sobre acontecimentos corriqueiros da manhã. Quando o almoço terminou, Vanessa saiu aliviada para respirar um pouco de ar puro. Era um dia de sol mas estava muito frio, como se já estivesse no inverno. Vanessa trocou de roupa e vestiu uma calça de lã e um suéter; depois desceu para dar um passeio com Tober pelos morros que se estendiam além do portão principal da propriedade. Só voltou na hora do chá e, felizmente, Norah lia sozinha na biblioteca. — Brent foi para a cidade — disse Norah, quando serviu o chá. — Parece que vamos ficar sozinhas de novo, hoje à noite. Depois do jantar Norah sugeriu um jogo de cartas. Vanessa jogou sem prestar atenção e nem se surpreendeu ao ver Norah ganhando sempre. Nenhuma das duas chegou a se divertir com o jogo e, às dez horas, resolveram dormir. No domingo de manhã, Brent já tinha tomado café quando Vanessa desceu. Ela nem foi até o escritório para perguntar se ele precisava dos serviços dela. Ele a chamaria, se quisesse. Portanto, passou a manhã inteira na biblioteca, com Norah, escolhendo roupas de inverno que seriam distribuídas pela associação beneficente e conversando sobre livros. Depois do almoço, Vanessa resolveu ir até os estábulos. Ali George cumprimentou-a, surpreso. — Pensei que tivesse se esquecido de Dice — disse ele. — Ela passou dois fins de semana sozinha. — Não tive muito tempo para andar a cavalo, George. — Não está evitando sair com o patrão, está? — Acho que ele prefere andar sozinho — admitiu Vanessa. passando a mão sobre o pescoço macio de Dice. — A propriedade não é tão pequena assim — comentou George quando acabou de selar a égua. — Pronto. Quer ajuda para montar? Vanessa fez que não com a cabeça. Segurou as rédeas com a mão esquerda, colocou um pé no estribo e, no instante seguinte, estava montada na sela. — Muito bem! Pela primeira vez montou com perfeição! — George sorriu. Neste momento Brent chegou, também em roupas de montaria. — Pode deixar, George. Eu mesmo vou selar Fabian. Não estou com pressa. O aceno na direção de Vanessa foi frio e formal, e depois Brent entrou no estábulo. Com Dice trotando tranqüila, Vanessa foi até a lagoa. Amarrou a égua numa árvore e. depois, sentou-se numa pedra grande e ficou olhando para a água. A situação em Raylings não podia continuar daquela maneira. A vida de Vanessa já não era a mesma, havia se transformado em pesadelo. Seria impossível ficar ali mais cinco meses, escondendo aquele amor alucinado por Brent. Ela não admitia a falta de franqueza, as insinuações absurdas sobre um namoro com Gerard. que nem existia. Sentia-se num beco sem saída. 70


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

Impossível dizer a verdade, impossível mentir. O que fazer? Vanessa ficou muito tempo na beira do lago, refletindo, tentando encontrar a melhor solução. Só havia um jeito. Ir embora! Só assim ela se libertaria do amor impossível. Nessa situação tão desagradável e tensa, Brent não insistiria no contrato de seis meses. Seria uma tortura mantê-la presa naquele ambiente por mais tempo. Ela nem conseguiria trabalhar direito. Preferia suportar a raiva e o desprezo de Brent do que viver a angústia de vê-lo todos os dias. Resolveu ir embora na semana seguinte. Avisaria Brent nos próximos dias. Depois de tomar essa decisão importante, Vanessa voltou devagar para Raylings. Dice andava devagar e dócil, sem imaginar as dores do coração dilacerado da jovem que a montava. Brent voltou para Raylings às seis e meia e subiu logo para o quarto. Meia hora depois, através da porta entreaberta da biblioteca, onde Vanessa estava sentada com um livro na mão, ela o viu descendo de novo, agora usando um terno elegante, pronto para passar a noite fora. Ele parou na escada para acender um cigarro. A luz do isqueiro iluminou a face severa e sombria. Brent tragou a fumaça e girou a cabeça devagar na direção da biblioteca. O olhos verdes fixaram Vanessa. Durante momentos intermináveis ambos continuaram imóveis, olhando de longe um para o outro, sem falar. Então Brent atravessou o salão até a porta da biblioteca. — Viu minha tia? — Ele parou na soleira. — Tomei o chá com ela, depois não a vi mais. — Vanessa estranhou a própria voz, tão tranqüila. — Ela não está no quarto? — Se estivesse eu não estaria perguntando. — A resposta atingiu Vanessa como ducha fria. — Mas não importa, avise que fui jantar com os Maxted, se ela perguntar. — Os olhos não cruzaram com os dela. — Boa noite, Vanessa. Ele foi embora sem esperar resposta. Às oito horas, o gongo chamou para o jantar. Norah não apareceu. Vanessa procurou por ela na biblioteca e no terraço. Estranho. Para Norah Turner a pontualidade não só era uma questão de boa educação como também de orgulho. Ela nunca se atrasava. A ausência de Gerard era fácil de explicar. Provavelmente estava na cidade ou na casa de um amigo. Mas Norah raramente saía de Raylings e sempre avisava antes. Baxter perguntou se Vanessa queria começar a jantar sozinha, mas ela negou com um gesto. — Vou esperar a Sra. Turner. Ela não deve demorar. Dez minutos depois Baxter estava tão preocupado quanto Vanessa. — Posso subir para ver se ela está bem — sugeriu ele. — A Sra. Turner não costuma se atrasar. — Eu mesma vou subir, Baxter. Talvez ela esteja doente. Mas Norah não estava doente. Nem estava no quarto. Vanessa fechou a porta com sua intuição avisando que havia acontecido algo muito grave. Norah podia ter saído, é claro, podia ter resolvido jantar com alguma amiga. Mas, neste caso, ela telefonaria avisando. Além disso, na hora do chá ela não falara em sair de casa. Pelo contrário, Vanessa lembrou-se agora, Norah havia dito que estava um pouco cansada, queria descansar. Mas a cama continuava intacta. Vanessa jantou sozinha, sem apetite e preocupada. As rugas na testa 71


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

normalmente impassível de Baxter também indicavam preocupação. — Não consigo entender — ele disse por fim, ao tirar a sobremesa que Vanessa nem quis comer. — A Sra. Norah nunca deixou de jantar sem avisar antes. Ainda me lembro de uma vez em que ela ficou presa com o carro no meio de uma tempestade de neve. O carro não andava, mas ela foi a pé até o telefone mais próximo e avisou. Alguma coisa aconteceu. Tenho certeza! Vanessa concordou com Baxter. — Vou telefonar avisando o Sr. Mallory — ela disse, levantando-se decidida. Foi fácil encontrar o número do telefone da casa dos Maxted, mas Vanessa precisou discar várias vezes para conseguir completar a ligação. De tão nervosa parecia até que nem sabia usar o telefone direito. Só pensava em avisar Brent o quanto antes. Finalmente ela ouviu o telefone chamando do outro lado da linha, depois a voz formal de uma mulher atendeu. — Quero falar com o Sr. Mallory, por favor. — O Sr. Mallory ainda está jantando. Pode me dar o recado? Vanessa hesitou durante um momento. — Não. Quero falar com o Sr. Mallory pessoalmente. — E quem deseja falar com ele? — Vanessa — ela falou sem pensar e acrescentou com rapidez —, a secretária dele. Depois de uma espera longa e angustiante ela ouviu a voz de Brent: — Vanessa? O que foi? O que aconteceu? — E que… — De repente ela teve a sensação de que o caso não era tão importante assim. — O que aconteceu? — A voz de Brent insistia, pressentindo algum problema. O que dizer? Simplesmente que sua tia, uma senhora adulta e inteligente, ainda não voltara para casa às… ela consultou o relógio… às quinze para as nove? — Vanessa? Você está bem? — Sim — ela respondeu depressa, para depois explicar em poucas palavras a ausência de Norah. Seguiu-se um silêncio longo do outro lado da linha. Será que Brent estava aborrecido? Será que ela tinha o direito de perturbar o jantar dele só por causa dessas preocupações? Vanessa aguardava uma resposta, na dúvida. Você disse que ela não avisou que jantaria fora quando vocês tomaram chá. A voz não soava zangada, ele também estava preocupado. — Você viu se o carro dele está na garagem? — Não — admitiu Vanessa sentindo-se uma idiota. - Nem pensei nisso. Devia ter verificado, seria o mais lógico. — E os empregados? Nenhum deles sabe onde ela foi. De novo achou que telefonara antes de tomar as providências e conversar com todos os empregados. Baxter não sabia de Norah. Era evidente que Emmie teria avisado se soubesse de alguma coisa, hesitou. — Brent, desculpe incomodá-lo desnecessário. Eu devia ter verificado tudo isso antes. — Mas você pensou logo em falar comigo. — A voz soou gentil. —Você fez bem, Vanessa. Norah nunca sai sem avisar. Estarei em casa daqui a pouco. 72


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

Foi encontrar Brent no pátio quando o carro chegou. Avisou que o carro de Norah ainda estava na garagem e que nenhum dos empregados sabia informar sobre o paradeiro dela. Norah tinha sido vista pela ultima vez na hora do chá e desaparecido misteriosamente. Com aquelas informações, Brent segurou Vanessa e levou-a para a biblioteca e insistiu até vê-la sentada. Vamos ver agora - ele começou com calma. - Você disse que foi a última a ver Norah na hora do chá. Tente se lembrar. Ela disse qualquer coisa sobre sair. — Ela disse que estava cansada e que queria descansar antes do jantar. Só isso. Tenho quase certeza… — Casa de verão… — Vanessa começou a se lembrar de um detalhe da conversa com Norah. Norah comentara alguma coisa sobre o outro lado do lago… Mas o quê? Vanessa tentou se lembrar das palavras exatas. Ah, sim! Agora sabia: Norah dissera que naquela época do ano a vista da casa de verão era linda para o lado do lago. No verão a folhagem das árvores impede a vista… Vanessa levantou-se com ímpeto. — É isso, Brent. Ela está lá! Brent não duvidou da certeza de Vanessa. — É uma caminhada longa. Vamos de carro pela estrada que rodeia a propriedade. A estrada passa na floresta atrás da casa de verão. Vanessa ficou contente de poder acompanhá-lo na busca. A intuição de que algo estava errado já se transformara em certeza. Seria horrível ficar esperando sem agir. Um minuto depois já estavam no carro, a toda a velocidade. Brent virou à esquerda no portão principal e depois à esquerda de novo, para entrar na estradinha que rodeava a propriedade. Estava escuro na estrada, o carro parecia passar por um túnel entre árvores enormes. — Estamos chegando a um pequeno desvio — disse Brent, que conhecia a região como a palma da mão. Ele entrou à esquerda de novo. — Segure firme, Vanessa. Faz anos que não passa carro por aqui. Os buracos na estrada e o sacolejo do carro não incomodaram Vanessa. Pensava apenas em chegar logo na casa de verão. Seis minutos depois de ter saído do pátio Brent brecou o carro junto ao lago. A pé eles teriam demorado mais de vinte minutos para chegar àquele lugar. — Fique aqui — disse Brent ao sair do carro. — Está frio e escuro e você veio sem agasalho. — Vou com você, Brent. — Pela primeira vez Vanessa desobedecia a uma ordem. — O vestido é suficientemente quente para me proteger. Sem esperar resposta, ela saiu depressa do carro e começou a andar entre as árvores. As nuvens cobriam o brilho da lua no céu, uma escuridão tenebrosa imperava naquele lugar. Vanessa tropeçou numa raiz, perdeu o equilíbrio e caiu. Sentiu-se erguida com o braço de Brent ao redor de sua cintura. Um tremor percorreu seu corpo inteiro. Desejou ficar uma eternidade assim, apoiada naquele braço. — Bobinha — Brent a censurou. — Eu trouxe uma lanterna. Ele acendeu a lanterna para iluminar o caminho e, no mesmo instante, ouviram um grito de socorro. — É Norah! Venha, Vanessa, estamos perto agora! O local ficava numa clareira, perto de um morro coberto pela escuridão. Encontraram Norah caída na escada. 73


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

— Ah… que bom… eu estava quase congelada. Eles lhe deram água, que ela tomou sofregamente. — Agora chega mesmo. — Quero levar você de volta. Agora fique quieta enquanto examino seu tornozelo. — Ficamos todos muito assustados! E a senhora se machucou. — Não se preocupe mais, Emmie — retrucou Norah com calma. — Prepare uma boa xícara de chá. Não agüento mais este gosto de uísque na boca. — Brent já a carregava subindo a escada, quando Norah voltou o rosto na direção de Vanessa. — Suba conosco, querida. Quando a tia já descansava na cama quente e macia, Brent pegou o telefone para chamar um médico. — Ele chegará daqui a vinte minutos — avisou Brent ao recolocar o fone no gancho. Aproximou-se da cama e sorriu com tanta franqueza para Vanessa, que ela retribuiu o sorriso corada e com o coração disparando. Brent voltou a atenção para a tia. — Está se sentindo melhor, agora? — Sinto-me salva e inteira de novo. Só gostaria de tomar esta xícara de chá. Oh, estou com fome, com tanta fome que seria capaz de comer um boi! — Sem dúvida Emmie já está tratando disso. — Ele sorriu, depois comentou: — Vanessa disse que você estava se sentindo cansada hoje à tarde… Por que andou tanto? — Falei que estava cansada? Devo ter pensado em voz alta. — Norah se encostou nos travesseiros e olhou para os olhos verdes, tão parecidos com os dela. — Não senti cansaço físico, Brent. Mas eu queria ficar sozinha por algum tempo, num lugar isolado… para poder pensar com mais tranqüilidade. Entende? — Entendo, sim. — Os olhos de Brent irradiavam calor e afeição. Ouviram alguém batendo na porta e em seguida Emmie entrou com uma bandeja cheia. Colocou uma mesinha ao lado da cama e serviu o chá e a refeição. Norah comeu com gosto, observada por Brent e Vanessa. Pouco depois chegou o médico. Após examinar o tornozelo de Norah cuidadosamente, o médico confirmou o diagnóstico de Brent: era uma torção forte. — Não vai poder andar por alguns dias — avisou o médico. — Entenda bem! Não pode andar por aí de bengala. — Ele meneou a cabeça grisalha, observando sua paciente, que já conhecia de longa data. — Sei que não adianta dar conselhos a você, Norah. Brent, não deixe sua tia forçar esse tornozelo, está bem? — Pode deixar que tomarei conta dela, doutor. Agora vamos descer para tomar um drinque juntos. — Se precisar de mim é só telefonar, Norah — avisou o médico antes de sair. Vanessa só desceu um pouco mais tarde. Norah havia terminado de jantar e Emmie se preparava para ajudá-la a trocar de roupa. Quando Vanessa chegou ao salão, Brent acabava de fechar a porta principal, barrando a entrada das frias lufadas de ar. — Pensei que você já tivesse ido para a cama também, Vanessa. Tivemos uma noite movimentada hoje. 74


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

— Desci para pegar minha bolsa. Está na biblioteca. — Fique um pouco comigo na biblioteca, gostaria de conversar com você. Tober ocupava seu lugar predileto perto da lareira. Vanessa descansou o corpo no sofá e afagou as orelhas do cachorro. Ele levantou a cabeça, agradecendo, e ela o afagou ainda mais. — Sabe, esquecemos de outra solução para o problema da sua tia — Vanessa disse. — Tober podia ter seguido a pista com o faro. Brent trouxe os drinques que havia preparado e estendeu um copo para Vanessa. Ela aceitou, sorrindo. Sentia-se cansadíssima. — Acho que Tober não seria capaz de encontrá-la. Ele é um cão de guarda e não tem o faro tão desenvolvido. Se fosse para seguir uma pista, bem… acho que você ou eu saberíamos segui-la melhor. Brent sentou-se na poltrona em frente ao sofá. Tober ficou deitado entre os dois. Um fogo gostoso queimava na lareira, aquecendo a biblioteca inteira. Aquele parecia ser o lugar mais quente da mansão e todos se sentiam bem ali nas noites frias. — Talvez você tenha estranhado eu me lembrar da casa de verão — Brent disse. — Faz muito tempo que Norah não vai até aquele lugar. — Pensei que ela só quisesse ver a vista. — Não. Aquela casa de verão tem um significado maior para Norah. — A luz das chamas dançava no ar, criando sombras fantasmagóricas que não deixavam Vanessa ler a estranha expressão da face de Brent. — Foi na casa de verão que ela se encontrou pela primeira vez com Graham Turner. Foi lá que continuaram se encontrando depois da proibição do meu avô, que queria impedir aquele namoro. Ela amava a casa de verão desde criança. Faz seis anos que Norah voltou para Raylings. E, depois de voltar, nunca mais pôs os pés na casa de verão. Parece que, enfim, ela superou a amargura. — Acha que ela deu o passeio para se reconciliar com o passado? Para Brent parecia evidente que Vanessa conhecia toda a história do casamento infeliz de Norah. Um longo silêncio pairou na biblioteca, quebrado apenas pelo crepitar da madeira nas chamas. — É duro conviver com a amargura — disse a voz mansa de Brent. — Graças a Deus, ela superou essa fase. — O tempo cura todas as feridas — Vanessa disse, pensando no próprio coração dilacerado, quase sem acreditar no que dizia. — Algumas feridas demoram mais, outras menos. Os olhos verdes fitaram os azuis como se fossem capazes de ler todos os pensamentos. Esse rosto, pensou Vanessa, eu não vou esquecer nunca mais enquanto viver. Mas Brent não leu esse pensamento, intuiu apenas que estavam bem juntos e preparou-se para revelar seus próprios desejos. — Vanessa… A voz de Brent parou quando, nesse instante, ouviram a porta da entrada batendo. Passos ecoaram no salão principal, alguém assobiava uma melodia e subia a escada. — É Gerard chegando — murmurou Vanessa. — Sim. — Brent terminou de tomar o drinque de um gole só. — Obrigado por tudo o que você fez hoje à noite, Vanessa. Fez muito bem em telefonar logo para mim. Assim você evitou um sofrimento maior para Norah. Mas não quero detê-la por mais tempo. Já são onze horas. Antes de sair, Vanessa parou no vão da porta e olhou para Brent, ainda 75


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

sentado com Tober a seus pés. Parecia tenso. — Boa noite — ela disse, vendo a tensão desaparecer por um instante. — Boa noite. A chegada de Gerard mudara toda a atitude de Brent. A conversa na biblioteca havia terminado de um jeito súbito e imprevisto. Por que tanta oposição entre os primos? Ela não conseguia entender. Não viu Gerard quando caminhou pelo longo corredor até o quarto. Provavelmente ele fora para a cama depois de um fim de semana movimentado. Ela também só pensava em descansar. Vanessa abriu a porta do quarto e levou um susto. Gerard estava esperando por ela, sentado tranqüilamente na poltrona. — Por que está no meu quarto? — Ora, Vanessa! Só queria ver você antes de me deitar. Não pensei que fosse me receber desse jeito. Será que você agora já pensa como Brent? Não sou seu amigo? — Sabe que horas são? Não fica bem você me visitar a uma hora dessas… Espero que ninguém tenha visto você entrar. — Desculpe, querida. Agi sem pensar. Só vim conversar com você. Depois do fim de semana, fiquei com saudades. — Não podia esperar até amanhã? — Você vive ocupada de manhã. Ou então está passeando antes do café. E, nessa hora, estou dormindo. Ou você sobe para trabalhar enquanto eu vou me aborrecer no escritório… Quer que eu saia agora? Vanessa preferia que ele não tivesse entrado, mas não teve coragem suficiente para dizer isso. Sorriu com relutância. Ele acendeu um cigarro. — Sabe, Gerard. Hoje aconteceu um imprevisto aqui em Raylings. Sua mãe sofreu um pequeno acidente. — O quê? É grave? Onde ela está? Vanessa viu o medo brilhando no fundo dos olhos de Gerard. Isso queria dizer que ele se importava com a mãe. Gostava realmente de Norah! Vanessa contou o incidente inteiro. — Não se preocupe, Gerard. O médico disse que ela vai sarar logo — ela concluiu. — Ela vai parar de viver no passado. — Gerard apagou o cigarro. — Isso vai fazer bem a ela. Gastou muito tempo da vida pensando: “Ah, como seria bom se tivesse sido diferente”. Não é possível mudar o passado, você sabe. O que passou, passou. Nossos erros, enganos, o caráter das pessoas que conviveram conosco, as horas felizes e infelizes do passado, nada muda. — Sim, só nossa imaginação consegue transformar o que passou. É bom pensar nos momentos felizes… — Minha mãe não teve muitos momentos felizes no casamento. Sempre foi uma luta, uma angústia, um desespero… Eu me lembro bem. Acho que por isso cresci desse jeito… Não consigo levar nada tão a sério. Talvez tenha medo de sofrer como minha mãe sofreu… — Gerard falava com franqueza surpreendente. Vanessa se comoveu. Sentia-se uma amiga ouvindo confissões íntimas. — Olhe, Gerard, eu acho que sua mãe já está dormindo. Ela sentiu muito frio e muita dor. Ficou esgotada com a espera angustiante na casa de verão. — Então só vou visitá-la amanhã de manhã. Terei um bom motivo para acordar bem cedo. 76


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

— Ela ficará contente, tenho certeza. Gerard não se levantou para sair. — Vanessa, quero dizer mais uma coisa… — Ele não terminou a sentença. Repentinamente a expressão do rosto voltado para a porta mudou. Vanessa acompanhou aquele olhar e virou-se para, espantada, ver Brent parado na soleira com a bolsa dela na mão. Brent fuzilava Gerard com o olhar. Gerard levantou-se com ímpeto. — Bem, eu já estava mesmo de saída. Vou andando… — Vocês têm o hábito de se encontrar a essa hora da noite? A pergunta de Brent foi cruel como uma bofetada. Vanessa corou, indignada. Novamente a eterna desconfiança! Ela não merecia essas acusações. No primeiro instante pensou em explicar a situação, em se justificar, apagar aquelas insinuações grosseiras da mente de Brent. Mas explicar o quê? Como?

CAPÍTULO XI O mundo de Vanessa estava desmoronando. Todas as mais tímidas esperanças acalentadas no seu íntimo, todos os desejos ardentes que ainda jaziam ocultos, todas as aspirações longamente ensinadas pela sociedade por uma vida mais rica, confortável e segura, tudo isso ruía diante da raiva momentânea estampada no rosto de Brent. Já decidira pedir demissão, sair de vez daquela situação impossível. Tinha certeza de que Brent estava perdidamente apaixonado por Moya. Um amor de longos anos, uma amizade de infância com aquela jovem simpática e rica que vivia em roupas de montaria, gostava das mesmas coisas, era bonita, inteligente e tinha um bom pai, integrado na região. Brent, por sua vez, tinha certeza de que Vanessa estava namorando Gerard, flertando levianamente com o primo irresponsável, deixando-se seduzir como ingênua, tola, numa brincadeira inconseqüente, sem se importar com os ideais maiores da constância, persistência, seriedade e fidelidade. Ela viera para trabalhar. Só o trabalho e o interesse fulgurante pela arte importava. Nunca as emoções haviam transtornado seu coração jovem e inexperiente. De repente, viu-se lançada no redemoinho da paixão e envolvida no conflito de uma família, entre dois homens apaixonados pela mesma mulher. E essa mulher não era ela. Vanessa apenas presenciava como cúmplice aquele espetáculo doloroso dos homens lutando pelo coração de Moya. A jovem e rica Moya, amiga e rival. Ninguém se importava com as emoções da própria Vanessa. Ela apenas estava ali, para trabalhar, para fazer um catálogo bem-feito e depois partir. Essas idéias formavam aos poucos a consciência que ela tinha da situação. Gerard não teve a intenção de perturbar a vida de Vanessa dessa maneira. Nunca imaginou, ao entrar, que seria surpreendido por Brent, a essa hora de uma noite de domingo. Nunca imaginou que Brent entraria no quarto de Vanessa. O pivô do incidente, curiosamente, foi a bolsa de Vanessa. A bolsinha 77


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

preta que ela, sem querer, sem pensar, havia esquecido na biblioteca, no lugar mais aconchegante, quente, protegido, agradável, escolhido até pelo instinto animal do belíssimo Tober, um cachorro muito bem tratado e alimentado. Pois é, a bolsinha preta, o lugar onde ela guardava dinheiro e documentos, agora jazia sobre a mesa, perto da porta, dentro do quarto. Estranho. Sem saber por que, Vanessa se sentia acusada pela bolsa sobre a mesa. Acusada de traição. Não, ela piscou, devia haver um engano, a acusação partia da face de Brent. — Estou chegando do quarto de sua mãe, Gerard. Ela ainda está acordada e quer falar com você — Brent disse. — Brent… — Gerard começou, sem saber como explicar a situação constrangedora. Ele coçou a raiz dos cabelos no alto da cabeça com a ponta dos dedos. — Vá, Gerard, já é tarde. Vá ver sua mãe — Vanessa o interrompeu, já sabendo da inutilidade das palavras. Gerard se desculpou, lançando um olhar constrangido na direção de Vanessa. Obedeceu à sugestão dela, passou pelo primo e desapareceu no corredor um instante depois. Brent não se moveu, estava tenso, nervoso, elétrico. — Perguntei se esses encontros são um hábito — ele insistiu. — Acha que foi um encontro marcado? — Vanessa falou com calma, ainda alimentando a leve esperança de uma explicação. Ele não tinha o direito de desconfiar dela daquela maneira. Da integridade, da boa fé e da boa vontade dela! — Não sei. Nem sei o que pensar. Por isso estou perguntando — Brent confessou com franqueza surpreendente. — O encontro aconteceu por acaso, Brent. Parece que Gerard tem algum problema íntimo que não consegue resolver. — O problema íntimo dele é você! — Eu? Ora, por que logo eu? Você está completamente enganado. — Talvez. Mas não costumo me enganar. E vou lhe dar um aviso, Vanessa. Não admito esse tipo de entrevistas noturnas na minha casa. Você pode achar que defendo ideais fora de moda, que sou antiquado, mas é assim. Orgulho-me dos meus ideais e cheguei a pensar que você, Vanessa, partilhasse dos mesmos valores. — Está certo, Brent. Não vou discutir. Também não gosto, acredite ou não, de receber visitas a essa hora da noite. Eu estava cansada e queria dormir. — Sempre me orgulhei, também, de saber julgar o caráter das pessoas. Mas, com você, vejo que me enganei! — A voz de Brent acusava impiedosamente. Não entendeu ou não quis entender a explicação de Vanessa. Ela olhava fixamente para os olhos verdes como esmeraldas. Nesse momento ela o odiou. Odiou-o com todas as forças de seu jovem coração contraditório. Só por causa de Brent, só por causa dele, ela sofria! Amava-o sem a menor esperança de retribuição, sem um beijo, sem carinho, sem compreensão. Misteriosos sentimentos. Ela odiava e amava ao mesmo tempo. Seria possível? Vanessa entendeu naquele instante que o amor e o ódio podem coexistir juntos, no mesmo instante, na mesma pessoa, nos ápices da emoção. — Foi um incidente sem importância, Brent. Isso nunca aconteceu antes e 78


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

não vai acontecer de novo. — Então está bem. Brent girou o corpo e saiu, deixando atrás a acusadora bolsinha preta sobre a mesa. Vanessa adormeceu chorando. Na manhã seguinte, Norah recusou-se terminantemente a ficar no quarto. Ameaçou descer sozinha se ninguém a ajudasse. Brent a carregou para a biblioteca depois do café da manhã e deixou-a confortavelmente deitada no sofá, ao lado do fogo. Depois ele saiu com Gerard para o escritório. Vanessa foi vê-la e tomar um cafezinho que a própria Emmie serviu… uma Emmie bem-disposta e muito gentil, que parecia ter esquecido todo o antagonismo anterior, e agora só via uma heroína em Vanessa. Uma louvável e rara heroína… — Você parece cansada, Vanessa — Norah disse sem rodeios, quando a governanta saiu da biblioteca. — Ouvi dizer que brigou com Brent ontem à noite. — Não chegou a ser uma briga. — Vanessa já se acostumara com o jeito franco de Norah. — Não é possível brigar com seu sobrinho, Norah. Só dá para ouvir e aceitar. — Ela sorriu com alegria fingida. — Não foi nada grave. Logo passa. — Gerard me contou o que aconteceu. — Ela examinou Vanessa com atenção e as sombras sob os olhos azuis não passaram despercebidas. — Não julgue Brent com dureza desnecessária, Vanessa. Sei que ele é cruel quando fica zangado. Mas nem ele acredita na metade do que diz. — Quem não acredita? — Moya entrava na biblioteca e ouviu as últimas palavras de Norah. Mas foi uma pergunta à toa, que nem exigia resposta. Moya sentou-se na beiradinha do sofá. Estava linda, como sempre. — E como está passando nossa querida inválida? Brent me telefonou hoje de manhã contando tudo. — Ela viu a bandeja e o bule. — Ainda tem café? Estou doida por um cafezinho. — A inválida está passando bem, obrigada — Norah disse, rindo. — E tenho certeza de que Emmie previu a sua chegada, Moya. Tem mais uma xícara para você na bandeja. — Pelo jeito, você está passando bem demais. — Ela aterrissou aqui na biblioteca, hoje de manhã, carregada nos braços de Brent — comentou Vanessa. — É mesmo? Brent sempre foi um amor… Vanessa fez menção de servir o café, mas Moya resolveu se servir pessoalmente. Ela levantou-se, encheu a xícara, segurando o bule de prata com cuidado, e voltou para a beirada do sofá. — Ah, está delicioso! — Tomou mais um gole. — Emmie sempre fez um bom café. Ah, por falar em Emmie! Eu a vi quando cheguei. Aproveitei para me convidar para almoçar com vocês. Está bem? Oh, tem mais uma novidade. Meu pai vem visitar você hoje à tarde, Norah. — Que bom! Temos muito o que conversar. Vanessa colocou o copo sobre a mesa e se levantou. Não tinha tempo para passar a manhã inteira conversando como elas. — Preciso subir. O correio já chegou e vou aproveitar para cuidar da correspondência. Já no escritório, selecionou as cartas recém-chegadas. Uma delas tinha a anotação “aos cuidados pessoais do Sr. Brent Mallory” no envelope. Vanessa 79


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

separou-a das demais e deixou-a em cima da escrivaninha de Brent, num lugar onde ele não deixaria de notá-la. Depois, continuou o trabalho, esquecendo-se de tudo o mais ao redor. O almoço foi uma refeição alegre. Como Brent não vinha almoçar em casa, Norah preferiu tomar a refeição na biblioteca. Gerard ficou radiante por almoçar acompanhado por duas lindas senhoritas: Vanessa e Moya. Só de ver Gerard e Moya conversando e rindo despreocupados, Vanessa achou que ambos haviam nascido um para o outro. Viviam no mesmo astral, tinham as mesmas idéias, a mesma ânsia de viver. Por mais que tentasse pensar sem preconceitos, Vanessa não conseguia imaginar Moya casada com Brent. Ela gostava de música pop e de dançar. Acompanhava a moda e vivia em discotecas. Brent preferia música clássica, especialmente Bach; gostava de ler poemas clássicos em casa, e ia ao teatro e ao bale de vez em quando. Como seria possível uma convivência de duas pessoas tão diferentes? Às duas horas, Gerard voltou para o escritório. Moya o acompanhou até a porta e depois subiu para bater um papo com Vanessa. Lá ela folheou a primeira cópia do esboço do catálogo, mas não demonstrou muito interesse. Deixou o esboço sobre a mesa, levantou-se e atravessou o escritório, um pouco inquieta, parando na janela. — Você sabe tudo sobre Gerard e eu, não sabe, Vanessa? Ela se virou e encarou Vanessa com um quê de desafio no olhar. Parecia querer colocar tudo em pratos limpos, tirar um peso do coração. — A relação de vocês não é da minha conta. — Acha que agimos mal? — Olhe, Moya. Quem sou eu para julgar? Mas, já que pergunta, vou ser franca: estou espantada com os encontros de vocês. — Por quê? — Não seria melhor contar a Brent antes que ele descubra através de outra pessoa? — Você vai contar, Vanessa? — Não. Mas… e se ele descobrir? A dúvida pairava no ar, as perguntas se sucediam. Vanessa já se sentia envolvida demais naquela situação. Moya encolheu os ombros e franziu a testa. — Se ele descobrir, paciência. O que é que eu posso fazer? Acho que ficará com raiva, no começo. Depois acabará aceitando a situação. — E você tem coragem de magoá-lo só por causa de um namoro passageiro? — Vanessa viu a expressão do rosto lindo de Moya mudando. — Não é um namoro passageiro, Vanessa. Acontece que me apaixonei pelo único homem que Brent não aceita ou não quer aceitar. Porque Gerard é parecido com o pai, às vezes age como o pai… Só por isso, todos acham que ele é exatamente igual ao pai. Mas isso não é verdade. Só entendi isso depois de conhecê-lo melhor. Eu sei, ele é conquistador, mas pelo menos não esconde isso. Outros homens escondem… Sei lidar com Gerard e não tenho medo de outras mulheres. Estou amando, Vanessa! Meu Deus!, pensou Vanessa. E Brent? Os pensamentos começaram a girar: Vanessa amava Brent, que amava Moya, que amava Gerard! E Brent pensava que Gerard amava Vanessa… E Brent não sabia que Moya amava Gerard. E se descobrisse a verdade? 80


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

A confissão de Moya mostrou que ela não estava simplesmente usando Gerard, como Vanessa pensava antes. Mas por que Gerard não sabia que Moya o amava? — Você disse que sabe lidar com Gerard… Como é que você faz? — É fácil. Ele não tem certeza dos meus sentimentos. Nunca terá certeza, nem depois de casar comigo. — Quer dizer que você quer casar com Gerard? — É claro! Pode demorar um pouco, mas vou convencê-lo. Depois do casamento, todos serão obrigados a nos aceitar. Talvez este não seja o casamento sonhado por meu pai. Mas qualquer festa formal com muito luxo e cerimônias faria Gerard fugir assustado. — Ela sorriu diante da expressão de Vanessa. — Oh, sei o que você está pensando. Um homem como Gerard nunca seria um bom marido para uma pessoa como você. Você, Vanessa, combina mais com Brent nas idéias sobre o casamento. Vocês querem, e precisam, conhecer e confiar inteiramente no parceiro. Vanessa não negou aquela afirmação. Olhava para Moya como se a estivesse vendo pela primeira vez na vida. Moya parecia muito jovem, tinha pouca idade. Mas pensava como gente experiente e muito mais velha. — Será quase impossível manter este segredo por mais um ano, Moya — Vanessa falou com hesitação. — Se você realmente quer casar com Gerard, não seria melhor conversar com Brent agora? Assim ele não se magoaria tanto depois… — Você só diz que vou magoar Brent. Mas não vou contar nada agora. Ele e meu pai podem criar uma série de problemas para mim e Gerard nesse ano que vem. Não quero ver Gerard lutando contra os dois. É uma luta muito desigual. Gerard pode acabar desistindo, pode achar que não vale a pena. Imagino que os dois ficarão magoados, talvez meu pai mais do que o próprio Brent. Por isso, a solução que imaginei é a única possível: vamos casar escondidos no civil. Quando eu for esposa de Gerard os dois vão ter que me aceitar. E, se gostam de mim, vão apoiar o casamento, vão nos apoiar. — Vocês vão casar escondidos? Só na frente do juiz? Sem ninguém saber? — Sei que pensar na felicidade própria, antes, é uma espécie de egoísmo. Mas nunca apreciei sacrifícios, jamais gostei de sofrer. Quero Gerard e sei que vou conseguir ficar com ele. Sei que sou capaz de fazê-lo feliz, isso é a única coisa importante. Vanessa ainda ouvia, desnorteada. Tentava avaliar a importância das declarações de Moya. Não entendia aquele amor repentino. — Mas, Moya… não faz muito tempo, você me disse que amava Brent. Não é possível que esse sentimento tenha sumido assim de repente. Com certeza você ainda gosta um pouco dele. Brent merece saber a verdade, Moya. Não pode continuar acreditando que você vai casar com ele! Para Vanessa a resposta de Moya era muito importante. No entanto, nesse exato momento, a porta se abriu. Brent surgiu no vão da porta do escritório. Vanessa empalideceu ao ver o homem que tanto amava. Quanto teria ele ouvido da conversa? Moya olhava atentamente para o rosto de Vanessa. Notou a palidez repentina e lembrou-se do interesse fora do comum que Vanessa demonstrara por Brent durante a conversa. Mas Vanessa nem se importava mais em esconder de Moya seus verdadeiros sentimentos. Só não queria que Brent percebesse que estavam falando dele. 81


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

Brent ficou algum tempo parado, com ar pensativo, olhando para as duas. Só então entrou no escritório e fechou a porta. — Interrompi uma discussão? — Nenhuma das duas respondeu. Ele deu de ombros e acrescentou: — Está bem. Não quero saber dos segredos de vocês. — Eu… eu não pensei que você fosse chegar tão cedo — Vanessa balbuciou ao recuperar a voz. — Sim. Entendo sua surpresa. Ele foi até a escrivaninha e deu uma olhada nos papéis que aguardavam sua assinatura. Estendeu a mão e pegou o envelope da carta que Vanessa deixara separada. Abriu o envelope com um movimento rápido. — Eu gostaria de falar com você a sós, Vanessa — disse Moya, parada ao lado de Brent. — Brent, você se importa se sairmos por alguns minutos? Brent lia a carta e rugas iam se formando em sua testa. Sem responder à pergunta de Moya, ele continuou a leitura de uma folha anexa à carta. Quando ergueu a cabeça, seus olhos brilhavam com a frieza do aço. — Você terá que esperar, Moya. Eu também tenho que falar com Vanessa. Moya olhou para a carta e depois para a face severa de Brent. Hesitou por um instante e por fim concordou: — Espero você na biblioteca, Vanessa. — E saiu em seguida. Brent inclinou o corpo para a frente, colocou a carta sobre a escrivaninha de Vanessa com um gesto brusco e encarou-a com um olhar ameaçador. — Leia isso. Vanessa nem sabia do que se tratava. Começou a ler e deu uma olhada na assinatura no pé da página: Janet Pierson. Lembrou-se da visita das alunas a Raylings e da aula dada por Gerard na ocasião. Estremeceu. A carta era curta mas informava o principal. A professora dizia da sua revolta e indignação por ter programado aquela visita com as meninas. Na sexta-feira as alunas haviam feito uma prova escrita sobre o que tinham aprendido no dia anterior. Ela enviava anexo a redação de uma aluna para provar seu ponto de vista. Realmente, a redação da aluna era uma lástima. Vanessa quase conseguiu ouvir a voz de Gerard em cada linha. — E então? — Brent insistiu. — Os fatos estão corretos. Ele simplesmente enfeitou a história um pouco. Isso não é tão grave assim, é? — O que Gerard estava fazendo aqui naquela tarde de quinta-feira? Foi outro encontro combinado entre vocês? — Sim. — Vanessa tremia de raiva. — Claro que foi. — Não estou disposto a ouvir ironias. Você talvez possa achar graça nessa carta, mas eu não acho graça nenhuma. Nem um pouco. Acontece que me orgulho de ser um Mallory. Pensa que não vou ser severo? Brent estava zangado, mas Vanessa criara forças suficientes para enfrentá-lo. — Não, Brent, você é severo até demais. — Ela o desafiou com os olhos azuis. — Você trata com severidade qualquer coisa que tenha a ver com Gerard. Vive procurando uma desculpa para tratá-lo mal. Ele não tem culpa do pai ter tratado a mãe dele assim. Gerard é diferente, entende, Brent? — Vanessa não se importava mais em reter as emoções. Estava com raiva e vontade de ferir. — Ele nunca teve uma boa oportunidade com você. Desde o 82


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

primeiro momento você resolveu que Gerard não prestava. E você nunca se engana, não é? Você só pensa que conhece os outros! Na verdade, não sabe de nada! — Vanessa, você não pode se importar tanto com ele! — Mas me importo, sim! Brent avançou até Vanessa, ergueu-a nos braços como um selvagem, tirando-a da cadeira da escrivaninha com um movimento rápido e imprevisto. Sua face estava pálida, os olhos arregalados, os nervos tensos. Encarou-a, no que pareceu uma eternidade fugidia e inacreditável. Estava transtornado. Beijou Vanessa com fúria, como um vilão! Vanessa ainda estava imóvel, no lugar em que Brent a largara, quando a porta se fechou com um estrondo atrás dele, instantes depois. O corredor estava vazio quando ela enfim criou coragem para sair do escritório. Sentindo-se a salvo no próprio quarto, fechou a porta e ficou um bom tempo encostada nela com uma das mãos subindo, num movimento lento, para os lábios inchados. A ponta dos dedos roçou na boca sensível. Depois Vanessa se conteve e seu rosto decidido afastou qualquer emoção. Atravessou o quarto como um robô e suas mãos pegaram a mala. Naquela mala caberiam todas as suas roupas. Só tinha uma certeza: nunca mais seria capaz de olhar para Brent depois daquela tarde. Ela o fizera perder o controle. Isso ele jamais perdoaria. Um trem saía de Bradley às cinco horas. Poderia estar em Londres antes das dez, se comprasse a passagem agora. Em Londres, Nevil a ajudaria nos primeiros dias, até ela dar um novo rumo à vida. Ele tinha dito que a ajudaria sempre que fosse necessário, e falava sério. Se saísse de Raylings pouco antes das quatro não seria vista, porque essa era a hora do chá. Sim, é melhor, Vanessa pensou, perdidamente infeliz. Fechou e trancou a mala. Depois vestiu o casaco. O relógio já marcava quatro horas e cinco minutos. Vanessa ergueu a mala, olhou pela última vez o quarto aconchegante e saiu para o corredor. A porta da biblioteca estava fechada e o salão em silêncio. Os empregados tomavam chá na cozinha agora. Vanessa alcançou a escada para o pátio tio sem ser vista e fechou a enorme porta de carvalho com decisão. Na curva do caminho de cascalho, virou-se mais uma vez para ver a casa delineada contra o céu. Foi assim que a viu da primeira vez e assim a guardaria para sempre na lembrança. Depois voltou o rosto para o portão principal da propriedade e seus pés avançaram firmes sobre o chão, rumo à estrada onde tomaria o ônibus para a vila. Uma garoa fina e fria começava a cair quando Vanessa fez o sinal para o ônibus parar. Entrou, aliviada, e sentou-se no banco perto da porta, depois de deixar a mala junto ao motorista. — Tome a passagem, queridinha — disse o cobrador, gracejando. — O tempo esfriou de novo… Acho que este ano vamos ter um Natal branco! Vanessa olhou para o cobrador sem responder ao sorriso amigo. O Natal? Onde estaria ela no Natal? Uma mulher curiosa, sentada no banco do outro lado do corredor, observou Vanessa com atenção. Era gorda e bonachona. Parecia gostar de uma prosa. — Você é aquela senhorita nova que está morando em Raylings, não é? Vai tirar umas férias? 83


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

Vanessa hesitou e depois concordou com a cabeça. Não sentia vontade de conversar, nem de dar explicações. Queria sossego, ficar sozinha com seus pensamentos, só isso. Mas a bonachona não desistiu. — Sou amiga da Sra. Rogers. Conversando com ela hoje de manhã, fiquei sabendo que você está se dando bem naquela casa. Os Mallory são uma gente muito esquisita, não acha? — Não! Não acho! Envergonhada, Vanessa notou que as lágrimas saltavam de seus olhos. Voltou o rosto para a janela, tirou um lencinho da bolsa, e escondeu a tristeza e a vergonha que sentia. Que horror! Por que chorava logo agora, no ônibus? Não havia fogo nem lareira na estação da estrada de ferro em Bradley — a imagem da biblioteca em Raylings ainda continuava viva na lembrança de Vanessa —, e ela se refugiou num canto, num banco frio e duro, longe da porta de entrada. Haveria um atraso de uma hora no trem que vinha de Sheffield. Vanessa agia como automática. Não pensava no que fazia. Só desejava era entrar no trem, fugir e ser levada para longe. Começou a imaginar o que Brent estaria fazendo. Será que demoraria a descobrir sua ausência? Qual seria a reação dele? — Dê-me sua mala! Vanessa ergueu a cabeça e viu Brent parado diante dela. — Não dou! — O carro está lá fora. Vamos embora daqui! — Não vou! — Venha, Vanessa. Volte comigo. — Não! Brent pegou a mala e parecia decidido a tudo para levá-la de volta. Vanessa ficou com medo de que ele fizesse um escândalo na estação. — Escute, Vanessa: sou capaz de carregar você até o carro, se precisar. Ela sabia que Brent era mesmo capaz de fazer o que dizia. O único jeito era sair da estação com dignidade, andando com os pés no chão. Ela voltaria para Raylings com Brent, enfrentaria a raiva e o desdém dele, depois pediria demissão e partiria de novo, na manhã seguinte. Brent abriu a porta do carro em silêncio e Vanessa entrou, cabisbaixa. enquanto ele colocava a mala no assento de trás. Pouco depois voltavam pela mesma estrada que ela havia percorrido de ônibus. Já estavam no meio do caminho quando Brent entrou num desvio, sem se importar com os buracos do caminho de terra, até parar numa clareira isolada, cercada de árvores enormes. Vanessa continuava quieta e trêmula. De início, Brent não falou. Ficaram sentados lado a lado, um estranho magnetismo pairando no ar. Por fim Vanessa notou que estava sendo observada e virou a cabeça para o lado de Brent. Então os olhos verdes se encontraram com os azuis e quatro chamas brilharam no fundo dos olhos. Vanessa lia admiração naquele olhar, lia confiança, e lia algo mais… O quê? Sim. Ela lia ternura… Ternura no olhar de Brent. Seu corpo inteiro estremeceu. — Vanessa… Amo você, Vanessa. Quero casar com você. Ela não acreditava no que ouvia. Sentiu um choque, quase desmaiou. Passou a mão pelos olhos e pela testa. Sentiu dedos quentes roçarem sua pele. Não, não estava sonhando. — Mas, Brent… Você e eu? Não entendo. E Moya? — Então você pensa que… Querida, você está toda confusa! Conheço 84


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

Moya desde menina. Gosto dela como um irmão mais velho pode gostar da irmã. Só isso. Vanessa suspirou. Agora tudo parecia tão fácil de entender! — Mas então eu me enganei… — Vanessa estava tão emocionada que quase chorou. — Isso não tem mais importância agora, Vanessa. Conversei com Moya e ela me disse que você me ama. E verdade, Vanessa? — Sim, Brent. Sim. Com todas as forças do meu coração. Ele virou a cabeça dela com as duas mãos e leu ternura no olhar brilhante. Leu algo mais… uma enorme alegria, uma vontade louca de se entregar, uma paixão interminável. A cabeça de Vanessa acompanhou as mãos de Brent num movimento suave, aproximando-se mais e mais dos lábios dele. E enfim ela sentiu o beijo tão sonhado: um beijo longo, cheio de amor e da ternura de dois seres se fundindo nos lábios unidos. Respondeu ao beijo e Brent a abraçou ainda mais. Vanessa se sentiu querida… — Não sabia que eu amava você, Vanessa? Ela descansava a cabeça no ombro de Brent. — Não. Nunca imaginei… — Eu me apaixonei por você assim que a vi, lá no quarto do hotel, em Londres. Já estava amando você, quando me acusou de não gostar das mulheres. Sempre tentei provar que não tenho preconceitos, mas você estava sempre tão atarefada, me mantendo à distância… Naquela noite que carreguei você, subindo a escada, seu corpo parecia tenso, inflexível! Achei que você nem suportava o contato do meu corpo! — Foi o desejo que me fez ficar tão tensa, Brent. Eu tinha medo, não sabia qual seria sua reação. — E eu pensava que você estava gostando de Gerard. Você deixou que eu pensasse isso, não deixou? — Deixei. — Ela hesitou. — Brent, sabe, Gerard… — Não me acuse mais de tratá-lo mal. Agora, aqui com você, sou até capaz de concordar. Mas se está preocupada com Moya, não se preocupe mais. Cheguei à conclusão de que ela sabe exatamente o que faz, mesmo que eu não esteja muito satisfeito com a escolha dela. — Então você sabia? Sabia de Gerard e Moya? — Sabia, sim. Fiquei sabendo antes de Moya viajar para a Áustria. Não falei nada porque tive medo de interferir e assim aumentar a atração de Gerard por Moya. Pensei que ela fosse desistir logo, mas não foi isso o que aconteceu. — Eles vão esperar um ano inteiro. Você não pode convencer o pai de Moya a aceitar a relação? — Vamos ver. Talvez… Vanessa se aconchegou ainda mais a ele. Todas as dúvidas estavam resolvidas. — Brent, meu amor… — Vanessa. você tem mesmo certeza de que quer casar comigo? Depois do casamento nunca mais deixarei você partir. — Nunca tive tanta certeza na vida. Sinto exatamente o mesmo que você. — Não acredito. Você não pode me amar tanto como eu a amo. Mas, I agora que tudo está bem, aprenderá a me amar mais, em pouco tempo. E não quero esperar muito antes de casar. Não tenho tanta paciência. 85


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

Ele a beijou de novo. Cada minuto ela o amava mais, cada novo beijo era mais intenso, mais conhecido, mais tentador. As sensações físicas de Vanessa despertavam para um mundo novo, seu corpo inteiro delirava. — É raro dois corpos se entenderem tão bem como os nossos. Ah, o amor! Mas agora vou levar você para casa. — Brent ligou o motor. Quando o carro entrou na estrada, ele estendeu a mão e segurou a de Vanessa. E ficaram assim, com as mãos unidas, os dedos entrelaçados, até chegarem a Raylings. — Em casa — ela disse mansamente, saboreando as palavras. Uma pequena incerteza brilhou nos olhos verdes de Brent. — Vanessa, você me ama, mas… não está apaixonada pela casa, está? A mente de Vanessa, na glória da paixão, foi invadida por uma estranha sensação de poder… uma sensação desconhecida e nova. Ela se viu dona de Raylings, da propriedade, dos tesouros e da arte! Pela primeira vez, via esse lado da situação. Entendeu a dúvida de Brent, uma dúvida tão comum entre gente rica! Ele queria saber se ela gostava mais dele do que da riqueza. — A casa ou o homem? — Ela aninhou a cabeça entre o ombro e o rosto de Brent. — O homem vive e me ama. E eu o amo. A casa é feita de pedras. Pode haver comparação? Ele riu, feliz, exultante. E, de mãos dadas, seguiram pelo pátio até a escada. Então Brent a ergueu nos braços, beijou-a e começou a subir na direção da porta de carvalho. — Brent! É cedo para você me carregar nos braços para dentro de casa. E os comentários dos empregados? Ele parou na soleira da porta sem largar sua amada. — Os empregados? Eles vão dizer que o último dos Mallory conquistou a jovem mais linda do mundo. Bem-vinda ao lar, Vanessa.

Um romance que você não pode perder!

SABRINA 127 SABOR DE VENENO Violet Winspear Licor de romãs! Que bebida perfumada e romântica, pensava Ricki, recebendo o cálice das mãos de Don Arturo e desviando o rosto daqueles olhos negros e perturbadores. Pela janela, via a paisagem maravilhosa da Andaluzia, uma terra quente, fértil e apaixonante, que ela tinha aprendido a amar em silêncio. Tão silenciosamente como amava Don Arturo, um espanhol rigoroso e aristocrático, que jamais se dignaria olhar para uma estrangeira, uma simples empregada em sua casa. E Ricki em breve teria de partir, levando na boca o doce sabor do licor de romãs, e no sangue o veneno daquele amor, que só ela sentia…

86


O Senhor do Castelo

- Sabrina nº 126 -

Kay Thorpe

Você vai viver uma história emocionante! SABRINA 128 O NOIVO DA OUTRA Janet Dailey Não havia como se justificar: Laurie estava apaixonada por Rian Montgo-mery, o noivo de LaRaine, que, além de ser sua prima, era uma pessoa a quem Laurie devia muitos favores. Era, pois, uma ingratidão, um pecado aquele desejo de ter Rian para si, aquela louca atração que ela sentia por ele e que a atormentava como um pesadelo. Além do mais, Rian a desprezava. Claro, eu era apenas uma garota insegura, não tinha a metade do encanto e da sofisticação de LaRaine. Mas então, se Rian a detestava tanto, por que não parava de persegui-la com aqueles olhos escuros, cheios de promessas e de desejos?

87


Um romance que você não pode perder!

SABRINA 129 O PREÇO DE CADA UM Charlotte Lamb Quando Mark Hammond descobriu que seu filho Nick estava apaixonado por uma cantora de boate, não pensou duas vezes: certo de que se tratava de uma vagabunda interessada na fortuna da família, ofereceu-lhe dinheiro para sumir da vida do rapaz. Rachel recusou — Nick era apenas um amigo —, e Mark ficou desconcertado. Para ele, todas as pessoas tinham um preço. Aumentou então a oferta, tentou seduzi-la, ameaçou matá-la… Apaixonada por Mark, aquele homem cínico que ela devia odiar, Rachel resolveu fugir para as Bahamas. Lá ela talvez esquecesse que o dinheiro de Mark jamais pagaria seu verdadeiro preço: o amor!

Você vai viver uma história emocionante!

SABRINA 130 JOGO PERIGOSO Anne Mather Meu Deus, em que situação terrível eu me meti!, pensava Alice, nervosa. Como é que uma repórter experiente como ela tinha se envolvido num jogo tão perigoso com Oliver Morgan, o famoso escultor? E se fosse verdade que Oliver tinha assassinado a esposa? Será que ele a faria também em pedaços quando descobrisse que ela não era bibliotecária coisa nenhuma, que estava em sua casa só para bisbilhotar e ter uma boa história para publicar nos jornais? Melhor confessar logo a verdade a Oliver. Mas não, ele a mandaria embora, e agora Alice, apaixonadíssima, preferia morrer a aceitar a idéia de perdê-lo…


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.