O Filho Secreto - (Jessica 04) Jane Porter

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O FILHO SECRETO The Latin's Lover Secret Child

JANE PORTER

— Seu amor — disse, apertando-a contra sua boca — vale tudo. Ana observou seus olhos escuros, sua expressão quase arrogante. Um rosto tão nobre. Lúcio poderia ter sido um conquistador espanhol, um explorador à procura do novo mundo. Em vez disso, era dela. — Vou amar você para sempre. A princípio, ele não disse nada. Os olhos negros transformaram-se em sombras. — Você só tem dezessete anos. Para sempre é muito tempo. Mas o tom de preocupação dele fez com que ela desse uma gargalhada. — Diga-me, Lúcio Cruz, quando foi que tive medo de alguma coisa? Digitalização: Ana Cris Revisão: Crysty


Querida amiga, Às vezes descobrimos que aquela pessoa por quem nos apaixonamos muda tanto que, de repente, deixamos de reconhecê-la nos mínimos detalhes. É essa a sensação de Lúcio em relação à Anabella Galván - que ela deixou de ser a menina apaixonada e irreverente que um dia fugiu com ele para se casarem. Mas, com o passar dos anos, é diagnosticado que Anabella sofre de amnésia. E mais: que ela tem um segredo que pode mudar não só a vida dela e de Lúcio, mas também de outras pessoas... Acompanhe o começo da saga da Família Galván e descubra que onde há o verdadeiro amor, há também o perdão...


PRÓLOGO Era uma tarde bonita, ensolarada, sem nuvens, e céu muito azul. Anabella Galván sentia o calor do sol e irradiava felicidade. — É hoje à noite, Lúcio. Finalmente. — Ela não conseguia conter o sorriso nem a expectativa. — Você está louca para fugir comigo — respondeu Lúcio, beliscando o nariz dela. — Você é uma rebelde, Ana. — Talvez. Mas quero estar com você, e se nos preocupássemos com o que as pessoas pensam, nunca estaríamos juntos. Lúcio, descendente de espanhóis e de índios, concordou, o cabelo preto grosso caindo nos ombros. Ele geralmente usava o cabelo preso, mas Ana havia tirado a presilha de couro que o prendia. — Tem certeza de que seu irmão não sabe? — Dante nem está na estância. Está em Buenos Aires. E me deixou com a americana, Daisy. — As finas sobrancelhas pretas de Ana se curvaram. — Ela é muito doce e muito confiável. — Seu irmão vai ficar furioso. Ana recostou a cabeça no peito de Lúcio, que a abraçou. — Não se preocupe. Tudo vai dar certo. Estavam sentados em uma parede de pedra atrás do pequeno centro comercial. Lúcio abaixou a cabeça e beijou Ana perto da orelha. — Só não quero que se machuque. Não suportaria se algo lhe acontecesse. Ela riu dos medos dele e o abraçou ainda mais. — Nada vai acontecer, Lúcio. Os dois ficaram em silêncio por um momento. Anabella fechou os olhos, saboreando o calor da tarde e a força dos braços de Lúcio. Tudo seria perfeito. Ela, Lúcio e o bebê juntos. Não podia esquecer o bebê. Ele tornava tudo possível. Lúcio a abraçava forte. Sua boca roçava a orelha dela. — Isso é loucura — disse com uma voz profunda. Ana olhou para ele. Analisou seu rosto, as sobrancelhas pretas, os olhos escuros, o nariz longo, a boca sensual. Ele era adorável, mas o que o tornava adorável não era a simetria dos traços nem o tamanho imponente, mas a


beleza interior. Era possível ver fogo em seus olhos e sentir sua energia. Ele era tão vivo. Tão real. Era diferente das pessoas do mundo dela e da família dela. Anabella observou a fronte, o nariz, as maçãs do rosto e o queixo do namorado. — Eu amo você, Lúcio. Os olhos escuros dele pegaram fogo, o calor e o desejo eram tangíveis. — Não menos que eu. Mas o fogo dele não a assustava. Ela adorava. Ele a fazia se sentir grande, poderosa e livre. — Enfrentaremos qualquer problema, Lúcio. Vamos fazer tudo. Ver tudo. Ter tudo. Ele riu e balançou a cabeça. — Você não é uma sonhadora, é? — Nós vamos ter tudo — insistiu, olhando fundo nos olhos dele. — Teremos um ao outro e teremos o bebê. Precisamos de algo mais? Os olhos escuros de Lúcio procuravam os de Ana. Ela podia dizer que ele estava entretido com seu jeito explosivo, apaixonado. Poucas vezes, ela o decepcionava ou o preocupava. Ele a aceitava pelo que ela era. — Eu sou pobre, Ana — disse, o olhar intenso. — Nunca serei capaz de lhe dar... — Não! — ela tapou-lhe a boca, silenciando suas palavras. A respiração quente fazia cócegas na palma da mão, mas Ana não retirou a mão. — Você me dá amor, Lúcio. É tudo que eu sempre quis e precisei. Todos na minha família insistem na importância das aparências, das posses, da posição. Você é o único que me ama simplesmente pelo que sou. A expressão dele foi ficando suave. Com beijos, Lúcio tirou a mão de Ana de sua boca. — Mas, querida, quero que você tenha tudo. — E o nosso bebê? — Será muito amado. — Ana encostou-se em Lúcio e beijou-o no pescoço, que mais parecia uma coluna de bronze. Como era descendente de espanhóis e de índios, ele se bronzeava facilmente e ela esperava que a criança saísse ao pai. Queria que o bebê tivesse cabelos pretos, olhos escuros e pele dourada.


— Você está determinada a enfrentar tudo! — Lúcio murmurou. Ele a beijou como se ela fosse ar, luz e água, e Ana sentiu um arrepio de prazer percorrendo todo o corpo. O toque de Lúcio fazia com que ela se sentisse quente, brilhante, viva. — Seu amor — disse, apertando-a contra sua boca — vale tudo. Ela o abraçou com força, encostando o rosto em seu peito. Era um milagre eles terem se encontrado. Lúcio era um gaúcho, cuidava do gado nos pampas argentinos e levava uma vida nômade. Ela era filha de um conde. A fuga dos dois poderia ser um escândalo, mas seria a melhor coisa que já lhe acontecera. — Você sorri — disse, brincando com o longo cabelo preto de Ana. Ela realmente sorria. — Gostaria que estivéssemos partindo agora. — Vou preparar um cavalo para você mais tarde. Vamos cavalgar boa parte da noite. Ela balançou a cabeça. A felicidade era enorme. Levantou a cabeça para vêlo melhor. — Acha que sua família vai gostar de mim? — Sem dúvida. Ana observou seus olhos escuros, sua expressão quase arrogante. Um rosto tão nobre. Lúcio poderia ter sido um conquistador espanhol, um explorador à procura do novo mundo. Em vez disso, era dela. — Vou amar você para sempre. A princípio, ele não disse nada. Os olhos negros transformaram-se em sombra. — Você só tem dezessete anos. Para sempre é muito tempo. Mas o tom de preocupação dele fez com que ela desse uma gargalhada. — Diga-me, Lúcio Cruz, quando foi que tive medo de alguma coisa?

CAPÍTULO UM

Cinco anos depois... — Anabella, você está à janela a manhã toda. Sente-se. Deve estar exausta.


Anabella estava tensa, os olhos tão secos que até piscar doía. — Não posso me sentar até que Lúcio chegue. — Pode demorar um pouco. — Não me importa — disse, a voz rouca. A manhã estava adorável. — Ele vai voltar. Ele prometeu. — Mas ainda não conseguimos encontrá-lo e a senhora está muito fraca — disse a enfermeira. — Precisa nos dar tempo para encontrá-lo. Anabella não respondeu. Estava cansada e fraca, mas sentia muita falta de Lúcio. Parecia uma eternidade desde a última vez que o tinha visto. Ele voltaria. — A senhora está doente. Deve descansar. — A enfermeira continuava com o mesmo tom de voz paciente. — Ao menos sente-se e almoce. — Não estou com fome. — Anabella odiava ser tratada como criança. Não tinha muitas oportunidades para decidir por si mesma. Como vir para essa casa. Não queria estar ali. O hospital tinha sido ruim o suficiente. A casa de campo era enorme, requintada e repleta de antigüidades e obras de arte. A única coisa boa da casa era a proximidade das montanhas, que podiam ser vistas da janela do quarto. Lúcio e as montanhas eram sinônimos em sua cabeça. Lúcio havia crescido nas montanhas e sua família ainda vivia lá. — Dante já chamou Lúcio? A enfermeira colocou a bandeja em cima da mesa. — Não sei. O conde não me conta nada. — A mão da enfermeira tocou o ombro de Ana. — Vamos trocar de roupa? Seu irmão logo estará aqui. Não quer encontrá-lo de camisola, quer? — Não quero vê-lo. — Você também não o viu ontem. O estômago de Ana deu um nó. — A escolha é minha, não é? — Ele é seu irmão. — O que você tem com isso? — Anabella saiu da janela, os braços cruzados, e encarou a enfermeira no elegante vestido branco impecável. -— Aliás, por que está aqui? Não preciso de você. — Sinto muito. E uma decisão do seu irmão. — Deseja saber por que não quero vê-lo? — Anabella perguntou


rispidamente, indo em direção a uma poltrona no canto do quarto, cujos braços pareciam protegê-la. Lágrimas ardiam nos olhos e Anabella cobriu o rosto com o antebraço. Quase enlouquecera. Suas emoções eram muito selvagens e caóticas, e havia um zunido em sua cabeça, como uma abelha. — Você não está vestida. Ana ficou paralisada com o som da voz masculina. Ele havia chegado. Deu uma olhada e viu o irmão entrando no quarto. — Não sabia que precisava me vestir para você. O Conde Dante Galván olhou de relance para a enfermeira que discretamente saiu do quarto. Ele esperou a porta fechar. — O que está errado, Anabella? Você tem brigado com todos ultimamente. — Quero Lúcio. — Você não o quer, Ana. Acredite em mim. — Você está errado! — Ela socou os braços da poltrona. — Eu o quero. Eu o amo. Sinto falta dele — ela gritou, frustrada, furiosa, incapaz de suportar a horrível expressão de Dante. — Você o deixou, Anabella — a voz de Dante soava abatida. — Foi sua escolha. — Pare! — Ele a estava deixando aflita e com frio, e ela queria se aquecer. — Você está mentindo para me confundir. Mas não vai funcionar dessa vez. Sei a verdade. Lúcio me ama. — Não é bem assim, Ana! — É exatamente assim. — Os dentes começaram a tiritar. Ela esfregou as mãos ao longo dos braços para tentar se esquentar. — Você está com frio. — Dante foi em direção à cama para pegar o cobertor e cobrir Ana. Ele tocou sua testa. — Você está gelada. Precisa descansar, Ana. Está esgotada. — Não posso descansar — fitou o irmão. O rosto dele parecia muito rude, mas os olhos dourados brilhavam. Parecia zangado, mas ela sabia que Dante a amava e, apesar de toda a implicância e das táticas repressivas, ele queria o melhor para ela. — Por favor, Dante, encontre Lúcio e traga-o de volta para mim. O pequeno celular preso ao cinto de Lúcio Cruz vibrou silenciosamente, mais uma vez. O telefone tinha tocado quase o tempo todo durante o encontro de três horas com o Conselho Consultivo de Vinho da Califórnia e ainda não


havia checado as mensagens. Lúcio pegou o celular enquanto se dirigia ao estacionamento onde havia deixado o Porsche preto conversível que alugara no aeroporto. Antes que pudesse atender o telefone, viu Niccolo Dominici, presidente do Conselho Consultivo de Vinho da Califórnia, se aproximando. — Jante conosco — disse Niccolo. — Maggie acabou de telefonar. Insiste que eu o leve à nossa casa, e não aceita uma negativa. Está desesperada por uma conversa adulta. Lúcio sorriu, relutante. A esposa de Niccolo era bonita como a ex-mulher, Anabella, mas, diferentemente de Anabella, a esposa de Niccolo o amava. O sorriso se desfez. — Obrigado pelo convite, mas tenho muito trabalho a fazer. Niccolo reclamou. — Você trabalhou o dia todo. Hotéis são lugares solitários. Na verdade, estar em um hotel era menos estressante do que estar em casa, Lúcio pensou. A casa não era mais um lar. No acordo da separação, Anabella havia ficado com a casa, a vinícola do norte e o apartamento em Buenos Aires. Ele ficou com um lugar pequeno e novo, no centro de Mendoza. Era um bom apartamento em um prédio caro, mas ele praticamente não o mobiliara, comprando somente uma mesa, uma cadeira e uma cama. Não precisava mais do que aquilo. Não pretendia ficar em Mendoza mais do que o necessário. Anabella morava em Mendoza. Ele não suportava estar tão perto. Muita coisa havia acontecido entre eles. Lúcio percebeu que Niccolo o observava, esperando silenciosamente por uma resposta. — Acho que não serei uma boa companhia hoje à noite — Lúcio respondeu. — Além disso, você tem três filhos, loucos para vê-lo. Estar com Niccolo, Maggie e as crianças não era fácil. Lúcio sentia inveja do colega, da vida que o italiano havia construído no norte da Califórnia. Lúcio também queria ter crianças, mas Anabella não podia conceber. De repente, a mão de Niccolo tocou o ombro de Lúcio. — Tem certeza de que não quer se juntar a nós? — Absoluta. — Lúcio ligou o carro. Queria fugir. Levou alguns anos, mas finalmente obtivera sucesso na plantação das uvas e na produção de um vinho de qualidade. Estava satisfeito com as próprias conquistas. Lúcio dirigia em alta velocidade; pegou a estrada da Vinícola Dominici até a


rodovia mais rápido do que deveria — muito mais rápido do que a lei permitia —, mas ele nunca seguia as regras; não acreditava nelas. Às regras, segundo sua cultura de gaúcho, eram feitas por aqueles que precisavam de uma norma. Ele não precisava. No momento em que entrou no quarto do hotel, o celular tocou novamente. Lúcio atendeu, ainda na porta, esperando escutar a voz frágil e irritada de Anabella. Ainda tinha uma pequena esperança de que ela lhe telefonasse. Mas não era Anabella no outro lado da linha. Era o Dr. Dominguez, o médico da família, em Mendoza. — Onde você tem estado? — uma interferência na ligação fez com que a voz do médico parecesse fraca. —- Em reuniões. — Tenho ligado para você, deixado recados — a voz do médico foi interrompida — ...perigo já passou... — e sumiu de novo — ...retornar imediatamente. Perigo? Que perigo? A ligação estava horrível. Lúcio não conseguia entender mais do que algumas palavras que o médico dizia. Fechou a porta e atravessou o quarto, tentando uma recepção melhor. — Stephen, perdi a maior parte do que acabou de dizer. Pode repetir, por favor? Dr. Dominguez repetiu, mas houve outra interferência, e Lúcio abriu as cortinas para clarear o quarto. — Não consigo entender uma palavra do que está dizendo. — Lúcio tentava manter a calma. — Fale novamente. O que aconteceu? — Anabella. — O que aconteceu a Anabella? — Um sentimento de pavor tomou conta dele, enquanto abria a porta da varanda. Mas não houve resposta. A linha caiu. O Dr. Dominguez voltou a ligar. — O que há de errado com Anabella? — Lúcio perguntou, no momento em que atendeu o telefone. O médico não perdeu tempo. — Achamos que é encefalite. — Encefalite — Lúcio repetiu, tentando saber se tinha ouvido direito. A ligação ainda não estava boa. — É uma infecção viral. É muito rara, quase desconhecida na Argentina, por


isso foi difícil diagnosticar a doença. Sua esposa esteve muito doente, mas achamos que está fora de perigo agora. — Fora de perigo? Ela estava muito doente? O médico hesitou e pigarreou. — Encefalite pode ser fatal. — Ela estava muito doente? — Lúcio repetiu. O médico não respondeu. Lúcio fechou os olhos, o coração apreensivo e a mente escurecida. Ninguém da família havia falado nada. Ninguém havia ligado. O médico pigarreou outra vez. — Como eu disse, não é uma doença fácil de diagnosticar. Começa como uma gripe e progride rapidamente. Tivemos de fazer uma punção lombar. Um eletroencefalograma. — Diabos! — Lúcio xingou, interrompendo o médico. Uma punção lombar? Um eletroencefalograma? Fizeram todos esses exames em Anabella sem ao menos avisá-lo? — Quando ia me dizer que minha mulher podia morrer? Depois que ela estivesse em coma? Na hora dos preparativos para o funeral? — Ela já saiu do coma. A mão de Lúcio tremia. Ela esteve em coma? — Eu induzi o coma. — A voz do médico estava calma, como se induzir comas fosse brincadeira de criança. — Mas ela saiu bem do coma, que fez exatamente o que esperávamos. A inflamação se foi. — Você induziu o coma. — Lúcio sentiu uma onda de emoção. Eles a colocaram em coma; colocaram-na em um sono profundo do qual ela poderia nunca ter acordado e ninguém lhe dera a chance de dizer adeus. Estava repleto de raiva, ódio e uma sensação de incapacidade que o corroía. Não gostava de se sentir incapaz. Incapacidade era para aqueles que tinham muito medo de agir. Ele não tinha medo de agir. Mas não tinha liberdade para agir. — Induzir o coma foi a melhor forma de reduzir as crises, que poderiam têla matado. Lúcio fechou os olhos, incapaz de suportar a imagem de Anabella tão perto da morte. Ela havia sido a pessoa mais importante de sua vida. — Mas você a salvou. — Sim. — Havia uma sensação de alívio na voz do médico. — Nós a salvamos. Ela está acordada, bastante alerta.


— Então, por que está me ligando? — Lúcio não conseguia esconder a amargura nem a profundidade de sua dor. Para a família de Ana, ele seria sempre o gaúcho. O camponês. O índio. — Devo mandar flores? Pagar a conta do hospital? O que devo fazer? — Ajudá-la a recuperar a memória. Lúcio ficou nervoso. Demorou para processar a informação. — Você disse que ela estava curada. — Está se recuperando — corrigiu o médico. — O corpo está mais forte, mas a cabeça... — hesitou — sua consciência está alterada há um bom tempo... — Há quanto tempo? — Três semanas.

Jesus! Lúcio esfregou as têmporas, a cabeça estourando. Ele precisava dormir. Precisava se sentir bem novamente. — Ela está muito doente há três semanas? — Na verdade, quatro. Desde que voltou da China. Mas no início todos pensaram que era uma gripe, pelos sintomas.

Depois as crises, a consciência alterada, o coma e a perda de memória. Lúcio se conteve para evitar dizer algo de que se arrependeria. — Ela está melhor agora — o médico garantiu. — Mas está confusa. Eu acho... todos achamos que... ela precisa de você. Ela precisa dele? Lúcio quase deu uma gargalhada. O médico não sabia o que estava dizendo. Anabella certamente não precisava dele. Ela havia deixado isso bem claro no último ano. Lúcio tirou a presilha de couro da cabeça. O cabelo preto, pesado, caiu nos ombros, e ele esfregou a têmpora e o couro cabeludo. Estava cansado. Física, mental e emocionalmente. — Sem papas na língua: a família dela contratou o advogado do divórcio. Nunca pensei que me pediriam para voltar. — Não posso falar por Marquita — respondeu o médico, referindo-se à mãe de Anabella, que adorava uma bebida alcoólica —, mas o conde se ofereceu para mandar o próprio avião. — Não é necessário. Tenho como chegar, obrigado. — Era impossível esconder o rancor. Ele e Dante não eram amigos. Não conseguia estar na mesma sala com o irmão de Anabella.


— O que devo dizer ao conde? — Que estou arrumando minha mala. — Lúcio respirou fundo, forçando-se a passar por cima da raiva que sentia pelos Galváns. — Estarei em casa amanhã de manhã. Mas, naquela noite, no avião, os pensamentos de Lúcio estavam emaranhados. As emoções, mais ainda. Tentava imaginar Anabella doente. Não conseguia. Ela era forte. Era espirituosa e independente. Nada a abalava. Nada a perturbava. Ironicamente, essa força havia levado ao divórcio. Ana havia decidido pelo divórcio. Ele lutara contra o divórcio e pela esposa, durante meses, recusando-se a aceitar. Ele se lembrou de ter perguntado o que ela queria de aniversário, e Ana, sentada do outro lado da comprida mesa de jantar, disse, educadamente: — O divórcio, por favor. Naquele momento, diante do tom calmo com que pedira o divórcio, ele concordou. Mais tarde, quando se sentaram para assinar os papéis, ele hesitara. Mas lágrimas brotaram dos olhos de Ana e ela esticou os braços, suplicando: — Deixe-me ir, Lúcio. Somos tão infelizes. Por favor, deixe-me ir. Estava tudo acabado. Assinou o documento e saiu sem dizer uma palavra. Lúcio engolia a dor.

Você estava errada, Anabella, pensava. Posso ter sido infeliz em alguns momentos, mas nunca quis a separação. Seu amor pode ter morrido. Mas eu sempre amarei você. Chegou a Mendoza, na Argentina, depois das dez horas. Um carro estava à sua espera. Ele morava em Mendoza há apenas quatro anos. Comprara o vinhedo, a casa de campo e o negócio com o próprio dinheiro. Não sabia nada sobre vinícolas. Sabia somente que era um negócio respeitável e isso era o que a família de Ana exigia. Mas, neste momento, Lúcio desconfiava que Ana amava o gaúcho e não o vinicultor. O carro chegou à elegante casa de campo com dois andares. Estava na Argentina, mas a casa era toda da Toscânia. Os primeiros donos eram


italianos. Quando chegou à casa, Lúcio sentiu medo e angústia. Havia trazido Ana para cá como noiva. Nada funcionara como ele queria. — Devo trazer as malas para dentro, senhor? — a respeitosa voz do chofer interrompeu os pensamentos dolorosos de Lúcio. — Não, Renaldo. Ficarei no meu apartamento no centro da cidade. De repente, um grito veio do andar de cima. Ouviu chamarem seu nome. Lúcio virou-se e olhou para o segundo andar, mas nada viu. Alguns segundos depois, a porta da frente abriu-se e lá estava ela, na porta, sem ar por ter descido as escadas correndo. — Lúcio — gritou Anabella, os olhos verdes brilhando. — Você chegou!

CAPÍTULO DOIS Por um bom momento, Lúcio não conseguiu pensar em nada para dizer. Parecia que o cérebro tinha parado de funcionar e ele simplesmente olhava para Anabella, feliz por vê-la ali. O médico tinha dito que Ana estava doente e frágil, mas ela praticamente brilhava, a pele luminosa e os olhos verdes reluziam como esmeraldas colombianas. — Você está bem? — perguntou ele. Anabella estava descalça e vestia uma calça de jeans e uma blusa branca, e seus cabelos estavam soltos. — Agora que você está aqui. A voz doce e rouca tocou fundo o coração. Parecia tão feliz ao vê-lo, tão diferente da Anabella que ele vira oito semanas atrás, poucas horas antes de embarcar para a Ásia em uma viagem de compras. Aquela Anabella, compradora de antigüidades, vestia um impecável terno preto, sapatos pretos de salto alto, as malas de couro amontoadas à porta. Era assim que se lembrava dela: calma, elegante e fria. Mas essa não era a mulher que estava diante dele agora. — Onde esteve, Lúcio? — Sua voz soava insegura e o olhar paralisado prendia a atenção dele. — Viajando.


O sorriso incerto sumiu, assim como a alegria. — Você disse que nunca me deixaria. Ele franziu as sobrancelhas, perplexo. — Nós concordamos... — Que estaríamos sempre juntos — interrompeu ela, terminando a frase para ele. Lúcio podia senti-la lutando. Ana estava tentando amenizar a situação entre eles, mas estava ferida. Chateada. — Estou aqui, agora — disse, incapaz de pensar em algo diferente para dizer. Ela o mandara embora, mas isso não importava agora. Podia ver que Ana estava confusa. — Tudo vai ficar bem. Mas os olhos dela se encheram de lágrimas e ela pareceu distante. — É muito tarde — disse tristemente. — Para quê? Ana encolheu os ombros e seu corpo estremeceu. — Fizeram coisas horríveis, Lúcio. Coisas que nem posso contar. O coração dele vacilou. Lembrou-se da precaução do médico, do aviso de que Ana não estava bem, de que a memória dela não era a mesma. Ela deve estar falando da doença, pensou. Ninguém a machucara. Ele podia não gostar da família de Ana, mas todos a amavam. — Claro que pode me contar — disse. — Pode me contar tudo. Sempre contou. —Antigamente, corrigiu, em silêncio. Antigamente, você me contava tudo. Antigamente, éramos tão próximos quanto duas pessoas podiam ser. Mas isso foi há muito tempo. — Você me disse para esperar na cafeteria. Esperei muito, mas você nunca chegou. O que aconteceu? Tive muito medo, mas minha família me trouxe para casa. Ele não sabia o que dizer. Eles estiveram separados somente uma vez, à força, e isso foi há alguns anos. Aquele episódio foi o mais triste de sua vida, o momento em que tudo parecia perdido. — Você sabe o que é ser deixada para trás? Ser abandonada no meio da noite? — disse, os ombros rígidos. — Fiquei tão perdida, confusa. Desde então, tenho estado à sua espera. Mas ele a havia encontrado de novo há três anos e meio, se mudaram para aquela casa e se casaram, mas a felicidade não durou. A paixão e a atração não conseguiram resistir à realidade.


Mas isso era passado. Ela não se lembrava de nada desde aquela noite terrível cinco anos antes. — Você disse que ficaria ao meu lado — ela sussurrou, os olhos furiosos. — Você mentiu para mim. Não estava lá quando mais precisei. — Estou aqui, agora. O olhar brilhante o prendia, e ela procurava os olhos dele. Lúcio não sabia o que Ana queria. Não sabia o que ela esperava. — Você vai ficar? — ela perguntou, afinal. Lúcio ficou sem ação. — O tempo que você quiser. — Para sempre. A inocência da resposta e a honestidade infantil doeram nele. O peito queimou, o coração parecia estar em brasas. Ela o mandou embora, ele ouviu uma voz protestando em sua cabeça. Ela quis o divórcio. Insistiu no divórcio. Mas aquilo não importava, argumentou, em silêncio. Ana precisava dele agora. Isso era o que importava. Ana agarrou a lapela do casaco de couro de Lúcio. — Olhe para mim — ordenou, encarando-o, os olhos muito brilhantes. — Olhe nos meus olhos e prometa que vai ficar. Ele beijou a cabeça da esposa. — Eu fico, Ana — sussurrou em seu ouvido. — Prometo. Lúcio percebeu que ainda estavam à soleira da porta da casa, na presença de Renaldo. Uma mulher em um uniforme branco estava do outro lado da porta. — Posso entrar agora, Ana? — perguntou, tocando seu queixo e forçando-a a olhar para ele. — Vai me deixar entrar, tirar o casaco e ficar com você? O coração de Ana derreteu com o calor intenso emitido pelos olhos negros de Lúcio. Era essa a forma como ele costumava olhar para ela. Com muita paixão. — Sim. — Ela deslizou as mãos por entre as dele, feliz ao tocá-lo. — Entre, mas devo avisá-lo: este é o tipo de lugar que você detesta. — Não é tão ruim — respondeu, a voz quase sufocada. Ela sabia que ele preferia coisas simples e esta casa era um exemplo típico do modo de vida aristocrático dos Galváns. — É sim. Mas não precisamos ficar aqui muito tempo. Ele deixou que Ana o


conduzisse pelo corredor de entrada. — Para onde iríamos? Ana queria responder algo leve e frívolo. Mas não se sentia leve. Estava furiosa, impulsiva. Obcecada. — Ana? — perguntou, gentilmente. Ela cerrou os punhos. — Eu o quero de volta. Preciso dele. — A voz baixou de tom. — Preciso pegá-lo de volta. — Quem, Ana? De quem está falando? — Do bebê. — Que bebê? Ela apertou os punhos contra o peito, tentando conter o medo. — Nosso bebê. Cuidadosamente, ele tocou seu rosto. — Ana, não há nenhum bebê. Você perdeu a criança. — Não perdi. — Perdeu. Não temos filhos. — Temos um menino. — Querida, escute. — Como você pode não se lembrar? — Ela procurava um sinal, uma luz, uma ponta de reconhecimento no rosto dele. — Lúcio, o que há de errado com você? Temos de encontrar nosso bebê. Lúcio não sabia como responder. Tirou a mão do rosto dela. Era pior do que o médico havia falado, pensou. Muito pior. Ela choramingou. — Podemos nos sentar? — perguntou com a voz rouca. — Em algum lugar sem tanta claridade, por favor. Lúcio esticou o braço na direção da esposa e tocou sua testa com a ponta dos dedos. Ana estava fria e o toque dos dedos na testa a fez estremecer. Ele viu que a enfermeira havia voltado. — A enfermeira está aqui. — Estou bem. Só preciso sentar. — Mas ela se encolhia ao som da própria voz. Lúcio não suportava vê-la sofrer, e Ana estava sofrendo. Ele a pegou nos braços e subiu as escadas, carregando-a até o quarto. — Deve haver algo que possam fazer, algo que possam lhe dar — disse,


colocando-a na cama. — Não quero nada. — Ela olhou para ele. — O medicamento me deixa sonolenta, e não posso dormir agora. Preciso pensar. — Como pode pensar se a cabeça dói tanto? — Preciso pensar. Preciso estar pronta para buscá-lo.

Ele. Não agüentava mais essa lenga-lenga maluca. Lúcio conteve um suspiro. Precisava encontrar uma forma de ajudá-la. Foi até a janela e puxou as cortinas para diminuir a claridade. — Melhor? — perguntou. — Muito melhor. — Ela tentou esboçar um ligeiro sorriso. Lúcio voltou para perto dela e sentou-se a seu lado na cama. Ana deitou o rosto na coxa dele. — Fique — ela sussurrou, meio cansada, meio aliviada. — Claro. — Não está chateado? Ele sorriu levemente para tranqüilizá-la. — Por que estaria? Você não fez nada errado. — Mas o bebê... — Ela interrompeu e olhou para ele com medo e vulnerabilidade, mas havia outra coisa em seus olhos agora: confiança. Era como se os últimos cinco anos tivessem desaparecido e ela fosse criança novamente, a menina de dezessete anos que ele conheceu e que ansiava por amor. Lúcio afagou os longos cabelos de Ana. — Nunca ficaria triste com você por ter perdido o bebê, Ana. Juro. Lágrimas de agradecimento brotaram dos olhos dela. — Não acredito que esteja aqui — sussurrou. Ana segurou a mão dele como se fosse uma bóia salva-vidas no meio do oceano. Lúcio ficou sentado ali até Ana adormecer, e, quando teve certeza de que ela dormia em paz, foi em direção à porta, mas não conseguiu sair. Ficou parado à porta do quarto escuro e olhou para ela, que dormia toda enroscada. Bastou voltar, estar perto dela novamente depois de tanto tempo, depois de ele já estar habituado a viver sem ela, para seu corpo queimar de tanta emoção e de desejo. De repente, Lúcio ressentiu-se da doença e da incapacidade de Ana,


ressentiu-se de ela não se lembrar de nada, enquanto ele sentia tudo. Sentiu raiva, culpa, sentiu-se traído. Pior de tudo: ele ainda sentia muita saudade dela. Saudade física. Sentia falta de segurá-la, de sentir o tamanho e o peso dela, da maciez do corpo dela contra o dele. E também doía o fato de ela ter dito basta. Lúcio deixou o quarto. A enfermeira estava sentada do lado de fora do quarto de Anabella e olhou para ele, quando passou. — Está tudo bem? — perguntou. Lúcio balançou a cabeça em sinal afirmativo. — Ela adormeceu. Os olhos começaram a demonstrar coragem que brotava. Não era hora para fraquejar, disse a si mesmo. Sentado no escritório de Ana, Lúcio pôs em ordem a correspondência da esposa, arquivou a papelada e assinou alguns cheques para fornecedores. Ela possuía uma loja em Buenos Aires e outra em Mendoza, mais nova. Ana queria ter sucesso, provar a todos que não era mais o bebê da família, mas uma sofisticada antiquaria. Ele sorriu e pegou um relógio que estava no canto da escrivaninha. Nunca vira o relógio. A porta se abriu depois de uma batida. A governanta entrou no escritório, carregando uma bandeja com o almoço e colocou-a na borda da escrivaninha de Lúcio. — Sei que o senhor não comeu nada desde que chegou — disse Maria, a governanta, empurrando a bandeja na direção de Lúcio. — Não estou com fome — respondeu, colocando o relógio de volta na escrivaninha de Anabella. A governanta olhou o relógio. — A senhora trouxe esse relógio na última viagem.

A viagem à China. Lúcio teve um impulso de jogar o relógio longe, de quebrálo em mil pedaços. Se Anabella não tivesse saído pelo mundo à caça de antigüidades exóticas, estaria bem, agora. Ele olhou Maria de relance. Esboçou um sorriso. — Como vai você? — Estou bem, senhor. — Maria tinha sido contratada depois que Lúcio e Ana se casaram. — Mas o senhor fez falta. — Obrigado.


— O senhor vai ficar aqui por muito tempo? Somente enquanto Anabella precisasse de ajuda. Somente até ela mandá-lo embora novamente. Cansado, Lúcio recostou-se na cadeira e esfregou os olhos. — Depende. — Seu quarto está arrumado. Lúcio tinha sido expulso do quarto do casal quando Anabella não o quis mais na cama. — Obrigado. — Ele viu a governanta se preparando para ir embora e ajeitouse na cadeira. Ainda estava no escritório duas horas depois, quando Maria bateu à porta novamente. Cochilara na cadeira, e acordou num sobressalto. — Sim? — disse, com a voz rouca, se endireitando na cadeira e esfregando os olhos para afastar o sono. Dormira profundamente e estava difícil acordar. — O Conde Galván está aqui — disse Maria, entrando no escritório e pegando a bandeja vazia que estava no canto da mesa. — Está à sua espera no salão. Lúcio passou a mão no rosto novamente. O irmão chegara. Lúcio pensou em pedir a Maria que conduzisse o conde ao escritório, mas o ambiente era muito íntimo. Era melhor encontrá-lo em um lugar neutro. Ao entrar no salão, Lúcio encontrou o cunhado em pé na grande sala repleta de pinturas a óleo. O olhar de Dante se prendeu a uma das pinturas italianas. — Você sabe o quanto são valiosos? — Dante perguntou, gesticulando na direção da parede. — Especialmente este aqui. — acrescentou, apontando para o quadro que observava. Lúcio teria sorrido se tivesse força. — Sim. Dante continuou a estudar a grande tela. — Quando a comprou? — Antes de casar com sua irmã. — O que significava: Com meu dinheiro, não o dela nem o seu. Os dois homens se entreolharam com hostilidade. Ambos eram argentinos, mas Dante era um aristocrata de descendência italiana, e Lúcio, uma mistura de espanhóis com índios. — Comprei a casa com tudo. — Lúcio quebrou o silêncio. — O dono estava em


dificuldades. Comprei a terra, a casa e os móveis. — Você nunca explicou como ganhou dinheiro. — Enriqueci jogando. — Jogando? — Depois peguei o que ganhei nas mesas de jogos e investi aqui. — De jogador a vinicultor? Parece inverossímil. — Não lhe devo nenhuma explicação, conde. Mas sempre fui um jogador. Deveria saber disso. Eu não estaria aqui se não corresse riscos. — Você quer dizer que não teria seduzido minha irmã... — Não. — Lúcio sentiu o sangue ferver, mas conseguiu se controlar. — Não estaria aqui agora se não acreditasse que é uma boa oportunidade para nós dois. — Oportunidade? — Dante lançou um olhai- de reprovação. — Você não acha que tem uma nova chance com ela, acha? — O que posso dizer? Sou um otimista. Nunca desistirei de Anabella. — Lúcio dissera aquilo para irritar o conde, mas, depois de falar, concluiu que era o que realmente queria. Desejava uma segunda chance. Dante cerrou os olhos com amargura. Caminhou em direção à janela e ficou olhando para os vinhedos ao longe. Lúcio ficou calado por um bom tempo, esperando o que viria. Finalmente, Dante virou-se. — Obrigado por ter vindo. Lúcio mordeu a língua. — O médico disse que você estava na Califórnia — Dante continuou. — Você demorou muito para ligar. — Esperei até Ana chamar você. — O olhar de Dante chocou-se com o de Lúcio. — Do contrário, não o teria chamado. Lúcio tentou manter o controle. Não devia brigar com o cunhado. Brigas não ajudariam Anabella. — Foi assim que ela saiu do coma? — Ela estava tendo alucinações antes mesmo de o Dr. Dominguez induzir o coma. As alucinações levaram ao diagnóstico correto. Antes disso, todos nós acreditávamos que ela estava gripada. — Você veio visitá-la aqui?


— A governanta me ligou e eu voei para cá. Chamei a ambulância assim que cheguei. Sabia que era sério. — Há quanto tempo foi isso? Um mês? — Lúcio sentiu o rancor crescer. — Mais ou menos. — Dante parecia estar sem palavras. — Ela está melhor. Ainda não é a velha Anabella, mas melhorou muito em relação à semana passada. Lúcio percebia a preocupação do conde. Dante realmente se preocupava com Anabella. Lúcio respirou fundo. — Estou curioso para ouvir sua definição de melhor. O conde olhou perplexo para ele. — A força muscular está voltando. Ela está recobrando as forças, mas, como deve ter notado, tem alguns probleminhas de memória. Lúcio não sabia se ria ou chorava. — Percebi. Um momento de silêncio seguiu-se à resposta de Lúcio e, à medida que o silêncio crescia, o conde ficava mais desconfiado. — O que aconteceu? Como ela reagiu quando você chegou? Dante foi interrompido por um berro vindo do andar de cima. — Que diabo foi isso? — Dante perguntou, olhando para cima. Lúcio correu em direção às escadas. — Anabella.

CAPÍTULO TRÊS O grito furioso foi seguido por passos descendo as escadas correndo. Anabella praticamente pulou os dois últimos degraus. — O que quer agora, Dante? O que está planejando? Dante, atordoado, recuou, as mãos levantadas para acalmar a irmã mais nova. — Vim ver você. — E que mais? — A expressão fina e aristocrática estava abatida e os olhos brilhavam. — Acha que não sei o que pretende? — Não tenho nenhuma intenção. Estou aqui porque você está doente e estou


preocupado. — Não estou doente. Estava apenas triste. Sentia falta de Lúcio, mas ele está de volta — suspirou, os olhos fervendo. — E ninguém pode nos separar. Ninguém, Dante. Nem você. Nem mamãe. Nem todos os capangas de mamãe. — Você está sendo irracional, Ana. Não desejo separar você... — Mentiroso! O rosto de Dante empalideceu. — Ana. Anabella ficou com os olhos repletos de lágrimas. — Não diga o meu nome dessa forma. Não me diga mais nada. Desde que Tadeo morreu, você tenta me controlar. Tem medo de que me torne como o Tadeo, mas eu não uso drogas. Não bebo. Somente amo Lúcio. E isso deixa você louco. — Não, Ana. — Sim, Dante. — Ela colocou o dedo no peito do irmão. — Você e mamãe. Sempre interferindo. — Parou de falar e olhou para ele, confusa e com raiva. — Por que não posso ser diferente de vocês? Dante não disse nada e os dois se olharam como inimigos, em vez de irmãos. Ana estava vivendo no passado. Tinha esquecido que ela e Dante eram muito amigos. — Se não for embora, Dante, eu vou. — Anabella enxugou uma lágrima dos olhos. — Não quero estar no mesmo lugar que você. Dante, sem poder fazer nada, olhou para Lúcio. — Por Deus. Ela enlouqueceu! — É esta a Anabella que viu na semana passada? — Lúcio perguntou. — Não. — Bem, foi essa que encontrei quando cheguei em casa. Anabella agarrou o braço de Lúcio. — Não fale com ele. Não confie nele. — Está tudo bem, Ana. — Não, não está. Ele vai fazer alguma coisa para afastar você... — Calma, menina — interrompeu Lúcio, suavemente. Ele acariciou o rosto e o braço da esposa. — Está tudo bem. Suba e me espere. Eu resolvo isso.


Anabella continuou presa ao braço de Lúcio. — Não vai me deixar? — Não. Prometo. Ana subiu as escadas, mas parou no meio do caminho e lançou um olhar insolente ao irmão. — Conheço você — disse, desafiando Dante. — Sei como pensa. Lúcio estava cansado. Subiu as escadas e abraçou Anabella. — Vamos fugir — ela sussurrou. Lúcio não disse nada. Deixou-a falar enquanto subia as escadas. O mundo em que ela vivia agora o confundia. — Vão machucar você, Lúcio — disse, as mãos ao redor do pescoço dele. — Escutei tudo. Querem nos separar. Não acredite em Dante. Lúcio desejou que a esposa parasse de falar. Ana estava desenterrando velhas histórias, lembranças ruins da noite em que lhe deram uma surra tão violenta que ele levou semanas para se curar dos ossos quebrados, meses até que pudesse se levantar. — Ana, ninguém pode tirar você de mim — disse, com a voz rouca, entrando no quarto em direção ao banheiro. Ele a colocou no centro do balcão de mármore preto. — Estamos juntos agora. — Dante não pensa assim! — Ana foi se chegando para trás até encostar no espelho e olhou para ele, ainda com raiva. — Dante nunca aceitará que sou capaz de tomar minhas próprias decisões. — Você não precisa ter medo de Dante — ele disse, devagar. — E não precisa se preocupar comigo. Não sou mais tão inocente. Ela o prendeu com as pernas quase como uma gata manhosa. Colocou as mãos sobre as coxas dele. — Dante vai querer lhe dar dinheiro. Vai lhe dar qualquer coisa que você queira para mantê-lo longe de mim. Lúcio ficou nervoso enquanto Ana passava os dedos pelo músculo retesado da coxa. Ela o estava atiçando, e ele estava cada vez mais sensível ao toque. — Tudo isso é passado — disse, tentando tirar a mão da esposa da perna dele. Uma coisa era voltar para casa e trazer estabilidade. Outra coisa era agir como se ainda fossem... íntimos. Mas Ana continuou a arranhá-lo por cima das calças pretas. — Mas você acredita em mim?


— Sim. — Bom. Porque, se não acreditasse, teria de punir você. — O tom de voz ficou mais leve e provocador, e ela sorria, brincando, feliz, como era na época em que se divertiam juntos. — Talvez tenha de punir você de qualquer forma. O tom provocante, os arranhões carinhosos, tudo o excitava. Fazia tanto tempo desde a última vez em que fizeram amor. E Anabella era a única mulher que ele queria em sua cama. — Esses deleites terão de esperar — respondeu, lutando contra o desejo de tocá-la. — Como está sua cabeça? — Melhor. A dor passou. — Ela tocou a fivela do cinto. — Tudo que eu precisava era que você me encontrasse e ficasse comigo. De repente, Lúcio quis voltar ao passado, quando não queriam nada a não ser um ao outro. A vida era tão simples. — Por que não toma uma chuveirada e se veste para o jantar — ele disse, resistindo ao desejo de colocar a mão no quadril da esposa. Ana roçou os seios no peito dele e sorriu. — Sim. Jantar. Ótima idéia. Estou morrendo de fome. Mas, pelo olhar malicioso de Ana, Lúcio sabia que ela não queria somente bife com fritas. O corpo esquentou, e a excitação cresceu com o toque suave dos seios dela em seu peito. — Ótimo. Também não comi muito hoje. — A voz soava rouca. Estava completamente exausto. Resistir a Anabella era a morte. — Você toma banho e se veste. Depois, jantaremos juntos lá embaixo. Lúcio tentou beijá-la na testa, mas Ana passou o braço ao redor dos ombros dele e chegou mais perto. Ele respirou forte ao senti-la por todos os cantos — os seios, as coxas, o corpo todo encostado ao seu. Ela o fitou e tocou o rabo-de-cavalo dele. Lúcio sentiu o toque das pontas dos dedos no pescoço. O jeito suave de tocá-lo o deixava completamente louco. Estava a ponto de explodir. — Não — ela sussurrou, enquanto os olhos lançavam faíscas de humor e traquinagem — me beije como se fosse minha avó. Lúcio caiu na risada. Ele lhe deu um beijo na testa antes de empurrá-la e recuar. Ana ficou sentada no balcão.


— Você vai pagar por isso. Ele riu novamente. Isso era tão típico de Anabella. Ela se recuperaria. Voltaria a ser ela mesma. — Mal posso esperar — ele respondeu, indo em direção às escadas. Dante ainda estava lá. Andava de um lado para outro. — Ana está louca — disse Dante para Lúcio. — Perdeu a cabeça. — Ela não está louca — respondeu Lúcio, alegre, prendendo o cabelo. Estava começando a entender. Tinha levado um tempinho, mas estava começando a juntar tudo. — Anabella voltou no tempo — disse Lúcio, juntando todas as conversas que tivera com ela desde sua volta. — Parece estar vivendo no passado. — Voltou no tempo? Como? — Ainda não consegui descobrir. — Acha que ela voltou muitos anos? — Certamente a uma época em que ela achava você opressivo... — Nunca fui opressivo! Lúcio riu. — Você mandou a polícia atrás de nós. Os capangas de sua mãe quase me mataram. — Minha mãe só queria Anabella em casa. — Basta. Dante suspirou. Estava perplexo. Nada disso era fácil. Nada disso fazia sentido. — Você realmente acha que ela não enlouqueceu? — Acho. Ela só precisa de tempo e de menos pressão. Acho que suas visitas estão prejudicando muito mais do que ajudando. Ela precisa se recuperar por si mesma, no seu próprio tempo. — Acho que o médico dela é quem pode julgar isso. — Você se esqueceu que o médico dela trabalha para mim, Dante. Ana pode ser sua irmã, mas é minha esposa. — Sua esposa? Vocês se divorciaram. — O divórcio não terminou. — Mas legalmente...


— Legalmente, ela ainda é minha esposa. Os dois homens se entreolharam por um momento sem fim. — Também não gosto dessa situação, Dante. Não é fácil para mim. Ana pode não se lembrar do presente, mas eu me lembro. Sei que os sentimentos dela por mim mudaram. Sei o quanto foi infeliz comigo. — Ela ainda não se lembra de nada disso. — Mas vai se lembrar. — E até lá? Pelo que vi aqui, Anabella ainda pensa que vocês estão completamente apaixonados. O brilho do sorriso de Lúcio se apagou. — Acho que terei de entrar no jogo. Dante franziu as sobrancelhas, preocupado. — Consegue fazer isso? Consegue ficar aqui, no meio do drama da minha irmã? — Não tenho escolha. — Claro que tem! Você tem outra casa, outra vida. Poderia estar lá em vez de estar aqui. Você quer usar a doença dela para tirar proveito. Vai tentar reconquistá-la. — Isso é algum crime? — Ela nunca foi feliz vivendo com você — disse Dante. — Ela ama a idéia que tem de você. Não a realidade.

É a idéia que ela ama. Não a realidade. As palavras repetiam-se na mente de Lúcio. Ele ficou parado. Dante foi taxativo, severo, certeiro, e suas palavras feriram. Mas Lúcio não deixou transparecer a dor. — Prometo ligar assim que ela começar a melhorar. — Você está me dizendo para ficar em casa? Lúcio esboçou um leve sorriso. — Estou pedindo que dê um tempo a Ana. Depois que Dante foi embora, Lúcio foi à cozinha e pediu que o jantar fosse servido na biblioteca, e não no quarto. Depois, Lúcio subiu para ver como ela estava. — Ele já foi? — Anabella perguntou assim que Lúcio entrou no quarto. Estava sentada ao pé da cama, enrolada na toalha de banho, o cabelo molhado penteado para trás.


Lúcio sentiu vontade de tocá-la, mas resistiu. — Está voltando para Buenos Aires. — Ótimo. Não gosto dele! — Ana, você adora seu irmão. — Ele a encarou, braços cruzados e, por um momento, questionou a decisão de ficar. — O jantar está pronto — disse, tentando parecer normal. — Mas você ainda está de toalha. — Na verdade, eu queria me vestir, mas não consegui encontrar minhas roupas. Sabe onde Dante colocou minha mala? Lúcio admirou-se. Ela estava falando sério? — Estão no seu guarda-roupa, Ana. — Onde está meu guarda-roupa? — Lá. No seu quarto. — Me mostre. Ele a conduziu até o closet. Acendeu a luz e apontou para as roupas penduradas e para a coleção de sapatos. — Este é seu guarda-roupa. Ana observou tudo. Analisou os ternos, os vestidos, os longos. — Muito engraçado. Mas onde estão as minhas roupas? Minhas camisetas, meus sapatos, meus jeans? Ela não sabia. Não reconheceu nada ali. Lúcio a observou, o peito apertado com emoções contraditórias. Mais uma vez, disse a si mesmo para não pensar muito. Tudo o que podia fazer era dar um passo de cada vez. Na última gaveta da cômoda, Lúcio encontrou roupas velhas que Anabella não usava mais. Ana sorriu. — Obrigada. — Pegou uma calça jeans e um suéter velho desbotado. — Fico pronta em um segundo. Quinze minutos depois, ela apareceu vestida e maquiada. Lúcio queria sorrir, mas não conseguia. Sentia tanto, lembrava de tanta coisa. Ana esbanjava doçura e malícia, inocência e fanfarrice. Essa era a Anabella por quem se apaixonara. Não conseguia se imaginar vivendo sem ela.


Mas esse sentimento era perigoso. Não podia deixar as emoções aflorarem. Anabella precisava, agora, de um apoio prático e racional. — Vamos comer aqui — disse, conduzindo-a à biblioteca. — Achei que seria mais aconchegante comer perto da lareira. Ela corou. — E mais íntimo.


Íntimo. Certo. Não era exatamente isso que ele queria. Deixou passar o comentário de Ana, pois seu objetivo era acalmá-la. Não falaram muito durante o jantar, mas Ana estava feliz e comeu quase tudo que estava no prato. Era uma refeição argentina simples e tradicional — bife grelhado, batata frita e salada. De repente, o rosto de Ana ficou sombrio e ela deixou cair um pedaço de batata frita. — Lúcio... — Sim, querida? Ela corou com o jeito carinhoso dele. — Ainda vamos nos casar, não vamos? — perguntou, corando ainda mais. — Ainda quer se casar comigo, não quer? Um retorno aos sonhos adolescentes. Por um momento, ele ficou sem saber o que responder. Respondeu honestamente. — Claro que quero me casar com você. Os lábios dela esboçaram um sorriso e os olhos brilharam. — Verdade? — Sim. — Então, vamos fazer isso logo. Que tal amanhã?

CAPÍTULO QUATRO No andar de cima, depois do jantar, Anabella não queria que Lúcio a deixasse. Abraçou-o pela cintura, o corpo bem perto do dele. — Fique comigo — ela sussurrou, com voz sedutora. — Não posso. — Por que não? Pensou novamente que precisava ser o mais sincero possível. — Estou cansado. Acabei de chegar de uma longa viagem e preciso dormir. — Você pode dormir no meu quarto. — Não dormiríamos. — Acariciou as bochechas de Ana com o polegar. — E você também precisa descansar.


O quarto de Lúcio ficava no fim do corredor. Acordou com um choro. O som era abafado e vinha do fundo do coração. Era Anabella. Ele a ouviu ao longe. Não era um grito agudo, penetrante, mas soluços roucos. Chorava muito, agarrada a um travesseiro, e parecia realmente aflita. Lúcio dormia nu e precisou vestir uma calça para ir ao quarto da esposa. — Lúcio — Ana olhou para ele e estendeu-lhe a mão. Ele se dirigiu à cama e se sentou perto dela, abraçando-a. — Teve um pesadelo? — Não. — Os dentes tiritavam. — Pior que isso. — O que é, então? — Você sabe, Lúcio! — Não sei... — Você sabe e precisa me perdoar. Por favor, Lúcio, diga que vai me perdoar. O que se passava na cabeça dela? — Ana, calma, você está sofrendo sem necessidade. Não há nada para perdoar. — Contudo, assim que disse isso, lembrou-se dos relatórios do detetive particular. Ana em um saguão de hotel com outro homem. Achava que a esposa estava tendo um caso. Não era um caso. Ao menos, o detetive nunca apresentou provas. O estômago queimava. Não queria pensar naquilo. — Não posso mais fingir. Não posso esquecer. — A voz desapareceu, e ela continuava a tremer. — Precisamos pegar nosso bebê de volta. Então, era realmente um sonho. De qualquer forma, voltava ao assunto do bebê mais uma vez. — Ana, não há bebê, nunca houve... — Eu estava grávida! — ela retrucou, empurrando-o para longe. — Era por isso que estávamos fugindo juntos. Para proteger o bebê. — Sim, e você perdeu o bebê. E quando ela perdeu o bebê, há cinco anos, ficou estéril. Visitaram diversos especialistas. Mas Anabella nunca aceitara o diagnóstico, e Lúcio atribuía a culpa do fim do casamento aos dois anos e meio de tratamento de


fertilidade. Lúcio abraçou-a carinhosamente, olhando em seus olhos. — Não significa que nunca poderá ser mãe. Podemos recorrer à adoção... — Não quero adotar porque tenho um bebê! Aquela cabeça confusa realmente acreditava que havia um bebê. Lúcio acariciou o rosto de Ana. Ele se sentiu mal ao ver tanta dor nos olhos da esposa. Odiava que ela sofresse tanto. Não era justo. — Você realmente me ama — ela sussurrou, olhando para ele. — Claro. Ana esboçou um sorriso que começou na ponta dos lábios e, pouco a pouco, transformou o rosto em uma beleza radiante. E lá vinha a dor no coração dele novamente. Anabella Galván Cruz era dona de seu coração, seu corpo, sua mente e sua alma. Ana não parava de olhar o rosto bonito de Lúcio. O longo cabelo solto e o peito nu. Parecia o gaúcho dos seus sonhos. Tão firme, forte e destemido. Lúcio podia ter quem quisesse e ele a queria... Ela sentiu uma onda de calor e foi impossível conter a alegria. Roubou-lhe um beijo. — Estou tão feliz que esteja de volta. Tivera tanto medo que o silêncio e a distância significassem que ele não sentia mais nada. — Pensei que tivesse se apaixonado por outra — disse, timidamente. — Ficou tanto tempo longe. Os olhos negros encontraram os dela. — Não queria, Ana. Queria estar com você. Acredite nisso. Ana acariciou o peito musculoso de Lúcio. — Onde estava? Lúcio lutava para encontrar as palavras. — Trabalhando. — Onde? — Vários lugares. Subitamente, ela o encarou nos olhos. — Nunca fomos ver sua família, fomos? — Não.


— Por que não? Mais uma vez, ele demorou para responder. — Não querem me ver? — Não, Ana — expirava devagar. — Meu pai não está bem. Ela esperou. — Ele ainda está doente? — Morreu há alguns meses. Ana sentiu um nó na garganta. Sabia o quanto Lúcio o amava e admirava. — Sinto muito — sussurrou. O peso de seu coração aliviou. Era lá que ele estava. Era esse o motivo do afastamento. Ana abraçou-o, encostando o rosto no peito dele. — Gostaria de conhecer sua mãe. Seus irmãos. Acho que seria bom para nós. Ela adormeceu ali mesmo, abraçada a ele. Lúcio colocou-a de volta na cama, debaixo das cobertas, pegou um travesseiro extra e um cobertor do armário e estendeu no chão do quarto dela. Levou muito tempo para adormecer, mas, quando conseguiu, só acordou com o sol da manhã na janela. Ao abrir os olhos, Lúcio encontrou Ana a seu lado, observando-o. Ela sorriu. — Olá. Ele, sonolento, tirou o cabelo do rosto. — Olá. Anabella sorriu ainda mais. — Você é tão bonito. — Ela apoiou o queixo nas mãos sem tirar os olhos dele. — Nunca me cansaria de olhar para você. — Ana... — É verdade. Você tem um rosto perfeito. — Ana. — São os seus olhos. Não, sua voz. Não, seus lábios — sorriu. — Adoro seus lábios. São os melhores do mundo. Ele riu. Ela era muito má e muito boa e o estava deixando excitado. Não era a melhor forma de reagir. — Quer dizer... — perguntou, dizendo ao próprio corpo para relaxar porque nada ia acontecer — que já beijou todos os lábios no mundo? Seu sarcasmo provocou nela uma risada. — Você sempre foi tão ciumento.


— Não fui. — Foi sim. Estou surpresa de que não esteja usando uma tanga de pele e carregando uma clava. — Bem, eu tenho uma clava, mas não era para você saber. É para emergências. A risada ecoou no quarto e ela foi se sentar perto dele. — Já matou alguém? — Ana! — Bem, você tem um gênio terrível. — Não mato pessoas, Ana. — Mas já se meteu em várias brigas, certo? — Nenhuma séria. — Isso não era totalmente verdade, mas ela não precisava saber dos detalhes sangrentos. — Você luta com os punhos... Ele se esticou, pegou-a pela cintura e puxou-a para o carpete perto dele. — O que é isso? Por que o interesse em luta? Quer que eu faça algo? Quer que eu dê um jeito em alguém? Anabella sentiu um arrepio percorrendo a espinha e não sabia se era a mão de Lúcio ao redor da cintura dela ou se era a inflexão da voz dele, mas sabia que ele faria qualquer coisa pela esposa. Ana ficou sentada, imóvel, e sentiu uma ardência estranha no topo da cabeça. A ardência transformou-se em minúsculos e agudos tremores que percorriam a espinha. Que pensamento estranho. Franziu as sobrancelhas, olhou para o carpete, para a parede, para a janela. — Onde estamos? — Na casa de campo, em Mendoza. Mas aquilo não parecia se encaixar com nada do que ela sabia. Franziu as sobrancelhas novamente, o rosto rígido, os músculos cansados. Sentia-se perdida. — Lúcio? — Sim, querida. — Por que está aqui... dormindo comigo neste quarto? — Você estava doente.


Ana franziu as sobrancelhas, tentando se lembrar de estar doente, mas não conseguia. Não se lembrava... de nada, ao menos, nada fora do comum. — Você se lembra do hospital? — ele perguntou. Ela engasgou. Hospital? Quando? — Não. — Você passou um bom tempo no hospital. — Uma semana? — Um mês. Era um tempo considerável. Ela esfregou as têmporas como se sentisse uma dor invisível. — Fiz as provas? Lúcio só a olhou, sem responder, e Ana achou que ele não tinha entendido. — Passei? — insistiu. — Passei nas provas? — Da escola? — Sim. As sobrancelhas dele se abaixaram. — Sim. Era um alívio. — Ótimo. — Sentiu-se um pouco melhor, um pouco mais leve. Era estranho tê-lo ali, mas era bom. Tudo ficava melhor quando Lúcio estava perto. Mas ainda não fazia sentido. Como era possível ele estar dormindo no quarto dela? Mamãe não aceitaria. Dante teria chamado a polícia. Nervosa, Ana perguntou: — Como entrou no meu quarto? — Você estava doente. Precisei ficar aqui. Ela gostou. Parecia muito preocupado. — Mas como convenceu a mamãe? Ela é tão esnobe e preconceituosa. — Esta não é a casa da sua mãe. — Oh. — Então era a casa de Dante. Deveria ser do irmão. Ele tinha tantas casas, tanto dinheiro. — E Dante deixou? — Sim. — A voz de Lúcio quase sumiu. — Ótimo. — Ela beijou Lúcio suavemente na boca. — Vou tomar um banho e depois tomamos café da manhã.


Lúcio ligou para Dante enquanto Anabella tomava banho. O cunhado já estava no escritório, em Buenos Aires. — Disse que ligaria quando houvesse alguma mudança. — Lúcio não queria ligar para Dante, mas tinha feito um trato. — Para melhor ou para pior? — Dante perguntou. — Para melhor. Ana está mais coerente hoje. Parece a velha Anabella. — E a memória? — Ainda não voltou. — Ah. Nada foi dito por um momento e, pela primeira vez, Lúcio sentiu afinidade com o cunhado. Ana precisava recuperar a memória. Precisava de seus erros, suas vitórias, sua história pessoal. Os Galváns eram complicados. Perderam o irmão mais novo, as duas irmãs mais velhas se mudaram da Argentina, e a mãe de Ana passava o tempo bebendo, incapaz de dedicar dez minutos à filha. — Ela tem álbuns de fotos de quando era pequena — disse Dante, cansado. — Você poderia... — Vou mostrar os álbuns a ela. Dante suspirou. — Tadeo era seu melhor amigo. — Eu sei. — Se for muito... — Não vou forçar nada, não vou pressioná-la. — Lúcio sentiu o coração pesado. Ele e Dante passaram tantos anos brigados. Que perda de tempo e de vida. — Não vou machucá-la nem deixar que ninguém a machuque. Lúcio desligou o telefone e viu Ana em pé no vão da porta. Acabara de sair do chuveiro e a pele úmida fez com que ele tivesse vontade de tocá-la. — Quem era? — perguntou. — Dante. O semblante de Ana escureceu. — O que ele queria? Lúcio foi até ela e puxou a toalha do cabelo. — Saber se você estava melhor. Ana fez uma careta.


— Diga-lhe para mandar um cartão, da próxima vez. Lúcio beliscou-lhe o nariz. — Você é terrível. Ela sorriu. — Sim, mas você gosta de mim assim. O sorriso malicioso o excitava. Ele não a desejava assim havia anos. — Você está certa — respondeu com a voz rouca. — Eu gosto. — Havia uma parte dele que faria qualquer coisa para que ela continuasse amando-o. Naquela manhã, mais tarde, Dr. Dominguez foi ver a paciente e deu a Lúcio um relatório encorajador. — Ana realmente está melhorando — disse o médico. — Continue a fazer o que tem feito. — E a memória? — Lúcio perguntou, enquanto conduzia o médico à porta. — Vai voltar quando recobrar as forças. Dê as informações aos poucos. Se tentar ir rápido demais, ela pode piorar. — Piorar como? — Nada sério, mas pode ter novos lapsos de memória, lágrimas, algumas mudanças de humor. Mas tudo isso é normal, considerando o que tem passado. Estou muito satisfeito com sua recuperação. E a enfermeira? Quer que continue cuidando de sua esposa durante o dia? — Não acho que seja necessário, já que estou em casa... — Lúcio parou e engoliu. Ele estava de volta. — Então, hoje é o último dia de Patrícia. — O médico estendeu a mão para se despedir de Lúcio. — Ligue se precisar de alguma coisa. Caso contrário, vejo sua esposa em meu consultório dentro de dez dias. — Ótimo. Mas o dia não foi calmo. Anabella não entendeu o motivo de Patrícia estar ali. Também não queria ficar na casa de campo. Jogou algumas roupas dentro de uma pequena sacola de viagem e desceu as escadas, chorando. — Vamos embora — disse, chorando e se dirigindo para a porta da frente. — Ana. — Sim, senhor? — perguntou zombando, mãos nos quadris e nariz empinado. Lúcio recolheu a sacola de viagem e pegou Ana pelo braço, trazendo-a de volta para casa. — Você ainda não está forte o suficiente para viajar.


— Ridículo! — Desvencilhou-se de Lúcio assim que ele fechou a porta da frente. — Estou ótima. Como sempre. — Está melhorando — concordou. — Mas ainda não está cem por cento, e precisa ter calma por enquanto... Ana ficou vermelha de raiva. — Não sou uma velha, Lúcio! — Nunca disse que era. — Mas está me tratando como se fosse! Está me mantendo prisioneira, como Dante. Lúcio perdeu a paciência. — Não sou como Dante! — retrucou, asperamente. — E se estou agindo como Dante é porque você está agindo como uma criança mimada. Ana subiu as escadas de volta ao quarto, batendo a porta. Lúcio permaneceu ao pé da escada, olhando para cima. Droga. Ana enroscou-se na poltrona e chorou como se o coração fosse explodir. Lúcio estava mudado. Ele podia dizer que tudo estava bem, que o sentimento não mudara, mas ele não era mais o mesmo. A porta se abriu depois de uma batida. Lúcio entrou. — Esqueci meu remédio? — perguntou, olhando de relance para ele. — Não. Mas posso encontrar algo com gosto horrível, se você quiser. Ela levantou o queixo. — Está zombando de mim? — Um pouco — disse, sorrindo. Ana sentiu uma forte onda de emoção percorrer o corpo. Lúcio fazia parte do seu mundo há tanto tempo que ela não podia imaginar sua vida sem ele. — Por que está chateado comigo? — perguntou, olhando para ele. — Não estou chateado — disse, aproximando-se dela. Lúcio carregava vários livros grandes com capa de couro. — Dormi pouco. — Então, vá dormir! — Não posso. Preciso entreter você. — Ele a levantou com um braço, e ela sentiu o calor do corpo e o cheiro que a envolvia. — Seja boazinha e sentese aqui comigo. Vamos ver uma coisa.


Ana queria ficar chateada com Lúcio, mas adorava o tom carinhoso da voz dele e a delicadeza com que a segurava. Olhando de relance, viu a mandíbula quadrada, o queixo firme e liso e a barba cerrada de Lúcio. Ainda não tinha se barbeado esta manhã. Ana estava feliz. Adorava quando ele não se barbeava, adorava o cabelo longo e os ombros largos, adorava os músculos rígidos das coxas. Ana acariciou levemente o rosto coberto com pequenas cerdas pretas. A aspereza da barba contrastava com a suavidade da boca. Ele era assim. Forte por fora. Gentil no íntimo. Lúcio não estaria ali se não a amasse. Num impulso, Ana beijou-lhe o canto dos lábios, pegando parte da barba e dos lábios. — Mostre-me as fotos, querido. Sou toda sua.

CAPITULO CINCO — Sabe quem é? — Lúcio perguntou, abraçando Ana e apontando para a foto de uma adolescente sisuda ao lado da versão muito mais nova de Dante. Folhearam tudo silenciosamente, mas a foto da adolescente sisuda chamou a atenção de Lúcio. Ela usava uniforme escolar e, apesar disso, parecia elegante e refinada. Era possível ver a inteligência nos traços finos e aristocráticos, mas também era possível ver a dor. Não havia esperança nos olhos escuros e sombrios. — Paloma — Ana tocou a foto suavemente, quase acariciando o rosto pálido, abatido e triste. — Irmã de Dante. Minha meia-irmã. — O que aconteceu com ela? Nunca haviam falado sobre Paloma. — Ela fugiu para os Estados Unidos. Não me lembro muito bem dela. Eu tinha sete anos quando ela foi embora e nunca mais a vi. — Ela parece tão infeliz. — Papai e a mãe dela arranjaram-lhe um casamento. Paloma recusou. A mãe dela a trancou no quarto durante semanas. Tadeo destrancou a porta. Paloma foi embora naquela noite e papai a renegou. Disse que estava morta. Folhearam mais algumas páginas, parando em uma série de fotos tiradas na praia.


— Mar del Plata? — indagou Lúcio, tentando adivinhar. — Tínhamos uma casa lá. Íamos todo verão, em janeiro. — Ana sorriu ao ver a foto dela, de Estrella e Tadeo na praia, posando com os novos trajes de banho. Estrella com quase dezessete, Ana por volta dos treze, e Tadeo no meio. Todos os garotos que conheceram naquele verão se encantaram com Estrella. Apareciam aos montes na casa de praia. Estrella não dava a mínima. Estrella, bonita de rosto e de corpo, não queria um namorado. Queria se tornar uma missionária e salvar o mundo. — Os garotos eram loucos por Estrella — disse, evitando falar em Tadeo. Nunca conseguira superar a morte de Tadeo. — Ela é quase tão bonita quanto você — disse Lúcio, dando-lhe um beijo na cabeça. — Mais bonita. Ela se tornou modelo na Itália, depois que papai a proibiu de se juntar ao Corpo de Paz. — O coração de Ana começou a doer, com emoções contraditórias. — Então, você e Dante são os únicos que ainda estão na Argentina — Lúcio concluiu. Os olhos de Ana queimavam e ela engolia com dificuldade. Era verdade. De uma forma ou de outra, perdera todos eles. Exceto Dante, o irmão mais velho, que tinha ficado para cuidar dos negócios, dos problemas, do nome da família. — Eu não o odeio — ela sussurrou, as lágrimas queimando-lhe os olhos. — Eu amo Dante. — Sei disso. Ela fechou o álbum e o levou até o peito, segurando-o com força, perto do coração. — Ele sempre quis o melhor para mim. Assim como adorava Dante, ainda sentia muita saudade de Tadeo. Não havia um só dia em que não pensasse nele. Tadeo era sensato, gentil, com um coração do tamanho do mundo. Nunca julgava nem criticava. Quando morreu, Ana desejou morrer junto. — Dante morava em Nova York quando Tadeo morreu de overdose — disse, enxugando uma lágrima. — Dante tinha uma namorada e um emprego em Nova York. Mas quando Tadeo morreu, Dante desistiu de tudo em Nova York e voltou para casa.


— Ele tenta proteger você. — A voz de Lúcio era suave. — Porque não quer ser o único. — Ana sentiu uma dor grande, quente e esmagadora. — Não posso culpá-lo. Também não quero ser a única. Lúcio abraçou-a. Ana chorava muito, mas ele acreditava que a esposa precisava disso. Em todo tempo juntos, nunca haviam falado muito sobre a família Galván. Hoje, pela primeira vez, Ana havia lhe dado um retrato real da família. Não as fotos publicadas nas colunas sociais, mas a família da qual Ana fazia parte. Apesar de ter sido unida, a família dos tempos de infância destruíra-se com o tempo, a raiva e a morte. Enquanto a acalentava nos braços, Lúcio sentiu o segundo álbum cair. Era o álbum de fotos do casal, e ele esperava analisá-lo esta tarde, mas sabia que a esposa não podia suportar mais, no momento. Ana ainda estava emocionalmente frágil. Ainda se recuperava de uma terrível enfermidade. Um pouco mais tarde, com o rosto ainda enterrado no peito de Lúcio, Ana concluiu que precisava parar de chorar. A camisa de Lúcio estava encharcada e ela estava começando a ter dores musculares por ficar na mesma posição durante tanto tempo. Erguendo a cabeça, olhou para Lúcio, que parecia preocupado. — Estou bem — disse, fungando e puxando a camisa molhada de Lúcio. — Mas você deve trocá-la. — Mmmm. — Ele a beijou na testa e depois riu, ao perceber sua expressão irritada. — Opa, esqueci. — Certamente esqueceu. — Ana saiu do colo dele. — Com licença... Foi ao banheiro, lavou o rosto, penteou o cabelo e passou um pouco de maquiagem para disfarçar o nariz vermelho e os olhos inchados. — Melhorei? — perguntou, indicando o próprio rosto. — Não sei. Eu estava gostando da virgem histérica. — Virgem? — Ana sempre gostou do quanto ele era alto e bonito. Tinha ombros largos e pernas longas. — Deixei de ser virgem quando conheci você. — Nunca se esquecera da primeira noite juntos. Lúcio não tinha a menor idéia de que Ana era virgem e tinha somente dezessete anos. Foi a noite mais maravilhosa da vida dela. — Bem, você sempre será minha virgem — respondeu, e o sorriso era tão


quente e tão íntimo, que Ana tinha certeza de que Lúcio também se lembrava daquela primeira noite. — Você coleciona virgens? — Não. Só quero você. Os olhares ficaram presos um ao outro por tanto tempo que Ana começou a sentir o corpo esquentando. Sentia a intensidade do olhar de Lúcio como uma carícia em seu rosto, um toque em seu peito. Lúcio sabia como ela se sentia. Ana tinha certeza de que ele sabia que o corpo dela era puro calor e desejo. — Faz muito tempo que... — ela interrompeu, tocou o lábio superior com a língua, desejando saber o motivo da secura na boca, da batida do coração. — Que não... fazemos sexo?

Sexo. Por que ela disse sexo? Por que não disse amor? Nunca fizeram sexo. Sempre fizeram amor. Ana viu o olhar de Lúcio minguar e seu rosto corou. De repente, ela se sentiu nua, mas não era por causa da pergunta nem da conversa. Algo estava diferente entre eles. Lúcio estava diferente. Ou era ela? — Faz algum tempo — ele respondeu, calmamente. Entretanto, Lúcio não estava calmo por dentro. Anabella sabia, porque via o fogo em seus olhos. Ana fechou os olhos, pensando que, se havia algo ruim, não queria saber, não estava pronta. Se ele tivesse encontrado um novo amor... ela preferia ter um dia perfeito com ele antes que as notícias ruins chegassem. — Você está parecendo Paloma e Estrella. — A voz rouca de Lúcio quebrou o silêncio. — Tão triste. Mas não fique triste. Não precisa ficar triste quando estou aqui. Ana colocou as mãos no abdômen de Lúcio e as palmas das mãos foram subindo até o peito, sentindo a suavidade da pele e a força do músculo. — Então, prometa que vai ficar. Lúcio olhou-a como se fosse algo muito precioso, mas muito fugaz. Como se Ana fosse um sonho. Uma nuvem. Uma miragem. — Ficarei até me pedir para ir embora. — Nunca — ela sussurrou. — Nunca é muito tempo. — Sim — disse, colocando as mãos dele em seu rosto. — Você disse a mesma


coisa com relação à palavra sempre. Mas não tenho medo do tempo nem da vida. A única coisa que me dá medo é não estarmos juntos. Lúcio não conseguia respirar. Precisava sair dali. Não podia fazer isso. Precisava lhe contar a verdade. Ana odiava o casamento. Tinha pedido o divórcio.

Diga a ela, seu idiota, antes que ela o machuque novamente. Diga e acabe com essa dor horrível. Mas Ana o olhava com muito amor. Lúcio abaixou a cabeça, e sua boca cobriu a dela. Não podia fazer isso, mas precisava ter somente aquele beijo. Precisava tocá-la, senti-la, cheirá-la, prová-la e salvar este beijo para sempre.

Eu amo você. As palavras estavam lá, na cabeça, enquanto sua boca tocava a dela. Eu amo você, meu amor. Amo tudo que você é e tudo que fomos. A porta do quarto se abriu de repente e Lúcio ergueu a cabeça. Patrícia estava à porta com uma bandeja nos braços. — Almoço para a senhora. — Pode colocar na mesa. — Lúcio afastou-se de Anabella. Sentia-se mal, por dentro. Sentia-se desprezível. Não podia fazer isso com Ana, não podia se aproveitar dela. — Gostaria que lhe trouxesse uma bandeja também, senhor? — a enfermeira perguntou, arrumando o almoço de Ana na mesa. — Não. Obrigado. — Mas o senhor não comeu nada hoje. — Estou bem — respondeu, um pouco irritado. Ele tinha levado os álbuns de fotos para ajudar Ana a recuperar a memória e, em vez disso, arranjara confusão. A enfermeira franziu as sobrancelhas, preocupada. — Sei que não tem dormido, senhor. Deve estar cansado. Deveria descansar um pouco. — Obrigado — balançou a cabeça e deixou o quarto. Lúcio passou o resto da tarde fechado no antigo escritório, trabalhando. Imaginou que o trabalho o ajudaria a esquecer. Lúcio ainda estava debruçado sobre a escrivaninha, no fim da tarde, quando a porta do escritório se abriu.


— O lobo mau se foi — disse Ana, com um sussurro zombeteiro. — Estamos livres para brincar. Lúcio recostou-se na cadeira. Ana não tinha se referido à enfermeira Patrícia como sendo o lobo mau, tinha? — De quem está falando? — Daquela abelhuda que gosta mais de você do que de mim. Teve de disfarçar bem para não alterar o semblante. — Não acho que seja essa a questão — disse, satisfeito em ver Ana. Não havia ninguém no mundo que ele amasse mais. — Oh, não? Então, quem sou eu? Oh, senhor, pobrezinho! Está cansado? Deve estar cansado! — Ana colocou as mãos na cintura. Afastando-se um pouco da escrivaninha, Lúcio pensou que a imitação era boa. — Não tenho certeza de quem está tentando imitar. — Parece tão faminto. Vou alimentá-lo, senhor. Está fraco. Vou desabotoar meu vestido. Tenho algo muito especial para lhe dar... Lúcio colocou um dedo nos lábios de Ana, silenciando-a, sem saber se deveria ficar satisfeito ou contrariado. — Você está com ciúmes! A ponta da língua deslizou pela palma da mão e Lúcio ficou excitado ao sentir a língua molhada e fresca contra o corpo quente. Adorava a boca de Ana tocando o corpo dele, mas não podia deixá-la fazer isso. Ele soltou um grito quando ela o mordeu. — Que diabo é isso? — xingou e puxou a mão. — Não sou ciumenta — disse Ana, docemente. — Só estava dizendo o que vi. Ele examinou as marcas agudas dos dentes dela em sua mão. — Você é um animal. — Eu sei. — Ana sorriu, abraçou Lúcio pela cintura e se esfregou nele. — Agora me leve para passear. — Como um cachorrinho? Ela quase o mordeu novamente. — Não, como uma pantera em uma coleira. Ana suspirava com prazer enquanto caminhavam pelo pátio.


— Sinto falta de sair—disse. — Gostaria de fazer isso mais vezes. — Vai ser uma noite bonita — ele concordou. Enquanto observava o horizonte, Ana sentiu uma dor estranha. —Tudo parece um sonho.—Ela fitou Lúcio.—Também acha isso? — O tempo todo. — Talvez seja o fato de estar aqui, nesta casa, mas o tempo parece confuso. A vida também. E como se eu pudesse ver o passado e o futuro ao mesmo tempo. Lúcio olhou-a de relance. — E o que você vê? Anabella deslizou um braço ao redor da cintura de Lúcio. Seu coração batia rápido e com força. — Eu vejo... eu vejo... — suspirou mais uma vez, mas não conseguiu continuar. Tinha medo de dizer o que pensava. Não sabia de detalhes, fatos. Era somente um pressentimento. — Vejo uma caminhada — disse, tirando o braço que estava ao redor da cintura de Lúcio, feliz por ter vestido um suéter. Sentia frio por dentro. Muito frio. Havia coisas que Lúcio não lhe contara e ela não sabia como descobrir.

Vá devagar, disse a si mesma. Não há motivo para pressa. Foi um dia bom. Todo dia com Lúcio é bom. E ele está aqui. É o que você quer, não é? — Você está bem aquecida? — Lúcio perguntou. Deve ter visto seu arrepio. Forçou um sorriso e balançou a cabeça positivamente. Era difícil esconder o medo. — Sim. Tenho meu suéter. Obrigada. Desceram as escadas do pátio até o jardim. — Aconteceu alguma coisa entre nós? — perguntou, ao passarem pelo jardim de ervas. — Brigamos? Algo relacionado ao bebê? — Não. Ela percebeu a mandíbula de Lúcio enrijecer, sentiu que ele se retraía. Alguma coisa tinha acontecido. — Fiquei com raiva porque não estava comigo quando perdi o bebê. O olhar de Lúcio minguou. — Ficou chateada comigo porque eu não estava com você?


— Fiquei chateada porque não consegui manter o bebê. — O bebê nasceu prematuro. Não sobreviveu. Ela balançou a cabeça. — Não acredito nisso. Acho que há um bebê. Realmente acho isso. Pararam de caminhar. Ele a olhava fixamente. — Quantos anos você tem? — perguntou, abruptamente. Ana sentiu-se ultrajada. Ela estava falando sobre a criança desaparecida, e ele queria saber quantos anos ela tinha? — Está tentando ser engraçado? — Não. — Que tipo de pergunta é essa? Uma brincadeira? — Não, Ana. — A voz era séria. O rosto estava sisudo. De repente, tudo relacionado a ele parecia frio. — Responda à pergunta. — Tenho dezoito anos, e essa pergunta é idiota. Lúcio resmungou alguma coisa que Anabella não conseguiu compreender e afastou-se dela, zangado, voltando para casa. Ela correu para alcançá-lo. — O que há com você? — exigiu saber, parando-o no pátio coberto pelas árvores. — E não me venha mais com nenhuma mentira condescendente! Sei que algo está errado. Diga-me o que é. Lúcio balançou a cabeça, franziu as sobrancelhas, o semblante ficou sério. Não disse nada. Apenas balançava a cabeça. — É relacionado a mim? Fiz algo errado? — Não, Anabella. Deixe tudo como está. — Não posso! Não quando sei que há um problema... — Sim, há um problema. Você adoeceu. Fiquei preocupado. Disseram que poderia morrer. — Mas não morri. Estou aqui e quero estar com você. — Leva tempo... — O que leva tempo? — A adaptação. — A voz de Lúcio era severa. — Estou feliz que esteja melhor, mas parte de mim não sabe o que fazer. — Não há o que fazer. Estou melhorando a cada dia. Ele balançou a cabeça, concordando. O cabelo preto puxado para trás deixava o rosto à mostra, salientando os traços marcados pelas altas maçãs


do rosto, o ângulo da mandíbula, o queixo quadrado. — Estou melhorando — ela insistiu. Ana sentiu uma pontada de medo. Mais uma vez, tinha a estranha sensação de estar vendo o passado e o futuro ao mesmo tempo. — Eu sei o que é a morte, Lúcio. A morte é permanente. A doença não. — Abaixou a cabeça e abotoou o casaco de lã. — Fui eu que encontrei Tadeo. Nunca lhe disse. Mas fui eu que descobri Tadeo na cama. Fui eu que pedi ajuda. Fui eu que fiquei com ele até a ambulância chegar porque mamãe desmaiou... e papai... — a voz foi sumindo enquanto ela revivia o passado em detalhes. Paloma indo embora. Estrella indo embora. O acidente de carro que levou o pai à morte, dois anos depois de Estrella ter se mudado para a Itália. Ele saíra da estância, em San Antônio de Areco, para ir à cidade num domingo, tarde da noite. Calculou mal a estreita estrada de mão única, e acabou. Foi o fim do Conde Tino Galván. Depois Tadeo. Tadeo. — Enterrar Tadeo poderia ter sido meu fim. — Ficou surpresa com a firmeza da própria voz. — Mas aí encontrei você e tudo mudou. Você pegou os pedacinhos do meu coração e o consertou. Me deu esperança. Levantou a cabeça e olhou para ele. —- Você ainda me dá esperança. Lúcio soltou um gemido e desviou a cabeça. — Por que faz isso? — perguntou, irritada, os olhos queimando. — Por que não olha para mim? Por que tem tanto medo de me tocar? Me trata como algo perigoso. Tóxico. — Você não é tóxica. — A voz continuava severa. — Está longe de ser tóxica. — Mas? — Não há mas. Você é bonita. Inteligente. Sexy. Engraçada... — Ele parou e olhou para o céu. — Não tive uma infância dolorosa. Cresci feliz. Tive sorte. Fui abençoado. Olhou para Ana. — Depois tive você. — E foi o início do fim, certo? Lúcio encolheu-se ao perceber o rancor na voz da esposa. — Não, Ana, foi o começo do começo. Cheguei à conclusão de que nunca havia


vivido até conhecer você. O semblante era sisudo, embora a voz fosse suave. — Você me ensinou o significado do amor, o significado da vida. Mudei para sempre. — Tentou esboçar um sorriso. — Por sua causa. — Como? — Oh, Ana, você deveria saber essa parte. Você, Anabella Galván, concretizou o amor para mim. Eu tinha mãe e pai, mas o amor deles não era nada comparado ao amor que vinha de você. Ao amor que senti por você. — Ele ficou em silêncio, por um momento, analisando-a. — Por sua causa, sou uma pessoa diferente hoje. O coração dela doía. — Isso é bom ou ruim? — Foi bom. — Parece maravilhoso — ela sussurrou. — Foi. — Contudo, você usa o verbo no passado. Perdemos isso, Lúcio? — Não. Sim. — Lúcio encolheu os ombros.,— Dissemos e fizemos coisas. Erramos. — Então, brigamos. — Não foi uma briga. Foi... Nós... — Lúcio encolheu os ombros novamente, um gesto de incapacidade vindo do homem menos incapaz que ela jamais conhecera. — Oh, Ana, simplesmente crescemos.

CAPÍTULO SEIS Ana estava com medo de saber tudo, mas não podia parar agora. Precisava fazer perguntas que pudessem ajudá-la a reunir todos os pedaços do passado. Nervosa, Ana deu um suspiro profundo. — E o bebê? — sussurrou, apertando os dedos. — Chegamos a encontrá-lo? — Ana. Manteve os dentes juntos, lutando para permanecer calma. — Você não quer que eu fale sobre isso, mas há um bebê, Lúcio. Uma onda de


ternura e tristeza invadiu Lúcio. Pobre Anabella. Nunca aceitara a perda da criança, nem o fato de que nunca mais poderia ter outro bebê. Abortara quando a gestação já estava bem avançada, e, numa tentativa de estancar a hemorragia, tinha sido machucada ao ponto de não poder conceber novamente. Embora tenham tentado muito. — Ana — disse, calmamente —, você perdeu o bebê. — Não perdi. — Perdeu. — Lúcio pegou o braço de Ana. — Temos uma criança — ela disse, asperamente. — É um menino. Lúcio esforçou-se para não perder a paciência. O médico havia previsto que Anabella continuaria com falhas de memória, além de mudanças de humor. Ele achava que era simplesmente uma pequena piora. Nada sério. Conduziu-a até a varanda. — Lúcio, está me ouvindo? — Sim. — Ele precisava continuar lhe dando apoio. — Onde está esse menino, Ana? — perguntou, calmamente. — Onde vive? Quem cuida dele? Ela estremeceu. — Não sei. E por isso que devemos encontrá-lo, Lúcio, devemos trazê-lo para casa. Lúcio sentou em uma das espreguiçadeiras da varanda e puxou-a para junto dele. Ana sentou-se perto de Lúcio, o quadril e o ombro roçando no corpo do marido. Era gostoso sentar assim. Lembrava-o da forma como seus corpos se sentiam quando estavam nus. Lembrava-o das mãos dela em sua cintura, do seu corpo junto ao dela. Mas não podia pensar nisso agora. — Querida, se realmente houvesse um bebê, um menino, você teria me dito — disse, gentilmente. — Conheço você, Anabella. Não conseguiria esconder isso de mim. Os olhos encheram-se de lágrimas e o olhar ficou distante. — E se eu tivesse escondido? — ela sussurrou. — E se essa dor me consumisse até não me deixar mais dormir, comer, pensar claramente? Lúcio olhou para Anabella, incapaz de pensar em algo para dizer. Ou ela estava terrivelmente confusa, ou tinha escondido dele uma grande parte da sua vida íntima.


— Esperava ter encontrado o bebê antes de você voltar. Tenho tentado encontrá-lo, mas perdi todas as pistas. — Acho que você espera muito de si mesma agora... — Não estou maluca! Lúcio, no íntimo, estava nervoso. — Nunca disse que estava. — Não, mas está insinuando. Estou lhe dizendo — pegou a mão dele e apertou-a com força. — Temos um bebê. Ele não morreu. Era para ter sido devolvido para mim assim que me recuperasse do parto, mas eles o levaram e... — inspirou fundo — o venderam. Lúcio sentiu o estômago revirar e se levantou. As bobagens de Anabella o estavam afetando. Estava perturbada, imaginando coisas e, por mais que quisesse ajudá-la, não sabia se poderia. Não se ela continuasse a dizer coisas tão horríveis. Lúcio desabotoou a camisa para poder respirar. Voltou para dentro de casa e atravessou o corredor que dava na porta de entrada. Ia dirigir para se acalmar. — Lúcio! A voz de Ana perfurou o corredor. Ele queria ignorar o choro assustado dela, mas não conseguia. — É verdade, Lúcio. — A voz dela ecoou, suave, no corredor. Contudo, as palavras estavam suficientemente claras em sua cabeça. — Preciso que me ajude a localizar o bebê. Por favor. Lúcio virou-se devagar, voltando as costas para a porta da frente. Estava tão perto da liberdade. Precisava escapar. Se fosse honesto, admitiria que esse aspecto da doença de Anabella o atormentava. — Só vou sair um pouco — disse. — Volto para o jantar. Só vou ao meu escritório, arrumar algumas coisas... — Tenho provas. A voz dela tremia. Ele ficou paralisado, olhando para ela, incapaz de pensar em algo para dizer. — Tenho mesmo. Ela o conduziu ao quarto e parou, olhando ao redor.


— Onde estão? — O quê? — perguntou Lúcio, cansado. — Minhas coisas. As coisas do bebê. — Nunca vi nada de bebê no meio das suas coisas. Ana levou as mãos à cabeça, que latejava. Nada fazia sentido. Sabia que tinha todos os papéis em uma caixa. Uma caixa azul como o céu, com listras brancas fininhas. — Sempre a mantive escondida. É uma caixa de sapato azul. Talvez Maria a tenha colocado em algum lugar. — Não vi nenhuma caixa azul. Sentiu os olhos se encherem de lágrimas. — Você não sabe tudo! — Nem você! Os dois estavam com a respiração acelerada. Ela o odiou naquele momento. Era tão arrogante, tinha tanta certeza de que estava certo. — O que é que eu não sei? — perguntou. — Que o tempo passou. — Eu sei. — Muito tempo se passou. Seu coração começou a bater forte. — Quanto tempo? — Cinco anos. Ana sentiu suas pernas desaparecerem. Se Lúcio não tivesse ido ao encontro dela rapidamente, Ana teria caído. Apesar dos protestos, ele a pegou nos braços e a carregou até a cama, procurando o telefone. — Não chame o médico. Não é necessário. Eu me desequilibrei... Mas Lúcio a ignorou. — Sim, Stephen, ela desmaiou bem na minha frente... — Não desmaiei! — Ana gritava, tentando sufocar a voz de Lúcio. — Eu me desequilibrei. Não desmaiei. O olhar de Lúcio era ameaçador. — Oh, pare com isso — ela disse, tentando arrancar o telefone dele. — Você


não manda aqui! — Mando sim! — Lúcio retrucou, inflexível, antes de voltar a atenção para o médico. —- Sim, ela recobrou os sentidos imediatamente. Não, ela não perdeu a consciência. — Estou bem — Ana insistiu. Lúcio apontou para os travesseiros. — Deite-se. — Não estou doente. Fiquei chocada. Ainda estou. Agora, me dê o telefone! Ela conseguiu arrancar o telefone da mão de Lúcio. — Oi, Stephen, sim, está tudo bem. Só me desequilibrei. Não perdi a consciência. Nada sério. Diga isso ao meu marido... — ela parou horrorizada e olhou para Lúcio. Sentiu o coração bater forte, rápido e furioso. — Diga ao meu... marido... que estou bem. Ana devolveu o telefone a Lúcio. Estava casada com Lúcio. Como sabia disso? Como se lembrou? Ela ouviu Lúcio despedir-se do médico e desligar o telefone. Por um longo tempo, o quarto ficou escuro e silencioso. — Você se lembrou. — Lúcio quebrou o silêncio. Ela estava congelada. Não conseguia conter seus pensamentos. — Se já se passaram cinco anos... — a voz desapareceu e ela mordeu o lábio inferior. Cinco anos perdidos, dos quais ela só lembrava que Lúcio era seu marido. — Você tem quase vinte e três anos — ele continuou, calmamente. Ana sentia-se incrivelmente boba e vulnerável. Não queria falar sobre nada agora. — Pode esperar um pouco? Preciso de tempo. — Precisamos conversar. — Não. — Os dedos apertavam os joelhos. — Agora não. Os olhos de Ana queimavam, mas não havia mais lágrimas. Estava casada com Lúcio há anos... Era tudo tão assustador. Lúcio sentiu o nervosismo dela. Tudo podia mudar — exceto o desejo que sentia por ela. — Não ria — ela disse, ao se ajoelhar. — Por que não? Você me faz rir. — De repente, ele sentiu que a raiva o queimava vivo. Ele sentiu um vazio no estômago, como se os músculos estivessem dando um


nó. — Pelo menos, você me fazia rir. — Você adorava me provocar — ele continuou —, assim como gostava de provocar a todos. Era tão cabeça-dura. Sempre deu trabalho à sua família, especialmente ao seu irmão. Dante estava sempre preocupado com você. Ana ficou quieta por tanto tempo que Lúcio pensou que talvez ela tivesse flutuado, que a mente tivesse fugido para outro lugar. — Não me lembro — disse, finalmente. — Eu sei. Ela curvou a cabeça, escondendo o rosto novamente. — Talvez nunca me lembre. O estômago dele queimava. — Então, vamos recomeçar. Ana olhou para Lúcio novamente, com um olhar intenso. — De novo? — Sim. — Ele se esforçou para sorrir e manter a calma, quando o que realmente queria era pegar a cadeira no canto do quarto e arremessá-la contra a parede. — De novo. Ana não respondeu. Ficou simplesmente a observá-lo com os olhos muito brilhantes e a boca fechada, que não sorria há horas. Anabella não podia suportar mais nenhuma conversa. Não queria escutar mais nada nem fazer perguntas. Estava assustada e precisava de tempo para digerir o que ele lhe havia falado. Precisava de calma para lidar com as próprias emoções. — É tarde, não é? — perguntou, espreitando a janela e a noite escura, sentindo que ia chorar, apesar de não saber por quê. Deveria estar feliz porque era casada com Lúcio. Sempre quis isso. Então, por que não estava alegre? Por que não estava aliviada? — Falta pouco para o jantar. Ana virou-se, fechou os olhos e segurou as lágrimas quentes. — Estou muito esgotada — disse, lutando para manter a voz natural. — Você se incomodaria se eu jantasse sozinha no meu quarto, hoje à noite? O semblante do marido era severo, fechado. Parecia tão chateado quanto ela. Entretanto, ao responder, pareceu muito calmo. — Claro que não. Faremos o que você quiser, querida.


Lúcio jantou sozinho na varanda. A mesa, somente velas para iluminar a refeição. O jantar silencioso fez com que se lembrasse da antiga vida que deixara para trás, na qual tinha sido tão livre. Ele amava a vida nas montanhas, nos pampas, e aquela vida o satisfazia plenamente. Até conhecer Ana. Ao entrar em casa, percebeu o quanto era irônico que ele, que nunca tivera nada, agora tivesse tudo. E ele, que nunca quisera nada até conhecer Anabella, agora não a tivesse. A casa estava escura. Lúcio ficou tanto tempo do lado de fora que até Maria tinha apagado as luzes da cozinha e ido embora. Lúcio trancou a porta da frente e a dos fundos e subiu. Enquanto subia, pensava em Anabella. Parado no topo da escada, no escuro, Lúcio sabia que não poderia dormir sem falar com Ana. Sua consciência não permitiria. Seu coração o proibia. Abriu a porta do quarto devagar. O quarto estava escuro e o brilho da lua lá fora era fraco. Lúcio a viu encolhida na cama. Ana não se mexeu nem falou com o marido, mas os olhos estavam abertos e podia vê-lo. — Queria dizer que sinto muito se a magoei. — Limpou a garganta. — Me perdoe, Anabella. — O que há para perdoar? A voz soava rouca. Ela havia chorado. Lúcio foi em direção à cama. Ana levantou a coberta, cobrindo a cabeça. Escondeu tudo exceto os dez dedinhos agarrados ao lençol. Lúcio queria que Anabella abaixasse o lençol. Queria ver seu rosto. Inclinouse e beijou cada um dos dedos. Ana era tão teimosa. Com a ponta da língua, Lúcio tocou, levemente, uma articulação. Ana gemeu. Ele sorriu e cobriu o dedo com a boca. Chupou o dedo delicadamente e, depois, com mais força. Enquanto isso, ela se retorcia debaixo da coberta. Deu a mesma atenção aos outros dedos, mas Anabella continuava escondida sob a coberta. Lúcio levantou-se e foi em direção à porta.


— Boa noite. — Não vá. Ele se virou. Ana estava sentada na cama. O quarto estava tão escuro que era difícil vê-la, mas podia avistar os olhos bem abertos. — Somos realmente casados? — perguntou. — Sim. — Há quanto tempo? — Há alguns anos. — O quarto escuro ficou ainda mais sombrio. — Por que não me disse antes? — ela sussurrou. — Porque você não estava bem. Quando voltei, depois que sua família me chamou, você estava muito emotiva. Muito frágil. Lúcio viu o nervosismo estampado no rosto de Ana. — Esta é a nossa casa, não é? — perguntou, deslizando a mão pela colcha de seda. — Sim. Ela tocou o tecido luxuoso novamente. — Não parece nossa casa. — Vivemos aqui há quase quatro anos. Ela não disse nada. Lúcio podia ver a confusão nos olhos de Ana. — Você ainda não lembra muito, não é? Ana balançou a cabeça. — Passei horas tentando lembrar, mas não consigo. — Tenho fotos do nosso casamento. Vou buscá-las, se quiser... — Não. Hoje à noite não. Não agüento mais pensar. Não suporto me sentir tão... vazia. Parecia exausta. Ele queria envolvê-la nos braços e protegê-la. — Desculpe, querida. Lúcio viu o lábio inferior dela tremendo. Daria tudo para beijá-la, fazer o tremor ir embora. — Você sabe que nunca quis magoá-la. — Venha aqui. Me abrace. Lúcio suspirou fundo. Queria abraçá-la mais que tudo, mas não confiava em si mesmo. Tinha medo de tocá-la, medo de não conseguir controlar o desejo.


Era uma eternidade desde que fizeram amor pela última vez. — Não posso — disse, buscando as palavras. — Por quê? — Porque não sei se conseguiria me controlar. — Não se controle. Aquelas três palavrinhas dela fizeram Lúcio sentir uma explosão de desejo por todo o corpo.

Para trás, disse a si mesmo. Mas não conseguia se mexer. A excitação era forte. Se não tivesse cuidado, a colocaria debaixo dele, a preencheria por completo, se enterraria nela. — Você disse que somos casados. — Mas faz tanto tempo... — Bem, foi você que veio me ver. A voz dela flutuava até ele no escuro. Ele mal podia vê-la, mas podia senti-la. Um toque, disse a si mesmo. Queria apenas um toque. Mas não estavam mais juntos, e ela não se lembrava. Ela havia pedido o divórcio, embora o desejasse agora. — Fique — a voz rouca suplicava, na escuridão. — Eu não mordo. Lúcio quase riu. — Morde sim. — Ana geralmente o mordia quando faziam amor. Também o arranhava. Cicatrizes que ele carregava com orgulho. Cicatrizes que tinham se curado e desaparecido. Há muito tempo não faziam amor de forma tão quente, selvagem. Muito tempo desde que ele fizera qualquer tipo de amor. — Ana. — A voz era tão baixa e tão cheia de desejo que machucava os próprios ouvidos. — Venha — ela sussurrou. Foi loucura ter ido até o quarto. Tentara tanto ficar longe dela. — Você tem passado por muita coisa, Ana. Ainda não está muito forte. Odiava sentir as calças justas. Seu corpo iria traí-lo. Ouviu o farfalhar do tecido, o sensual deslizar de seda sobre seda. Ana deixara a cama e caminhava na direção dele. Parou diante dele, apenas a um


passo. — Você é tão teimoso — zombou, delicadamente. Ele estava se afogando sob o peso dos milhares de sonhos e desejos que tivera ao longo dos últimos meses de solidão. — Me toque, Lúcio. — Não posso. — Pode. Só você pode me fazer voltar a ser eu mesma, e é isso que eu quero. — Não. — A resposta saiu como um gemido de dentro do peito, uma dor tão intensa que parecia que tinham arrancado seu coração. — Não posso fazer isso, Ana. Sabia que a esposa nunca o perdoaria se fizesse amor com ela no estado em que se encontrava. Os braços de Ana envolveram Lúcio pela cintura. As mãos o acariciaram sensualmente. Encostou o rosto no peito dele. — Não seja covarde — provocou-o, erguendo o rosto. — Não sou. Com a claridade da lua, Lúcio viu perfeitamente o rosto de Anabella, os olhos repletos de emoção e paixão. Incapaz de resistir, ele a beijou ardentemente.

Eu amo você, pensou, a leve pressão dos lábios fazendo-a tremer. Eu amo você, Anabella, eternamente. Sempre amarei você. E o corpo dela tremia junto ao dele. Ana implorava que Lúcio a tomasse nos braços, a abraçasse, mas ele não fez nada. Lúcio terminou o beijo e ergueu a cabeça. Os cílios dela tremiam. Ana abriu os olhos. Ela o encarava e, na luz branca suave, Lúcio viu o brilho das lágrimas nos olhos da esposa. — Você adorava me beijar. — A voz soava jovem e confusa. Lúcio queria beijar as lágrimas que caíam dos olhos de Ana. Queria segurar o rosto dela e fazer desaparecer a tristeza, a dor e a confusão de uma vida estilhaçada. Mas ela precisava de estabilidade e de realidade, mais do que de um mundo de fantasia com ele. — Continuo gostando. — Mas você não me deseja?


Oh, minha menina, eu desejo você, mas preciso protegê-la. Mesmo que isso signifique protegê-la de mim. — Lembre-se do quanto esteve doente. Seu corpo ainda está se recuperando. Ana reagiu, indignada. — Já me recuperei. Olhe para mim — e ergueu os braços, a luz do luar banhando a pele e os seios. — Estou perfeitamente saudável. Sim, o corpo dela parecia perfeitamente saudável. E lindo. Ele não conseguia tirar os olhos dos seios da esposa e do contorno dos pontudos mamilos contra a fina camisola de seda dourada. Podia imaginar a camisola caindo e deixando o corpo à mostra. Ele a queria nos braços, queria-a nua contra o corpo dele, embaixo dele. Queria o seio dela em sua boca, as mãos em seus quadris, seu corpo dentro do dela. Mas isso não ia acontecer. — Boa noite, Anabella. — Forçou um sorriso para diminuir a dor que o consumia. — Vejo você de manhã. Em seu quarto, Lúcio bateu com a cabeça na porta, o corpo arrepiado de desejo, o coração doendo com a perda. Seu sonho era estar com ela novamente. Mas não podia.

Conte até dez, disse a si mesmo, evitando pensar no calor que queimava o corpo. Conte até dez, depois até vinte e, se não funcionar, comece tudo de novo.

CAPITULO SETE Anabella acordou cedo, depois de uma noite de sono irregular. Tinha sonhado muito, sonhos impetuosos e fantásticos, mas acordou frustrada e exausta. Ela desejava Lúcio. Sabia que ele também a desejava. Sempre houve uma forte atração entre eles. Estava na hora de ressuscitar essa atração. Ana jogou a coberta para o lado e foi tomar uma chuveirada. Ao menos tinha um objetivo para aquele dia. Ana encontrou Lúcio no andar térreo, se preparando para tomar o café da


manhã. — Acordou cedo — ele disse, puxando a cadeira para ela. Ana sentou-se em frente a ele e sorriu para Maria, que lhe trouxe um café e um alfajor. — Decidi que devo voltar à rotina. Principalmente, se pretendo recuperar as forças. Viu Lúcio observá-la atentamente quando enfatizou a palavra força. — Devo ter certeza de que estou totalmente recuperada. — E com um doce sorriso, deu uma mordidinha no alfajor. O doce de leite estava pegajoso e ela sentiu um pouco de doce grudar no lábio superior. Sabia que ele a observava atentamente. Com a ponta da língua, lambeu o lábio sujo de doce de leite. — Não quero mais ficar doente. — Cuidadosamente, abriu a boca e fez o biscoito deslizar nos lábios. Lúcio emitiu um som forte vindo do fundo da garganta. Ana ronronou como se fosse uma gata. — Delicioso. — Limpou os dedos no guardanapo de linho, pegou o café e saiu da mesa. — Tenha um bom dia, Lúcio. Vejo você à noite. Lúcio teve um dia agitado no escritório, e a agitação aumentava à medida que o sol esquentava. Tirou a jaqueta e desabotoou a camisa, mas não conseguia se refrescar. É o calor, disse a si mesmo, fechando as persianas e pensando em Anabella. Ele a desejava muito. Nunca deixou de desejá-la. Era masoquismo dormir todas as noites na mesma casa que ela. Lúcio recostou-se na cadeira, fechou os olhos e tentou ver um caminho para a situação desastrosa em que se encontrava. Voltou tarde para casa, mas Ana o cumprimentou à porta, usando jeans justos, botas de salto alto e uma camiseta branca que mostrava as curvas dos seios. Não estava usando sutiã e ele viu, perfeitamente, o contorno escuro dos mamilos. — Gostaria de uma bebida? — perguntou, pegando o casaco dele e sorrindo docemente. — Não. — Era uma resposta ríspida, mas honesta.


— Teve um dia duro! — perguntou com outro sorriso inocente, mas ele percebeu a forma como Ana enfatizou a palavra duro. — Não foi ruim. — Nenhuma urgência ou pressão? Como um tesão doloroso? — Não. — Ele a olhou. Ele pagaria por isso. Ele a prenderia e a beijaria. Não. Ela adoraria. Ouviram passos no corredor atrás deles. — O jantar será servido dentro de uma hora — anunciou Maria. — Sem problema — Ana respondeu, alegremente, entregando a Maria o casaco de Lúcio. — Assim, o senhor e eu teremos um tempinho para... relaxarmos... juntos. A governanta dobrou o casaco, colocou-o no braço e desapareceu. — Não acho que seus planos sejam relaxantes — disse, enquanto Ana o conduzia à elegante sala de estar decorada e mobiliada por ela. — Medo de ficar sozinho comigo? — Não, não estou com medo de você. Talvez com medo por você. É tão frágil... — Por favor, senhor — interrompeu, recostando-se na cadeira, os olhos traquinas brilhando. — Não transforme isso em uma partida de luta romana. Tenho alguns passos que rapidamente o imobilizariam. — Seria um belo truque, querida — respondeu docemente, satisfeito por ela estar bem-humorada. Ana nunca mudaria. Seria impossível até o dia em que morresse. — É um desafio? — perguntou, encaminhando-se devagar até ele, uma fagulha de provocação no olhar. Ela queria brincar, e a diversão de Lúcio deu lugar à incredulidade quando ela parou em frente a ele e tocou sua coxa, seu quadril. O ar ficou preso na garganta. O corpo ficou quente e duro. Estava imobilizado. — Senhor, o que estava dizendo? — a mão carinhosamente grudada nos fundilhos das calças de Lúcio, e ele quase explodindo de tanta excitação. — Ana — gemeu, agarrando a mão dela. — Sim, senhor? — Pare com essa história de senhor. — Ergueu a mão dela, beijou a palma e


lutou contra o desejo de beijar cada dedo. Lutou contra o desejo de colocar a mão dela de volta ao local onde estava. Lúcio sentia calor. Muito calor e estava prestes a fazer uma coisa da qual se arrependeria. — Talvez pudéssemos dar uma caminhada, ou jogar cartas... — Você odeia cartas. — Sim, mas você costumava gostar. — Está bem. Vamos jogar strip pôquer. — Ana, você deveria estar descansando. Relaxando. Ela sorriu. — Estou relaxada. Ele se virou e massageou as têmporas. Relaxe, disse a si mesmo. Ela só está brincando. Está tentando animar um pouco as coisas. Uma voz dentro dele respondeu: Ela animou demais as coisas. Ana foi até o armário equipado com um bar completo, e ele a olhava repleto de paixão e desejo. Ela o fazia queimar de desejo. — Você encontrou o bar — ele disse, ainda lutando para manter a respiração sob controle enquanto ela abria as portas do armário. — Maria mostrou-me a casa e, depois, passei a tarde explorando por minha conta — respondeu, de repente, distraída. — Mas acabo de perceber que não sei o que você bebe. Lúcio não respondeu de imediato, completamente fascinado por ela. Ela o olhou de relance, por cima do ombro. — Do que você gosta?

De você. Mas não disse isso. Engoliu a onda quente de desejo e a fúria de emoções. Ela o fazia sentir-se tão intenso, tão vivo, e fazia uma eternidade que ele não queimava assim. — Vinho tinto. Ela observou o armário. — Não guardamos o vinho aqui, não é? — Não. Há uma adega lá embaixo. — Falar sobre coisas comuns lhe deu tempo para controlar o desejo e se concentrar em coisas importantes como a saúde dela. — Ainda não descobriu a adega? — Não. — Fechou as portas do armário. — A casa é grande.


— Você a decorou sozinha. — Eu a decorei? — levantou as sobrancelhas ao examinar a sala. — O que você faz? Como pagamos por tudo isso? — seu gesto incluía a mobília, as peças de arte, a casa em si. — Sou bem-sucedido. Você tem um antiquário. Um antiquário, repetiu silenciosamente, tentando digerir a informação. — É difícil acreditar. Não sinto isso... não me sinto assim. Nada disso é familiar. — Vai começar a se lembrar, Ana. Já começou. Mas não havia entusiasmo na voz dele, nenhuma alegria, e o coração dela minguou. — Éramos felizes, Lúcio? Ele ficou quieto e, por um momento, Ana não teve certeza se o marido responderia, começando a ficar irritada com o silêncio. — O que acha? — ele respondeu docemente. A intensidade nos olhos dele fez com que ela respirasse fundo. Lúcio a amava. Tinha plena certeza disso. Mas havia alguma coisa acontecendo entre eles. Ana sentiu a garganta apertar. — Não tivemos um bom casamento, não foi? — Não foi de todo ruim. — Quando foi bom? Os dentes dele estalavam, à medida que contraía a mandíbula. Parecia atormentado. — Quando fomos felizes? — Ana insistiu. — Quando estávamos na cama. As palavras de Lúcio ficaram martelando na cabeça de Ana enquanto vestia uma roupa mais elegante para o jantar. Lúcio a esperava do lado de fora da sala de jantar. Era a primeira vez que faziam uma refeição ali e ela gostou do quanto o ambiente parecia teatral à noite, com luzes fracas e velas à mesa. Apesar da confusa noção de realidade, Ana estava feliz. Como isso era possível? Talvez porque não estivesse pensando no futuro, ou na jornada que a


esperava mais à frente. Como procurar o filho. Havia tempo para tudo e, agora, queria somente aproveitar a noite com Lúcio. — Você está tão bonita, Anabella. A voz grave de Lúcio provocou-lhe um arrepio. Era como se ele a tivesse tocado com a ponta do dedo. Ana ergueu a cabeça, olhou para o marido, e ele a observou por um longo momento de silêncio, como se a vida tivesse parado. — Ainda temos muito o que conversar — disse Lúcio, calmamente, colocando a xícara do café em cima da mesa. — Há mais coisas que preciso lhe contar. Ela sentiu uma dor suave. Tinha certeza de que o "mais" não era bom. — Não pode esperar até amanhã? — perguntou, sabendo que estava apenas adiando o inevitável. Ele sorriu vagamente. — Você e Scarlett O'Hara poderiam ter sido gêmeas. O coração dela apertou. Era verdade. Ela sempre fora tão boa em adiar, evitar, fingir. Ana sempre preferiu a fantasia à realidade. — Você me conhece bem demais — disse, sentindo um amor irresistível e esmagador por Lúcio. — É por isso que precisamos conversar, Ana. Uma parte de mim não quer conversar, uma grande parte de mim adoraria continuar assim. — Os grandes olhos negros estavam quase nublados com uma silenciosa e secreta emoção. — Mas essa situação, você e eu juntos assim... Não estávamos juntos assim há anos. — Talvez seja exatamente disso que precisamos. — Viver uma mentira? Acho que não... — Talvez não seja uma mentira. Talvez... seja uma segunda chance. Lúcio fechou os olhos por um momento. — Essa é a parte complicada, querida. Sempre deu certo para mim. — Abriu os olhos e as sombras ficaram mais profundas, assustadoras. — Você estava infeliz comigo. Pedia a separação há tempos. Ana queria tampar os ouvidos. Essa conversa iria deixá-la triste e não queria ficar triste hoje à noite. Era uma noite magnífica.


Não. Eles não iam conversar. Estavam juntos. Era tudo o que importava. Ana levantou-se da cadeira e caminhou até o marido. Parou em frente a Lúcio e, com uma das mãos na cintura, estendeu a outra a ele. — Dance comigo. — Ana. — O quê? Não dançamos mais? — Levantou uma das sobrancelhas. — Não pode me dizer que nunca dançamos. Você gosta de dançar. E um ótimo dançarino. — Levantou a outra sobrancelha. — Ou estou enganada? Ana viu no rosto de Lúcio a batalha que ele travava consigo mesmo, viu raiva, desejo, necessidade. Como na noite anterior, ele a desejava. E como na noite anterior, ele estava com medo de tocá-la. O sorriso dele era discreto, mas fatal e incrivelmente sexy. — Gosto de dançar. Você não se esqueceu. — Então me mostre — ela murmurou, pegando a mão dele. Sentiu o pulso dele acelerar, o calor da pele dele aumentar. A energia entre eles era tão forte que quase machucava. Lúcio puxou-a para bem junto dele, os seios dela contra o peito dele, os quadris dela contra os dele. Ele era mais alto do que ela se lembrava. Ana ardia em chamas. — Seu coração está acelerado — ele disse. — E nós ainda nem começamos a dançar. Ana sentiu a aspereza do dedo polegar de Lúcio em seu pulso. O marido estava tomando a pulsação dela. Que homem arrogante. — Estou perfeitamente bem. — Está mesmo. O coração dela batia cada vez mais forte. A boca secava. Lúcio a olhava como se ela fosse um delicioso pote de sorvete. Ele bem que podia usar a língua para lambê-la de ponta a ponta. — Você está sorrindo — ele disse, os lábios tocando o cabelo dela. — Por quê? A respiração dele fazia cócegas na testa dela e Ana quase sentiu o beijo dele em sua pele. Lúcio era tão grande, musculoso. Ela ficou arrepiada e ele a puxou para mais perto dele. — Estava só pensando que não me esqueci disso. Lúcio respirou fundo e Ana sentiu as costelas dele expandirem. Sentia o


formato do corpo dele contra o dela e era delicioso. Era maravilhoso sentirse mulher novamente. — Nem eu — ele murmurou. Beijou-a delicadamente no rosto, um beijo tão suave que a deixou totalmente arrepiada. Ela engoliu em seco, o pulso acelerado. Levou uma das mãos até o cabelo dele. — Você sempre usou cabelo comprido? — Sempre. Ele a beijou perto do canto da boca. — Você não me deixava cortá-lo — disse, suavemente, ao pé do ouvido, a língua percorrendo a orelha. — Dizia que não faria amor comigo se eu cortasse o cabelo. Ela ficou ofegante com a carícia. — Vamos subir. — Ana encostou os lábios no queixo dele, sentindo a aspereza da barba. — Vamos subir e ficar juntos. Lúcio sentiu Ana abrindo a pequena boca, os dentes mordiscando o queixo. A excitação era tão intensa que ele estava desesperado para se livrar das calças jeans. — Não posso, Ana. — Segurou-a pelos ombros. — Não confio em mim sozinho com você. Sempre se sentiria dessa forma quando estivesse com ela. Nunca seria capaz de estar perto dela e não desejá-la. Ardia tanto agora que parecia estar sendo queimado vivo. — Não me venha com aquela velha história de novo. — Ana pegou as mãos dele e levou-as até seus seios. Ele não conseguiria resistir novamente. — Ana — ele resmungou, você está me torturando. — Sim, meu amor? — Os lábios quentes no pescoço dele. As unhas arranhavam suavemente o peito do marido. A excitação era tanta que chegava a doer. Ele não podia segurar. Impaciente, colocou os seios dela à mostra. Ela era maravilhosa. Os seios brilhavam e os mamilos tinham endurecido. Jogando-a para trás, cobriu um dos mamilos com a boca e o outro com a mão. Parecia faminto. Na verdade, estava. Sugou o mamilo, sentindo-a tremer em seus braços, e lambeu-a ao máximo, incapaz de se satisfazer, de acabar com sua fome.


Tocou-a por baixo do vestido, percorrendo a coxa e acariciando o bumbum. Suas mĂŁos apertavam a pele dela e* conforme a tocava, sentia seu calor, seu tremor.


Lúcio fechou os olhos e deixou a mão ir aonde não ia há tanto tempo. Por baixo da saia, por baixo da calcinha de seda, sentiu a suavidade, sentiu-a quente e molhada. Deslizou um dedo para dentro dela, escutou um gemido e tirou-o, com medo de machucá-la. Tremendo, ela se aproximou mais dele. — Me toque novamente, Lúcio. Me faça sentir prazer de novo. Não tinha como não tocá-la agora, nem como evitar que seus lábios beijassem o pescoço dela, perto da orelha. Ana gemeu quando ele tirou suas calcinhas e colocou um dedo dentro dela, e depois dois, empurrando para dentro e para fora, como faria com o próprio corpo. Ana gemia, encostada ao peito do marido, os lábios encontrando sua pele nua e quente. Ele a tocava como ela não era tocada há muito tempo, e, em vez de acalmar o desejo, ela ardia em chamas. Isso não foi suficiente, pensou cegamente. Queria-o por inteiro, queria sentir seus músculos, sua força, cada pedacinho de sua pele. — Vamos subir — disse, ofegante, cravando os dentes no rígido músculo do tórax do marido. — Agora. Por favor. Lúcio afastou-se, ajeitou as calcinhas dela, o vestido e o decote. Sua respiração estava acelerada. Ana escutou a respiração forte e o beijou. — Não terminamos ainda — ela disse. Ele ansiava por ela. Desejava-a mais do que jamais desejara alguém. Havia milhões de mulheres lá fora e ele só desejava uma. Esta aqui. Estava quente entre eles. Quente e explosivo. Mas será que sentiam amor? Ou era ódio? Olhou-o de relance por cima do ombro. Amor — pensou, ao olhar para a boca de Lúcio. Ou ódio. Ana observou os olhos do marido, quase sem expressão. Ninguém diria que ele a estivera beijando e tocando intimamente, dando-lhe tanto prazer. Ela o encarou na porta do quarto. — Há algum outro lugar onde gostaria de estar esta noite? — perguntou, a voz rouca na escuridão. — Não.


Ela sorriu um pouco, mas sentiu um nó na garganta e o peito apertado. — Há alguém com quem gostaria de estar? — Nunca.

Nunca. Boa resposta. Ela engoliu o sorriso. — Quero que me ame esta noite, Lúcio, como costumava me amar. — Os olhos dela prenderam os dele. — Por favor. — Não posso, Anabella. Você está doente... — Não me venha com a mesma história, Lúcio! Estou cansada dessa lengalenga. Ele abaixou a cabeça. Ana viu que ele estava com os olhos fechados. A expressão era de sofrimento. Outro nó na garganta e, gentilmente, Ana tocou a boca de Lúcio, depois o rosto, a barba espetando a mão dela. — Isso é muito difícil para você também, não é? — Tenho tanto medo de machucá-la. Eu desejo você, querida, mas nunca me perdoaria se eu a machucasse sem querer. O coração entendia, apesar de o corpo não aceitar. — Então, não faça amor comigo. Apenas fique. Durma comigo... — Não consigo. Não serei capaz de manter minhas mãos longe de você. — Você não precisa ficar longe. Pode me abraçar. — Havia uma certa malícia em seus olhos. — Só não pode ficar muito excitado.

CAPÍTULO OITO Eles se despiram silenciosamente no escuro e se deitaram embaixo das cobertas, Lúcio de cuecas e Ana de camisola. Na cama, ela se enroscou nele, usando o peito do marido como travesseiro. Por um longo momento, nada falaram. Ana virou-se para vê-lo melhor. Adorava a forma como o luar banhava o rosto do marido e fazia seus olhos negros brilharem. — Lembra da noite quando dormimos ao ar livre, sob as estrelas? — Ela acariciou suavemente o tórax liso e firme.


— Sim. — Ana sentiu os dedos do marido deslizando pelo seu cabelo. — Podíamos ver milhares de estrelas naquela noite — ela acrescentou. — Podíamos ver o contorno das montanhas, a lua. Parecia que não existia mais ninguém no mundo. — Foi lindo — concordou. — Gostaria que pudesse ser daquela forma novamente, que pudéssemos nos sentir daquela forma novamente. — E como nos sentimos? — Protegidos. Lúcio não disse nada, só ficou acariciando o cabelo dela, enquanto Ana continuava falando. — Ao menos, acho que me sentia segura. Não tenho certeza. Como você sabe, o passado é um pouco nublado, quase um sonho. Às vezes, me pergunto se somos reais. Se isso tudo é real... — interrompeu, respirou fundo e se aconchegou mais a ele. — Mas quando eu o toco, e você me segura assim — a mão de Ana tocou o coração dele —, sei que está tudo bem. De olhos fechados, Ana beijou o peito de Lúcio, bebeu do aroma picante da pele do marido. Ela acariciou o estômago dele com as pontas dos dedos e sentiu os músculos da barriga se contraírem. Lúcio lhe fazia muito bem. Sentia-se em casa. — Sei que estou doente, e que esqueci cinco anos da minha vida, mas o que quer que tenha acontecido entre nós, Lúcio, o que quer que tenha criado essa... desconfiança... acho que podemos resolver. Ele gemeu. — Mas, Ana, se você não se lembra do problema que teve comigo, como podemos resolvê-lo? — Talvez o problema não fosse com você. Talvez fosse comigo. De qualquer forma, podemos tentar novamente. Não importam as velhas lembranças. Vamos fazer novas. — Ela se apoiou no cotovelo. Lúcio tentou esboçar um sorriso. — Você é terrivelmente otimista. — E você? — perguntou, observando-o. — Pronto para uma aventura? — Oh, Ana. — Não faça isso. Pense como um gaúcho, Lúcio. Vamos fugir juntos.


Reconstruir nossas vidas juntos. Só você e eu. — Para onde quer ir? — Não importa, desde que estejamos juntos. — E o que faríamos? Ela sentiu uma pontinha de irritação. Lúcio tinha ficado tão... tedioso, tão sério. Preocupado com detalhes. O que acontecera com seu espírito livre e selvagem? — Ah, não — ele disse —, conheço esse olhar. Vem tempestade por aí. — A voz grave atravessou-a e as pontas dos dedos dele faziam movimentos circulares suaves nas têmporas da esposa. — Posso sentir a energia aqui. Ela tentou sorrir. — Quando foi que você envelheceu? — Talvez quando percebi que ia perder você. — Lúcio puxou-a de encontro a ele, para perto do peito. Ana podia sentir o perfume do sabonete de Lúcio, a loção pós-barba e o aroma quente almiscarado da pele. — Você sabe, não me lembro de estar doente. — Não é preciso. Você está bem melhor agora. É tudo o que importa. Ela virou o rosto na direção do peito dele, sentiu a aspereza dos pêlos do peito no rosto, o mamilo tocar os lábios. — Você não estava aqui quando fui para o hospital, estava? — Não. Você pegou a doença quando esteve na China, provavelmente pela picada de um mosquito, e só foi diagnosticada quando voltou para casa. — Onde você estava? — França. Depois, Califórnia. Ela engoliu. Lúcio estivera na França e nos Estados Unidos. — A trabalho? — Sim, por causa da vinícola. — Quando o avisaram? — Só quando perceberam o quanto você precisava de mim. Assim que soube que estava doente, vim logo. — E minha mãe? — sussurrou. — Veio me ver? — Mas, no momento em que perguntou, Ana já sabia a resposta. Não. Claro que a mãe não tinha vindo. Ela


não viria. — Não se preocupe. Não responda. Sei que mamãe não veio. Respirou profundamente, a cabeça formigando. — Embora eu ame muito Dante, ele não é mais a minha família. Você é a minha família. Você é o único que importa... — Ana, não somos mais casados. — Disse essas palavras rapidamente quando sentou, o lençol caindo nos quadris. — Como não somos mais casados? Esta é a nossa casa. Você é um vinicultor. Eu vendo antigüidades. — Aconteceu. — O que aconteceu? Divórcio? Ela viu Lúcio concordar com a cabeça, e seu estômago revirou. — Nos conhecemos, nos casamos depois de dois anos e nos divorciamos? — Você resumiu bem. —Não! — A descrença ecoou no quarto banhado pela luz do luar. Não era possível. — Se estamos divorciados, onde você mora? — Tenho um apartamento no centro de Mendoza. — Não pode ser! Eu nunca faria isso... nunca faríamos isso... — ela parou, atordoada demais para dizer alguma coisa. Lúcio cerrou os lábios e a observava. Ana sentiu uma pontada de raiva. — Diga alguma coisa! Me conte como isso aconteceu. — Não tenho todas as respostas. — Que respostas você tem? — Ana lutava para respirar. Lúcio não podia estar certo. Eles se amavam. Tinham prometido ficar juntos. — Você se apaixonou por alguém? — O divórcio não foi idéia minha. — Lúcio gemeu. — Gostaria de poder dizer que havia outra mulher, mas não foi uma decisão minha, não era o que eu queria. — Eu não quis isso! — Quis sim — disse-lhe, delicadamente. — E só conseguiu porque eu queria vê-la feliz. Ana balançou a cabeça. O coração batia tão acelerado que ela não podia respirar e a cabeça doía. — Feliz por estar longe de você? Não é possível! Você está inventando isso.


— Você não se lembra. Os olhos se encheram de lágrimas. — Eu me lembraria de uma coisa dessas. — Você ainda não se lembrou, mas vai se lembrar. Tudo está começando a voltar, os pedaços, os fragmentos. Pode levar alguns dias, mas você vai se lembrar. Ficaram frente a frente em silêncio. Os olhos de Ana pareciam ter grãos de areia e o corpo estava frio. Tinha a horrível sensação de que estava congelando por dentro. — Eu realmente amo você, Lúcio. — Mas não o suficiente, Ana. — Disse essas palavras de uma forma tão carinhosa que quase a magoou. Ela o abraçou e enterrou o rosto em seu peito. — Me perdoe, Lúcio. Me dê outra chance. — Mas nem sabemos por que não deu certo da última vez. Ana chorava muito, e os dois voltaram a se deitar. — Tudo vai ficar bem, Anabella. Você vai ter uma vida maravilhosa... — Não sem você! Parecia apaixonada, e a vulnerabilidade em sua voz tocou o coração dele. — Não suporto isso — disse, chorando. — Não posso suportar essas lacunas em minha memória, não suporto que você saiba tudo enquanto eu tateio no escuro, lutando para lembrar rostos e nomes! — Está voltando aos poucos — ele a confortou, abraçando-a. — E agora que você sabe da parte mais difícil, não há mais surpresas... a não ser que tenha algum segredo que eu não saiba. — Não. Não agüento mais segredos ou surpresas. Só quero que tudo seja normal. — Ela olhou para o marido, os olhos cheios d'água. — Não podemos ser normais, Lúcio? — Você não gosta de ser normal. Ana gemeu e cobriu o rosto com as mãos. — Talvez porque não tivesse nenhuma idéia do quanto eu era anormal! Estou com medo de mim mesma. Ele riu. Ainda havia tanto da velha Anabella dentro dela. Lúcio passou o dedo no rosto quente da esposa.


— Você é um tanto diferente, Anabella Cruz. Ofegante, Ana pegou a mão do marido. — Você me chamou de Anabella Cruz. Ainda estamos casados, ou foi só um engano? Ele hesitou. — Um pouco de cada — admitiu, finalmente. — Você deu entrada no divórcio, mas o processo ainda não foi concluído. — Então, estamos casados. Por mais uma ou duas semanas. — Sim, estamos casados por mais duas semanas. — Então, vamos renovar nossos votos! Vamos dizê-los novamente, esquecer o divórcio e continuar sendo marido e mulher. — Ana! — Por que não? — Você sabe por que não. Acabei de lhe dizer. Alguns motivos levaram você a querer o fim do nosso casamento e esse motivos não mudaram. O problema é que não consegue se lembrar desses motivos, mas assim que se lembrar... — Vou implorar o seu perdão e pedir que fique comigo, Lúcio. Lúcio não sabia o que sentir. Parte dele era pura alegria. Mas outra parte estava preocupada. A felicidade de Ana era contagiosa, mas sabia que a esposa não devia fazer promessas que não seria capaz de cumprir. E assim que a memória voltasse... — Vamos tentar, Lúcio. Por favor! — Ela o olhava com tanta esperança e fé que partiu o coração dele ao meio. — Não diga não. Ao menos pense a respeito. Como ele podia argumentar? — Ok. Vou pensar. — Ok. — Ana sorriu e se enroscou no marido, colocando as pernas entre as dele. Era como sempre dormiam. Anabella dormiu, mas Lúcio não conseguiu. Era impossível dormir tão perto dela, e os pensamentos davam voltas, deixando-o louco. Parecia o paraíso estar ali, deitado com ela, sentindo-se envolvido pelo calor e pela suavidade do corpo de Anabella. A memória de Ana estava apenas começando a voltar, entretanto, ele não esquecera nenhum detalhe da vida deles juntos. Lúcio a conheceu quando tinha vinte e sete anos e ela dezessete, em La


Boca, um bairro de classe operária em Buenos Aires. Ana estava regateando o preço de uma bugiganga na feirinha de domingo e ele a viu pechinchando, abaixando cada vez mais o preço. Gostara de seus olhos, do brilho de seu rosto e de seus lábios grossos. Não sabia que ela era uma Galván até fazer amor com ela pela primeira vez. Não sabia nada sobre a família dela até provar de sua pele, beijar seu corpo, fazê-la parte dele. Quando soube, e teve consciência de que tinha tirado não somente a virgindade de Anabella, mas a respeitabilidade, sabia que estava amaldiçoado. Nunca seriam aceitos juntos. Com os olhos pesados, o sono chegando, Lúcio deu um beijo carinhoso na nuca da esposa. Sua vida tinha sido uma aventura incrível. Ana acordou sobressaltada, molhada de suor, o coração batendo acelerado. Esticou as mãos para os lados para evitar a queda. Mas, ao abrir os olhos, percebeu que não estava caindo. Estava deitada na cama. Ao lado de Lúcio. Lúcio dormia, o lençol cobrindo metade do peito, um braço por cima da cabeça. Ela viu as linhas do tendão no antebraço, a curva do bíceps, o espesso músculo do ombro. Lembrou-se de tudo o que ele havia lhe contado na noite anterior — e mais. Ela havia pedido o divórcio. Tinha sido escolha dela. Queria escapar dele, da vida que levavam juntos. Não porque não o amasse, mas porque o amava demais e não conseguia suportar a dor. Tiveram um bebê. Mas o perderam e essa perda machucara tanto seu corpo que ela jamais poderia engravidar novamente. Ana engoliu o nó na garganta. Perder o bebê foi muito difícil para ela. Nem ela sabia o quanto o aborto a tinha deixado triste até que alguém lhe dera a esperança de que a criança ainda estava viva. Mas era tudo um trote. O trote virou sua vida de cabeça para baixo. Dera-lhe esperança e a fizera perceber que queria muito que o bebê existisse. Ela quis tanto o bebê que deixou Lúcio de lado. Virando-se, Ana observou o marido que não seria seu marido por muito tempo. Parecia muito bonito e muito distante. Sofrerá muito por causa dela. Ana


ansiava pela intimidade anteriormente compartilhada. Gentilmente, Ana puxou a coberta de seda, deixando-o somente com o lençol de algodão. Ela podia ver o contorno do corpo musculoso debaixo do fino lençol. Pernas, quadris, costelas, coxas. Seu homem, pensou, louca para tocá-lo, juntar seu corpo ao dele, sentir aquela adorável pele dourada em cada centímetro de seu corpo. Ela tocou, suavemente, o estômago liso e viu os músculos retesarem. Iria somente lhe dar um beijo através do lençol, um beijo suave. Encostou os lábios no estômago dele. Ela viu os músculos retesados e depois, suavemente, beijou o osso do quadril. Sentiu a boca seca. O coração acelerado. Ana apoiou-se nos cotovelos e inclinou-se na direção do quadril do marido. Muito suavemente, ela tocou suas partes íntimas por baixo do lençol e Lúcio ficou mais excitado. Ana também ficou excitada. Era ridículo, mas sentiu uma emoção que há muito não sentia. Abaixando a cabeça, ela o tocou novamente com os lábios, sentindo seu calor. Lúcio ficou excitado com o toque da boca, e Ana o acariciou mais uma vez. Ana começava a arder em chamas. Ela o queria agora, queria um pouco daquele fogo. Acariciá-lo por baixo do lençol era bom, mas agora estava desesperada por mais. Ana sentou-se e calmamente tirou o lençol que cobria o marido, deixando o corpo descoberto. Observou-o por um momento. Ela podia fazer isso, disse a si mesma, precisava apenas ser cuidadosa. Ana ajoelhou-se por cima dele e um arrepio a percorreu por inteiro no momento em que sentiu o corpo quente do marido contra o seu. As coxas tremiam e, devagar, ela se abaixou, de forma que a ereção tocasse a pele sensível entre as coxas. Enquanto lutava contra a indecisão, sentiu a ereção dele na parte interna de suas coxas. Sua ereção era tão forte, tão quente, tão suave. Ela o queria dentro de si. Segurou a respiração, fechou os olhos e, calmamente, foi se abaixando até ele, hesitando quando se sentiu preenchida por ele. Ele era incrível. Ela se abaixou mais e relaxou para aproveitar melhor aquele momento. Ela queria mais. Agora que estava com ele, as sensações eram muito intensas e as emoções muito fortes.


Quando se sentou nele, a mão de Lúcio tocou seu bumbum desnudo. — Então, querida, o que vai fazer agora? Ana abriu os olhos. Lúcio estava sonolento, mas definitivamente alegre. — Oi. Ele sorriu levemente. — Já ouvi falar de um forte impulso sexual, mas isso é um pouco demais, não acha? Ao dizer essas palavras, ele levantou os quadris e enfiou-se ainda mais nela. Ana gemeu. Lúcio franziu as sobrancelhas. — Como isso, não acha? Com outro impulso, ele a sacudiu. Lúcio mal se mexia e, contudo, Ana o sentia vibrando dentro dela, deixando-a enlouquecida. O calor e a forma do corpo de Lúcio dentro dela faziam com que Ana ficasse mais excitada. Sentiu um frio na barriga, uma corrente elétrica percorrendo todo o corpo. — Pare — disse, ofegante, encostando as mãos no peito do marido. — Não quero chegar ao clímax ainda. Lúcio sorriu e a sacudiu mais uma vez. Lúcio era o único que se mexia enquanto os músculos dentro dela continuavam se contraindo até ficarem bem presos. — Pare — implorou, sufocada, a pressão aumentando, a intensidade explodindo. — Sem chance. Continuou a se mexer dentro da esposa, profunda e insistentemente, até que Ana se sentisse ardendo em chamas entre as coxas. Anabella gemia enquanto ele continuava, e cravava as unhas nele, cega e violentamente, precisando que ele a soltasse. Ainda segurando-a, Lúcio sacudiu-a mais forte, mergulhando nela, e Ana gritou o nome do marido. Enquanto isso, o corpo do marido crescia dentro dela, e seu movimento era.incontrolável. O corpo de Ana se contorcia, segurando-o com firmeza enquanto ele estremecia dentro dela. Ana caiu por cima de Lúcio, exausta, quase desfalecida. — Obrigada, senhor — sussurrou, acariciando de leve o peito do marido. — De nada — respondeu, a voz rouca.


Ana relaxou, os dois corpos ainda juntos. Confortável, e finalmente em paz, ela fechou os olhos. Nunca amara Lúcio tanto como agora. — Lembra do nosso grande plano? — ela sussurrou, a voz rouca. — Qual deles? — Não eram tantos assim. Pense. — A mão acariciava o peito úmido. — Tivemos alguns sonhos, mas nosso predileto era fugir juntos. — Ana fez uma pausa. — Para o seu mundo. Meu mundo? — O tom de voz era baixo. Parecia que estava quase dormindo. — Seu mundo. Temos duas semanas até o divórcio. Por que não fazemos algo excitante juntos? Uma lua-de-mel de despedida. — Acho difícil, menina. — Menos difícil que o casamento de um gaúcho com uma aristocrata. A gargalhada de Lúcio era suave e ressoava no peito. — Verdade. — Então, o que me diz? — sussurrou, dando um beijo no peito do marido. — Você e eu em uma grande aventura final? — Está bem. Vamos.

CAPÍTULO NOVE Lúcio já havia se levantado quando Anabella acordou. De forma alguma as próximas duas semanas seriam as duas últimas semanas juntos. Teriam uma grande aventura, mas não seria uma despedida. Ana nunca diria adeus. Essa aventura seria uma chance para recomeçarem do zero. Maria parou à porta do quarto. — O senhor quer que fique na cama e descanse um pouco mais — disse a governanta. Ana recostou-se no travesseiro, sem discutir. Adorou ter uma desculpa para ficar na cama e reviver o momento incrível juntos. Tinha sido tão natural, tão sexy e sensual. E não seria o fim do amor deles, com certeza! Seria o começo.


Mesmo que Lúcio não soubesse. Lúcio queria ficar em casa com Anabella, mas, se ele e Ana iam mesmo tirar uma semana de folga, "a última grande aventura juntos" , precisava ajeitar algumas coisas no escritório. Lúcio queria Ana de volta. Queria outra chance para fazer o casamento dar certo. Sabia que estava em desvantagem, mas era um homem que adorava desafios, que ganhara a fortuna nos dados, em lances considerados irresponsáveis. Ganhara um milhão de dólares em uma noite apostando tudo que tinha. Era um homem que podia perder tudo e há muito tempo aceitara isso. Ser pobre não era tão ruim. Lúcio gostava de viver ao ar livre, de dormir no chão duro. Tudo que queria era um amor verdadeiro. Lúcio estacionou ao chegar ao escritório. Mas, depois de estacionar, ficou sentado no carro por um momento, o pensamento disperso, os dedos tamborilando no volante. Somente um grande amor verdadeiro, repetia, e Ana tinha sido aquele amor. E agora? O que aconteceria depois? Simplesmente diria adeus depois da "grande aventura"? Deixaria que ela voltasse a fazer parte de sua vida mesmo sabendo que, a qualquer momento, poderia rejeitá-lo de novo? Reprimiu um suspiro e deixou o carro, subindo as escadas de pedra da vinícola. A porta da frente da vinícola se abriu, inesperadamente, e Lúcio quase esbarrou em Dante. Se Lúcio estava surpreso ao ver Dante, não demonstrou. — Negócios na cidade? — perguntou a Dante, casualmente, conduzindo o conde a uma pequena sala de degustação nos fundos. — Sim. — Dante respondeu, sentando-se na ponta de um enorme barril de carvalho. Lúcio pegou uma garrafa e dois copos atrás do balcão. Dante pegou o cálice, cheirou o vinho tinto, balançou o cálice e depois bebeu. — É bom — disse, tomando um gole. — Muito bom. Lúcio encostou-se ao balcão, sentindo o cheiro da fermentação das uvas.


— Também gosto. — Produção sua? — Dante perguntou, tomando mais um gole. — Nosso novo selo. Silêncio. Evitaram falar por alguns minutos, cada um tomando goles do vinho servido nos copos arredondados. Lúcio estava perdido em seus pensamentos. Como poderia ir com Ana nessa fuga? Tinha sentido fazerem uma última viagem juntos? Havia alguma esperança para eles ou era apenas fantasia? E o que havia de errado com a fantasia, uma pequena voz zombava dele. Ana era a fantasia. Tinha sido sua fantasia desde o primeiro dia em que a vira. Tinha sido uma aposta desde o início e ele ainda era um jogador. Não tinha medo de perder. Se não pudesse arriscar agora, de que valia? Qual o sentido do sucesso se tivesse perdido a coragem? — Como ela está? — Dante quebrou o silêncio. — Quanto de memória já recuperou? Lúcio sentiu o nervosismo de Dante. — Não tanto quanto você gostaria — respondeu. — O que isso significa? Lúcio sentiu o peso da doença de Ana, a preocupação que a família sentia, o próprio medo de que ela não se recuperasse. — Ana sabe que esqueceu os últimos cinco anos. Mas lembra que é minha esposa. Dante abaixou as sobrancelhas. — E o divórcio? — Contei-lhe sobre o divórcio, mas ela não acredita. Dante emitiu um som abafado. — Não acredita? Foi idéia dela! — Na verdade, ela não aceita o que lhe contei. Ainda não recuperou a memória por completo e, devido a essas lacunas, acredita que ainda somos um casal. — Um casal. Lúcio balançou a cabeça afirmativamente. — Ela não se lembra das coisas ruins, Dante. Somente do amor. Lúcio sentiu os músculos das costas e do pescoço ficarem tensos. Dante caminhava pela


pequena adega. — Ela não acha que vocês vão ficar juntos, acha? O estômago de Lúcio queimava como se tivesse bebido ácido em vez de um vinho tinto maravilhoso. Colocou o copo em cima do balcão e empurrou-o para longe. — Você sabe que Ana toma suas próprias decisões. — Ela vai se lembrar. — Eu sei. — Lúcio virou a cabeça e o olhar sombrio e sério encontrou o de Dante. Esperava ver deboche no olhar do cunhado, mas encontrou... simpatia. Dante procurou as chaves do carro no bolso das calças. — Tenho uma coisa de Ana. Ela deixou no hospital. Lúcio seguiu Dante até o estacionamento. Dante foi ao carro e pegou uma caixa de papelão. — Não há muita coisa aqui. Principalmente papéis e algumas fotos, mas Ana insistiu em levar a caixa para o hospital, então, imagino que a queira de volta. Lúcio ficou parado, o olhar fixo na caixa azul que Dante segurava. Uma caixa de sapato. Azul com listras brancas. A caixa do bebê. Então a caixa era real. Isso significava que o bebê...? Ele parou. Não poderia suscitar esperanças de que houvesse um bebê. — Quer ir lá em casa — perguntou a Dante — e entregar esta caixa pessoalmente a sua irmã? Dante balançou a cabeça. — Não, já que a memória dela ainda não voltou por completo. Não gosto do papel de bandido. — Você não é. O sorriso de Dante murchou, e ele se despenteou ao passar a mão cansada no cabelo. — Só para você saber, eu não fazia parte do plano de Marquita para trazer Anabella de volta para casa. Não sabia de nada até receber um telefonema dizendo que ela estava a caminho da minha casa na Recoleta. — Dante olhou Lúcio de relance. — Sinto muito. Lúcio encolheu os ombros.


— Como você disse, não foi sua culpa. — Mas você se machucou. Seriamente, segundo me disseram... — Águas passadas. — Lúcio pegou a caixa de papelão. — O que importa agora é o futuro de Ana, certo? A fisionomia de Dante estava séria. — Sim. Mande um beijo para ela. Diga-lhe que estou pensando nela, e que Daisy e as crianças esperam vê-la em breve. Lúcio voltou para casa com a caixa de papelão no banco ao lado dele. Anabella passou boa parte do dia revirando os armários da casa. Pouco antes das cinco da tarde, sentou no chão da biblioteca, examinando coisas que guardara. Ainda estava examinando uma pilha de postais quando Lúcio entrou na biblioteca. — Oi — cumprimentou-o, observando-o ao entrar. — Tenho revirado fotos e lembranças, mas não consigo encontrar nada do nosso casamento. Não tiramos fotos? Eu podia jurar que tiramos. — Estão no meu apartamento. — Lúcio encostou-se na porta para observá-la melhor, um braço atrás das costas. — Tive medo de que você se desfizesse das nossas fotos. — Nunca teria jogado as fotos fora — disse, suavemente. — Confusa e deprimida como estava, nunca deixaria de amar você. — Por que estava tão deprimida, Ana? O que eu fiz? — Você não fez nada. Fui eu. — Ela juntou um punhado de papéis e postais e jogou-os dentro da última gaveta da escrivaninha. — Mas não havia nada mesmo? — ele insistiu. — Você havia mencionado o bebê... — Sim, mas não tem lógica e, se eu tentar explicar, você vai pensar que estou maluca. — Tente. Ana fechou a gaveta e se levantou, escovando a parte de trás das calças de linho. Finalmente havia reconhecido suas roupas. — Você realmente quer ouvir? — Mais do que qualquer coisa. Ela tirou um fio de cabelo dos olhos e colocou as mãos na cintura.


— Você vai pensar que estou totalmente louca, querido. Lúcio esboçou um sorriso irônico. — Eu já penso isso, querida. Ana mordeu a parte interna do lábio inferior para não rir. Lúcio era, sem dúvida, o mais arrogante homem que conhecera. E ela adorava isso. — Se eu for, você promete que, mesmo assim, vai embora comigo? Não vai ficar chateado e voltar atrás? — Não vou voltar atrás. Anabella percebeu que o marido não disse que não ficaria chateado. Ao menos, era honesto. — Sente-se. — Ela se sentou no pequeno sofá de couro. — É uma história longa e incoerente... Ela interrompeu, os olhos arregalados ao ver Lúcio sentar-se a seu lado com a caixa azul no colo. — A caixa do bebê! Onde a encontrou? — Dante estava com ela. Você a levou para o hospital. Com as mãos tremendo, Ana pegou a caixa e a colocou no colo, levantando a tampa devagar. — Você viu o que tem dentro? — Não. A caixa não é minha. Silenciosamente, ela pegou um fino envelope que estava dentro da caixa e o abriu, retirando uma foto meio embaçada de um menino. Apesar da qualidade ruim, era fácil identificar o cabelo preto, os olhos claros e a tez pálida. Lúcio olhou Ana de relance. — Quem é? — perguntou, pegando a foto das mãos trêmulas da esposa. — Tomás. Foi o nome que Alonso disse. — Quem é Alonso? — Alonso Huntsman. O homem que entrou em contato comigo. Lúcio ouviu o que ela estava dizendo, mas não conseguia desviar o olhar da foto daquele menino. A criança, meio européia, meio indígena, parecia extremamente pobre. — Criança bonita — disse, a voz áspera.


— Eu sei. Por uma semana pensei que era nosso filho. — Ela se inclinou, apontando para a foto. — Ele tem olhos claros. A idade parece coincidir. A idade dele parecia coincidir com o quê? Lúcio olhou para Anabella. Será que ela realmente imaginou que poderia ser o filho dela... o filho deles?

Ana, querida, você abortou espontaneamente. As palavras estavam em sua mente. Estavam lá, na ponta da língua. — Me explique isso — disse, gentilmente, tentando entender. — O que realmente a fez acreditar que a criança poderia ser sua, se sabia que a perdera quando estava no sexto mês da gestação? — Não a perdi quando estava no sexto mês. — Nervosa, olhou para cima, tocou o lábio inferior com a língua. — Estava no oitavo mês e entrei em trabalho de parto. — Ela mal conseguia olhar para ele. — Você me conhece, Lúcio. Não sou boa para enfrentar situações difíceis. Prefiro ignorar os problemas do que enfrentá-los. — Você abortou espontaneamente. — Não. Entrei em trabalho de parto e tive o bebê. — Você nunca me contou isso. — Porque você não estava lá. — Apertou as mãos e o fitou com lágrimas de dor e um brilho revoltado nos olhos. — Estava sozinha naquele internato miserável. Dezoito anos e dando à luz. A dor era insuportável. Ana continuou. — Sei que havia um bebê. Podia jurar que ouvira um choro. Mas, quando pedi para segurá-lo, me disseram que ele havia morrido. Eu queria segurá-lo. Precisava segurá-lo, dizer somente oi... — ela parou — ou adeus... Mas perdi tanto sangue que me levaram às pressas para o hospital, para uma transfusão de emergência. — Por que não estava no hospital? — Porque tive o bebê na escola. Veio uma parteira. Era o procedimento normal. Muitas garotas tinham bebês lá. — Também era comum os bebês morrerem? — Lúcio retrucou, com amargura. — Não sei. As meninas grávidas e as que já eram mães eram mantidas em seções diferentes da escola. O semblante de Lúcio ficou pesado. — Aposto que sim.


— Diziam que era porque as mães tinham necessidades diferentes, e havia um berçário... — Você viu o berçário? Havia bebês lá? De repente, Ana ficou arrepiada. — Alguns — sussurrou. — Poucos. Ele queria sacudi-la, perguntar por que ela não lhe dissera nada antes, mas não conseguia falar, muito menos tocá-la. Era tudo tão inacreditável. Tão impossível. — Talvez o bebê tenha nascido morto. — Ana engoliu com dificuldade. — Mas nunca tive a chance de dizer adeus. Nunca o vi. — E Tomás? — Lúcio adiantou-se, compreendendo, pela primeira vez, o quanto Ana tinha se mantido enterrada dentro de si mesma, percebendo que ela nunca realmente dividira sua dor com ele. Ana levantou-se, subitamente inquieta. — Ano passado, mais ou menos nesta época, recebi um telefonema do homem que mencionei: Alonso Huntsman. Fez várias perguntas sobre a escola que eu freqüentara, e se eu estivera grávida. — Mas por que ele ligaria para você? Qual o interesse dele? — Disse que tinha um antigo relacionamento com os Galváns e se sentia na obrigação de checar os rumores que ouvira a respeito da venda de um bebê Galván. Lúcio respirou fundo. — A venda de um bebê? — No mercado negro. — Ela apertou o encosto de uma cadeira. — Passaramse alguns dias e a foto chegou. — Tomás. Ana balançou a cabeça afirmativamente. — Não sabia o que pensar. A criança na foto era da mesma idade e poderia ser minha, mas também poderia ser de qualquer um. O senhor Huntsman me ligou alguns dias depois... menos de uma semana... e pediu desculpas por me dar esperanças. Ele foi muito simpático, mas firme. Disse que, após uma investigação mais detalhada, descobrira que o pequeno garoto não poderia ser meu. Tomás era um ano mais novo. — E acabou assim? — Mais ou menos. Lúcio pegou a foto novamente e observou o rosto da criança.


— O que aconteceria se fosse nosso filho? O lábio inferior dela tremeu. — Não consigo pensar assim. Não temos uma criança. O que eu esperava e desejava nunca vai acontecer. Lúcio colocou a foto de volta na caixa. — Gostaria que você tivesse me contado. Queria ter sabido. Teria feito alguma coisa pela criança, mesmo que não fosse nossa. — Não. — Só estava dizendo... — Sei o que estava dizendo. Você teria tentado ajudar a criança, fazer alguma coisa boa por ela. Acha que não tenho pensado nisso desde então? — Ela ergueu os olhos, o rosto pálido, o semblante arrasado. — Não lhe disse de propósito, Lúcio. Estava sendo má e egoísta. Não lhe contei porque não queria que o ajudasse! Lúcio apertou os olhos. — Não entendo. — Sim, você entende. Me conhece bem o suficiente para saber que não sou nenhuma santa. Sou egoísta e mesquinha... — A voz começou a desaparecer e lágrimas caíram. — Eu me odeio por tê-lo abandonado. Queria ajudá-lo e não fiz isso somente para contrariar você. — Anabella. — Fiquei furiosa com você durante anos, Lúcio. Não imaginava o quanto estava furiosa até não poder... não querer... ajudar uma criança de quatro anos. A expressão dele era de total descrença. — Por que estava tão chateada? Estava tão envergonhada que não podia responder, não podia colocar em palavras uma raiva tão profunda e insensata. — Ana. Limpando as lágrimas, ela respirou fundo. — Eu... eu o culpava. — Por quê? — Pelo aborto. Lúcio deu um passo para trás, os músculos duros, contraídos. Não podia acreditar que ela havia falado aquilo. Deu outro passo para trás.


— Fiquei tão arrasado pela perda quanto você, Anabella. — Se você não tivesse me deixado na praça... — Não deixei você! Fui arrastado para longe dali. — Sei disso racionalmente, mas, no meu coração, queria que me salvasse daquele horrível internato para moças para o qual fui mandada, no Uruguai. Os olhos de Lúcio queimavam. O peito parecia estar em chamas. — Não sabia onde você estava, Ana. — Não acrescentou que, depois da surra, ficou meses sem poder andar, que os capangas da mãe dela tinham feito um trabalho tão eficiente que quebraram quase todos os ossos de suas pernas. Ana não disse nada e Lúcio engoliu a amargura do passado. — Por que esperou tanto tempo para me dizer isso? — Lembro que tive medo de que alguma coisa terrível acontecesse a Tomás se não o achássemos. Não conseguia parar de me preocupar com ele. Sabia que, se você voltasse para casa, me ajudaria. Sabia que, se alguém pudesse salvar Tomás, esse alguém seria você. — Oh, Ana, não posso acreditar no que está me contando. Não posso acreditar que foi por isso que se divorciou de mim. Ela agarrou a cadeira com firmeza. — Eu não queria o divórcio... — Não queria o divórcio? Não se engane, querida. Você estava tão chateada comigo, tão cheia de raiva e ressentimento, que parou de falar comigo. Se negava a fazer amor comigo. Pediu que me mudasse para o quarto de hóspedes. Ana, foi você quem fez tudo isso. Anabella entrelaçou as mãos, praticamente implorando. — Mas eu não queria realmente ficar sem você. Só não sabia como parar o que havia começado. Lúcio afirmou suavemente: — Ana, você está me matando. — É verdade. Eu estava morrendo de medo do que tinha começado, do que estava sentindo. Sim, estava chateada, mas percebi, conforme o tempo foi passando, que não era culpa sua. Estava chateada com a vida, chateada com tudo e com todos... — Não posso fazer isso. Tem sido uma semana difícil, Anabella. Uma semana longa. Sua doença tem nos consumido.


— Me perdoe, Lúcio. — Não é tão fácil assim. Ela engoliu em seco e levantou o queixo.


— Bom. Não estou pedindo para ignorar. Só estou pedindo para me dar uma segunda chance... — Uma chance? Já lhe dei dezenas! Lágrimas brilharam em seus olhos, mas Ana levantou ainda mais o queixo. — Então, qual o problema em dar mais uma?

CAPÍTULO DEZ O humor de Lúcio não melhorou nas quatro horas que se passaram entre a confissão de Ana e o jantar. Na verdade, quando Maria os chamou para a mesa, ele fervia de raiva. Durante a refeição, ele praticamente ignorou Ana e, assim que Maria tirou os pratos da mesa, ele se levantou e saiu. Ana o viu indo embora, o coração sofrendo. Ela havia feito uma confusão danada. Contendo um suspiro, Ana deixou a sala de jantar e foi à procura de Lúcio. Encontrou-o na biblioteca, ao telefone. Ana ficou lá, em pé, esperando, até que ele terminasse a ligação. — O que é, agora? — O olhar que lançou à esposa era de puro desprezo. Anabella sentiu o estômago embrulhado. Teria ido embora se não fosse pelo rostinho de Tomás assombrando-a. Ele era muito novo para ter olhos tão tristes. — Vai me ajudar a encontrá-lo, Lúcio? Lúcio balançava na cadeira. — Para fazer o quê? Mandar-lhe cartões de Natal? — Não. Preciso saber como ele está. Preciso saber se ele tem um bom lar... — Posso lhe garantir que não. Ela se encolheu. — Então talvez possamos ajudá-lo. — Pensou em pedir mais informações ao tal senhor Huntsman? — Não tenho conseguido encontrar Alonso. O número de telefone que ele me deu está desligado há quase onze meses. — Então, você realmente tentou encontrar Huntsman? — Sim. Passei semanas à procura dele. Até contratei um detetive


particular... sem sucesso. Os olhos negros de Lúcio se fixaram nos dela. — Foi então que começou a fugir de mim? — Sinto muito. — Ok. — Ele lutava para manter a calma. — Tenho coisas para fazer — disse, apontando para a porta. — Conversaremos amanhã. Ficou olhando para a porta fechada por longos minutos, depois que Anabella saiu. Não sabia o que pensar. Ou sentir. Anabella estava realmente preocupada com o garotinho e, entretanto, tinha sido contra a adoção durante todo o casamento. O que ela queria com Tomás? Lúcio passou metade da noite sentado, mandando e-mails a todas as agências governamentais, agências de adoção e grupos de assistência social infantil que encontrou listados. Em todos os e-mails, perguntava sobre Alonso Huntsman e mencionava que estava à procura de um menino de aproximadamente quatro ou cinco anos, cabelos pretos, olhos claros e, provavelmente, vivendo em algum orfanato pobre fora de Buenos Aires. Foi para a cama tarde e, assim que entrou debaixo das cobertas, Ana, sonolenta, se enroscou nos braços dele. Por um longo momento, apenas a abraçou. O coração sofria, banhado por uma onda de intensa emoção. Ela parecia tão bem em seus braços. Ana remexeu-se nos braços do marido e ergueu o rosto para vê-lo. — Me beije — sussurrou, colocando um braço ao redor do pescoço dele. O toque dos seios macios em seu corpo era um tormento e um prazer. — Não vai acabar com um beijo — avisou, acariciando-a, saboreando a curva da cintura e do quadril. — Espero que não. Fizeram amor com um quase quieto desespero e adormeceram emaranhados. Lúcio acordou primeiro, viu que ainda estava escuro lá fora, deixou Ana e voltou para o computador. Lúcio ligou o computador na esperança que alguém tivesse respondido às suas perguntas. Mas não havia nenhuma resposta. Começou a procura de novo, enviando novas perguntas, procurando nomes, negando-se a desistir. Pegou o telefone às nove da manhã e ligou para o escritório de Dante.


— Bom dia — cumprimentou o cunhado. — Sinto incomodá-lo no trabalho. — Algum problema com Anabella? — Não exatamente. — Ele e Dante ainda não eram amigos, mas, ao menos, não eram mais inimigos. — Preciso de informações sobre o internato, no Uruguai, para o qual Ana foi há alguns anos. Você chegou a conversar com o médico que tratou dela? Tem certeza que ela abortou? Houve uma longa pausa. — Falei com a diretora da escola, que me ligou para dizer que Ana havia perdido o bebê e precisava de tratamento médico urgentemente. — Em algum momento ela mencionou um bebê? — Não. O que está acontecendo? — Anabella foi procurada há um ano por um homem chamado Alonso Huntsman... — Nunca ouvi falar dele. Lúcio já desconfiava disso. Sentiu o sangue subir. Será que alguém tinha tentado chantagear Ana? Tentado fazer Tomás passar por filho dela? Ou será que alguém realmente pensava que o menino podia ser de Anabella? — Mas você não tem certeza se ela abortou? E possível que ela tenha dado à luz um bebê saudável. — Não deu. — Você não estava com ela, Dante. Você a mandou para longe. — Para uma escola. Uma escola para adolescentes grávidas solteiras, Lúcio pensou. Uma escola especializada em adoções secretas. Um momento de silêncio atravessou a linha telefônica. — Não acredita realmente que há uma criança, acredita? Não. Sim. Lúcio trincou os dentes. — Há uma criança na qual estamos interessados. Estou certo de que Ana lhe contará mais se pudermos localizá-lo. Lúcio passou o resto do dia no escritório da vinícola. O assistente telefonava enquanto ele continuava a pesquisa no computador. Estava determinado a encontrar alguém que soubesse de alguma coisa. Mas, no final do dia, não conseguira nada. Estava anoitecendo quando Lúcio voltou para a casa de campo. A casa estava relativamente silenciosa. Escutou uma risada na cozinha. Lúcio foi até lá e


encontrou Anabella sentada em um banco alto com um bebê no colo. Ela estava brincando com o bebê, e era uma cena encantadora. Os olhos verdes de Ana brilhavam de amor. — Senhor! — gritou Maria. — Veja quem está aqui! Meu neto, Jorge. Veio passar o fim-de-semana comigo. Não é adorável? — Com certeza — Ana murmurou, beijando o bebê no rostinho gorducho. — Ele é ótimo. Gosta de todo mundo. Quer segurá-lo, Lúcio? Ele não vai chorar. — Não. Jorge parece gostar de você — ele respondeu, tocando suavemente a mãozinha do bebê. Maria bateu palmas e pegou o bebê. — Vou levá-lo de volta para a mãe ou não vou conseguir trabalhar. Lúcio percebeu que não havia nada no fogo e somente algumas verduras cortadas em cima da pia. — Não se preocupe em cozinhar para nós hoje à noite, Maria. Você está com a família aqui. Vou levar Anabella para jantar fora esta noite. Ainda não saímos para comer desde que voltei para casa. Só quando estavam na escada ele pensou em lhe perguntar se queria jantar fora. — Me desculpe. Nem lhe perguntei. Quer sair? Nem precisava falar. Podia ver o brilho de felicidade nos olhos. .Quando Ana estava feliz, o mundo estava feliz. Uma hora depois, estavam sentados em um pequeno restaurante no centro de Mendoza. O restaurante geralmente tinha fila de espera. Mas, como trabalhava com os vinhos da vinícola de Lúcio, o maitre logo arranjou uma mesa perto da janela. Ana estava radiante. Lúcio não conseguia parar de olhar a esposa. — Vivemos uma bela aventura — disse, pensando no quanto tinha sorte por tê-la conhecido e amado apesar dos problemas do último ano. Lúcio viu uma fagulha de medo nos olhos da esposa. — Espero que não tenha acabado. Você disse que teríamos um último louco caso. — Na verdade, não lembro de ter dito um louco caso. Pensei que íamos apenas fazer alguma coisa. Uma última viagem para a praia ou Buenos Aires. — Ou Patagônia, para a Geleira Perito Moreno. O lugar onde se casaram. — E por que iríamos até lá? Ela sorriu, os olhos reluzindo.


— Para renovar nossos votos, claro. Lúcio riu. — Agora sei que você perdeu a cabeça. Ana percebeu o sarcasmo do marido, mas sentia-se calma. Adorava como Lúcio a estava olhando, adorava a risada meio satisfeita, meio irritada. E adorava relembrar o casamento deles. Tinha sido tão excitante casar na Patagônia, em cima da geleira. — Você estava uma noiva linda, Ana — disse, calmamente. — Me arrependo de algumas coisas, mas não de ter me casado com você. — Do que se arrepende? — De ter passado tantos anos tentando que você engravidasse. De fazer amor somente porque você estava ovulando. Acho que toda a energia que canalizamos para fazer o bebê poderia ter sido mais bem utilizada se a tivéssemos usado em nosso proveito. — Provavelmente. Lúcio esboçou um sorriso. — Não acredito que está concordando comigo nisso. — Levei muito tempo para aceitar que nunca mais poderei engravidar, mas agora entendo. Estou pronta para ir em frente. Antes que ele pudesse responder, o celular tocou. Lúcio deu uma olhada no telefone. — Preciso atender essa chamada — disse, levantando-se apesar de o garçom chegar com a comida. — Não espere por mim, Ana. Vá comendo. Volto em um minuto. Mas Lúcio não voltou em um minuto. Demorou uns vinte minutos. — Sinto muito ter perdido o jantar — disse, ao voltar. — Mas era uma ligação importante. Durante todo o tempo em que o marido esteve fora, Ana pensou sobre os acontecimentos dos últimos dois dias. Sabia que fizera uma confusão na noite anterior, e não dissera o que mais queria compartilhar — que ela queria Tomás. Sabia que a criança não era seu filho biológico, mas não se importava mais com isso. Sentia-se responsável por ele, e precisava saber se o menino realmente estava bem. — Quer um café? — Lúcio perguntou, vendo que ela havia terminado. — Não. Estou satisfeita. Obrigada. — Então, vamos para casa. — Lúcio pediu a conta. Enquanto pagava a conta, Ana achou que o marido estava chateado com


alguma coisa. Tentava disfarçar, mas alguma coisa o consumia, alguma coisa naquele telefonema o perturbara... Ana o olhou de relance quando saíram do restaurante. — Qual o assunto do telefonema? — perguntou, tentando ser natural. Atravessaram a rua e Lúcio abriu a porta do carro. — Terei de me ausentar por uns dias. Preciso fazer algumas coisas. — Aonde vai? — Norte. Para Salta. Salta era a terra natal de Lúcio. Ana sentou-se no banco do passageiro. Lúcio fechou a porta depois que ela já estava confortavelmente sentada. Ela esperou o marido entrar no carro. — Posso ir com você? — Não. — Por que não? Lúcio não queria discutir. Balançou a cabeça, ligou o carro e partiu. A ligação era de Alonso Huntsman. Ele ouvira, de uma fonte não identificada, que Lúcio o estava procurando e ligou. Alonso concordara em encontrar Lúcio daqui a três dias em Salta, em frente à catedral. — Por favor, Lúcio. — Ana continuava implorando. — Não! — Estava sem paciência. — É uma viagem que preciso fazer sozinho. Anabella trocou de roupa no quarto, colocando a camisola. O jantar começara promissor, mas acabara como tudo — um desastre. Ficou em pé à janela, observando as montanhas ao longe. Escutou um barulho vindo do térreo e, ao se debruçar no peitoril, viu Lúcio na varanda. Então, ele ainda estava acordado. Ana vestiu um roupão por cima da camisola e desceu para encontrar o marido. Lúcio percebeu a chegada da esposa. Olhou para ela. — Por que nunca quis adotar? A pergunta a pegou de surpresa. Cruzou os braços.


— Porque estávamos tentando ter nosso próprio bebê. Ana olhou o rosto do marido, sabendo muito bem que o assunto da adoção tinha sido o pomo da discórdia entre o casal. Lúcio queria adotar. Ela não. Mas na época em que discutiram o assunto, ela ainda sofria devido à incapacidade de engravidar. — Mas não penso mais assim — ela acrescentou com doçura. — Se pudéssemos encontrar Tomás... — E se não pudermos? Não havia pensado nisso. — Acho que podemos pensar na adoção. — Se ficássemos juntos. Ana sentiu o estômago embrulhar. — Mas nós vamos ficar juntos. — Não posso dizer isso. Não acho que seja verdade. — Você está cansado. O telefonema o preocupou. — Sim, estou cansado, mas essa não é a questão. Queria ter estado lá quando você tinha dezoito anos. Queria ter sido capaz de tirá-la daquela escola, de impedi-la de perder nosso bebê. Mas não pude. E você realmente perdeu o bebê, e se machucou. Francamente, Ana, acho que muita coisa deu errado entre nós. — Não vou perder você. Passamos por muita coisa. — Coisas demais. — Se você ama alguém, nunca é demais. — Dispenso o papo-furado sentimental. Ela queria empurrá-lo para a cadeira. Queria sentar no colo dele e fazê-lo encarar a verdade. — Não vou deixar você fazer isso — disse com calma, mas decidida. — Vou encontrar um jeito de dar certo. — Eu disse a mesma coisa há menos de um ano. Lutei por isso também, e você não se importou. Não queria uma segunda chance. — Eu estava errada. Ele deu uma risada brusca, aguda, zangada. — Por Deus, Ana, você é imprevisível. Me deixa louco. Me faz duvidar até de mim mesmo. — Ótimo. — Ana foi até Lúcio e ele deu um passo para trás. A cada passo


que ela dava em sua direção, ele retrocedia. Parecia que estavam em uma partida de xadrez interminável. Lúcio podia ser o rei, mas Ana era a rainha e, no xadrez, a rainha pode vencer o rei. Tudo o que precisava fazer era se concentrar e não perder a calma. — Quero que duvide de si mesmo, querido. — Os olhares se encontraram e ela o viu com as sobrancelhas baixas e as feições tensas. — Quero que fique tão cheio de dúvidas que não consiga me deixar, que não consiga passar por aquela porta sem nos dar uma nova chance. — Isso não vai acontecer. — Como pode estar tão certo? Lúcio esboçou um sorriso sinistro. — Porque me conheço e conheço você. Está lutando por nós agora, mas não está lutando por amor. Está lutando porque está com medo. Ana não conseguia nem responder àquela afirmação. Prendeu a respiração e o encarou, os olhos queimando. Lúcio deve ter visto o quanto a magoara porque sua expressão ficou mais suave. — Você fala sério, querida, mas por baixo de todo esse fogo há uma mulher desprotegida e inexperiente. Você não está com medo de me perder. Está com medo de encarar a vida sozinha. O nervosismo de Ana aumentou, e ela começou a escutar um zumbido dentro da cabeça. Ouvia a voz do marido, ouvia o próprio protesto, mas tudo misturado. Caminhou até a ponta da varanda, apreciando o jardim. — Talvez eu seja relativamente inexperiente, e talvez me sinta desprotegida. Fomos criados de formas diferentes. Você podia ser quem quisesse, viajar para onde quisesse... — Não diria que andar a cavalo pelos pampas era viajar — Lúcio interrompeu, secamente.:— E me parece que você fazia o que queria. Ana sabia que Lúcio não estava falando sobre estilo de vida, mas sobre atitude. Estava se referindo ao rebelde descaso da esposa com relação aos desejos da família. — Devido ao seu desejo de ser diferente — continuou —, você é a mulher mais volúvel que já conheci. Você diz uma coisa e faz outra. Diz que quer isso e escolhe aquilo. Quer ser simples, mas, na verdade, não consegue viver sem tudo isto aqui.


Inclinou a cabeça, indicando a romântica casa de campo banhada pelo luar. — Você foi feita para esta vida, querida. Não pode viver sem estas coisas. — Lúcio a ridicularizava descaradamente, quase satisfeito. Ana gelou quando o marido começou a falar, mas, quando terminou, sentia calor, estava vermelha de raiva, o rosto queimando. — Você não sabe nada sobre mim! — Sei muito sobre você. Ana continuou parada, sentindo-se à beira de um precipício. Ainda assim, sentia-se incapaz de dar um passo em qualquer direção. O silêncio criado entre o casal era tão estranho e desconfortável que Anabella sentiu lágrimas escorrerem pelo rosto. Lúcio não gostava dela. Não gostava de quem ela era ou representava. Ana odiou o silêncio. Odiou as emoções intensas que o marido despertara nela. Lúcio a fez sentir como se todo o relacionamento deles fosse uma farsa, como se fosse baseado somente em atração física. Mas eles eram só pele... química... sexo? Ana olhou para a bonita casa de campo. Lúcio estava errado. O relacionamento deles não era baseado em sexo. Era real; as emoções, os desejos, os sonhos. E era amor. Cerrou os punhos numa tentativa de esconder o medo. — É fácil você me criticar porque conhece minha vida e meu passado. Mas eu não tenho essa vantagem. Não sei quase nada sobre sua casa, sua família, seu mundo. Só sei que passou boa parte da vida sendo livre e que abandonou essa liberdade para se casar comigo, e queria ter tido a oportunidade de ver o que você viu. — Não é vida para mulheres. — Sua mãe... — Ela é meio índia. É das montanhas. Pelo tom da voz de Lúcio, Ana ouviu o que não foi dito: mas você não é. — Talvez eu não seja das montanhas mas - disse, a voz densa — não sou tão fraca. Sei andar a cavalo, Sei cozinhar em uma fogueira. Posso acampar... — Nossa vida não é um acampamento. — Você vai dificultar, não vai? Lúcio riu, impaciente. — É você que gosta de desafios.


O rosto de Ana queimava. O marido estava muito mais chateado do que ela imaginara. Talvez fosse muito tarde para recuperá-lo. Mas Ana não aceitaria perdê-lo. — Você sempre foi um jogador, Lúcio. Então, faça sua última aposta em mim. Me leve com você quando for para casa. Me deixe ver onde cresceu, onde viveu, a escola que freqüentou. Quero conhecer você melhor, e quero muito conhecer sua família. Significaria muito para mim — ela acrescentou, gentilmente, tentando expressar seu amor, tentando encontrar uma pitada de carinho em algum lugar daquele coração maltratado, cheio de raiva. — Sei que seu pai faleceu há pouco tempo, mas gostaria de conhecer sua mãe. Seu irmão. Seus primos... seus amigos de infância. — Restam poucos na aldeia. Não haverá quase ninguém para ver. — Mas a aldeia... — disse, a voz densa — Sei cozinhar em uma. — É pequena, pobre e desinteressante. — Posso julgar por mim mesma? — Não é fácil chegar lá, e você está doente. — Você sabe que estou melhor. Ligue para o Dr. Dominguez. Ele vai me liberar para viajar. Lúcio não disse nada. — Não estou pedindo a lua, Lúcio! Só quero ficar com você, conhecer seu lado gaúcho. Além disso, seria divertido ver lugares novos, experimentar coisas novas. — Faça reserva em um cruzeiro. Os navios são bonitos e viajam para portos seguros. — Você está sendo cruel. — Estou sendo honesto. Ana estava quase sem argumentos. Não havia muito mais o que dizer. Sabia que tinha um último apelo, que odiaria usar, mas que usaria. Era a cartada final. — Se você me ama, Lúcio. Se algum dia me amou... — Ana. — A voz de Lúcio era severa, baixa, de advertência. Anabella viu a mandíbula dele se contrair, mas ignorou o aviso. Ela precisava encontrar uma forma de reparar o estrago entre.eles e, indo ao local onde foi criado, talvez ela pudesse se conectar ao marido de alguma forma.


— Se me amasse — repetiu —, faria isso por mim. Devagar, Lúcio ergueu os olhos e fitou-a com uma intensidade inabalável, os olhos tão escuros que ela não podia ver nada a não ser o próprio reflexo neles. — Você quer ir? — A voz profunda, aborrecida e ríspida parecia mordê-la. — Ok, você vai. Partiremos amanhã.

CAPÍTULO ONZE Lúcio viu luz nos olhos de Ana. — Que horas? — perguntou, excitada, como uma menina. Já havia planejado sair de manhã, e, embora levar Ana não fizesse parte do plano, talvez fosse melhor assim. Talvez fosse hora de todos pararem de protegê-la das coisas desagradáveis. Talvez fosse a hora de finalmente crescer. — A que horas devo estar pronta? — perguntou. Os olhares se encontraram e Lúcio tentou intimidá-la. — Cedo. Ana não estava nem um pouco preocupada. —r Mal posso esperar. — Nem eu — disse, irritado com o entusiasmo da esposa, mas era justamente isso que Lúcio mais amava em Ana. — Você precisa arrumar as coisas hoje à noite. Leve somente o que couber em uma mochila, e durma um pouco. Vamos partir antes de o sol raiar. No quarto, Ana arrumou poucas coisas. Deitada na cama, Ana não conseguia conter a esperança que renascia no coração. Não importava o que Lúcio dissera, esta era uma oportunidade para começarem do zero, terem novas lembranças, serem rebeldes e livres como eram. A batida à porta, algumas horas depois, parecia chegar no meio da noite. Ana escutou a batida novamente, mais intensa, e espiou o relógio. Três e meia. Três e meia! Ele estava brincando! Não podia ser verdade que ele quisesse sair às três e meia da manhã. Ana tirou o cabelo do rosto e foi até a porta. Ao abri-la, descobriu que o


corredor estava escuro. A casa estava às escuras. — Você está brincando — resmungou, esfregando os olhos. Lúcio sabia que ela odiava acordar cedo, que era totalmente rabugenta antes das sete da manhã. — Não está pronta? A voz grave de Lúcio estava baixa, ameaçadora. Mal podia ver o rosto do marido no escuro, mas tinha a nítida sensação de que ele sorria. — Agora sei que está brincando. — Hora de ir. Ela encostou na porta e bocejou. — Vamos partir agora? Às três e meia da manhã? — Não. Vamos partir às três e quarenta. Você tem dez minutos para se vestir e me encontrar no estábulo. E ouça bem. Se você se atrasar um minuto, vou embora sem você. Não vou esperar. O marido estava sério. Ana sentiu firmeza na voz, percebeu a total ausência de carinho e afeição. — Lúcio — sussurrou o nome dele. — Não pressione. Não hoje. — Os olhos escuros pareciam negros no corredor sombrio. — Me sinto como se tivesse esperado a vida inteira por você e agora chega. Cansei. Vamos juntos nessa viagem e, depois, vou trazêla de volta para casa e vou embora. — Embora? — repetiu suavemente, o coração quase parando. — Sim, senhora. — Os dentes brancos cintilaram por um momento e o sorriso desapareceu. — Vou seguir minha vida. Com o estômago embrulhado, Lúcio desceu as escadas e foi à cozinha para pegar umas sacolas com comida. Tinha sido desnecessariamente rude com Anabella e não gostava disso. Sim, estava triste e magoado, mas o que lucraria descontando a raiva na esposa? Lúcio dirigiu-se ao estábulo com passadas largas. Anabella apareceu no estábulo usando jeans, camiseta, poncho e botas. Prendera o cabelo em uma trança e, com o poncho de lã vermelho, Lúcio pensou que a esposa poderia perfeitamente passar por uma china, a mulher de um gaúcho. Percebeu que estava tentando esboçar um sorriso. Exceto pelo porte altivo


do nariz, ninguém diria que Ana era a filha mais nova do Conde Galván. — Tudo pronto? — perguntou, pegando a sacola de viagem que ela carregava. Lúcio já havia selado a égua de Ana. Enrolou a sacola em um cobertor e amarrou-o na parte de trás do animal. Ana, intrigada, aproximou-se do cavalo. — Esta não é a minha sela — disse. Lúcio olhou-a de relance. — É a sela de um gaúcho. Se vai para casa comigo, vai como eu vou. Deixe-me ver como estão os estribos — ele disse, pegando-a pela cintura e erguendo-a até a sela confortável. Lúcio esticou a perna dela, checando o posicionamento da bota no estribo. — Está bem? — perguntou. O marido a tocava suavemente através da bota e, mesmo assim, Ana sentia arrepios no corpo todo. O corpo ficou quente. Ela o desejava muito, queria a mão dele por baixo da camiseta, tocando os seios, queria sentir o corpo rígido contra o dela, quadril com quadril, o peito dele encostado aos seios dela. Queria tanto e parecia uma eternidade desde que passaram um dia inteiro na cama fazendo amor. — Sente-se bem? — ele repetiu. A sensibilidade crescia, o desejo ficava à flor da pele. — Depende do que está me pedindo para sentir. Lúcio pegou o cabelo de Ana preso em forma de trança e puxou a cabeça da esposa para perto da dele. — Você está muito corajosa esta manhã, querida. Ana viu os olhos negros incendiarem e o calor a chamuscou. Lúcio ainda era o gaúcho de sangue quente que derretera o coração dela. Ana desejava ardentemente se dobrar, encostar a boca na dele, sentir o gosto daquele gaúcho, um longo e demorado beijo seguido do toque da língua dele. — Não sei por quê — ela respondeu, a garganta seca, incapaz de disfarçar a emoção e o desejo. — Não dormi o suficiente. — Deveria ter ido para a cama mais cedo. A voz de Lúcio era fria, quase imparcial, mas a voz fria contrastava com o fogo que ardia em seus olhos. Achava que podia controlar o desejo por ela, mas não conseguia esconder algo tão forte. — Deveria ter me deixado dormir — respondeu, tentando libertar o cabelo. — Sabe como fico quando durmo menos de sete horas.


Os dedos dele se enterraram ainda mais no cabelo de Ana. Os lábios esboçaram um sorriso suave. — Lembro de quando você costumava dormir quatro horas — disse, puxando a cabeça dela para mais perto do rosto dele, a centímetros dos lábios. — Lembro de quando fazíamos amor e você não dormia. Estava sempre com muito desejo. Ana não podia respirar. O sangue subiu e o ventre pulsava, desejava-o. Mas havia problemas entre eles agora, e levaria tempo para resolver tudo. Tempo e paciência. E mais do que um pouco de humor. — Mas isso já era — ela respondeu docemente, sem fôlego. — Você era muito mais novo. Duvido que fosse capaz de... manter... tanto prazer agora. Viu os olhos negros do marido faiscarem. Alfinetara o ego masculino. — Não precisa se preocupar com minha resistência, querida. Sou mais forte e mais controlado agora. Posso recuar e avançar o tempo que quiser. Ana arregalou os olhos e sentiu o corpo arder de tanto calor, principalmente, no rosto e na boca. Sentiu o olhar do marido percorrer calmamente o rosto em chamas e depois se fixar no lábio inferior, que tremia.

Só me beije, suplicou, silenciosamente. Agora. — Mas você não vai saber, não é? — ele concluiu, quase triste, tirando os dedos que estavam presos aos cabelos dela e dando-lhe um tapinha na coxa antes de se afastar. — Fique feliz, Anabella, conseguiu o que queria. Está praticamente livre de mim. — Não estou livre ainda — respondeu rapidamente. — E nem você. Lúcio lançou-lhe um olhar mordaz e pegou o chapéu de feltro de aba larga que estava pendurado na parede. — Estou quase lá — retrucou, colocando o chapéu na cabeça e montando em seu cavalo. Ana tentou não desejá-lo quando ele montou, as pernas compridas, mais fortes e musculosas agora do que quando o vira pela primeira vez. Na noite em que fizeram amor pela primeira vez, as mãos estiveram em todos os lugares, a boca percorrera todo o corpo dela, Lúcio a explorara como se fosse propriedade dele. Mas, agora, Lúcio estava cavalgando para longe, do estábulo, embrenhando-


se na noite escura e Ana, apesar de estar totalmente revirada por dentro, agitada devido a tantas emoções, o corpo queimando de desejo, não tinha outra escolha a não ser segui-lo. Pedira uma aventura e o marido estava lhe dando uma. Talvez a aventura pudesse ajudá-la a encontrar o caminho de volta para ele. Já fazia um bom tempo que Anabella não ficava mais do que meia hora em cima de um cavalo e, por volta do meio-dia, sentia dores nas coxas. Às três da tarde, estava pronta para dar a cavalgada por encerrada. — Quanto falta? — ela perguntou quando pararam em um riacho. Tinha se preparado para a dor de cavalgar. Mas não tinha se preparado para o calor. Apesar de estarem no início da primavera, o sol parecia muito mais intenso nas montanhas. Lúcio, montado em um garanhão, se inclinou. — Já se cansou da minha vida? Ela limpou o suor da testa. Lúcio tirara o chapéu da cabeça e o colocara nela, horas atrás. — Não — ela respondeu, juntando forças para esboçar um sorriso de menina forte. Mas os olhos negros de Lúcio se estreitaram ao observar o rosto de Ana. Estava preocupado. — Está com dor de cabeça? — Não é nada, Lúcio. Mas ele não parou. Resmungou baixinho. — É demais para você. — Lúcio. — Ela se inclinou, tocando a perna dele. — Estou bem. Quero continuar. Por favor. Voltou a observá-la e acabou concordando. — Está bem. Vamos. Continuaram seguindo o rio. Já estava quase anoitecendo quando Lúcio desmontou. No local havia um arvoredo. — Vamos ficar aqui esta noite. — Caminhou até ela e, pegando-a pela cintura, colocou-a no chão. — Vamos tirar as selas dos cavalos para que possam pastar um pouco. Ela olhou à volta. Não havia cercas nem limites.


— Não vai amarrar os cavalos? Lúcio ergueu as sobrancelhas. — Por quê? Não vão a lugar algum. Diferentemente de você, eles me respeitam. Passando a mão na pele quente da égua, Ana estava satisfeita com as condições em que o animal se encontrava. — Não há nenhum machucado — disse. — Claro que não. Um gaúcho que maltrata um cavalo não é um gaúcho. — Tirou uma toalha de uma das sacolas e começou a escovar o garanhão. — Há somente três coisas sagradas para um gaúcho, menina. Seu cavalo, que é sua liberdade. Seu facón — disse, tocando a faca presa atrás do cinto —, que é sua proteção e companhia. — E a terceira? — Ana perguntou. — Sua china, sua mulher. — Onde estamos agora? Aproximadamente? — A não mais que cinco milhas de San Juan. De Mendoza a San Juan era um pequeno passeio de carro. — Ainda temos um dia de cavalgada até La Rioja — disse, entorpecida, começando a imaginar quantos dias passariam em cima de um cavalo. — Não parece que fizemos muito progresso, não é? — Pensei que tivéssemos ido mais além. Lúcio faiscava. — A vida de gaúcho não é tão excitante assim. — Estou me divertindo — ela mentiu, odiando a forma como os olhos queimavam, lágrimas de cansaço se aproximando. Esticou-se na cama portátil de forma que Lúcio não percebesse. — Sim, senhora. É uma aventura. Ana fechou os olhos, tentando ignorar o tom de voz sarcástico de Lúcio, para não ficar triste. De repente, sentiu algo esbarrar em seu braço. Abriu os olhos e viu uma barra de chocolate ao lado do cobertor. — Sobremesa — ele disse. — Aproveite. Ficou deitada, observando o céu, saboreando cada pedaço. Adormeceu pensando carinhosamente no pai, que a levava para comer chocolates todo domingo, depois da missa. Parecia que ele a acordara minutos depois.


— Abra os olhos, dorminhoca. Hora de ir. Ana abriu os olhos, agitada, viu o céu azul e piscou. — Já? — Temos uma longa cavalgada pela frente. E melhor irmos. Tenho um compromisso e não quero perder. Chegaram a Famatina no meio da manhã e Lúcio os conduziu por algumas ruas até pararem em uma cafeteria bem simples. Enquanto amarrava os cavalos, disse a Ana para pedir café e pastéis. Sentaram do lado de fora. Lúcio olhou o relógio diversas vezes. — Quem estamos esperando? — perguntou, sentindo a tensão do marido aumentar. Lúcio esvaziou a xícara. — Alonso Huntsman. Ana engasgou-se com o café. Quase deixou a xícara cair. — Alonso Huntsman? — repetiu. Lúcio balançou a cabeça positivamente e o olhar percorreu a tranqüila rua. — Ele vai nos encontrar aqui? — ela insistiu, incrédula. — Foi o que disse. Continuaram a esperar. Ana estava com o estômago embrulhado. De repente, um carro estacionou perto da cafeteria e uma mulher saiu de dentro dele. Ela olhou de relance para a cafeteria e para o grupo de mesas na calçada. O semblante clareou ao avistar Lúcio. Ela se aproximou da mesa do casal e estendeu a mão. — Senhor Cruz? Lúcio levantou-se, hesitante. — Sim? — Infelizmente aconteceu um imprevisto na programação do Sr. Huntsman — disse a moça. — Ele me mandou aqui e pediu que lhe desse isto. Entregou-lhe um envelope. — Boa sorte — disse com um sorriso rápido. — Tenho certeza de que o Sr. Huntsman entrará em contato. A mulher voltou para o cario e foi embora. Enquanto o carro desaparecia na estrada, Lúcio abriu o envelope. Ele leu o cabeçalho do papel.


— Ao menos agora sabemos que Huntsman não é um criminoso — disse, virando o papel de forma que Anabella pudesse vê-lo. — É um agente da Inteligência Britânica. Ana pegou o papel. — É o quê? Lúcio começou a rir de alívio. — Um espião.

CAPÍTULO DOZE — Um espião? — Anabella repetiu, os olhos brilhando. Sempre gostara de mistérios, dramas, histórias de aventura. — Como James Bond? — Bem, imagino que não seja tão glamouroso, mas ele trabalha para o governo — Lúcio respondeu, procurando mais papéis dentro do envelope. Era um maço espesso, e em uma página estava uma lista de nomes, endereços e telefones. Parecia uma lista das pessoas que estiveram com Tomás ou que passaram pela vida do menino. — Pistas que nos levam a Tomás — disse Ana, correndo o dedo pelos endereços. — Não estamos longe de onde ele vive. — Ou viveu — Lúcio corrigiu, a excitação diminuindo depois que leu as anotações de Alonso nas margens. — Estas pistas são velhas. Aparentemente, a criança desapareceu do orfanato. — Desapareceu? — Alonso não consegue achar nenhum rastro dele. Lúcio sentiu o jeito de Ana endurecendo. — Não é possível — ela protestou. — O orfanato deve ter registros de entrada e saída. Certamente, não permitiriam que uma criança saísse sem registrar quem a levou. Crianças não desaparecem no ar! A não ser que alguma coisa ruim tivesse acontecido, Lúcio pensou, horrorizado. Mas não falou sobre seu medo. Concentrou-se em vasculhar a papelada dentro do envelope. Havia tanta coisa ali, muito mais do que pensara inicialmente. Cópias de registros, uma certidão de nascimento obviamente falsificada, fotocópias de um jornal. Ana espreitava por cima do ombro do marido, tentando ver o que ele lia.


— Onde é o orfanato? — Perto de San Salvador de Jujuy. — Lúcio, não é longe. Só algumas horas de Salta. — Ana agarrou o braço dele. — Vamos pegar um carro e ir até lá hoje. Chegaremos no fim da tarde. Lúcio não respondeu, muito envolvido nas anotações feitas por Alonso. Huntsman dizia que o orfanato não aparentava agir dentro da lei. Segundo ele, crianças apareciam e desapareciam com uma regularidade alarmante. Até a equipe era substituída com freqüência. Só no último ano foram quatro diretores. Virou a página, procurando mais informação sobre o orfanato Casa de Ninos, que ficava nas montanhas. Pelo que percebeu, era uma pequena instituição que cuidava de aproximadamente vinte crianças, a maioria descendentes dos incas. Contudo, se uma pequena instituição responsável por apenas vinte crianças não tinha nenhum registro de Tomás, alguma coisa estava muito errada. Anabella apertou o braço do marido. — Vamos pegar um carro. Estamos perdendo tempo. — Sem pressa, Ana. Temos os cavalos. Temos muitos becos sem saída... — Talvez não sejam becos sem saída! — Ana agarrou o braço do marido com firmeza. — Talvez Alonso não soubesse o que procurar, não tenha feito as perguntas certas. San Salvador de Jujuy fica no alto das montanhas, longe do resto do mundo, e Alonso é um estrangeiro. As pessoas podem não ter confiado nele. Mas você tem descendência indígena. As pessoas confiariam em você. Ana estava muito determinada a encontrar Tomás, principalmente agora que ele havia desaparecido. Mas ambos sabiam que crianças não desaparecem. Algo tinha acontecido. Mas o quê? Talvez houvesse muito mais do que apenas um garoto desaparecido.

Mercado negro. Criança vendida. Essas palavras, ditas anteriormente por Ana, soavam ameaçadoras. Lúcio precisava falar com Alonso. — Está dizendo que não vamos fazer nada? — Ana se colocou na frente de Lúcio. — Vamos sentar e esperar? Lúcio a olhou de cima a baixo. — Vamos agir com cautela — respondeu, não querendo desapontá-la, mas com um forte instinto protetor. Não arriscaria a segurança de Ana de jeito nenhum.


— E o que isso significa? Os olhos verdes faiscavam. Ana estava ficando furiosa. Lúcio controlou-se para não rir. — Vou fazer algumas investigações antes de ir para o norte — respondeu, calmamente. — Quero fazer algumas perguntas... Ana balançou a cabeça, resmungando alguma coisa pouco elogiosa sobre homens arrogantes ao lado dela. — Então é isso? Voltamos para casa e eu fico sentada, enquanto você dá alguns telefonemas? — Não vamos voltar para casa, e não vou dar telefonemas. Vamos continuar cavalgando em direção ao norte. Tenho amigos ao longo do caminho. Ana balançou a cabeça novamente, o rosto queimando de raiva. Lutava para manter o controle, para não dizer alguma coisa da qual se arrependesse depois. — Mas não quero continuar cavalgando. Não posso continuar tentando levar uma vida de gaúcho. Quero um carro para ir a Jujuy. Quero visitar o orfanato, conversar com o diretor... — Que foi substituído — Lúcio interrompeu, gentilmente. — A Casa de Ninos teve quatro diretores diferentes, nos últimos doze meses. — Um fato que ele descobrira nas anotações de Alonso. O orfanato devia ser fachada de alguma atividade ilegal. Lúcio queria muito visitar aquele lugar, mas sem Ana. — Ana, você disse que queria conhecer meu mundo, minha família, meu povo. Vou mostrar a você, se me deixar... — Mas Tomás... — Está desaparecido. Você mesma disse que Alonso não conseguiu encontrar a criança porque é inglês. Deixe que meu povo nos ajude. Ana desviou o olhar, lágrimas nos olhos. — Você realmente acha que seu povo pode ajudar? — Se deixarmos. Mas você precisa ser paciente. Precisa entender, querida, que você é a estrangeira. À medida que formos para o norte, vai encontrar gente que vai desconfiar de você assim como a sua família desconfiou de mim. Ela fechou os olhos e uma única lágrima rolou pelo rosto. Lúcio sentiu o peito apertar e secou a lágrima que rolava pelo rosto da esposa.


— Não vai ser fácil, Ana, porque você gosta das coisas do seu jeito. Desta vez, no entanto, devemos fazer do meu jeito. Consegue? Por nós? Por mim? Ana engoliu com dificuldade e abriu os olhos devagar. Estavam cheios d'água, mas logo encontraram os dele. — Sim. Satisfeito, ele jogou a papelada de volta no envelope e guardou-o dentro do cinto de couro. Depois conduziu-a a uma pequena loja para comprar mantimentos. Arrumou o almoço nas sacolas e foram em direção às montanhas. De volta às selas, cavalgaram bastante por algumas horas, cruzando pequenos riachos antes de subirem as montanhas. Os pensamentos de Ana se concentravam somente no mistério que envolvia Tomás. Com calor e irritada, Ana tirou o poncho. Estava suada. E cansada de cavalgar. Queria um carro, uma estrada. Como se percebesse o humor de Ana, Lúcio deu meia-volta com o garanhão e olhou o rosto vermelho da esposa. — Não estamos longe agora — disse para encorajá-la. — Coragem, querida. Ana enxugou o suor da testa. — Estou tentando. — A subida é árdua, mas o esforço vai valer a pena. Era tudo o que podia fazer para evitar chorar. — Aquilo é fumaça? — ela perguntou. — Meus amigos. Vamos acampar lá esta noite. Havia cerca de sete gaúchos em um acampamento provisório à beira de um pequeno lago. Lúcio foi cumprimentado com entusiasmo. A conversa parou e todas as cabeças se viraram para ela. Lúcio, desconcertado, apresentou-a. — Anabella — disse. — Minha mulher.

Minha mulher. Bastou isso para que os gaúchos perdessem o interesse por ela, retornando a atenção para Lúcio e os cavalos. Cuidaram dos cavalos e, depois, Lúcio e os homens se sentaram em volta da fogueira para fumar e beber mate. Ana ficou sozinha por quase uma hora, inquieta. Não podia acreditar que


Lúcio a esquecera tão rápido e tentou não ficar com raiva enquanto os homens bebiam o mate. A cerimônia do mate podia durar horas e esta parecia que ia durar a noite toda. Finalmente, Lúcio levantou-se, sacudiu a poeira e aproximou-se dela. Ana viu as botas do marido mas não ergueu o olhar. — Quer se lavar? — perguntou. Ana continuou sem erguer o olhar. Não pertencia àquele lugar. Eles não a queriam ali. Na verdade, nem Lúcio a queria ali. — Há uma piscina natural de água quente atrás daquelas pedras — continuou. — É bem protegida e ninguém vai incomodá-la. Terá total privacidade. — Não tenho toalha — ela disse, não querendo lhe dizer o quanto se sentia insegura naquele momento. Não estava preparada para aquela vida. Não sabia sentar ao redor de uma fogueira ou tomar banho nua em lagos e riachos. — Eu tenho. Ele tirou a toalha de dentro da sacola e ela pegou roupas limpas. Ana seguiu Lúcio e entraram em um pequena clareira coberta de vapor. Era exatamente o que ele havia falado. Uma adorável nascente de água quente. Ana inclinou-se e tocou a água com os dedos. A temperatura estava perfeita. Lúcio soltou a trança de Ana. Ela tremeu um pouco quando os dedos dele a tocaram no pescoço, nas costas. Era tão fácil se render a ele. Estava tão cansada e as mãos dele eram tão firmes e fortes. Ana olhou para ele. — Vem comigo? — perguntou, sentindo uma necessidade física de estar perto dele. Estavam ali há apenas uma hora e já se sentia uma estranha. Era um mundo masculino. — Não posso, querida. Preciso me juntar aos outros novamente. E importante que me sente com eles um pouco... — Mas você já se sentou! — Ela se recostou no peito dele. — Você esteve com eles por uma hora. — Você sabe que o mate pode levar horas. — Mas por que não posso me juntar a vocês? — Porque vai tomar um banho.


O tom de voz era calmo e razoável, mas ela sabia que o marido não estava pedindo. Estava lhe dizendo o que fazer e Ana sentiu as lágrimas brotarem. Lúcio acariciou o rosto da esposa com o polegar. — Não precisa ficar triste. Estamos pondo as novidades em dia e você sabe que quero perguntar sobre Jujuy e a Casa de Ninõs. Essas pessoas conhecem o norte, Ana. E por isso que estamos aqui. Para pegar informação, fazer perguntas, ver se podem nos ajudar na nossa procura. — Mas quero ser parte disso. Quero ser incluída. — É diferente aqui, Ana. Os gaúchos vivem muito tempo longe de suas mulheres. Os gaúchos e suas mulheres são independentes, não ficam juntos o dia todo, o tempo todo. Trincou os dentes, sentindo-se infantil. Sabia que o povo dele tinha seus próprios costumes, sua própria cultura, mas não gostava de ser excluída. Agora sabia como o marido se sentia quando rodeado pela família dela. Lúcio acariciou o rosto da esposa novamente. — Não posso lhes pedir ajuda, se você estiver conosco. Ana balançou a cabeça em sinal afirmativo. Ele voltou ao encontro dos outros e ela tirou a roupa suada e empoeirada. Anabella ficou dentro d'água até sentir os músculos quentes e a pele enrugada. Secou-se, vestiu uma saia longa fina e uma blusa de algodão e voltou para a fogueira. Por um breve momento, sentiu alguns olhos nela, mas logo retornaram às tarefas e conversas. Silenciosamente, ela foi até as camas que Lúcio tinha arrumado e se sentou. Havia muita fumaça perto da fogueira. Lúcio voltou para perto de Ana. — Sente falta do secador? — perguntou, vendo que ela estava tentando se pentear apenas com os dedos. Havia uma certa ironia no tom de voz e ela o fitou. Lúcio também tinha tomado banho. A pele tinha um brilho dourado. Ele parecia mais sexy do que nunca. — Não. Gosto de deixar meu cabelo secar naturalmente. Os olhos negros a ridicularizavam. Lúcio sabia que Ana nunca tivera de enfrentar nenhuma dificuldade, sabia que, apesar da rebeldia, ela estava acostumada ao luxo. — Fico feliz em saber que está aproveitando a vida ao ar livre. Agora é hora de comer um verdadeiro jantar gaúcho.


Depois do jantar, os pratos foram lavados e guardados. Os homens se posicionaram em pequenos grupos ao redor da fogueira. Ana vestiu o poncho e voltou para a cama. Alguns jogavam cartas. Outros conversavam. Outro tocava um violão velho. Lúcio escolheu ficar com os homens. Ana trincou os dentes e disse a si mesma que não tinha importância. Ele era homem. Esses eram seus amigos. Ele ama você, sussurrou para si mesma, lutando contra a solidão. Não importava o que acontecesse entre eles, Lúcio sempre a amaria, assim como ela sempre o amaria. Depois de um tempo, Lúcio deixou os outros e foi até ela, cutucando com o joelho a perna da esposa. Lúcio sentou-se ao lado de Ana com um dos braços ao redor da esposa. Ouviram a música e um dos gaúchos se levantou para dançar. Os outros batiam palmas enquanto o gaúcho de cabelo grisalho dançava, as mãos erguidas, os pés fazendo uma série de passos rápidos complicados. A música ecoava pelos rochedos. — Não fique chateada com eles — disse Lúcio, após um momento, falando bem baixinho e suave. — Não é que eles não gostem de você, Ana. Só não a conhecem ainda. — Entendo. — E ela realmente entendia, — Sei que só querem o melhor para você — acrescentou, dando a mão a ele. Lúcio abaixou a cabeça, beijou-a no rosto quase no canto da boca. — Você é maravilhosa. — Os olhos negros brilhavam, um pouco de malícia, um pouco de brincadeira. — Realmente maravilhosa. Ana voltou a desejá-lo. — Não podemos ir a algum lugar? — sussurrou. — Sozinhos? Lúcio abaixou o olhar, ocultando o semblante. -— Você não consegue viver sem sexo, consegue? Ana sentiu uma pontada de intensa emoção. — Posso viver sem sexo, mas não posso viver sem você. Lúcio ergueu o olhar e ela viu fogo nos olhos do marido. Sabia que ele a desejava tanto quanto ela. Ele se levantou e, segurando-a pela mão, puxou-a. — Vamos. Afastaram-se bastante dos outros, passaram a primeira nascente de água


quente e foram até uma área protegida, um pouco mais adiante. Ao entrarem na clareira, Lúcio encostou Ana em uma pedra e tocou o corpo dela. Ela respirou fundo. Fazia dias que tinham estado juntos e Ana estava louca para ficar perto dele novamente, louca para ter a mão do marido em seu quadril, o corpo dele contra o seu. Devagar, ela deslizou as pontas dos dedos pelo peito suado, por baixo da camisa, sentindo a suavidade da pele acetinada, a rigidez dos músculos. Lúcio suspirava fundo, e Ana o sentia tremer à medida que acariciava o mamilo rígido com o dedo úmido. — Não faça isso — ele murmurou, a voz rouca. Ana sentiu um prazer cercado de perigo, um prazer único para ambos. Adoravam chegar ao limite. — Nenhuma mulher me toca assim e sai impune. Anabella escondeu o sorriso, inclinou-se e tocou, com a boca, a pele exposta pela camisa aberta. Tocou a pele dele com os lábios, com a língua. Ana fechou os olhos à medida que os dedos do marido se emaranhavam nos cabelos dela, tentando fazê-la parar. Mas ele não era capaz de capturar sua língua. Ele a desejava. Ana deslizou as mãos até sentir os músculos tensos das coxas e lambeu novamente o seu peito. — Você sabe o que eu quero. — Você não é nada sutil. Ela sorriu. — Era para ser? — Querida, você está brincando com fogo. Ana acariciou o bumbum do marido. — Eu adoro fogo. De repente, a mão de Lúcio entrou por baixo da saia dela, os dedos deslizando por baixo da roupa íntima. — Então, terá fogo — disse ao pé do ouvido dela, a língua percorrendo a orelha — e muito mais. Anabella adorava quando a mão de Lúcio deslizava pelas suas curvas, sem se preocupar com as preliminares, com coisas que os outros homens achavam que eram essenciais.


— Promessas, promessas — ela respondeu, provocando-o. Lúcio tirou a blusa dela. Ana não estava usando sutiã e, sem a blusa, estava quase nua. Ele rosnou fundo, as mãos cobrindo os seios dela e imobilizou-a contra a pedra. — Não foi uma promessa vã, nem uma ameaça vã — sussurrou no ouvido dela antes de prendê-la pelos pulsos e erguer-lhe os braços de forma que não pudesse escapar. Prendeu os pulsos dela com uma das mãos, deixando a outra livre. Depois de ter prendido Ana, Lúcio abaixou a cabeça e a boca tocou um dos seios. Ela sentiu a aspereza da barba na pele sensível e o toque da língua no mamilo pontudo. Gemia suavemente enquanto ele cobria o mamilo dolorido com os lábios. Ele a sugava, cobrindo-a de atenção com a boca, a língua e os dentes. Anabella se retorcia, indefesa, enquanto Lúcio levantou a cabeça e se posicionou no outro seio, mas, desta vez, só deslizou a língua pelo seio, e ela o desejava tanto que mal podia ficar em pé. — Não se mexa — ele disse, libertando-lhe as mãos e deixando os braços caírem. — Você é minha. Agachando-se, Lúcio desabotoou os botões laterais da longa saia e observou o tecido fino cair aos pés dela. Devorou-a com os olhos. Lúcio beijou a parte interna da coxa e, depois, um outro beijo um pouco mais acima. Ana ficou sem ar quando ele tirou sua calcinha, empurrando-a até os pés. Ele a prensava cada vez mais contra a pedra, deixando-a exposta para ele. Ela se sentia tão nua e tão vulnerável e, ainda assim, era tudo incrivelmente sensual. Sabia que pertencia a ele. Lúcio tocou-lhe a parte mais alta das coxas com a boca, encontrando calor. Beijou-a intimamente, de maneira gentil e possessiva, usando ternura para derretê-la. Não podia resistir. Com as mãos e a boca nela, Ana sentiu o desejo ficar mais quente, mais intenso, eliminando qualquer inibição. Ele podia fazer o que quisesse com ela. Colocou as mãos na cabeça dele quando o corpo começou a tremer. A língua dele era muito delicada, a paciência infinita, e ele estava provocando o prazer demoradamente. Ela estremecia conforme a tensão aumentava dentro do estômago, estremecendo de novo a cada toque de língua. Os dedos se emaranharam no cabelo negro ondulado. Ela o segurava com firmeza, com medo de que as próprias pernas não a sustentassem.


— Isto é demais — disse, sufocada, a pele vigorosa, o corpo queimando. A risada rouca de Lúcio ecoou, suavemente, na noite estrelada. — Nunca é demais para você.

CAPÍTULO TREZE Com as mãos e a boca, Lúcio levantou-a, erguendo-a como se estivesse escalando um vulcão. A tensão crescia dentro dela, e ela não sabia porque não alcançava o clímax, não sabia como ele podia prolongar tanto o prazer. Mas Lúcio conseguia. O coração de Ana batia tão acelerado que ela ficava sem fôlego. De repente, chegaram à boca do vulcão e tudo era tão quente e brilhante que Ana se sentiu ofuscada com tudo. O corpo explodiu, as entranhas pareciam a própria lava, e as mãos caíram por cima dos ombros de Lúcio, as unhas presas às costas dele. Ana mal tinha se recuperado da sensação maravilhosa quando Lúcio a ergueu, enroscou as pernas dela em seus quadris e inclinou-a contra a pedra, enterrando-se nela devagar. Ana arfava ao tê-lo por inteiro, o corpo ainda tão sensível e os músculos contraídos, indefesos. Com Lúcio enterrado nela, Ana recostou o rosto no peito do marido, o coração batendo forte. Adorava a forma como a segurava e, com ele dentro dela, sentia como se fossem uma só pessoa, juntos para sempre. — Você está tão quente — ele sussurrou. — Nunca senti você assim. Ana beijou-lhe os lábios. — Nunca amei você tanto assim. Devagar, gentilmente, Lúcio começou a se mexer e, com cuidado, fez amor com ela e, apesar de estar prensada contra uma pedra, Ana nunca sentira tanto prazer. Por uns bons minutos, os dois se mexeram juntos, as pernas dela ao redor da cintura dele, os braços ao redor do pescoço, e era como se fizessem parte da noite, parte da natureza. A emoção que Anabella sentia era tão forte que não podia imaginar uma vida melhor que aquela. Quando o marido não pôde mais segurar o prazer, Ana também se rendeu, o


corpo ondulando e dançando ao redor dele. Lúcio nunca ficaria cansado de segurar Anabella, e ele a segurava com cuidado enquanto os corpos saciados esfriavam. Carinhosamente, tirou o longo cabelo de Ana do rosto, a nuca ainda úmida, o adorável corpo nu em seus braços. — Vou partir de manhã — disse, calmamente, segurando-a. Lúcio sentiu Ana endurecer, mas não parou de falar, e não a soltou. — Vou com Victor —• continuou — e ficarei longe uns dois ou três dias. — Vai me deixar aqui? Ana, com raiva, tentou se livrar do marido. — Quero que fique aqui — respondeu. — Em segurança. Os outros tomarão, conta de você. Os traços finos ficaram abatidos. Os olhos, nublados de mágoa. — Mas por que você vai com Victor? Aonde vão? — Para Jujuy. — Você vai à Casa de Ninos sem mim! Ana balançou a cabeça, os olhos cintilando. — Você disse que faríamos isso juntos, que faríamos esta viagem juntos... — Você quer encontrar Tomás, não quer? Ana não falou. Mas ele sabia a resposta. — Victor conhece algumas pessoas — continuou. — Ele tem ligação com gente perigosa. Eu posso me arriscar, mas não quero que você se arrisque. — Não quero que você corra perigo. Talvez devêssemos esperar por Alonso. Ele disse que voltaria em algumas semanas. Não é tanto tempo assim... — Querida, não seja covarde agora. Você sabe tão bem quanto eu que não podemos esperar. Nós dois estamos preocupados com a criança. Estamos ansiosos para descobrir o paradeiro do menino. Ana desvencilhou-se do braço de Lúcio e recolheu as roupas. Vestiu a blusa e a saia. Lúcio viu a esposa com a boca rígida, o brilho das lágrimas nos olhos. Ele a puxou de volta para os seus braços. — Querida, você disse que confiaria em mim. Ana desviou a cabeça. — Pensei que éramos uma dupla! — Somos uma dupla.


— Mas uma dupla não deixa um membro para trás enquanto o outro se arrisca! Lúcio queria rir, mas não ousou. Ana já estava chateada demais. — Somos uma dupla — repetiu, gentilmente —, mas nem sempre é tudo igual, meio a meio. — Está mais para noventa por cento contra dez por cento! — Não é verdade. Se pensar melhor, querida, verá que você controla a situação em Mendoza. Nossa vida tem sido moldada por você, sua família, suas necessidades. — Lúcio viu quando Ana abriu a boca e levantou uma das mãos. — Sempre aceitei isso, nunca lamentei nenhuma das escolhas que fiz, mas estamos no meu mundo e eu dou a última palavra. — Mas sou forte, Lúcio. Sou esperta. Você não precisa me deixar para trás. Lúcio sentiu um calor subir quando Ana ergueu o queixinho orgulhoso e os olhos verdes suplicaram para que ele não a deixasse. Ana não sabia, mas era realmente uma parceira, uma companheira, sua outra metade. Se tivesse nascido em Salta, em uma família como a dele, teria sido uma versão feminina de Lúcio. Talvez outro homem ficasse assustado com sua fibra, seu fogo, suas emoções fortes, mas Lúcio adorava tudo isso nela. Lúcio pegou o queixinho da esposa. — Somos como o honero — ele disse, falando de um pequeno pássaro argentino. — A honero fêmea escolhe o companheiro baseada no ninho que o honero macho constrói. A fêmea é muito seletiva. Gosta de conforto, mas, principalmente, gosta de segurança. Não se junta ao primeiro macho que encontra. Ela inspeciona o ninho de cada macho antes. Os lábios de Ana tremiam. — Você está me falando sobre um passarinho e a construção de ninhos agora! Lúcio controlou a vontade de rir. Ana estava muito furiosa. — Sim. É uma boa história. Escute. — Ele a beliscou de leve no queixo. — A honero fêmea escolhe o melhor construtor de ninhos porque o ninho deve proteger a família do vento, do frio e dos predadores. Lúcio baixou o queixo dela e a fitou. — Você me escolheu, querida, porque sabe que sou o melhor construtor de ninhos para você. Sabe que ninguém mais pode lhe dar a segurança e a proteção de que precisa. Sabe... — parou, abaixou a cabeça, beijou-a —,


ninguém vai amá-la como eu. Ana tentou acalmar a impetuosidade, a força da batida do coração. Odiara o início da história de Lúcio, mas, no final, o coração parecia que ia explodir. — Você ainda me ama — sussurrou, lágrimas brotando nos olhos. — Claro. Honeros, minha mulher, meu amor para toda a vida. Sou seu assim como você é minha. — Abaixou a cabeça e deu-lhe um longo e vagaroso beijo. — Confie em mim — disse, o corpo quente encostado a ela, os braços fortes ao redor da esposa. — Eu confio. — Nunca vou abandonar você, traí-la ou colocá-la em perigo. Acredite em mim, Ana. Vou voltar, ou mandar buscá-la, assim que souber de alguma coisa. Assim que tiver certeza de que não há perigo. Ana balançou a cabeça afirmativamente, as lágrimas ficaram presas na garganta, o amor incendiando o coração. — Ok. Pode ir — sussurrou, colocando os braços ao redor do pescoço de Lúcio. — Mas terá de fazer amor comigo mais uma vez esta noite, antes de ir. Lúcio ficou fora dois dias, que pareceram uma eternidade. No final da tarde do segundo dia, Ana sentou em uma pedra perto do lago, os braços ao redor dos joelhos dobrados. O calor da tarde estava dando lugar a uma temperatura mais fresca. Sabia que, ao cair da noite, precisaria do poncho novamente, pois o frescor daria lugar ao frio. Seria mais uma noite com os outros ao redor da fogueira. Os gaúchos trabalhavam duro durante o dia. À noite, todos se juntavam para relaxar, fazer companhia um ao outro, descarregar a energia com os amigos. Era uma vida simples. O sol baixava devagar no céu e Anabella viu um grupo de homens chegar a cavalo. Um dos homens cavalgou na direção de Ana. Por um momento, pensou que fosse Lúcio e se levantou. Mas não era Lúcio. Protegeu os olhos da claridade para vê-lo melhor. O gaúcho estava suado e a camisa fina de algodão grudada no peito, o tecido desbotado desenhando os contornos dos músculos, o decote aberto mostrando a pele lustrosa, tom de cobre. Ana não o conhecia, mas ele se parecia com Lúcio. Traços fortes semelhantes. O nariz era um pouco mais fino, a boca não tão generosa. Mas


havia ternura nos olhos. — Senhora Cruz — disse o gaúcho, saltando do cavalo. Era mais alto que os outros gaúchos. — Deve vir comigo. Lúcio quer que esteja lá amanhã de manhã. Ana olhou, indefesa, para os outros. Os gaúchos à fogueira não pareciam nem um pouco preocupados. — Vamos viajar a noite toda? — Não é difícil. Anabella sentiu uma onda de medo. Como poderia confiar nele? — Só nós dois? — Não, os outros vão conosco. — Indicou com a cabeça os dois gaúchos que esperavam perto do lago. — Não se preocupe. Não vai ficar sozinha comigo. — Não. Vou ficar sozinha com três homens estranhos. Os lábios do gaúcho quase se curvaram. Os olhos negros brilharam. — Lúcio disse para lembrá-la da história do honero. Disse para lembrá-la de que a senhora o escolheu. Parte do desconforto desapareceu. O honero. O pequeno e sábio construtor de ninhos da Argentina. Ela quase sorriu. Somente Lúcio pensaria em lembrá-la de um pequeno pássaro marrom. Somente Lúcio iria lembrá-la de que ela era dele para toda a vida. O olhar de Ana encontrou o do gaúcho e o homem sorriu discretamente. Havia alegria nos olhos negros e nos lábios. — Não se preocupe. Lúcio não mandaria qualquer um aqui. A senhora é o coração dele. Confiou a senhora a mim porque sabe que sou quase tão valente quanto ele. Ana o fitava sem piscar. — Você deve conhecê-lo muito bem. — Sim. — Estendeu-lhe a mão. — Sou Orlando Cruz, o irmão mais novo de Lúcio. O que a faz minha irmã. O irmão de Lúcio. O olhar de Ana continuava preso ao dele e ela não sabia se ria ou chorava. Devagar, estendeu-lhe a mão. Quisera tanto conhecer a família de Lúcio. — Oi, Orlando. Cumprimentaram-se. A mão de Orlando era firme e quente.


— Oi, Anabella. Pegue suas coisas. Precisamos ir.


Cavalgaram a noite toda, Ana sentada na frente de Orlando. Tentou sentarse reta e manter distância, mas, em determinado momento da noite, o cansaço chegou e ela fechou os olhos. Levou um momento para Ana perceber que tinham parado de cavalgar e não estavam mais em movimento. Tudo estava quieto. Sentiu quando mãos fortes a ergueram e, sonolenta, abriu os olhos. Ana piscou. — Lúcio? Ele deu um sorriso franco enquanto a colocava de pé. — Não, você não está sonhando, querida. Está aqui comigo. Não só ela estava ali com ele, como também não era mais noite. Deu uma olhada em volta e percebeu que estavam em uma cidade pequena em frente a um simples edifício em pedra. — Que horas são? — Passa um pouco das sete. De repente, estava bem desperta e lembrou por que Lúcio a deixara, por que mandou buscá-la. — Descobriu alguma coisa sobre Tomás? — Sim. — Lúcio pegou a sacola que estava com Orlando e, com o braço ao redor da cintura de Ana, conduziu-a ao prédio. — Fale logo! — Não quer um café primeiro? Algo para comer? — Não. — Ela se agarrou à camisa dele. — Está vivo? Está bem? Me diga, Lúcio, que o menino está em segurança. O longo cabelo caiu no rosto e ele jogou os fios espessos para trás das orelhas. — Ele está bem. Mas é complicado. Sente-se. Coma alguma coisa. — Não! — Colocou os braços ao redor da cintura do marido, puxando-o para perto. — Por favor, Lúcio, você está me assustando. O que aconteceu com ele? Onde está? Lúcio abriu a porta da pequena casa. Estava um pouco escuro lá dentro e Ana sentiu a mão de Lúcio pressionando-a nas costas, fazendo-a entrar. De repente, parou de andar. Com medo, Ana procurou pela mão do marido.


— Lúcio. — Estou aqui. Ana piscou forte e, ainda assim, as duas pessoas em pé à frente dela não foram embora. Um homem alto, com ombros largos e cabelo preto espesso, em pé ao lado de um menino. — Bom dia, Anabella. Reconheceu a voz. Ouvira aquela voz apenas algumas vezes, mas nunca se esqueceria do sotaque. — Alonso? — É bom vê-la aqui — disse, e enquanto sorria, ela notou uma cicatriz no rosto. — Estávamos à sua espera.

Estávamos à sua espera? O que isso significava? Olhou para Alonso e para a criança. Ana sentiu calor. Frio. Começou a tremer. Olhou mais uma vez para o menino. Desta vez, viu somente o menino. Tomás. Ficou boquiaberta. Não era um bebê. Era um menino com cabelo preto. Pele dourada. Olhos verdes. Olhos verdes. Ana não conseguia ver. As lágrimas a cegavam. Virou-se para Lúcio e enterrou o rosto no peito do marido. Tremia violentamente, um tremor atrás do outro. — Anabella — Alonso voltou a falar —, este é Tomás. Ele tem cinco anos e gostaria muito de ter uma cama de verdade, uma casa de verdade, e uma mamãe e um papai de verdade. O coração de Ana parecia que ia explodir. Virou a cabeça, a bochecha encostada no peito de Lúcio. Ana abriu os olhos. Tomás estava ali. Linda cor de pele. O cabelo precisava de um corte. Uma boca firme que não sorria muito. Mas foram os olhos dele que a prenderam, que lhe deram esperança. Os olhos dele a fizeram acreditar. — Ana — Lúcio disse, a voz grave, rouca e emocionada —, encontramos nosso filho. Os dedos de Ana encontraram os dele, apertando-os com firmeza. Olhou para Lúcio, sem ter a certeza do que pensar.


— Ele é realmente nosso... — Ele é realmente nosso. — Não estou querendo dizer biologicamente, não me importa se é nosso filho biológico, mas ele é nosso? Podemos adotá-lo? Podemos levá-lo para casa... — Ana — Lúcio interrompeu —, ele é nosso. Tomás é nosso filho biológico. Estava certa o tempo todo, querida. Você teve um bebê. Este é o nosso bebê. Ana sentiu como se estivesse levando um choque. Era difícil respirar, muito difícil engolir. — Como sabe? — Fizemos um teste de DNA — disse Alonso. — Os resultados chegaram ontem à noite. — Mas, no ano passado... você disse que ele não podia ser... — Estava errado. — A expressão de Alonso era de quem pedia desculpas. — Ele era tão pequeno que calculamos mal a idade. O médico que trabalha conosco acreditava que Tomás era um ano mais novo do que seu filho seria. Ana balançou a cabeça, incapaz de acreditar no que estava acontecendo. Ela queria, desesperadamente, ir até Tomás, abraçá-lo, mas o menino parecia distante, e ela não queria assustá-lo. — Alonso não havia deixado o país — Lúcio continuou, abraçando a esposa. — Estava trabalhando com o governo, tentando fazer com que conseguíssemos legalmente a guarda da criança, mas não queria nos encontrar antes de ter as respostas definitivas. Ana não conseguia acreditar que Lúcio estivesse tão calmo. As pernas dela tremiam, os joelhos praticamente batendo. Sentia calor e frio por todo o corpo. — Quando colheu sangue para o teste de DNA? — Em Mendoza, no dia seguinte à conversa com Alonso, dei uma passada no consultório do Dr. Dominguez. Ele colheu o sangue. E Alonso já tinha o sangue de Tomás. Colheram no ano passado, quando o resgataram da Casa de Ninos. Ana olhou Tomás de relance. O menino continuava sério, mas não estava amedrontado. Para uma criança pequena, ele tinha uma calma admirável. — Você não me disse nada. Lúcio encolheu os ombros. — Não queria lhe dar esperanças e, sinceramente, não sabia em que


acreditar, então, comecei uma investigação por conta própria. Ana olhou novamente para Tomás, para seu sorriso discreto, e ela mesma sorriu, apesar da incrível mistura de alegria e dor. Queria o menino em seus braços. Queria abraçá-lo, mas estava com medo, não sabia se podia tocá-lo agora, estava receosa de que as lágrimas que tentava esconder começassem a cair e o assustassem. Precisava pensar nele, em tudo o que ele estava passando. Contudo, o menino permanecia muito altivo e tinha um rostinho forte e olhos verdes penetrantes. Assim como Lúcio. Assim como o tio, Orlando. Ana sorria vagamente. Assim como os irmãos dela, Dante e Tadeo. — E agora? — perguntou, com a voz embargada, sentindo uma onda quase insuportável de alegria. Talvez não pudesse abraçá-lo ainda, mas haveria centenas de abraços mais tarde. Banhos de espuma, historinhas, idas ao parque. A fisionomia séria de Alonso foi ficando mais suave. — Vão se encontrar com alguns funcionários públicos ainda hoje, assinarão a papelada e levarão o filho de vocês para casa. Ana oscilava, ainda atordoada, maravilhada. — Só isso? — Não exatamente. — Lúcio hesitou. — Ana, antes de ficar tão feliz, há uma coisa que precisa saber. Tomás não vem sozinho. Ana desviou o olhar de Lúcio para Alonso. O que ele queria dizer? — Diga que ele não foi ferido por ninguém. — Não, nada disso. Embora o menino tenha passado momentos muito difíceis, pulado de casa em casa e, depois, de orfanato em orfanato nos últimos quatro anos. Ana sentiu uma pontada de dor ao pensar que Tomás sofrerá tanto. Ainda havia tantas perguntas a fazer, tanta coisa que precisava saber, mas agora não era hora, não com Tomás ali, em pé, como se fosse um soldadinho. Lúcio sinalizou para Alonso, que fez um movimento e, devagar, com muito jeitinho, tirou outro menino de trás dele. O coração de Ana palpitava e ela sentiu o braço do marido apertar sua cintura. Outra criança! Lúcio sorriu para encorajar o menino que tentava, desesperadamente, se


esconder atrás da figura altiva de Alonso, mas, em contrapartida, não fez nenhum movimento em direção ao menino. — Durante o último ano, quando foi transferido para o novo orfanato, Tomás adotou este companheiro. A voz de Lúcio era baixa, gentil e tranqüila. — Tomás considera Túlio um irmão. E o protege. Alonso poderá lhe dizer o quanto as crianças são unidas. Ninguém disse nada por um momento. O coração de Ana pulsava forte. Lúcio olhou Anabella de relance. — Não gostaria de separá-los. — Os olhares se encontraram e se mantiveram presos um ao outro. — Mas não vou forçar nenhuma decisão. A escolha é sua. Havia uma escolha? Ela se perguntava, enquanto via Tomás — o pequeno Tomás, filho deles — indo em direção a Túlio e pegando a mãozinha rechonchuda do outro menino. Tomás tinha a mesma tez de Ana, mas Túlio tinha a pele mais escura, mais indígena, com cabelo fino, liso e preto, grandes olhos negros, e uma linda pele dourada. Túlio era muito pequeno, acabara de aprender a andar. — Então, temos dois meninos — ela disse suavemente. A voz de Lúcio também estava abafada. — Sei que é muita coisa para decidir agora... — Não. Vamos levar os dois para casa, temos de levá-los. — Não quero que se sinta obrigada a isso. Sei que, até pouco tempo atrás, você não queria adotar, e não quero forçá-la a isso, agora que está cansada... — Pare. — Apertou o antebraço do marido e balançou a cabeça. Era ridículo, sem sentido, trazer essa discussão à tona agora. — Não há diferença entre as crianças. Tomás pode ser nosso filho biológico, mas é um estranho para nós, e nós para ele. Apesar de tudo, será necessária uma grande adaptação. Se ele ama Túlio, devem permanecer juntos. Devem vir para nós como irmãos. — Não precisamos decidir agora. Mas decidiram. Anabella sentiu o olhar fixo, a tranqüilidade do marido. Lúcio não queria pressioná-la ou influenciá-la. Realmente queria que ela decidisse, e Ana sentia amor, ternura e desejo pelo marido. Ele havia se tornado um guerreiro por causa dela. Um príncipe. Um vinicultor. Um estudioso.


— Isso vai mudar tudo — disse, olhando os meninos de relance com os ombros pequenos, pernas finas, as mãos entrelaçadas. Estavam encarando um futuro desconhecido e permaneciam tão resolutos, tão destemidos. O coração de Ana pulsava forte. Crianças nunca deveriam ter necessidade de ser tão corajosas. — Já mudou — Lúcio respondeu. Os olhos de Ana se encheram de lágrimas. Era verdade. Só o fato de conhecer Tomás já mudara tudo. Não era mais apenas romance, sexo, paixão. Era uma família. Era força, amor, coragem, estabilidade. Era esperança. E a maior parte disso tudo se devia ao fato de ter mantido a fé mesmo diante do medo e da incerteza. Ana ajoelhou-se, as mãos trêmulas nas coxas e, por um longo momento, observou os rostinhos dos meninos, observou os olhos solenes, um par de olhos negros, um par de olhos verdes, e sorriu enquanto as lágrimas se mantinham presas aos olhos. — Olá, Tomás e Túlio. Sou Anabella Cruz. Sou a mamãe de vocês.


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